Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
4 ECONOMIA DO AGRONEGÓCIO Qualidade da Madeira Larissa Carvalho Santos Guia de Estudos 2 QUALIDADE DA MADEIRA Qualidade da Madeira 2021 3 QUALIDADE DA MADEIRA SANTOS, Larissa Carvalho. Guia de estudos. Qualidade da Madeira. Viçosa, 2021. 98p. 4 QUALIDADE DA MADEIRA SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 7 1. ESTRUTURA MACROSCÓPICA DO TRONCO ................................................. 8 1.1. Medula ......................................................................................................... 9 1.2. Xilema ........................................................................................................... 9 1.3. Câmbio ...................................................................................................... 13 1.4. Casca ......................................................................................................... 13 1.5. Anéis de Crescimento .............................................................................. 13 1.6. Crescimento do Tronco ............................................................................ 15 2. ESTRUTURA ANATÔMICA DA MADEIRA ....................................................... 18 2.1. Anatomia de Coníferas ............................................................................ 19 2.2. Anatomia de Folhosas .............................................................................. 23 2.3. Relação entre a estrutura anatômica da madeira e suas propriedades e comportamento tecnológico .............................................................................. 28 3. ESTRUTURA DA PAREDE CELULAR ................................................................ 35 4. COMPOSIÇÃO QUÍMICA DA MADEIRA ...................................................... 40 4.1. Composição Elementar ........................................................................... 40 4.2. Composição Estrutural ............................................................................. 40 5. PROPRIEDADES FÍSICAS DA MADEIRA ......................................................... 43 5.1. Relação Água-madeira ........................................................................... 43 5.2. Teor de Umidade ...................................................................................... 46 5.3. Anisotropia ................................................................................................. 49 5.4. Retratibilidade ........................................................................................... 52 5.5. Densidade Básica e Aparente ................................................................ 54 6. VARIABILIDADE DA MADEIRA ...................................................................... 56 6.1. Fatores que Influenciam a Densidade Básica da Madeira ................. 56 7. DEFEITOS DA MADEIRA ................................................................................. 65 7.1. Alterações de Cor .................................................................................... 65 7.2. Bifurcação ................................................................................................. 65 5 QUALIDADE DA MADEIRA 7.3. Conicidade Acentuada .......................................................................... 66 7.4. Crescimento Excêntrico ........................................................................... 66 7.5. Lenho de Reação ..................................................................................... 67 7.6. Falha de Compressão .............................................................................. 70 7.7. Nós .............................................................................................................. 71 7.8. Rachaduras ............................................................................................... 71 7.9. Sapopemas ............................................................................................... 72 7.10. Sulcos ...................................................................................................... 73 7.11. Tecido de Cicatrização ........................................................................ 74 7.12. Tortuosidade ........................................................................................... 74 8. QUALIDADE E USO DA MADEIRA ................................................................. 76 8.1. Celulose e Papel ....................................................................................... 76 9. NOÇÕES DE AMOSTRAGEM E ANÁLISES .................................................... 78 9.1. Análise das Propriedades Químicas ....................................................... 78 9.2. Análise das Propriedades Térmicas ........................................................ 86 9.3. Análise das Propriedades Físicas ............................................................. 92 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 98 6 QUALIDADE DA MADEIRA 7 QUALIDADE DA MADEIRA APRESENTAÇÃO A madeira é um material biológico complexo, heterogêneo, versátil e renovável. Ela está presente no cotidiano das pessoas e é utilizada de várias formas, que vão desde a fabricação de móveis e estruturas, papéis, carvão vegetal, até a fabricação de tecidos (viscose), fibras ópticas e cápsulas de medicamentos. As possibilidades de uso da madeira são inúmeras em virtude de suas propriedades e características, tais como: beleza, grande resistência mecânica em relação ao peso, facilidade de uso, baixa condutibilidade térmica e baixa demanda de energia para sua conversão em produtos acabados. Durante o processo de formação da madeira, fatores de ordem interna e externa da árvore levam à variação do tipo, número, tamanho, forma, estrutura física e composição química dos elementos da madeira. A qualidade da madeira está relacionada a um somatório de características e propriedades desse material, que permite seu uso para determinados fins ou como matéria-prima para alguns produtos. Uma vez que a madeira é um material variável, até dentro de uma mesma árvore ou tora, em razão de sua localização, da floresta em que se encontra, de seu material genético e idade, a investigação de sua qualidade é complexa, mas fundamental para a avaliação de seu potencial econômico e seu uso racional. Neste contexto, serão abordados nesta apostila, desde o processo de formação da madeira e da estrutura do lenho, e as principais propriedades da madeira (anatômicas, físicas e químicas), até o conhecimento das características e fatores que podem influenciar na utilização deste material, com o objetivo de fornecer uma base literária para estudantes de tecnologia e qualidade da madeira e profissionais do setor florestal. 8 QUALIDADE DA MADEIRA 1. ESTRUTURA MACROSCÓPICA DO TRONCO A anatomia da madeira pode ser melhor descrita por meio de observações em três seções ou superfícies fundamentais de observação (Figura 1): - Seção transversal ou de topo: plano de corte da madeira perpendicular aos elementos axiais ou ao eixo maior do caule. Esta é a seção onde se observa com maior facilidade as várias disposições dos tecidos do lenho das eudicotiledôneas para fins de identificação; - Seção longitudinal-tangencial: plano de corte da madeira no sentido axial, paralelo ao eixo maior do caule em ângulo reto ou perpendicular aos raios da madeira e, ainda, tangencial às camadas ouanéis de crescimento; - Seção longitudinal-radial: plano de corte no sentido axial, passando pelo eixo maior do tronco, paralelamente aos raios da madeira e, ainda, perpendicular às camadas de crescimento. Figura 1. Diagrama esquemático do caule ilustrando os três planos da madeira. Ao observar a seção transversal, notam-se do centro para periferia as seguintes regiões do caule: medula, cerne, alburno e casca. Entre a casca e o alburno encontra-se uma região denominada câmbio, visível somente ao microscópio (Figura 2). 9 QUALIDADE DA MADEIRA Figura 2. Diagrama esquemático do caule em seção transversal. 1.1. Medula A medula é um tecido parenquimático, meristemático e contínuo, localizado no centro do caule. Sua função é armazenar substâncias nutritivas para a planta. O tamanho, coloração e forma são muito variáveis, principalmente nas angiospermas. Por ser um tecido parenquimático, é muito susceptível ao ataque de microrganismos xilófagos e por isso encontram-se toras com medula já deteriorada quando abatidas (toras ocas). 1.2. Xilema O xilema é um tecido estrutural e funcionalmente complexo, composto por células de forma e função diferenciadas, e é o principal tecido condutor de água nas plantas vasculares. É constituído por dois tecidos: cerne e alburno. 10 QUALIDADE DA MADEIRA 1.2.2. Alburno É o tecido lenhoso que se localiza na região abaixo da casca, geralmente de coloração clara, constituído de células vivas (fisiologicamente ativas), não obstruídas, por onde circulam as substâncias nutritivas da planta, razão pela qual é facilmente atacado pelos agentes deterioradores da madeira, principalmente por fungos e insetos xilófagos. É exatamente esta região que deve receber produtos preservativos nos processos de tratamento da madeira. No caso de se usar uma peça de madeira inteiramente de alburno ou parte dele, essa peça deverá ser adequadamente tratada, a fim de garantir sua longevidade. 