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P á g i n a 1 | 185 POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL CLÁUDIO DO PRADO AMARAL LUIZ FABRICIO VIEIRA NETO POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL CAED - U FMG Belo Horizonte, MG 2014 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Presidenta da República Federativa do Brasil Dilma Vana Rousseff MINISTRIO DA JUSTIÇA Ministro de Estado da Justiça José Eduardo Cardozo DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional Augusto Eduardo de Souza Rossini DIRETORIA DE POLÍTICAS PENITENCIÁRIAS Diretor de Políticas Penitenciárias Luiz Fabrício Vieira Neto ESCOLA NACIONAL DE SERVIÇOS PENAIS Diretora da Escola Nacional de Serviços Penais Mara Fregapani Barreto UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Reitor Prof. Jaime Arturo Ramirez Vice-Reitoria Prof. Sandra Regina Goulart Almeida Pró Reitor de Graduação Prof. Ricardo Hiroshi Caldeira Takahashi Pró Reitor Adjunto de Graduação Prof. Walmir Matos Caminhas Pró-Reitora de Extensão Prof. Benigna Maria de Oliveira Pró-Reitora Adjunta de Extensão Prof. Cláudia Andrea Mayorga Borges EQUIPE CASSP / UFMG Coordenação geral Prof. Fernando Selmar Rocha Fidalgo Coordenação pedagóg ica Prof. Eucidio Pimenta Arruda Coordenação tecnológica Prof. Wagner José Corradi Barbosa Coordenação de produção audiovisual Prof. Evandro José Lemos da Cunha Coordenação administrativa Thatiana Marques dos Santos CENTRO DE APOIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretor de Educação a Distância Prof. Wagner José Corradi Barbosa Coordenador da Universidade Aberta do Brasil- UAB/UFMG Prof. Eucídio Pimenta Arruda EDITORA CAED - UFMG Editor Prof. Fernando Seimar Rocha Fidalgo Produção Editorial Marcos Vinícius Tarquínio Autoria Cláudio do Prado Amaral Colaboração Eucídio Arruda Gisela Colaço Geraldi Patrícia Sommer Sara Coutinho Design Educacional Durcelina Ereni Pimenta Arruda Revisão de Texto Jussara Frizzera Projeto Gráfico Departamento de Design/Caed Formatação Pedro Peixoto CONSELHO EDITORIAL Prof. André Márcio Picanço Favacho Prof. Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben Prof. Dan Avritzer Prof. Eliane Novato Silva Prof. Eucídio Pimenta Arruda Prof. Hormindo Pereira de Souza Prof. Paulina Maria Maia Barbosa Prof. Simone de Fátima Barbosa Tófani Prof. Vilma Lúcia Macagnan Carvalho Prof. Vito Modesto de Bellis Prof. Wagner José Corradi Barbosa P á g i n a 8 | 185 NOTA DO EDITOR A Universidade Federal de Minas Gerais atua em diversos projetos de Educação a Distância que incluem atividades de ensino, pesquisa e extensão. Dentre elas, destacam-se as ações vinculadas ao Centro de Apoio à Educação a Distância -CAED -, que iniciou suas atividades em 2003, credenciando a UFMG junto ao Ministério da Educação para a oferta de cursos à distância. O CAED-UFMG, Unidade Administrativa da Pró-Reitoria de Graduação, tem por objetivo administrar, coordenar e assessorar o desenvolvimento de cursos de graduação, de pós-graduação e de extensão na modalidade a distância, desenvolver estudos e pesquisas sobre educação a distância, promover a articulação da UFMG com os polos de apoio presencial, como também produzir e editar livros acadêmicos e/ou didáticos, impressos e digitais, bem como a produção de outros materiais pedagógicos sobre Educação a Distância - EAD. A Editora CAED-UFMG tem a honra de publicar esta obra que foi demandada pela Escola de Serviços Penais do DEPEN-MJ que será utilizada para a Capacitação de Servidores do Sistema Prisional. Esperamos que todos possam aproveitar bastante o que, neste momento, tornamos disponível para sua leitura, comentários e sugestões. Fernando Se/mar Rocha Fidalgo Editor P á g i n a 9 | 185 SOBRE OS AUTORES CLÁUDIO DO PRADO AMARAL Professor associado da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto-USP. Coordenador do Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP. Pesquisador e membro da equipe institucional do Observatório Nacional do Sistema Prisional - Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça/UFMG. Graduado em direito pela USP, especialista em direito penal pela USP, mestre em direito penal pela USP, doutor em direito penal pela USP e Livre Docente em direito processual penal pela USP. Juiz de direito desde janeiro de 1991. Juiz corregedor da polícia judiciária e Juiz corregedor dos Presídios de Piracicaba - SP de março/1995 a novembro/2003. Juiz corregedor dos Presídios de São Paulo- SP e dos Presídios de Segurança Máxima do Estado de São Paulo de abril/2007 a março/2009. Juiz da 2!! Câmara Criminal Extraordinária - "D», do Tribunal de Justiça de São Paulo de fevereiro de 2008 a agosto de 2009. LUIZ FABRICIO VIEIRA NETO Advogado. Atuou como Diretor de Políticas Penitenciárias do Ministério da Justiça, Secretário Adjunto de Justiça da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) de Mato Grosso e Assessor Técnico de Gabinete do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça. Especialista em Direito Civil e Processo Civil - Instituto Processus. P á g i n a 10 | 185 LISTA DE ABREVIATUR AS E SIGLAS ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas ACUDA -Associação Cultural de Desenvolvimento do Apenado e Egresso ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental CAHMP - Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa CF - Constituição Federal CIMI - Conselho indigenista Missionário CNCD/LGBT - Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNJ - Conselho Nacional de Justiça CNPCP - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária CREAS - Centros de Referência Especializados de Assistência Social DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional DST - Doenças Sexualmente Transmitidas FUNAI - Fundação Nacional do Índio HIV/AIDS -Síndrome da Imunodeficiência Adquirida IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística lnfoPen -Sistema de Informações Penitenciárias LEP - Lei de Execução Penal LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros LGBTTI - Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais, Travestis e Transgêneros NBR - Normas Brasileiras de Normatização OEA - Organização dos Estados Americanos OIT -Organização Internacional do Trabalho OMS - Organização Mundial de Saúde ONU - Organização das Nações Unidas PNAISP - Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Pessoa Privada de Liberdade no Sistema Prisional PNAMPE - Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional PNGATI - Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas RAPS - Rede de Atenção Psicossocial SIC - Serviço de Informação ao Cidadão SPI - Serviço de Proteção aos Índios S US -Sistema Único de Saúde USP - Universidade de São Paulo P á g i n a 11 | 185 Sumário APRESENTAÇÃO ...................................................................................................... 14 OBJETIVOS .......................................................................................................... 14 MÓDULO 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL ..................................... 17 Aula 1 - POLÍTICA: FINS E SISTEMA ............................................................... 19 Aula 2 - POLÍTICA CRIMINAL E POLÍTICA PENITENCIÁRIA ....................................... 19 Aula 3 - SUJEITOS DA POLÍTICA PENITENCIÁRIA ..................................................... 23 Aula 4 - FINALIDADES DO SISTEMA E FINALIDADES DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ............................................................................................................ 24 4.1. A pena como castigo ..................................................................................... 25 4.2. A pena como prevenção geral ....................................................................25 4.3. A pena como prevenção especial ............................................................ 26 4.4. A ressocialização como política penitenciária de sobreposição ............. 27 Aula 5 - PRÁTICAS DE ALTERNATIVAS PENAIS ...................................................... 29 5.1 As penas restritivas de direitos .................................................................. 29 5.2 As práticas de justiça restaurativa ............................................................. 31 5.3 A reparação do dano antes do oferecimento da denúncia ...................... 34 5.4 Os mecanismos de suspensão condicional do processo penal ................ 35 5.5 O abreviamento do tempo de pena privativa de liberdade ...................... 36 5.6 As medidas cautelares penais de natureza pessoal .................................... 38 5.7 A transação penal ........................................................................................ 39 5.8 A suspensão condicional da pena ................................................................ 41 Aula 6 - ARQUITETURA PRISIONAL - A EVOLUÇÃO DA ARQUITETURA PRISIONAL ... 44 6.1.A unidade prisional como estrutura complexa .......................................... 46 6.2. A Resolução nº 09/2011do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) .................................................................................... 49 Aula 7 - ARQUITETURA PRISIONAL NO BRASIL ........................................ 55 Aula 8 - MODERNIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL .............................................. 