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Meio Ambiente Valores Culturais da Natureza Enap, 2022 Fundação Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Desenvolvimento Profissional SAIS - Área 2-A - 70610-900 — Brasília, DF Fundação Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Desenvolvimento Profissional Conteudista/s Erika Fernandes Pinto (Conteudista, 2022). Curso desenvolvido no âmbito da Diretoria de Desenvolvimento Profissional – DDPRO 3Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Sumário Módulo 1 – Relação sociedade e natureza e os valores culturais da natureza Unidade 1 – A interdependência entre cultura e natureza e os desafios da conservação .................................................................................... 6 1.1. Relações pessoas, lugares e natureza .................................................................... 7 1.2. Desafios da Conservação da natureza.................................................................... 8 Unidade 2 – Conceito e Tipologias de valores culturais da natureza ..............11 2.1 Um conceito em construção ................................................................................... 11 2.2 Tipologias de Valores Culturais da Natureza ........................................................ 13 Módulo 2 – A evolução do tema no cenário internacional Unidade 1 – Os valores culturais da natureza nos fóruns mundiais de conservação ...................................................................................................... 27 1.1 Do reconhecimento do conflito à proposição de soluções ................................ 27 Unidade 2 – Políticas públicas globais que embasam o reconhecimento de valores culturais da natureza ......................................................................... 37 2.2 Valores culturais da natureza nas políticas de proteção do patrimônio mundial ........................................................................................................ 39 Unidade 1 – Sociobiodiversidade brasileira ........................................................ 43 1.1 Reconhecimento dos povos e comunidades tradicionais do Brasil ................... 43 Módulo 3 – Valores culturais da natureza no contexto brasileiro Unidade 2 – Interfaces com as políticas públicas nacionais .............................50 2.1 Do reconhecimento constitucional ........................................................................ 50 2.2 Políticas de conservação da natureza .................................................................... 52 2.3 Políticas de patrimônio cultural .............................................................................. 55 Unidade 3 – Caminhos para integrar valores culturais da natureza nas estratégias de conservação ........................................................................... 62 3.1 Primeiros debates nacionais .................................................................................. 62 4Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 3.2 Por uma conservação com coração ....................................................................... 65 Referências ............................................................................................................. 68 GLOSSÁRIO .............................................................................................................. 70 5Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Olá! Desejamos boas-vindas ao curso Valores Culturais da Natureza. Este curso tem o objetivo habilitar o participante a compreender a intrínseca relação entre cultura e natureza, identificar as diversas tipologias de valores culturais da natureza e perceber a importância de promover estratégias de conservação da natureza integrando essas dimensões. Apresentação do curso Desejamos um excelente estudo! https://youtu.be/PeddlWTu9ZQ 6Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Módulo Relação sociedade e natureza e os valores culturais da natureza1 Neste módulo, aprenderemos que diferentes motivações levam as pessoas a se importarem com a manutenção de áreas naturais bem conservadas. Entenderemos o porquê essa temática vem sendo destacada como uma abordagem fundamental para ampliar a efetividade das estratégias de conservação. Conheceremos o conceito de VCN e as principais tipologias que vêm sendo caracterizadas nos documentos de referência sobre o assunto, com exemplos ligados à nossa realidade brasileira. Unidade 1 – A interdependência entre cultura e natureza e os desafios da conservação Ao final desta unidade, você será capaz de compreender que a importância da natureza para as pessoas inclui aspectos materiais e imateriais que configura vínculos de pertencimento com lugares e que eles são essenciais para as estratégias de conservação da natureza. 1 – Boas vindas aos alunos do curso 2 – Conheça um pouco da história e da trajetória da autora do curso – parte 1: infância e juventude 3 – Conheça um pouco da história e da trajetória da autora do curso – parte 2: cultura e natureza juntos? A descoberta da etnobiologia 4 – Conheça um pouco da história e da trajetória da autora do curso – parte 3: atuação na gestão pública 5 – Conheça um pouco da história e da trajetória da autora do curso – parte 4: doutorado e missão de vida https://anchor.fm/enap/episodes/EV-G---Valores-Culturais-da-Natureza---Boas-vindas-aos-alunos-e1rvfck https://anchor.fm/enap/episodes/EV-G---Valores-Culturais-da-Natureza---Apresentao-da-docente---infncia-e-juventude-e1rvg3s https://anchor.fm/enap/episodes/EV-G---Valores-Culturais-da-Natureza---Apresentao-da-docente---infncia-e-juventude-e1rvg3s https://anchor.fm/enap/episodes/EV-G---Valores-Culturais-da-Natureza---Apresentao-da-docente---cultura-e-natureza-e1rvg77 https://anchor.fm/enap/episodes/EV-G---Valores-Culturais-da-Natureza---Apresentao-da-docente---cultura-e-natureza-e1rvg77 https://anchor.fm/enap/episodes/EV-G---Valores-Culturais-da-Natureza---Apresentao-da-docente---cultura-e-natureza-e1rvg77 https://anchor.fm/enap/episodes/EV-G---Valores-Culturais-da-Natureza---Apresentao-da-docente-e1rvgak https://anchor.fm/enap/episodes/EV-G---Valores-Culturais-da-Natureza---Apresentao-da-docente-e1rvgak https://anchor.fm/enap/episodes/EV-G---Valores-Culturais-da-Natureza---Apresentao-da-docente---misso-de-vida-e1rvgf2 https://anchor.fm/enap/episodes/EV-G---Valores-Culturais-da-Natureza---Apresentao-da-docente---misso-de-vida-e1rvgf2 7Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.1. Relações pessoas, lugares e natureza Já parou para refletir por que você gosta da natureza? Foto: Eric Rudolph via Wikipedia – https://images.app.goo.gl/6wxiERiuTtGwwYUV6) Embora existam diversas possibilidades de respostas para essa pergunta, estudos têm mostrado que a importância da natureza para as pessoas vai além de aspectos materiais, utilitários ou econômicos. Pode incluir também significados simbólicos e relações de afeto que são difíceis de descrever e mensurar. Eles estão relacionados com a história, a memória e a identidade de diversos grupos sociais, envolvendo saberes e práticas que conformam ligações culturais tanto materiais como imateriais. De forma geral, cultura material e imaterial expressam características dos habitantes de uma região ou de um determinado grupo social. Embora indissociáveis, essas dimensões são diferenciadas em função das estratégias de proteção adotadas nas políticas patrimoniais. + Cultura material: relaciona-se a elementos concretos ou tangíveis, como construções, objetos e instrumentos. + Cultura imaterial: relaciona-se a elementos mais abstratos ou intangíveis, como conhecimentos, hábitos, tradições, celebrações e rituais. https://images.app.goo.gl/6wxiERiuTtGwwYUV6 8Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Longe de serem secundários, esses fatores comumente configuram vínculos de pertencimento e noções de respeito e cuidado das populações humanas com os espaçosnaturais, sendo determinantes na sua forma de ver e se relacionar com a natureza. Sentimento de pertencimento: envolve relações que determinados grupos sociais estabelecem com um lugar, que vão além do mero estabelecimento de moradia ou exercício de práticas produtivas. Inclui aspectos afetivos, vínculos espirituais, valores materiais e imateriais que constroem uma identidade cultural associada a um território específico. Dada a sua relevância social, não é estranho que esses aspectos sejam pouco compreendidos e levados em consideração no campo das pesquisas e da formulação de políticas públicas, notadamente nas estratégias de conservação da natureza? Ao negligenciar essa importante dimensão da relação sociedade e natureza, muitos conflitos vêm sendo gerados, enquanto oportunidades são perdidas, e potenciais parcerias subestimadas. Por que isso acontece? 1.2. Desafios da Conservação da natureza Na maior parte do mundo, as políticas de conservação são baseadas em uma divisão conceitual e instrumental onde natureza e cultura são vistas como elementos distintos e dissociados. De forma semelhante, a noção de biodiversidade também nasceu de uma ideologia histórica dominante que vê os seres humanos como elementos separados e potencialmente prejudiciais a ela. Nesse contexto, as estratégias de conservação da natureza, em geral, vêm sendo pautadas em argumentações técnico-científicas, a partir principalmente das denominadas Ciências Naturais, nas quais apenas evidências objetivas dos sistemas naturais são avaliadas e consideradas (HARMON; PUTNEY, 2003; VERSCHUUREN et al., 2010) Isso contribui para a disseminação de uma visão de natureza desumanizada e biologizada, além de desencantada de seus significados simbólicos (FERNANDES- PINTO, 2017). 9Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Mas isso tem gerado vários problemas e desafios, desde o acirramento de conflitos socioambientais até a perda de oportunidades de cooperação em prol da conservação. Sensibilizar a sociedade e obter o seu apoio na implementação de estratégias de conservação da natureza ainda está entre os maiores desafios enfrentados pelas políticas públicas. Isso envolve tanto comunidades locais que habitam determinadas áreas ambientalmente importantes como a sociedade em geral. No cenário internacional, essa problemática vem ganhando uma importância crescente nas últimas décadas. Por um lado, pela necessidade de tornar as estratégias de conservação da natureza mais inclusivas, eficazes e socialmente justas; por outro, pela urgência de angariar apoio social, envolvendo e ampliando o escopo de potenciais parceiros da conservação. Vem se fortalecendo o entendimento de que conservar a natureza é algo que não depende apenas de informações científicas, da atuação de gestores públicos e de investimentos governamentais. Depende também de apoio da sociedade, que precisa encampar iniciativas nessa direção! No meio ambientalista, fomos acostumados a ressaltar os aspectos negativos da interação entre sociedade e natureza. Índices de desmatamento, queimadas, poluição, extinção de espécies, perda de ecossistemas únicos, mudanças climáticas, entre muitos outros. Esses são assuntos importantes que não podem ser desconsiderados, porque a degradação ambiental atingiu uma escala planetária. E afeta a todos! Chegamos a um momento da história em que, especialmente nas sociedades urbanas, o ser humano passou a se considerar como algo à parte da natureza, tomando a natureza como algo separado dos seres humanos - como mera matéria- prima e fonte de recursos a serem explorados. As estratégias de “desenvolvimento sustentável” e “comércio verde” não parecem estar resolvendo a situação. Precisamos de novas soluções para velhos problemas! Mas a conexão entre cultura e natureza é muito profunda. Ela se manifesta de diversas formas. Também existem aspectos positivos nessa interação, e nem todas as ações humanas no ambiente são destrutivas! Tais ações criam relações de afeto, de pertencimento e de cuidado por parte dos seres humanos para com as paisagens e outros elementos da natureza. 10Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Fonte: Jacobs Stock Photography Ltd / Getty Images Diante desse cenário, compreender os laços que conectam positivamente pessoas, lugares e natureza tem sido reafirmado como fundamental para superar obstáculos e aumentar a efetividade das estratégias de conservação (FERNANDES-PINTO, 2017). Para alguns autores, como Verschuuren e Brown (2018), laços culturais e espirituais estão entre os mais fortes impulsionadores e motivadores para a manutenção de áreas naturais. É na conexão entre conhecimentos com as artes e as emoções que se conforma o que Alexander Von Humboldt (1769 – 1859) chamou de vínculo profundamente arraigado que impulsiona o sentimento de admiração e respeito pelo mundo natural (WULF, 2016). Mas afinal, o que são valores culturais da natureza? O que eles incluem? É o que veremos na próxima unidade. 11Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 2 – Conceito e Tipologias de valores culturais da natureza Ao final desta unidade, você será capaz de compreender o conceito de valores culturais da natureza, suas premissas e limitações e identificar suas principais tipologias. 2.1 Um conceito em construção Como vimos na unidade anterior, as motivações humanas para a conservação de áreas naturais envolvem não apenas aspectos econômicos, utilitários e econômicos. Elas estão associadas também a valores culturais materiais e imateriais que conformam vínculos de pertencimento. Ainda assim, esses aspectos são pouco considerados e compreendidos na formulação de políticas públicas, gerando vários problemas. Para alterar esse cenário, é fundamental ampliar a compreensão sobre os laços que conectam positivamente pessoas, lugares e natureza. Dessa problemática, nasceu a noção de Valores Culturais da Natureza (VCN), conceito este que vem sendo utilizado na literatura especializada nas últimas décadas e que pode ser adaptado a diversos contextos. Apresentamos aqui a definição que vem sendo utilizada no âmbito do Programa do ICMBio sobre integração de valores culturais na gestão das unidades de conservação, proposta por Fernandes-Pinto (2021). Valores culturais da natureza envolvem significados simbólicos, vínculos históricos e ancestrais, bens, saberes, tradições e práticas de diferentes grupos sociais (antigos ou atuais) associados a paisagens, fenômenos ou elementos específicos da fauna, flora e geologia que contribuem direta ou indiretamente para a conservação. Como os debates sobre essa temática ainda são recentes no Brasil, esse é considerado um conceito em construção, passível de ajustes e complementações. 12Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Chama-se a atenção para o fato dele não se referir a todos os aspectos culturais, e sim destacar aqueles que promovem ou resultam na manutenção de áreas naturais bem conservadas. Assim como nas diretrizes internacionais da IUCN sobre a temática (VERSCHUUREN et al., 2021), enfatiza-se que o conceito não se aplica a práticas culturais que prejudicam os ambientes ou que não favorecem uma conexão positiva entre sociedade e natureza. Entenda melhor o que são contribuições diretas e indiretas para a conservação da natureza: + Como contribuições diretas para a conservação da natureza, trata-se de ações que promovem a manutenção in situ da biodiversidade, estratégias de diversificação das espécies nativas, de restauração ambiental ou florestal e a proteção direta de áreas, entre outras. + Como contribuições indiretas, destacam-se aquelas que estimulam o senso de pertencimento, afeto, carinho, cuidado e respeito com as áreas naturais; que enaltecem sua beleza, ampliam o conhecimento sobre as paisagens, sensibilizam para a importância da conservação e favorecem uma conexão positiva mais aprofundada entre pessoas e lugares.Isso envolve um rico, complexo e heterogêneo universo de possibilidades que refletem a diversidade de modos de vida, visões de mundo e percepções de natureza que perpassam o contexto de diferentes grupos sociais. Reforça-se, assim, no escopo desse trabalho, o compromisso de reconhecimento dos direitos dos povos e comunidades tradicionais que vivem em estreita relação e dependência com os ecossistemas naturais, além da necessidade de fortalecimento da colaboração com esses grupos sociais para a conservação da natureza e implementação de áreas protegidas. Cabe lembrar, no entanto, que os aspectos que compõem valores culturais da natureza são altamente dependentes do contexto e podem mudar ao longo do tempo. Pode haver divergências de entendimentos entre grupos – ou entre um mesmo grupo –, fazendo emergir questões complexas que desafiam ainda mais a gestão. Busca-se, nessa direção, registrar valores relacionados à memória coletiva dos diferentes grupos sociais que habitam ou habitaram um território. Por diferentes razões, no entanto, determinados conhecimentos podem subsistir apenas na lembrança de poucos indivíduos (em geral, idosos), tornando-os os últimos guardiões de referências culturais vulneráveis ou ameaçadas de extinção. 13Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Vamos conhecer as categorias mais comuns de valores culturais da natureza? Vamos conhecer os valores culturais da natureza? 2.2 Tipologias de Valores Culturais da Natureza Apresenta-se, nesta unidade, as tipologias mais comuns de Valores Culturais da Natureza (VCN), agrupadas em dez categorias. Elas foram propostas tendo por base documentos internacionais de referência sobre a temática, especialmente HARMON; PUTNEY (2003) e VERSCHUUREN et al. (2021) e a experiência sobre o assunto no contexto brasileiro. São elas: 1. Valores cênicos e perceptivos 2. Oportunidades de lazer e recreação 3. Valores históricos e arqueológicos 4. Importância para o conhecimento científico e a educação 5. Contribuições para o bem-estar e a saúde humana 6. Fonte de inspiração artística 7. Valores etnológicos e identitários 8. Formas diferenciadas de manejo e produtos da sociobiodiversidade 9. Elementos orais e linguísticos relacionados à natureza 10. Fonte de experiências religiosas e espirituais Essas categorias não esgotam as possibilidades, de forma que não se deve deixar de considerar outras tipologias que podem surgir em contextos específicos. Vamos conhecer um pouco cada uma delas? • Valores cênicos e perceptivos: aspectos qualitativos da experiência de contato com a natureza e seus elementos. https://anchor.fm/enap/episodes/EV-G---Valores-Culturais-da-Natureza-e1rvgiv 14Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Essa tipologia inclui valores subjetivos como: • A apreciação estética da beleza visual das paisagens; • Experiências sensoriais (ex.: toque do vento, da água, da bruma da cachoeira, sombra das árvores); • Auditivas (ex.: canto dos pássaros, som das águas, o farfalhar do vento na vegetação, a percepção do silêncio); • Olfativas (ex.: cheiro do mato, do mar, das flores); • Despertar de sentimentos como tranquilidade, paz, harmonia, bem- estar e comunhão com a natureza. Cataratas do Iguaçu, na divisa do Brasil com a Argentina – Foto de André Dib – Acervo ICMBio Oportunidades de lazer e recreação: a experiência e o prazer de estar em contato com áreas naturais bem conservadas. Representam o valor cultural mais conhecido e divulgado da natureza, com destaque para aquelas atividades associadas ao ecoturismo, como caminhadas em trilhas, banhos de rio e cachoeiras, observação da fauna e da flora, contemplação das paisagens, entre outras. Essas são práticas que, em geral, incluem benefícios para aqueles que visitam as áreas, os prestadores de serviços e as comunidades locais. Dependendo do contexto, também contribuem para estimular a reflexão e a conscientização sobre a importância da conservação da natureza. 15Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Cachoeira na RPPN Serra dos Topázios, Cristalina/GO – Foto Érika Fernandes Pinto – Acervo SNS Brasil Além das atividades mais comuns associadas ao ecoturismo, estão representadas nessa categoria iniciativas de: turismo de aventura, práticas de esportes ao ar livre, turismo de base comunitária e etnoturismo. Podem ter relação com roteiros turísticos temáticos, caminhos históricos e trilhas de grandes travessias. Atividades consideradas não convencionais também podem fazer parte do rol de interesses sociais na interação com áreas naturais, como a observação astrológica e a astrofotografia, a observação de OVNIS e fenômenos ufológicos, a promoção de práticas terapêuticas e uma série de interações envolvendo o campo da religiosidade e da espiritualidade. 16Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Conheça algumas experiências de turismo de base comunitária – TBC em unidades de conservação brasileiras que criam oportunidades de vivências com comunidades locais (ICMBio, 2019). Iniciativas que, além de trazerem benefícios econômicos para as comunidades, contribuem para a valorização de suas culturas, tradições e modos de vida. http://www.each.usp.br/turismo/livros/turismo_de_base_ comunitaria_em_ucs.pdf • Valores históricos e arqueológicos: a natureza associada a aspectos da história e da memória nacional, regional ou local. Essa categoria inclui elementos das paisagens associados a fatos e eventos que: • Marcaram a memória nacional ou regional (como locais onde ocorreram batalhas e massacres, que serviram como esconderijo e rotas de fuga); • Lugares de referência na topografia (marcos geográficos significativos); • Registros materiais de ocupações humanas ancestrais (sítios arqueológicos, sambaquis, pinturas rupestres, geoglifos, entre outros). Apesar da diversidade de aspectos que essa categoria de valor cultural da natureza pode conter, o reconhecimento formal de valores históricos tem, em geral, focado mais no patrimônio arquitetônico construído e, em alguns casos, no arqueológico, sujeitos a legislações especiais para sua proteção. http://www.each.usp.br/turismo/livros/turismo_de_base_comunitaria_em_ucs.pdf http://www.each.usp.br/turismo/livros/turismo_de_base_comunitaria_em_ucs.pdf 17Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Ciudad Perdida no Parque Nacional Sierra Nevada de Santa Marta na Colômbia, um sítio arqueológico de valor cultural e espiritual para os povos indígenas que habitam o território (Foto Érika Fernandes Pinto- Acervo SNS Brasil) • Importância para o conhecimento científico e a educação: retrata o valor de áreas naturais como fonte de descobertas científicas relevantes, como o registro de novas espécies biológicas, a presença de espécies raras e ameaçadas de extinção, a ocorrência de fenômenos naturais singulares, entre outros. Nesse contexto, consideram-se as práticas e experiências educacionais promovidas em áreas naturais e a importância do contato com a natureza no desenvolvimento cognitivo das pessoas. Pesquisa do Centro Brasileiro de Primatas (CBP) - Acervo ICMBio 18Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública • Contribuições para o bem-estar e a saúde humana: a importância do contato com a natureza para manutenção da saúde física e psicológica e como fonte de bem-estar. Frequentemente são atribuídos efeitos curadores e restauradores à experiência de estar em contato direto com ambientes conservados a partir de experiências que vão desde a simples contemplação e meditação na natureza, caminhadas e banhos de mar, em rios, cachoeiras ou águas termais, até diversas práticas de valor terapêutico realizadas na natureza, como os chamados banhos de floresta. Foto: Jose Antona O Shinrin-yoku ou “banho de floresta”, como se tornou conhecido no Brasil, consiste em visitar florestas saudáveis com finalidades terapêuticas. Tornou-se prática em alguns países, espalhando-seinicialmente do Japão e da Coreia do Sul para muitos outros (Fonte: https://ecopsicologiabrasil.com/banho-de-floresta/). https://ecopsicologiabrasil.com/banho-de-floresta/ 19Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública • Fonte de inspiração artística: a apreciação das paisagens, dos elementos da flora e da fauna e dos ciclos da natureza como fonte de inspiração e expressão para as artes em suas múltiplas formas de manifestação, tanto tradicionais como contemporâneas (pinturas, esculturas, gravuras, literatura, poesia, contos, artes cênicas, música, danças, entre outras). Obra de OtonTiel Fernandes representando a Chapada dos Veadeiros. Fonte: https://www. guiaaltoparaiso.com.br/altoparaiso?pgid=j7wmgll8-c816603c-9e67-40e9-ae4d-adc429068f90 Segundo Verschuuren et al. (2021), nessa categoria, são incluídas as expressões culturais que comunicam o sentido de beleza, mistério e harmonia encontrados na natureza e que influenciaram o valor social de certos lugares naturais ou paisagens em favor de sua conservação. Inclui as artes decorativas que expressam a natureza em itens feitos para uso cotidiano ou cerimonial, como roupas, biojoias, cerâmicas, arranjos florais, entre outros. Também considera o valor das paisagens como cenário de ensaios fotográficos e de produções audiovisuais. https://www.guiaaltoparaiso.com.br/altoparaiso?pgid=j7wmgll8-c816603c-9e67-40e9-ae4d-adc429068f90 https://www.guiaaltoparaiso.com.br/altoparaiso?pgid=j7wmgll8-c816603c-9e67-40e9-ae4d-adc429068f90 20Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Você conhece artistas e obras que retratam as belezas da nossa natureza? • Valores etnológicos e identitários: sentimento de pertencimento relacionado a paisagens ou elementos da natureza e sua importância na conformação da identidade de determinados grupos sociais, seus territórios e conhecimentos. Considera a diversidade cultural associada à natureza, representada por modos de vida, saberes e costumes que refletem diferentes visões de mundo, destacando-se a existência de povos e comunidades tradicionais. Essa relação humana com as áreas pode ser atual ou ancestral, devendo-se respeitar o direito à memória e à verdade dos grupos sociais sobre os fatos históricos ocorridos nos territórios, que podem ter levado ao extermínio ou à expulsão de parte deles. Cabe lembrar que o valor identitário da natureza se expressa de diversas formas, não só em comunidades rurais, mas também urbanas, onde as áreas naturais podem ter diferentes significados para a população. Encaixa-se também nessa tipologia a indicação de elementos da flora e da fauna como símbolos representativos de grupos, municípios, regiões, estados e países. Monte Roraima na divisa do Brasil com a Guiana e Venezuela – lugar sagrado e de referência para os povos indígenas - foto: Yosemite / Wikimedia Commons / CC BY-SA 3.0 21Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública • Formas diferenciadas de manejo e produtos da sociobiodiversidade: consideram as práticas tradicionais que moldam paisagens e meios de subsistência que têm na natureza a base para a sua manutenção, produção e uso sustentável. Exemplos disso são: • Extrativismo não madeireiro; • Pesca artesanal; • Apicultura de abelhas nativas; • Confecção de artesanato a partir de plantas nativas; • Sistemas agroflorestais e permaculturais; • Agricultura familiar e a agrobiodiversidade associada; • Pastoreio extensivo em campos nativos; • Tecnologias tradicionais de uso seletivo do fogo; • Outras práticas de manejo comum. São embasados em conhecimentos tradicionais e envolvem técnicas especiais de manejar determinados ambientes que mantêm e/ou promovem a riqueza biológica (incluindo a agrobiodiversidade), mantendo a qualidade ambiental. Morador tradicional carregando cacho de açaí na RESEX Cajari – Acervo ICMBio Podem incluir várias categorias de uso da biodiversidade, como: • Medicina tradicional; • Agrobiodiversidade; • Formas de conservação, processamento e preparação de alimentos; • Gastronomia e culinária típica; • Artesanato e produção de artefatos, objetos utilitários e decorativos; • Arquitetura vernacular; • Festividades relacionadas a épocas de colheitas e safras de coleta de produtos; • Entre outros. 22Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Catálogo de Produtos da Sociobiodiversidade do Brasil (ICMBio, 2019) https://www.gov.br/ icmbio/ p t - b r / a s s u n t o s / n o t i c i a s / ultimas-noticias/icmbio-lanca- c a t a l o g o - d e - p r o d u t o s - d a - sociobiodiversidade • Elementos orais e linguísticos relacionados à natureza: vocabulários relacionados à elementos da natureza, aostermos e expressões locais utilizados para caracterizar e nomear lugares particulares das paisagens, à flora e fauna, aos tipos de vegetação e solo, às condições climáticas e aos fenômenos da natureza. Inclui a existência de línguas e dialetos singulares relacionados a grupos culturais que habitam áreas geográficas específicas e estudos das toponímias (investigação da etimologia, dos significados, da história da nomeação de lugares geográficos relevantes e suas variações). Consideram-se também contos folclóricos, lendas, enigmas, provérbios, ditados populares ligados aos territórios, que podem transmitir conhecimentos sobre a natureza, derivados da sabedoria popular desenvolvida ao longo de gerações em coevolução com determinadas paisagens. Pedra de Xangô – lugar de referências para os povos de santo de Salvador/BA, cujo nome está relacionado com a representação de uma divindade (Foto: Mônica Silveira – Acervo SNS Brasil). https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/noticias/ultimas-noticias/icmbio-lanca-catalogo-de-produtos-da-sociobiodiversidade https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/noticias/ultimas-noticias/icmbio-lanca-catalogo-de-produtos-da-sociobiodiversidade https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/noticias/ultimas-noticias/icmbio-lanca-catalogo-de-produtos-da-sociobiodiversidade https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/noticias/ultimas-noticias/icmbio-lanca-catalogo-de-produtos-da-sociobiodiversidade https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/noticias/ultimas-noticias/icmbio-lanca-catalogo-de-produtos-da-sociobiodiversidade 23Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Para Verschuuren et al. (2021), a riqueza lexical fornece uma descrição detalhada de elementos ou aspectos particulares da natureza que são mais relevantes para determinados grupos sociais. A linguagem pode revelar muitos conhecimentos sobre a natureza e a história das paisagens, além de ajudar a recuperar conhecimentos antigos ou quase desaparecidos, incluindo relações particulares com áreas naturais. • Fonte de experiências religiosas e espirituais: a natureza como fonte de experiências místicas, religiosas ou espirituais como um elemento comum na maioria das tradições e associada a sentimentos de comunhão, paz e conexão com algo maior. Inclui uma ampla variedade de práticas realizadas nos ambientes naturais em rituais e cerimônias que celebram a qualidade espiritual da natureza ou onde a natureza dá significado à experiência religiosa, no que vem sendo denominado de espiritualidade ecológica. Pedra Chapéu do Sol, Cristalina/GO. Foto: Collemes - Domínio público Vão desde atividades individuais ou realizadas em pequenos grupos até grandes celebrações coletivas que podem envolver centenas ou milhares de pessoas, como: rezas, orações, leituras de textos sagrados, oferendas, batismos, missas, vias sacras, rituais diversos, representações teatrais de passagens bíblicas, festejos religiosos, peregrinações, entre outras. 24Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Considera a existência de elementos específicos das paisagens aos quais são atribuídos significados espirituais especiais e que podem ser considerados sítios naturais sagrados (Fernandes-Pinto, 2017). Pode envolver a presença de estruturas construídas em consagração de espaçosnaturais significativos, desde pequenas imagens sacras e altares até grandes monumentos. Contudo, é importante considerar que áreas importantes em termos de aspectos culturais podem não estar associadas a evidências materiais notáveis nas paisagens, especialmente quando se trata de povos indígenas. Essa tipologia inclui também espécies da flora e da fauna consideradas sagradas, vinculadas a lendas e mistérios ou associadas a usos ritualístico e cerimoniais. Inclui- se também crenças sobre seres do mundo imaginal associados às paisagens, como os personagens encantados e seres míticos, mitológicos ou fantásticos das matas, campos, mangues, rios e mares, que podem influenciar nas regras de acesso e uso dos recursos naturais. Imagem do Curupira, personagem fantástico das matas brasileiras, reconhecido como protetor da natureza. Foto: Celso Costa/Rede Amazônica Entidades Ecologicamente Corretas https://anchor.fm/enap/episodes/EV-G---Valores-Culturais-da-Natureza---Entidades-ecologicamente-corretas-e1rvgnh 25Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Para saber mais sobre as diversas formas de relações espiritual ou religiosa com áreas naturais, leia o artigo “Entre Santos, Encantados e Orixás: uma jornada pela diversidade de sítios naturais sagrados do Brasil” (FERNANDES-PINTO; IRVING, 2018). https://www.academia.edu/37340574/ENTRE_ SANTOS_ENCANTADOS_E_ORIX%C3%81S_UMA_JORNADA_PELA_ DIVERSIDADE_DOS_S%C3%8DTIOS_NATURAIS_SAGRADOS_NO_ BRASIL Diversas histórias sobre as paisagens brasileiras vêm sendo compiladas e divulgadas pela Iniciativa Sítios Naturais Sagrados do Brasil. https://sitiosnaturaissagrados. org/ Logo da Iniciativa sítios naturais sagrados do Brasil. Imagem: acervo pessoal: Érika Fernandes Pinto O que você achou dessa diversidade de tipologias de valores culturais da natureza? Ainda que possa causar um certo estranhamento inicial pensar nos valores culturais da natureza como objeto de políticas públicas, diversos estudos têm destacado que esses aspectos estão entre as principais razões que levam as pessoas a se importarem com a conservação. Quando compreendemos que existe uma intrínseca relação entre cultura e natureza, percebemos que não é possível tratar do ambiental sem considerar o social de forma integrada, tampouco olhar para aspectos biológicos ou ecológicos sem considerar as influências culturais. Isso pode parecer óbvio, mas nem sempre foi assim. https://www.academia.edu/37340574/ENTRE_SANTOS_ENCANTADOS_E_ORIX%C3%81S_UMA_JORNADA_PELA_DIVERSIDADE_DOS_S%C3%8DTIOS_NATURAIS_SAGRADOS_NO_BRASIL https://www.academia.edu/37340574/ENTRE_SANTOS_ENCANTADOS_E_ORIX%C3%81S_UMA_JORNADA_PELA_DIVERSIDADE_DOS_S%C3%8DTIOS_NATURAIS_SAGRADOS_NO_BRASIL https://www.academia.edu/37340574/ENTRE_SANTOS_ENCANTADOS_E_ORIX%C3%81S_UMA_JORNADA_PELA_DIVERSIDADE_DOS_S%C3%8DTIOS_NATURAIS_SAGRADOS_NO_BRASIL https://www.academia.edu/37340574/ENTRE_SANTOS_ENCANTADOS_E_ORIX%C3%81S_UMA_JORNADA_PELA_DIVERSIDADE_DOS_S%C3%8DTIOS_NATURAIS_SAGRADOS_NO_BRASIL https://sitiosnaturaissagrados.org/ https://sitiosnaturaissagrados.org/ 26Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Por muito tempo, as políticas públicas de conservação da natureza foram construídas e implementadas sem levar em conta os aspectos culturais que permeiam essa relação. Até mesmo nas ciências essas dimensões foram separadas (Ciências Naturais x Ciências Humanas ou Sociais), reforçando-se muitas vezes uma dicotomia entre elas. Foi nesse contexto que o debate sobre Valores Culturais da Natureza surgiu nos fóruns mundiais. Vamos conhecer um pouco dessa história? Esse é o tema do próximo módulo. Vídeo Organacast Valores Culturais da Natureza (Episódio 4, Parte 1) https://www.youtube. com/watch?v=op4zSeJYn2A e (Episódio 4, Parte 2) https:// w w w . y o u t u b e . c o m / watch?v=da69lS_8GTA https://www.youtube.com/watch?v=op4zSeJYn2A https://www.youtube.com/watch?v=op4zSeJYn2A https://www.youtube.com/watch?v=da69lS_8GTA https://www.youtube.com/watch?v=da69lS_8GTA https://www.youtube.com/watch?v=da69lS_8GTA 27Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Neste módulo, veremos como o tema dos valores culturais da natureza surgiu nos fóruns mundiais sobre políticas públicas de conservação. Conheceremos os principais marcos e tendências do debate internacional. Além disso, vamos nos familiarizar com o arcabouço jurídico que fundamenta essa temática globalmente a partir de políticas que buscam valorizar uma leitura integrada da diversidade biológica e cultural. Unidade 1 – Os valores culturais da natureza nos fóruns mundiais de conservação Ao final desta unidade, você será capaz de compreender a evolução e as tendências das discussões sobre a temática dos valores culturais da natureza nos fóruns mundiais de conservação. Conhecerá as principais iniciativas e programas internacionais sobre o assunto e as publicações de referência. 1.1 Do reconhecimento do conflito à proposição de soluções Como vimos no Módulo 1, os Valores Culturais da Natureza, relevantes para boa parte da sociedade, ainda são pouco compreendidos e considerados nas estratégias de gestão ambiental. Apenas nas últimas décadas, esse cenário começou a mudar, com a ampliação progressiva do reconhecimento dos múltiplos valores da natureza e das suas contribuições diretas ou indiretas para o bem-estar e a qualidade de vida humana nos fóruns mundiais sobre políticas públicas - incluindo aqueles sobre conservação da natureza. Módulo A evolução do tema no cenário internacional2 28Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Essas temáticas ainda não convencionais na gestão pública vêm sendo promovidas, nas últimas décadas, em eventos realizados por instituições e coligações globais com a publicação de diversas obras de referência. Essa é uma discussão internacionalmente crescente, mas ainda incipiente no contexto brasileiro. Que precisamos conhecer e integrar nas nossas iniciativas em prol da conservação. Vamos dar uma olhada nela? 1.1.1 A emergência do debate mundial sobre a temática No cenário internacional, a temática dos valores culturais da natureza começou a despertar interesse a partir do final da década de 1990, quando coligações globais começaram a promover eventos com esse enfoque e a publicar as primeiras obras de referência. Entre elas, destaca-se a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e a Convenção da Diversidade Biológica (CDB). A primeira publicação de alcance mais amplo sobre a temática foi lançada pelo United Nations Environment Programme (UNEP), em 1999. Intitulada Cultural and Spiritual Values of Biodiversity, essa publicação entrelaça pontos de vista filosóficos, históricos, jurídicos, científicos e pessoais, oferecendo uma rica amostra da rede de conexões que interligam diversidade biológica e cultural (POSEY, 1999). Link para download https://www.unep.org/ resources/publication/cultural-and-spiritual- values-biodiversity Esse tema ganha verdadeiramente impulso quando passa a ser pauta dos congressos mundiais sobre