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Curso de legalização de terreiros Com Mãe Flávia Pinto (Matriarca da Casa do Perdão). Socióloga pela PUC-Rio, mentora e coordenadora de campo do Mapeamento das Casas Religiosas de Matrizes Africanas da cidade do Rio de Janeiro (PUC-Rio e SEPPIR). Prêmio Nacional de Direitos Humanos (2011), entregue pela presidenta Dilma Roussef. Sejam todas/os/es bem-vindos/as/es. Saravá fraterno, bença, kolonfé, mukuiu. O que vamos conhecer aqui? A legalização dos terreiros é a principal ferramenta de combate à intolerância religiosa. Religiões de matrizes indígenas e africanas Espiritualidade indígena - Opy “casas de reza” dos Guarani, culto dos Encantados entre os Tupinambá, pajelança, rodas de cura xamâmica Catimbó de Jurema Tambor das Minas Ayhuasca Candomblé Umbanda Kabula Quimbanda Outras denominações O desenvolvimento dos terreiros de Candomblé passou a se manifestar a partir do século XVIII. Nessa época, o crescimento dos centros urbanos se tornava um ambiente propício para que vários negros se reunissem e organizassem experiências religiosas mais estáveis e regulares. Foi nesse contexto que o candomblé deu seus primeiros passos rumo à consolidação de uma experiência religiosa identificável. Já no século XIX, era possível pontuar a existência de alguns sobrados antigos e casarões coletivos em que negros livres organizavam pontos de encontro para a realização de seus cultos. Apesar da existência da repressão imposta pelas autoridades oficiais, o candomblé dava seus primeiros passos formativos. No ano de 1889, a proclamação da República, precedida pela Abolição da Escravatura, também contribuiu para que as crenças afro-brasileiras se expandissem. O Terreiro da Casa Branca, em Salvador-BA, foi fundado por três africanas da nação nagô por volta da primeira metade do séc. XIX. O CANDOMBLÉ DA BARROQUINHA O Ilè Asé Airá Intilè, também conhecido como Candomblé da Barroquinha, localizava-se em Salvador, no estado da Bahia, no Brasil. De acordo com as lendas contadas pelos mais velhos, algumas princesas vindas de Oyó e Ketu na condição de escravizadas, fundaram um terreiro num engenho de cana. Posteriormente, passaram a reunir-se num local denominado Barroquinha em Salvador, onde fundaram uma comunidade de Jeje-Nagô pretextando a construção e manutenção da primitiva Capela da Confraria de Nossa Senhora da Barroquinha, atual Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha que, segundo historiadores, efetivamente conta com cerca de três séculos de existência. Sabe-se que esta comunidade foi fundada por três africanas cujos nomes são Adetá ou (Iyá Detá), Iyá Kalá, Iyá Nassô e os babalawos Babá Assiká e Bangboshê Obitikô. Não se tem certeza de quem plantou o Axé, porém a Casa Branca do Engenho Velho local para onde foi transferida, se chama Ilé Iya Nassô Oká. Da Casa Branca se originam as principais Casas de Axé Nação Ketu de Salvador que se irradiam por vários estados do Brasil. Da Casa Branca se originam o Gantois e o Ile Asé Opo Afonja. Djedje Mahim no Recôncavo Baiano: Opinho, Sejahunde, Bogum, Huntologi. Djeje Savalou: Tambor das Minas no Maranhão Angola: Bantus - Tunba Junsara, Bate-Folha, Tombensi … Alaketu. Origem da Umbanda: Registro histórico 15 de novembro de 1908 através da manifestação do Caboclo da Sete Encruzilhadas no médiun Zélio de Moraes, porém as raízes da Umbanda remotam a um tempo muito anterior a esta data. 2. Em que momento fomos considerados ameaça ao Estado? “Passava noite, vinha dia/ o sangre do negro corria/ dia a dia/ De lamento em lamento/ de agonia em agonia/ ele pedia o fim da tirania...Oooô, liberdade senhor” (Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola, 1968) “Delegado Chico Palha/ sem alma, sem coração/ não quer samba nem curimba/ na sua jurisdição/ Ele não prendia/ só batia... A curimba ganhou terreiro/ o samba ganhou escola/ Ele, expulso da polícia/ vivia pedindo esmola” (Tio Hélio e Campolino, 1938) Nos principais períodos de nossa história o alvo foi sempre o mesmo. Os castigos e açoites do período colonial se perpetuaram ao longo dos tempos. No Império, o catolicismo era a religião oficial do Estado e considerava-se crime o culto de religião diferente da oficial, a zombaria contra a religião oficial e a manifestação de qualquer ideia contrária à existência do Deus eurocristão. A condenação por ‘feitiçaria’ tinha como sanção a pena de morte. A República tratou de considerar como crime o espiritismo e o curandeirismo. Algumas leis estaduais chegaram ao extremo de obrigar os templos de religiões de matriz africana a se cadastrarem na Delegacia de Polícia mais próxima e exigir que os seus sacerdotes e sacerdotisas se submetessem a exames de sanidade mental. Ainda hoje, charlatanismo e curandeirismo estão tipificados no Código Penal. Para garantir a afirmação dos valores do homem branco europeu, além de obrigar os escravizados a se converterem, promoveram a satanização dos seus rituais e prenderam os mais ‘insistentes’. Tudo que dizia respeito ao negro ou era perversamente depreciado ou se transformava em conduta criminosa. Muito foi feito para impedir a sobrevivência desta forma de vida cultural. Mas os tempos mudaram. Federações Ditadura Vargas Umbanda em