64 Aula 9 - MODERNIZAÇÃO DO SISTEMA - RECURSOS ........................................... 69 9.1 Sistema De Informações Penitenciárias .......................................................... 70 9.2 Financiamento E Repasse De Recursos ............................................................ 72 MÓDULO 2 - ASSISTÊNCIA E GÊNERO NO SISTEMA PRISIONAL ...................... 79 Aula 1 - O GÊNERO NO SISTEMA PRISIONAL .................................................... 80 P á g i n a 12 | 185 Aula 2 - O GÊNERO FEMININO .............................................................................. 81 Aula 3 - O GÊNERO CONFORME A OPÇÃO AFETIVA ............................................ 82 Aula 4 - SEPARAÇÃO ETÁRIA ..................................................................................... 84 Aula 5 - SEPARAÇÃO CONFORME A SITUAÇÃO JURÍDICA ............................................ 86 Aula 6 - SEPARAÇÃO CONFORME A NATUREZA DO CRIME ..................................... 87 Aula 7 - ASSISTÊNCIA SOCIAL E APOIO AO EGRESSO ................................................ 88 Aula 8 - GÊNERO NO SISTEMA PRISIONAL ............................................................... 93 Aula 9 - PRÁTICAS DE ALTERNATIVAS PENAIS E MONITORAÇÃO ELETRÔNICA ...... 103 MÓDULO 3 - A EDUCAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL ........................................ 114 Aula 1 - EDUCAÇÃO E QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DE PESSOAS PRESAS . 116 1. A educação formal ................................................................................. 116 2. Educação formal nas prisões ................................................................. 117 3. A obrigatoriedade da educação para a população prisional ............................ 118 4. A especificidade do processo educacional destinado aos detentos ... 119 5. Educação e remição de pena ................................................................ 123 6. A educação profissionalizante .............................................................. 125 7. As diretrizes da política nacional de educação destinada à população prisional ........................................................................................................... 127 Aula 2 - FORMAÇÃO E QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DE SERVIDORES DO SISTEMA PRISIONAL ........................................................................................................... 130 1. A formação institucional ........................................................................ 130 Aula 3 - EDUCAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL E QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DE PESSOAS PRESAS ............................................................................................... 138 Aula 4 - FORMAÇÃO E QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DE SERVIDORES .......... 145 1. Introdução .............................................................................................. 145 2. Educação coorporativa .......................................................................... 146 3. Capacitação do servidor público .......................................................... 147 4. Políticas para o sistema prisional ......................................................... 148 5. Matriz curricular ..................................................................................... 150 6. Escolas de gestão penitenciária ........................................................... 151 Aula 5 - QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL E TRABALHO E RENDA DE PESSOAS PRESAS ............................................................................................................... 152 Módulo 4 - SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA ......................................................... 159 P á g i n a 13 | 185 Aula 1 – SAÚDE NO CONTEXTO CARCERÁRIO .............................................. 160 1. A saúde prisional e o direito ................................................................ 160 2. Aspectos saúde prisional ........................................................................ 162 3. O modelo de saúde prisional ................................................................ 164 4. A Portaria lnterministerial nº 01/2014 ................................................. 165 Aula 2 - QUALIDADE DE VIDA DO SERVIDOR PENITENCIÁRIO ........................... 167 1. Qualidade de vida no trabalho ........................................................... 168 2. A valorização do trabalho do servidor penitenciário .......................... 170 3. A saúde do servidor prisional ................................................................ 173 4. A remuneração ...................................................................................... 175 5. A segurança no trabalho do servidor.................................................... 176 6. Aspectos particulares ............................................................................ 177 Aula 3 - ASSISTÊNCIA EM SAÚDE NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO ... 178 1. Breve relato sobre o Sistema Prisional Brasileiro ................................ 178 2. Assistência em saúde no sistema prisional .......................................... 179 3. Legislação pertinente .............................................................................. 184 P á g i n a 14 | 185 APRESENTAÇÃO Olá, seja bem-vindo ao curso Políticas Públicas no Sistema Prisional! Saiba que políticas públicas são ações e programas realizados, desenvolvidos e mantidos direta ou indiretamente pelo Estado, com a participação de entes públicos ou privados; é assegurar um ou alguns direitos de cidadania, de forma ampla ou especificamente direcionada, para determinado seguimento social, cultural, étnico ou econômico. Nesse sentido, a realização deste curso tem o intuito de apresentar e provocar uma ampla discussão a respeito das políticas públicas no sistema prisional. OBJETIVOS Ao final deste curso, espera-se que você seja capaz de: • Reconhecer a organização das políticas públicas no sistema prisional; • Identificar os sujeitos da política penitenciária; • Compreender as finalidades do sistema e finalidades da pena privativa de liberdade; • Compreender a organização do sistema prisional; • Identificar a questão do gênero no sistema prisional; • Considerar a educação e qualificaçãoprofissional de pessoas presas; • Recomendar a formação e qualificação profissional de servidores do sistema; • Analisar a saúde no contexto carcerário; • Discutir a situação da saúde dos envolvidos no sistema prisional. P á g i n a 15 | 185 O material didático do curso Políticas Públicas no Sistema Prisional está estruturado em quatro módulos, de modo a possibilitar a você oportunidade de debater e construir embasamento teórico e prático a respeito das políticas públicas no sistema prisional. Módulo 1- A Política Pública no Sistema Prisional Consiste em apresentar o conceito de política, seus fins e sistema; a política criminal e a política penitenciária; os sujeitos da política penitenciária e as finalidades do sistema e da pena privativa de liberdade; a evolução da arquitetura prisional desde o início até os dias de hoje, bem como a unidade prisional como estrutura complexa; e a Resolução nº 09/2011do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP - que regulamenta como devem ser erguidas as novas unidades prisionais. Módulo 2 -A Questão do Gênero no Sistema Prisional É apresentado neste Módulo o Artigo 5º da Constituição Federal, o qual versa sobre as garantias em favor da presa de maneira mais digna: "A pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo da pessoa presa". O tratamento penal que é dado a uma pessoa do sexo feminino não pode ser igual a uma pessoa do sexo masculino. Em todos os aspectos deve ser adequado ao gênero feminino. Também será debatido o aumento da prisionalização de mulheres, hoje desproporcionalmente maior em relação ao dos homens. Módulo 3 - A Educação no Sistema Prisional Assim como em qualquer outro ambiente, surge com o objetivo de ofertar os processos educativos promotores da vida humana, que são elementares para o desenvolvimento político e econômico e para o alcance da democracia e da igualdade social. Constitui-se ainda em importante recurso para a ressocialização de pessoas em privação de liberdade, da mesma forma que o trabalho. O exercício de qualquer profissão requer, ao menos, o aprendizado fundamental e o aprendizado profissionalizante. Essa exigência pode aumentar conforme o grau de especialização da profissão, isto é, conforme suas particularidades. Por isso, P á g i n a 16 | 189 em muitos casos, exige-se a educação formal em nível médio, em outros tantos o ensino técnico e, afinal, para muitas profissões exige-se o ensino superior. Módulo 4- Saúde e Qualidade de Vida no Sistema Prisional Quatro fatores se associam e afetam a saúde do servidor: • precárias condições de trabalho; • insuficiência do quadro funcional; • turno de 24 horas de trabalho por 72 de descanso; e • baixo reconhecimento social do valor do trabalho do servidor. Com isso, o prazer de trabalhar diminui e a tensão laboral aumenta. A sensação de bem-estar no trabalho é baixa e não raro a sensação é de sofrimento. Em razão disso, as enfermidades psicológicas afetam expressiva porção dos servidores do sistema. Por