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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL PUBLICIDADE E PROPAGANDA PUBLICIDADE, DESIGN E CINEMA DE TERROR: UMA ANÁLISE VISUAL DOS CARTAZES DE FILMES DIRIGIDOS POR ARI ASTER LEONARDO FERNANDES GRUNAUER NATAL/RN 2021 LEONARDO FERNANDES GRUNAUER PUBLICIDADE, DESIGN E CINEMA DE TERROR: UMA ANÁLISE VISUAL DOS CARTAZES DE FILMES DIRIGIDOS POR ARI ASTER Monografia apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, como requisito para a obtenção do grau de Bacharel no Curso de Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda, sob orientação da Profª. Ma. Raquel Assunção Oliveira NATAL/RN 2021 LEONARDO FERNANDES GRUNAUER PUBLICIDADE, DESIGN E CINEMA DE TERROR: UMA ANÁLISE VISUAL DOS CARTAZES DE FILMES DIRIGIDOS POR ARI ASTER Monografia apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, como requisito para a obtenção do grau de Bacharel no Curso de Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda, sob orientação da Profª. Ma. Raquel Assunção Oliveira. Aprovado em: ____/____/_____ BANCA EXAMINADORA _________________________________________________ Profª. Ma. Raquel Assunção Oliveira Orientadora e Presidente da Banca _________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Fernando Dal Pian Nobre Membro examinador _________________________________________________ Prof. Dr. Gustavo Henrique Ferreira Bittencourt Membro examinador AGRADECIMENTOS Aos familiares, por sempre acreditarem na minha capacidade, mesmo quando o meu maior desejo era desistir. A Raissa, por me incentivar ao longo dessa monografia e por ser compreensiva quando não pude estar presente. Aos meus amigos, por me proporcionarem momentos de descontração e ajudarem a aliviar a tensão da rotina. A Isthenio e Lucinete, pelo suporte emocional e por mudarem minha perspectiva diante das adversidades. A Raquel, pela paciência, dedicação e, sobretudo, por acreditar na relevância e conclusão deste trabalho. Todos tememos… mas o medo pode ser uma dádiva. The Green Knight (2021) Dir.: David Lowery RESUMO Este trabalho apresenta um estudo acerca dos padrões visuais percebidos com recorrência na composição de cartazes cinematográficos, fenômeno que consiste na repetição de elementos gráficos a fim de identificá-los com algum estilo pré-estabelecido. Tendo a percepção de que o gênero do terror utiliza com frequência algumas dessas fórmulas convencionais, foram analisados dois cartazes de filmes do gênero dirigidos por Ari Aster a partir da metodologia de análise de imagem, embasada por Martine Joly (2012), com o objetivo de identificar similaridades e diferenças em sua linguagem visual. Divide-se em duas partes, a primeira consiste na origem do cartaz enquanto arte, estruturada com base nos relatos de Marcus Verhagen (2001), nas suas funcionalidades públicas, de acordo com a obra de Abraham Moles (1974), e no seu desenvolvimento estético aliado à evolução da indústria cinematográfica. A segunda parte é composta pela estruturação das análises, apresentando as informações obtidas através da investigação dos elementos visuais dos cartazes dos filmes Hereditário (2018) e Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019), a fim de gerar uma reflexão acerca das representações tanto convencionais quanto subversivas ao gênero de terror. Palavras-chave: Cartaz; Cinema; Design gráfico; Publicidade; Linguagem visual. ABSTRACT This research presents a study about the visual patterns perceived with recurrence in the composition of cinematographic posters, a phenomenon that consists of the repetition of graphic elements in order to identify them with some pre-established style. Having the perception that the horror genre often uses some of these conventional formulas, two posters of films of the genre directed by Ari Aster were analyzed using the image analysis methodology, based on Martine Joly (2012), with the objective of identify similarities and differences in their visual language. It is divided into two parts, the first consists of the origin of the poster as art, structured based on the accounts of Marcus Verhagen (2001), its public functionalities, according to the work of Abraham Moles (1974), and its development aesthetic combined with the evolution of the film industry. The second part consists of structuring the analyzes, presenting the information obtained through the investigation of the visual elements of the posters of the films Hereditary (2018) and Midsommar (2019), in order to generate a reflection about the representations both conventional and subversive to the genre of horror. Keywords: Poster; Movie theater; Graphic design; Publicity; Visual language. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Cartazes de Jules Chéret. Figura 2 - Cartazes de Henri de Toulouse-Lautrec. Figura 3 - Cartazes, da esquerda para direita, de Mucha, Grasset e Steinlen. Figura 4 - Primeiros cartazes de cinema, peças de Brispot e Auzolle, respectivamente. Figura 5 - Cartazes das décadas de 1920, 1930, 1940, 1950 e 1960, respectivamente. Figura 6 - Cartazes das décadas de 1970, 1980, 1990, 2000 e 2010, respectivamente. Figura 7 - Cartazes de Saul Bass, Robert Peak e John Alvin, respectivamente. Figura 8 - Cartazes de Roger Kastel, Richard Amsel e Drew Struzan, respectivamente. Figura 9 - Clichê 1: Cabeças flutuantes. Figura 10 - Clichê 2: Dama em vermelho. Figura 11 - Clichê 3: Contraste Azul/Laranja. Figura 12 - Clichê 4: Grande olho. Figura 13 - Clichê 5: Dupla de costas um para o outro. Figura 14 - Um solitário de costas para o público. Figura 15 - Cartaz teaser do filme Hereditário (2018). Figura 16 - Cartaz principal do filme Hereditário (2018). Figura 17 - Paleta de cores do cartaz do filme Hereditário (2018). Figura 18 - Exemplos de iluminação Rembrandt em cartazes de filmes. Figura 19 - Exemplos de textura semelhante em cartazes de filmes. Figura 20 - Cartaz teaser do filme Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019). Figura 21 - Cartaz principal do filme Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019). Figura 22 - Exemplos de enquadramento semelhante em cartazes de filmes. Figura 23 - Paleta de cores do cartaz do filme Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019). Figura 24 - Exemplos de luz dura e luz difusa em cartazes de filmes. LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Sentidos obtidos a partir da mensagem icônica do Anexo A. Quadro 2 - Sentidos obtidos a partir da mensagem icônica do Anexo B. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 11 2 TERROR NO CARTAZ 14 2.1 História do Cartaz Moderno 14 2.2 Concepção e Funções 20 2.3 Cartazes Cinematográficos 23 2.4 Cabeças Flutuantes, Dama em Vermelho e outros Clichês 28 3 ANÁLISE GRÁFICA DOS CARTAZES 32 3.1 Estrutura Metodológica 32 3.2 Elementos da Linguagem Visual 33 3.2.1 Mensagem Plástica 34 3.2.2 Mensagem Icônica 35 3.2.3 Mensagem Linguística 35 3.3 Análise de Cartaz: “Hereditário (2018)” 36 3.3.1 Contexto 36 3.3.2 Descrição 37 3.3.3 Enquadramento 38 3.3.4 Cores 39 3.3.5 Iluminação 40 3.3.6 Textura 41 3.3.7 Significantes icônicos 42 3.3.8 Tipografia 44 3.4 Análise de Cartaz: “Midsommar: O Mal Não Espera A Noite (2019)” 46 3.4.1 Contexto 46 3.4.2 Descrição 47 3.4.3 Enquadramento 48 3.4.4 Cores 49 3.4.5 Iluminação 51 3.4.6 Textura 52 3.4.7 Significantes icônicos 52 3.4.8 Tipografia 54 CONSIDERAÇÕES FINAIS 56 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 59 ANEXOS 62 11 1 INTRODUÇÃO Desde sua popularização em meados da década de 1880, durante o início da Terceira República Francesa (VERHAGEN, 2001), o cartaz moderno tem como sua função principal a disseminação de mensagens, sendo ele um dos meios de comunicação mais antigos e eficientes da história da publicidade. Com o decurso do tempo e com o desenvolvimento da imprensa, sua utilização foi se tornando cada vez mais assídua e foram-lhe descobertas novas potencialidades, comoa de seduzir e persuadir os consumidores através de elementos visuais como cores, grafismos, figuras humanas, formas, tipografias mais elaboradas, dentre diversos outros recursos visuais, fazendo com que esse tipo de anúncio adquirisse potencialidade estética, propagando inicialmente composições artísticas ao estilo Art Nouveau. Faz-se pertinente ressaltar que as transformações de estilos e técnicas empregadas nos cartazes estão condicionadas aos referenciais de ordem cultural, social, econômica e política de acordo com o contexto histórico em que foram concebidos. Sendo assim, abordaremos o início dessa trajetória até chegarmos numa das vertentes do entretenimento que nasceu no final do século XIX e se popularizou como uma das artes mais poderosas e influenciadoras do mundo: o cinema. Dentro dessa esfera do entretenimento, iremos nos aprofundar sobre a arte de cartazes para filmes. A arte de confeccionar cartazes para o cinema sempre foi um campo de bastante liberdade criativa dentro da proposta de retratação de cada filme. No princípio, as peças de divulgação eram majoritariamente ilustrativas ao invés de fotográficas como vemos atualmente. Dessa vertente de desenhos a mão surgiram designers que se aprofundaram na produção de cartazes direcionados para o entretenimento e consagraram suas ilustrações em filmes clássicos como Um Corpo que Cai (1958), Guerra nas Estrelas (1977), De Volta para o Futuro (1985), dentre inúmeros outros blockbusters hollywoodianos. Cartazistas como Saul Bass, Drew Struzan e Robert Peak não apenas se tornaram referências pelo inerente talento artístico como também proporcionaram uma experiência complementar ao espectador dos filmes que estampavam — ou muitas vezes escondiam — suas assinaturas nas principais peças de divulgação. Para esse trabalho, foi decidido adentrar num gênero específico a fim de realizar uma pesquisa que investigasse a recorrência de um padrão visual e seus clichês gráficos na 12 composição de suas peças de divulgação. A partir da