conservação da natureza organizados pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). https://www.unep.org/resources/publication/cultural-and-spiritual-values-biodiversity https://www.unep.org/resources/publication/cultural-and-spiritual-values-biodiversity https://www.unep.org/resources/publication/cultural-and-spiritual-values-biodiversity 29Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A IUCN, fundada em 1948, é considerada a maior e mais antiga organização ambientalista mundial. Consiste em uma rede global que congrega mais de 200 agências governamentais e 1200 organizações de cerca de 160 países, com a missão de encontrar soluções para a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável, em uma parceria mundial única. Promove bianualmente os Congressos Mundiais de Conservaçãoda Natureza e, a cada década, eventos similares sobre parques e outras áreas protegidas. Essa organização tem um papel central na definição das bases, diretrizes e tendências mundiais para as políticas e estratégias de conservação. Isso acontece de forma mais incisiva no V World Parks Congress, promovido pela IUCN em Durban/África do Sul, em 2003. Esse congresso, que teve como tema “Áreas Protegidas: benefícios além das fronteiras”, foi o primeiro evento do gênero a contar com uma participação expressiva de lideranças indígenas de diversas partes do mundo. Duras críticas foram feitas por eles ao modelo de conservação do patrimônio natural em vigência, ressaltando-se injustiças sofridas pelos grupos sociais como consequência da forma de implementação dessas estratégias sem considerar aspectos culturais. Além de denunciar práticas colonialistas de conservação, os indígenas criticaram a falta de envolvimento dos órgãos gestores de áreas protegidas com as populações locais. Reforçaram que muitas delas incidem não apenas sobre seus territórios de moradia e uso tradicional, mas também sobre lugares de importância cultural, incluindo aqueles considerados sagrados. Também desafiaram a IUCN a exigir que os diversos países reconheçam e respeitem os direitos, responsabilidades e contribuições dos povos indígenas para a conservação da natureza (BROSIUS, 2004; STEVENS, 2014). Isso desencadeou uma série de debates que iniciam um processo de mudança de paradigma nas estratégias de conservação da natureza, que vão fortalecendo, 30Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública paulatinamente, o reconhecimento da relevância dos povos indígenas e tradicionais para manutenção da diversidade natural, bem como a legitimidade de seus conhecimentos e práticas de manejo para a manutenção da biodiversidade. Em 2003, foi também lançado o livro intitulado The Full Values of Parks: from economics to the intangible (HARMON; PUTNEY, 2003). A obra é considerada pioneira a trazer uma visão abrangente dos valores culturais associados às áreas protegidas, incluindo aspectos materiais e imateriais. 1.1.2 Um grupo de especialistas para aprofundar a temática Para dar encaminhamento a essas diretivas, foi formado, no âmbito da Comissão Mundial sobre Áreas Protegidas (World Commission on Protected Areas - WCPA/IUCN), o Cultural and Spiritual Values of Protected Areas Specialist Group – CSVPA. Esta é uma das seis comissões voluntárias da IUCN, formada por administradores de AP e especialistas. Conta com mais de dois mil membros de pelo menos 140 países. Tem por objetivo promover o estabelecimento e a administração efetiva de uma rede de trabalho mundial sobre o tema. Reconhecer a importância dos valores culturais e espirituais da natureza se tornou o mote principal de trabalho do CSVPA. Congregando especialistas de diversos países, esse grupo tem sido responsável por formular abordagens teórico-conceituais sobre a temática, organizar acervos de informações e publicações, realizar estudos de caso e propor diretrizes e recomendações para integração de valores culturais e espirituais da natureza na gestão das áreas protegidas e nas estratégias de conservação, de forma mais ampla. 31Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Grupo de Trabalho Especial sobre Valores Culturais e Espirituais das Áreas Protegidas - essa iniciativa teve início em 1998, como uma força-tarefa. Tornou-se um grupo permanente de especialistas da IUCN em 2009. Do foco inicial nos sítios naturais sagrados, a abordagem foi ampliada a partir de 2012 para abranger múltiplos significados da natureza para diferentes grupos sociais (Fonte: csvpa.org). A partir do trabalho desse grupo, diversas iniciativas para a investigação e promoção da importância dos valores culturais da natureza vêm sendo realizadas em diversas regiões do planeta. Elas vêm contribuindo para a ampliação do conhecimento sobre o tema e para avanços no debate sobre estratégias para o seu reconhecimento e promoção. Um desdobramento importante dessa iniciativa foi a elaboração de um documento de referência para o manejo de sítios naturais sagrados (SNS) em áreas protegidas (WILD; MCLEOD, 2008), lançado no World Conservation Congress de 2008 (Barcelona, Espanha). Essa publicação oferece um panorama geral sobre o estado da arte da gestão dos SNS em diferentes partes do mundo e apresenta uma gama de exemplos de boas práticas que estão sendo desenvolvidas em alguns casos emblemáticos, exemplificados a seguir: http://csvpa.org 32Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Reconhecimento de valor cultural e espiritual do Parque Nacional do Tongariro, na Nova Zelândia, para o Povo Maori, a primeira área reconhecida como paisagem cultural na Conveção do Patrimônio Mundial. Gestão do uso público no Monumento Nacional Devils Tower, nos Estados Unidos da América, ajustada em conformidade com os usos religiosos indígenas. Adaptações da gestão da área protegida que inclui o Pico Sri Pada- Adams no Sri Lanka, para acomodar interesses multirreligiosos Fonte: Parque Nacional do Tongariro - Foto: Blueromulan - CC BY- SA 3.0; Monumento Nacional Devils Tower - Foto: powerofforever/ iStock; Pico Sri Pada-Adams - Foto: Bourgeois - CC BY-SA 3.0 Com tais iniciativas, essa problemática vem ganhando visibilidade crescente como tema- chave nos debates internacionais, inspirando e renovando a perspectiva da aliança com a sociedade como uma premissa para promover a conservação da natureza. A promoção da participação e inclusão dos atores sociais envolvidos, a partir da construção de um processo de colaboração respeitosa, é uma das orientações centrais reforçadas nessas diretivas, reafirmando a importância da participação social para a implementação de estratégias de conservação da natureza. 1.1.3 Inspirando soluções para despertar a consciência ecológica Entre os grandes eventos mundiais que se configuram como marcos referenciais para esse debate, cabe destacar também o VI Congresso Mundial de Parques, realizado em 2014, em Sidney/Austrália. 33Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Essa edição, realizada 11 anos depois do emblemático congresso anterior de Durban/2003, avançou nas propostas de inserção social na gestão de áreas protegidas. Além disso, demonstrou que os casos mais bem-sucedidos de conservação no mundo são aqueles que promovem parcerias com diversos setores da sociedade. Com o tema Parques, Pessoas, Planeta: inspirando soluções, o evento teve como propósito estimular a concepção de formas inovadoras de inspirar as pessoas a buscarem uma conexão mais profunda com a natureza, envolvendo seus corações e mentes para gerar bem-estar físico, psicológico e espiritual. O documento final desse evento – intitulado A Promessa de Sidney – foi proposto como referência na adoção de uma nova ética na conservação, fundamentada na integração entre diversidade biológica e cultural e em noções de justiça, equidade e respeito para com os diversos grupos sociais (IUCN, 2014). Depois de Sidney, o Congresso Mundial de Conservação da Natureza seguinte foi realizado em Honolulu, no Havaí/EUA, em 2016, com o tema O Planeta na Encruzilhada. O evento fez um alerta para a gravidade da situação planetária com o iminente risco de colapso dos ecossistemas, a ampliação dos efeitos das mudanças climáticas e as taxas cada vez mais elevadas de extinção da biodiversidade. Além disso, conclamou os participantes de todo o mundo para a urgência na implementação de mecanismos que permitam transformar esse cenário, onde conservação da natureza e o progresso humano não sejam excludentes. 34Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública As recomendações aprovadas no evento ressaltam que tal empreitada implica em um grande desafio coletivo de mudança de paradigmas civilizatórios e de adoção de novas práticas que somente obterão êxito com a construçãode parcerias com os mais diversos setores da sociedade. Nesse contexto, os valores culturais da natureza emergiram novamente como um tema-chave para o debate, inspirando e renovando a perspectiva de reconexão dessas dimensões como uma premissa para a conservação. As conexões entre espiritualidade e conservação, particularmente, tiveram destaque, reconhecendo essa ligação como uma das mais poderosas forças de transformação das consciências humanas em prol de uma relação mais harmônica e cuidadosa com a natureza. Esse foi o tema de um dos cinco eventos principais na programação do congresso – denominados de High Level Dialogues – “Conexões entre espiritualidade e conservação”, que contou com a participação de líderes espirituais de diversas tradições religiosas. Algo inédito também nos debates sobre conservação da natureza, considerando que convencionalmente não costumavam dialogar com esses grupos. Acesse o registro desse evento no Youtube em: https://www. youtube.com/watch?v=UtsbVKqB_3k, acesso em: out./2020. Duração: 1h52min. Uma das recomendações aprovadas no evento reforça a importância de se construir capacidades para promover o reconhecimento da dimensão cultural associada ao patrimônio natural a partir da formação de pessoas que atuam nessa área. Este curso que você está realizando dialoga diretamente com essas diretivas e representa uma importante iniciativa que vem para colaborar com a integração dessa temática nas estratégias de conservação. Mas como fazer isso? https://www.youtube.com/watch?v=UtsbVKqB_3k https://www.youtube.com/watch?v=UtsbVKqB_3k 35Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.1.4 Diretrizes para integrar a significância cultural e espiritual da natureza nas estratégias de conservação No último congresso mundial da IUCN, realizado em 2021 (Marseille, França), foi apresentada a publicação Cultural and Spiritual Significance of Nature in Protected and Conserved Areas (VERSCHUUREN et al., 2021). Organizada por alguns especialistas no tema – inspirados por discussões em eventos em diferentes partes do mundo –, a obra apresenta seis princípios abrangentes que são base para 41 diretrizes, ilustradas com exemplos de aplicação em diversos contextos. Complementarmente, são apresentados dez estudos de caso de diversas regiões geográficas, grupos sociais e tipos de governança, que ajudam a demonstrar como valores culturais podem ser integrados na gestão de diferentes categorias de APs e as lições aprendidas. https://csvpa.org/best-practice-guidelines/cultural-and- spiritual-significance-of-nature/ A obra, a qual integra a série de boas práticas da IUCN, instiga os órgãos governamentais a aprofundar o conhecimento sobre a temática e incorporá-la na gestão das APs de formas inovadoras, a fim de torná-las mais integradas, holísticas, justas, inclusivas e eficazes. Vamos conhecer alguns dos princípios que embasam essa discussão? https://csvpa.org/best-practice-guidelines/cultural-and-spiritual-significance-of-nature/ https://csvpa.org/best-practice-guidelines/cultural-and-spiritual-significance-of-nature/ 36Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Com base nessas premissas, diversas iniciativas de reconhecimento dos valores culturais da natureza e de integração desses aspectos em estratégias de conservação têm surgido em diferentes regiões do mundo. Elas vêm sendo respaldadas por algumas políticas globais que buscam fazer uma leitura integrada entre cultura e natureza. Vamos conhecê-las? Esse é o tema da próxima unidade. Áreas Protegidas e Valores Culturais da Natureza https://anchor.fm/enap/episodes/EV-G---Valores-Culturais-da-Natureza---reas-protegidas-e-valores-culturais-da-natureza-e1rvgqj 37Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 2 – Políticas públicas globais que embasam o reconhecimento de valores culturais da natureza Ao final desta unidade, você terá conhecimento sobre as políticas mundiais que embasam inciativas de reconhecimento e promoção de valores culturais da natureza. 2.1 Contribuições dos povos tradicionais para a conservação da natureza Como vimos na unidade anterior, faz algumas décadas que o tema dos valores culturais da natureza vem sendo debatido nos fóruns internacionais sobre políticas públicas de conservação da natureza. Tem-se deflagrado iniciativas em todo o mundo, refletindo avanços no reconhecimento dos direitos dos povos originários e na proposição de políticas públicas que buscam valorizar uma leitura integrada da diversidade biológica e cultural. Vamos conhecer as principais? Ainda no início da década de 1990, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB, 1992) representa um marco para o reconhecimento da importância dos povos tradicionais e de seus saberes para a proteção da natureza, reafirmando que valores culturais intrínsecos também estão associados à biodiversidade. A CDB foi aprovada no âmbito da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro/ Brasil, em 1992. Adotada por mais de 190 países, essa convenção vem se consolidando como a principal referência mundial sobre questões relacionadas à proteção da natureza. 38Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Nessa perspectiva, o mais marcante dispositivo da CDB é o seu artigo 8j, que, entre outros aspectos, solicita aos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) que respeitem, preservem e mantenham o conhecimento, as inovações e as práticas das comunidades indígenas e locais que incorporam estilos de vida tradicionais relevantes para a conservação e o uso sustentado da diversidade biológica. (CDB, 2004) O artigo 10c, por sua vez, estimula a proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos biológicos de acordo com práticas culturais compatíveis com as exigências de conservação ou utilização sustentável. (CDB, 2004) Esses dispositivos oferecem uma abertura para o reconhecimento de diversas formas de conservação de áreas e dos valores culturais da natureza. Dois documentos em particular se sobressaem no debate sobre valores culturais da natureza: Diretrizes Voluntárias Akwé:Kon para avaliação das repercussões sociais e culturais, além das ambientais, de projetos de desenvolvimento que possam afetar lugares sagrados ou terras ocupadas e utilizadas tradicionalmente por povos indígenas (CDB, 2004). https://iucn.oscar.ncsu.edu/mediawiki/ images/c/c1/Akwe-brochure-en.pdf https://iucn.oscar.ncsu.edu/mediawiki/images/c/c1/Akwe-brochure-en.pdf https://iucn.oscar.ncsu.edu/mediawiki/images/c/c1/Akwe-brochure-en.pdf 39Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Código de Conduta Ética Tkarihwaié:ri para garantir o respeito ao patrimônio cultural e intelectual das comunidades indígenas e locais relevantes para a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica (CDB, 2011) https://www.cbd.int/traditional/code/ ethicalconduct-brochure-en.pdf Apesar de ainda pouco aplicadas nos países signatários da CDB, essas diretrizes exemplificam como os aspectos culturais devem ser considerados em intervenções ambientais, em diálogo com os grupos sociais, internalizando em seus textos a compreensão da relação intrínseca entre diversidade cultural e biológica. Essas recomendações da CDB encontram respaldo também na Convenção no. 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais (OIT, 1989) e na Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas (ONU, 2007). A primeira traz como aspectos mais relevantes o princípio da autoidentificação como critério de determinação da condição de povos indígenas e tribais e a garantia ao direito à consulta prévia, livre e informada a esses grupos sociais sobre iniciativas e projetos que afetem seus territórios. A segunda resulta de um processo de construção associado a 25 anos de debates e controvérsias. Representa uma conquista primordial paraa consolidação dos direitos dos povos indígenas à nível mundial e vem inspirando o estabelecimento de diretrizes para políticas e legislações nacionais que reforçam o papel desses grupos sociais para a manutenção da diversidade natural. 2.2 Valores culturais da natureza nas políticas de proteção do patrimônio mundial No campo das políticas de proteção do patrimônio mundial, promovidas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), também existem diplomas legais que embasam o reconhecimento e a proteção de valores culturais da natureza. https://www.cbd.int/traditional/code/ethicalconduct-brochure-en.pdf https://www.cbd.int/traditional/code/ethicalconduct-brochure-en.pdf 40Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A UNESCO, fundada em 1945, é uma organização internacional que tem por missão contribuir para a paz mundial, a erradicação da pobreza, o desenvolvimento sustentável e o diálogo intercultural por intermédio da educação, da ciência, da cultura, da comunicação e da informação. Responde pela implementação da Convenção do Patrimônio Mundial e do Programa Homem e Biosfera (MAB). Cabe destacar a Convenção do Patrimônio Mundial, aprovada em 1972, considerada o primeiro instrumento global a abordar natureza e cultura conjuntamente. Entretanto, as práticas de registro e tombamento dos bens assim reconhecidos ainda são operadas sob a égide da divisão entre as dimensões natural e cultural. Esse representa um desafio a ser enfrentado na revisão dessa política. Além disso, predominou durante décadas o entendimento de que patrimônio cultural era, fundamentalmente, composto por bens materiais com características de grandeza e excepcionalidade (SANT´ANNA, 2009), o que limitava o reconhecimento de elementos relacionados a povos nativos. Diante disso, alguns países – especialmente aqueles de tradição não europeia – passaram a demandar estudos para a formulação de instrumentos de proteção e reconhecimento de manifestações culturais populares. Uma primeira resposta a essa reivindicação foi dada a partir da Recomendação sobre a Salvaguarda das Culturas Tradicionais e Populares, lançada em 1989 pela UNESCO (link: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/ Recomendacao%20Paris%201989.pdf), considerada o marco impulsionador das discussões acerca da proteção dos bens de natureza imaterial no mundo ocidental que influenciou diretamente a valorização da cultura dos povos originário e tradicionais nas políticas patrimoniais. A partir de então, uma perspectiva mais integrada de natureza e cultura nas suas dimensões materiais e imateriais vem sendo reafirmada em normativas subsequentes como: + Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (UNESCO, 2001) http:// www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000115.pdf. http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Recomendacao%20Paris%201989.pdf