vezes, o grau de infelicidade é tão grande que leva ao suicídio. Concentramos, portanto, nossas observações nesse tema: a questão da saúde psicológica do servidor. Os quatro elementos acima contribuem para a depressão, a angústia ou a ansiedade do preso. TEMPO DE DEDICAÇÃO AO CURSO O curso Políticas Públicas no Sistema Prisional, com carga horária prevista de 40 (quarenta) horas, dessa forma recomendamos que você dedique 02 (uma) hora por dia de estudo. AVALIAÇÃO E APROVAÇÃO Ao final de cada módulo, você terá questões auto avaliativas, que não são contabilizadas para a nota final. A nota mínima para aprovação do curso é 70. A única atividade que vale pontos no curso é a AVALIAÇÃO FINAL. Você terá até 3 tentativas para ser aprovado. Cada tentativa da avaliação possui um tempo máximo de 02 (duas) horas para ser concluída. Bom estudo! P á g i n a 17 | 189 MÓDULO 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA PRISIONAL APRESENTAÇÃO DO MÓDULO Caro Aluno, As políticas públicas correspondem a um direito que está positivado e assegurado na Constituição Federal. O conteúdo da nossa Constituição Federal (CF/1988), assim como em outros países, é o produto de conquistas históricas do homem. São conquistas que asseguram ao ser humano ou a um grupo de pessoas contra a ingerência do Estado. A origem remota dessas conquistas está na primeira democracia de que se tem notícia: a democracia ateniense, que é a matriz da democracia moderna. Muitos saberes da Antiguidade também serviram de matriz ou protótipo daquilo que viriam a ser direitos fundamentais. Um expressivo marco dos direitos fundamentais é o princípio da legalidade, cuja origem apontada com a promulgação da Magna Carta, de João Sem Terra, no ano de 1215, na Inglaterra. Pela primeira vez firmou-se um documento em que o Estado era obrigado a reconhecer direitos em favor de seus governados. São exemplos de políticas públicas a educação, a saúde e a habitação, todos reconhecidos na Constituição Federal. Existem, hoje, muitos direitos novos inseridos nas constituições das nações ao redor do mundo. Os juristas costumam classificar estes novos direitos conforme seu surgimento em gerações. Estamos na quarta geração de direitos fundamentais e é aqui que encontramos uma série de novas garantias de todo e cada cidadão contra o Estado, as quais devem ser efetivadas através das políticas públicas. Não estamos nos referindo à política no sentido de "politicagem", que é uma prática antiética e desviada do bem público, pouco preocupada com o bem-estar da sociedade. Tratamos, aqui, da política no seu sentido original, que deriva da antiga polis grega, onde o trato da coisa pública era uma atividade muito ética e respeitosa. Vamos ao conteúdo! P á g i n a 18 | 189 OBJETIVOS Esperamos que você, ao final do estudo deste módulo, seja capaz de: • Reconhecer a organização das políticas públicas no sistema prisional; • Identificar os sujeitos da política penitenciária; • Compreender as finalidades do sistema e finalidades da pena privativa de liberdade; • Compreender a organização do sistema prisional. ESTRUTURA DO MÓDULO Na tentativa de organizar a discussão, este Módulo está dividido em nove itens: Aula 1 - Política: fins e sistema; Aula 2 - Política criminal e política penitenciária; Aula 3 - Sujeitos da política penitenciária; Aula 4 - Finalidades do sistema e finalidades da pena privativa de liberdade; Aula 5 - Práticas de alternativas penais; Aula 6 - Arquitetura prisional - a evolução da arquitetura prisional; Aula 7 – Arquitetura prisonal no Brasil; Aula 8 - Modernização do Sistema Prisional; Aula 9 - Modernização do Sistema – Recursos. P á g i n a 19 | 189 Aula 1 - POLÍTICA: FINS E SISTEMA Em sua dinâmica, a política é um processo de diálogo. Por meio de sucessivos tratos éticos em busca do bem comum, escolhem-se quais são as ações e processos que melhorarão a vida em sociedade, garantindo um direito constitucionalmente reconhecido. A finalidade da política pública é melhorar a vida da sociedade como um todo. Uma política pública não deve ser contraproducente, isto é, não pode ter mais resultados negativos que positivos, sendo que estes devem superar em larga margem a quantidade de resultados negativos. Nesse sentido, a finalidade das políticas públicas de educação consiste em melhorar a qualidade e a quantidade de aquisição de conhecimentos das pessoas para a vida em comum através da educação formal, informal e profissionalizante. Se isso não ocorrer, isto é, se o sistema de educação forma pessoas sem os conhecimentos suficientes e adequados será contraproducente. Já a finalidade das políticas públicas de saúde tem comoobjetivo melhorar as condições de vida das pessoas por meio da prevenção de enfermidades, bem como curar os cidadãos que vierem a ser acometidos por doenças. Aula 2 - POLÍTICA CRIMINAL E POLÍTICA PENITENCIÁRIA A segurança é um dos direitos que o Estado assegura a todos nós, cidadãos brasileiros. Esta garantia está inscrita numa posição tópica da nossa Constituição Federal de 1988, no Art. 52, caput. Isso significa que ocupa uma posição muito importante dentre tantos direitos que constam na nossa Carta Maior. Veja o que ela diz: ''Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)". P á g i n a 20 | 189 O significado da expressão segurança é muito amplo, é interpretado com maior ou menor amplitude, mas sempre de modo amplo. Todavia, existe um significado que está fora de dúvidas: o direito à segurança se expressa no direito que todos têm de viver em sociedade sem perturbações severas ou violentas em sociedade. Claro que conviver em sociedade é sempre complicado e exige concessões de todos para que haja paz. Referimo-nos, aqui, àquelas perturbações graves da vida em comunidade, como insurreições, violência e crime. A nós nos interessa, o direito à segurança como expressão de combate à criminalidade. Todos nós temos o direito de exigir do Estado ações voltadas ao combate contra a criminalidade. As estratégias e ações que o Estado usa para afrontar a criminalidade são chamadas de políticas criminais e estas se desenvolvem nos mais diversos âmbitos e graus de atuação. Podemos, por exemplo, falar em políticas criminais que são aplicadas já no âmbito da escola e da assistência social, sempre as mais eficientes de todas. Ou ainda, podemos ter políticas criminais realizadas através da promulgação de leis, das decisões do poder judiciário interpretando a lei penal, de ações administrativas dos Estados etc. O combate contra o crime ocorre de duas formas: por meio de ações preventivas ou por meio de ações repressivas. Ações Preventivas As ações preventivas tentam evitar que um crime venha a ser praticado e estas devem ser sempre prioritárias. Portanto, em termo de política criminal, o ideal é que os crimes não sejam cometidos. Se houve crime, isso significa que o Estado falhou na etapa mais importante da política criminal, que é a preventiva. Ações Repressivas As ações de políticas criminais repressivas, atuam depois que o crime é praticado e têm por finalidade: • Identificar o autor do delito; P á g i n a 21 | 189 • Encontrar o corpo do delito, isto é, os vestígios materiais que um crime pode deixar; • Obter uma condenação criminal; e • Executar esta condenação, ou seja, dar cumprimento à sentença penal condenatória. Na ponta final dessa política criminal, portanto, existe uma condenação que se deseja ser alcançada e executada. Para que isso seja possível, é preciso que a polícia que investiga o crime seja eficiente, bem como que o Ministério Público esteja munido de provas incontestáveis. Na condenação criminal, através da aplicação de uma pena privativa de liberdade, surge um desmembramento da política criminal, que tem praticamente um significado próprio. Trata-se da política penitenciária, que são as ações e os processos realizados para que o encarceramento seja realizado de acordo com os fins socialmente úteis perseguidos pela CF/1988. Note que a política penitenciária também pode ser necessária antes da sentença penal condenatória. Isso ocorre, com frequência, nas chamadas prisões provisórias ou cautelares. Vejamos: A regra é que alguém somente seja preso criminalmente após ser considerado culpado por um crime, através de uma sentença penal condenatória com trânsito em julgado. Mas muitos presos não possuem condenação. Eles estão aguardando o seu julgamento, ou seja, são inocentes, pois não foram condenados e estão à espera de sua sentença, que pode ser, inclusive, de absolvição. P á g i n a 22 | 189 Esse tipo de prisão é denominado: Figura 1 - Tipos de Prisão sem Trânsito em Julgado Fonte: SCD/EaD/Segen A população carcerária com prisão sem trânsito em julgado, corresponde aproximadamente 40% dos presos no Brasil e está sujeita às políticas penitenciárias. Assim, as políticas penitenciárias aplicam-se tanto aos presos que já possuem condenação definitiva e contra a qual não cabe mais recurso, como também aos presos provisórios. P á g i n a 23 | 189 Figura 2 - Para Refletir Fonte: SCD/EaD/Segen Aula 3 - SUJEITOS DA POLÍTICA PENITENCIÁRIA Devido à insuficiente profissionalização e produção de conhecimento sobre as questões criminais no Brasil, existe tendência a acreditar que a política penitenciária é voltada apenas aos presos, definitivos ou cautelares. Não o é, aplica-se igualmente aos trabalhadores de todo o sistema: Figura 3 – Profissionais Fonte: SCD/EaD/Segen P á g i n a 24 | 189 Assim, por exemplo, quando a administração