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Africanidades e Democracia

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Código Logístico
57276
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6415-1
9 788538 764151
Africanidades e Democracia
I VO QU
EIROZ
I VO QUEIROZ
IESDE BRASIL S/A
2018
Africanidades e Democracia
Ivo Queiroz
Todos os direitos reservados.
IESDE BRASIL S/A. 
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 
Batel – Curitiba – PR 
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Capa: IESDE BRASIL S/A.
Imagem da capa: ElenVD/evdakovka/iStockphoto
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Q44a Queiroz, Ivo
Africanidades e democracia / Ivo Queiroz. - 1. ed. - Curitiba 
[PR] : IESDE Brasil, 2018. 
132 p. : il. ; 21 cm.
 Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6415-1
 1. África - Civilização. 2. Cultura afro-brasileira - História. 
3. África - Historiografia. 4. Brasil - Civilização - Influências 
africanas. I. Título.
17-46727 CDD: 960CDU: 94(6)
© 2018 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do 
autor e do detentor dos direitos autorais.
Apresentação
Este livro foi escrito com a intenção de apoiar os estudos iniciais 
sobre a presença africana no Brasil. A reflexão contida nestas páginas não 
estaciona no passado, mas o retoma a fim de compreender o Brasil atual 
e projetar horizontes de esperança. Por isso, sob diversos aspectos con-
vidamos você a pensar e repensar a democracia racial necessária como 
futuro possível.
Longe está o autor da neutralidade. Por ser parcial, o perfil da nar-
rativa traz as influências da história familiar marcada pelo ranço da es-
cravidão criminosa e da vivência acadêmica como estudante. O texto está 
marcado também por mais de trinta anos de trabalho como professor e 
pesquisador das africanidades. 
De maneira particular, o autor manifesta respeito e gratidão ao mo-
vimento negro brasileiro, este território espiritual, negro, móvel, forjado 
na luta de libertação. Fortalecido pelas contradições dos enfrentamentos, 
o movimento negro brasileiro tem contribuído para o avanço da cons-
ciência negra. Uma lembrança especial à militância do Movimento Negro 
Unificado – MNU, fundado em 1978, em seus quarenta anos de combate 
ao racismo e do compromisso sincero na construção de outras possibili-
dades libertadoras para a gente negra. Nosso louvor a todas as mulheres, 
a todos os homens e à diversidade, às pessoas mais velhas e jovens que, 
voluntaria e corajosamente, constituem o movimento negro brasileiro e, 
por meio dele, vêm alterando a pauta nacional e, aos poucos, abrindo no-
vos espaços de enfrentamento e emancipação do nosso povo.
Grave erro será concluir que traçamos uma linha de ódio aos bran-
cos. Jamais! Devemos encarar o passado serena e honestamente, ainda 
que isso seja dolorido. O espírito de ubuntu e o axé de nossos ancestrais 
inspiram-nos a convocar nossas irmãs e nossos irmãos brancos a deixa-
rem de lado o conforto da branquitude e a se unirem a nós na edificação 
de um país onde haja verdadeira pluralidade racial. 
Oxalá o espírito de ubuntu e o axé recebido dos ancestrais sensibili-
ze a gente racista do Brasil ao respeito pela justiça e liberte o seu pequeno 
eu egoísta de perseguir unicamente o bem-estar individual.
Em que pese o papel e a força da lei, como reguladora das relações sociais, suge-
rimos que a fraternidade e a sororidade sejam os valores primários que antecedam à lei 
na democracia racial necessária. Por isso, o tema deve ser estudado com mente aberta 
e coração quebrantado. Ubuntu e axé não combinam com arrogância e prepotência. 
Dialogar é preciso.
Agradecemos à professora Janaína Souza de Queiroz pela consultoria no Capítulo 6.
Abençoadas/os sejam as/os nossas/os ancestrais. 
Louvadas/os sejam nossas/os mártires.
Sobre o autor
Ivo Queiroz
Doutor e mestre em Tecnologia pela Universidade Tecnológica 
Federal do Paraná (UTFPR). Licenciado em Filosofia pela Universidade 
Católica do Paraná (PUCPR). É professor titular aposentado da UTFPR, 
onde ministrava aulas de Filosofia, Ética, História, Sociologia, Metodologia 
de Pesquisa e Presença Africana no Brasil: Tecnologia e Trabalho. Atua 
principalmente nos seguintes temas: Ética, Educação tecnológica, Filosofia 
da ancestralidade e Tecnologia.
6 Africanidades e Democracia
SumárioSumário
1 Quando o ser humano é o problema 9
1.1 Conceituando o ser humano 10
1.2 O conceito de problema 13
1.3 Discursos raciais no cotidiano da sociedade 15
2 Democracia racial:mito ou realidade? 23
2.1 Concepções de democracia e mito 24
2.2 Mito da democracia racial 27
2.3 Democracia racial necessária 31
3 Racialização da cultura brasileira 39
3.1 Conceito de raça e racialização 40
3.2 Exploração racial na fundação do Brasil 45
3.3 Mudanças políticas e manutenção da exploração racial 46
4 Os povos fundadores do Brasil 53
4.1 Portugal e a expansão capitalista 54
4.2 A colonialidade portuguesa e a expansão capitalista no Brasil 55
4.3 Parâmetros culturais de autóctones e africanos 56
Africanidades e Democracia 7
Sumário
5 Tecnologia africana e resistência 69
5.1 Pressupostos culturais da tecnologia 70
5.2 Negros africanos: tecnologia e trabalho no Brasil 73
5.3 Resistência negra 75
6 Racismo, gênero e diversidade 83
6.1 Gênero e diversidade 84
6.2 Racismo homofóbico 87
6.3 Movimentos de mulheres negras e feminismo negro 91
7 Reação contra a violência racial 99
7.1 Extinção da escravidão e violência racial subsequente 100
7.2 Formas de enfrentamento do racismo e a construção da identidade 101
7.3 Branquitude 108
8 Questão de consciência e democracia 115
8.1 Tomada de consciência, uma necessidade universal 116
8.2 Processo histórico da consciência negra 118
8.3 Consciência negra e as cotas raciais 120
Africanidades e Democracia 9
1
Quando o ser humano 
é o problema
“Ubuntu ungamuntu ngabanye abantu” ou seu equivalente em zulu: 
“Umuntu ngumuntu ngabantu” (a pessoa é ou torna-se pessoa no meio de 
ou através de outras pessoas). (Kashindi)
Inicialmente, verificamos que o ato de refletir sobre o ser humano – mulher, 
homem e a diversidade sexual1 – é condição preliminar a todo agir e fazer de uma 
pessoa ou grupo. Somos responsáveis por nossa própria vida, pelo cuidado do nosso 
planeta e pelas pessoas que estão conosco neste mundo. O filósofo Sartre explicitou o 
motivo desta necessidade: “Assim, quando dizemos que o homem é responsável por si 
mesmo, não queremos dizer que o homem é apenas responsável pela sua estrita indi-
vidualidade, mas que ele é responsável por todos os homens” (SARTRE, 1970, p. 5). 
Em um segundo momento, discorremos a respeito da importância de se estudar 
com uma atitude indagadora, problematizadora. Com esses pressupostos, finaliza-
mos o capítulo orientando o nosso olhar para a realidade concreta do povo negro 
no Brasil. 
1 O termo diversidade sexual é usado nesta obra com o objetivo de incluir a diversidade de orientações sexuais e 
identidades de gênero, ou seja, toda a pluralidade de pessoas.
Quando o ser humano é o problema1
Africanidades e Democracia10
1.1 Conceituando o ser humano
Afirma-se que os animais vivem em um mundo sem conceitos. O que 
implica concluir que suas condutas ocorrem em uma dimensão distinta da-
quela em que os seres humanos situam-se, pois aprendemos que como hu-
manos somos dotados de faculdade racional, podemos formular juízos de 
razão, estéticos e de ordem moral. 
Em outras palavras, lidamos com noções de verdade, do belo e da justiça. Quando apro-
fundamos os campos da nossa intervenção, deparamo-nos com outros a nos esperar, entre 
eles, da política, da religiosidade, do trabalho e do lazer. 
Ora, a educação formal ocupa-se em preparar as pessoas com recursos intelectuais e 
operacionais para a sua boa inserção na sociedade. Entretanto, a experiência demonstra que 
equipar pessoas com técnicas e habilidades para fazer coisas parece não ser o suficiente para 
termos boa gente e gente boa exercendo trabalhos profissionais. 
O desafio da educação é prepararas pessoas para que alcancem autonomia intelectual.
Estas observações preliminares permitem-nos o levantamento de questionamen-
tos necessários:
1. o que é autonomia intelectual?
2. que relação tais reflexões teriam com a africanidades e a democracia?
3. como essas inquietações poderiam ser vinculadas a um conceito de ser humano?
Vamos trabalhar com esses questionamentos, e, nesse primeiro momento, com o ter-
mo autonomia. Trata-se da união de duas palavras de origem grega, autós (por si mesmo) e 
nomos (regras, normas), significando o que vai por si mesmo, porque está ciente dos funda-
mentos (normas). 
Intelectual provem de inter legere, no sentido de saber colher entre várias possibilidades 
aquilo que melhor se coaduna a um propósito.
Portanto, ser intelectual nada tem a ver com a atitude arrogante e desrespeitosa de 
quem treina palavras que os vizinhos e amigos desconhecem, de quem fala de modo empo-
lado e as pessoas não entendem do que se trata. Isso não é ser intelectual verdadeiramente. 
Intelectual é a pessoa capaz de articular informações, conceitos, teorias e critérios racional-
mente válidos por meio dos quais possa interpretar a realidade e reconhecer as alternativas 
e as possibilidades de práticas sociais capazes de contribuir para a felicidade humana. Para 
o sentido humano da existência. 
