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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS THÂMARA MONIQUE CUNHA ABRAM-SE AS CORTINAS: Uma montagem teatral como prática pedagógica inclusiva para o Ensino de Teatro NATAL/RN 2021 THÂMARA MONIQUE CUNHA ABRAM-SE AS CORTINAS: Uma montagem teatral como prática pedagógica inclusiva para o Ensino de Teatro Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestra em Artes Cênicas. Linha de Pesquisa: linha de pesquisa Práticas Investigativas da Cena: Poéticas, Estéticas e Pedagogias Orientador: Prof. Dr. Jefferson Fernandes Alves NATAL/RN 2021 Cunha, Thâmara Monique. Abram-se as cortinas : uma montagem teatral como prática pedagógica inclusiva para o ensino de teatro / Thâmara Monique Cunha. - 2021. 113 f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Natal, 2021. Orientador: Prof. Dr. Jefferson Fernandes Alves. 1. Teatro - Estudo e ensino. 2. Teatro - Produção e direção. 3. Inclusão escolar. 4. Crianças com deficiência - Educação. 5. Representação teatral. I. Alves, Jefferson Fernandes. II. Título. RN/UF/BS-DEART CDU 792 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART Elaborado por Ively Barros Almeida - CRB-15/482 Dedico esse trabalho aos meus alunos, a eles que tanto me apoiaram, que se dispuseram a enfrentar as delícias e as angústias de uma montagem teatral, a eles que em nenhum momento soltaram minha mão, a todos que me ensinaram a ser uma professora melhor, um ser humano melhor. A todos vocês, meus 9º anos (2019), obrigada por tudo, jamais os esquecerei! AGRADECIMENTOS Ao Deus de amor, que acredito ser luz e que jamais me abandonou, deu-me forças e me guiou desde o início. Agradeço a Escola Municipal Benvinda Nunes Teixeira, a todos os colaboradores, aos colegas professores, a atual gestão na pessoa de Sheylla Melo e Cláudio Henrique. Aos pais que deixaram seus filhos participarem dessa montagem, principalmente aos pais das alunas com deficiência, que encaram junto comigo todos os obstáculos e vitórias. A todos que já foram meus alunos, que me ensinaram de alguma forma, mas em especial a Cecília Azevedo, Rayssa Santos e Lívia Teixeira, que foram mais que alunas, hoje são minhas amigas, obrigada por tanto amor, meninas. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte, ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – PPGArC e aos profissionais humanos que cruzaram meu caminho. Aos meus queridos professores, sem vocês eu não teria trilhado essa trajetória. Aos meus colegas mestrandos, a toda turma de 2019 em especial a Bárbara Souza, João Bento, Alleff Lima e Isadora Feitoza, que tornaram as tardes de aulas mais tranquilas. A Jefferson Fernandes – meu orientador – por todo seu acolhimento e paciência, por me guiar de forma esplêndida desde o início, por seu olhar atento e empatia, minha inteira gratidão, sem você eu não teria conseguido. A Professora Karyne Dias Coutinho – membro interno da banca de defesa – que foi minha professora de Didática, também dividiu os estágios supervisionados com o professor Jefferson Fernandes, que aceitou o convite de compor a banca e tem um carinho enorme por esse trabalho, agradeço imensamente! Ao professor Rummenigge Medeiros – membro externo da banca de defesa – que eu tenho o prazer de chamar de amigo, que esteve presente desde o início da minha vida acadêmica, nunca me desamparou, sempre me incentivou e acreditou em mim, que vibra com cada conquista, ajuda-me quando não consigo organizar os pensamentos, jamais vou conseguir verbalizar o quanto sou feliz por te ter em minha vida, muito obrigada! Aos meus pais, Manoel Cunha e Francisca Zenaide, que quiseram tanto esse título quanto eu. A minha família como um todo, porque esse título não é só meu. Em especial a minha Tia Irani, professora, exemplo desde cedo e defensora ferrenha da educação, ela sempre exigente e perspicaz, cobrou-me dedicação e empenho nos estudos. A minha madrinha Maria Zionete, que por tantas vezes me consolou e torceu por mim, mesmo longe, sempre se fez presente. Aos meus primos Léo Souza e Grazielle Ferreira, que são verdadeiros irmãos e que sempre me lembram que sou mais forte e capaz do que imagino, amo vocês! As minhas amigas que tanto me apoiaram e incentivaram, a conquista de uma de nós, será sempre a conquista de todas nós: Cléo Morais, Raquel Guedes, Salésia Paulino e Flora Luz. A Yngrew Rafael, meu esposo, meu amor, companheiro e amigo, aquele que por tantas vezes me viu chorar, que me incentivou e não me deixou pensar em desistir. Você foi colo e abrigo, obrigada meu amor por compartilhar a vida comigo, por ser incrivelmente acolhedor, eu te amo! A minha enteada, a flor mais linda do meu jardim, a você Maria Flor por ter sido minha constante alegria, por todo o amor que você faz transbordar em mim. RESUMO A pesquisa de mestrado intitulada “ABRAM-SE AS CORTINAS: Uma montagem teatral como prática pedagógica inclusiva para o Ensino de Teatro”, tem como objetivo analisar o processo de montagem de uma peça teatral, por intermédio de uma prática pedagógica que considere a participação de crianças com e sem deficiência em contexto escolar. A montagem estava ligada ao Projeto de Literatura e Arte da escola, que tinha como homenageado nesse ano o escritor Ariano Suassuna. Cada turma ficou responsável por uma de suas obras, a escolha foi feita pelas professoras de Língua Portuguesa e Arte e os 9º anos ficaram com a peça A Pena e a Lei. Esse estudo acontece na Escola Municipal Benvinda Nunes Teixeira, no município de Guamaré/RN, em três turmas de 9º ano (A, B e C), no turno vespertino, sendo que a análise se centra na turma do 9º A, a qual tinha trinta e um alunos, contando com duas alunas com deficiência. Por meio desse trabalho vimos que é possível utilizar a montagem teatral como prática pedagógica envolvendo alunos com e sem deficiência ao longo do processo. Palavras-chave: Ensino de Teatro. Montagem. Inclusão. Deficiência. Apresentação Teatral. ABSTRACT The master's research entitled “OPEN THE CURTAINS: A theatrical montage as an inclusive pedagogical practice for Teaching Theater” aims to analyze the process of mounting a theatrical play, through a pedagogical practice that considers the participation of children with and without disabilities in a school context. The montage was linked to the school's Literature and Art Project, which this year honored the writer Ariano Suassuna. Each class were responsible for one of his works. The choice was made by the Portuguese Language and Art teachers, and the 9th graders received the play A Pena e a Lei. This study takes place in the municipal school Benvinda Nunes Teixeira, in the municipality of Guamaré/RN, in three 9th grade classes (A, B, and C), in the afternoon shift, but this analysis focuses on the 9th grade A class, which had thirty-one students, including two students with disabilities. Through this work, we saw that it is possible to use theatrical production as a pedagogical practice, involving students with and without disabilities throughout the process. Keywords: Teaching Theater. Montage, Inclusion. Disability. TheatricalPresentation. RESUMEN La investigación de la maestría titulada “ABRAN LAS CORTINAS: Un montaje teatral como práctica pedagógica inclusiva para la Enseñanza del Teatro”, tiene como objetivo analizar el proceso de montaje de una pieza teatral a través de una práctica pedagógica que considere la participación de niños con y sin discapacidad en contexto escolar. El montaje estuvo vinculado al Proyecto de Literatura y Arte de la escuela, el homenajeado este año fue el escritor Ariano Suassuna. Cada clase quedó responsable por una de sus obras. La elección la hicieron los profesores de Lengua Portuguesa y Artes, los alumnos del 9º grado se quedaron con la pieza teatral A Pena e a Lei. Este estudio se realiza en la Escuela Municipal Benvinda Nunes Teixeira, en el municipio de Guamaré / RN, en tres clases de 9° grado (A, B y C), de la tarde, siendo que el análisis se centra en la clase 9º A, la que tenía treinta y un alumnos, con dos alumnas con discapacidad. A través de este trabajo, vimos que es posible utilizar la edición teatral como una práctica pedagógica que involucre a estudiantes con y sin discapacidad durante todo el proceso. Palabras clave: Enseñanza Teatral. Montaje. Inclusión. Discapacidad. Presentación Teatral. LISTA DE IMAGENS Figura 1 - Mapa mostrando a população da cidade de Guamaré/RN ...................................... 