penitenciária adquire materiais ou equipamentos para que os funcionários do sistema trabalhem em melhores condições, isso também é uma política pública. Mas não podemos esquecer que toda política pública tem por meta melhorar a vida em sociedade. Por isso, embora a política penitenciária seja aplicada sobre a população prisional e os trabalhadores do sistema, todos nós somos diretamente afetados por tais políticas. Sendo assim, toda a sociedade é afetada pelas políticas penitenciárias, todos nós sentimos os bons e os maus resultados do que é feito na condução das questões carcerárias. Figura 4 - Para Refletir Fonte: SCD/EaD/Segen Aula 4 - FINALIDADES DO SISTEMA E FINALIDADES DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE Para que você possa entender melhor o que se passa em termos de política penitenciária no Brasil, é preciso que nós façamos uma breve excursão sobre as finalidades da pena, isto é, precisamos nos perguntar: Para que serve a pena? Por que se pune alguém? Dizer que se pune para fazer justiça é uma resposta muito simplista e não permite compreender a dignidade do problema prisional. Então vejamos a seguir: P á g i n a 25 | 189 4.1. A pena como castigo Desde a Revolução Francesa o sistema penal passou a ser amplamente criticado, pois até então o sistema era cruel, arbitrário e pouco racional. Após a Revolução, estabeleceram-se as bases que permitiram evoluir em direção a um sistema mais coerente e humano. Até meados do século XIX, defendia-se que a pena não tinha finalidade alguma. Era um castigo, uma retribuição, uma expiação. A pena significava um mal, que era aplicado ao delinquente como retribuição a outro mal, que era o crime praticado por este infrator. Usava-se a expressão "pagar um mal (o crime) com outro mal (a pena)". Nós chamamos estas teorias de absolutas ou retributivas. Esse pensamento está superado há muito tempo e está superação ocorreu por uma razão simples: a pena criminal representa o uso legítimo da violência. Ademais, a pena é monopólio do Estado, isto é, uma pessoa em particular não pode aplicar uma pena à outra pessoa. Isso seria vingança privada e não pena. Algo tão importante como a pena criminal não poderia ser destituído de finalidades práticas. 4.2. A pena como prevenção geral A natural reação foi o surgimento de correntes de pensamento que vislumbraram na pena criminal algo que deveria ter uma finalidade útil. Esta finalidade nada mais é que prevenir crimes futuros. Surgem então as teorias relativas da pena. Desde então, estabeleceu-se que a missão da pena é evitar a prática de crimes futuros. No entanto, isso pode ser feito de diversas maneiras. IntimidaçãoA primeira delas seria através da intimidação. Ou seja, a pena existe porque os cidadãos, sabendo de sua existência, iriam se sentir intimidados e deixariam de praticar delitos. A isso chamamos de "coação psicológica" do potencial delinquente. Todavia, este pensamento durou muito pouco. Ninguém é tão P á g i n a 26 | 189 calculista a ponto de, no momento em que decide praticar um crime, pensar na pena que está prevista em um código ou uma lei penal a qual poderia lhe ser aplicada. Aplicação A segunda forma de prevenir o crime através da pena seria por meio da sua aplicação, isto é, por sua inflição pelo juiz, no momento da sentença penal condenatória, reforçando em todos os demais cidadãos o sentimento de confiança no ordenamento jurídico que fora violado pelo infrator com sua conduta. A pena serviria para prevenir delitos futuros através da mensagem que passa para toda a sociedade, dizendo-lhe que a norma que foi violada pelo criminoso, naquele caso concreto, é válida e deve ser respeitada por todos. Essa é uma teoria muito aceita, mas serve muito mais para o momento da aplicação da pena que para o de sua execução. 4.3. A pena como prevenção especial Algumas teorias afirmaram que a pena é dirigida ao infrator que cometeu o delito no sentido de impedi-lo de voltar a delinquir, isto é, evitar a reincidência. Aqui, a pena não seria mais atuante sobre a sociedade como um todo, mas restringe-se a atuar sobre o autor do crime. O precedente deste pensamento está em Franz Von Liszt e seu famoso Programa de Marburgo (1883). Todavia, somente retomou vigor após a Segunda Guerra Mundial, quando então nasce o ideal de ressocialização através da execução da pena. A ressocialização poderia ser feita de duas formas. Uma, obrigando o condenado ao tratamento penitenciário, dispensando-se, portanto, o seu consentimento para ser tratado. Medidas extremas, inclusive, defendiam a ideia de intervenções cirúrgicas no delinquente, a fim de extirpar as tendências criminosas, como lobotomia, castração de criminosos sexuais etc. Figura 5 - Franz Von Liszt Fonte: Wikipédia P á g i n a 27 | 189 Já promover a ressocialização através da pena é o modo atualmente mais aceito. Isso ocorre por meio de um processo dialógico com o condenado, dirigido a convencê-lo a agir conforme o direito, isto é, estimulando no condenado as condições para que ele entenda, por suas próprias conclusões, que existem mais vantagens em retornar à sociedade e conviver sem cometer delitos que voltar a praticá-los. 4.4. A ressocialização como política penitenciária de sobreposição Essa é a finalidade da execução da pena: a ressocialização do condenado, alcançada de modo não impositivo. Todo o sistema e todas as políticas penitenciárias devem estar voltados a esse fim: “Ressocializar o condenado para que retorne à sociedade em condições de conviver sem praticar novos delitos”. Por isso a ressocialização é política penitenciária que orienta todas as demais em tema carcerário. Vamos entender bem isso: não será obrigatoriamente a privação de liberdade que irá convencer o delinquente de que não deve cometer crimes novamente. Pode até ser que isso seja alcançado através da privação de liberdade. Mas o que de fato convence o condenado a agir conforme o direito são os estímulos e proposições que o incitam a refletir sobre sua conduta passada e seus prognósticos futuros de comportamento. O mais importante é que o tempo de privação de liberdade seja utilizado para que se estabeleça um diálogo funcional com o preso, seja ele condenado ou provisório. No caso do primeiro, essa funcionalidade está nas tentativas de convencê-lo a não agir contra o direito e a ordem. Sendo preso provisório, esse diálogo deverá estimulá-lo a não se deixar contaminar pelo ambiente de privação de liberdade, dando continuidade a todas as atividades que não foram objetivamente limitadas pela decisão judicial que reduziu sua liberdade. P á g i n a 28 | 189 O processo de convencimento não é necessariamente realizado verbalmente. Isto é, não se trata apenas de uma conversa entre um psicólogo ou pedagogo e o preso, na qual os primeiros tentam convencer o segundo. Esta é uma visão apequenada da ressocialização. A dialética de ressocialização de convencimento é realizada por meio das mais variadas formas, por exemplo: Figura 6 – Ressocialização Fonte: SCD/EaD/Segen Todos esses recursos acabam por "dialogar" com o preso e são sempre capazes de demonstrar a ele o quão saudável é a sociabilidade e como ela pode ser bem realizada. Na Prática.... Você já pensou na seguinte situação: Um conhecido seu lhe diz que "o preso que cometeu tráfico tem mais é que ficar 50 anos na cadeia!". Como ele está pensado em relação ao tema prisional? Você lhe diria algo nesse momento? O quê? Temos outra situação: Alguém faz algo contra a sua vontade por muito tempo se não estiver bem convencido de que o melhor a ser feito é agir deste modo? Como isso se aplica a ressocialização prisional? P á g i n a 29 | 189 Algumas teorias dizem que a pena é castigo e também prevenção. São chamadas teorias ecléticas ou mistas da pena. A crítica que tais teorias sofrem é que algo não poderia, ao mesmo tempo, não ter uma finalidade útil (retribuição do mal com um mal) e ter uma finalidade útil (prevenção). Esta, aliás, é a teoria que o código penal brasileiro adotou. O que você acha? Aula 5 - PRÁTICAS DE ALTERNATIVAS PENAIS Quando falamos em práticas de alternativas penais, trazemos para o nosso curso uma questão mais ampla, pois não se resume à utilização de penas restritivas de direitos em substituição às penas privativas de liberdade. O que precisamos ter em conta nessa parte do nosso curso, isso é da maior relevância, é o fato de que existem diversas práticas, chamadas alternativas penais, que podem ser tanto quanto ou mais eficientes e úteis que as penas restritivas de direitos. Portanto, o correto é dizer que as penas restritivas de direitos são penas alternativas, mas as penas alternativas não são todas as práticas alternativas de que se dispõe. Veremos adiante as práticas penais alternativas de que o mundo já dispõe, as quais podem ser aplicadas a todos os momentos do sistema de justiça (pré- processual, processual e executiva), começando pela pena restritiva de direito. 