relação entre as áreas de pesquisa deste trabalho — publicidade, cinema e design — serão apresentados conhecimentos acerca dos cartazes que representam um dos gêneros mais populares de filmes de todos os tempos: o terror. Relatos históricos acerca dessas áreas irão situar o leitor sobre a importância do cartaz enquanto forma de comunicação impressa. A partir desse objeto de pesquisa, viu-se a necessidade de segmentar uma vertente dentro da esfera do cinema de terror com o intuito de recortar o campo de atuação a ser pesquisado. Existem dezenas de subgêneros que permeiam a esfera desse gênero cinematográfico, como o slasher , gore , terror psicológico , trash , found footage , dentre1 2 3 4 5 muitos outros. Todavia, não iremos seguir por meio de um subgênero específico, mas sim por uma produtora que se popularizou na última década por distribuir filmes independentes e por revitalizar o gênero do terror, dando aos filmes desse gênero uma aura de sofisticação — atestada por grande parte do público e da crítica, inclusive contribuindo para a criação do termo “pós-terror” (ROSE, 2017), para designar filmes dessa “nova categoria” — buscando causar impacto através das conotações subliminares e não necessariamente da explícita violência gráfica, preocupados em conduzir de forma coesa os elementos da linguagem audiovisual, conferindo uma identidade estética e narrativa muito singular em cada filme. O estúdio estadunidense A24 foi responsável por produzir e distribuir inúmeros filmes que geraram uma intensa repercussão, sendo alguns deles Ex Machina (2015), O Quarto de Jack (2015), A Bruxa (2016), Sombras da Vida (2017), Bom Comportamento (2017) e Lady Bird: A Hora de Voar (2017), por exemplo. Dentre todas as produções da A24, existem as que se destacam dentro do gênero escolhido para este trabalho. A grande maioria dos filmes de terror lançados pelo estúdio seguem por uma linha mais independente, não se adequando totalmente às convenções de gênero e até mesmo subvertendo alguns clichês estéticos e narrativos. Alguns dos grandes nomes do terror dessa nova geração confiaram suas ideias ao 5 Subgênero de filmes de terror gravado em câmera de mão a fim de conferir um estilo de falso documentário. Filmes de baixo orçamento são comuns nessa vertente, os temas abordados podem ser variáveis. 4 Termo designado a filmes de terror, geralmente de baixo orçamento, em que prevalece a sensação do absurdo por conter cenas de violência exagerada realizadas de maneira vulgar. 3 Subgênero de filmes de terror e ficção, no qual o medo é obtido a partir da vulnerabilidade da mente humana diante de circunstâncias que causam desconforto mental. 2 Filmes de terror conhecidos pelo alto teor de cenas contendo violência gráfica, normalmente com classificação indicativa elevada, e em alguns casos, proibido em determinados países. 1 Subgênero de filmes de terror cuja trama envolve assassinos psicopatas e assassinos em série, teve seu auge nas décadas de 1980 e 1990. 13 estúdio, que não impôs limitações criativas para que obras como Sala Verde (2015), A Bruxa (2016), Ao Cair da Noite (2017), Hereditário (2018), Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019) e O Farol (2019) obtivessem sucesso e aprovação entre os apreciadores do gênero. Por fim, este trabalho tem como principal objetivo fazer uma análise comparativa entre os cartazes dos dois últimos filmes supracitados, os quais são dirigidos e escritos por Ari Aster, grande expoente do cinema de terror dessa nova geração ao lado de Jordan Peele (diretor dos filmes Corra! e Nós.) e Robert Eggers (diretor dos filmes A Bruxa e O Farol.). Ambos os filmes de Aster retratam o estado de luto em seu roteiro, embora exista um grande contraste em seus principais cartazes de divulgação, no qual Hereditário aparenta seguir por uma linha mais convencional dentro da estética do gênero e Midsommar parece seguir o caminho oposto, subvertendo recorrentes clichês visuais em prol da história retratada no filme. São essas semelhanças e diferenças gráficas que permitirão que esse trabalho apresente uma nova perspectiva acerca da padronização visual dos cartazes de filmes de terror. É pertinente ressaltar a relevância do estúdio A24 para entender o valor das peças publicitárias que serão analisadas no decorrer deste trabalho, mais especificamente referentes aos filmes do diretor Ari Aster: Hereditário e Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, ambos produzidos e distribuídos pela A24. De 2012, ano em que foi fundado o estúdio, até os dias de hoje, a A24 recebeu mais de 25 nomeações para o Oscar. Em 2016, filmes distribuídos pelo estúdio ganharam nas categorias de Melhor Atriz (Brie Larson em O Quarto de Jack), Melhor Documentário de longa-metragem (Amy), Melhores Efeitos Visuais (Ex Machina). No ano seguinte, o filme Moonlight: Sob a Luz do Luar venceu o Oscar de Melhor Filme e mais dois prêmios da academia (Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Ator Coadjuvante para Mahershala Ali). Desde então o estúdio vem crescendo exponencialmente e recebendo notoriedade tanto por parte do público quanto da crítica, além disso vem atraindo grandes mercados e já firmou acordos com a DirecTV Cinema e o serviço de streaming Amazon Prime. (LEWIS, 2013). A principal justificativa para execução deste trabalho acadêmico é apresentar a intersecção muito peculiar e rica em aspectos visuais que se dá entre publicidade, design gráfico e cinema. Será possível explorar as nuances da linguagem visual retratada nos pôsteres de Hereditário e Midsommar, filmes dirigidos pelo mesmo diretor e muito parecidos em sua essência, mas completamente contrastantes em suas características estéticas. Enquanto 14 o primeiro parece se adequar ao padrão que o público está acostumado a consumir nos cartazes de filmes de terror, o segundo parte por subverter um dos clichês mais reproduzidos nesse estilo de gênero: a predominância da cor preta. 15 2 TERROR NO CARTAZ Neste presente capítuloapresentaremos a importância do cartaz enquanto plataforma publicitária e suporte para composições artísticas, fazendo um elo entre a área da publicidade e do design gráfico. Para nos auxiliar a contar a história do surgimento deste meio de comunicação com as potencialidades que conhecemos atualmente utilizaremos um dos capítulos da obra compilada por Leo Charney e Vanessa R. Schwartz, O cinema e a invenção da vida moderna (2001), onde há um texto que retrata com detalhes a época em que o cartaz como janela para o entretenimento foi concebido. O capítulo em questão foi escrito pelo historiador Marcus Verhagen, intitulado como: O cartaz na Paris fim-de-século: "aquela arte volúvel e degenerada" (2001). Nele, seremos apresentados à Jules Chéret e Toulouse-Lautrec, dois dos principais artistas visuais que foram proclamados como os primeiros cartazistas da história. Para entendermos sobre o quão fundamental é a existência do cartaz para os meios jornalísticos, publicitários e artísticos, abordaremos a obra de Abraham Moles, O cartaz (1974), em que há uma discussão sobre o aspecto funcional e o fator estético desse formato midiático. Será de grande valia para argumentar sobre a importância dos cartazes de cinema e sobre o conteúdo que cada peça carrega em sua linguagem visual, linguagem essa que norteará o próximo e último capítulo deste trabalho. 2.1 História do Cartaz Moderno Do que se tem ciência sobre o cartaz antes de ser utilizado para dissipar composições artísticas, pode-se afirmar que era uma ferramenta exclusivamente vinculada ao nicho comercial, muitas vezes dispondo de maneira rudimentar suas informações em um anúncio preto e branco, acompanhado de uma imagem esquemática ou sem nenhuma imagem (VERHAGEN, 2001). Antes do processo da litografia emergir em meados do século XIX — técnica que permite ao artista desenhar diretamente sobre a pedra que serve de matriz, possibilitando atingir diversos resultados visuais, dos quais os mais relevantes foram a obtenção de tons coloridos através da densidade das tintas e as variações de contraste, modulações, dentre outros aspectos estéticos — existiam barreiras que limitavam a produção de cartazes. 16 Segundo Silva (2011, p. 26), inicialmente os cartazes eram produzidos pelo processo de tipografia, onde se utilizava apenas tinta preta na impressão de diferentes tipos, que frequentemente acabavam por ocupar todo o espaço da folha. Além da impressão de tipos, Silva ressalta que para imprimir ilustrações nos cartazes eram utilizadas xilogravuras. Sobre esse processo de produção de cartazes que antecede o emprego de práticas litográficas, pode-se afirmar que: Eventuais ilustrações eram obtidas pelo emprego da xilogravura, o que impunha uma série de limitações, tanto técnicas como estéticas, pois além da matriz de madeira não permitir grandes tiragens e impor enormes dificuldades para impressão a cores, a sua confecção ficava a cargo de técnicos especializados, alijando, portanto, o artista dos procedimentos de produção dos cartazes. (SILVA, 2011, p. 26). A partir da concepção dessa nova modalidade técnica de produção e reprodução de imagens, os ateliês começaram a aplicar o manuseio da litografia em suas atividades, tais como: edição de partituras musicais, estampagem de tecidos e papéis decorativos e confecção de cartazes a cores. Podemos atribuir esse último feito a um francês que é considerado o pai do cartaz publicitário moderno: Jules Chéret. Pioneiro na “conciliação entre as possibilidades oferecidas pela litografia a cores com as necessidades inerentes à comunicação de massa na realização de cartazes [...]” (Ibid., p. 27), Chéret logo se tornou um nome conhecido devido aos seus esforços na disseminação dessa nova modalidade artística. A funcionalidade estética incorporada nessa unidade de comunicação conferiu um valor de sofisticação que anteriormente era inexistente. Verhagen (2001, p. 127) afirma que em meados da década de 