34 Figura 2 - Sala de aula reorganizada para a aula de Artes-Teatro, turma do 9º ano C durante o ensaio da peça ........................................................................................................................... 35 Figura 3 - Refeitório sendo utilizado para aula de Artes-Teatro, turma do 9º ano B fazendo a leitura do texto .......................................................................................................................... 36 Figura 4 - História em Quadrinho 1 ........................................................................................ 41 Figura 5 - História em Quadrinho 2 ........................................................................................ 41 Figura 6 - História em Quadrinho 3 ........................................................................................ 41 Figura 7 - Atividade desenvolvida pela aluna com deficiência. .............................................. 42 Figura 8 - Registro de uma das apresentações feitas em sala, abordando feminismo na década de 50 ......................................................................................................................................... 43 Figura 9 - Registro da apresentação sobre trabalho infantil .................................................... 43 Figura 10 - Foto tirada do livro O Jogo Teatral no Livro do Diretor, de Viola Spolin .......... 45 Figura 11 - Foto tirada do livro O Jogo Teatral no Livro do Diretor, de Viola Spolin .......... 46 Figura 12 - Foto tirada do livro O Jogo Teatral no Livro do Diretor, de Viola Spolin .......... 47 Figura 13 - Apresentação do roteiro para Sonoplastia - 9º A .................................................. 52 Figura 14 - Apresentação da proposta para a Iluminação - 9º A ............................................. 52 Figura 15 - Proposição para o Cenário - 9º A ......................................................................... 52 Figura 16 - Contorno do rosto feminino e masculino ............................................................. 55 Figura 17 - Proposição da maquiagem - Cheirosa, 9º B .......................................................... 55 Figura 18 - Proposição da maquiagem - Vicentão, 9º B ......................................................... 55 Figura 19 - Caracterização do personagem: Vicentão. ............................................................ 57 Figura 20 - Caracterização do personagem: Padre. 9º C. ........................................................ 57 Figura 21 - Caracterização do personagem: Cabo Rosinha, 9º B. ........................................... 57 Figura 22 - Caracterização da personagem: Cheirosa, 9º A .................................................... 57 Figura 23 - Camisa do projeto de Literatura e Arte com ilustração feita por um aluno da escola ........................................................................................................................................ 69 Figura 24 - Aluna do 9º B representando Marieta, I Ato ........................................................ 71 Figura 25 - Aluno do 9º C, representando Vicentão, II Ato .................................................... 71 Figura 26 - Aluna do 9º A, representando Marieta, III Ato .................................................... 71 SUMÁRIO INTRODUÇÃO: DOS COMEÇOS E DOS ITINERÁRIOS ............................................. 12 ALGUNS PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS .................................................................... 19 UM OLHAR SOBRE O TEMA E A PERGUNTA A SER FEITA ....................................... 26 CAPÍTULO 1 - A SALA DE ENSAIO(S): O ESPAÇO-CONVITE DAS [IM]POSSIBILIDADES ......................................................................................................... 34 1.1 RECONHECIMENTO DO ESPAÇO DE ENSAIO .................................................. 34 1.2 FORMAÇÃO DO ELENCO ...................................................................................... 36 1.3 ESCOLHAS PROCESSUAIS ................................................................................... 39 1.4 OS PERSONAGENS E AS PRIMEIRAS CENAS .................................................... 40 1.5 JOGOS (EM)CENA ................................................................................................... 44 CAPÍTULO 2 - DOS BASTIDORES: PROCESSOS E DESCOBERTAS ....................... 50 2.1 TECNOLOGIAS E EXPERIMENTAÇÕES DA CENA .......................................... 50 2.2 ENSAIOS E ELEMENTOS CENOGRÁFICOS ....................................................... 58 2.2.1 Delineando a cena e a preparação vocal............................................................... 58 2.2.2 Cenografia ............................................................................................................... 61 CAPÍTULO 3 - O LUGAR DE ONDE SE VÊ: A POSSIBILIDADE DE CRÍTICA E AUTOEXPRESSÃO ............................................................................................................... 64 3.1 OS OLHARES SOBRE A EXPERIÊNCIA CÊNICA ............................................. 72 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 80 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 84 ANEXOS ................................................................................................................................. 87 APÊNDICES ........................................................................................................................... 99 APÊNDICE A - DESCRIÇÃO REFLEXIVA DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS DURANTE O PROCESSO ................................................................................................... 99 APÊNDICE B - QUESTIONÁRIO PARA OS FUNCIONÁRIOS DA ESCOLA QUE ACOMPANHARAM E/OU ASSISTIRAM A MONTAGEM TEATRAL ........................ 103 12 INTRODUÇÃO: DOS COMEÇOS E DOS ITINERÁRIOS A escrita desta dissertação iniciou-se há alguns anos. Consigo lembrar: era uma tarde de abril de 2012, início do segundo ano no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte - IFRN Campus Macau/RN. O novo professor de Artes- Teatro entrou na sala, ele estava agitado e cheio de vontade de aprender e ensinar, de ensinar Teatro. A partir desse encontro, com ele e com o Teatro,tudo mudou, eu mudei infinitas vezes e permanecemos em transformação, eu e o Teatro, juntos. A prática do professor Rummenigge Medeiros me permitiu ter o primeiro contato com o Teatro, utilizando a proposição de Ana Mae Barbosa, brasileira, professora e pioneira no estudo da arte-educação, conhecida pela sistematização da Abordagem Triangular do fazer, contextualizar e apreciar a arte. A proposta triangular de Ana Mae foi criada, inicialmente, pensando nas Artes Visuais, mas como já foi provado, aplica-se a todas as linguagens artísticas. Hoje já estamos para além dela, inclusive a autora sugeriu alterações significativas em cima da própria proposta ao longo dos anos. Dois anos se passaram: estamos em 2014, ano de Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, encerramento