5.1 As penas restritivas de direitos Está absolutamente fora de dúvida que a utilização de penas não privativas de liberdade é um recurso fundamental para a melhoria do sistema de justiça penal e, consequentemente, para a vida em sociedade. Tratados internacionais, diversas leis, obras jurídicas, orientações jurisprudenciais já afirmaram por diversas vezes a utilidade e os benefícios da utilização das penas restritivas de direitos ou como costumam ser também chamadas penas alternativas. P á g i n a 30 | 189 A utilidade de sua aplicação é resultado da comprovação científica de que toda forma de encarceramento dessocializa o indivíduo em algum grau. Por isso, especialmente para criminosos primários autores de delitos praticados sem violência ou grave ameaça, a medida correta a ser tomada é a aplicação de penas alternativas. Figura 7- Vantagens da Pena Alternativa Fonte: SCD/EaD/Segen O que se exige hoje do legislador brasileiro é o aumento das hipóteses de aplicação das penas restritivas de direitos, alargando o espectro de situações em que seja permitida a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, ou aumentando o grau de discricionariedade judicial na aplicação da pena. Veja, por exemplo: foi graças ao engessamento da legislação que o Supremo Tribunal Federal afirmou a possibilidade de aplicação de penas restritivas de direitos para alguns casos de tráfico de drogas (parapequenos traficantes, em casos de tráfico eventual e não habitual). As penas restritivas de direitos não se resumem a prestação de serviços à comunidade. Podem ser diversas outras e até mesmo a multa (com a particularidade de que esta não se converte em pena privativa de liberdade se for P á g i n a 31 | 189 descumprida). Podem ser de prestação pecuniária à vítima ou entidade pública ou particular de fins sociais, perda de bens e valores, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana. A interdição temporária de direitos consiste na proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo, proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público, suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo e proibição de frequentar determinados lugares. E a limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 05 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Aqui, embora tecnicamente seja um modo de privação de liberdade, não tem o mesmo grau impactante das penas de reclusão ou detenção. 5.2 As práticas de justiça restaurativa Já está cientificamente comprovado que existem outras formas de pacificação social, sem que seja necessário recorrer à pena clássica ou ao processo penal clássico. São práticas muito pouco utilizadas no Brasil, ou melhor, quase nada usadas. A escassa utilização de meios alternativos ocorre, principalmente, devido à cultura jurídica nacional. Toda vez que ocorre um delito, a sociedade se vê abalada em algum grau. A cultura jurídica nacional dominante não arreda pé da posição de que a paz social abalada pela prática do delito somente pode ser alcançada através do processo penal clássico e da pena executada em sua inteireza. Contudo, essa é uma visão míope. A justiça restaurativa, que também teve sua utilidade cientificamente comprovada, colabora para: P á g i n a 32 | 189 Figura 8 - Justiça Restaurativa Fonte: SCD/EaD/Segen Os procedimentos da justiça restaurativa partem do pressuposto conceituais de que o delito é uma ofensa não somente contra o Estado, mas também contra a vítima individual, concretamente prejudicada pelo ato criminoso. A satisfação em sentido amplo da vítima ajudará a alcançar a paz jurídica afetada pela prática do delito. Não basta a reparação do dano para o restabelecimento da paz jurídica, é preciso também que autor e vítima neutralizem suas animosidades. As situações em que as vítimas de crimes (principalmente de crimes patrimoniais e crimes de menor gravidade) desejam encontrar-se com seus ofensores em presença de um mediador treinado têm aumentado sensivelmente nos Estados Unidos desde 1970, quando foram criados os primeiros programas de mediação vítima/delinquente. Hoje, milhares de vítimas em quase 300 comunidades espalhadas por todos os Estados Unidos utilizam-se dos referidos programas. Em tais encontros não somente se tem conseguido com algum sucesso que os ofensores saibam de que forma o crime afetou as vítimas e respondam a algumas questões formuladas pelas vítimas, mas também se tem conseguido desenvolver um plano de restituição, onde o autor do fato assume P á g i n a 33 | 189 responsabilidade na reparação dos danos causados à vítima. No caso em que autor do fato não cumprir o acordo de restituição, sofrerá consequências mais gravosas no âmbito penal e processual penal. Sendo um programa de diversion, se é obtido um acordo satisfatório não se inicia o processo, ou este é encerrado caso já tenha sido iniciado. Se o autor do fato vier a descumprir o acordo, o processo judicial retomará o seu curso normal. Tudo impulsiona o autor do fato a assumir a responsabilidade pelo fato praticado, com benefícios diversos à vítima, sem que recorra ao caro e moroso processo criminal. A mediação vítima/delinquente é uma das expressões mais claras da justiça restaurativa. Para o sucesso de tais programas exige-se, contudo, que haja: I. Voluntariedade de participação no procedimento conciliatório; II. Garantia de sigilo sobre as negociações; III. Intermediação feita por um terceiro imparcial; IV. Seleção dos casos passíveis de serem submetidos ao programa; e V. Obrigatoriedade de cumprimento do acordo que vier a ser homologado. Normalmente, o objeto do acordo obtido nos programas é uma soma em dinheiro. Mas pode ser também uma prestação à vítima de caráter diverso ou uma prestação de serviços à comunidade, é possível, até mesmo, que o acordo consista no mero pedido de desculpas. Pode ocorrer que a vítima não seja um sujeito individual, uma pessoa física determinada. Assim, por exemplo, nos casos de tráfico de drogas não existe um indivíduo especificamente afetado pelo crime, mas, sim, toda a comunidade. Mas, mesmo nesses casos, a justiça restaurativa se aplica. O procedimento consiste no confronto do infrator com as consequências de seu fato, seguindo-se a prestação de serviços à comunidade por parte do traficante. P á g i n a 34 | 189 Na Prática.... Veja-se, por exemplo, o caso de um indivíduo detido por tráfico de drogas, sendo classificado como pequeno traficante e que realizou o tráfico de modo não habitual e eventual. Em procedimento de justiça restaurativa, ele frequentará continuamente instituições para tratamento e recuperação de dependentes, verá as consequências da venda e uso de drogas, seguindo-se da prestação de serviços à comunidade, preferencialmente em tais instituições ou congêneres. Alguém duvidaria que em tais casos o recurso ao sistema de justiça formal seria desnecessário? Que a aplicação de uma pena privativa de liberdade seria desnecessária e contraproducente? A literatura registra casos de pessoas nessas condições que se tornaram dirigentes de missões religiosas ou instituições dedicadas ao tratamento e recuperação de drogados. 5.3 A reparação do dano antes do oferecimento da denúncia O Código Penal Brasileiro, em seu Artigo 16, dispõe que: "nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços". Ou seja, mesmo reparando o dano, o agente é processado e condenado, e sua pena é apenas reduzida. Todavia, a sociedade já está madura o suficiente para reconhecer que em tais casos é possível a extinção da punibilidade do infrator, impedindo-se o início do processo penal. Isto é, o agente sequer é processado. Em crimes tributários, mesmo que iniciado o processo, ou durante o processo, ou ainda, no momento em que o processo esteja em grau de recurso (já havendo condenação em primeiro grau), extingue a punibilidade do agente caso seja realizado o pagamento do P á g i n a 35 | 189 tributo pelo infrator. Basta pagar o tributo, que o processo criminal se encerra. Essa mesma lógica, a reparação do dano em casos de delitos não violentos e de modo voluntário, não necessariamente espontâneo, deve ser levada em conta pelo legislador como prática alternativa ao processo penal e à pena clássica. 5.4 Os mecanismos de suspensão condicional do processo penal Outra prática penal alternativa que é eficiente consiste em suspender o andamento do processo penal já iniciado, por determinado período de tempo, durante o qual o réu fica sujeito a determinadas condições. O período é chamado de “período de prova’. Caso as condições sejam cumpridas até o final do “período de prova”, extingue-se a punibilidade do acusado e, consequentemente, extingue- se também o processo. A suspensão condicional do processo é também chamada de “sursis processual’. As condições a seremestabelecidas durante o “período de prova” devem ser as mais aptas possíveis para restabelecimento da paz social e, ao mesmo tempo, verificar a seriedade do acusado em manter-se dentro da ordem jurídica. No Brasil essa possibilidade existe. Todavia, da mesma forma que na pena restritiva de direito, as hipóteses de suspensão condicional do processo já poderiam ser ampliadas. Atualmente, o sursis processual está regrado pelo Artigo 89 da Lei nº 9.099/95. Lá está disposto que nos crimes cuja pena mínima prevista for igual ou inferior a um ano, o promotor de justiça poderá propor a suspensão do processo, pelo período de dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado por outro delito ou não tenha sido condenado por outro crime. Ademais, devem estar presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (sursis). P á g i n a 36 | 189 É preciso que a proposta seja aceita pelo acusado e seu defensor na presença do juiz. E este, ao receber a denúncia, suspende o andamento do processo pelo período estabelecido. Durante este período, o acusado ficará submetido às seguintes condições, sob pena de revogação do sursis processual e retomada do curso do processo: Figura 9 - Condições Sursis Processual Fonte: SCD/EaD/Segen O juiz também poderá determinar outras condições desde que sejam adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado. Ao final do período de prova, sem revogação, o juiz declarará extinta a punibilidade do acusado. 