evidência nos anos 1960 Racismo religioso Neopentecostalismo (1970 e até hoje) Bancada evangélica Aparelhamento evangélico e católico nas políticas públicas - filantropia, emendas constitucionais Conselhos Tutelares Conselho de Assistência Social e Direitos Humanos Conselhos da Criança e do Adolescente A legalização é o ponto de partida para ocupar as políticas públicas e realizar parcerias para beneficiar a população antendida. O que a Constituição Federal de 1988 nos assegura? FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE RELIGIOSA Pleno exercício da liberdade religiosa como direito humano fundamental A CF/88 dispõe que:7 “[...] é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (art. 5°, VI); “[...] é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva” (art. 5°, VII); “[...] ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei” (art. 5°, VIII). A liberdade de crença não se restringe apenas ao direito de ter uma crença, como algo interno, como um direito de acreditar em algo. Uma liberdade assim compreendida não precisaria ser tutelada pelo Direito. A liberdade de crença significa então o direito de exprimir, de externar uma crença, e de se autodeterminar a partir dela. A liberdade de culto também representa uma forma de manifestação exterior da religião professada, mas voltada à prática de atos próprios da religião. A Constituição garante também a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva, como hospitais, presídios e quartéis militares. A lei n° 9.982, de 14/07/2000, que regulamenta este direito, assegura aos religiosos de todas as confissões “o acesso aos hospitais da rede pública ou privada, bem como aos estabelecimentos prisionais civis ou militares, para dar atendimento religioso aos internados, desde que em comum acordo com estes, ou com seus familiares no caso de doentes que já não mais estejam no gozo de suas faculdades mentais.” Quais as vantagens de se legalizar o terreiro? ➔ Nesta sociedade racista que perpetuou a escravização de indígenas e negros por 400 anos, a violência tem sido a principal forma de dominação euro-cristã. Ela não se manifesta apenas no âmbito privado, já invadiu os espaços públicos, veículos de comunicação em massa (TV, rádio, internet) e até órgãos públicos. Não são rarasas denúncias de agentes estatais usando equivocadamente Instituições Públicas para beneficiar suas religiões pessoais e violar direitos daqueles que não fazem parte dela. Para garantir que essa forma de violência não fique impune, é preciso lutar: ➔ • sair da clandestinidade, pois não se admite mais a perseguição; ➔ • orgulhar-se de seu credo; ➔ • denunciar casos de intolerância e insistir na denúncia, mesmo diante de desrespeito por parte do agente público; ➔ • aprender os seus direitos, divulgá-los e cobrar pela sua realização; ➔ • propagar o respeito, a convivência, a tolerância, a igualdade e a paz. Qual o primeiro passo? LEGALIZAR SEU TERREIRO! Direitos decorrentes da legalização Direitos exercidos pelas Casas Religiosas Legalizadas - Criar e manter faculdades teológicas, institutos teológicos ou instituição equivalente com o objetivo de preparar seus ministros religiosos (Ex.: ESU); - Criar uma creche, escola de ensino fundamental, de ensino médio ou faculdade - escolas confessionais (Decreto-Lei nº 1.051 de 21 de outubro de 1969). Ex.: Escola do Gantois; - Preparar, indicar e nomear seus sacerdotes ou sacerdotisas; - Manter locais destinados aos cultos e criar instituições humanitárias ou de caridade; - Ensinar uma religião ou crença em local apropriado; - Elaborar e divulgar publicações religiosas; - Solicitar e receber doações voluntárias; - Criar cemitérios e construir jazigos no próprio templo religioso para o sepultamento das autoridades religiosas; - Realizar atividades religiosas em locais fechados ou abertos, ruas, praças, parques, praias, bosques, florestas ou qualquer outro local de acesso público. - O templo religioso é isento do pagamento de qualquer imposto (art. 150, VI, b da CF) Direitos reconhecidos aos ministros religiosos Indicar sacerdotes e babalorixás a serem nomeados como Ministros religiosos através de uma autoridade religiosa ou eleita por uma instituição religiosa, legalmente constituída (para ser Ministro/a Religioso/a não é necessário cursar faculdade); Ser inscrito como Ministro Religioso na previdência social; Celebrar casamento e emitir o certificado de realização de cerimônia pelo Terreiro; Ter livre acesso a hospitais, presídios e quaisquer outros locais de internação coletiva, com fins de prestar assistência religiosa; Ser preso em cela especial até o julgamento final do processo; Ser sepultado no próprio templo religioso; Receber visto temporário no caso de Ministro Religioso estrangeiro. Como legalizar? É o que faremos com vocês ao longo desses 3 encontros, com o fornecimento de um modelo de estatuto pronto e assistência jurídica no grupo de whatsap, tirando suas dúvidas a cada passo. Quantos terreiros já se legalizaram a partir deste curso? Na primeira edição 30 terreiros foram legalizados. Alguns desses em fase final da legalização. Nos mutirões de legalização por mim coordenados, entre 2008 e 2016, mais de 300.
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