do curso Técnico Integrado em Química e Teste de Habilidades Específicas no curso de Licenciatura em Teatro do Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Aflição e desejo de fazer parte daquele universo (era o que circundava meu ser naquele momento). Em 2015 ingressei na graduação em Licenciatura em Teatro. Nesse mesmo ano integrei o grupo de bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), fomentado pela Capes. Trata-se de um programa de formação de docentes, que possibilita aos discentes de cursos de licenciatura uma aproximação com as escolas públicas de educação básica. Fiz parte desse programa durante três anos, onde passei por três escolas públicas em diferentes bairros da cidade de Natal e com realidades distintas. A primeira delas foi a Escola Municipal Professor Laércio Fernandes Monteiro, na travessa Vale Dourado, no bairro Nossa Senhora da Apresentação, com alunos do Fundamental I, nos Anos Iniciais, com uma turma de 2º ano, sob supervisão da Professora Lidiane Diniz. Logo em seguida, atuei na Escola Municipal Professor Veríssimo de Melo no bairro de Felipe Camarão, no Ensino Fundamental II – Anos Finais, com quatro turmas de 9º ano, sendo supervisionada pelo professor Leandro Cavalcante. A última experiência enquanto bolsista se deu na Escola Estadual Lauro de Castro, localizada no bairro Cidade da Esperança, 13 também no Ensino Fundamental II – Anos Finais, com turmas de 6º e 8º ano, com a professora Tatiane Tenório. Na primeira escola, trabalhamos espacialidades e contação de histórias. Na segunda, o processo de criação de uma peça (escrita, montagem e cenografia) feita pelos alunos e a qual foi apresentada no IFRN – Cidade Alta, no projeto Vero da Arte. O projeto se tratava de um mini festival que ocorria todos os anos para apresentação das peças produzidas durante o ano pelas turmas de 9º ano da Escola Municipal Veríssimo de Melo. Sendo coordenado pelo professor Leandro Cavalcante, o projeto iniciou em 2009 e teve sua última edição em 2017. Na terceira escola, com o 6º ano, trabalhamos os quatro elementos (terra, água, ar e fogo) e o Teatro de Formas Animadas, como o Teatro de Sombras e o Teatro de Bonecos de Vara; e na turma do 8º ano trabalhamos com a metodologia do Teatro do Oprimido1, proposto por Augusto Boal. Nesse trabalho realizado com a turma do 8º ano da Escola Estadual Lauro de Castro, alguns alunos se apresentaram na CIENTEC – Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura, realizada na UFRN. O PIBID foi um divisor de águas, pois cheguei ao Laércio Fernandes muito insegura, tentando dar os primeiros passos para a minha formação. Inicialmente, procurei me juntar aos bolsistas mais antigos para entender a dinâmica escolar. Eu também tinha receio de entrar na sala dos professores, em razão dos olhares cansados e desacreditados lançados em nossa direção, tinha a sensação de que nos viam como pessoas novas e sonhadoras demais e que já estavam “fadados” pelo sistema e nos julgavam por pensar diferente. Essa sensação veio do fato de não me/nos sentir acolhida/os por parte deles, o que também me fez acreditar que se sentiam intimidados com a nossa presença, como se fôssemos “espiões” ou coisa semelhante e isso nos desmotivava bastante. O único momento que eu me sentia à vontade para exercer meu trabalho era entre as quatro paredes da sala de aula. Esse era o único lugar em que eu me sentia confortável em toda a escola, sendo um espaço de libertação. O exercício com os alunos do Fundamental I foi muito enriquecedor: fazíamos dinâmicas para que eles pudessem experimentar espacialidades e entender que os comportamentos eram distintos em cada uma delas, também fazíamos contações de histórias quinzenalmente, onde nos colocávamos em círculo e em alguns momentos os próprios alunos faziam movimentações corporais para “ilustrar” a contação. Confesso que até hoje não me 1 Durante as cenas de Teatro do Oprimido (TO), sempre existirá a relação opressor-oprimido, sendo o opressor o causador da opressão e o oprimido a vítima. O Teatro do Oprimido é constituído por diversas modalidades, sendo elas: Teatro do Invisível, Teatro Legislativo, Teatro Jornal, Arco-íris do desejo, Teatro Fórum e Teatro- Imagem, sendo a última o nosso foco. 14 identifico com o ensino do Fundamental I – Anos Iniciais, mas foi sem dúvida uma experiência válida. Ao chegar à Escola Municipal Professor Veríssimo de Melo, estava mais confiante e almejando atuar diretamente com os alunos e alunas; desta vez com turmas do 9º ano, Fundamental II – Anos Finais. Nessa escola, todos os bolsistas foram acolhidos, ficávamos à vontade e conversávamos com todos os professores na sala destinada a eles, por vezes, almoçávamos por lá e os alunos nos tinham como exemplo por estarmos na universidade. A relação com essas turmas era muito tranquila, conversávamos muito e até hoje tenho contato com algumas alunas da época, que falam como o programa e o Teatro foram importantes em suas vidas. A minha última atuação no PIBID foi na escola mais significativa para a minha formação, a Escola Estadual Lauro de Castro. Foi lá que eu vivi a melhor e a pior experiência da minha vida enquanto docente em formação. Eu era a bolsista mais antiga do grupo que foi selecionado para ir para essa escola. Éramos sete bolsistas e uma supervisora atuando em duas turmas, 6º e 8º ano. Apesar de sermos um número considerável para essas turmas, encontramos muita dificuldade em trabalhar atividades práticas com os alunos, pois se dispersavam e conversavam muito. Foi um trabalho árduo para colocar em prática as atividades, mas eles se encontraram no Teatro de Sombras, a construção e o fazer Teatro e Sombras envolveu os alunos, já que puderam dar vida a um espaço teatral em que podiam ser donos, criaram roteiros e experimentaram a manipulação das silhuetas na luz, que fluía pela imaginação de cada grupo. Nas turmas de 8º ano, desenvolvemos práticas com base na metodologia do Teatro do Oprimido, que surge como um Teatro de resistência durante a ditadura militar. Augusto Boal, idealizador desse projeto, defende que não precisa ser ator para fazer Teatro e que os espectadores são na verdade “espect-atores”. Outra importante ferramenta na minha formação foram os quatro Estágios Supervisionados de Formação de Professores. O primeiro ocorreu na Escola Madre Fitzbach, que é mantida pela ADOTE – Associação de Orientação aos Deficientes localizada no bairro Cidade da Esperança. Observei a turma do 1º ano “A” do Ensino Fundamental I – Anos Iniciais e nessa turma tinha dois alunos que apresentavam diferenças neurológicas significativas. Um aluno com Transtorno do Espectro Autista – TEA, grau severo, o qual corresponde a um “transtorno do neurodesenvolvimento infantil caracterizado por dificuldades na interação social, comunicação, comportamentos repetitivos e interesses 15 restritos, podendo apresentar também sensibilidades sensoriais” (FONTES, 2014, online); e outra aluna com Síndrome Cornélia De Lange2. Tive contato durante todoo estágio com o aluno autista, mas infelizmente nunca cheguei a ter contato com a aluna com síndrome congênita, pois ela fazia fisioterapia nos dias em que eu estava na escola. A escola Madre Fitzbach não segue os padrões de ensino convencionais, o método avaliativo se difere das demais escolas, as turmas são menores e não há um horário fixo para cada disciplina. O que mais chamou nossa atenção na época foi a ausência da disciplina de Artes. Portanto, todos ali eram novatos: a turma do 1º ano, a professora e eu. Estávamos nos conhecendo, as crianças eram pequenas e me observavam com um olhar de contemplação, falavam o tempo todo que eu era linda e queriam que eu aprendesse o nome delas rapidamente. O aluno com autismo chegava um pouco depois dos demais, para que todos