5.5 O abreviamento do tempo de pena privativa de liberdade A lei penal prevê diversas hipóteses em que há o abreviamento do tempo de prisão durante o cumprimento de pena. Assim, a pena pode ser reduzida através da remissão pelo trabalho, pelo estudo, através do livramento condicional etc. Contudo, as medidas de abreviação do tempo de pena privativa de liberdade não deve ser monopólio da lei. Para isso existe um juiz presidindo o processo de execução penal. Ele está presente na execução justamente para evitar as disfunções de ressocialização. Faria sentido que o juiz da execução P á g i n a 37 | 189 tivesse sua função limitada a ser mero repetidor das disposições legais da execução? Não. As inusitadas e corriqueiras situações da execução da pena de prisão exigem da criatividade humana do juiz que sejam encontradas soluções que atendam ao ideal de ressocialização, sem denegrir a confiança na integridade do sistema de justiça penal. São inúmeras e imponderáveis as situações não previstas em lei que poderão exigir uma decisão judicial de encurtamento da pena privativa de liberdade, abreviamento do tempo de encarceramento, sua suspensão ou até mesmo sua extinção. Reflita!!! Assim, seria desarrazoado declarar extinta a pena privativa de liberdade de uma presa condenada que sofreu aborto porque, durante a gestação, houve falta de exames pré-natais de responsabilidade da administração penitenciária? Não teria ela sofrido uma pena muitíssimo mais grave que aquela traçada no título penal condenatório? Certamente. E quanto à suspensão da pena privativa de liberdade por motivo de hiperlotação do estabelecimento penal? O correto não seria suspendê- la até que a administração penitenciária ofertasse condições de cumprimento de pena em conformidade com a lei? No direito italiano, por exemplo, existem dois tipos de suspensão da pena: obrigatório e facultativo. Em ambos os casos, dentre as excepcionais razões que autorizam tal medida, estão as questões graves de saúde do condenado. As hipóteses de suspensão obrigatória são divididas em dois grupos: questões de maternidade e graves condições de saúde. As situações que autorizam a suspensão obrigatória são três: pendência de pedido de graça; grave enfermidade física; e mãe com filhos de idade inferior a três anos. Essas soluções não devem causar espanto. Está na consciência da sociedade que a prisão a ninguém ressocializa, e que o sistema de justiça penal tem sua confiabilidade mais comprometida com a ultradesconformidade da P á g i n a 38 | 189 execução da pena de prisão que com sua suspensão por motivos de iniquidade ou intensa disfunção da pena. Nos casos em que o cumprimento da pena desde logo se apresente intoleravelmente contraproducente ou desumano, deverá ser feita a substituição por formas não reclusivas de seu cumprimento. Caberá ao julgador a espinhosa missão de encontrar uma forma para que o condenado cumpra a pena em meio aberto, sem que a sociedade perca a confiança na capacidade do sistema de justiça penal. 5.6 As medidas cautelares penais de natureza pessoal Como já dissemos, a prisão de alguém pode ocorrer no curso do processo, ou mesmo antes dele. São os casos de prisão preventiva e temporária. Vamos nos deter na prisão preventiva, cuja duração é muitíssimo superior à da temporária. Enquanto a temporária dura em regra de cinco a dez dias (em casos excepcionalíssimos, 60 dias), a preventiva pode durar mais de um ano. E se já houver sentença condenatória pode chegar a dois anos ou mais. As prisões preventivas são decretadas sempre que necessárias para o resguardo da ordem pública, da ordem econômica, da instrução criminal e da aplicação da lei penal. São motivos cautelares, portanto. Entretanto, a prisão preventiva não pode ser o único remédio para as situações que exigem da justiça a aplicação de uma cautela sobre o indiciado ou réu. Tampouco deve ser o principal. Antes, deve ser o último recurso de que o magistrado lança mão para assegurar a instrução criminal. É o que determina expressamente o Artigo 282, Parágrafo 6º, do Código de Processo Penal. Justamente por isso, o CPP prevê diversas alternativas à prisão preventiva, às quais o juiz deve recorrer, somente aplicando a prisão preventiva caso nenhuma das alternativas seja adequada e suficiente. Essas alternativas são: I. Comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades. P á g i n a 39 | 189 II. Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações. III. Proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante. IV. Proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução. V. Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos. VI. Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais. VII. Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (Art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração. VIII. Fiança nas infrações que a admitem para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou,em caso de resistência injustificada, a ordem judicial. IX. Obrigação de comparecimento a todos os atos do processo. X. Proibição de mudar de endereço. A todas essas alternativas à prisão preventiva pode ser combinada, tanto monitoração eletrônica como mecanismo de controle. Note-se, portanto, que a monitoração eletrônica em si considerada não é uma alternativa penal, mas sim, um mecanismo de controle destas alternativas. 5.7 A transação penal No ano de 1995 foi promulgada a Lei nº 9.099, de 26 de setembro (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm), que deu disciplina àquilo que a Constituição Federal chamou de“delitos de menor potencial ofensivo”. Tais delitos possuem menor lesividade social, menor impacto sobre a sociedade. Por http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm P á g i n a 40 | 189 isso, podem ser objeto de transação. Trata-se de um acordo penal e por isso é chamada de transação penal. Atualmente, estão definidos como delitos de menor potencial ofensivo os crimes cuja pena máxima prevista é de dois anos de pena privativa de liberdade (cumulada ou não com multa) e todas as contravenções, independentemente da pena máxima prevista. Nesses casos, o promotor de justiça propõe a aplicação de uma pena não privativa de liberdade ao autor do fato, que poderá aceitá-la ou não. A vantagem é que, caso seja aceita, o processo penal não poderá iniciar-se. Ademais, é uma pena especial, pois não induz em reincidência, não implica no reconhecimento do fato pelo suposto autor, não constará nos bancos de dados da polícia para fins de antecedentes e, em caso de descumprimento, não poderá ser convertida em pena privativa de liberdade, tendo como consequência a retomada do curso do processo. O representante do Ministério Público não poderá oferecer proposta de transação penal caso o autor da infração houver sido condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade por sentença definitiva, ou tenha sido beneficiado nos cinco anos antecedentes, pela transação penal. Também deverá ser indicado os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias necessárias e suficientes para a adoção da medida. A crítica que se faz é que já poderiam ter sido ampliadas, e muito, as hipóteses de transação penal, alcançando crimes não violentos, cuja pena máxima prevista é maior que dois anos; por exemplo, o furto. P á g i n a 41 | 189 5.8 A suspensão condicional da pena Afinal, vejamos a mais clássica forma de alternativa penal, que é a suspensão condicional da pena, conhecida como sursis. No sursis, o juiz aplica uma pena privativa de liberdade, através de sentença penal condenatória. Todavia, a execução desta pena fica suspensa por um determinado período chamado de “período de prova”. Ao final deste período, caso o condenado tenha cumprido determinadas condições, a pena será considerada extinta, sem que o condenado fosse recolhido à prisão. No direito brasileiro, a execução da pena privativa de liberdade pode ser suspensa quando não for superior a dois anos. O “período de prova” é de dois a quatro anos. São requisitos para a concessão do sursis: • O condenado não ser reincidente em crime doloso; • A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; • Não seja indicada ou cabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, conforme prevista no Artigo 44 do Código Penal. A condenação anterior à pena de multa não impede a concessão do benefício. Há também a previsão no direito brasileiro do sursis etário. Nessa hipótese, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade ou razões de saúde justifiquem, permite-se a suspensão da execução da pena privativa de liberdade de até quatro anos, a qual poderá ser suspensa por quatro a seis anos. No “período de prova” o condenado ficará sujeito às condições estabelecidas pelo Juiz. No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à comunidade ou submeter- se à limitação de fim de semana. P á g i n a 42 | 189 Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do crime lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência acima pelas seguintes condições, aplicadas cumulativamente: Figura 10 - Substituição Sursis Fonte: SCD/EaD/Segen O juiz poderá especificar outras condições, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado. O sursis não se aplica às penas