1880, cartazes estavam sendo arrancados dos muros parisienses para se tornarem itens na coleção de estetas, além de estarem recebendo comentários elogiosos por críticos de arte. Conforme suas produções gráficas foram se popularizando pelas ruas da Paris fim-de-século, o litógrafo alcançou uma posição de relevância no contexto histórico-cultural das décadas iniciais da Terceira República Francesa. Adiante, iria consolidar seu legado na história das artes gráficas e da publicidade com o aprimoramento de um dos recursos midiáticos mais emblemáticos da comunicação impressa. Enquanto Chéret ganhava notoriedade no movimento pós-impressionista, onde viria a se tornar um dos expoentes da arte em cartazes no auge da Belle Époque, uma figura feminina fruto de sua criação triunfava perante o público, que passou a dividir tanto olhares de admiração como de indignação para 17 ela. Essa personagem comum entre suas criações foi convenientemente apelidada de chérrete (SILVA, 2011, p. 27). Figura 1 - Cartazes de Jules Chéret. Fonte: www.allposters.com. Acesso em 27/03/2021. Sobre as características dessa figura, Marcus Verhagen a descreve com detalhes, explicitando seu apelo sexual e o que viria a ser uma nova manobra publicitária utilizando a arte ao seu serviço: Ela era iluminada por baixo, como uma atriz que se postava no brilho intenso das luzes da ribalta, mas dispensava o palco, pairando inquieta contra o fundo. Suas pernas não carregavam o peso do seu corpo e, ousadamente descobertas, dançavam no ar [...]. Em sua atuação, as maquinações do mundo do entretenimento eram combinadas às artimanhas do artista, que a retocava e acentuava sua exposição sexual ao mesmo tempo em que a afastava para uma zona indefinida acima e além de seu perímetro usual. Irrequieta e provocante, a chérette era uma figura de despudorado convite ao sexo, mas sua suspensão enfraquecia a corporalidade da sua presença e removia sua pantomima de desejo para o reino da fantasia. (VERHAGEN, 2001, p. 127-129). As chérretes esbanjavam alegria em seus risos. As posições dançantes em que elas eram retratadas serviam como um convite ao divertimento proporcionado pelos eventos realizados em lugares como casas de lazer, cafés-concerto, music-halls e teatros. Talvez essa tenha sido uma das maiores contribuições para que a publicidade desse seu passo definitivo ao mundo moderno. Entretanto, é imprescindível questionar acerca do abuso dessa encarnação estereotipada. Enquanto Chéret era admirado e saudado por ser um artista visionário, responsável por elevar o cartaz ao status de grande arte, parte da população via suas obras como um vetor de propagação da promiscuidade. Ao assumir essa representação pictórica da http://www.allposters.com 18 realidade em suas criações, Chéret se aproximava mais da esfera etérea e surrealista ao ilustrar suas “mulheres de rosto infanto-juvenil ostentando um sorriso encantador, associado a um corpo de formas perfeitas insinuadas sob vestes sumárias, transparentes e esvoaçantes”, como diz Silva (2011, p. 29). Nesse mesmo período histórico, um bairro localizado no alto de uma colina ao norte de Paris, chamado Montmartre, despertou a atenção da classe média francesa por receber diversos artistas, filósofos, escritores e intelectuais enquanto passava por um processo de urbanização, deixando de ser uma vila rural distante da capital para se transformar numa comunidade boêmia que desfrutava a vida noturna frequentando os cabarés mais populares da França, em especial o Moulin Rouge. Sobre esse avanço cultural, Verhagen (2001) esclarece em seu comentário a contribuição que a classe boêmia de Montmartre em conjunto com os empresários do entretenimento trouxeram para o âmbito publicitário, consequentemente influenciando na funcionalidade dos cartazes. A boêmia proporcionou um campo de teste e um conjunto de talentos para o negócio da publicidade. No processo, também consolidou sua aliança com os magnatas da indústria do entretenimento. O produto mais notável dessa aliançafoi o Moulin Rouge, que estava localizado ao pé da colina. Ele era dirigido por Oller e Zidler, que empregaram Chéret, e mais tarde Toulouse-Lautrec, para seduzir os potenciais clientes com imagens de dançarinas de cancã e outras mulheres sumariamente vestidas. Eles consultavam os artistas e escritores de Montmartre sobre o projeto de construção do edifício e a organização dos shows. Esse tipo de colaboração beneficiou claramente as duas partes; pela associação com os boêmios de Montmartre, os empresários deram aos seus negócios uma camada (fina) de vanguardismo, enquanto os escritores e artistas encontraram um ambiente mais amplo para suas atividades e divertiram-se na licenciosidade que lá encontraram. O cartaz colocou-se na junção entre a boêmia e o show business, instrumentando as provocações da primeira e empregando-as na glamourização do segundo. (VERHAGEN, 2001, p. 134-135). Atraído pelo encanto das noites boêmias de Montmartre, o artista Henri de Toulouse-Lautrec se estabeleceu nesse bairro periférico durante sua juventude, após decidir auto-exilar-se de suas raízes nobres. O artista foi rejeitado por sua família em razão de sua aparência peculiar, causada por uma doença hereditária chamada osteogênese imperfeita , em6 que uma das consequências dessa enfermidade é o desenvolvimento frágil de alguns membros 6 De acordo com a doutora em Artes Patricia de Camargo (2016), Toulouse-Lautrec foi fruto de um casamento consanguíneo, circunstância que eleva a probabilidade de degradação genética, visto que essa era uma tradição familiar consistida na concentração de riquezas, além de ser uma maneira de tentar restringir ao máximo o controle dessa fortuna entre os integrantes e descendentes da linhagem burguesa. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=p2c50d6dVZA. Acesso em: 18/03/2021 https://www.youtube.com/watch?v=p2c50d6dVZA 19 do corpo, fazendo com que o pintor se assemelhasse a um anão, embora outras partes corpóreas continuassem se desenvolvendo normalmente. Evidentemente, todo o sofrimento, mágoas e frustrações carregadas ao longo da vida de Toulouse-Lautrec acabaram se tornando fundamentais na maneira como o pintor expressava seus sentimentos através da arte. Enquanto Jules Chéret parecia alimentar o imaginário masculino de forma proposital com a representação fantasiosa de suas chérretes, Toulouse-Lautrec concebia suas figuras femininas a partir de uma retratação extremamente díspar de seu antecessor. Silva (2011, p. 29) afirma que o litógrafo conseguia captar a essência das mulheres que retratava a partir de poucos elementos, tais como seus incisivos traços que demarcavam com ênfase as características mais notáveis de suas modelos, configurando assim uma economia de recursos visuais. Chéret empregava um olhar pictórico em suas criações, olhar esse que contrastava diretamente com a perspectiva fotográfica incorporada por Toulouse-Lautrec em seu estilo, uma vez que sua condição física debilitada e a melancolia moldaram sua forma de enxergar o mundo, fazendo com que ele adquirisse essa visão de espectador e a desenhasse em suas composições. Pode ser dito que a maior parte de sua obra retrata o interior das casas noturnas do bairro de Montmartre. A presença recorrente de ambientes fechados, geralmente grandes salões comportando uma multidão de frequentadores, constituídos como elementos componentes dos planos de fundo, eram comumente pintados em tons neutros a fim de não desviar o olhar do espectador para longe da figura em relevância. Em alguns de seus cartazes, como pode ser visto na figura 2, as modelos foram desenhadas em um plano secundário. Entretanto, essa representação não inferioriza o grau de importância das figuras exibidas, porque o artista sempre conseguia direcionar a atenção do público ao utilizar cores vívidas, fortes e contrastantes nas vestes das bailarinas, atrizes e demais mulheres que costumava ilustrar. Combinado ao uso da cor de destaque, outro recurso eficiente na condução do foco era a dinamicidade do movimento, expressado através de “linhas fluidas e serpenteantes, transmitindo a sensação de agilidade, leveza e elegância.” (SILVA, 2011, p. 30). 20 Figura 2 - Cartazes de Henri de Toulouse-Lautrec. Fonte: www.allposters.com. Acesso em 27/03/2021. Ainda elucidando o legado de Toulouse-Lautrec, Silva (2011, p. 32) conclui que o artista se destacou na confecção dos cartazes litográficos por conseguir transpor elementos plásticos inovadores das tendências artísticas de sua época, ao mesmo tempo que apontava7 para as transformações sofridas na figuração humana com o avanço da modernização da arte. Nesse sentido, percebe-se uma ruptura com o estilo exercido nas peças de Chéret que, apesar de serem consideradas um marco publicitário, ainda mantinham vínculos com o passado, visto que as representações humanas guardavam resquícios do estilo rococó, ao contrário das figuras de seu sucessor, que exalavam modernidade. O trabalho de Toulouse-Lautrec não só revolucionou o modo de se fazer publicidade como ajudou a definir o estilo dos projetos gráficos que estamos habituados a apreciar na era pós-moderna. Esse estilo, posteriormente definido como Art Nouveau , iria popularizar o8 cartaz publicitário como ferramenta comercial e de valor artístico, propiciando o encontro de áreas que até então pareciam seguir trajetórias isoladas. Outros artistas como Alfons Maria Mucha, Eugéne Grasset e Théophile Alexander Steinlen também foram considerados 8Estilo artístico originário da França na década de 1890 que alcançou proporções internacionais e atingiu diversos setores artísticos como, por exemplo, arquitetura, design, arte decorativa, artes gráficas e artes mobiliárias. Prevaleceu em destaque nas concepções artísticas até o final da década de 1920. Disponível em: https://www.suapesquisa.com/artesliteratura/art_nouveau.htm. Acesso em: 20/03/2021. 