já estivessem na sala, evitando assim barulhos excessivos. O que mais me surpreendia era a compreensão daquelas crianças em relação ao transtorno do colega, todos eles tinham consciência que não poderiam falar alto ou causar tumultos, pois isso o irritava. Era comum que fugisse da sala, ele adorava mexer no computador e ia direto para a secretaria. Ele não gostava de estar em sala, porque dominava todo o conteúdo dado, além de falar fluentemente em inglês; na época, estavam tentando comprovar que ele era superdotado. O segundo estágio ocorreu na mesma escola, dessa vez em dupla com Irielly Letícia, atualmente professora de Teatro do Colégio Potencial e Colégio Piaget, formada em Licenciatura em Teatro pela UFRN. Fizemos algumas intervenções na turma do 4º ano “A”, do turno vespertino. Escolhemos trabalhar com os Jogos Teatrais de Viola Spolin3, buscando estimular a consciência corporal, o trabalho coletivo e, principalmente, apresentar o universo teatral para aquelas crianças. Nessa turma, tínhamos uma aluna com deficiência, mas sem diagnóstico. Ela não falava, tinha problemas de locomoção e não podia ter grandes emoções. Recebemos diversas recomendações, mas sabíamos que ela deveria participar de todas as atividades propostas. Experimentamos pela primeira vez, enquanto estagiárias, a inclusão. A aluna precisava de ajuda para se locomover e mais uma vez os colegas eram muito cuidadosos e compreensivos, pois ajudavam a professora e a nós, estagiárias. Um dia pedimos 2 Corresponde a um “distúrbio genético presente desde o nascimento, mas nem sempre é diagnosticada imediatamente. O distúrbio causa uma série de comprometimentos físicos, cognitivos e neurológicos”. (APABB, 2017, online). 3 Autora e diretora de Teatro, precursora do Teatro Improvisacional. 16 para que os alunos desenhassem um lugar que eles passavam todos os dias (uma parada de ônibus, um hospital etc.). Como a aluna não tinha coordenação motora, nós pedimos tinta na coordenação e deixamos que fizesse o seu desenho. Todos ficaram admirados, já que a aluna estava desenvolvendo aquela atividade. Quando começamos a fazer as improvisações, nos perguntávamos como iríamos incluí-la, pensamos que essa deveria ser uma tarefa pensada coletivamente, separamos os grupos e sempre uma das estagiárias ficava no grupo que ela compunha e a outra coordenava a atividade, os próprios alunos conversavam com ela e explicavam como seria a cena e como ela deveria estar naquele momento, as expressões faciais eram sempre positivas. Um dia a mãe pediu para conversar conosco e relatou que sempre nos dias das nossas intervenções a filha dela chegava mais alegre em casa. O Estágio Supervisionado de Formação de Professores III aconteceu no NEI – Núcleo de Educação da Infância – UFRN, situado em Lagoa Nova. Em dupla com Robson Medeiros, integrante do grupo potiguar Carmim, acompanhamos a turma do 2º ano do Ensino Fundamental – Anos Iniciais, utilizando os Jogos Teatrais de Viola Spolin como ferramenta nas intervenções. Nesta turma não havia nenhum aluno ou aluna com deficiência e/ou transtorno. Desenvolvemos com eles alguns jogos, principalmente de concentração, pois a turma era muito hiperativa. Ao final do semestre, auxiliamos na montagem de uma coreografia para o São João a partir de movimentações que surgiram durante a intervenção. A última vivência dos Estágios Supervisionados se deu no IFRN Campus Natal Central, situado no bairro Tirol. Estagiamos em dupla, Irielly Letícia e eu, em uma turma de 1º ano do Ensino Médio integrado. Mais uma vez, não tínhamos nenhum aluno com deficiência e/ou transtorno. Nessa turma, experienciamos o Teatro do Oprimido e os aquecimentos corporais foram feitos com a dança popular Coco de Roda. Escolhemos o TO mais uma vez por ser uma ferramenta que fomenta, estimula e sugere debate, para buscar autoafirmação e maior consciência política. Desta vez de forma mais atenta e eficaz, visto que estávamos trabalhando com adolescentes que já são politicamente mais ativos, em especial por estarem em uma instituição como o IFRN, que instiga e possibilita essa construção social do ser crítico. Considerando esses pontos, iniciamos a prática pedindo para que eles sugerissem os temas que seriam investigados cenicamente, de modo que surgiram temas diversos como: intolerância religiosa, padrão de beleza, feminicídio, abuso de autoridade, corrupção, desmatamento, exploração infantil e muito mais. Conseguimos trabalhar e debater esses temas de forma prazerosa e dinâmica, pois os adolescentes têm um entusiasmo em se colocar diante do problema e falar sobre o que nos impulsionam a lutar. 17 Após a atuação no PIBID durante três anos e os quatro Estágios Supervisionados, não restavam dúvidas de que eu queria ser professora. No segundo semestre de 2018, estava escrevendo meu Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado enquanto FALO, DESCUBRO QUEM SOU: Reflexões sobre o feminino na cena, a partir da performance enquanto FALO, que tinha por objetivo partilhar e refletir a minha experiência como co-criadora da performance enquanto FALO. Nesse período, resolvi me inscrever no Mestrado em Artes Cênicas e foi a partir daí que essa escrita saiu das marcas emocionais, começando a ganhar estrutura física. Inicialmente havia proposto em meu projeto acompanhar dois professores de Teatro que atuavam no IFRN, um no campus João Câmara e outra no campus Parnamirim, com montagem de espetáculos como prática pedagógica para o ensino de Teatro no contexto escolar. No fim de 2018, me inscrevi em um processo seletivo para Professora de Artes – Teatro no município de Guamaré/RN e passei. No início de 2019, comecei a dar aula para turmas de 9º e 6º ano do Ensino Fundamental II – Anos Finais e do 4º e 5º Período EJA, correspondentes à etapa do Ensino Fundamental II do 6º ao 9º ano. Diante dessas mudanças, decidi então investigar a minha prática docente, considerando a inclusão escolar, a partir da mediação docente no contexto do ensino de Teatro. No presente momento, atuo como docente em uma escola municipal em Guamaré, município do interior do Rio Grande do Norte, integrante do Polo Costa Branca e de acordo com os dados do IBGE (2010), consultados em novembro de 2019, com uma população estimada de 15.659 pessoas. Ao saber que iria para essa escola, me questionei se realmente seria bem-vinda. Fui chamada no processo seletivo um dia antes da reunião pedagógica e, literalmente, cheguei com o barco pronto para navegar, sem apego às âncoras; resolvi me jogar nessa aventura como um barco à deriva, sendo levada por esse mar de possibilidades. Quanto à estrutura física, a escola possui 14 (catorze) salas de aula, 04 (quatro) salas administrativas, 01 (uma) sala de leitura que se encontra desativada, 01 (uma) biblioteca, 01 (um) auditório, 01 (uma) sala de recursos multifuncionais, 01 (uma) quadra de esportes e 01 (um) pequeno refeitório. A escola sofre com problemas estruturais, elétricos, hidráulicos e não é fisicamente acessível para pessoas com deficiência, exceto por uma rampa construída emsua entrada. Ela atende o Ensino Fundamental I e II e a Educação de Jovens e Adultos – EJA, dispondo no turno matutino de: 03 (três) turmas de 6º ano, 04 (quatro) turmas de 7º ano, 03 18 (três) de 8º ano e mais 03 (três) de 9º ano. No turno vespertino dispõe de: 04 (quatro) turmas de 4º ano e 04 (quatro) de 5º ano, 05 (cinco) turmas de 6º ano e 02 (duas) turmas de 7º ano. Na Educação de Jovens e Adultos, dispõe de 04 (quatro) turmas de 4º período e 03 (três) turmas de 5º período. O corpo docente é composto por 41 (quarenta e um) professores efetivos e 39 (trinta e nove) contratados por processo seletivo. Nenhum destes professores possui doutorado, 05 (cinco) estão cursando mestrado e todos possuem graduação, alguns tendo ainda