As duas expressões consideradas em suas origens indicam o amadurecimento da pes-
soa para o agir e o fazer. O agir envolve o campo da moral, diz respeito à boa vida e a vida 
boa, ao bem viver. O fazer diz respeito à atividade profissional, ao trabalho, à técnica. Nesse 
sentido deve-se considerar que uma pessoa desprovida da habilidade de problematizar a 
realidade e questionar o sentido humano dos atos que realiza, que toca a vida irrefletida-
mente, sem aprofundar os conceitos e sem teorizar sobre o que pensa que pensa e o que faz, 
Vídeo
Quando o ser humano é o problema
Africanidades e Democracia
1
11
torna-se um perigo público. Tal pessoa encontra-se suscetível de realizar atos contrários aos 
profundos interesses e direitos humanos. 
Durante o período de formação profissional, é imprescindível agir e fazer, ou seja, convi-
ver e trabalhar tendo em vista que, em primeiro lugar, estão as pessoas humanas, as mulhe-
res e os homens em sua diversidade e pluralidade. Uma pessoa que é capaz de discernir, no 
meio de várias alternativas, aquilo que faz parte do sentido profundo e necessário de todo 
ser humano, tem autonomia intelectual.
Como se pode notar, torna-se imprescindível que profissionais de todo e qualquer 
nível de formação recebam suporte teórico para avançar em sua autonomia intelectual. 
Os animais, conforme dito, não alcançam esse teor, por isso, a autonomia intelectual deve 
ser um processo de reflexão. Portanto, uma pessoa durante sua formação científica, técnica 
e tecnológica tem direito a ter contato com os temas, os problemas, as teorias e as discussões 
pertinentes a esses campos de debates.
Naturalmente, as instituições de ensino têm o dever de propiciar as condições para que 
as pessoas que nelas estudam sejam atendidas, acompanhadas, orientadas e qualificadas 
para o exercício cidadão de seus saberes.
Alguém poderia ponderar, supondo que nem todas as pessoas gostam de estudar esses 
temas, que ignorar é melhor do que conhecer. 
Se assim fosse, iria se retornar ao terreno dos seres que não têm conceitos. Ou, em úl-
tima instância, poderia argumentar-se que é possível esperar as demandas para se decidir 
por meio de ensaios e erros. O risco dessa opinião, no entanto, é não haver tempo para fazer 
correções em caso de erro. De todo modo, ao bom senso cabe indagar: que mal haveria em 
tirar proveito da economia de tempo, dinheiro e vida se estudarmos com crescente espírito 
cívico e crítico?
Portanto, os estudos que realizamos em cursos e disciplinas são oportunidades que nos 
desafiam a sermos pessoas humanas melhores, orientadas para contribuir na edificação de 
um mundo e uma humanidade melhores.
Todo e qualquer fazer ou não fazer deve ter um sentido humano. Por isso, antes de 
decidir o que fazer ou não fazer, uma pessoa deveria realizar um balanço: qual será a contri-
buição do meu ato para o mundo e a humanidade serem melhores? Inversamente, o questio-
namento coerente seria: se o meu ato não trará qualquer bem ao mundo e nenhum benefício 
às pessoas ou até prejuízos ao meio ambiente e à vida humana, não seria coerente desistir 
de tal ideia?
Com efeito, homens e mulheres com suas diversidades são seres limitados, com breve 
prazo de validade. Uma pessoa nasce e atravessa os anos vividos combatendo carências bio-
lógicas. Ela necessita de alimentação, vestuário, moradia, remédios, entre outros cuidados 
corporais. São as necessidades biológicas que todos temos. Sem atendê-las, morreremos.
Além disso, toda pessoa tem a necessidade de companhia, parcerias, isto é, de outras 
pessoas para conviver. Não se vive isolado, incomunicável no mundo. Lembremo-nos da 
epígrafe desse capítulo.
Quando o ser humano é o problema1
Africanidades e Democracia12
Porém, ter moradia, comida, roupas, amigos e amores, apesar de essencial, ainda é pou-
co – a ignorância mata, e por isso buscamos ampliar os nossos saberes. Desse modo, consi-
deramos que além das necessidades biológicas e sociais toda pessoa padece de necessidades 
transcendentais ou espirituais. Por meio delas, somos desafiados a vencer o desconhecido, 
a ignorância. Ao longo do tempo, os resultados alcançados nos permitem classificar os co-
nhecimentos em determinados tipos, a saber: do senso comum, filosófico, teológico, técnico, 
tecnológico e científico.
O cotidiano das sociedades está marcado pela luta incessante das pessoas para superar 
as necessidades biológicas, sociais e transcendentais (SANTOS, 1999). Se alguém não fizer 
isso perderá o maior dos tesouros: a própria vida. Ora, nós construímos a história no único 
lugar possível que temos, o planeta Terra. Por isso, a ação humana deve cuidar da vida da 
Terra e contribuir para o bem-estar das pessoas.
A partir desses apontamentos que fizemos até o momento, você consegue notar o quanto 
é importante termos um conceito consistente, uma forte base teórica do que seja o ser humano?
Quem não tiver essa compreensão da grandeza e excelência do ser humano – mulher, ho-
mem, seja assexual, hétero, homo, bissexual etc., seja ocidental, africano, indiano, oriental –; 
não aprender a dar o justo valor e o devido cuidado à casa de todos, e a este planeta de re-
cursos finitos, chamado Terra; não alcançar o necessário preparo interior para cumprir ver-
dadeiramente o destino humano, não será uma pessoa humana.... Talvez seja esta criatura 
algo menor do que um cogumelo (SAINT-EXUPÉRY, 2015).
Por isso, quando você decidiu prosseguir os estudos, de algum modo, envolveu-se com 
esta questão: o que é o ser humano para mim?
O sentido dessa reflexão sobre o ser humano e o planeta Terra traz à tona dois gran-
des aspectos da moderna visão da ecologia: a ecologia ambiental e a político-social (BOFF, 
2009). A primeira ocupa-se da sustentabilidade ou da busca de equilíbrio entre atividade 
produtiva e responsabilidade ambiental. Ora, a penetração portuguesa no Brasil operava 
sob a ótica de um catolicismo guerreiro (HOORNAERT, 1978), parte da colonialidade 
agia de modo ambientalmente predatório. 
Fomos inseridos em um modo de produção baseado na exploração ilimitada da terra 
e de seus recursos naturais, visando à acumulação de riquezas, no menor tempo possível. 
Simultaneamente, estabeleceram-se os princípios de uma ecologia política e social desi-
gual, pois tinha-se por princípio considerar que eles, os europeus, seriam a referência de 
humanos, e quem não fosse nativo “puro” do grupo deles, seria menos humano ou animal. 
Com esses pressupostos hierarquizadores, sentiram que estariam justificadas as políticas 
de opressão de gênero, com os estupros e a escravidão de mulheres indígenas e africanas 
e a escravidão ou o genocídio de indígenas e negros.Por isso, o colonialismo foi ecologi-
camente criminoso do ponto de vista da ecologia ambiental e político-social. De um lado, 
foi predador, do outro, produziu violência contra milhões de pessoas, gerando gravíssimo 
quadro de injustiça social.
Quando o ser humano é o problema
Africanidades e Democracia
1
13
A partir desse momento, devemos novamente nos perguntar: que tipo de profissional 
queremos ser? Se você busca subsídios para uma práxis profissional responsável pela vida e 
a felicidade humanas, então prossigamos a leitura.
1.2 O conceito de problema 
Você já pensou alguma vez sobre o sentido da palavra problema? Pois 
é, conforme ensina Carlos Alberto Faraco (2009), as palavras não têm um 
significado único. Com isso, podemos inferir que a palavra problema pode 
apresentar uma variedade de significados. No caso do povo brasileiro, de 
modo geral, em seu cotidiano, as pessoas consideram que o problema seja 
algo ruim, tragédia, infelicidade, enfim, algum tipo de infortúnio ou desgraça.
No entanto, as atividades acadêmicas necessitam fundamentalmente de um ponto de 
partida que seja radicalmente vigoroso para a produção do conhecimento. Tal ponto de par-
tida radical e vigoroso, pasme(!) é o problema. No sentido etimológico, que engloba a his-
tória da palavra, problema é colocar à frente, pôr adiante. No sentido acadêmico, o problema 
a ser colocado faz lembrar uma agremiação esportiva no sentido de que esta deveria ter um 
uniforme que a identificasse, como é o caso das cores do uniforme da seleção brasileira de 
futebol. De modo semelhante, o uniforme do problema é a pergunta, a indagação.
Muito se escreveu sobre o problema de pesquisa, e o professor Mario Porta participou 
dessa iniciativa, agregando importante contribuição ao explicitar a importância da identifi-
cação do problema para o entendimento da obra de um filósofo:
O primeiro passo para entender filosofia é sempre estabelecer o problema. 
Diante de um filósofo particular, devemos começar pela pergunta “qual é o pro-
blema por ele proposto?” e, eventualmente, “por que ele formula dessa manei-
ra?” Entender um autor é ver sua filosofia como resposta “ao” problema que ele 
se coloca. Isso vale para qualquer filósofo, sem exceções. (PORTA, 2002, p. 26)
Um antigo professor de filosofia, Rodolfo Mondolfo, também avaliou a precedência do 
problema como condição de trabalho intelectual que pretenda ter seriedade. Na oportunida-
de, o autor ressaltou o papel do problema para o avanço da investigação:
Pois bem, a fecundidade do esforço investigador é proporcional à clareza e à 
adequação da formulação do problema; de maneira que a primeira exigência 
imposta ao investigador é a de conseguir, da melhor maneira possível, uma 
consciência clara e distinta do problema, que constitui o objeto de sua indaga-
ção. (MONDOLFO, 1969, p. 30)
Esse fundamento vale para os estudos filosóficos e para aqueles das outras áreas, por-
tanto, deve valer para o tema do nosso livro. Qual é o problema das africanidades e da 
democracia no Brasil? Ao final do nosso texto, deveremos retomar esse problema para fa-
zermos um balanço dos resultados alcançados e determinar se chegamos ao ponto almejado.