1.2.3. Cerne É a região que se situa abaixo do alburno, geralmente de cor mais escura que este (no caso de angiospermas), constituído de células sem atividade vegetativa ou fisiologicamente mortas. A região do cerne é constituída de material de maior durabilidade natural; os poros geralmente estão obstruídos por extrativos e tilos, daí a dificuldade em tratá-la com produtos preservativos, já que praticamente não ocorre absorção dos produtos, mesmo nos tratamentos sob pressão em autoclaves. Geralmente, as madeiras que apresentam um cerne durável são conhecidas como “madeiras de lei”, termo remanescente do Brasil Colônia, quando determinadas madeiras, sabidamente mais duráveis e de maior interesse comercial, eram proibidas de serem usadas no comércio interno, ficando restritas ao uso pela Coroa Portuguesa, que as utilizava para construção naval. O termo “madeira de lei” é usado até hoje para designar madeiras que possuem boas propriedades físico-mecânicas, grande durabilidade natural e tenham várias opções de uso (Figura 3). 11 QUALIDADE DA MADEIRA Figura 3. Corte transversal da madeira ilustrando localização do cerne e alburno. O caule de uma planta jovem é constituído inteiramente de células vivas e funcionalmente ativas, responsáveis pela condução da seiva bruta (água e sais minerais) e outras atividades vitais associadas ao armazenamento de substâncias nutritivas. Até essa fase de formação do vegetal, diz-se que o caule é constituído exclusivamente de alburno; a transformação do alburno em cerne deve-se à produção de novas células no câmbio, próximo à casca. À medida que ocorre a produção de novas camadas de células, o interior do caule vai se distanciando progressivamente do câmbio, ou seja, as células estão mais velhas quanto mais se localizam na parte central. A partir de um determinado período, que depende da espécie e das condições de crescimento do vegetal, ocorre a morte do protoplasma das células centrais do caule, dando origem à formação do cerne. Com a perda da atividade fisiológica, a parte mais interna do alburno se transforma em cerne. Essa transformação é acompanhada pela formação de várias substâncias orgânicas, conhecidas genericamente como extrativos; em algumas angiospermas, essa transformação pode ocorrer como decorrência da formação de tiloses nos vasos, provocando a obstrução parcial ou total dos lumes das células. Os extrativos e infiltrações promovem o escurecimento do tecido do cerne, contrastando com a coloração mais clara 12 QUALIDADE DA MADEIRA do alburno; em algumas madeiras, não se percebe a diferença de coloração entre cerne e alburno, devido à ausência de corantes fortes e escuros. É conveniente ressaltar que as mudanças que ocorrem no alburno para cerne são, principalmente, a nível químico; estrutural e anatomicamente, o cerne e o alburno são semelhantes. Por ser um tecido fisiologicamente morto e apresentar extrativos geralmente tóxicos (compostos polifenólicos), o cerne apresenta uma resistência natural ao apodrecimento e ao ataque de organismos xilófagos, baixa permeabilidade e densidade mais elevada que o alburno. A riqueza de materiais nutritivos, principalmente carboidratos e amido, faz com que o alburno seja muito atacado por organismos xilófagos, principalmente quando as condições ambientais são favoráveis. O cerne, quando comparado ao alburno, apresenta diferenças marcantes, que podem ser vantajosas ou não, dependendo da utilização da madeira. Algumas das diferenças mais importantes são: o cerne contém mais compostos fenólicos e ácidos e menos amido que o alburno; a lignina do cerne apresenta-se mais condensada e com maior massa molecular; o cerne de coníferas contém mais extrativos e menos lignina e celulose. Em folhosas, essa última diferença não é consistente. Como a formação do cerne está associada ao acúmulo de produtos fotossintetizados nos tecidos mais internos do tronco, isso torna o cerne menos permeável que o alburno e com concentração de extrativos. Assim, as proporções de cerne e de alburno nas árvores destinadas ao setor de celulose têm impacto econômico, uma vez que a maior quantidade de cerne exige alta carga alcalina em virtude dos teores de extrativos e lignina contidos nessa região. Em árvores de idade avançada, esse ponto negativo é mais acentuado, além da existência de outros, como as dificuldades na picagem dos cavacos e no branqueamento e a resistência físico-mecânica inferior do papel. A perda no rendimento em celulose Kraft foi observada em E. grandis por Sacco, Ferreira e Sansígolo (2002) e associada à maior relação cerne/alburno (C/A). Para a produção de celulose, a maior proporção de alburno contribui positivamente, uma vez que os cavacos oriundos desta porção têm maior permeabilidade e, por serem mais claros, são facilmente impregnados dos reagentes no digestor, o que facilita a polpação e o branqueamento. Ocorre uma variabilidade no rendimento de polpa celulósica para E. globulus em regiões de cerne e de alburno. Os menores rendimentos no cerne ocorrem por ser uma 13 QUALIDADE DA MADEIRA região de difícil deslignificação, pela presença de lignina residual. Já as polpas oriundas do alburno podem ser mais leves, e as taxas de reação, mais rápidas, em comparação ao cerne. 1.3. Câmbio Entre o alburno (xilema) e a casca interna (floema) encontra-se uma camada de células denominada câmbio ou região cambial. Este também é conhecido por câmbio vascular e é constituído por uma faixa de células meristemáticas secundárias que são responsáveis pela formação das chamadas células-mãe do xilema (lenho) e do floema (casca). O câmbio é o responsável pelo crescimento secundário das plantas, ou crescimento em diâmetro. 1.4. Casca A casca é constituída de duas camadas, sendo uma delas mais interna, fina, fisiologicamente ativa, de cor clara, que conduza seiva elaborada, denominada casca interna ou floema. A mais externa, composta de tecido morto, denominada casca externa ou ritidoma, tem a função de proteger os tecidos vivos da árvore contra o ressecamento, ataque de microrganismos e insetos, injúrias mecânicas e variações climáticas. 1.5. Anéis de Crescimento Em regiões onde as estações do ano são bem definidas, as árvores apresentam, nas estações da primavera e verão, onde normalmente existe bastante luz, calor e água, um rápido crescimento que pode diminuir ou cessar nas estações do outono e inverno, quando ocorre frio intenso e pouca luz. Isso faz com que o câmbio tenha atividades periódicas, dando origem aos anéis de crescimento, que são bem distintos nas madeiras de gimnospermas (Figura 4). 14 QUALIDADE DA MADEIRA Figura 4. Anéis de crescimento com os respectivos lenhos de início de estação e de fim de estação. Esses anéis ou camadas apresentam aspecto concêntrico quando observados no plano transversal e em forma de cones superpostos quando vistos no plano longitudinal- tangencial. O crescimento do anel começa na primavera indo até um ou dois meses antes do outono, assim, no decurso da estação de crescimento, uma completa camada de lenho novo é acrescentada entre a casca e o lenho anteriormente formado. Em um anel, a madeira inicialmente formada recebe o nome de lenho inicial ou primaveril ou precoce. A madeira que se formou no fim do período de crescimento é denominada de lenho tardio, de verão ou estival. O lenho inicial é caracterizado por células com paredes delgadas, diâmetro maior e comprimento relativamente menor do que as do lenho tardio, sendo assim menos denso que o tardio. Nas regiões de clima tropical, onde as estações não são bem definidas, os anéis que se formam no caule podem não corresponder aos períodos anuais de crescimento, como também pode ocorrer o aparecimento de mais de um anel de crescimento durante o ano. Pode-se avaliar, com certa precisão, a idade de uma árvore do grupo das gimnospermas, pela contagem dos anéis de crescimento, mas nas madeiras de angiospermas, de regiões 15 QUALIDADE DA MADEIRA tropicais, a contagem dos anéis de crescimento é muito difícil ou até impossível e, geralmente, não corresponde à idade da árvore. 1.6. Crescimento do Tronco O crescimento das árvores é devido a presença de tecidos designados meristemas (do grego meristos: divisível), dotados da capacidade de produzir novas células. Existem dois tipos principais de meristemas, os apicais e os laterais. O meristema apical é o responsável pelo crescimento em altura da planta e se localiza nos ápices de caules e raízes, e esse tipo de crescimento é chamado de crescimento primário. Por meio de sucessivas divisões celulares, novas células são acrescentadas para baixo, enquanto o tecido meristemático vai sendo deslocado para cima. As células produzidas pelo meristema apical vão constituir os tecidos primários, como a medula, o córtex, a epiderme, etc. Nas plantas jovens, há uma predominância de crescimento apical, o que explica a forma cônica de muitas espécies como o pinheiro do paraná (Araucaria angustifolia) enquanto jovens. Todas as plantas têm crescimento primário, no entanto vamos ressaltar neste trabalho apenas plantas que também apresentam crescimento secundário. O crescimento em diâmetro deve-se ao meristema lateral (meristema cambial), tecido constituído por uma camada de células eu se localiza entre o floema (casca interna) e o alburno. É o câmbio o formador dos tecidos secundários do vegetal, entre os quais se destaca o lenho ou xilema secundário, objeto de estudo da anatomia da madeira. Distinguem-se no câmbio dois tipos de células (Figura 5): - Iniciais fusiformes, que originam todos os elementos celulares axiais do lenho; - Iniciais radiais, que produzem os elementos celulares transversais do lenho. 