7Segundo Silva, os principais elementos artísticos utilizados nas obras de Toulouse-Lautrec eram o sintetismo, o uso de cores puras, o olhar subjetivo, o japonismo e o enquadramento fotográfico. Chéret X Lautrec: Tradição e Modernidade na Arte do Cartaz. Revista Educação Gráfica, Bauru, Vol.15, nº 03, 2011, p. 32. http://www.allposters.com https://www.suapesquisa.com/artesliteratura/art_nouveau.htm 21 pioneiros e pais do design gráfico, influenciados por Chéret e partilhando do estilo de Toulouse-Lautrec na incumbência de atribuir senso estético na divulgação dos espetáculos, concertos e outros produtos culturais de massa que eram tendência no final do século XIX. Figura 3 - Cartazes, da esquerda para direita, de Mucha, Grasset e Steinlen. Fonte: www.allposters.com. Acesso em 27/03/2021. 2.2 Concepção e Funções Constatamos anteriormente sobre a transformação da linguagem veiculada nos anúncios e cartazes, tanto quanto seus efeitos definitivos no rumo da publicidade. Antes de delimitar o objeto de estudo do trabalho presente, é imprescindível trazer alguns conceitos e explorar a versatilidade e funcionalidade dessa unidade comunicativa. Para isso, foram selecionados artigos acadêmicos, teses e dissertações que abordavam a mesma temática a fim de encontrar os principais teóricos deste meio de comunicação. Como resultado dessa coleta bibliográfica, um denominador comum prevalece e se apresenta como um autor clássico para os estudos da área. Abraham Moles, professor de comunicação francês, engajou sua noção acerca do cartaz publicitário em preceitos behavioristas, reforçando a visão do cartaz enquanto uma unidade estímulo-persuasiva (QUINTANA, 1995, p. 9). Ainda que para os dias atuais essa noção abordada por Moles seja considerada limitante, trazê-la como um conceito pioneiro que fundamentou discussões sobre comunicação visual se faz pertinente para compreender o pensamento norteador que formava os cartazistas daquela época. Como menciona Quintana http://www.allposters.com 22 (1995, p. 12), o livro L'affiche dans la société urbaine — escrito por Abraham Moles,editado em 1969, traduzido para o português cinco anos depois com o título abreviado para O Cartaz — debate a problemática referida aos cartazes pelo ponto de vista psicossocial. O autor pondera sobre o principal objetivo de sua obra no seu capítulo inicial, afirmando que ela se propõe a ser “uma introdução a uma das perspectivas essenciais da psicologia e da sociologia que são os estudos de motivações e de publicidade” (MOLES, 1974, p. 13). Considerando que o sentido de “motivação” está diretamente associado a certos aspectos comportamentais, uma vez que reflexos respondem às forças ambientais e são dirigidos por elas através do condicionamento , nota-se a aplicabilidade desse fundamento em9 nosso objeto de estudo na abordagem de Moles. Sobre a perspectiva do teórico clássico quanto ao caráter motivacional do cartaz, Quintana conclui em seu comentário: O cartaz, ao construir reflexos condicionados, teria o mesmo estatuto da célebre campainha de Pavlov - para Moles o cartaz é um estímulo - e o espectador seria um autômato comportado, de conformidade aos conceitos de Watson. Neste sentido, a abordagem de Moles é notadamente behaviorista. (QUINTANA, 1995, p. 12). Compreendida uma das faces dos cartazes por meio do ponto de vista psicológico comportamental, faz-se aqui relevante também, a título de resgate histórico, a necessidade de demonstrar de que maneira suas funcionalidades foram atribuídas naquela época e se essas definições permanecem válidas até hoje. Antes de prosseguir com a enunciação das seis funções descritas por Abraham Moles, reafirmamos a perspectiva psicossocial da obra analisada, enfatizando seu teor sociológico quando o autor delimita seu estudo numa sociedade de consumo, onde o cartaz adquire vários papéis enquanto se consolida como um icônico suporte de imagens dos centros urbanos. De início, a primeira função concedida carrega um aspecto primordial dessa unidade comunicativa. A função informativa é tida como um ponto de partida para as demais características que se sucedem. Ela explora o poder do anúncio, o “cartaz anunciador” (MOLES, 1974, p. 53), sua eficácia em divulgar um produto ou serviço, além das especificações que variam conforme a necessidade ou desejo do anunciante, seja o preço, onde comprar ou os diferenciais, por exemplo. Nota-se nesse quesito a prevalência de um papel essencial como mídia: o semântico e didático. 9 Explicação baseada nos conceitos da Psicologia Mecanicista, principal área de pesquisa do psicólogo clássico e behaviorista John B. Watson. WOLFF, Werner. Fundamentos de psicologia. São Paulo: Mestre Jou, 1976. p. 351. 23 A segunda função diz respeito ao papel de propaganda e publicidade que o formato exerce nas cidades. O autor fala que, nessa função, o cartaz opera como “instrumento para convencer ou para seduzir, a argumentação, cuja relativa pobreza vimos não passa, com efeito, de um meio de sedução ou persuasão” (Ibid., p. 53). Este critério se aproxima da categoria de cartazes que analisaremos neste trabalho, visto que o cinema busca atrair os espectadores com a expressividade intrínseca dos pôsteres de filmes. Consequentemente, surge dessa relação um valor estético que passa a ser implementado. A terceira função se distingue um pouco da esfera cultural que até o momento vinha sendo enfatizada. Estamos falando da função educadora, em que o cartaz serve de instrumento de aprendizado dentro da sociedade urbana, obedecendo a mecânica comunicacional entre o organismo e a massa. Nessa transmissão de informações provenientes de um suporte de imagens, o autor considera o cartaz como um dos meios mais poderosos se tratando da autodidaxia: tipo de aprendizado que é realizado sem um mestre, ou, nas palavras de Moles: “autoformação do indivíduo pela contemplação” (Ibid., p. 54). A função da ambiência é a quarta função apresentada na obra. Dentre todas, essa é a que mais se distancia das características inatas ao nosso objeto de estudo. Por muito tempo, o cartaz foi visto como um anúncio de expressividade gráfica restrita, essa visão limitante postergou a descoberta de seu caráter urbanístico. A potencialidade de paisagem urbana do cartaz recai mais na responsabilidade e conscientização dos difusores e urbanistas do que nos cartazistas em si, tendo em vista que sem um direcionamento prévio é improvável que o resultado adeque-se ao local de fixação, uma vez que, segundo Moles (1974, p. 55), os cartazes não obedecem a nenhuma orientação preestabelecida. A próxima função faz-se a mais significativa para o desdobramento deste trabalho. A quinta funcionalidade abordada em O Cartaz é a estética. A sugestão, diferente da divulgação, evoca imagens do subconsciente que por sua vez sobrepõe o campo semântico através das várias conotações recordadas, cuja constituição resulta num campo estético. O ímpeto em agradar permite que o valor estético ultrapasse a significação, tornando esse campo favorável para exploração criativa do artista. No que se refere à capacidade artística gerada pelo motivo estético, o autor ressalta: O jogo das cores e das formas, o jogo das palavras e das imagens, o contraste e a suavidade, são fatores onde se exerce sua função artística. Um cartaz pode, pela beleza, desempenhar, em relação à massa social um outro papel além daquilo que ele 24 tem a dizer. O indivíduo pode recusar o seu sentido e aceitar o seu valor, o cartaz enfeita a cidade ou a enfeia, mas, por isso mesmo, a faz sair do estrito campo semântico. Percebe-se bem isso quando se passa de uma cidade com cartazes para uma cidade sem eles, de Berlim Ocidental a Berlim Oriental, de Lublin a Barcelona. (MOLES, 1974, p. 55-56). Sobretudo, é essa dimensão estética que será abordada de maneira mais detalhada ao se explorar os elementos visuais componentes de dois cartazes de cinema — dos filmes Hereditário e Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, ambos do diretor Ari Aster — no último capítulo desta monografia. A sexta e última função é a criadora. Reforçando seu lugar de mecanismo publicitário dentro do sistema capitalista, o cartaz não apenas desperta a criação do desejo na sociedade consumidora como também o transforma em necessidade a fim de manter o mecanismo de consumo ativo. Para além da alienação provocada nos cidadãos, essa função torna possível também o desenvolvimento artístico do cartaz. Sobretudo, é ela que nos consente a atentar para a relação entre o ofício dos designers gráficos, cartazistas e quaisquer outros comunicadores visuais com os valores da sociedade global. Mesmo estando certos de que na maioria das vezes o destino desses papéis tende a ser o descarte, reflexo da banalização de suas cópias e negligência dos cidadãos perante sua efemeridade, ainda assim lhes restaria um interesse e uma função que enaltece seu valor estético: “a da criação artística absoluta, a que os torna objetos de coleções nas iconotecas da cultura cumulativa.” (MOLES, 1974, p. 56). Esse apanhado nos permite adentrar nas relações que o cartaz desempenha ao permear os mais diversos campos de atuação. Ao se tomar consciência dos processos que aprimoraram tanto a indústria cinematográfica quanto os veículos de reprodução técnica, podemos seguir adiante na investigação desse relacionamento entre o mundo fantasioso da sétima arte e a publicidade de mídia impressa, elo materializador da magia do cinema em peça gráfica, um convite a uma experiência escapista ou uma recordação de valor inestimável para os entusiastas do colecionismo. 