Vídeo
Quando o ser humano é o problema1
Africanidades e Democracia14
De acordo com o exposto, evidencia-se que uma pessoa ao avançar à autonomia intelectual 
em qualquer área do conhecimento não poderá, de modo algum, negligenciar a colocação do 
problema. 
Toda pessoa, por ser dotada da faculdade de raciocinar, é capaz de elaborar problemas de 
grande profundidade para o interesse humano. A experiência tem ensinado que a pessoa que tem 
noção de determinada realidade, seja por contato direto, seja pelo acesso à literatura ou algum 
modo alternativo de recepção de informações a respeito, terá o ponto de partida para formular 
um problema científico. Seguramente, será capaz de articular o entendimento das circunstâncias 
envolvendo o tema e, a partir delas, respeitando o próprio nível de consciência, construir uma 
problemática, isto é, uma exposição de elementos e discussões que lhe permitam elaborar uma 
indagação consistente e fecunda. Essa pergunta será a mola propulsora que instigará o espírito a 
uma investigação profunda de um tema de pesquisa.
Por que falar nisso? O que acontece em um texto acadêmico no qual o foco da intencionali-
dade nem sempre é a geração de novos conhecimentos?
Ora, o olhar indagador, em qualquer etapa da formação científica, deve estar presente. Logo, 
quando alguém na função de discente ou docente abandona o espírito crítico e questionador, fatal-
mente perde a própria vocação daquilo que faz. Estudar para valer é questionar, é problematizar.
A partir do entendimento de que o problema consiste no principal aliado de quem busca o 
conhecimento, pensamos que este livro deverá estar sempre em sintonia com os problemas ati-
nentes aos temas em análise. 
Para um transcurso produtivo dos estudos aqui propostos não é suficiente contentar-nos 
com descrições de fatos e situações, como um daqueles filmes que nada têm a ver conosco. Nosso 
estudo precisa ser reflexivo. Isso significa que se trata de realizar um movimento interior de volta 
sobre nossa própria pessoa e experiência de vida, sobre nossos sentimentos, valores, crenças e 
modos de ver a existência e as relações entre as pessoas em nosso país. 
Reflexão deriva de re-flectere, um termo de origem latina que se refere ao dobrar-se sobre si 
mesmo. Como quem dá um passo atrás, para melhor compreender um quadro ou um cartaz. 
Em termos intelectuais, significa pensar aquilo que já foi pensado, pensar o próprio pensamento. 
Você sabia que um dos significados do verbo pensar é curar? Tratar de um ferimento? 
Antigamente dizia-se que cobrir uma ferida com gaze ou similar era colocar o penso.
Portanto, refletir significa examinar ideias, sentimentos, situações, acontecimentos, 
mensurando o aspecto externo daquilo que se examina com o pensamento e as implicações 
ou interações possíveis com a nossa pessoa, pensamentos, sentimentos, valores, crenças, 
inquietações quaisquer que sejam.
E, sabe por que é imprescindível fazermos esse exercício? Porque somos também fru-
tos de um tempo e de uma cultura com suas dinâmicas, as quais atuam sobre os nossos 
modos de sentir, pensar, ser e ver o mundo. Por isso, ao problematizarmos as obras literá-
rias e toda a realidade que nos rodeia, pelo mesmo princípio da honestidade intelectual, 
devemos questionar a nós mesmos. 
Nesse caso, permita-nos perguntar: o que sabe você sobre os povos que fundaram o 
Brasil? Portugueses, indígenas e africanos? Que legado daqueles povos fazem parte de você, 
Quando o ser humano é o problema
Africanidades e Democracia
1
15
da sua maneira de ser e agir? Como você se relaciona com as pessoas de origem indígena ou 
negro-africana ou europeia? 
Tais noções preliminares colocam em xeque a nossa autodefinição de pessoa, de vida, 
de democracia. 
Porém, sejamos serenos, para nos questionar de modo honesto, sincero, com o intui-
to de sermos pessoas melhores. Pisar sobre o solo firme da verdade tem, sim, um poder 
transformador e libertador – em um primeiro momento, podemos experimentar perple-
xidade, surpresa, admiração diante de descobertas inesperadas. Isso pode vir seguido 
de algum desconforto, um sofrimento interior, uma consciência queimando em meio 
a dúvidas sobre o embate entre o velho e o novo. Mas acredite: a pessoa que enfrenta 
o desafio de crescer em sua autonomia intelectual e o faz por meio do exercício tenaz, 
constante da busca do conhecimento sobre o mundo, o humano e a sua própria exis-
tência, certamente, sairá amadurecida e terá aproveitado uma enorme oportunidade de 
ser feliz! Conforme dissemos alhures, a ignorância mata e faz matar. A verdade liberta 
(BÍBLIA SAGRADA, JO, 8: 32).
1.3 Discursos raciais no cotidiano da sociedade
O Brasil foi fundado com base no trabalho de gente criminosamente es-
cravizada. Desde meados do século XVI até o final do século XIX, foramquase quatrocentos anos de escravismo. Clóvis Moura classificou o período 
em dois grandes momentos: escravismo pleno e escravismo tardio. O segundo 
momento teve início após a Lei Eusébio de Queiroz estabelecer, em 1850, a 
proibição do tráfico internacional de africanos ao Brasil (MOURA, 1994, p. 15).
Em muitos momentos, a população do Brasil foi constituída majoritariamente por gente 
negra. Os números absolutos de negros africanos que entraram no Brasil por meio do crimi-
noso tráfico de pessoas é controverso, contudo, Moura consultou levantamentos e opiniões, 
informando que
para avaliarmos o crescimento demográfico da população com o desembarque 
ininterrupto de escravos, basta dizer que, no ano de 1853, as estimativas davam 
à Colônia uma população de cerca de 57.000 habitantes. Deste total, 25.000 eram 
brancos, 18.000 índios e 14.000 negros. Segundo cálculos de Santa Apolônia, em 
1798, para uma população de 3.250.000 habitantes, havia um total de 1.582.000 
escravos dos quais 221.000 eram pardos e 1.361.000 eram negros, sem contarmos 
os negros libertos que ascendiam a 406.000. [...] Rocha Pombo estima em quinze 
milhões o montante de negros entrados pelos diversos portos durante a escra-
vidão, número que Taunay acha exageradíssimo. Renato Mendonça cifra-o em 
quatro milhões e oitocentos e trinta mil. (MOURA, 1988, p. 48-49)
Completados 130 anos de extinção da escravidão criminosa em 2018, o resultado 
do grande êxodo negro-africano, ou grande sequestro, configura-se a diáspora negro-
-africana no Brasil contemporâneo. As pesquisas oficiais informam que “a população 
Vídeo
Quando o ser humano é o problema1
Africanidades e Democracia16
total no Brasil no 4º trimestre de 2016 foi estimada em 206,1 milhões de pessoas, dessas, 
47,2% (97,3 milhões) se declararam de cor parda; 43,8% (90,2 milhões) de cor branca e 
8,2% (16,8 milhões) de cor preta.”(IBGE, 2017, p. 3)2. O único país no mundo a ter mais 
habitantes negros do que o Brasil é a Nigéria. 
Pense neste dado: você vive no país que reúne em seu território a segunda maior con-
centração de habitantes negros do planeta. Sinceramente, dá para fingir que isso é irrele-
vante e que não mexe com sua vida? Que não interfere em seus relacionamentos, na sua 
condição de trabalho e do ir e vir diários? 
Pois bem, estranhamente, as forças políticas, econômicas e formadoras de opi-
nião desenvolveram uma cultura de ignorar a presença do povo negro como cidadão. 
Os currículos escolares e acadêmicos minimizavam ou silenciavam as contribuições dos 
negros africanos na formação do Brasil. A dimensão cultural africana foi duramente si-
lenciada durante séculos e o legado cultural, espiritual e econômico do povo negro, quan-
do não era ignorado, era transformado em folclore. Assim, datas como o dia treze de 
maio3 ou o vinte de novembro4 passavam (e, lamentavelmente, ainda passam em muitos 
lugares) a ser ocasiões de se falar de culinária, samba, capoeira e às vezes, de religiões de 
matrizes africanas. 
Reconhecemos o grande mérito dessas criações do povo negro, mas notamos que a 
escolha delas serve também para banalizar uma história de cinco séculos de participação 
ativa em todos os aspectos fundamentais da construção do país. Não se fala do povo negro 
no contexto tecnológico. A gente negra africana foi arquiteta, engenheira, agrônoma, técni-
ca, tecnóloga, farmacêutica e prestou serviços médicos. Porém, essas contribuições não são 
consideradas, não fazem parte das narrativas. Ademais, omitem-se as tonelagens de produ-
tos manufaturados pela gente negra trabalhadora. Afinal, as mulheres e os homens negros 
operaram no solo brasileiro uma riqueza volumosa que se ostenta mundo afora.
A partir dessas premissas podemos voltar o nosso olhar para o cotidiano da sociedade 
brasileira com a seguinte pergunta em mãos: o que os meios de comunicação contam sobre 
a condição de vida do povo negro brasileiro?
2 O IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística classifica a população brasileira nos seguin-
tes tipos raciais: branca, preta, parda, amarela e indígena. O movimento negro brasileiro, há muito 
tempo, faz a soma das pessoas que se autodeclaram pretas e pardas e as denomina negras. Nos últimos 
anos apareceu a categoria afrodescendente, mas esta não encontra unanimidade no movimento negro. 