16 QUALIDADE DA MADEIRA Figura 5. Iniciais fusiformes e radiais que compõem o câmbio vascular. A formação de novas células dá-se da seguinte maneira: em uma célula do câmbio (célula-mãe ou inicial) surge uma parede num plano tangencial (periclinal), originando duas células mais estreitas, absolutamente idênticas no início. Uma das duas células mantem seu caráter embrionário e sofre um aumento de tamanho tornando-se uma célula- mãe original. A outra célula se diferenciará em um elemento constituinte ou do lenho (xilema) ou do floema (casca). Se a célula que mantem seu caráter embrionário é a mais externa das duas, a outra célula contigua irá constituir o lenho. Se for a mais interna, a outra célula irá formar o floema. Uma vez formada, a nova célula xilemática irá sofrer um processo de diferenciação que envolve modificações na forma e tamanho, até se constituinte num dos elementos do lenho em questão, conforme determinação do código genético que a originou. Em consequência da produção contínua de novas células para o interior do tronco, resulta em um aumento em periferia, tornando-se também necessário um acréscimo de 17 QUALIDADE DA MADEIRA células no sentido tangencial. Para isso surgem paredes divisórias num plano radial (anticlinal) nas células cambiais (Figura 6). Figura 6. Divisão anticlinal e periclinal das células do câmbio. 18 QUALIDADE DA MADEIRA 2. ESTRUTURA ANATÔMICA DA MADEIRA A Anatomia da Madeira é o ramo da ciência botânica que se ocupa do estudo das variadas células que compõem o lenho, bem como sua organização, função e relação com a atividade biológica do vegetal. A anatomia constitui-se de elemento fundamental para qualquer emprego industrial que se pretenda destinar à madeira. O comportamento mecânico da madeira (secagem, colagem de peças, trabalhabilidade e outros) está intimamente associado à sua estrutura celular. As árvores produtoras de madeira são divididas em dois grupos, por apresentarem marcantes diferenças estruturais, as gimnospermas (coníferas) e angiospermas (folhosas). Nas primeiras estão incluídas as árvores que apresentam estróbilos unissexuais (cones), enquanto que das angiospermas fazem parte as plantas que apresentam flores comuns e sementes dentro de frutos. Além das diferenças botânicas existentes entre coníferas e folhosas, a estrutura anatômica de suas madeiras é também distinta. Do ponto de vista anatômico, a madeira é um tecido perene que resulta do crescimento secundário do tronco, ramos e raízes de árvores e arbustos. Este tecido é constituído de tal forma a suprir as necessidades naturais da árvore, e consiste, consequentemente, em células de sustentação mecânica, condução, armazenamento e de secreção, como apresentado no Quadro a seguir. Madeira Função Mecânica Condução Armazenagem Secreção Coníferas Traqueóides do lenho tardio Traqueóides do lenho inicial Parênquima radial e longitudinal Células epiteliais (canais resiníferos) Traqueóides radiais Folhosas Fibras Libriformes Vasos Parênquima radial e longitudinal Células epiteliais (canais gomíferos) Fibrotraqueóides Traquóides vasculares 19 QUALIDADE DA MADEIRA 2.1 Anatomia de Coníferas Madeiras de gimnospermas, também conhecidas como coníferas, resinosas, não porosas, ou softwoods, são produzidas por espécies da ordem das Coniferales. Dentro do reino vegetal, as gimnospermas são exemplares primitivos, apresentando a sua madeira constituição anatômica bem mais simples e menos especializada do que as angiospermas, apresentando uma composição volumétrica de seu lenho de 93 % de traqueídes, 6 % de raios lenhosos e 1 % de canais de resina. De modo geral apresentam menor densidade, dureza e resistência em comparação com as folhosas. Os principais elementos encontrados no lenho das coníferas serão descritos a seguir. 2.1.1 Traqueídes São células alongadas e estreitas, mais ou menos pontiagudas,que ocupam até 95% do volume da madeira. Uma vez formados pelo câmbio, estes elementos celulares têm uma longevidade muito curta, perdem o conteúdo celular tornando-se tubos ocos de paredes lignificadas, que desempenham as funções de condução e sustentação no lenho. Para que realizem a circulação de líquidos extraídos do solo pelas raízes nas regiões periféricas do alburno, as paredes destas células apresentam pontuações areoladas, pelas quais os líquidos passam de célula para célula. Os traqueídes correspondentes ao início do período vegetativo apresentam lumes grandes e dotados de paredes finas com numerosas pontuações areoladas, com função preponderantemente de condução. Os traqueídes do lenho tardio, que exercem mais acentuadamente a função de sustentação, apresentam lumes pequenos, paredes espessas com poucas pontuações (Figura 7). 20 QUALIDADE DA MADEIRA Figura 7. Traqueídes de lenho inicial e tardio. A) Pontuações areoladas entre traqueídes; B) Pontuações areoladas entre traqueíde axial e radial; C) Pontuações pinóides entre traqueíde e raio parenquimático. Em geral o comprimento médio dos traqueídes axiais em coníferas varia de 2 a 5 mm. O comprimento, de forma grosseira, é cerca de 100 vezes sua largura. Além de variar conforme a espécie, o comprimento também varia de acordo com a idade da árvore e com a localização da célula no tronco. 2.1.2 Canais de resina Nos gêneros Pinus, Picea, Larix e Pseudotsuga, os raios heterogêneos, além de células parenquimáticas comuns e traqueídes radiais, podem apresentar canais resiníferos, delimitados por células parenquimáticas epiteliais produtoras de resina. Neste caso são mais alargados, recebendo o nome especial de raios fusiformes. 21 QUALIDADE DA MADEIRA Os canais de resina são canais intercelulares presentes no lenho das árvores de coníferas e que contêm resina, constituindo o complexo axial de canal de resina, compondo a estrutura: o canal, as células do epitélio e as células subsidiárias (parênquima subsidiário e traqueídes, se presentes), derivadas de uma ou mais células fusiformes iniciais que sofreram divisão mitótica (Figura 8). Figura 8. Seção transversal do lenho de Pinus contorta. A) Canal de resina; B) Células epiteliais com contraste escuro; C) Células subsidiárias com contraste escuro; D) Complexo de canal de resina com contraste escuro. As células do parênquima radial não estão inclusas. Barra escala = 25 mm. Os canais de resina radiais estão localizados nos raios fusiformes do lenho das árvores, constituídos por células de parênquima radial dispostas nas regiões superior e inferior dos dutos de resina. As células epiteliais (3 ou 4 células) de forma triangular ou retangular alinham-se em cada duto radial de resina, sendo facilmente distinguidas do parênquima radial (menores e arredondadas). Os canais de resina radiais encontram-se, normalmente, localizados próximos dos dutos de resina longitudinais, possibilitando a sua intercomunicação. Menos de 20 % dos raios presentes no lenho de árvores de pinus são do tipo fusiformes e possuem canais de resina radiais. Os canais de resina estão, normalmente, isolados no lenho inicial e tardio dos anéis de crescimento, podendo, porém, ser 22 QUALIDADE DA MADEIRA observados pares de canais de resina, apresentando diâmetro variando de 60-300 μm. No lenho de árvores de Pinus halepensis os canais de resina longitudinais têm aproximadamente 4-10 cm de comprimento, sendo mais curtos nos ramos, podendo ter maior diâmetro no lenho de árvores de idade avançada (Figura 9). Figura 9. Seção longitudinal tangencial do lenho de Pinus strobus evidenciando raios unisseriados e os raios fusiformes com canais de resina. 2.1.3 Parênquima radial São faixas de células parenquimáticas de altura, largura e comprimento variáveis, que se estendem radialmente no lenho, em sentido perpendicular ao dos traqueídes axiais, cuja função é armazenar, transformar e conduzir transversalmente substâncias nutritivas. Células parenquimáticas caracterizam-se por apresentar paredes relativamente finas, na maioria dos casos não lignificadas, e pontuações simples. Os raios das gimnospermas podem ser constituídos unicamente de células parenquimáticas, sendo denominados raios homogêneos, ou apresentar traqueídes radiais, geralmente em suas margens, quando são denominados raios heterogêneos. Os raios de coníferas geralmente são finos, normalmente unisseriados, isto é, possuem apenas uma fiada de células quando vistos em seção tangencial, e menos frequentemente bi ou trisseriados. 23 QUALIDADE DA MADEIRA 2.2 Anatomia de Folhosas As madeiras de angiospermas são também chamadas de folhosas, porosas ou hardwoods, e são vegetais mais evoluídos e correspondentemente a sua composição anatômica é bem mais especializada e complexa do que a das gimnospermas, oferecendo um número bem maior de caracteres para a sua identificação. Produzem árvores com folhas de diferentes formatos, renovadas periodicamente, e constituem a quase totalidade das espécies das florestas tropicais. No Brasil, diversas essências das eudicotiledôneas são consagradas no mercado madeireiro, mencionando- se algumas delas: Aroeira do Sertão (Astronium urundeuva), Peroba Rosa (Aspidosperma polyneuron), Ipê (Tabebuia serratifolia), Mogno (Swietenia macrophylla), Cedro (Cedrella fissilis), Imbuia (Ocotea porosa). A composição celular da madeira de folhosas é muito variável e heterogênea, constituindo-se de vasos (7 a 55 %); fibras (6 a 56 %); parênquima radial (5 a 25 %) e parênquima axial (0 a 23 %). Compondo o lenho das angiospermas eudicotiledôneas são encontrados, principalmente, os seguintes elementos estruturais: 2.2.1 Fibras As fibras são células alongadas, com até 1,5 mm de comprimento, seção transversal vazada e arredondada, paredes de espessura superior à dos vasos. As fibras são elementos fechados, não possuindo comunicação através das extremidades. Podem constituir, dependendo da espécie, até 50 % da madeira das eudicotiledôneas, sendo responsáveis por sua resistência mecânica. As fibras são células alongadas e estreitas, de extremidades afiladas que parecem ligeiramente com os traqueídes de lenho tardio, deles se diferenciam por serem mais curtos, pontiagudos e com poucas pontuações (Figura 10). As fibras são classificadas em fibrotraqueídes e fibras libriformes, sendo as pontuações a base de distinção entre elas: as fibrotraqueídes possuem pontuações distintamente areoladas e relativamente grandes (4-9 µm), enquanto que as fibras libriformes possuem pontuações pequenas (2-4 µm), inconspicuamente areoladas, sendo também normalmente menores em comprimento e diâmetro. 