2.3 Cartazes Cinematográficos Quanto ao início da relação cinema-publicidade, não é equivocado dizer que tanto os cartazes contemporâneos quanto as primeiras películas do cinematógrafo tiveram sua gênese num período histórico propício ao desenvolvimento técnico em larga escala. Por essa razão, não demorou muito até que os dois domínios se encontrassem, momento-chave protagonizado 25 pelos litógrafos Henri Brispot e Marcellin Auzolle, responsáveis por conceber os primeiros cartazesa promover o que até então era a representação mais fidedigna da realidade que o mundo haveria de contemplar: o cinema. “Nos dias precedentes ao 28 de dezembro de 1895 os cartazeiros dos irmãos Lumière colaram nas janelas do grande Café de Paris, o que viria a ser o primeiro cartaz de cinema” (QUINTANA, 1995, p. 29). O cartaz ao qual Quintana (1995) se refere não evidenciava nenhum filme em sua composição, ele foi criado para comunicar ao público a chegada de uma nova invenção humana, o Cinématographe Lumière. De acordo com as informações trazidas por Cardoso (2018), a peça publicitária assinada por Brispot anunciava a primeira sessão comercial de cinema dos Lumière. A sessão múltipla consistia na exibição de dez curtos filmes dos irmãos, cada um contendo cerca de 50 segundos de duração, realizada numa sala fechada com uma tela branca estendida, similar aos dias de hoje. Faziam parte do cartaz figuras humanas como damas, cavalheiros, crianças e um oficial de polícia impedindo a passagem de um sacerdote, demonstração clara de que a projeção destinava-se ao público mais abastado “(burgueses, militares, crianças), garantindo com isso a moralidade do espetáculo”, como conclui Quintana (1995, p. 29). Entretanto, segundo Cardoso (2018), a imagem não condiz fielmente com o que aconteceu naquela noite, que apesar do espetáculo ter atraído muitas pessoas, não conseguiu ocupar nem a metade dos lugares disponíveis.10 O contato desses espectadores com a primeira experiência cinematográfica provocou reações que iam de desconfiança ao medo. Embora essa sensação de espanto fosse a mais recorrente na plateia, surgia juntamente com ela o fascínio, a curiosidade e a aprovação, suficientes para arrastar milhares de parisienses que haveriam de lotar as próximas sessões, estruturando o alicerce de uma nova indústria, originando novos serviços e consolidando uma nova arte. Alguns meses mais tarde, o interesse da população e o reconhecimento por parte da imprensa conduziram o avanço da sétima arte e consequentemente influenciaram na sua representação publicitária. Se até então os cartazes limitavam-se a exaltar a qualidade das projeções e evidenciar a tecnologia recém-inventada, Auzolle inovaria na composição gráfica dos cartazes ao ilustrar a cena do curta L'Arroseur Arrosé sendo exibida numa sessão dos 10 Segundo Cardoso (2018), 33 lugares dos 100 disponíveis foram ocupados na primeira exibição dos irmãos Lumière. 26 irmãos Lumière. A segunda litografia da figura 4 se distingue de suas antecessoras por ser o primeiro cartaz da história dedicado a promover um filme individualmente.11 Figura 4 - Primeiros cartazes de cinema, peças de Brispot e Auzolle, respectivamente. Fonte: www.allposters.com. Acesso em 08/04/2021. Nas décadas que sucedem-se é notável o aprimoramento das técnicas de design, assim como da beleza estética na composição dos cartazes. Ao incluírem elementos referentes aos filmes em seus trabalhos, os cartazistas possuíam expressiva liberdade criativa para experimentar diversos estilos e conceitos enquanto concebiam ilustrações e tipografias aliados a maneiras diferentes de distribuir esses elementos dentro do cartaz. Acerca da busca contínua pelo impacto visual mais eficaz, pode-se atestar que: Dispor dos elementos gráficos de origem verbal e visual é fundamental para a criação de uma peça cuja mensagem esteja dispersa ao longo de toda a composição e possa ser interpretada pelo espectador quando este analisar as partes isoladas que a compõem ou o layout completo. (PEREIRA, 2017, p. 52). A indústria cinematográfica logo percebeu a importância que uma peça gráfica bem desenvolvida exerce sobre o público ao qual destina-se o filme retratado. O domínio das práticas do design — que dizem respeito aos elementos visuais como: cor, textura, tipografia, diagramação e outros recursos técnicos que iremos abordar no capítulo de análise deste 11 Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/L%27Arroseur_Arros%C3%A9#cite_note-autogenerated2-5. Acesso em: 09/04/2021 http://www.allposters.com https://en.wikipedia.org/wiki/L%27Arroseur_Arros%C3%A9#cite_note-autogenerated2-5 27 trabalho — é imprescindível para a obtenção de um resultado coerente e eficaz ao conferir força representacional em qualquer projeto gráfico. Conforme o cinema organizava-se estruturalmente tentando encontrar um estilo narrativo capaz de estreitar sua relação com a audiência, o forte vínculo entre o cartaz e a sétima arte foi se estabelecendo enquanto ela era difundida mundo afora (NOGUEIRA, 2017). Até chegar na década de 1940, “o cinema já era o mais importante meio de comunicação de massa, e o cartaz, sua principal forma de divulgação”, de acordo com Nogueira (2017 apud FONSECA, 1995). Com o decorrer do tempo, a produção de cartazes foi evoluindo e estimulando o descobrimento de horizontes inéditos da linguagem gráfica, influenciando a linguagem cinematográfica e também sendo influenciado por ela. Na medida em que o cartaz inova trazendo novos recursos visuais na representação de elementos fílmicos dentro dos seus respectivos gêneros, o produto final torna-se atrativo e gera identificação com o público ao qual se destina. Para exemplificar esse aprimoramento estético, podemos observar as figuras 5 a 6, que mostram o avanço das técnicas gráficas utilizadas nos cartazes de filmes de terror. Figura 5 - Cartazes das décadas de 1920, 1930, 1940, 1950 e 1960, respectivamente. Fonte: https://www.themoviedb.org/. Acesso em 10/04/2021. De acordo com o depoimento do diretor Joe Dante (2017), exibido no documentário 24x36: A Movie About Movie Posters, frequentemente o design de cartazes fílmicos da década de 1950 costumava ser mais empolgante que os filmes em questão. Percebe-se então que por um período houve um desenvolvimento mais acelerado por parte da linguagem visual dos cartazes do que nos recursos audiovisuais das películas. https://www.themoviedb.org/ 28 Figura 6 - Cartazes das décadas de 1970, 1980, 1990, 2000 e 2010, respectivamente. Fonte: https://www.themoviedb.org/. Acesso em 10/04/2021. Diante da importância que os cartazes adquiriram ao longo do século XX, não demorou para que muitos artistas se tornassem profissionais na arte de ilustrar peças publicitárias de filmes. Entretanto, de acordo com o depoimento de Mike Orlando (2017) ao documentário supracitado, esse ofício só passou a ser formalizado e gerar reconhecimento aos cartazistas em meados da década de 1960. Apesar de terem garantido essa conquista tardia, a qual abriu muitas portas e viabilizou o fechamento de contratos com os grandes estúdios de Hollywood, os artistas precisavam contentar-se com o anonimato. Segundo a curadora Leslie Combemale (2017), em entrevista para o documentário, era recorrente que os estúdios proibissem a assinatura nas peças de divulgação dos filmes, portanto, desejava-se que esses artistas fossem pessoas capazes de se destituir do ego, porque estúdios e firmas de design contratantes não queriam que eles levassem o mérito, o que muitas vezes motivou John Alvin e outros artistas a camuflarem seus sobrenomes nas artes dos cartazes de autoria própria. Certamente o pouco reconhecimento não interferiu no estilo transparecido por cada um desses artistas. A dedicação em representar — seja na essência minimalista e geométrica de Saul Bass ou na riqueza de elementos e detalhes em profusão de Amsel e Struzan — o caráter cinematográfico individual dos filmes imortalizou no imaginário cultural cartazes icônicos como mostram as figuras 7 e 8. https://www.themoviedb.org/ 29 Figura 7 - Cartazes de Saul Bass, Robert Peak e John Alvin, respectivamente. Fonte: https://www.themoviedb.org/. Acesso em 10/04/2021. Figura 8 - Cartazes de Roger Kastel, Richard Amsel e Drew Struzan, respectivamente. Fonte: https://www.themoviedb.org/. Acesso em 10/04/2021. 2.4 Cabeças Flutuantes, Dama em Vermelho e outros Clichês No subcapítulo anterior observamos que os cartazes de filmes, neste casoos hollywoodianos, sofreram várias influências em seus estilos artísticos conforme o decurso dos anos. A mais perceptível de todas é o abandono das ilustrações e pinturas, por volta da década de 1990, para dar lugar ao uso majoritário de fotomontagens, técnica já conhecida entre os artistas mas que se tornou popular em decorrência do aperfeiçoamento de softwares de https://www.themoviedb.org/ https://www.themoviedb.org/ 30 pós-processamento de imagens, destacando aquele que é um dos mais conhecidos, tanto pelos profissionais da área de edição gráfica quanto pelo público geral: o Adobe Photoshop. Sobre o surgimento de fórmulas que passaram a padronizar, intencionalmente ou não, os cartazes cinematográficos no final do século XX, devemos levar em consideração que o crescimento em volta do culto às celebridades de cinema contribuiu para que os atores e produtores detivessem maior poder sobre a indústria do entretenimento. Consequentemente, as principais mudanças percebidas nos pôsteres dizem respeito ao maior favorecimento das figuras dos astros em relação aos demais elementos da composição. O advento tecnológico dos softwares de edição de imagens aprimorou de fato as ferramentas do design gráfico, permitindo que, através da então nova arte digital, os estúdios de cinema pudessem criar cartazes de maneira mais prática e ágil ao passo que se aproveitava o realismo da fotografia. Entretanto, tamanha facilidade para se criar cartazes passou a dar lugar para um comodismo cada vez mais notável (VALAREZO, 2017). Para além das questões de culto às celebridades e do aperfeiçoamento técnico, a especialista em marketing Susan Curran (2017) observa que o exercício contemplativo diante dos pôsteres foi se extinguindo. Atualmente não é tão comum estar de frente a um cartaz impresso apenas para apreciá-lo, reparando em diferentes partes dele, estudando seus detalhes, refletindo acerca de seus aspectos estéticos e sobre as sensações evocadas por ele. Com base nos pensamentos de Curran (2017), essa perda da contemplação é influenciada pelas interfaces dos streamings de filmes, que em sua grande maioria dispõem os cartazes de maneira pequena, buscando um padrão adequado para diferentes plataformas de exibição (Smart TV, tablet, notebook, smartphone). Portanto, existe uma maior dificuldade por parte dos artistas em criar cartazes que sejam atrativos o suficiente para serem absorvidos em questão de segundos pelos espectadores e assim despertarem interesse pelo filme. O conjunto de fatores apresentados neste subcapítulo tenta esclarecer como a indústria do entretenimento induz a padronização de fórmulas replicadas constantemente por cartazes dentro de gêneros específicos. Foi observando esses estereótipos que Christophe Courtois, um distribuidor de filmes francês, elaborou colagens de cartazes que se assemelhavam 31 esteticamente e as publicou em seu blog (PARIZOTTO, 2012). Ademais podemos examinar, das figuras 9 a 14, alguns clichês identificados por Courtois e outros a escolha do autor.12 Figura 9 - Clichê 1: Cabeças flutuantes. Fonte: https://www.themoviedb.org/. Acesso em 11/04/2021. Figura 10 - Clichê 2: Dama em vermelho. Fonte: https://www.themoviedb.org/. Acesso em 11/04/2021. Figura 11 - Clichê 3: Contraste Azul/Laranja. 