Isso porque se considera que o conceito negro foi reconstruído pelo povo negro, para ser um instru-
mento de luta e libertação. O termo negro foi utilizado pelos racistas como xingamento, ofensa. Porém, 
a resistência negra inverteu essa lógica ressignificando o termo ao lhe dar um conteúdo positivo, a 
exemplo do Movimento da Negritude, surgido na França na década de 1930. Em nosso livro, segui-
remos essa prática do movimento negro, portanto, para nós, negro significa pessoa preta e/ou parda. 
Enquanto isso, afrodescendente ainda é um termo polêmico que vem sendo utilizado como facilitador 
estatístico ou para assuntos burocráticos, mas não tem lastro da luta por emancipação.
3 Dia da Abolição da Escravatura no Brasil.
4 Dia Nacional da Consciência Negra, em homenagem a Zumbi, morto nesse dia em 1695 ao defen-
der o Quilombo de Palmares.
Quando o ser humano é o problema
Africanidades e Democracia
1
17
As notícias ainda apontam o povo negro como tendo a média salarial mais baixa, ocu-
pando as camadas mais empobrecidas da população total do país e os níveis inferiores em 
termos de frequência às instituições educacionais (OLIVEIRA, 2017).
Alguns fatos cotidianos confirmam que algo errado está acontecendo nas relações ra-
ciais no país. Vejamos alguns exemplos. 
• Tendo saído de casa para o trabalho de doméstica, a sra. Sirlei Dias de Carvalho 
Pinto, mulher negra, em um ponto de ônibus, na Barra da Tijuca, zona oeste 
do Rio, em junho de 2007, foi violentamente espancada por cinco universitá-
rios de classe média, que retornavam de uma noitada da farra. Justificaram o 
ato dizendo: “Pensamos que fosse apenas uma prostituta...” (JOVENS..., 2014).
• Em um domingo, o garoto Douglas Rodrigues (17 anos) e o irmão (12 anos), 
negros, foram surpreendidos por uma viatura policial, de dentro da qual um 
dos policiais atirou em Douglas. Antes de tombar agonizando, o adolescente 
indagou-lhe: “Por que o Senhor atirou em mim?” (“POR QUE..., 2013).
• Estudantes negros de uma universidade federal denunciaram ao Núcleo de 
Estudos Afro-brasileiros e Indígenas: “Os colegas brancos evitam a nossa participa-
ção nos grupos de trabalho acadêmico. Quando passamos em grupo, ouvimos ironias: 
“Cuidado, a quadrilha está passando...”
Tendo como base esses exemplos, consulte o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
(IBGE), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Instituto de Pesquisa Econômica 
Aplicada (IPEA) e a própria mídia e identifique como as pessoas negras são vistas e a con-
dição de vida delas. Certamente, se você tiver a sensibilidade de respeitar a justiça, verá que 
algo muito estranho está acontecendo em nosso país. É necessário informação, conhecimen-
to e reflexão para superar as injustiças, tendo-se em vista uma sociedade brasileira melhor. 
Conclusão 
Interrompemos aqui a narrativa inicial deste livro. Queríamos compartilhar com 
você a ideia de que o estudo das africanidades e da democracia não pode ser um ato 
desvinculado de todo o contexto da vida nacional. O tema envolve a perspectiva histó-
rica e existencial, atingindo a toda e qualquer pessoa que faça parte do nosso povo. Por 
isso, não podemos fugir ao debate. O Brasil não o fez até recentemente, mas a história 
nos cobra esse dever. 
As contradições e realizações raciais do Brasil devem ser postas à nossa frente e, a partir 
delas, somos chamados a redefinir nossas próprias identidades, reestruturar os horizontes 
do futuro que necessitamos.
Quando o ser humano é o problema1
Africanidades e Democracia18
 Ampliando seus conhecimentos
O autor do excerto a seguir, Frantz Fanon (1925-1961), foi uma pessoa negra nasci-
da na ilha da Martinica, territóriofrancês no Caribe. Aos 18 anos, combateu na Segunda 
Guerra Mundial, como soldado francês. Mais tarde, formou-se em psiquiatria na univer-
sidade de Lyon, França. Posteriormente, assumiu as funções de psiquiatra no hospital de 
Blida-Joinvile, na Argélia (atualmente, renomeado como Hospital Frantz Fanon), onde 
trabalhou por cerca de quatro anos. Durante o período de trabalho em Blida, compreen-
deu as contradições do humanismo francês, posto que o povo argelino era brutalmente 
explorado e massacrado pelos colonos franceses. Descontente com isso, demitiu-se do car-
go e aderiu à Frente de Libertação Nacional (FLN) argelina, tornando-se um importante 
intelectual da causa da emancipação humana. 
Os escritos dele exerceram forte inspiração sobre os mais importantes movimentos de 
libertação do Terceiro Mundo. O fragmento a seguir foi extraído do livro Pele negra máscaras 
brancas, escrito, originalmente, para ser a tese de doutoramento de Fanon, no curso em Lyon. 
No entanto, a banca examinadora exigiu que ele escrevesse outro trabalho. Mais tarde, o au-
tor publicou o texto rejeitado, no qual examinou o racismo antinegro no mundo branco e os 
efeitos do colonialismo nas mentes e nos corações da gente negra. O livro é uma referência 
imprescindível para a compreensão do movimento da consciência negra.
Pele negra máscaras brancas
(FANON, 2008, p. 25-26)
Falo de milhões de homens em quem deliberadamente inculcaram o medo, o com-
plexo de inferioridade, o tremor, a prostração, o desespero, o servilismo. 
(Aimé Césaire, Discurso sobre o colonialismo).
A explosão não vai acontecer hoje. Ainda é muito cedo... ou tarde demais.
Não venho armado de verdades decisivas.
Minha consciência não é dotada de fulgurâncias essenciais.
Entretanto, com toda a serenidade, penso que é bom que certas coisas 
sejam ditas.
Essas coisas, vou dizê-las, não gritá-las. Pois há muito tempo que o grito não 
faz mais parte de minha vida.
Faz tanto tempo...
Por que escrever esta obra? Ninguém a solicitou.
E muito menos aqueles a quem ela se destina. 
Quando o ser humano é o problema
Africanidades e Democracia
1
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E então? Então, calmamente, respondo que há imbecis demais neste mundo. 
E já que o digo, vou tentar prová-lo. 
Em direção a um novo humanismo... 
À compreensão dos homens...
Nossos irmãos de cor... 
Creio em ti, Homem... 
O preconceito de raça... 
Compreender e amar... 
De todos os lados, sou assediado por dezenas e centenas de páginas que tentam 
impor-se a mim. Entretanto, uma só linha seria suficiente. Uma única resposta 
a dar e o problema do negro seria destituído de sua importância. 
Que quer o homem? 
Que quer o homem negro? 
Mesmo expondo-me ao ressentimento de meus irmãos de cor, direi que o negro 
não é um homem. 
Há uma zona de não-ser, uma região extraordinariamente estéril e árida, uma 
rampa essencialmente despojada, onde um autêntico ressurgimento pode 
acontecer. A maioria dos negros não desfruta do benefício de realizar esta des-
cida aos verdadeiros Infernos. 
O homem não é apenas possibilidade de recomeço, de negação. Se é verdade 
que a consciência é atividade transcendental, devemos saber também que 
essa transcendência é assolada pelo problema do amor e da compreensão. 
O homem é um SIM vibrando com as harmonias cósmicas. Desenraizado, dis-
perso, confuso, condenado a ver se dissolverem, uma após as outras, as verda-
des que elaborou, é obrigado a deixar de projetar no mundo uma antinomia 
que lhe é inerente. 
O negro é um homem negro; isto quer dizer que, devido a uma série de aber-
rações afetivas, ele se estabeleceu no seio de um universo de onde será pre-
ciso retirá-lo. 
O problema é muito importante. Pretendemos, nada mais nada menos, libe-
rar o homem de cor de si próprio. Avançaremos lentamente, pois existem dois 
campos: o branco e o negro. 
Tenazmente, questionaremos as duas metafísicas e veremos que elas são fre-
quentemente muito destrutivas. 
Quando o ser humano é o problema1
Africanidades e Democracia20
Não sentiremos nenhuma piedade dos antigos governantes, dos antigos mis-
sionários. Para nós, aquele que adora o preto é tão “doente” quanto aquele que 
o execra. 
Inversamente, o negro que quer embranquecer a raça é tão infeliz quanto 
aquele que prega o ódio ao branco. 
Em termos absolutos, o negro não é mais amável do que o tcheco, na verdade 
trata-se de deixar o homem livre. 
[...]
 Atividades
1. Explicite o seu conceito de ser humano.
2. Diferencie o significado de problema para o senso comum e para a ciência, sem deixar 
de aplicar o sentido científico à sua prática estudantil.
3. Você presenciou ou vivenciou alguma situação de racismo? Explique.
4. Interprete o fragmento de texto de Frantz Fanon, identificando qual é o problema e 
o objetivo do autor naquela obra.
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Africanidades e Democracia
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SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2014. 
 Resolução
1. Há uma ampla margem de possibilidades conceituais para construir sua reflexão. 
Você pode discorrer sobre as necessidades biológicas, sociais e transcendentais que 
marcam cada pessoa. A resposta deve ter em vista que gente é para ser feliz, isto é, 
tem direito a cuidar do corpo, gerar filhos, ter amizades,companheirismo, acesso 
ao estudo, oportunidade de livremente escolher uma crença e frequentar ambientes 
para desfrutar do prazer da arte, do esporte, do lazer. Além disso, pessoas têm di-
reito ao trabalho digno e ao cuidado da própria saúde. Sendo assim, resta lembrar 
que uma pessoa tem o direito de amar e ser amada e de exercer a própria liberdade. 
A responsabilidade é irmã gêmea da liberdade, por isso a pessoa tem direito a cres-
cer no discernimento para melhor servir a sua comunidade e a cuidar de sua vida e 
das pessoas do seu círculo familiar.