restritivas de direitos nem às multas. P á g i n a 43 | 189 Vejamos os casos de revogação obrigatória do sursis, no período de prova: Figura 11 - Revogação Obrigatória do Sursis Fonte: SCD/EaD/Segen Ocorre revogação facultativa, isto é, a critério do juiz, se o condenado descumpre qualquer outra condição imposta ou é irrecorrivelmente condenado por crime culposo ou por contravenção, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos. Ao fim do período de prova, sem que tenha havido revogação, considera- se extinta a pena privativa de liberdade. P á g i n a 44 | 189 Aula 6 - ARQUITETURA PRISIONAL - A EVOLUÇÃO DA ARQUITETURA PRISIONAL Na Antiguidade, a prisão servia para aguardar o julgamento. Não existia, propriamente, a noção de prisão como pena privativa de liberdade, salvo raras exceções. As penas eram, em geral, cruéis ou de morte. Logo, a ideia de ressocialização não existia. Assim, os espaços destinados ao aprisionamento não necessitavam de uma estrutura maior ou melhor que uma cela, com pequena abertura para o lado externo, a qual permitisse a passagem de ar e um pouco de luz. A primeira arquitetura prisional pensada com cientificidade somente ocorreu no século XVIII. Isso se deveu à importante figura de Jeremias Bentham (1748-1832), filósofo e jurisconsulto inglês, que criou o utilitarismo. Bentham afirmava que o objetivo existencial era alcançar "a maior felicidade possível para o maior número de pessoas". Logo, este era também o objetivo de toda legislação. A transposição dessa lição para a área penal assumiu relevante aspecto, qual seja, o de que os presos deveriam cumprir a pena em condições dignas e favoráveis à sua recuperação, o que também traria diversos benefícios à sociedade. Bentham preocupou-se com a arquitetura penitenciária. Afirmava que eram necessários dois fatores para uma boa arquitetura prisional: a estrutura e o governo interior, isto é, o regime. Estas duas ideias conjugadas produziram o modelo panóptico de prisão (1789), cujo projeto permite que um só vigilante possa observar todos os detentos sem que estes saibam. Tratava- se de um modelo mais econômico que o das prisões da época, uma vez que demandava menos empregados. O modelo panóptico também se aplica a outros locais de detenção, como manicômios e locais de estudo ou trabalho com rigidez de regras comportamentais, por exemplo: escolas, hospitais e fábricas. Uma importante característica desse modelo é a existência de uma torre de observação localizada no pátio central, capaz de permitir a observação de tudo. Os ambientes sujeitos à vigilância situam-se em um edifício anelar, ao redor do P á g i n a 45 | 189 posto de observação. Os locais vigiados deste entorno são divididos em celas, cujo tamanho permita duas janelas, sendo uma para a entrada de luz externa e outra voltada para a torre de vigilância, permitindo a visualização do que se passa no seu interior. Bentham também previa o isolamento celular dos presos. A planta abaixo corresponde ao modelo panóptico clássico: Figura 12 - Planta Modelo Panóptico Clássico Fonte: FOUCAULT,Michel.Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1996. P. 32 P á g i n a 46 | 189 A imagem a seguir apresenta um presídio modelo: Figura 13 - Presídio Modelo Fonte: Wikipedia: panopticon Nessa mesma época ingressam na ciência penal os fins preventivos da pena. Desde então, aqueles que pensaram seriamente sobre arquitetura prisional, não puderam ignorar o fim útil da pena, o que deveria se refletir na arquitetura. No decorrer dos anos, as técnicas de arquitetura prisional evoluíram significativamente. Diversos modelos foram aplicados ao redor do mundo, cada qual atendendo às peculiaridades do cumprimentode pena e da geografia. Até hoje, muitos aspectos do modelo panóptico são utilizados. 6.1.A unidade prisional como estrutura complexa Uma constante se faz presente em toda a arquitetura prisional desde mais de um século: o estabelecimento penal é uma unidade estrutural complexa. Isso significa que um prédio destinado a ser estabelecimento penal não é usado apenas para o encarceramento. Ele serve também aos funcionários que lá trabalham, pois é o próprio ambiente de trabalho destes profissionais. A mesma estrutura que serve para o cumprimento de pena de detenção para uns, é o P á g i n a 47 | 189 ambiente de trabalho para outros. Isso, por si só, já é uma complexidade. O mesmo conceito se aplica a hospitais e manicômios, por exemplo. A ambiência profissional exige instalações próprias para os profissionais, as quais assegurem o exercício pleno da profissão. São necessários todos os espaços específicos e indispensáveis para tal atividade, como banheiros (com chuveiros), vestiário, refeitório etc. Também são necessários ambientes para as atividades administrativas, guarda de materiais de escritório, armazenamento de materiais de limpeza, de armamentos etc. Ainda, é preciso que existam espaços específicos para a prestação das assistências asseguradas pela LEP. Assim, exige-se que o estabelecimento penal esteja provido de ambientes para serviços de assistência social, psicológica, jurídica, médica etc. Mas a complexidade da estrutura prisional não se limita a dualidade detento-profissional. Além dela, a unidade prisional deve estar aparelhada para receber os visitantes dos presos. Isso implica na existência de sala de espera, local adequado para anotações e controle típicos de portaria, ambiente para revistas pessoais etc. São espaços destinados à instrumentalização dos contatos externos que a sociedade, familiares e amigos estabelecem com a população prisional. Desse modo, podemos resumir que existem três dimensões funcionais dentro de um prédio destinado ao encarceramento de pessoas, ou dito de outro modo: a estrutura de um estabelecimento penal deve possuir ao menos três subsistemas internos: P á g i n a 48 | 189 Figura 14- As 3 dimensões Funcionais dentro de um Prédio Prisional Fonte: SCD/EaD/Segen Essa perspectiva da unidade prisional é, portanto, de ordem funcional. E conforme exposto, é tridimensional. Certamente, existem outros aspectos que devem estar presentes numa unidade prisional, mas que, bem observados, irão necessariamente se encaixar em um dos três subsistemas funcionais acima referidos. Assim, por exemplo, se afirmarmos que todo estabelecimento penal deve ter uma copa, este ambiente será respectivo à segunda funcionalidade do prédio, isto é, o exercício adequado das atividades profissionais. Alguns ambientes podem ser elegíveis ou não obrigatórios, dependendo da política penitenciária adotada pela unidade prisional. Um exemplo, é o da cozinha para preparo das refeições dos presos, a existência desta instalação dependerá da opção de assistência material de alimentação dada ao preso, isto é, se haverá manuseio e preparo de toda a alimentação na própria unidade, ou se ocorrerá fornecimento terceirizado de alimentos. A questão da segurança da unidade prisional é inerente à sua arquitetura. Não deve permitir fugas. As soluções encontradas são as mais diversas, cada uma com as suas vantagens e desvantagens. P á g i n a 49 | 189 O que um profissional do sistema precisa ter sempre em mente é que não existe arquitetura prisional a prova de fugas e/ou resgates. Existe, estruturas que dificultam muito estas ações. Todavia, não há unidade prisional 100% segura. Isso deve servir, também, para que o profissional esteja sempre atento aos procedimentos de segurança, que devem ser respeitados de modo inexorável. Figura 15 - Para Refletir Fonte: SCD/EaD/Segen 6.2. A Resolução nº 09/2011do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) Atualmente, no Brasil, existe normativa que regula de modo bastante detalhado como devem ser erguidas as novas unidades prisionais. Trata-se de Resolução nº 09/2011 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). A referida norma dispõe sobre orientações gerais para a construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais em parceria com o governo federal, normas para a apresentação de projetos de construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e para a celebração de convênios com a União, conceituação e classificação de estabelecimentos penais, elaboração de P á g i n a 50 | 189 projetos arquitetônicos e projetos específicos, tipologia arquitetônica, programas para estabelecimentos penais, critérios gerais de medição para a elaboração do orçamento, e conceituação dos projetos de arquitetura e engenharia para estabelecimentos penais. A atual normativa agregou novos e importantes elementos às normas arquitetônicas anteriores (Resoluções de 1994 e 2005) e aperfeiçoou a forma de dimensionamento usando o critério de proporcionalidade do uso. Além disso, inseriu novos conceitos como acessibilidade, permeabilidade do solo, conforto bioclimático e impacto ambiental. Também considerou recomendações de outros órgãos governamentais e ministérios, em especial da saúde e da educação, bem como da sociedade que se manifestou por meio de uma consulta pública. A Resolução nº 09/2011 do CNPCP prevê as lotações máximas para as unidades prisionais, isto é, o máximo de vagas que uma unidade prisional deve ter para que seja mantida sua funcionalidade. Ficou assim estabelecido o número máximo de pessoas presas conforme a unidade: Figura 16 - Lotação nos Presídios Fonte: SCD/EaD/Segen P á g i n a 51 | 189 Ademais, ficou estabelecido que "em nenhuma hipótese um módulo de celas poderá ultrapassar a capacidade de 200 