24 QUALIDADE DA MADEIRA Figura 10. A) Fibras, traqueídes e elementos de vasos. Os fibrotraqueídes e as fibras libriformes variam grandemente em diâmetro, em comprimento, na espessura da parede celular e no volume que representam na estrutura da madeira. Essas variações ocorrem não apenas em diferentes espécies, mais também em diferentes madeiras de uma mesma espécie e mesmo em diferentes regiões de uma mesma espécie. As fibras em madeiras de folhosas variam desde 0,1 mm até mais de 1 mm de comprimento. Em linhas gerais considera-se como comprimento médio 0,9 a 1,6 mm. 25 QUALIDADE DA MADEIRA 2.2.2 Vasos São estruturas que ocorrem, salvo raras exceções, em todas as angiospermas, e constituem por isso, o principal elemento de diferenciação entre estas e as gimnospermas e representam uma grande evolução biológica dos vegetais no sentido de transporte de seiva. Os vasos são estruturas formadas por uma junção de células perfuradas, chamadas de elementos de vaso, que se comunicam entre si, formando longos dutos que conduzem a água e nutrientes das raízes para a copa das árvores,onde as células são mais curtas (até 1 mm de comprimento), de maior diâmetro e com muitas pontuações nas paredes horizontais. Para permitir a comunicação entre os elementos de vasos, estes possuem extremidades perfuradas denominadas placas de perfuração, que podem do tipo simples, ou múltiplas (escalariforme, reticulada e foraminada). Além da placa de perfuração, os vasos apresentam pontuações em suas paredes laterais, para comunicação com as células vizinhas, cuja disposição, aspecto, tamanho e forma são características de algumas madeiras e constituem importante elemento para a identificação. 2.2.3 Parênquima radial Os raios são responsáveis pelo armazenamento, transformação e condução transversal de substâncias nutritivas, mas se apresentam com uma riqueza morfológica bem maior, variando em tipo, número e tamanho de célula, e constituem com o parênquima axial os mais eficazes elementos de distinção entre espécies. Os raios podem ser: Homogêneos: formados por células parenquimáticas de um único formato, referindo- se normalmente o termo homogêneos aos raios cujo tecido é constituído apenas por células procumbentes (deitadas ou horizontais), quando vistos em seção radial. Exemplos: carvalho (Quercus sp.) e eucalipto (Eucalyptus sp.) Heterogêneos: incluem células de mais de um formato, procumbentes, quadradas e eretas nas mais diversas combinações. Exemplos: pau-marfim e umbuzeiro. Os raios homogêneos e heterogêneos podem ser tanto unisseriados, constituídos por apenas uma fileira de células na seção tangencial, como bi e multisseriados, quando formado por duas ou mais fileiras de células nesta seção (Figura 11). 26 QUALIDADE DA MADEIRA Figura 11. Células de raio. A) Unisseriado heterogêneo e B) Multisseriado homogêneo. 2.2.4 Parênquima axial O parênquima axial, que desempenha a função de armazenamento no lenho, é normalmente bem mais abundante nas folhosas do que nas coníferas. As células de parênquima axial podem estar dispersas entre fibras em fileiras tangencias ou envolvendo os poros formando diferentes arranjos conforme a espécie. As células de parênquima axial, geralmente são de cor mais clara do que a parte fibrosa do lenho e se destacam das demais por apresentarem paredes delgadas (paredes finas não lignificadas), pontuações simples e por sua forma retangular ou fusiforme nos planos longitudinais. Seu arranjo é observado em secção transversal e pode ser dividido em dois tipos de distribuição de acordo com sua relação espacial com os vasos. 2.2.5 Caracteres anatômicos especiais Além dos elementos estruturais do lenho, podem ocorrer certos elementos essenciais em algumas madeiras que são úteis no processo de identificação e são importantes do ponto de vista tecnológico. 2.2.6 Tilos ou tiloses Em determinadas Angiospermas, associada à formação do cerne, observa-se a ocorrência de tilose, como um conjunto de proliferações semelhantes a bolas que penetram nos vasos a partir das células do parênquima adjacente, através dos pares de pontuações. Os tilos obstruem o lume dos vasos (Figura 12). 27 QUALIDADE DA MADEIRA O processo de formação da tilose é atribuído às diferenças de pressão entre os vasos e as células de parênquimas contíguas. Os vasos conduzem os fluidos ativamente e as pressões dentro das células são mais ou menos idênticas, tanto dos vasos como das células de parênquima. Se houver diminuição da intensidade do fluxo de líquidos dos vasos, a pressão no interior das células parenquimáticas se torna bem maior e, em consequência, a fina parede primária das pontuações do parênquima se distende, penetrando na cavidade dos vasos. Ferimentos externos podem estimular a formação de tilos, visando bloquear a penetração de ar na coluna de líquidos em circulação; às vezes, o surgimento de tilos é decorrente da degradação enzimática das membranas das pontuações por fungos xilófagos. Figura 12. Tiloses invadindo os vasos. Em alguns gêneros, como: Platanus, Prunus, Quercus, Robinia, Populus, Carya, Castanea, Lecythis, Astronium etc., e em espécies como tatajuba (Bagassa guianensis) e assacu (Hura crepitans) os tilos são muito importantes na identificação de madeiras porque eles aparecem macroscopicamente como membranas transparentes brilhantes, dentro dos vasos. Situação diferente é o caso das Meliáceas em que os tilos são praticamente ausentes. O aparecimento dos tilos depende de dimensões das pontuações das paredes dos vasos, podendo estes se desenvolver somente em madeiras em que as pontuações das paredes dos vasos forem maiores que 7 mm²; excepcionalmente, os tilos 28 QUALIDADE DA MADEIRA podem ser observados em fibras com pontuações grandes, como em alguns gêneros de Lauráceas e Magnoliáceas. Os tilos são também encontrados em algumas Gimnospermas, ocorrendo nos traqueídes longitudinais das espécies que apresentam pontuações do campo de cruzamento, do tipo fenestriforme, como consequência de injúrias mecânicas, infecções ou estímulo químico. Quanto à utilização da madeira, os tilos dificultam a secagem e a sua impregnação com substâncias preservativas, porque obstruem as vias normais de circulação dos líquidos. Os tilos, por outro lado, apresentam-se como barreiras físicas que se antepõem à penetração de fungos xilófagos, aumentando a durabilidade natural da madeira. Os tilos são também grandes responsáveis pela excelente qualidade da madeira de carvalho (Quercus rubra) para a fabricação de barris para o armazenamento de bebidas alcoólicas. 2.2.7 Canais celulares e intercelulares À semelhança dos canais resiníferos nas Gimnospermas, algumas Angiospermas podem apresentar canais que contêm substâncias diversas, como resinas, gomas, bálsamos, taninos, látex etc., muito peculiares em algumas famílias, como as Anacardiáceas (canais radiais), Moráceas (tubos laticíferos), Rutáceas (canais traumáticos), Miristicáceas (tubos taniníferos) etc. Os canais podem ocupar posições verticais (canais axiais) e horizontais (canais radiais ou transversais), estes últimos sempre ocorrendo dentro de um raio, como no caso das Gimnospermas. 2.3 Relação entre a estrutura anatômica da madeira e suas propriedades e comportamento tecnológico Uma das grandes limitações práticas da madeira é a sua heterogeneidade, anisotropia e variabilidade. Nem mesmo dois pedaços de madeira de uma mesma árvore são iguais. Estas diferenças podem ser atribuídas às condições ecológicas do local onde o vegetal cresce, a localização das amostras no tronco, aos defeitos da madeira etc. A composição do lenho, a estrutura e organização de seus elementos constituintes são os fatores que determinam as propriedades físicas da madeira e sua aptidão para o uso comercial. 