http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Recomendacao%20Paris%201989.pdf http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000115.pdf http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000115.pdf 41Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública + Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (UNESCO, 2003) http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/ConvencaoSalvaguar da.pdf. + Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (UNESCO, 2005) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2007/decreto/d6177.htm. O que você acha de conhecer melhor esses documentos para uma compreensão mais aprofundada de como eles podem ser integrados a estratégias de conservação? Essas normativas internacionais vêm se constituindo em dispositivos fundamentais para o reconhecimento das dimensões simbólicas e dos valores culturais associados ao patrimônio natural. Vêm também ajudando a fortalecer o debate sobre a importância desses aspectos nas iniciativas de conservação da natureza. Se reconhece que, por um lado, há diversas práticas culturais que dependem dos elementos naturais para serem expressadas. Por outro, que muitos grupos sociais também são responsáveis por manter, manejar e promover a biodiversidade, como ilustrado na figura a seguir: Fonte: https://www.cbd.int/lbcd/about – adaptado para o português pelo ICMBio). http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/ConvencaoSalvaguarda.pdf http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/ConvencaoSalvaguarda.pdf http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6177.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6177.htm https://www.cbd.int/lbcd/about 42Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Essas iniciativas mostram que, no plano internacional, a leitura integrada das políticas ambientais e culturais não é apenas uma tendência, mas uma realidade e uma necessidade que vem sendo enfatizada pelas principais organizações mundiais que têm interface com a promoção de estratégias de conservação. As recomendações internacionais formuladas sobre o tema alertam para a urgência de ações concretas de proteção dos significados culturais da natureza em seus contextos locais. Esse é campo de interesse crescente e cada vez mais proeminente entre profissionais de conservação e acadêmicos. Entretanto, em grande parte dos países, o conhecimento sobre essa problemática é limitado e as iniciativas de promoção desses valores em políticas públicas nacionais são ainda incipientes (WILD; MCLEOD, 2008; FERNANDES-PINTO; IRVING, 2017, VERSCHUUREN; BROWN, 2018). Esse parece ser o caso do Brasil, um país que conjuga uma das maiores diversidades biológicas do mundo a uma expressiva diversidade cultural. Assim, apesar do amplo debate internacional sobre esses temas, ainda há muito a trilhar para que as recomendações envolvendo os valores culturais da natureza sejam internalizadas nas políticas nacionais. Como esse debate se relaciona com o contexto brasileiro? É o que veremos no próximo módulo. 43Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Neste módulo, veremos como o debate sobre reconhecimento de valores culturais da natureza se relaciona com o contexto brasileiro, a expressiva sociobiodiversidade do país e as políticas públicas nacionais. Vamos conhecer também iniciativas em curso que vem trilhando caminhos para promover a integração dos valores culturais da natureza nas estratégias de conservação. Unidade 1 – Sociobiodiversidade brasileira Ao final desta unidade, você será capaz de compreender por que o Brasil é um país multicultural e os direitos que devem ser harmonizados e levados em consideração nas estratégias de conservação. 1.1 Reconhecimento dos povos e comunidades tradicionais do Brasil Fonte: http://concursobrasileirodeenredos.blogspot.com/2015/07/ Módulo Valores culturais da natureza no contexto brasileiro3 http://concursobrasileirodeenredos.blogspot.com/2015/07/ 44Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Com sua vasta dimensão territorial (8,5 milhões km² de terras e 3,5 milhões km² de costa marinha) e variedade de ambientes, o Brasil conjuga uma das maiores riquezas biológicas do mundo a uma expressiva pluralidade sociocultural. Aliada à exuberância natural, o país abriga uma rica diversidade cultural, formada por mais de 300 povos indígenas, comunidades remanescentes de quilombos e populações tradicionais, representadas por um diversificado conjunto de grupos sociais de múltiplas origens. Comunidades remanescentes de quilombos – grupos étnico- raciais, segundo critérios de auto atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida (de acordo com artigo 2o do Decreto nº 4887/2003). Populações tradicionais – são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organizaçãosocial, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (de acordo com a definição de Povos e comunidades tradicionais do inciso I, artigo 3º do Decreto Federal nº 6.040 de 2007). Fonte: http://www.megatimes.com.br/2013/12/indio-brasileiro-historia-e.html http://www.megatimes.com.br/2013/12/indio-brasileiro-historia-e.html 45Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Além disso, o Brasil recebeu, ao longo de sua história, fluxos de imigrantes oriundos de diversos países, favorecendo a formação de uma nação verdadeiramente multicultural. Os diversos grupos sociais presentes no território nacional possuem modos de vida adaptados a determinados ambientes e uma profunda sabedoria sobre as espécies da fauna e da flora, bem como dos ciclos naturais, traduzidos em complexos sistemas chamados de conhecimentos ecológicos tradicionais. Eles compõem o que é chamado de sociobiodiversidade brasileira. Vamos conhecer alguns dos grupos sociais que compõem essa nação multicultural chamada Brasil? Seringueiros Ribeirinhos Castanheiros Extrativistas Quebradeiras de coco babaçu Andirobeiros Vazanteiros Geraizeiros Caatingueiros Retireiros Veredeiros Pantaneiros do Pantanal Matogrossense 46Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Catadoras de mangaba Pomeranos dos Pontões Capixaba Fundo e Fecho de Pasto Morroquianos Cipozeiros da Mata Atlântica Apanhadores de Flores Sempre Vivas Faxinalenses dos Campos Sulinos Piaçaveiros Ciganos Caiçaras Pescadores artesanais Ilhéus Isqueiros Povos de Terreiro Quilombolas Indígenas Fonte: http://portalypade.mma.gov.br/ http://portalypade.mma.gov.br/ 47Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Para saber mais, acesse o Portal Ypadê/MMA: http://portalypade. mma.gov.br/. Sociobiodiversidade Brasileira Quanta diversidade, não? Você conhecia esses grupos ou eles representam uma novidade? Boa parte desses grupos sociais enfrentaram, ao longo da história, diversas lutas para que seus direitos territoriais e culturais começassem a ser reconhecidos no país e para que políticas públicas direcionadas a eles fossem instituídas. A Constituição Federal de 1988 foi um grande marco nesse debate, ao reconhecer o Brasil como uma nação multicultural e estabelecer dispositivos legais específicos sobre os direitos de povos indígenas e comunidades remanescentes de quilombos, como detalhado nos quadros a seguir: + DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS O artigo 231 da Constituição Federal de 1988 reconhece aos índios direitos originários sobre as terras por eles ocupadas tradicionalmente. Elas são entendidas, de acordo com parágrafo 1º, como “as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. Ao estabelecer esses direitos como originários, entende-se que a demarcação das terras indígenas (TI) tem um caráter meramente declaratório – um ato de reconhecimento de uma situação preexistente –, sendo um dever da União promover a demarcação da área e garantir a sua proteção (SANTILLI, 2005). O processo de reconhecimento tem início na Funai, mas as Terras Indígenas são declaradas por ato do Ministério da Justiça e homologadas por decreto presidencial. Os ritos de demarcação encontram-se regulamentados no Decreto Federal nº 1.775 de 1996 (Link: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1775.htm). http://portalypade.mma.gov.br/ http://portalypade.mma.gov.br/ https://anchor.fm/enap/episodes/EV-G---Valores-Culturais-da-Natureza---Sociobiodiversidade-e1rvgs6 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1775.