12 Clichês visuais são fórmulas imagéticas utilizadas de forma recorrente com intuito de estabelecer um padrão estético a ser seguido por uma determinada vertente, seja um gênero cinematográfico ou uma modalidade de divulgação, por exemplo. https://www.themoviedb.org/ https://www.themoviedb.org/ 32 Fonte: https://www.themoviedb.org/. Acesso em 11/04/2021. Figura 12 - Clichê 4: Grande olho. Fonte: https://www.themoviedb.org/. Acesso em 11/04/2021. Figura 13 - Clichê 5: Dupla de costas um para o outro. Fonte: https://www.themoviedb.org/. Acesso em 11/04/2021. Figura 14 - Um solitário de costas para o público. Fonte: https://www.themoviedb.org/. Acesso em 10/04/2021. https://www.themoviedb.org/ https://www.themoviedb.org/ https://www.themoviedb.org/ https://www.themoviedb.org/ 33 3 ANÁLISE GRÁFICA DOS CARTAZES 3.1 Estrutura Metodológica De acordo com Ciribelli (2003, p. 30), entende-se metodologia como sendo o “estudo de normas gerais que facilitam a pesquisa de qualquer ramo do conhecimento”. A autora define Metodologia como a “operacionalização, sistematização e racionalização do método por processos e técnicas que se valem do ajuste da Pesquisa, para realizar uma intervenção na realidade”. (Ibid., 2003, p. 31). Com base no conceito supracitado foi possível compreender a necessidade de se definir componentes fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa deste trabalho. Sendo assim, antes de explorarmos os critérios analíticos e consequentemente partir para a análise propriamente dita, é preciso abordar as definições da pesquisa em seu tipo, abordagem, objetivo e método que propiciaram tanto construção quanto análise e conclusões sobre o objeto de estudo que são as mídias impressas, especificamente os cartazes de filmes do gênero de terror. A essência deste trabalho encontra-se no seu caráter bibliográfico e analítico, tendo em vista a importância de apresentar informações relevantes sobre as áreas do design e do cinema a partir da relação estética e visual entre essas esferas artísticas quando encontram um elo publicitário nos artefatos gráficos (pôsteres) a serem analisados posteriormente. Definimos o método comparativo para prosseguir com a análise dos objetos de estudo por ser “um método que realiza comparações, com a finalidade de verificar similitudes e explicar divergências”, conforme descrito por Lakatos (2010, p. 89); sendo utilizado com o intuito de evidenciar as semelhanças e diferenças predominantes nos cartazes analisados através da comparação entre as peças gráficas componentes da amostra. Portanto, trata-se de uma pesquisa de natureza analítica, de abordagem qualitativa com caráter descritivo, realizada por meio de um procedimento comparativo. Qualitativa com caráter descritivo pois considera-se a existência de uma relação entre o mundo e o sujeito para além daquela esboçada em números, conforme pode ser constatado na afirmação de Antonio Carlos Gil: A análise dos dados nas pesquisas experimentais e nos levantamentos é essencialmente quantitativa. O mesmo não ocorre, no entanto, com as pesquisas definidas como estudos de campo, estudos de caso, pesquisa-ação ou pesquisa participante. Nestas, os procedimentos analíticos são principalmente de natureza 34 qualitativa. E, ao contrário do que ocorre nas pesquisas experimentais e levantamentos em que os procedimentos analíticos podem ser definidos previamente, não há fórmulas ou receitas predefinidas para orientar os pesquisadores. Assim, a análise dos dados na pesquisa qualitativa passa a depender muito da capacidade e do estilo do pesquisador. (GIL, 2008, p. 175). O objetivo descritivo desta pesquisa está em apresentar informações fundamentadas na análise de um seleto número de peças gráficas; sua maior representatividade encontra-se na profusão de informações provenientes dos elementos visuais que cada uma das peças gráficas detém, e não necessariamente na quantidade examinada. Tratando-se da leitura de mensagens visuais, utilizaremos a metodologia de análise de imagens, conforme os fundamentos postulados por Martine Joly (2012), que nos permitirá fazer uma investigação mais consciente acerca das significações que constituem os principais cartazes publicitários dos filmes dirigidos por Ari Aster. A aplicação do método em questão dá-se ao começar pela identificação de significados para encontrar significantes, e portanto, os signos que compõem as peças de divulgação selecionadas para análise (JOLY, 2012).13 A identificação desses signos divide-se em três modalidades que serão abordadas de maneira mais minuciosa no próximo subcapítulo. São elas: a mensagem plástica, a mensagem icônica e a mensagem linguística. Cada mensagem trazconsigo elementos visuais que foram elegidos de acordo com seu grau de relevância dentro do escopo de cartazes de filmes de terror. Espera-se que grande parte das informações obtidas por meio da construção dessa pesquisa possibilitem uma compreensão mais ampla sobre os saberes da linguagem visual para a área da publicidade, mais precisamente no âmbito da direção de arte. 3.2 Elementos da Linguagem Visual Para darmos inicio a análise dos cartazes principais dos filmes Hereditário e Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, ambos escritos e realizados pelo diretor estadunidense Ari Aster, começaremos pela seleção dos elementos visuais que aqui se mostram fundamentais ao estabelecerem uma relação de proximidade com o objeto de pesquisa (cartazes cinematográficos do gênero terror). Compreenderemos a seguir como 13 Para Santaella, “o signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele. Ora, o signo não é o objeto. Ele apenas está no lugar do objeto. Portanto, ele só pode representar esse objeto de um certo modo e numa certa capacidade.” (SANTAELLA, 1996, p. 58). 35 operam as três instâncias componentes da mensagem visual antes de prosseguirmos de fato para a análise gráfica. 3.2.1 Mensagem Plástica Dentre os signos visuais que constituem uma mensagem visual, destacam-se os signos plásticos. É importante perceber que, embora à primeira vista pareçam desempenhar a mesma função, há distinção entre os signos plásticos e os signos icônicos. Acerca dessa diferenciação, Joly (2012, p. 92) afirma que os elementos plásticos das imagens, tais como cores, formas, composição e textura, por exemplo, são signos plenos e completos e não apenas simples material de expressão dos signos figurativos (icônicos). Com base nessa distinção é possível “detectar que uma parte da significação da mensagem visual é determinada pelas escolhas plásticas e não unicamente pelos signos icônicos analógicos” (Ibid., p. 93). Em razão disso, escolhemos como ponto de partida para nossa análise começar pela interpretação das ferramentas plásticas ao invés dos signos icônicos, “cuja designação já domina necessariamente a descrição verbal” (Ibid., p. 93). Em seu exemplo de análise de uma publicidade para roupas da Marlboro Classics no livro Introdução à Análise da Imagem, a autora criou uma tabela para facilitar a descrição dos aspectos plásticos, separando-os em significantes plásticos e significados (no exemplo em questão separados por páginas, visto que a peça gráfica trata-se de um anúncio de página dupla). De acordo com a tabela, identificamos a presença de dez elementos plásticos que lá fazem-se pertinentes para análise imagética da propaganda, são eles: quadro, enquadramento, ângulo da tomada, escolha da objetiva, composição, formas, dimensões, cores, iluminação e textura. No caso desta monografia, foram escolhidos quatro desses significantes plásticos a critério de relevância para o tipo de imagem que será analisada. Sendo assim, nos apropriamos dos elementos: enquadramento, cores, iluminação e textura; a fim de condensá-los em quatro grandes categorias. Algumas definições de outros autores que são referências na área do design gráfico sustentarão os pontos levantados em cada elemento componente da estrutura visual em análise. Quando abordarmos o recurso enquadramento utilizaremos como apoio a obra das autoras Ellen Lupton e Jennifer Cole Phillips conhecida como Novos Fundamentos do Design (2008), que permitirá um maior aprofundamento sobre como esse elemento é usado nos 36 cartazes. Para as cores utilizaremos o livro da escritora alemã Eva Heller intitulado nacionalmente de A Psicologia das Cores (2012), em que a autora dedica-se a explorar como os efeitos causados pelas cores influenciam nas emoções e como há uma racionalidade por trás da escolha de cada uma delas. Com relação à iluminação, assim como outros elementos ao decorrer desta análise, continuaremos fundamentando a ótica pelo viés descritivo de Martine Joly (2012) na já citada obra. E para o último elemento plástico escolhido, utilizaremos uma leitura clássica da comunicóloga Donis A. Dondis, Sintaxe da Linguagem Visual (2003), que se aprofunda no recurso da textura, cujo uso demarca uma forte representação da atmosfera do gênero fílmico explorado. 