2. O senso comum considera que um problema seja algo ruim, uma negatividade, dor, 
sofrimento, ameaça ou frustração. Do ponto de vista científico, problema é como 
o trampolim que faz o nadador saltar mais alto, em vista de um mergulho melhor 
qualificado. O problema qualifica o trabalho científico porque orienta os esforços da 
pessoa que pesquisa ao cerne da questão proposta. Sem um problema consistente 
a pesquisa fica esvaziada de sentido e conteúdo, podendo levar à perda de objeti-
vidade. De modo semelhante, a pessoa que estuda estimulando sua capacidade de 
formular perguntas, com uma mente questionadora em relação à realidade externa, 
Quando o ser humano é o problema1
Africanidades e Democracia22
aos próprios sentimentos e pensamentos, alcançará resultados de aprendizagem 
com maior consistência.
3. A questão abrange o contexto da vivência pessoal. Contudo, é importante observar 
que temos o conceito de racismo e esse deve ser explicitado no comentário. Assim, a 
reflexão deve apresentar tal conceito e demonstrar que a ação presenciada configura 
uma situação concreta de relação social racializada. 
4. O autor pressupõe que o humanismo europeu falhou, pois historicamente, o povo 
negro teve a sua condição humana negada. Do ponto de vista daquele humanismo, 
o negro não é um homem, mas um homem negro, isto é, um homem marcado pelo 
olhar racializador do colono. E a racialização das relações sociais operava como fator 
de exclusão e negação da humanidade do ser negro. Por isso, um dos propósitos do 
livro é contribuir para a edificação de um novo humanismo. Nessa perspectiva, o ne-
gro precisava ser ajudado, para se livrar da racialização colonial que o atormentava 
naquele momento. Para tanto, Fanon propunha-se a mergulhar nas contradições e 
condicionamentos sociais e psicológicos que acorrentavam a gente negra. Por isso, 
fala de uma descida aos infernos, isto é, da necessidade de examinar os próprios 
comportamentos perturbados. Nesse sentido ele realiza na obra uma forte análise do 
mundo psicológico das pessoas negras. O autor tinha em mente a intenção de con-
tribuir para um novo humanismo, onde o espírito fraterno prevalecesse nas relações 
entre as pessoas.
Africanidades e Democracia 23
2
Democracia racial: 
mito ou realidade?
Este capítulo aborda uma concepção tradicional da sociedade brasileira segundo 
a qual, neste país, as relações raciais ocorrem sob a égide da democracia, perfazendo 
uma democracia racial.
Inicialmente, traçamos uma conceituação de mito e democracia. Posteriormente, 
explicitamos a crítica do movimento negro que denuncia a falsa democracia, nomean-
do-a de mito da democracia racial. Por último, o texto discute elementos para a constru-
ção da democracia racial necessária. 
O pressuposto deste estudo é a serenidade e a compreensão de que é necessário 
encarar o tema. A expectativa de um futuro fraterno entre o nosso povo, centrado na 
justiça, é a energia necessária para superar ressentimentos, acusações passionais e a 
vergonha do passado criminoso. 
Democracia racial:mito ou realidade?2
Africanidades e Democracia24
2.1 Concepções de democracia e mito
Um velho ditado do povo negro em Salvador, BA, assegura que “nada acon-
tece por acaso”. 
Quando se declara que o Estado é uma nação politicamente organiza-
da, significa que ela foi organizada por algum motivo. Se temos culturas 
material e simbólica em nosso povo e nos demais, a condição humana se 
realiza na ação dos indivíduos, em toda a sua diversidade sexual, na luta diária para atri-
buir novos significados a sua própria existência, marcada por incompletudes. Nesse sen-
tido, se houver democracia racial no país, deveremos procurar suas causas em processos 
outros, menos no acaso. Se não houver, também. Pensar a democracia racial é refletir sobre 
a racionalidade desse conceito. Sendo assim, o ato de refletir sobre a democracia racial no 
Brasil, indagando-nos se ela é mito ou realidade, exige-nos uma conceituação preliminar de 
mito e de democracia. Mas não podemos nos esquecer de que mito e democracia são fenôme-
nos culturais, isto é, aparições históricas da vida humana em sociedade. Portanto, após um 
levantamento preliminar sobre mito e democracia, procuramos confrontar as definições 
com os fatos referentes às relações raciais no Brasil. A questão inicial a esse respeito pode 
ser formulada nestes termos: qual seria o sentido radical do mito na existência humana?
As sociedades pré-modernas ou tradicionais – compreendendo os povos “primitivos” e 
as culturas antigas da Ásia, Europa e América –,desenvolveram narrativas, símbolos e ritos 
para manifestar suas concepções do ser e da realidade (ELIADE, 1988). O significado de tais 
elaborações evidencia um nível de consciência de alguma situação em curso no mundo, a 
respeito da qual as pessoas atribuem um sentido e sobre ele assumem uma posição. 
Em um primeiro momento, as narrativas operam no sentido de fortalecer os laços afeti-
vos e espirituais entre as pessoas de uma comunidade. Contribuem para a consolidação da 
própria identidade e do sentimento de pertença a um grupo, a um povo. 
As argumentações de Weber (1999, p. 5) sobre racionalidade assentam que racionalizar 
consiste na prática do cálculo. Ação racionalizada é aquela planejada com base na relação 
entre meios e fins, na ponderação sobre vantagem e desvantagem, custo e benefício, lucro e 
prejuízo. Esse movimento do pensamento teria gerado a cultura do mundo desencantado, 
isto é, sentimentos como a emoção, o maravilhamento, a afetividade são desprezados e, em 
troca, ganham força o planejamento técnico com previsão, controle e os processos de gestão 
centrados no ideal de otimização dos resultados. A frieza do cálculo sobrepõe-se às ebuli-
ções da subjetividade e sua dimensão emocional. 
Contudo, Adorno e Horkheimer (1985) demonstram que há uma relação de mão dupla 
entre mito e racionalidade, por isso denominaram seu livro de Dialética do esclarecimento. 
O esclarecimento, sinônimo de racionalidade, está impregnado de mitos e os mitos, por sua vez, 
carregam fortes traços de racionalidade. 
Racionalizar consiste no empenho de se atribuir um sentido a algo, alguém ou a uma 
relação. Trata-se de uma necessidade intrínseca ao ser humano. Nos primórdios, os gru-
pos humanos edificaram narrativas que explicavam a origem dos deuses, do cosmos, dos 
Vídeo
Democracia racial:mito ou realidade?
Africanidades e Democracia
2
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humanos, assim como de situações próprias do cotidiano das coletividades. Por isso, se 
diz que mito é uma narrativa, um discurso. Em termos práticos, tem-se um conjunto de 
dizeres que circulam socialmente e atuam na consolidação dos laços entre as pessoas que 
fazem parte do coletivo em questão, modelando o que se pode nomear como o status quo 
de uma sociedade. 
Isso significa que a vida em sociedade está marcada por interesses e disputas, por gru-
pos que se articulam politicamente, coordenando as forças materiais, como a posse de terra, 
de máquinas, de armas e de forças morais, como lideranças sociais e religiosas e meios de 
comunicação. Via de regra, os grupos que alcançam hegemonia e passam a exercer o con-
trole da sociedade impõem sua visão de mundo e trabalham para modelar as mentes e os 
corações do povo à sua imagem e semelhança. O historiador Décio Freitas analisou o status 
quo, a situação ou o estado de coisas de uma sociedade, e observou que “Inevitavelmente, 
todo statusquo se crê eterno: já não haverá história. Sucede, entretanto, que como a vida 
social se encontra em processo de contínuo movimento e mudança, a história trabalha ine-
xoravelmente contra o status quo” (FREITAS, 1982, p. 9).
As narrativas são marcadas por conteúdos ideológicos. Nesse sentido, a ideologia pode 
ser compreendida como pseudoverdade elaborada para o benefício de um grupo. Ela não é 
reflexo da vivência, mas projeta um modo de ação sobre a realidade, tendo em vista o forta-
lecimento dos interesses do grupo que se propõe alcançar ou manter o poder.
A partir do exposto, fica demonstrado que os mitos cumprem papéis históricos decisi-
vos – em um primeiro momento, identificando o papel unificador das narrativas, compon-
do a cultura de uma coletividade, oportunizando a seus membros a construção da própria 
identidade individual e coletiva. O mito organiza os destinos do ser humano e do mundo, 
bem como as relações com os mistérios e o absoluto.
Por outro lado, a sociedade de classes deu vasão aos impulsos de dominação, trazendo 
à tona a inquietação do espírito humano em busca da hegemonia, da supremacia política e 
econômica. Sob essa lógica, foi-se definindo o poder sob o controle de uma classe social em 
detrimento de outras. 
Para efetivar e garantir a dominação, o grupo hegemônico realiza um trabalho ideo-
lógico, organizando corpos de ideias que modelam os modos de pensar e sentir da socie-
dade. Esse trabalho superestrutural constituirá o conjunto de narrativas que opera como 
mito. Nesse caso, para a classe social hegemônica, tais narrativas justificam o status quo da 
dominação, a situação confortável de quem desfruta a fortuna e o fausto às custas da clas-
se explorada. Inversamente, as narrativas servirão para acomodar a classe social explora-
da, levando-a à resignação, à inercia, ao conformismo e à “fatalidade” da vida sofrida que 
deve enfrentar. 
Depois de traçar as linhas gerais do conceito de mito, cabe a pergunta: qual é o problema 
da democracia? 
A partir dessa breve análise da vida em sociedade, são apontados os contornos históri-
cos do conceito de democracia e o sentido sociopolítico que foi sintetizando.