29 QUALIDADE DA MADEIRA 2.3.1 Densidade e resistência mecânica A densidade é uma das principais características tecnológicas da madeira e tem sido um índice de qualidade importante para variados fins. É um parâmetro quantitativo, resultante das características anatômicas e da composição química da madeira. A densidade da madeira é afetada pela dimensão das fibras, espessura de parede celular, pelo volume de vasos e parênquima, pelo arranjo dos elementos anatômicos e pela quantidade de componentes extratáveis (dito por alguns autores em algumas circunstâncias). A densidade reflete a composição química lenhosa por peso. Ë talvez a característica tecnológica mais importante da madeira, pois dela dependem estreitamente outras propriedades, tais como: a resistência mecânica, o grau de instabilidade dimensional pela perda ou absorção de água etc. A densidade do material lenhosos, denominada densidade real, oscila entre 1,4 a 1,62 g/cm3, entretanto, devido a variações nas dimensões e proporções dos tecidos lenhosos, a densidade das madeiras variam entre 0,13 e 1,4g/cm3. O grau de resistênciamecânica que se pode deduzir da massa específica é, no entanto, altamente modificado pela estrutura histológica, que se manifesta no comprimento e espessura das membranas, quantidade de pontuação nas paredes etc. Há uma estreita relação entre volume de fibras, densidade e resistência mecânica. Os vasos, devido à sua grande dimensão e as paredes delgadas, são estruturas fracas, e sua abundância, distribuição e dimensão influem na resistência mecânica da madeira. O lenho com porosidade em anel (poros grandes acumulados no início do período vegetativo) é menos resistente a determinados esforços do que o lenho com porosidade difusa (poros distribuídos uniformemente ao longo do anel de crescimento). O parênquima axial é também um tecido fraco, cuja abundância (23-100% do volume total do lenho em eudicotiledôneas) e distribuição, principalmente quando se apresenta formando amplas faixas contínuas podem reduzir consideravelmente a resistência mecânica da madeira. A relação entre os raios (parênquima radial) e a resistência mecânica do lenho é mais complexa pelo fato de que os lenhos com maior volume deste tecido são muitos especializados e contém um grande volume de fibras com paredes espessas, o que lhes conferem elevada densidade. A fragilidade do tecido 30 QUALIDADE DA MADEIRA parenquimático dos raios é comprovada pelas rachaduras radiais que surgem no tronco com tensões internas de secagem. Nas gimnospermas, o lenho tardio é geralmente mais resistente, devido ao maior volume de material lenhoso nas paredes de suas células. A densidade e a resistência mecânica são afetadas pela percentagem de lenho tardio no anel e pela regularidade na largura dos anéis de crescimento. A própria estrutura submicroscópica da parede celular reflete na resistência mecânica. Quanto mais vertical for a orientação das microfibrilas de celulose, maior será a resistência à tração; quanto mais horizontal o seu grau de inclinação, maior será a resistência a esforços de compressão. 2.3.2 Durabilidade Natural Por durabilidade ou resistência natural entende-se o grau de suscetibilidade da madeira ao ataque de agentes destruidores, como fungos, insetos, brocas marinhas etc. Em geral, as madeiras mais densas por apresentarem uma estrutura mais fechada e frequentemente elevado teor de substancias especiais impregnando as paredes de suas células, são mais resistentes a ação destes agentes. A presença de tais materiais (sílica, alcaloides, taninos e outros), normalmente de ocorrência mais acentuada no cerne dos troncos, aumenta a durabilidade natural da madeira, devido ao efeito tóxico que frequentemente apresentam sobre os agentes xilófagos. A sílica atribui-se acentuada durabilidade natural de certas madeiras utilizadas em contato com água do mar, uso considerado como o que apresenta as condições mais drásticas e severas. Usualmente, a presença de substâncias especiais no lenho produz na madeira uma coloração acentuada, e é pó isso que as madeiras escuras são em geral mais duráveis, fenômeno também observado no cerne, que é a parte mais escura do tronco. A grande abundância de tecido parenquimático (raios e parênquima axial) proporciona baixa durabilidade natural à madeira, uma vez que se trata de tecido macio e de fácil penetração e, sobretudo por atrair os agentes destruidores em virtude dos conteúdos nutritivos armazenados em suas células (amidos, açúcar, proteínas, etc.). A localização do parênquima no lenho também pode favorecer o desenvolvimento de certos insetos xilófagos. No caso de parênquima axial paratraqueal, as larvas, assim que 31 QUALIDADE DA MADEIRA eclodem dos ovos depositados nas cavidades dos vasos, encontram logo ao seu alcance os nutrientes necessários ao seu desenvolvimento. 2.3.3 Permeabilidade É uma característica importante sob o aspecto da secagem, preservação de madeiras e fabricação de polpa e papel. Em geral, madeiras mais densas são mais difíceis de serem secadas e impregnadas com soluções preservativas por apresentarem volume menor de espaços vazios para circulação de fluidos. A maior penetração ou eliminação de líquidos nas madeiras se dá, obviamente, sobretudo, por meio dos elementos estruturais que desempenham a função de condução no lenho: os vasos nas angiospermas, os traqueídes nas gimnospermas e os raios em ambas. Nas angiospermas, o tamanho, abundância, distribuição dos poros e a presença ou ausência de substâncias obstrutoras influem no grau de permeabilidade. O lenho inicial de espécies com porosidade em anel é mais permeável que o lenho tardio. O parênquima axial é mais permeável que as fibras e quanto mais presente no lenho aumenta a permeabilidade. Nas gimnospermas as pontuações areoladas das paredes dos traqueídes facilitam a passagem de líquidos de célula. Dentro do anel de crescimento, o lenho inicial com elementos celulares de lumes grandes e muitas pontuações areoladas é mais permeável que o lenho tardio. A presença de substâncias especiais como gomas, resinas, látex etc. e canais intercelulares e celulares podem afetar a penetração de preservativos e a secagem de madeiras por se liquefazerem, obstruindo assim a passagem dos fluidos. 2.3.4 Trabalhabilidade O termo trabalhabilidade refere-se ao grau de facilidade de se processar a madeira com instrumentos. Em primeiro lugar, a grã da madeira fornece uma ideia da facilidade de se conseguir um bom acabamento superficial das peças. Madeiras com grã reta não apresentam dificuldades neste sentido. Porém aquelas com grã irregular apresentam superfície áspera nas regiões nas quais o instrumento passa em sentido contrário à direção normal dos tecidos. O desvio pode se apresentar como vantagem para efeitos decorativos. 32 QUALIDADE DA MADEIRA Madeiras macias (baixa densidade) são difíceis de serem trabalhadas para obtenção de superfícies lisas, pelo arranjamento de células dos tecidos frágeis, resultando numa superfície aveludada. Por outro lado, madeiras com alta densidade são difíceis de serem trabalhadas por provocarem desgastes nas ferramentas. Madeiras ricas em sílica também provocam desgaste nas ferramentas. Em alguns casos, a sílica fica inserida na parede, assumindo a forma de elemento celular. Substâncias especiais (canais intercelulares, celulares e células oleíferas) causam dificuldades no processamento e desdobro por serem prejudiciais ao operador ou aderirem às serras ou facas dos equipamentos. 2.3.5 Estabilidade Dimensional A madeira é um material higroscópico e apresenta fenômenos de contração e inchamento pela perda ou absorção de umidade. A entrada de água entre as moléculas de celulose da parede celular provoca o inchamento, ou o afastamento dessas moléculas. A concentração da madeira é resultado da aproximação das moléculas de celulose. Como a contração e o inchamento ocorrem pela entrada e saída de água das paredes celulares, as madeiras de alta densidade (parede mais espessas) apresentam esse fenômeno em grau mais acentuado. A anisotropia no que diz respeito à sua alteração dimensional devido a secagem é um fato conhecido, entretanto, se a peça considerada apresentar desvios de grã, a sua retração fugirá aos padrões normais previstos, além de provocar de formações na mesma. 2.3.6 Comportamento em face a colagem e aplicação de revestimentos superficiais: A textura da madeira tem grande importância sob esse aspecto. Madeiras com textura grosseira absorvem grande quantidade de substâncias que lhe são aplicadas. No caso de pinturas, são necessárias várias demãos para um bom acabamento. Sob o ponto de vista da colagem, a excessiva absorção do adesivo por uma superfície porosa pode causar uma má aderência, além do perigo de ultrapassagem da cola até a outra face (por ex. compensado), prejudicando sua aparência. Ao contrário, em madeiras de estrutura muito fechadae superfícies lisas, haverá deficiência de penetração do adesivo, reduzindo a área de colagem e acarretando consequentemente uma linha de cola fraca. 33 QUALIDADE DA MADEIRA A presença de substâncias especiais (canais secretores, células oleíferas, conteúdo nos vasos) pode em muitos casos dificultar os processos de colagem e a aplicação de revestimentos superficiais como pinturas, vernizes etc. Pois essas substâncias, espalhando-se sobre a superfície das peças, impedem a aderência dos adesivos ou agem como inibidoras do processo químico de ligamento da cola (cura de cola). 2.3.7 Fabricação de polpa e papel Células de grande comprimento são preferidas para produção de polpa e papel pelas propriedades de resistência, principalmente resistência ao rasgo. As coníferas são preferidas pelo alto comprimento de fibra e pouco tecido parenquimático (células curtas). Madeiras com alta porcentagem de células com paredes espessas e rijas originam papéis grosseiros, porosos, volumosos, alta capacidade de absorção e elevada elasticidade sob pressão. Madeira de baixa densidade origina papel de maior resistência mecânica, menos opaco e poroso e com maior resistência ao estouro. Nas coníferas, a porcentagem de lenho inicial e tardio no anel de crescimento influência nas características do papel. Madeira de alta densidade consome mais energia e desgasta mais os equipamentos. A faixa ideal de densidade está entre 0,4-0,6 g/cm3. Nas coníferas, o lume dos traqueídes axiais e pontuações e a sua organização desempenham papel importante na difusão das substâncias químicas. Alguns indicadores (fatores e coeficientes) expressam relações entre características anatômicas das células: Fator de Runkel (R) = 2e/d, em que e = espessura da parede celular; d = diâmetro interno das células. Quanto maior o valor de R, menos apta a madeira. O ideal é menor que 1. Coeficiente de rigidez (Fração parede) CR = d/D x 100%, em que d = diâmetro interno da célula; D = diâmetro externo da célula. Quanto maior CR, melhor amoldamento da célula. Coeficiente de flexibilidade de Peteri 34 QUALIDADE DA MADEIRA P = L/D, em que L = comprimento da célula; D = diâmetro externo da célula. A presença de canais secretores e conteúdo como gomas, resinas, látex, causam problemas no cozimento e se depositam nas peneiras, filtros e superfícies metálicas. Madeiras de cores escuras comprometem a aparência final do produto e encarece o branqueamento. 