3.2.2 Mensagem Icônica Após compreendida a diferenciação entre mensagem plástica e mensagem icônica, poderemos adentrar nos elementos que podem ser descritos verbalmente quando observa-se a estrutura visual do cartaz quando tratamos das figuras que remetem a natureza dos dois filmes. Esses elementos são chamados de significantes icônicos. Joly (2012, p. 104) comenta sobre essas figuras, evidenciando a razão de estarem presentes na composição por algo mais do que eles próprios, pelas conotações que cada um evoca. O principal propósito desses significantes é então representar figurativamente componentes presentes nos cartazes que servem de elementos alusivos à narrativa da película, como também compreender a representação desses elementos para além dos cartazes. 3.2.3 Mensagem Linguística Nesse tipo de mensagem vale ressaltar a relação de complementaridade entre imagem e linguagem. Faz-se necessário apresentar o comentário de Joly expressando sua opinião diante da falsa oposição entre elas: (...) como a oposição imagem/linguagem é uma falsa oposição, uma vez que a linguagem não apenas participa da construção da mensagem visual, como a substitui e até a completa em uma circularidade ao mesmo tempo reflexiva e criadora. (JOLY, 2012, p. 11). “A mensagem linguística é determinante na interpretação de uma ‘imagem’ em seu conjunto” (Ibid., p. 108). Aqui veremos que ela pode dividir-se em até quatro partes: o título 37 do filme, o slogan, as linhas de destaque acima do título e a massa textual que compõe o terço inferior do cartaz, creditando os principais envolvidos na realização do longa-metragem. Utilizaremos novamente a autora Ellen Lupton ao analisarmos o estilo das fontes e a maneira como elas influenciam nos elementos textuais dispostos dentro do cartaz. Para isso, o livro Pensar com Tipos (LUPTON, 2020) foi escolhido por ser uma leitura dedicada a compreender as vastas características que concedem personalidade ao texto e possibilidade de maior assimilação quando a escolha de uma fonte torna-se eficaz na transmissão de sentido aliada ao valor semântico da organização das palavras. 3.3 Análise de Cartaz: “Hereditário (2018)” 3.3.1 Contexto No dia 19 de janeiro de 2018, a A24 publicou no seu perfil oficial do Instagram e em demais redes sociais o cartaz teaser do primeiro longa-metragem roteirizado e dirigido por Ari Aster. Assim como a maioria dos cartazes dessa categoria — que optam por economizar elementos visuais a fim de deixar pistas sobre a história do filme e suscitar a curiosidade do público-alvo (FIGUEIREDO, 2011) — percebe-se a ênfase em um determinado significante icônico, aqui no caso é uma espécie de casa flutuando sobre um background sombrio. Deduz-se que a narrativa abordará a temática familiar, já que uma das escolhas gráficas foi a coloração amarela no interior da residência, buscando transmitir uma sensação de acolhimento, que contrasta diretamente com as cores frias e o vazio do lado externo. O cartaz dirige-se ao público que consome filmes de terror, e que já estão acostumados com representações visuais que fogem às fórmulas convenientes dos cartazes hollywoodianos, apesar de elementos plásticos como cores, iluminação, escala e textura denunciarem a qual gênero o filme pertence. 38 Figura 15 - Cartaz teaser do filme Hereditário (2018). Fonte: https://a24films.com/. Acesso em 10/04/2021. 3.3.2 Descrição Alguns meses depois, o estúdio divulgou o cartaz final do filme através de suas redes sociais. Percebe-se o reforço da temática familiar por parte dos significantes icônicos e linguísticos,além de consolidar a ligação com gênero de terror conforme a disposição de elementos plásticos dentro da composição. O cartaz obedece a dimensão padrão de impressão dos Estados Unidos, referentes a uma folha, 27 polegadas de comprimento por 40 polegadas de altura (686 mm x 1016 mm) , formato de retrato.14 Observa-se ocupando os terços superior e central da peça as personagens Annie Graham e Charlie Graham, respectivamente interpretadas pelas atrizes Toni Collette e Milly Shapiro. A relação familiar é percebida mais uma vez ao centralizar mãe e filha numa posição que indica hierarquia, representando a genitora acima de sua descendente. No terço inferior observa-se as duas mãos da menina apoiadas sobre a mesa e entre elas dois elementos alusivos ao filme. Na parte de baixo consta também o título do filme, composto pela tipografia e por uma figura icônica de árvore. Abaixo do título segue o slogan: “Evil runs in the family”. E por último constam os créditos dos estúdios, produtoras, atores e demais equipes que trabalharam na realização do filme. Todos esses detalhes podem ser conferidos em maior escala no Anexo A. 14 Disponível em: https://movieposters.ha.com/poster-sizes.s. Acesso em 12/04/2021 https://a24films.com/ https://movieposters.ha.com/poster-sizes.s 39 É interessante ressaltar a data de divulgação da peça, que foi publicada faltando um mês para a estreia do longa. No dia 7 de maio de 2018, o perfil da A24 escreveu a seguinte legenda que acompanha a postagem do cartaz: “New @hereditarymovie poster, just in time for Mother’s Day🐦”, evidenciado que houve uma estratégia de marketing ao escolher uma data de oportunidade — no caso em questão: o Dia das Mães — para impulsionar o alcance da publicação. Além de atrair o público por meio da estranheza com que é retratada essa relação maternal no cartaz. Figura 16 - Cartaz principal do filme Hereditário (2018). Fonte: https://a24films.com/. Acesso em 10/04/2021. 3.3.3 Enquadramento O primeiro elemento visual plástico a ser explorado dentro do cartaz traz consigo uma sensação de inadequação ao excluir parte dos rostos das personagens. Certamente foi uma decisão bem elaborada, ao contrário do que se pensa à primeira vista. Lupton (2008, p. 101) faz uma breve conceituação sobre uma das principais funções desse critério analítico ao dizer que a partir do enquadramento é que são definidas as condições para compreender uma imagem ou objeto. Ao se utilizar de um plano mais fechado, com o objetivo de gerar inquietação, na medida em que busca-se uma aproximação daqueles personagens com o espectador, notamos que esse enquadramento exprime uma proximidade forçada e incômoda. Existe um sangramento parcial da imagem quando observamos o terço superior do cartaz. A delimitação da peça ocultou parte da cabeça da personagem Annie, sugerindo que o receptor da mensagem preenchesse mentalmente a imagem seccionada. Quando trata-se de https://a24films.com/ 40 Charlie, existe também uma limitação que impede a visão completa de seu rosto, porém, nesse caso não configura uma delimitação marcada pelos limites da folha e sim por um elemento figurativo que é a mesa, a aparição em primeiro plano cobre parte da boca e o queixo da personagem. Pode-se concluir que o enquadramento parcialmente fechado pretende conferir uma maior intimidade, que aqui, de maneira intencional, não é alcançada, pois não é possível ter a visão por inteiro das faces das atrizes. Conseguimos extrair desse significante a representação de uma relação maternal um tanto quanto distante, que no filme se esclarece ao descobrirmos que um obstáculo hereditário impede a adolescente Charlie de estabelecer uma relação íntima com sua mãe e outras pessoas, embora tenha cultivado uma ligação mais forte com sua avó recém-falecida, ligação essa que esconde um lado macabro de sua ancestralidade e que contribui para desenvolver o mistério da narrativa. 3.3.4 Cores Dentre todos os significantes plásticos que se apresentam no decorrer dessa análise, as cores são as que despertam com mais facilidade o grau de identificação com o gênero fílmico de terror. Em conformidade com as convenções construídas ao longo das décadas, o cartaz exibe com predominância a cor preta em seu background. Tendo em vista as diversas conotações atribuídas ao preto na cultura ocidental, as que mais se aproximam do nosso objeto de análise são a da negação e a do mau. A primeira é tida como uma intensificação da negatividade quando acompanha outras cores em seu acorde cromático. Sobre essa característica, Heller comenta: O preto transforma todos os significados positivos de todas as cores cromáticas em seu oposto negativo. O que soa tão teórico é uma constatação elementar prática: o preto faz a diferença entre o bem e o mal, porque ele faz também a diferença entre o dia e a noite. (HELLER, 2012, p. 238). A construção da segunda sensação visual acontece quando nosso olhar se depara com figuras isoladas num cenário onde prevalece a escuridão, escolha gráfica comumente usada dentro do gênero no intuito de atingir uma atmosfera obscura, sombria e enigmática. No cartaz, o uso do preto manifesta de forma assertiva o teor maligno e sobrenatural que paira sobre a família Graham. 41 Figura 17 - Paleta de cores do cartaz do filme Hereditário (2018). Fonte: Gerada pelo site: https://coolors.co/. Acesso em 11/04/2021. As demais cores que compõem a paleta do pôster final são manipuladas para se obter um contraste médio com a escuridão que domina o plano de fundo. Para essa análise, não se faz pertinente a busca por significados vinculados às sensações comunicadas pelo azul-marinho e o verde-turquesa no cartaz, posto que, pelas tonalidades escuras e jogo de luz e sombra, eles são lidos em conjunto com o preto. Entretanto, não podemos ignorar a importância do uso dessas cores quando levamos em consideração suas posições dentro da escala cromática, onde repara-se que, no aspecto temperatura, configuram cores frias. A frieza dessas cores de contraste, e suas respectivas tonalidades, é justamente a impressão a ser transmitida ao público. Ela expressa o distanciamento presente nesse núcleo familiar, sentido discrepante quando comparado aos valores globais evocados a partir dos sentimentos relacionados à família: acolhimento, afetividade, ternura, união e cuidado, por exemplo. 