especialização. Existem 03 (três) professores de Artes, 01 (uma) graduada em Artes Visuais, 01 (um) sem formação na área, que leciona para complementar carga horária, e eu, graduada em Teatro e mestranda em Artes Cênicas. O corpo técnico-administrativo conta com 55 (cinquenta e cinco) funcionários e 38 (trinta e oito) funcionários de apoio, sendo 19 (dezenove) auxiliares de serviços gerais, 03 (três) merendeiras, 02 (dois) vigias e 14 (catorze) inspetores. Em 2018, a escola teve 1.062 (mil e sessenta e dois) alunos matriculados. Desses, 600 (seiscentos) foram aprovados, 224 (duzentos e vinte e quatro) reprovados, 92 (noventa e dois) transferidos e 146 (cento e quarenta e seis) evadidos. A instituição sofre com superlotação de sala, grande índice de alunos desistentes, em especial na EJA, e elevado percentual de reprovação, principalmente nos 6º anos. A escola possui 1.077 (mil e setenta e sete) alunos matriculados no corrente ano, sendo 514 (quinhentos e catorze) do sexo feminino e 563 (quinhentos e sessenta e três) do sexo masculino. A escola possui 20 (vinte) alunos com deficiência matriculados, sendo 11 (onze) do sexo feminino e 09 (nove) do sexo masculino. A Escola Municipal permanece em atividade durante os 200 (duzentos) dias letivos anualmente, sendo, em média, 50 (cinquenta) dias letivos por bimestre. Funciona cinco dias por semana, de 07h às 11h30, de 13h às 17h30 e das 19h às 22h. A escola tem um Projeto Político Pedagógico que foi elaborado em 2012 e está trabalhando atualmente em um outro PPP. Durante o ano, a escola desenvolve os seguintes projetos: Educação ambiental, 2ª Olimpíada Interna de Matemática, Copão e Dia do Estudante, III Viagem ao Mundo Mágico da Literatura, Mostra Cultural e Dia da Consciência Negra. Este é o primeiro ano que a escola recebe uma professora de Teatro. Desde a minha chegada, falava-se da III Viagem ao Mundo Mágico da Literatura, que é um projeto de Literatura e Artes, em que a escola escolhe um tema e os professores trabalham, com as suas respectivas turmas, apresentações culturais para serem mostradas à comunidade. 19 Confesso que me assustei em um primeiro momento, pois considerando as minhas vivências no âmbito escolar, seja nos estágios ou PIBID, sabia o quão difícil é manter a prática teatral nas escolas, e como é comum os diretores, supervisores e até mesmo outros docentes não acreditarem nessa disciplina e seus entornos. Além disso, sabemos que o trabalho prático com o teatro envolve a alteração mínima dos espaços já solidamente cristalizados e endurecidos dentro do cotidiano escolar. No entanto, o apoio ao longo de todo esse ano na escola foi algo que não me faltou. Na cidade de Guamaré, existe uma valorização cultural que permite uma flexibilidade e um entendimento maior por parte da gestão. Cruzei com colegas docentes que acreditam que o Teatro é atividade recreativa, porém outros entendem a importância e apoiam a prática teatral, em especial minha coordenadora pedagógica, Sheylla Melo. Montar uma encenação sem recursos, sem sala de ensaio adequada e sem figurinos não é fácil, mas o Teatro envolve os jovens. O professor de Teatro, indiretamente, encoraja seus alunos, mostrando que eles são sim capazes e podem produzir um espetáculo. Toda apresentação teatral é um discurso construído por múltiplas vozes, que na maioria das vezes se encontram para dizer algo além do que está posto visualmente, considerando que essa montagem é desenvolvida na escola pública e que os alunos que lá estudam nem sempre têm voz, o espaço de serem vistos é também um espaço para que sejam ouvidos. E ter alguém acreditando no potencial criativo deles faz com que também passem a acreditar. Os objetos estéticos produzidos pelos alunos em sala, os figurinos trazidos de casa, a iluminação improvisada e os espaços adaptados para a resolução e execução do fazer teatral não tornam essas encenações menos importantes do ponto de vista estético. O processo de montagem teatral se converteu no meu objeto de estudo. Em especial as turmas de 9º ano, com adolescentes na faixa etária dos 14 anos. Em uma das turmas, duas alunas são pessoas com deficiências. Considerando a presença dessas alunas, houve a necessidade de aproximação com o campo da inclusão e da acessibilidade. Selecionei então conceitos que norteiam essa pesquisa, são eles: deficiência, jogo improvisacional e inclusão. ALGUNS PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS Esses pressupostos se tratam de uma abordagem em construção. Inicialmente selecionamos investigar a deficiência, o jogo improvisacional e a inclusão. Os estudos sobre deficiência consolidaram um conceito que evidencia uma desvantagem social. Debora Diniz, Lívia Barbosa e Wederson Santos (2009) colocam pelo menos duas formas de definir 20 deficiência, a primeira “como uma manifestação da diversidade humana. Um corpo com impedimentos é o de alguém que vivencia impedimentos de ordem física, intelectual ou sensorial” (DINIZ; BARBOSA; SANTOS, 2009, p. 3). E a segunda, “sustenta que ela é uma desvantagem natural, devendo os esforços se concentrarem em reparar os impedimentos corporais, a fim de garantir a todas as pessoas um padrão de funcionamento típico da espécie.” (Idem). Ao conhecer os alunos, deparei-me com pessoas com deficiência. Em Guamaré, dispomos de professoras de educação especial que acompanham esses alunos em sala e há também a sala de Atendimento Educacional Especializado, que recebe essas crianças e adolescentes no contraturno. Busquei olhar os alunos de igual forma, não os limitar às suas deficiências, mas enxergar neles pessoas individuais como qualquer outro ser humano, com necessidades e particularidades. Não desconsideramos a participação dos alunos com deficiência quando começamos a pensar na montagem teatral, apesar de nossa sociedade estar sempre presa à ideia do capacitismo, ou seja, estar sempre colocando no ser humano exigências para estar em um padrão de normalidade, como enxergar, andar, comportar-se de uma maneira específica, ouvir, enfim, desconsiderando que as pessoas com deficiência desenvolvem habilidades distintas. Por capacitismo, Sidney Andrade (2015, p. 2) define: [...] a lógica capacitista se configura como uma mentalidade que lê a pessoa com deficiência como não igual, incapaz e inapta tanto para o trabalho quanto para, até mesmo, cuidar da própria vida e tomar as próprias decisões enquanto sujeito autônomo e independente. Tudo isso porque, culturalmente, construiu-se um ideal de corpo funcional tido como normal para a raça humana, do qual, portanto, quem foge é tido, consciente ou inconscientemente, como menos humano. Sempre procurei envolver os alunos de igual maneira durante as aulas, tanto teóricas como práticas. A participação desses alunos em um espetáculo nos faz pensar além de uma ideia capacitista. Muitas vezes, prendemos-nos ao diagnóstico médico e não nos permitimos explorar as possibilidades cognitivas e expressivas dos nossos alunos. Quanto a isso, Debora Diniz (2007, p. 5) diz: [...] Esse é um campo pouco explorado no Brasil não apenas porque a deficiênciaainda não se libertou da autoridade biomédica, com poucos cientistas sociais dedicando-se ao tema, mas principalmente porque a deficiência ainda é considerada uma tragédia pessoal, e não uma questão de justiça social. O desafio está em afirmar a deficiência como um estilo de 21 vida, mas também em reconhecer a legitimidade de ações distributivas e de reparação da desigualdade, bem como a necessidade de cuidados biomédicos. Além de políticas públicas eficazes, que garantam não apenas o acesso, mas acessibilidade, inclusão e representatividade, precisamos utilizar ferramentas que potencializem a prática inclusiva. O Teatro em sua essência é uma atividade coletiva que propõe a interação entre os agentes do fazer e