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1775.htm 48Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública As terras indígenas somam, na atualidade, aproximadamente 700 áreas – em diferentes estágios do seu processo de reconhecimento – e representam cerca de 12% do território nacional. + DIREITOS DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitória da Constituição Federal de 1988 reconhece aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir os títulos respectivos. A formação dos quilombos guarda uma história de resistência e de luta dos negros escravizados no período colonial por reconhecimento e direito à sua cultura e dignidade. Os quilombos representavam uma forma de organização social alternativa à ordem escravista, e essas comunidades estavam, em sua maior parte, invisibilizadas até o advento da Constituição de 1988. O procedimento de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação de territórios quilombolas é regulamentado pelo Decreto Federal nº. 4.887 de 2003 (Link: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm), e o Incra é o órgão competente para tal na esfera federal. Estima a existência de cerca de 5 mil comunidades quilombolas no país, das quais aproximadamente 3.500 foram mapeadas pela Fundação Palmares (Fonte: http://www.palmares.gov.br/?p=3041). Entretanto, há um grande passivo na aplicação das políticas públicas referentes a esses grupos sociais, e apenas 5% dos territórios encontram- se titulados (Fonte: CONAQ) http://conaq.org.br/noticias/so-cerca-de- 5-das-32-mil-comunidades-quilombolas-reconhecidas-no-brasil-sao- demarcadas/. Mas ainda há muitos desafios para que essas políticas sejam de fato implementadas e respeitadas. Com relação a outros grupos sociais considerados povos e comunidades tradicionais não elencados diretamente na Constituição Federal, seus direitos vêm sendo reconhecidos por diferentes instrumentos jurídicos, como a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), instituída em 2007 por meio do Decreto nº 6.040. Muitos deles vem se mobilizando em organizações e articulações próprias, espalhadas por todo o país. O Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, por http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm http://www.palmares.gov.br/?p=3041 http://conaq.org.br/noticias/so-cerca-de-5-das-32-mil-comunidades-quilombolas-reconhecidas-no-brasil-sao-demarcadas/ http://conaq.org.br/noticias/so-cerca-de-5-das-32-mil-comunidades-quilombolas-reconhecidas-no-brasil-sao-demarcadas/ http://conaq.org.br/noticias/so-cerca-de-5-das-32-mil-comunidades-quilombolas-reconhecidas-no-brasil-sao-demarcadas/ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm 49Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública exemplo, conta com quase 30 representações desses segmentos. Mas há muitos outros ainda a serem considerados. A formulação da PNPCT deflagrou um processo de emergência do autoreconhecimento de comunidades tradicionais que se afirmam através de uma identidade coletiva e pela manutenção de territórios de uso comum. “Vozes e rostos que emergem da invisibilidade histórica mostrando que os vazios demográficos têm gente” (SIQUEIRA; FERNANDES-PINTO, 2007, p.8) Nesse contexto, ressurgem grupos sociais que, apesar de novos para a sociedade brasileira em geral, sempre estiveram presentes em diversos recantos do país. Um processo que contribui para trazer para o campo das relações políticas a complexidade identitária da diversidade de grupos sociais formadores da sociedade nacional. Você já parou para pensar na importância dessa sociobiodiversidade e como ela se relaciona com as estratégias de conservação da natureza? Vamos refletir sobre isso começando por entender as interfaces desse tema com algumas legislações brasileiras.Esse é o tema da próxima unidade. 50Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 2 – Interfaces com as políticas públicas nacionais Ao final desta unidade, você será capaz de compreender as legislações nacionais que são relevantes no debate sobre reconhecimento de valores culturais da natureza e reconhecer possibilidades de articulação entre políticas ambientais e culturais. 2.1 Do reconhecimento constitucional A Constituição Federal, em seu artigo 225, ao estabelecer o “meio ambiente ecologicamente equilibrado” como direito dos brasileiros, “bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida”, atribui ao “Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988). Para tanto, o Poder Público dispõe de uma série de instrumentos de gestão, tais como o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, a fiscalização ambiental, a realização de estudos prévios de impacto ambiental, programas de Educação Ambiental e a criação de espaços territoriais especialmente protegidos. Esses instrumentos visam à concretização de um direito fundamental – um meio ambiente sadio e equilibrado - em uma perspectiva de solidariedade intergeracional, o que deve ser dar em constante diálogo com a sociedade. Entendendo sociedade como algo não homogêneo, e sim o reflexo de um conjunto variado de grupos sociais agregados de forma desigual, é necessária atenção para essas múltiplas perspectivas a fim de garantir equidade na condução de políticas públicas e na implementação dos instrumentos de gestão ambiental. Quando os valores culturais da natureza e as múltiplas formas de interação com o ambiente não são considerados, pode-se incorrer em decisões equivocadas que resultarão em conflitos com grupos que poderiam ser aliados da conservação, “criminalizando” suas práticas culturais. Assim, um meio ambiente sadio e equilibrado não pode ser entendido somente como busca por um status aceitável quanto à integridade do meio físico. Deve ser considerada a integridade do conjunto de significados que a natureza representa para os diversos grupos formadores da sociedade nacional. 51Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Fonte: https://gestaodesegurancaprivada.com.br/constituicao-o-que- e-para-que-serve-tipos-constituicao-brasileira-1988/ No contexto das políticas públicas brasileiras, a perspectiva de reconhecimento de valores culturais da natureza é amparada principalmente pelos artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 1988. Considera-se como patrimônio cultural brasileiro “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Incluindo-se, entre outros aspectos, “as formas de expressão e os modos de criar, fazer e viver” (BRASIL, 1988). Estes incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (BRASIL, 1988) Esse mesmo dispositivo constitucional determina que é dever do poder público promover e proteger, de múltiplas formas. o patrimônio cultural brasileiro. Note https://gestaodesegurancaprivada.com.br/constituicao-o-que-e-para-que-serve-tipos-constituicao-brasileira-1988/ https://gestaodesegurancaprivada.com.br/constituicao-o-que-e-para-que-serve-tipos-constituicao-brasileira-1988/ 52Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública que essa não é uma atribuição específica de um único setor governamental, e sim do poder público em geral. O que inclui também os órgãos executores das políticas ambientais. Ao introduzir as noções de direitos socioculturais e de patrimônio cultural material e imaterial, eles inovaram no reconhecimento do caráter multicultural da sociedade brasileira. Durante algum tempo, a noção de patrimônio cultural esteve voltada principalmente para a preservação de edifícios, monumentos históricos e obras de arte dos povos colonizadores. Diante desse contexto, o artigo 216 da Constituição Federal representou uma grande conquista de movimentos sociais e intelectuais brasileiros que lutavam para que a perspectiva de outros grupos formadores da sociedade nacional também fosse considerada nas políticas patrimoniais. Isso levou à ampliação da noção de patrimônio cultural para incluir também bens intangíveis ou imateriais. Além disso, influenciou as políticas ambientais, dando maior visibilidade à cultura dos povos tradicionais. 2.2 Políticas de conservação da natureza Fonte: https://www.mma.gov.br/areas-protegidas/unidades-de-conservacao No âmbito das políticas nacionais de áreas protegidas, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC (Lei Federal nº 9.985 de 2000), apesar https://www.mma.gov.br/areas-protegidas/unidades-de-conservacao 53Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública de abordar de forma incipiente o tema, expressa algumas referências a direitos de populações locais e à perspectiva da sua integração nas estratégias de conservação da biodiversidade. Seus objetivos incluem “proteger as características relevantes de natureza cultural” e “os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais”, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura, promovendo-as social e economicamente (BRASIL, 2000, artigo 4). SAIBA MAIS sobre o SNUC A criação de Unidades de Conservação (UC) tem sido a principal estratégia utilizada no país para a proteção do patrimônio natural. Desde a instituição do primeiro parque nacional (o PARNA do Itatiaia), na década de 1930, mais de duas mil UC já foram criadas no território brasileiro – entre áreas federais, estaduais, municipais e particulares. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) no Brasil é regido pela Lei Federal nº 9.985 de 2000 (Link: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9985.htm), regulamentada pelo Decreto nº 4.340 de 2002 (Link: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto/2002/d4340.htm). O sistema é composto por 12 categorias de UC, cujos objetivos específicos se diferenciam quanto à forma de proteção e usos permitidos em UC de proteção integral e UC de usos sustentável. Unidades de Conservação de Proteção Integral: têm por objetivo preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nessa Lei. Grupo composto pelas categorias: Estação Ecológica (ESEC); Reserva Biológica (REBIO); Parque Nacional (PARNA); Monumento Natural (MONA) e Refúgio de Vida Silvestre (RVS). Unidades de Conservação de Uso Sustentável: têm por objetivo compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. Constituem esse grupo as categorias: Área de Proteção Ambiental (APA); Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE); Floresta Nacional (FLONA); Reserva Extrativista (RESEX); Reserva de Fauna (REFAU); Reserva http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9985.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9985.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4340.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4340.htm 54Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Na atualidade, as UC estão presentes em todas as regiões do país e abrangem cerca de 15% do território nacional (CNUC/MMA, 2020) (Link: https://www.mma.gov.br/images/arquivo/80229/ CNUC_FEV20%20-%20B_Cat.pdf). As UC federais administradas especificamente pelo ICMBio somam 334 áreas e preservam importantes ecossistemas naturais nos diversos
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