35 QUALIDADE DA MADEIRA 3. ESTRUTURA DA PAREDE CELULAR Uma das mais significativas características da célula vegetal é a presença da parede que envolve externamente a membrana plasmática e o conteúdo celular. Células sem paredes são raras e ocorrem, por exemplo, durante a formação das células do endosperma de algumas monocotiledôneas e de embriões de gimnosperma. A estrutura fundamental da parede celular é formada por microfibrilas de celulose, imersas em uma matriz contendo polissacarídeos não celulósicos: hemiceluloses e pectinas (Figura 13). Figura 13. Composição da parede celular. A armação fundamental da parede celular é representada por microfibrilas de celulose, a qual é interpenetrada por uma matriz contendo polissacarídeos não-celulósicos: hemiceluloses e pectinas. Nesta ordem de magnitude os componentes são subdivididos em: • Componente estrutural → CELULOSE. • Componentes subestruturais → POLIOSES (hemiceluloses); → LIGNINA. A microfibrila de celulose é uma estrutura filamentosa que tem cerca de 10 a 25 nm de diâmetro e comprimento indeterminado; é composta de 30 a 100 moléculas de 36 QUALIDADE DA MADEIRA celulose, que se unem paralelamente por meio de ligações hidrogênio. Nas microfibrilas, em certas porções, as moléculas de celulose mostram um arranjo ordenado (estrutura micelar), que é responsável por sua propriedade cristalina. A Figura 14, ilustra de forma esquemática a formação da fibra de celulose e da parede celular. Figura 14. Estrutura da parede celular. As paredes primária e secundária são constituídas por macrofibrilas, que por sua vez são formadas por microfibrilas. As microfibrilas são compostas de moléculas de celulose, que em determinados pontos mostram um arranjo organizado (estrutura micelar), o que lhes confere propriedade cristalina. Várias centenas de microfibrilas podem ser alinhadas juntas, em unidades discretas, conhecidas como macrofibrilas, visíveis ao microscópio como estriações da parede celular. As microfibrilas são organizadas lateralmente como lamelas e certo número destas, por sua vez, compõe a parede celular. A parede celular de um traqueíde (conífera) ou de um vaso ou fibra (folhosa) é formada por camadas individuais, dispostas segundo um arranjo concêntrico. As paredes das células vegetais são compostas por três camadas bem distintas (Figura 15): - Lamela média; - Parede primária; - Parede secundária (S1, S2 E S3). 37 QUALIDADE DA MADEIRA Figura 15. Modelo da estrutura celular de traqueídes de coníferas e fibras libriformes de folhosas. Entre as células individuais há uma fina camada a lamela média, a qual une (cola) as células entre si, formando o tecido. Embora fibrilas simples possam cruzar a lamela média, esta camada é em princípio livre de celulose. A transição da lamela média para a camada adjacente da parede celular não é muito clara, de tal forma, que para a lamela média e a camada adjacente parede primária) é usado o termo lamela média composta. A lamela média é altamente lignificada, apresentando substâncias pécticas principalmente no estágio inicial de formação. Sua espessura com exceção dos cantos das células é de 0,2 a 1,0 μm. Na Parede Primária (P) as fibrilas de celulose são arranjadas em delgadas camadas que se cruzam formando um aspecto de redes. A parede primária é a primeira camada depositada durante o desenvolvimento da célula, este sistema permite uma expansão (crescimento) da célula jovem. Por consequência, a orientação das fibrilas na camada mais externa é mais oblíqua. Ressalta-se que a quantidade de celulose na Parede 38 QUALIDADE DA MADEIRA Primária é muito limitada, contém também polioses (hemiceluloses), pectina e proteínas imersos numa matriz de lignina, sua espessura varia de 0,1 a 0,2 μm. A Parede Secundária, é a camada espessante da célula, depositada sobre a parede primária após seu crescimento superficial ter-se completado. Consiste de três camadas: externa - S1; média - S2; interna - S3. Observação: Morfologicamente as camadas S1 e S3 não são consideradas constituintes da parede secundária, mas unidades morfológicas separadas. Assim, pode- se encontrar a S1 definida como camada de transição e a camada S3 como parede terciária. O espessamento da parede secundária é considerável, podendo variar de 1 a 10 μm. A porcentagem de celulose podendo chegar a 90% ou mais, resultando num arranjo denso e paralelo dependendo das fibrilas. Na camada S1, com espessura de 0,2 a 0,3 μm, as fibrilas de celulose se apresentam em orientação helicoidal suave. Existem várias subcamadas extremamente finas que se sobrepõe. Sendo as lamelas muito finas, o arranjo helicoidal (espiral) das fibrilas pode ser visível como um arranjo cruzado em certas espécies. O ângulo formado entre as fibrilas em relação ao eixo da célula considerada pode variar entre 50 e 70º. É mais lignificada, assemelhando-se neste sentido mais à parede primária, sendo também mais resistente ao ataque de fungos que a S2. A camada S2 é a mais espessa da parede celular, forma a porção principal da célula, com espessamento variando de 1 a 9 μm. Nesta camada as fibrilas estão dispostas num ângulo praticamente reto em relação ao eixo da célula, podendo variar entre 10 e 30º, diminuindo com o aumento do comprimento dacélula. A variação do ângulo formado pelas fibrilas de celulose em relação ao eixo axial das células é o resultado de um número de influências internas e externas, as quais são difíceis de identificar. Porém de maneira geral as variações existem dentro de um anel de crescimento onde o ângulo decresce do início do lenho inicial ao fim do lenho tardio, no sentido radial. Em anéis anuais sucessivos o ângulo decresce continuamente da medula para a casca, até um estado em que permanece constante, ou apenas sujeito a pequenas mudanças. A camada interna S3, considerada recentemente por alguns autores como parede terciária, por apresentar-se diferente das camadas S3 de células parenquimáticas (também fibras de monocotiledôneas, como bambus, que podem ter ainda quatro ou mais 39 QUALIDADE DA MADEIRA camadas). As fibrilas de celulose são arranjadas numa inclinação suave, porém não numa forma estritamente paralela. Possui uma concentração maior de substâncias não estruturais, o que confere a superfície do lume uma aparência mais ou menos lisa. Finalmente, os traqueídes de coníferas e as fibras libriformes de folhosas mais primitivas apresentam quase sempre uma camada ou zona verrugosa (warts), que é uma membrana delgada e amorfa, localizada na superfície interna da camada S3 ou parede terciária. É constituída de material semelhante a lignina em conjunto com pequenas quantidades de hidratos de carbono e substâncias pécticas. Em conjunto, o sistema de arranjo e disposição das fibrilas de celulose, em combinação com as substâncias solidificantes não estruturais conferem às células da madeira uma sólida, mas não inflexível constituição, a qual resiste a uma grande gama de forças que nela atuam. Devido a pequena inclinação das fibrilas a camada S2 é provida de resistência à tração, enquanto que a S1, na qual as fibrilas encontram-se inclinadas conferem resistência à compressão, ambas ao longo do eixo da célula. 40 QUALIDADE DA MADEIRA 4. COMPOSIÇÃO QUÍMICA DA MADEIRA 4.1 Composição Elementar Em relação a composição química elementar da madeira, pode-se afirmar que não há diferenças consideráveis, levando-se em conta as madeiras de diversas espécies. Os principais elementos existentes são o Carbono (C), o Hidrogênio (H), o Oxigênio (O) e o Nitrogênio (N), este em pequenas quantidades. Na Tabela 1, a análise da composição química elementar da madeira de diversas espécies, coníferas e folhosas, demonstram a seguinte composição percentual, em relação ao peso seco da madeira: Tabela 1. Composição química elementar da madeira de diversas espécies Elemento Porcentagem Carbono 49 - 50 Hidrogênio 6 Oxigênio 44 - 45 Nitrogênio 0,1 - 1 Além destes elementos encontram-se pequenas quantidades de Cálcio (Ca), Potássio (K), Magnésio (Mg) e outros, constituindo as substâncias minerais existentes na madeira. 4.2 Composição Estrutural Do ponto de vista da análise dos componentes da madeira, uma distinção precisa ser feita entre os principais componentes macromoleculares constituintes da parede celular: • Celulose; • Polioses (hemiceluloses); • Lignina. Estes componentes estão presentes em todas as madeiras, e os componentes minoritários de baixo peso molecular, extrativos e substâncias minerais, os quais são geralmente mais relacionados a madeira de certas espécies, no tipo e quantidade. As proporções e composição química da lignina e polioses diferem em coníferas e folhosas, 41 QUALIDADE DA MADEIRA enquanto que a celulose é um componente uniforme da madeira (Tabela 2). A Tabela 2 e a Figura 16 apresentam uma curta introdução à composição química da madeira: Tabela 2. Composição Média de Madeiras de Coníferas e Folhosas Constituinte Coníferas Folhosas Celulose 42 + 2% 45 + 2% Polioses 27 + 2% 30 + 5% Lignina 28 + 2% 20 + 4% Extrativos 5 + 3% 3 + 2% Figura 16. Esquema da composição química da madeira. Em madeiras oriundas de zonas temperadas, as porções dos constituintes alto poliméricos da parede celular, somam cerca de 97~99% do material madeira. Para madeiras tropicais este valor pode decrescer para um valor médio de 90%. A madeira é constituída de cerca de 65 a 75% de polissacarídeos. 