principalmente com quem assiste, o Teatro é a arte da união, do cuidado com o outro, da problematização, fazer Teatro é também um ato político. Na experimentação em sala de aula, no ensino através da prática, com alunos com e sem deficiência, obtive a resposta imediata dos próprios discentes, no sentido de entenderem que todos eram responsáveis uns pelos outros, e que todos deveriam participar das práticas. Os alunos sem deficiência começaram a sentir o outro nas corporeidades distintas, entendendo que durante os jogos precisavam de um tempo coletivo, sendo desvendado com a prática. Apesar de toda a potência da prática teatral na escola, o Teatro só foi considerado componente curricular obrigatório em 2016 com a Lei 13.278/2016, onde as Artes Visuais, a Dança, a Música e o Teatro foram incluídos nos currículos dos diversos níveis da educação básica. O termo Teatro-Educação acentua a ideia da educação por meio da arte, como prática, e não apenas um ensino da linguagem teatral, conteudista. Viola Spolin explica como a educação teatral pode se dar por meio de jogos teatrais: Jogos teatrais, experimentados em sala de aula, devem ser reconhecidos não como diversões que extrapolam necessidades curriculares, mas sim como suportes que podem ser tecidos no cotidiano, atuando como energizadores e/ou trampolins para todos. Inerente a técnicas teatrais são comunicações verbais, não-verbais, escritas e não-escritas. Habilidades de comunicação, desenvolvidas e intensificadas por meio de oficinas de jogos teatrais com o tempo abrangem outras necessidades curriculares e a vida cotidiana. (SPOLIN, 2006, p. 20). A prática e o ensino de teatro têm como um dos procedimentos mediadores potentes os jogos improvisacionais. Nas palavras de Desgranges (2011, p. 91): “Os jogos de improvisação, em suas diferentes vertentes, precisam ser considerados como prática teatral, em que se aprende, pois, a fazer, a ver e a gostar de teatro a partir da própria experiência com 22 essa arte.” Ao longo do curso em Licenciatura em Teatro, por diversas vezes tive contato com os jogos teatrais4 como metodologia. Desgranges complementa: [...] o teatro quando adentra a instituição educacional, não precisa, e não deve, ser um teatro “escolarizado”, “didatizado”, para que tenha importância educacional; ao contrário, deve ser preservado em sua potencialidade, pois seu principal vigor pedagógico está no caráter artístico que lhe é inerte. (Idem). O Teatro no contexto escolar formal não deve ser engessado. O Teatro pede ritmo, interação, coletividade, movimento. Quando estamos em uma sala de aula, é difícil desconstruí-la e dar-lhe novas possibilidades, incentivar os alunos a buscar, criar, permitir que eles se conectem com o eu, o outro e o espaço. Viola Spolin (2006, p. 20) demonstra que: Ensinar/aprender deveria ser uma experiência feliz, alegre, tão plena de descoberta quanto a superação da criança que sai das limitações do engatinhar para o primeiro passo – o andar! Para além das necessidades curriculares, os jogos teatrais trazem momentos de espontaneidade. O intuitivo [...] gera suas dádivas no momento de espontaneidade. Aqui/agora é o tempo da descoberta, da criatividade, do aprendizado. Ao participar dos jogos teatrais, professores e alunos podem encontrar-se como parceiros, no tempo presente, e prontos para comunicar, conectar, responder, experienciar, experimentar e extrapolar, em busca de novos horizontes. (Grifo da autora). Para chegar na encenação, perpassamos pelos Jogos Improvisacionais, fizemos jogos de “quem”, “onde”, “como”, desenvolvemos também jogos de improvisação a partir de temas escolhidos pelos estudantes e, dessa maneira, pudemos preparar de forma ativa e divertida os corpos para a cena. Durante o ano letivo de 2019 nos preocupamos em entender como se organizava o Teatro, aprender jogando para, enfim, nos divertirmos em cena, com o encenar. O processo de montagem, com todos os aprendizados e descobertas, por meio dos procedimentos metodológicos e de todos os jogos, nos permitiram vivenciar a encenação na teoria e na prática. Joaquim da Gama (2016, p. 95) destaca que: A encenação como prática pedagógica implica a concepção de que no próprio desenvolvimento da montagem teatral encontra-se o campo de investigação prática e teórica. Nesse sentido, os processos de aprendizagens artísticas estão voltados aos procedimentos didáticos utilizados no 4 Os jogos propostos por Spolin se baseiam no aqui e agora, no jogo de pergunta e resposta corporal, onde os alunos aprendem jogando, para a autora não existe processo e produto separadamente, o processo é produto e o produto é processo, simultaneamente. 23 desenvolvimento do trabalho cênico, nas opções estéticas e nos levantamentos bibliográficos que definem o arcabouço teórico da encenação. Ingrid Koudela (2005) afirma que a encenação como prática pedagógica desempenha um importante papel de democratização da arte, a partir do momento que utilizamos a sala de aula e aplicamos a prática teatral, damos a possibilidade dos alunos se pronunciarem por meio da linguagem teatral e permitimos também que a comunidade tenha acesso à apreciação teatral. Podemos dessa forma, garantir o acesso e o desenvolvimento, ademais perceber a melhor desenvoltura dos alunos em público. Verifica-se, portanto, que a encenação como prática pedagógica é válida no processo de ensino-aprendizagem, principalmente quando envolve um processo colaborativo. Sobre tal, Joaquim Gama (2016, p. 102) explica que: [...] consiste numa maneira de organizar a criação teatral tomando-se por base a autonomia de cada um dos elementos cênicos envolvidos numa encenação e também a inter-relação existente entre eles. Para o encenador Antônio Araújo, o processo colaborativo propõe uma ação criadora em que todos os integrantes, com base em funções artísticas específicas, possuem o mesmo espaço de proposição, não havendo hierarquias rígidas, e a produção da obra é fruto da autoria de todos os envolvidos no trabalho. Enquanto professora de pessoas com deficiência, questionei-me qual o papel do professor enquanto agente inclusivo, capaz de assegurar educação à pessoa com deficiência e o seu envolvimento com o processo teatral e o seu resultado final. Naquele momento eu estava ocupando não só o papel de professora, mas também o de artista/encenadora, portanto, cabia a mim a responsabilidade de conduzir a encenação, bem como o de garantir autonomia às alunas com deficiência? Como garantir que elas fossem respeitadas ao longo do processo e durante a apresentação? Eu tinha medo de que os olhares voltados, em especial para a aluna que estava em cena, fossem de julgamento. Eu era responsável não apenas pela condução estética da montagem teatral, mas pelo processo de inclusão. Quando pensamos em inclusão, é necessário entender como esse processo passou a ser pensado e efetivado na escola. Há algum tempo ter filhos com deficiência era difícil para toda família, em uma realidade em que essas crianças não tinham perspectiva de longevidade e eram por muitas vezesescondidos das outras pessoas, por serem uma vergonha social para a família. Sempre que pensamos em falar sobre a deficiência, a primeira dúvida é qual a expressão correta a se utilizar. Sobre tal assunto, Mário Cléber Lanna Júnior (2010) afirma que cada expressão utilizada ao longo do tempo traduz as percepções de seus contemporâneos. 