pessoas presas". Isso significa que aquilo que se convencionou chamar de raio, pavilhão ou ala de celas não pode ter capacidade superior a 200 pessoas presas. Também estão previstas situações especiais. Consta na norma que: "em todas as penitenciárias e cadeias públicas que possuam celas coletivas, deverá ser previsto um mínimo de celas individuais (2% da capacidade total), para o caso de necessidade de separação da pessoa presa que apresente problemas de convívio com os demais por período determinado (Portaria Ministério da Justiça/DEPEN nº 01, de 27.01.2004) e pelo menos uma cela com instalação sanitária, por módulo, obedecendo aos parâmetros de acessibilidade (NBR 9050/2004)". No tocante à localização, uma unidade prisional deve estar situada em local que não restrinja a visitação. Isso ocorre porque a pessoa presa deve ser estimulada os contatos não apenas com a família e amigos, mas também com a própria sociedade. Os estabelecimentos penais também devem estar situados em locais funcionais, isto é, não afastado do cotidiano, de maneira que estejam "asseguradas a presteza das comunicações e a conveniência socioeconômica", isto é, que possam ser aproveitados os serviços básicos e de comunicação existentes (meios de transportes, rede de distribuição de água, de energia e serviço de esgoto etc.), bem como possam ser aproveitadas as reservas disponíveis (hídricas, vegetais, minerais etc.) e as peculiaridades do entorno. De maneira geral, os complexos ou estabelecimentos penais não devem situar-se em zona central da cidade ou em bairro predominantemente residencial. Ao mesmo tempo, os estabelecimentos penais "deverão estar localizados de modo a facilitar o acesso e a apresentação das pessoas presas e processadas em juízo". A normativa em referência se preocupa com a disposição das muralhas e respectivos recuos, vagas de estacionamento para servidores e autoridades, P á g i n a 52 | 189segurança contra incêndios, conforto ambiental projetado conforme a zona bioclimática brasileira, iluminação artificial, instalações sanitárias e elétricas, material para o revestimento de paredes e pisos etc. Ressalvadas as características e fins de cada estabelecimento penal, atualmente está, portanto, estabelecido de modo detalhado como devem ser projetadas as estruturas funcionais inerentes à nova arquitetura prisional, no tocante às instalações administrativas, de almoxarifado, de atuação de estagiários, de serviços (alimentação, lavanderia, manutenção - observando-se que podem ser terceirizados), de convivência, de solário, de refeição, de visitas às pessoas, de visita íntima, de atendimento médico, de atendimento odontológico, de atendimento psicológico, de atendimento do serviço social, de atendimento jurídico, de comunicação reservada entre a pessoa presa e seu advogado, de enfermaria, de alojamento para agentes ou monitores, de alojamento para guarda externa, de berçário e/ou creche, além de instalações religiosas, educativas, laborais e esportivas e de lazer. São consideradas parte das instalações da administração, ainda que não localizados no módulo específico, o alojamento e as demais dependências para profissionais que pernoitam no estabelecimento. O alojamento dos agentes penitenciários situa-se junto à entrada do estabelecimento ou do edifício. O alojamento dos vigilantes externos deverá "estar situado de modo a impedir trânsito de seus componentes dentro do recinto do estabelecimento, ou seu contato com as pessoas presas". A LEP não traz metragem mínima para celas coletivas. O Artigo 88 da referida lei limita-se a dizer qual é a metragem mínima para celas individuais (6,00 m2). A explicação provável para isso é o fato de que comissão que a redigiu, em 1984, era composta exclusivamente por juristas. Havia um só membro não jurista, um religioso. A comissão de 1984 acabou trabalhando apenas sobre uma planta baixa para celas. P á g i n a 53 | 189 A Resolução nº 09/2011, por sua vez, dispõe metragens mínimas para as celas coletivas: CAPACIDADE TIPO DE CELA ÁREA MÍNIMA (m²) CUBAGEM MÍNIMA 01 Individual 6,00 15,00 02 Coletiva 7,00 15,00 03 Coletiva 7,70 19,25 04 Coletiva 8,40 21,00 05 Coletiva 12,75 31,88 06 Coletiva 13,85 34,60 07¹ Coletiva 13,85 34,60 08² Coletiva 13,85 34,60 (1) Capacidade válida até que o Sistema Nacional de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional comprove a extinção do contingente de presos em Delegacias de Polícias por período superior ao necessário para a conclusão dos procedimentos investigatórios policiais, ou até 5 de maio de 2015 (cf. Resolução CNPCP Nº 2/2011). (2) Capacidade válida até que o Sistema Nacional de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional comprove a extinção do contingente de presos em Delegacias de Polícias por período superior ao necessário para a conclusão dos procedimentos investigatórios policiais, ou até 5 de maio de 2015 (cf. Resolução CNPCP Nº 2/2011). Quanto ao local destinado ao banho de sol, deve ser um pátio com diâmetro mínimo de 10,00 m e com área de 6,00m², acrescidos de 1,50 m² por pessoa presa. O pátio de sol poderá ser utilizado em forma de rodízio pelas diversas pessoas presas dos módulos. Veja alguns dos espaços que está normatizado e previsto na Resolução nº 09/2011 do CNPCP: • comando de guarda; • guarita com instalação sanitária; • sala de armas; • copa; • dormitório da guarda (masculino e feminino); • acesso único para a passarela localizado nos muros de segurança de P á g i n a 54 | 189 guaritas de proteção; • dormitórios dos agentes penitenciários; • vestiários; • sala de espera da portaria (externa e com bancos); • sala de administração e controle; • sanitários para visitantes (masculino e feminino); • sala de pertences; • depósito de materiais de limpeza; • portaria de acesso e recepção; • vestiário para presos com armários (no caso de presos que realizam trabalho externo); • salas de atendimento familiar; • central de monitoramento e apoio administrativo; • sala para o diretor;sala de reuniões; • instalação sanitária do diretor; • sala do secretário ou da recepção; • sala para o vice-diretor; • sala para o prontuário; • sala para apoio administrativo; • sala administrativa da equipe técnica; • almoxarifado central; • oficina de reparos e manutenção; • eclusa para desembarque de veículos; • sala da chefia dos agentes; • sala de identificação e biometria; • sala de pertences pessoais das pessoas presas; • sala de recepção e espera; • sala de acolhimento multiprofissional; • sala de atendimento clínico multiprofissional; • consultório de atendimento ginecológico com sanitário; • estoque; • dispensação de medicamentos e estoque; • cela enfermaria; P á g i n a 55 | 189 • sanitário para pacientes; • solário para pacientes; • consultório de atendimento odontológico; • sala multiuso; • sala de procedimentos; • laboratório de diagnóstico; • sala de coleta de material para laboratório; • sala de raio x; • cela de espera; • consultório médico; • sala de curativos, suturas e posto de enfermagem; • cela de observação; central de material esterilizado/expurgo; • rouparia; • depósito de material de limpeza; • sanitários para equipe de saúde etc. A Resolução CNPCP nº 06/2017 atualizou a Resolução nº 09/2011, acesse o link e leia na íntegra as Diretrizes Básicas para arquitetura penal. http://depen.gov.br/DEPEN/depen/cnpcp/resolucoes/2011/RESOLUCAON92011 ATUALIZADADEZEMBRO.2017.pdf Aula 7 - ARQUITETURA PRISIONAL NO BRASIL A arquitetura prisional no Brasil é fundamentada nos direitos dos indivíduos encarcerados e nas regras de execução penal em vigor, as quais são: • Constituição Federal de 1988; • Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil; • Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal); • Lei Complementar nº 79/1994; e • Resolução CNPCP nº 09/2011 (Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal). http://depen.gov.br/DEPEN/depen/cnpcp/resolucoes/2011/RESOLUCAON92011ATUALIZADADEZEMBRO.2017.pdf http://depen.gov.br/DEPEN/depen/cnpcp/resolucoes/2011/RESOLUCAON92011ATUALIZADADEZEMBRO.2017.pdf P á g i n a 56 | 189 Vejamos uma a uma: Constituição Federal de 1988 A Constituição Federal de 1988 dispõe em seu Art. 5º: IlI- Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XLVIII - A pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo da pessoa presa; XLIX - É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; L- Às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação. Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil As Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, recomendada pela Organização das Nações Unidas, é regulamentada pela Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP - e aborda em seu Capítulo IV - Dos Locais Destinados aos Presos - questões imperiosas à execução penal: Art. 8º -Salvo razões especiais, os presos deverão ser alojados individualmente. § 1º - Quando da utilização de dormitórios coletivos, estes deverão ser ocupados por presos cuidadosamente selecionados e reconhecidos como aptos a serem alojados nessas condições. § 2º - O preso disporá de cama individual provida de roupas, mantidas e mudadas correta e regularmente, a fim de assegurar condições básicas de limpeza e conforto. Art. 9º - Os locais destinados aos presos deverão satisfazer as exigências de higiene, de acordo com o clima, particularmente no que ser refere à superfície mínima, volume de ar, calefação e ventilação.
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