4.2.1 Celulose É o componente majoritário, perfazendo aproximadamente a metade das madeiras tanto de coníferas, como de folhosas. Pode ser brevemente caracterizada como um polímero linear de alto peso molecular, constituído exclusivamente de β-D-glucose. Devido a suas propriedades químicas e físicas, bem como à sua estrutura supra molecular, preenche sua função como o principal componente da parede celular dos vegetais. 42 QUALIDADE DA MADEIRA 4.2.2 Hemicelulose Estão em estreita associação com a celulose na parede celular. Cinco açucares neutros, as hexoses: glucoses, manose e galactose; e as pentoses: xilose e arabinose, são os principais constituintes das polioses. Algumas polioses contém adicionalmente ácidos urônicos. As cadeias moleculares são muito mais curtas que a de celulose, podendo existir grupos laterais e ramificações em alguns casos. As folhosas, de maneira geral, contém maior teor de polioses que as coníferas, e a composição é diferenciada. 4.2.3 Lignina É a terceira substância macromolecular componente da madeira. As moléculas de lignina são formadas completamente diferente dos polissacarídeos, pois são constituídas por um sistema aromático composto de unidades de fenilpropano. Há maior teor de lignina em coníferas do que em folhosas, e existem algumas diferenças estruturais entre a lignina encontrada nas coníferas e nas folhosas. Do ponto de vista morfológico a lignina é uma substância amorfa localizada na lamela média composta, bem como na parede secundária. Durante o desenvolvimento das células, a lignina é incorporada como o último componente na parede, interpenetrando as fibrilas e assim fortalecendo, enrijecendo as paredes celulares. 4.2.4 Substâncias de baixo peso molecular Junto com os componentes da parede celular existem numerosas substâncias que são chamadas de materiais acidentais ou estranhos da madeira. Estes materiais são responsáveis muitas vezes por certas propriedades da madeira como: cheiro, gosto, cor, etc. Embora estes componentes contribuem somente com uma pequena porcentagem da massa da madeira, podem apresentar uma grande influência nas propriedades e na qualidade de processamento das madeiras. Alguns componentes, tais como os íons de certos metais são mesmo essenciais para a árvore viva. As substâncias de baixo peso molecular pertencem a classes muito diferentes em termos de composição química e, portanto, há dificuldades em se encontrar um sistema claro e compreensivo de classificação. Uma classificação simples pode ser feita dividindo-se estas substâncias em material orgânico e inorgânico. O material orgânico é comumente chamado de extrativos, e a parte inorgânica é sumariamente obtida como cinzas. 43 QUALIDADE DA MADEIRA 5. PROPRIEDADES FÍSICAS DA MADEIRA 5.1 Relação Água-madeira A água pode existir na madeira como água higroscópica, no interior das células ou, na forma de líquido ou vapor, no interior das cavidades celulares. A água na forma líquida é normalmente denominada “água livre”, uma vez que a energia necessária para sua remoção é aproximadamente igual à energia necessária para evaporar uma determinada massa de água contida num recipiente aberto para a atmosfera. A água contida no interior das paredes celulares requer uma quantidade maior de energia para a sua remoção, pois as moléculas de água se encontram ligadas por ligações hidrogênio aos grupos hidroxilas da cadeia celulósica. A característica higroscópica da madeira é função da capacidade que os sítios higroscópicos da parede celular têm de se ligarem a moléculas de água, através das pontes de hidrogênio. A águana madeira pode ser encontrada sob três formas diferentes: 5.1.1 Água livre ou capilar A água capilar, como a própria denominação se refere, movimenta-se de acordo com os fenômenos de capilaridade. As fibras da madeira são unidas entre si através de aberturas denominadas pontuações e, a madeira se comporta como um feixe de capilares no que diz respeito à retirada da água. O maior obstáculo para retirada da água capilar é a permeabilidade da madeira, quando as pontuações das fibras e os vasos estão obstruídos ou são de tamanhos muito reduzidos, impedindo a passagem do líquido. A água capilar ou água livre ocupa as cavidades celulares e, num processo de secagem, á a água mais facilmente retirada da madeira verde. A retirada dessa água não implica em maiores efeitos na variação dimensional da madeira, nem em suas propriedades mecânicas. 5.1.2 Água de adesão A segunda forma de ocorrência de água na madeira é a água adsorvida na parede celular. A água de adsorção está unida à estrutura celulósica da madeira por forças em sua superfície. Quando toda a água capilar da célula for retirada, mas a sua parede permanecer saturada ocorrerá o ponto de saturação das fibras (PSF). Este termo se refere 44 QUALIDADE DA MADEIRA à umidade das paredes de uma célula a não à peça de madeira. O ponto de saturação das fibras varia muito entre as espécies, em função da estrutura e da composição química das madeiras envolvidas. Assim é comum se perceber que: - Madeiras de folhosas, de porosidade difusa, sem cerne distinto, apresentam o PSF variando entre 32 a 35%; - Madeiras de folhosas, de porosidade em anel ou anéis semi-porosos, com cerne distinto, apresentam o PSF variando de 22 a 24%; - Madeiras de coníferas, com cerne indistinto, apresentam o PSF variando de 30 a 40%; - Madeiras de coníferas, com cerne distinto e alto teor de resina, apresentam o PSF variando de 26 a 28%; - Madeiras de raízes extremamente leves, com poros muito finos, podem apresentar PSF até de 50%. Em função da variabilidade, pode-se admitir um valor numérico de 30% para o PSF de todas as espécies. O PSF é extremamente importante nos aspectos tecnológicos que envolvem a utilização da madeira. É a partir dos pontos de saturação das fibras até a completa secagem das fibras que ocorrem alterações significativas nas propriedades físicas e mecânicas da madeira; em virtude da umidade removida abaixo desse ponto ser proveniente da parede celular, o PSF é o nível de umidade que a madeira começa a se contrair. Removendo-se a umidade, as unidades estruturais se aproximam, aumentando significativamente a quantidade de ligações hidrogênio. A partir do PSF é necessária mais energia para evaporar a água porque a atração entre a madeira e a água tem de ser vencida. 3) Água de constituição: a água de constituição é a água mais firmemente presa à madeira e não é removida durante a secagem natural. Ela não é realmente água até que todo o material celulósico seja aquecido em condições drásticas, onde degradações térmicas ocorram, resultando na quebra de grupos hidroxílicos para formar água. A água de constituição participa da natureza orgânica da parede celular e não é removida durante a secagem porque faz parte da madeira. Para retirá-la é necessário quebrar a estrutura ou carbonizar a madeira. A mesma não desempenha papel importante nas propriedades físicas e mecânicas da madeira. 45 QUALIDADE DA MADEIRA - Umidade relativa do ar e Umidade de equilíbrio da madeira: A madeira é um material higroscópico, isto é, possui a habilidade de tomar ou ceder umidade em forma de vapor; assim, quando a madeira está úmida, perde vapor d’água para a atmosfera, e, quando está seca, absorve vapor d’água do ambiente que a rodeia. Existe, no entanto, uma situação em que a madeira não perde, nem absorve água do ar, ou seja, quando a umidade da madeira está e equilíbrio com a umidade relativa do ar. Este ponto é o denominado de umidade de equilíbrio da madeira (UEM) ou umidade de equilíbrio higroscópico (UEH). Torna-se necessário, pois, conhecer as variações climáticas da região onde a madeira será utilizada, principalmente para usos mais nobres, tais como móveis, esquadrias, assoalhos, instrumentos musicais, carrocerias de caminhão e outros nos quais a madeira deva ser usinada, unida com cola, prego ou parafuso, ter acabamento superficial e estabilidade dimensional. Com os valores médios de umidade relativa e temperatura do ar é bem possível determinar-se a umidade de equilíbrio da madeira em tabelas. A umidade relativa do ar (UR) é definida como sendo a relação percentual entre a pressão parcial de vapor de água (P) e a pressão de saturação (Ps) à uma mesma temperatura: UR = (P/Ps) x 100 De posse da umidade relativa do ambiente, pode-se, por meio de isotermas, prever a umidade de equilíbrio da madeira para um determinado local: 46 QUALIDADE DA MADEIRA Figura 17. Relação entre a umidade de equilíbrio da madeira e a umidade relativa para várias temperaturas. Como orientação prática, a UEM (%) pode ser fornecida, com valores próximos ao real, através da seguinte expressão: UEM = UR/5 Essa expressão fornece bons resultados para a umidade relativa variando entre 20 e 80% e para a temperatura variando entre 20 e 30%. Como exemplo, se uma determinada região apresenta valores médios de umidade relativa de 60% e temperatura do ar de 25 °C, a umidade de equilíbrio da madeira será de aproximadamente 12%. 