24 O movimento social das pessoas com deficiência no Brasil começou uma busca no final da década de 70 por uma denominação que se opusesse a termos excludentes como “inválidos”, “incapazes” e afins. Surgiu então a expressão pessoas deficientes e ao incluir o substantivo pessoa, evitava-se a objetificação que os termos mencionados representavam, uma tentativa de se opor à desvalorização humana. O termo seguinte foi pessoas portadoras de deficiência, esse termo foi adotado na Constituição Federal de 1988, utilizada em documentos da época. Outro termo utilizado foi pessoas com necessidades especiais. Lanna Júnior (2010, p. 15) diz que: Eufemismos foram adotados, tais como “pessoas com necessidades especiais” e “portadores de necessidades especiais”. A crítica do movimento a esses eufemismos se deve ao fato de o adjetivo “especial” criar uma categoria que não combina com a luta por inclusão e por equiparação de direitos. Para o movimento, com a luta política não se busca ser “especial”, mas, sim, ser cidadão. A condição de “portador” passou a ser questionada pelo movimento por transmitir a ideia de a deficiência ser algo que se porta e, portanto, não faz parte da pessoa. Além disso, enfatiza a deficiência em detrimento do ser humano. Após a crítica ao termo portadores de necessidades especiais, foi adotada a expressão pessoa com deficiência, colocando a pessoa à frente da sua deficiência e entendendo que esta é parte daquele corpo, mas não apenas deficiência, sendo, portanto, uma forma mais humana. A partir dessas conquistas das pessoas com deficiência, foram desenvolvidos modelos humanizados a partir de suas perspectivas e necessidades. Ingrid Augustin (2012, p. 2) elenca três modelos, sendo eles: modelo caritativo de deficiência, que segundo a autora “[...] percebe a pessoa com deficiência como vítima merecedora de caridade e de ajuda. A pessoa com deficiência é vista como tendo uma vida trágica e sofrida”. O modelo caritativo reduz a deficiência à caridade e pena. Nesse modelo também se encaixa a religiosidade, que colocava a deficiência como punição ou como modelo moral e vergonha para sociedade. É importante enfatizar que, nessa situação, a pessoa com deficiência não tem voz, ela não opina e nem faz escolhas. Temos também o modelo médico tradicional, onde “[...] a pessoa é portadora de uma patologia. Ou seja, primeiramente está a deficiência da pessoa, e ela é relegada a um papel passivo de paciente [...]” (Idem). O modelo médico é mais conhecido atualmente como modelo biomédico, em que a deficiência é resumida aos diagnósticos. Existe também a visão profissional, a reabilitação e o 25 biopsicossocial, em suma, todos eles priorizam a “melhora” da pessoa com deficiência, considerando parâmetros de uma “normalidade” médica. Por fim, temos o modelo social de deficiência e suas variações: O modelo social aponta criticamente para o modo como a sociedade se organiza, desconsiderando a diversidade das pessoas e excluindo pessoas com deficiência de meios sociais e políticos. Este modelo identifica três barreiras principais que a pessoa com deficiência enfrenta: barreiras de acessibilidade, institucional e atitudinais. Acredita-se que superando estas barreiras haverá um impacto benéfico para toda a comunidade. O modelo social tem permitido à pessoa com deficiência retomar o controle de sua própria vida e ainda ter o poder de tomar decisões nos meios sociais, participando ativa e politicamente de sua comunidade. (Idem, p. 3). Nos contextos sociais e escolares, verifica-se ainda a manifestação de condutas e comportamento baseados nos modelos caritativo e biomédico, restando ao trabalho do professor e dos demais agentes educacionais insistir em uma abordagem baseada no modelo social, na qual a deficiência não está nos sujeitos, mas nas formas que eles são tratados. Em razão disso, é preciso assegurar a inserção da pessoa com deficiência no meio escolar, não apenas uma formação conteudista, mas a interação social, a troca. Trabalhar com alunos com deficiência é conseguir dialogar com os pais e responsáveis, com o professor de educação especial, com a turma, com eles individualmente, entender seus gostos e preferências, para assim propor atividades atrativas. A grande dificuldade na escola em que trabalhava era a de manter essas crianças na sala de aula. A sala de Atendimento Educacional Especializado – AEE, apesar de ser um ambiente complementar e suplementar à educação escolar, muitas vezes, se tornava um refúgio para os responsáveis que não compreendiam a inclusão, e insistiam que seus filhos(as) ficassem nesse local e não na sala de aula com os demais colegas. Então, quando conseguíamos que esse estudante estivesse na sala de aula, era preciso garantir a interação: aluno com deficiência/professor – alunos sem deficiência/alunos com deficiência, de forma que o estar em sala possibilitasse outras experiências coletivas. A partir dessas reflexões, comecei a entender que eu não deveria elaborar atividades diferenciadas. Por vezes, a atividade tinha que ser adaptada, como veremos adiante, mas era preciso avaliar de forma particularizada esses alunos. Foi quando enxerguei o Teatro como percurso nesse processo de inclusão efetiva. Sobre o convívio em grupo, temos: Na prática dos jogos teatrais, o conhecimento se constrói num continuum, na construção de uma ação significativa em constante devir, construída, 26 refletida, repensada, em acúmulos e trocas, em uma prática constante. Não estamos falando apenas em conhecimento teatral, pois o jogo teatral o transcende, mas de todas as conexões possíveis do indivíduo que vive em grupo. (RAMALDES; CAMARGO, 2017, p. 41). Mas não se trata apenas de estar em escolas de ensino regular, é preciso que esses alunos se envolvam com trabalhos, pesquisas, convivam com seus colegas, façam amizades e principalmente que eles não se sintam deslocados em sala de aula. Para tanto, é necessário que haja um planejamento que leve em conta, também, as singularidades desses alunos para que o conteúdo seja dado, mas que as suas especificidades não sejam esquecidas. Pensando nisso comecei a procurar outras pesquisas com palavras-chaves que fizessem ligações com essa, para entender o que já havia sido estudado e publicado. UM OLHAR SOBRE O TEMA E A PERGUNTA A SER FEITA Como forma de tentar dar corpo ao nosso estudo, desenvolvemos o estado da arte, usando como fontes o Banco de Teses e Dissertações da CAPES, o Repositório da Produção Científica e Intelectual da Unicamp, o Portal de Periódicos do Sistema Universitário de Bibliotecas da UFBA, os anais do Congresso Nacional da Federação de Arte Educadores do Brasil – Confaeb e os anais da Associação Brasileira de Artes Cênicas – ABRACE. Nesta busca, utilizei os termos “Teatro na escola”, “Montagem na escola”, “Espetáculo na escola”, “Ensino de Teatro na escola”, “Teatro e ensino fundamental” e “Teatro e inclusão escolar”, com um recorte temporal de cinco anos (2014-2019). Nessa procura, elenquei nove trabalhos que se aproximavam dos tópicos abordados na presente pesquisa, de forma a conhecer o que já foi desenvolvido sobre esses assuntos. Por meio dessa busca, encontrei trabalhos do Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, do Repositório da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, do Repositório da Universidade Federal da Bahia – UFBA, dos anais do CONGRESSO NACIONAL DA FEDERAÇÃO DE ARTEEDUCADORES DO BRASIL – Confaeb e dos anais da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas – ABRACE, são eles: A pesquisa intitulada Era uma vez um amor especial: um delicado processo pedagógico de ensino de teatro para alunos com necessidades educacionais especiais (2015), de Patrícia Mesquita Viana de Faria, realizada na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de Artes Cênicas – 27 PPGEAC, discute a importância do fazer teatral para a aprendizagem de jovens e adultos com deficiências específicas, sendo elas: deficiência física, sensorial ou intelectual, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades ou deficiência múltipla. A pesquisa é baseada na experiência de trabalho da pesquisadora em duas escolas públicas especiais do município do Rio de Janeiro, propondo o ensino