Democracia racial:mito ou realidade?2
Africanidades e Democracia26
A história do pensamento ocidental acumula uma importante produção literária a res-
peito do futuro desejável às sociedades humanas. Platão (427-347 a.C.), motivado pelo con-
ceito de justiça, escreveu A República, um dos clássicos da formação intelectual do Ocidente. 
A obra aborda as mais variadas temáticas e dificuldades de uma vida em sociedade, o que 
faz do livro uma das mais celebradas reflexões sobre política.
Thomas More (1478-1534), preocupado com os problemas sociais e políticos de 
seu tempo, escreveu o livro Utopia (1516), em que descreveu uma sociedade imaginá-
ria, de tipo ideal, localizada no novo mundo, explicando os princípios ético-políticos 
de seu funcionamento.
Aldous Huxley publicou, em 1933, o livro Admirável mundo novo, que apresenta uma 
sociedade controlada por meio de avançados recursos tecnológicos, da ciência genética, 
da psicologia, da farmacologia, entre outros. O controle autocrático1 era exercido pelas 
autoridades como garantia de uma sociedade que funcionava, em detrimento da liber-
dade individual.
Essas e muitas outras obras revelam a inquietação intelectual ao redor do tema da vida 
em sociedade. Com base na problematização da realidade, os autores desses estudos desen-
volvem conceitos, teorias e projeções, tendo em vista o equilíbrio das ações entre os sujeitos 
e o exercício do poder, respeitando-se as distinções entre o público e o privado.
À medida que se procura solucionar o problema da organização e convivência em socie-
dade, surgem demandas no campo da moral, da ciência, da política, entre outros. A explo-
ração de cada um desses campos de conhecimento levará à produção de inúmeros discursos 
ou teorias sobre as relações sócio-políticas.
A ciência levará as pessoas a se questionarem sobre o que é a verdade e a buscarem 
respostas consistentes para essa dificuldade. O resultado de tais empreendimentos deveria 
ser o conhecimento capaz de permitir o atendimento das demandas biológicas, sociais e 
transcendentais da sociedade. 
Por outro lado, o problema moral reside na indagação o que devo fazer? Ou seja, a moral 
lida com os princípios e valores que permitem às pessoas agir de modo virtuoso. Em outras 
palavras, para que uma sociedade seja boa, é imprescindível que as pessoas aprendam a ser 
boas umas com as outras e com o meio ambiente onde vivem. As pessoas devem ser orienta-
das para aprender a reconhecer os próprios limites e respeitar os limites, espaços e proprie-
dades alheias. Honestidade, confiança, bondade, justiça, lealdade e verdade fazem parte do 
conjunto de virtudes que uma pessoa deve aprender e incorporar na própria vida para que a 
convivência comunitária seja boa. Inversamente, a comunidade deve agir para que as novas 
gerações se distanciem dos vícios, isto é, dos comportamentos inversos às virtudes, pois isso 
danifica o tecido social.
Outro aspecto do tema é a organização do espaço onde um coletivo se relaciona. 
Observe como o ambiente familiar exige a organização do espaço para o melhor atendimen-
to das necessidades dos habitantes. Desde a manutenção da infraestrutura, higiene, saúde, 
alimentação, passando pelo respeito ao repouso e à privacidade, além das condições de 
1 Autocrático: relativo a autocracia, regime que se caracteriza pelo autoritarismo, pela tirania.
Democracia racial:mito ou realidade?
Africanidades e Democracia
2
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saúde e distinção das necessidades específicas de cada morador ou moradora (uma pessoa 
doente, por exemplo, deve ser cuidada com atenção diferenciada), todos esses aspectos exi-
gem gente capacitada, disponibilidade de tempo e cooperação entre os participantes, para 
se garantir uma convivência sadia. 
De maneira similar, porém em proporções ampliadas, deveria ser a organização e o cui-
dado para se promover as condições de sobrevivência, convivência e desenvolvimento es-
piritual das pessoas de uma aldeia, uma vila, metrópole ou país. Esse seria o sentido amplo 
da atividade política, no sentido grego de cuidado com os interesses da pólis, isto é, a cidade. 
Por isso, torna-se necessário o ordenamento político para a funcionalidade do ambiente e os 
critérios de convivência e de relações entre seus ocupantes.
A definição tradicional reza que democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo 
e com o povo. O pressuposto da definição é a liberdade de expressão, por meio da qual os 
cidadãos e as cidadãs manifestam suas opiniões por meio do voto e das manifestações po-
líticas e jurídicas.
O Estado regido pelo parâmetro democrático garante alternância do poder, geralmente, 
pelo voto e processos eleitorais regidos por normas que facultem a oportunidade de participar. 
Nesse sentido, tem-se a democracia formal, constituída pelo conjunto de normas, estruturas e 
procedimentos que propiciam condições de participação do povo. No entanto, a vida concreta 
dos habitantes daquela sociedade pode estar distante de uma democracia efetiva, substancial.
É o caso de sociedades onde há fome, analfabetismo, precariedade das condições de 
saúde, insegurança, desemprego, restrição de acesso à moradia ou ausência dela. Tais fatos 
são indícios de uma democracia limitada. De fato, mesmo havendo democracia em sua for-
malidade técnica, o povo pode estar afastado das condições desejáveis de vida. A democra-
cia formal peca quando não atende às necessidades biológicas, sociais e espirituais do povo. 
Agora que contextualizamos o problema da democracia e descrevemos o contexto de sua 
realização, voltemos o foco da reflexão para outro problema, que é o mito da democracia racial. 
2.2 Mito da democracia racial 
A partir do momento da entrada dos europeus no território brasileiro, 
acentuou-se a política de miscigenação. Os portugueses praticaram a misci-
genação com mulheres africanase indígenas. 
Estudiosos de diversas orientações intelectuais analisaram o escravismo 
brasileiro. Clóvis Moura, na introdução à quarta edição de Rebeliões da sen-
zala (1988), posicionou-se na contramão das teses de Gilberto Freyre, contidas no clássico 
Casa-grande e senzala. Segundo Moura (1988, p. 9-30), Freyre opera em uma perspectiva cul-
turalista e argumenta que os levantes2 de escravizados seriam causados por frustrações em 
relação à cultura africana; fora isso, prevalece a cooperação racial entre negros escravizados 
e brancos senhores. Moura discorda e contra-argumenta que o povo negro sempre resistiu 
2 Levantes: revoltas, motins.
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Democracia racial:mito ou realidade?2
Africanidades e Democracia28
aos ataques à sua liberdade, protagonizando um intenso conflito de luta de classes durante 
todo o período do escravismo brasileiro.
No momento em que a economia capitalista perdeu o interesse pela escravidão, esta 
passou a ser combatida. No declínio do escravismo criminoso do Brasil, as elites acentuaram 
o interesse em promover o embranquecimento do povo brasileiro. Não queriam mais negros 
por aqui (SKIDMORE, 1989, p. 81-84). De fato, a união de pessoa negra e pessoa branca 
resulta na geração de crianças com as marcas dos dois grupos étnico-raciais de que descen-
dem. As autoridades brasileiras estavam empenhadas em suprimir a presença de negros 
no país e a miscigenação se tornava um caminho silencioso para realização desse projeto. 
O estímulo às uniões entre pessoas negras e brancas tinha em vista a geração de bebês com 
fenótipos cada vez mais próximos do tipo branco europeu.
No período republicano as autoridades alardeavam que no Brasil não havia apartheid 
como na África do Sul ou o racismo como nos EUA. Em terras brasileiras, negros e brancos 
circulavam pacificamente pelos espaços da sociedade, em pé de igualdade e tratamento 
nas relações.
Deveras, as autoridades brasileiras, vangloriando-se, passaram a apresentar um discur-
so segundo o qual o Brasil poderia ser tomado por outros países como um exemplo de rela-
ções raciais harmoniosas. Nesse sentido, dizia-se que não havia racismo neste país. Tinha-se 
aqui um sucesso inter-racial, pela prática da verdadeira democracia racial.
O discurso das elites era reproduzido pelos meios de comunicação ou em sermões das 
lideranças religiosas, podendo também ser encontrado em salas de aula. As novas gerações, 
sem discernimento, o absorviam desde a mais tenra idade. Assim, o imaginário dos setores 
dominantes era difundido, mas a realidade concreta da vida revelava a presença de um 
abismo, uma distância estratosférica entre o discurso e a realidade. A discrepância entre o 
discurso e a prática na formulação do mito da democracia racial era gritante.
Uma das expressões da falsa democracia racial brasileira é o racismo institucional. 
Comprova-se a presença de mecanismos ideológicos antinegros inseridos implicitamente 
em normas e diretrizes ou assumidos como costume ou cultura de empresas ou outros orga-
nismos. Tais mecanismos negam frontalmente a democracia racial ao se constituírem como 
barragens de peneiramento (MOURA, 1977), que impedem às pessoas negras o acesso aos bens 
de direito na referida instituição.
A falsa democracia racial brasileira e o racismo institucional combinam-se como dentes 
de uma engrenagem. O que se tem, nesse caso, é a presença silenciosa do racismo no inte-
rior das instituições. Igreja, escola, governo, empresa, por exemplo, operam orientados por 
pactos não confessados ou diretrizes implícitas, silenciosas. Quando essas são denunciadas, 
geralmente, gestores e participantes beneficiados negam veementemente que esse tipo de 
racismo aconteça.
Observemos, a seguir, algumas situações concretas de racismo institucional.
No período após a abolição da escravidão criminosa, o povo negro encontrava-se jo-
gado à própria sorte, pois o Estado não se responsabilizou pela criação de políticas pú-
blicas que propiciassem a inserção dos ex-escravos na sociedade, de modo a ter uma vida 
Democracia racial:mito ou realidade?
Africanidades e Democracia
2
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autônoma e digna. O que ajudou os remanescentes e descendentes da gente escravizada a 
sobreviver foram seus valores comunitários africanos. 