5.2 Teor de Umidade Durante o seu ciclo de vida, as árvores continuamente absorvem a água do solo que circula pelos seus constituintes celulares, especialmente os vasos e traqueídes, deslocando-se até as folhas, para que seja possível a fotossíntese e garanta a própria sobrevivência do vegetal. A madeira de uma árvore recém abatida contém uma considerável quantidade de água que, para a maioria dos casos de utilização, deve ser substancialmente removida. Embora não se possa considerar a umidade como uma característica intrínseca da madeira, a determinação do seu teor é indispensável por se 47 QUALIDADE DA MADEIRA tratar de um parâmetro que afeta o comportamento do material durante as fases de trabalhabilidade, secagem, preservação, durabilidade e combustibilidade. As fases de manuseio, transporte e beneficiamento da madeira também são afetadas pelo seu teor de umidade. A variação no teor de umidade afeta a geometria das peças em serviço, em virtude da intumescência e retração, influenciando significativamente nas características de resistência mecânica dos elementos estruturais. Existem inúmeras exceções, mas a maioria dos trabalhos realizados leva a conclusão que: i) O teor de umidade, principalmente nas coníferas, aumenta no sentido base-topo; ii) O teor de umidade, principalmente nas folhosas, aumenta no sentido medula/casca; e iii) O teor de umidade do alburno é significativamente superior ao do cerne. - Métodos de determinação do teor de umidade: O teor de umidade da madeira é normalmente definido como a quantidade de água da madeira, expressa em porcentagem, baseada na massa da madeira seca em estufa a 103±2 °C de temperatura. O método universalmente aceito para a determinação do teor de umidade é o da secagem em estufa, tornando-se como base o teor de umidade a partir das massas obtidas das peças antes e após terem sido completamente secas em estufa. Normalmente, os corpos de prova utilizados apresentam as dimensões nominais de 2 x 2 x 3cm. Embora muito simples, o conceito de teor de umidade da madeira poderá, em alguns casos, ser incorretamente interpretado, uma vez que este conceito pode ser expresso sob duas formas distintas: 1) Teor de umidade em relação à massa de madeira completamente seca (Base seca): Muito utilizado na área de tecnologia de transformação da madeira sólida (serraria, carvãoetc.) – e é definido como: UBS (%) = {[mu – ms] / ms} x 100 Onde: UBS = Teor de umidade base seca (%); mu = massa da amostra de madeira úmida (g); 48 QUALIDADE DA MADEIRA ms = massa da amostra de madeira completamente seca em estufa a 103±2 °C até peso constante (g). 2) Teor de umidade em relação à madeira úmida (Base úmida): Normalmente usado na indústria de celulose e papel – e é obtido através da relação entre a massa de água existente na madeira e a massa total de madeira mais água. A expressão que descreve matematicamente tal conceito é: UBU (%) = {[mu – ms] / mu} x 100 Onde: UBU = Teor de umidade base úmida (%); PU = massa da amostra de madeira úmida (g); PS = massa da amostra de madeira completamente seca em estufa a 103±2 ºC até peso constante (g). Os dois conceitos de teor de umidade (base seca e base úmida) podem se relacionados através da seguinte expressão: UBU (%) = 1- [UBS/ (100 + UBS)] x 100 Onde: UBU = teor de umidade base úmida (%) UBS = teor de umidade na base seca (%) - Outros métodos de determinação: 1) Métodos da destilação: O teor de umidade é determinado volumetricamente, utilizando-se produtos químicos específicos como xileno ou tolueno, que atuam como extratores por não se misturarem com a água contida na madeira. São mais indicados para madeiras que contenham extrativos voláteis. 2) Medidores elétricos: São aparelhos de grande utilidade por determinarem a umidade imediata da madeira. Seu princípio está baseado na resistência a passagem de corrente elétrica que varia inversamente com a umidade da madeira. São muito práticos e rápidos não sendo necessário cortar a madeira. Possuem agulhas q são introduzidas na 49 QUALIDADE DA MADEIRA madeira fornecendo a leitura analógica ou digital, dependendo do aparelho utilizado, através de um mostrador. São mais precisos dentro de uma faixa de umidade que varia entre 7 e 30%. São influenciados pelo tipo de espécie (densidade) e pela temperatura ambiente, com isso a maioria dos aparelhos elétricos precisam ser ajustados para cada tipo de madeira e local (curvas internas). 3) Método de Karl Fischer: fundamenta-se na determinação iodométrica da água que é removida da madeira por destilação. 4) Método Higrométrico: A umidade da madeira é determinada introduzindo-se um higrômetro em um orifício previamente aberto na madeira. Sela-se este orifício e após a umidade da madeira entrar em equilíbrio com o ar contido no seu interior, o teor de umidade da madeira é obtida. 5) Método da Radiação Nuclear: Utiliza um gerador de nêutrons de alta velocidade, os quais são dirigidos para a madeira. Parte destes nêutrons tem sua velocidade diminuída pelas moléculas de hidrogênio presentes nas moléculas de água, e a sua contagem é efetuada através de um detector. Como o teor de umidade é avaliado em função do peso da madeira, a sua densidade deve ser medida, sendo efetuada através de radiação gama. Para isso, um feixe de raios gama é dirigido para a madeira e a intensidade de radiação refletida através do material, que é inversamente proporcional a sua densidade, é medida por um detector. Os dados dos dois detectores combinados fornecem o teor de umidade da madeira. 6) Micro-ondas: O sistema mede o teor de umidade por meio de micro-ondas. Todo o conteúdo de água do material é captado. O sistema usa um método pelo qual o teor de água é determinado pelos desvios de ressonância, e não por aquecimento. 5.3 Anisotropia Além do fato da variação do teor de umidade da madeira causar alterações em suas dimensões, estas alterações se dão em proporções diferentes segundo os três sentidos anatômicos da madeira, o que a caracteriza um material anisotrópico. Assim, o controle do teor de umidade da madeira é indispensável para que possamos utilizá-la de forma adequada, evitando o desenvolvimento de defeitos como empenamentos, arqueamentos, torções, etc. Estes defeitos são comumente observados em artigos de madeira confeccionados antes da madeira entrar em equilíbrio higroscópico 50 QUALIDADE DA MADEIRA com as variáveis do ambiente (temperatura e umidade relativa do ar) em que estes artigos serão mantidos em uso. O teor de umidade da madeira também está relacionado com as propriedades de resistência da madeira (propriedades mecânicas), com a maior ou menor facilidade em trabalhar com este material (trabalhabilidade), com seu poder calorífico, sua susceptibilidade a fungos, entre outras propriedades de importância. A maioria das propriedades da madeira independe do seu teor de umidade, enquanto este se situa acima do PSF. No entanto elas passam a ser bem relacionadas com o teor de umidade quando este se encontra abaixo do PSF, pois a partir daí, até 0% de umidade, a madeira se contrairá e, de forma geral, se tornará mais resistente. A retirada da água livre pouco altera a madeira além de seu peso próprio, pois somente esvazia os seus lumes e espaços intercelulares. A mudança de volume da madeira verificada entre 0%U e o PSF (água higroscópica), devido aos processos de dessorção ou de adsorção, é considerada uma de suas propriedades físicas mais importantes, afetando e limitando consideravelmente o seu uso industrial em vários ramos de utilização. O aumento de volume (inchamento) deve-se principalmente à inclusão de moléculas de água nos espaços submicroscópicos da parede celular, entre as micelas (feixes formados por moléculas de celulose) e nas suas regiões amorfas, afastando-as e, consequentemente, alterando as dimensões da madeira. Da mesma forma, a diminuição do volume (contração) deve-se à retirada das moléculas de água dos espaços submicroscópicos mencionados, ocasionando a aproximação das micelas e das moléculas que as constituem e a consequente retração da madeira. A anisotropia traz como consequência diferentes valores para o inchamento e para a contração nos três sentidos de orientação da madeira. Esta diferença se deve a estrutura anatômica da madeira. A maior alteração dimensional se manifesta no sentido tangencial, depois no sentido radial e finalmente no longitudinal, que por ser tão baixa, é normalmente negligenciada na prática. As relações entre as contrações verificadas nos diferentes sentidos indicam: 10 (tangencial): 5 (radial): 0,1 (longitudinal). A pequena alteração no sentido longitudinal explica-se por estar a maioria dos elementos estruturais constituintes da madeira organizados verticalmente, o que faz com que o número de paredes por cm2 seja bem menor neste sentido. Além disso, cada fibra 51 QUALIDADE DA MADEIRA de madeira tende muito pouco a se contrair axialmente devido a inclinação das microfibrilas de celulose constituintes da parede celular propiciarem a contração da célula em sua seção, e não na direção do seu comprimento. Algumas vezes podem mesmo ocorrer contrações negativas ao longo da grã, isto é, a madeira pode ter dimensão axial um pouco maior na condição seca que verde. Na Figura 18, pode-se observar o comportamento físico sofrido pela madeira devido a anisotropia após a secagem. Figura 18. Comportamento anisotrópico da madeira A anisotropia de contração é a relação entre a contração máxima tangencial e a contração máxima radial. O coeficiente de anisotropia para as madeiras mais estáveis varia de 1,3 a 1,4, mas para madeiras de eucalipto, principalmente aquelas provenientes de árvores jovens e de rápido crescimento, os índices podem chegar a 3, tornando-as extremamente instáveis dimensionalmente. Existe um critério de classificação quanto ao fator anisotrópico: madeiras com fatores menores que 1,5 são consideradas madeiras muito estáveis, ocorrendo em madeira de cedro, sucupira e mogno; fatores entre 1,6 a 2,0 são consideradas madeiras de média a baixa estabilidade, ocorrendo em ipê, pinus, araucária, peroba-rosa e teca; fatores entre 2,0
Compartilhar