3.3.5 Iluminação Para Joly (2012, p. 100), a interpretação da iluminação é antropológica, no que diz respeito à percepção cultural. Porém, parece ser mais “natural” que qualquer outra. De acordo com a autora, a relação que temos como esse signo plástico opera da seguinte maneira: De fato, a cor e a iluminação têm um efeito psicofisiológico sobre o espectador porque, “percebidas oticamente e vividas psiquicamente”, colocam o espectador em https://coolors.co/ 42 um estado que “se assemelha” ao de sua experiência primordial e fundadora das cores e da luz. (Ibid., p. 100) A iluminação no cartaz incide de maneira muito precisa, a fim de mostrar somente o que é tido como fundamental para o público. O objetivo primordial aqui é gerar contraste. Observa-se uma luz refletida sobre o lado esquerdo das personagens, enfatizando a expressão facial de cada uma, enquanto o lado direito mescla a sombra projetada pela luz com o plano de fundo sombrio. Essa técnica de iluminação é reproduzida com exaustão em peças publicitárias de cartazes de Hollywood, como pode ser visto na figura 18, principalmente quando se refere a filmes de drama e de terror, exatamente por causar esse efeito dramático quanto criar uma atmosfera de tensão. Essa luz foi batizada de Luz Rembrandt, em homenagem ao célebre pintor holandês Rembrandt Harmenszoon van Rijn, cujas pinturas são conhecidas pelo ar de dramaticidade conferido por meio da luz. Outra característica essencial da técnica é a formação de um pequeno triângulo abaixo do olho menos iluminado, resultado da junção das sombras do nariz e da bochecha.15 Figura 18 - Exemplos deiluminação Rembrandt em cartazes de filmes. Fonte: https://www.themoviedb.org/. Acesso em 11/04/2021. 3.3.6 Textura O elemento plástico denominado de textura consiste na qualificação da superfície ao qual destina-se atribuir, de maneira direta ou indireta, uma tridimensionalidade para a imagem. De acordo com Joly (2012, p. 102) essa atribuição pode ativar fenômenos que correspondem a sensações de ordem sinestésica (tátil, auditiva, olfativa), fazendo com que a 15 Disponível em: https://iphotochannel.com.br/. Acesso em 13/04/2021 https://www.themoviedb.org/ https://iphotochannel.com.br/ 43 percepção visual encaminhe a mensagem para que os demais sentidos também possam percebê-la. A respeito dessa combinação entre visual e tátil, Donis A. Dondis tece o seguinte comentário: Onde há uma textura real, as qualidades táteis e óticas coexistem, não como tom e cor, que são unificados em um valor comparável e uniforme, mas de uma forma única e específica, que permite à mão e ao olho uma sensação individual, ainda que projetemos sobre ambos um forte significado associativo. (DONDIS, 2003, p. 70). Trazendo o foco para o nosso cartaz, quando nos deparamos com sua composição gráfica é possível notar nas extremidades uma espécie de ruído, que nos remete a uma superfície arranhada, desgastada e suja. Essas sensações ultrapassam a percepção visual e passam a combinar-se com o campo da percepção tátil, visto que o espectador, através da textura representada, consegue sentir essa camada ruidosa mesmo sendo impossível tocá-la. A textura ruidosa é comumente usada em cartazes de filmes de terror e suspense para reforçar a atmosfera de tensão. Além dos ruídos, notamos também que a pele dos personagens contribui para essa sensação de tridimensionalidade, por transparecer aspectos de fragilidade e ressecamento, indicando a hostilidade ascendente em torno do filme, conforme a narrativa vai se desenvolvendo. Figura 19 - Exemplos de textura semelhante em cartazes de filmes. Fonte: https://www.themoviedb.org/. Acesso em 11/04/2021. 3.3.7 Significantes icônicos A mensagem icônica a ser comunicada aqui é compreendida a partir da identificação e descrição verbal dos signos figurativos componentes da peça de análise. O papel descritivo desses signos permite o reconhecimento dos motivos e suas interpretações que ocorrem por meio do processo de conotação. JOLY (1994) https://www.themoviedb.org/ 44 Eis a seguir os motivos descritos no cartaz. Nele vemos o rosto de uma mulher adulta posicionado acima de outro rosto feminino, que por sua vez é de uma pré-adolescente. As mãos da garota apoiam-se sob uma mesa e ao centro dela estão dois objetos: a cabeça de um animal e um “brinquedo” feito a partir de materiais retorcidos. Temos, então, as informações necessárias para compor uma demonstração dos significantes icônicos e seus significados de primeiro nível e conotações de segundo nível. Observa-se essa organização de sentidos da seguinte maneira. Quadro 1 - Sentidos obtidos a partir da mensagem icônica do Anexo A Significantes icônicos Significados de primeiro nível Conotações de segundo nível Mulher adulta mãe cuidadora; protetora; afetuosa; guerreira Garota pré-adolescente filha nova; jovialidade; imaturidade; inocência Dedos da garota apoiados sob a mesa ponto de apoio estabilidade; equilíbrio; firmeza Mesa superfície suporte; móvel; trabalho; sustento Parte do corpo de um animal cabeça de rato decapitação; macabro; mórbido Objeto feito a partir de materiais retorcidos brinquedo lúdico; divertimento; jocoso; criativo Fonte: Elaboração do autor com base em Joly (2012). Certamente, os elementos apresentados aqui de forma icônica qualificam as figuras humanas como pertencentes a membros de uma mesma família, a julgar pela similaridade física das modelos e pelo posicionamento alinhado uma acima da outra, simbolizando a hierarquia da relação entre mãe e filha, comumente representada de maneira descendente em árvores genealógicas. Ao tratar desses dois conotadores em específico, constatamos oposições de sentido ao emprego dos elementos plásticos, no qual vimos anteriormente que suas funções eram de tornar o cartaz esteticamente conveniente ao gênero de terror. Apesar dos significados de segundo nível sugerirem ideias oriundas do campo afetivo, familiar e sentimental, fica evidente que tais sensações não estão sendo transmitidas através das expressões faciais das personagens, e é justamente essa ausência emocional que perturba o espectador, acostumado com representações felizes associadas ao conceito de família pela determinação sociocultural. 45 A neutralidade, presente no olhar vazio e na tonalidade pálida da pele, revela em Annie e Charlie um distanciamento emocional que enfatiza o caráter maligno e sobrenatural da trama. Diante dessa retratação, configuraram-se elementos atrativos para os interessados em filmes pertencentes ao subgênero do terror de ordem psicológica, onde são apresentadas, com frequência, narrativas de maior peso dramático do que filmes preocupados em atingir o público pela quantidade de cenas graficamente violentas. Em nosso cartaz, existem outros elementos figurativos que deixam a maldade mais explícita do que nas faces das personagens. No terço inferior ao centro, temos a imagem de um dos bonecos feitos pela Charlie a partir de materiais comuns. Nesse caso, se observamos com atenção podemos identificar que o brinquedo é composto por pedaços de lápis, cotonete, um pequeno recipiente de vidro e outros objetos difíceis de se identificar. Nota-se que o boneco é formado por todos os membros essenciais do corpo humano, com exceção da cabeça. Na posição retratada, o objeto retorcido parece estar reverenciando algo, pois está ajoelhado e curvado, em estado de culto. À sua frente há uma cabeça de rato decapitada. Tanto no filme quanto nos trailers promocionais, a personagem de Milly Shapiro já demonstra um interesse peculiar pelo mórbido, tendo em vista uma das cenas em que ela corta a cabeça de um pombo morto com uma tesoura, onde, ademais, é vista integrando o corpo de um de seus bonecos. A cena da reverência representada no cartaz remete a um momento final específico do longa, a imagem simboliza um ritual pagão, evidenciando a aparição de temas como ocultismo, sobrenaturalidade e paganismo durante o filme. 3.3.8 Tipografia Segundo Ellen Lupton (2020, p. 1), “A tipografia é a aparência da linguagem”. A autora define de maneira sucinta as funções visual e estética conferidas aos elementos textuais quando analisados tipograficamente. Assim como o design gráfico, o design tipográfico foi sofrendo diversas influências artísticas e culturais ao longo de sua evolução e, atualmente, é um dos aspectos estéticos mais inovadores na área de direção de arte. Uma análise dos tipos utilizados para compor as tipografias das três mensagens linguísticas do cartaz apresentou informações relevantes. Essas mensagens dividem-se em título original: Hereditary, que além dos tipos acompanha também um ícone de árvore; texto 46 complementar (slogan): Evil runs in the family. — traduzido para o português: O mal está na família. — e os créditos. Pela hierarquia visual, o título está sinalizado em destaque pelo tamanho grande da fonte, por seus caracteres em maiúsculo e pelo espacejamento considerável entre eles. A tipografia usada no título pertence a uma família tipográfica chamada Hiragino, que no cartaz faz-se uso da variação denominada de Mincho Pro W3. O tipo é classificado como humanista, ou estilo antigo, em que sua principal característica, de acordo com Lupton (2020, p. 46) é buscar emular a caligrafia clássica dos tipos romanos dos séculos XV e XVI. Serifas geométricas fazem parte de sua composição. Quanto a sua relação com o outros elementos plásticos do cartaz, a escolha da cor branca mostra-se eficiente para gerar um contraste elevado entre título e background, a textura ruidosa mescla-se suavemente sem interferir na leitura
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