No Rio de Janeiro, no início do século XX, práticas religiosas e musicais eram curtidas 
vigorosamente nas casas das “tias baianas”3, das quais tia Ciata é sempre lembrada por 
acolher os músicos e os desvalidos da sorte. Sob a guarda das tias baianas teria nascido o 
samba carioca, herdeiro de tradições culturais africanas e seus desdobramentos na diáspora 
africana no Brasil. Atribui-se ao samba do Recôncavo Baiano uma contribuição decisiva no 
processo de criação do samba carioca.
Entretanto, os praticantes do samba eram abordados pela polícia carioca e tratados com 
métodos muito violentos, a exemplo do Delegado Chico Palha4 que espancava os músicos 
e quebrava os seus instrumentos. Um violonista que tivesse calos nas pontas dos dedos 
era enquadrado na prática da vadiagem. Pandeirista com seu instrumento era enquadrado 
como portador de arma... Ou seja, as autoridades policiais, representantes do Estado, funcio-
navam como porta-vozes do racismo estatal. Esse tipo de discriminação impedia aos negros 
o exercício da cidadania, cerceando-lhes o direito de ir e vir e de se expressar musicalmente. 
A situação desfavorável em que o povo negro se via, da vigilância e suspeição perma-
nentes e das restrições ao acesso à terra deram origem a uma população sofredora de rua ou 
confinada nos morros, de onde se originaram as favelas.
O Estado praticou e pratica racismo institucional omitindo-se e ignorando as demandas 
do povo negro. Não se leva em conta que houve exploração escravista da força de traba-
lho desse povo durante quase quatrocentos anos. O Brasil foi o último país a extinguir a 
escravidão na América. Durante todo aquele período, o braço, a inteligência e a tecnologia 
africanas edificaram este país. Eram enviadas milhões de toneladas de produtos tropicais 
anualmente à Europa, dando origem à riqueza, ao luxo e à opulência dos investidores da-
quele continente. Também aqui, a gente africana escravizada empoderou a classe social que 
mais tarde passou a conduzir os destinos nacionais. Ora, após a lei de 13 de maio de 1888, 
extinguindo a escravidão, o Estado virou as costas ao povo negro que teve de recomeçar a 
vida a partir do zero.
No âmbito da educação, a questão racial não é contemplada. Se examinarmos planos de 
cursos e ementários de disciplinas, encontramos o silêncio racial, isto é, o tema das relações 
étnico-raciais não faz parte das inquietações das instituições. Assim sendo, o racismo é plan-
tado nas mentes e nos corações a partir das estruturas dos próprios cursos. 
É importante lembrar que a Lei n. 10.639/03 é o resultado de uma antiquíssima reivin-
dicação do movimento negro brasileiro. Ao contrário do silêncio sobre as contradições do 
racismo brasileiro, ela estabelece a obrigatoriedade do estudo da “História da África e dos 
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da 
3 Tias baianas - Senhoras baianas que moravam no Rio de Janeiro e abrigavam em seus terreiros os 
sambistas perseguidos pela polícia. Em homenagem a elas, toda escola de samba traz a ala das baianas.
4 O cantor Zeca Pagodinho interpretou o samba “Delegado Chico Palha”, letra composta por Tio 
Hélio e Nilton Campolino em 1938. Na letra, os autores descrevem a truculência do referido agente pú-
blico contra os sambistas. No link a seguir, assista à interpretação de Zeca Pagodinho. Disponível em: 
<https://www.youtube.com/watch?v=7Mv3gechyaA>. Acesso em: 5 fev. 2018.
Democracia racial:mito ou realidade?2
Africanidades e Democracia30
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e 
política pertinentes à História do Brasil” (BRASIL, 2003).
Portanto, a maioria das profissões ensinadas em cursos superiores carregamo silêncio 
racial. Ao silenciar o problema, amplia-se o mito da democracia racial. Sendo assim, a edu-
cação pode formar novos racistas, por omissão e pela reprodução das metodologias de ocul-
tação do racismo brasileiro. Quando questionadas, as pessoas que dirigem tais instituições 
geralmente negam o racismo.
E o que dizer do racismo religioso? A falsa democracia racial brasileira fica evidente 
quando se trata das religiões de matriz africana. Diferentemente das exigências impostas 
às demais religiões, as de matriz africana eram obrigadas a requerer uma autorização da 
polícia para realizar suas atividades. Por isso, colocavam-se placas nos locais de acesso 
aos cultos, informando o número do alvará que permitia a existência daquela comunida-
de religiosa. 
No momento presente, algumas lideranças religiosas de seitas cristãs comumente des-
qualificam as religiões de matriz africana – candomblé, umbanda, batuque –, estimulan-
do ataques às pessoas durante ritos religiosos. Altares, vestuários, instrumentos musicais, 
símbolos sagrados e as instalações físicas onde se reúnem as pessoas têm sido alvo desses 
“cristãos” fanáticos, enfurecidos. Incêndios, espancamentos e mortes de pessoas têm sido 
denunciados. Fatos como esse são de conhecimento público e provam que tais lideranças 
religiosas fazem de suas igrejas instituições portadoras e disseminadoras da intolerância. 
São redutos de racismo institucional.
A sucessão de crimes contra as religiões de matriz africana suscitou a realização, em 
setembro de 2017, de uma audiência pública no Congresso Nacional sobre intolerância reli-
giosa, como atesta a notícia veiculada no site da Câmara dos Deputados:
O crescimento dos casos de intolerância religiosa no Brasil será discutido hoje em 
audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias. 
O deputado Luiz Couto (PT-PB), que pediu a realização do debate, lembra que 
a Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que “todo o homem tem 
direito à liberdade de pensamento e religião; esse direito inclui a liberdade de 
mudar de religião e de manifestar essa crença, pelo ensino, pela prática, em pú-
blico ou em particular”. 
No Brasil, ressalta o parlamentar, apesar de a Constituição assegurar que o 
Estado é laico, o princípio da liberdade religiosa está resguardado pelo direito 
brasileiro. (BRASIL, 2017)
Até aqui, alcançamos uma compreensão de mito, de democracia e analisamos a es-
pecificidade que marca a democracia racial brasileira como um mito. Aprofundamos o 
conceito de democracia racial ao focalizarmos o racismo institucional e sua aproximação 
do racismo religioso, nomeado como intolerância religiosa. À medida que emergem os con-
ceitos e a brutalidade de seus efeitos sobre os corpos e o mundo vivido da gente negra, o 
espírito crítico se pergunta sobre o futuro: o que deve ser feito para livrarmos a democra-
cia brasileira do racismo? 
Democracia racial:mito ou realidade?
Africanidades e Democracia
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Essa questão será meditada na próxima seção.
2.3 Democracia racial necessária 
Se dissermos que o alimento é necessário à vida, estamos constatando 
uma imposição da natureza: ou aquele vivente se alimenta ou, fatalmente, 
morrerá. Por princípio, tem que ser assim e não pode ser diferente. 
Dessa forma, em que sentido podemos falar em democracia racial 
necessária? 
Embora a ciência genética tenha concluído que existe apenas uma espécie humana, as 
relações sociais seguem “racializadas” mundo afora. Por isso, se mantém o termo raça, en-
quanto não se alcança outro entendimento. No caso brasileiro, quando se fala em questão 
racial, entende-se que estão pautadas as demandas dos povos negros e indígenas, embora 
outros grupos étnicos também reivindiquem direitos. Pensando especificamente no povo 
negro seguem considerações sobre a democracia racial necessária.
Em primeiro lugar, não se pode esquecer que as pessoas estão no mundo com direi-
to a uma existência feliz. Do ponto de vista dos valores culturais africanos, concebidos ao 
longo de milênios, os seres humanos são criados por Deus, dotados de inteligência e emo-
ção e capazes de se manifestar por meio da palavra. A comunidade é o princípio a partir 
do qual cada pessoa é ela mesma, pois sem as outras pessoas qualquer indivíduo é nada. 
Na comunidade aprende-se a respeitar aos mais velhos, a cuidar das crianças e a reverenciar 
as mulheres, portadoras do mistério da vida. 
A educação comunitária ensina as pessoas a respeitarem a natureza, a terra, os bichos, 
as plantas, as águas. Tudo está ligado ao Criador e deve ser tratado com grande respeito 
e gratidão. O fundamento da relação entre as pessoas é a dádiva, a bondade, o perdão. 
A alegria que marca as reuniões das pessoas em momentos de intimidade familiar ou de 
congraçamento comunitário é consequência da esperança que se tem em uma bondade ra-
dical que dá sentido a tudo o que há. 
Os povos da diáspora negro-africana no Brasil receberam a visão de mundo acima des-
crita. No entanto, foram atormentados por escravistas criminosos e empurrados para a dinâ-
mica do capitalismo e sua visão egocêntrica de mundo. Atualmente, a condição de vida do 
povo negro está entre as mais dramáticas. Passados 130 anos da abolição da escravidão cri-
minosa, observamos que as sequelas foram transmitidas de uma geração a outra. Cada nova 
geração de gente negra recebe um arquivo de condições de vida. O arquivo diz respeito 
às condições econômicas, educacionais, sociais, culturais, psicológicas, entre outras. Todas 
elas fortemente contaminadas pelo veneno do racismo, desenvolvido durante os séculos de 
escravidão criminosa. Assim sendo, cada criança negra nascida no Brasil recebe um passivo 
de qualidade de vida de difícil erradicação.
Com efeito, a Organização da Nações Unidas (ONU) realizou a Conferência Mundial 
Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, na cidade de 
Durban, África do Sul, entre 31 de agosto e 8 de setembro de 2001. Os países participantes, 
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Democracia racial:mito ou realidade?2
Africanidades e Democracia32
dentre eles o Brasil, aprovaram e assinaram uma declaração que qualificou a escravidão, o 
tráfico transatlântico e o genocídio indígena como crimes contra a humanidade:
Reconhecemos que a escravidão e o tráfico escravo, incluindo o tráfico de es-
cravos transatlântico, foram tragédias terríveis na história da humanidade, não 
apenas por sua barbárie abominável, mas também em termos de sua magnitude, 
natureza de organização e, especialmente, pela negação da essência das vítimas; 
ainda reconhecemos que a escravidão e o tráfico escravo são crimes contra a humanidade 
e assim devem sempre ser considerados, especialmente o tráfico de escravos transatlân-
tico, estando entre as maiores manifestações e fontes de racismo, discriminação racial, 
xenofobia e intolerância correlata; e que os Africanos e afrodescendentes, Asiáticos 
e povos de origem asiática, bem como os povos indígenas foram e continuam 
a ser vítimas destes atos e de suas consequências. (ONU, 2001, grifos do autor)
O Estado brasileiro, por sua representação na referida conferência comprometeu-se a 
desenvolver políticas com o fito de enfrentar as consequências dos crimes contra a humani-
dade aqui praticados. O trecho destacado no fragmento deixa explícito que aqueles crimes 
não são meras águas passadas: são crimes! 
Assim sendo, o enfrentamento do mito da democracia racial impondo-lhe princípios 
que se desdobrem em projetos, programas de ação e políticas específicas implica o entendi-
mento de que há um crime contra a humanidade a ser combatido com medidas concretas. 
Tomando-se como referência a dimensão biológica do mito da democracia racial, te-
mos que ela é necessária e tem um imenso trabalho a fazer. Por princípio, todo ser viven-
te quer viver e as sociedades humanas dispõem dos bens do conhecimento formalmente 
construído para mediar a garantia de condições de uma vida digna para as coletividades. 
Ora, o Brasil foi fundadocom base na exploração e morticínio de gente negra e o mito 
da democracia racial funciona como uma maquiagem que esconde os danos perpetuados 
desde então. Nesse sentido, a democracia racial necessária deve combater concretamente 
o racismo social.
Terra, trabalho e moradia precedem. Por isso, a democracia racial necessária deve ga-
rantir ao povo negro acesso à propriedade da terra e à moradia, incluindo-se o avanço nas 
políticas de reconhecimento das áreas quilombolas e a titulação das terras das populações 
remanescentes de quilombos e subsídios para a produção. 
Políticas de saúde do povo negro, do pré-natal à senilidade, assim como de segurança 
(particularmente o genocídio do povo negro que será analisado em outro momento) devem 
fazer parte das tarefas da democracia racial necessária. 
Ao lado da dimensão biológica, caminham a social e a transcendental (espiritual) e, 
para evidenciar isso, basta lembrar apenas que a profissionalização da juventude negra é 
uma demanda que não se esgota com políticas de cotas. A maioria do povo negro no Brasil 
ainda não acessou o conhecimento profissional formal, mediado pelas instituições de ensi-
no. Na maior parte dos casos, dedica-se a trabalhos braçais ou atividades técnicas de apren-
dizagem direta, fora do ambiente escolar. 
Democracia racial:mito ou realidade?
Africanidades e Democracia
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O racismo institucional na educação formal leva as pessoas negras a se distanciarem da 
escola e da universidade. Temos, assim, um desafio de conscientização e outro de interven-
ção na racionalidade do racismo institucionalizado. Além da revisão e reestruturação dos 
currículos acadêmicos, naturalmente, a práxis educacional deve ser questionada. Portanto, 
temos gargalos no âmbito da dimensão social, porque o convívio das pessoas negras na 
escola e universidade é perturbado pelos mecanismos racistas. Igualmente, a perspectiva 
transcendental ou espiritual fica ferida, pois as pessoas negras são atormentadas por situa-
ções racistas quando se trata da busca ou produção do conhecimento.
Conclusão 
O percurso da reflexão sobre a democracia racial, mito ou realidade, alcançará seu pro-
pósito se, em algum momento, suscitar no espírito das pessoas um questionamento em nível 
pessoal: o que eu faço com isso? O que isso faz comigo?
A transformação da realidade segue, com a pessoa, uma via de duas faixas, ou seja, ao 
mesmo tempo em que a sociedade passa por mudanças que a tornam melhor para a exis-
tência humana, cada pessoa é chamada a tomar posição; é convidada a participar e a tomar 
parte no processo: mudar de mentalidade e alterar suas condutas coerentemente. 
Esse movimento interior de enriquecimento conceitual e mudança de atitude é impres-
cindível para a edificação da democracia racial necessária.
 Ampliando seus conhecimentos
Abdias do Nascimento (1914-2011) foi um homem negro, cuja vida e obra deixaram um 
importante legado para o combate ao racismo. Durante o exílio, à época da ditadura civil-
-militar, Abdias foi professor em várias universidades do exterior. Pessoa de grande vigor, 
trabalhou como ator, escritor, deputado federal, senador, pintor e foi aguerrido militante 
antirracista. Depois de cremado, suas cinzas foram espalhadas sobre a Serra da Barriga, em 
Alagoas, local onde existiu o Quilombo de Palmares.
Imagem racial internacional
(NASCIMENTO, 1978, p. 88-90)
A imagem racial internacionalmente projetada pelo Brasil oficial, entretanto, 
é outra bem diferente desta que acabamos de expor. Em 1968, para exem-
plificar, um delegado do Brasil nas Nações Unidas, durante a discussão da 
doutrina apartheista da África do Sul, afirmou o antirracismo do país, decla-
rando o seguinte: “Essa posição é conhecida e é invariável. Ela representa 
a essência mesma do povo brasileiro, que nasceu da fusão harmoniosa de 
várias raças, que aprenderam a viver juntas e a trabalhar juntas, numa 
exemplar comunidade.”
Democracia racial:mito ou realidade?2
Africanidades e Democracia34
Esclareçamos de início que essa delegação se compunha exclusivamente de 
brancos; um dos setores tradicionalmente mais discriminadores contra negro 
é precisamente o Ministério de Relações Exteriores. Não temos embaixadores 
de cor negra e nem qualquer negro na função de representante diplomático, 
enquanto até os Estados Unidos, país notoriamente racista, delega a algumas 
dezenas de negros a chefia de suas missões diplomáticas em diversos países do 
mundo. A própria missão dos Estados Unidos junto às Nações Unidas está, no 
momento, encabeçada por um negro: o embaixador Andrew Young. A decla-
ração do representante brasileiro não ultrapassa o significado de monótona 
reiteração de princípios, de caráter puramente formal; seu conteúdo demagó-
gico é aquele mesmo que Joaquim Nabuco já denunciara no século passado. 
Declarações desse teor soariam como um insulto à inteligência da comunidade 
negra, se já não fossem, em si mesmas, um sistema de insensibilidade moral e 
desprezo pelos direitos humanos dos afro-brasileiros, o que lhes tira significa-
ção ou valor diante da opinião progressista do mundo.
Interessante diagnóstico, [...] na tentativa de mascarar a situação racial do 
país, se encontra no depoimento de Charles Wagley, professor da Columbia 
University. Ele foi um dos pesquisadores credenciados pela UNESCO para 
dirigir no Brasil uma investigação de relações raciais. Após o término de pes-
quisa, o Professor Wagley contou o seguinte:
É curioso que, embora esses estudos da UNESCO tivessem sido moti-
vados pelo desejo de mostrar uma visão positiva das relações raciais 
numa parte do mundo (isto é, no Brasil), de que se esperava pudesse 
o resto do mundo aprender alguma coisa, acabaram por modificar a 
opinião que o mundo tinha até então das relações raciais no Brasil.
Sucessos dessa natureza não surpreendem, se não perdemos de vista a ima-
gem que o Brasil tão cuidadosamente (e inescrupulosamente) desde sempre 
tenta erigir para consumo dos círculos internacionais. Evoquemos um aconte-
cimento de 1972. No Conselho Econômico e Social das Nações Unidas se apre-
ciava relatório da UNESCO, no qual o Brasil e os Estados Unidos eram men-
cionados quando focalizava o apartheid. A reação da representação brasileira, 
como de costume, foi de enfática indignação. O Estado de S. Paulo reproduziu o 
seguinte telegrama de New York:
O breve relatório da UNESCO ao Conselho Econômico e Social baseou-
-se em dados do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais do Rio 
de Janeiro, colhidos em 16 de abril de 1966 a 19 de dezembro de 1967. 
O relatório menciona que a Lei 1.390, em vigor desde 3 de julho de 1951, 
considera delitos penais os atos motivados por preconceitos de cor ou 
raça, e proíbe a discriminação na matrícula de estudantes baseada em 
Democracia racial:mito ou realidade?
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preconceito racial ou de cor. Contudo, o relatório alega que a lei não 
consegue impedir que os usos e costumes sociais – herdados da época da 
escravatura – provoquem uma discreta forma de discriminação racial, 
refletida especialmente no Sul do país, onde não há integração do negro 
na vida social brasileira.
O despacho telegráfico acrescenta que o delegado brasileiro às Nações Unidas 
escreveu uma carta de protesto ao Secretário-Geral, na qual
... o embaixador Frazão disse que o Centro Brasileiro de Pesquisas 
Educacionais é uma organização de pesquisas cujas conclusões não 
podem ser aceitas como definitivas em todas as matérias. Frazão decla-
rou que o governo brasileiro não endossa o ponto de vista segundo o 
qual o Brasil mantém usos e costumes sociais capazes de levar a concluir 
que “existe no país alguma forma de discriminação racial.” O represen-
tante brasileiro disse ainda em sua carta: “A opinião contrária, de que 
o Brasil pode ser considerado um bom exemplo de integração racial e 
harmonia racial, parece refletir bem mais acentuadamente a realidade 
social do país.”
Primeira observação: a carta do delegado brasileiro repete os

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