de teatro para alunos especiais. A dissertação é dividida em introdução, três capítulos e considerações finais. No primeiro momento, a autora discute o ensino de Teatro na perspectiva da educação inclusiva, pensando em inserção, currículo inclusivo e formas de avaliações; no segundo, fala sobre a relação do Teatro e a educação especial, dialogando com Piaget, Vygotsky e Paulo Freire, também discute a ideia de Jogo e propostas metodológicas com o que ela intitula de "ensino especial", onde posteriormente traz um relato de experiência sobre a montagem com alunos especiais jovens e adultos. No palco, professoras de teatro: corpo e identidades em perspectiva verbo-visual (2015), pesquisa de Reinaldo Kovalski de Araújo, da Universidade Federal do Paraná, no Curso de Pós-Graduação em Educação. O trabalho almeja compreender o efeito de sentidos de corpo e identidades que transpassam o ser professor de Teatro, na perspectiva verbo-visual. A coleta de dados desse trabalho foi feita em um projeto de pesquisa com professoras egressas do curso de Licenciatura em Teatro. Desse projeto nasceu uma encenação, chamada REQUEER; ao final da montagem dessa encenação, as professoras envolvidas elaboraram protocolos teatrais voltados para experiência do grupo. O pesquisador se propõe a discutir com autores como Michel Pêcheux, Eni Orlandi, Michel Foucault, Judith Butler e Guacira Lopes Louro. Na dissertação, o autor coloca em primeiro momento o percurso que o conduz a essa escrita. No segundo plano, estabelece acordos com o leitor e mostra o cerne principal da pesquisa, fala sobre corpos e identidades na teoria QUEER. Em seguida, fala sobre o processo de montagem do espetáculo supracitado e protocolos utilizados, dialogando com Bertolt Brecht. Expõe os discursos das professoras em cena, mostra fotos de performances e as explica para, por fim, concluir que os resultados mostrados fazem parte na verdade de um processo e, assim sendo, são mutáveis. O autor diz ainda que no lugar de professor e pesquisador reconhece as dificuldades de falar sobre questões de identidade, gênero e corpo, principalmente no ambiente escolar, e se utiliza da arte para um diálogo. Entre ecos e narcisos: Estudo de caso sobre a prática teatral com adolescentes como atividade extracurricular numa escola de nível médio (2014), pesquisa de Monique Dias de Oliveira, realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pelo Programa de Pós- 28 Graduação em Artes Cênicas – PPGArC. Dissertação que investiga o ensino de teatro para adolescentes que cursam o ensino médio em uma escola da rede Estadual em Natal/RN, buscando pesquisar por que a maioria desses alunos desenvolvem atividades teatrais desvinculados da oferta de disciplinas obrigatórias e após concluir o ensino médio, alguns continuam desenvolvendo práticas artísticas na escola e passam a participar do contexto cultural da cidade. A autora distribuiu sua escrita em introdução, três capítulos e considerações finais. No primeiro capítulo fala sobre adolescência e juventude, o mito que intitula a dissertação e a sua relação com os adolescentes do século XXI, bem como os paradigmas, protagonismo e empoderamento que cercam a juventude. O estudo de caso é colocado no segundo momento, o projeto “A arte dramática na construção da cidadania” aconteceu na Escola Estadual Berilo Wanderley. A autora subdivide o capítulo em três subseções: na primeira caracteriza os espaços e as pessoas envolvidas, na segunda afirma o Teatro como atividade educativa extracurricular, trazendo reflexões sobre a metodologia de ensino extracurricular de Teatro, e na última fala sobre o teatro, a convivência com os participantes das oficinas e apresenta alguns personagens da história. No último capítulo, fala da educação dialógica, expondo situações que aconteceram durante as oficinas e dialogando com autores, trazendo, por fim, bases conceituais da pedagogia. Finaliza a dissertação dizendo: O teatro na escola elevou a estima de todos e deu oportunidades de escolha, mostrando que existe uma série de sentimentos e predisposições simbólicas que 148 impulsionam resistências ao que está posto, evidenciam potencialidades e possibilidades de intervenções sociais por parte da juventude. Revelando para Ecos e Narcisos um mundo muito além da gruta. (OLIVEIRA, 2014, p. 147). Práticas teatrais em um Curso Livre de Teatro: Uma experiência artístico-pedagógica em que o teatro que se faz é o teatro que se ensina (2014), dissertação de Eduardo Carlos Brasil Pereira, pela Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas; pesquisa que trata do ensino de Teatro para não atores, analisando como esse fazer teatral pode auxiliar na compreensão e a percepção da ideia de grupo. Esse trabalho utiliza jogos teatrais, treinamentos e improvisações para criação de um espetáculo. A dissertação é dividida em introdução, três capítulos e considerações finais. Ao final de cada seção o autor coloca uma imagem e pequenos trechos de um poema desenvolvido por 29 um dos alunos do grupo, que ele chama de “Transição”, os trabalhos acontecem anualmente, com uma turma composta por 20 pessoas, com duração de dez meses. No primeiro capítulo fala da trajetória do grupo, no segundo expõe as referências que influenciaram o trabalho deste desde 2005 e no terceiro discute conceitos relativos à teatralidade, pedagogia teatral e processos criativos. Ao fim da dissertação, coloca termos como “criação” e “partilha”, que estão presentes nas aulas do curso, traz também a ideia de um diário de bordo coletivo, em que cada participante é responsável por registar de forma livre o encontro, seja por desenho, texto, colagem, poema, entre outras formas. Sobre a partilha, coloca que é “[...] antes de tudo, uma roda de escuta, para ouvirmos do outro sua experiência, sua percepção. O último a receber o bastão diz seu nome e encerra a partilha.” (PEREIRA, 2014, p. 118), e finaliza a dissertação se apresentando e encerrando a partilha, como se a escrita fosse a roda do grupo. Teatro e ensino importância de atividades teatrais no contexto escolar, de Joyce Galon da Silva Moronari (2019), pelo Mestrado em Letras Profissional (PROFLETRAS) que consta na revista dos estudantes de Pós-Graduação do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia. A pesquisa aponta uma reflexão sobre Teatro e ensino, mostrando que o Teatro pode contribuir para a formação dos alunos, apostando em um processo colaborativo. O artigo apresenta reflexões sobre o ensino de teatro com o objetivo de contribuir para a formação dos alunos. Elenca alguns pontos positivos para utilizar o Teatro na educação formal, proporcionando experiências, liberação da agressividade, aumento potencialmente da criatividade, entre outros; coloca também as dificuldades em relação ao trabalho na escola. Conclui que: “É preciso que o professor busque novas práticas que priorizem uma metodologia de ensinoque objetive principalmente a formação do aluno como um sujeito autônomo, autor de sua própria história” (MORONARI, 2019, p. 11). Corpo Conforme: O Documentário como Estratégia Pedagógica de Resistência e Inclusão no Contexto Educacional, pesquisa de Carla Luzia de Abreu Ítalo e Augusto de Castro (2018), realizada pelo Programa Bolsas de Licenciatura (PROLICEN/UFG) na Universidade Federal de Goiás. O artigo busca dialogar com as possibilidades de práticas pedagógicas de resistência e difusão de visualidades alternativas que devem ser discutidas em sala de aula. Trata-se da pesquisa e montagem de um documentário sobre corpos. Os autores relatam que os participantes do projeto ajudaram em sua construção, seja com experiência, histórias e diálogos sobre gênero e sexualidade, por isso os relatos presentes no resultado final fazem parte de uma rede de coleta de dados através de entrevistas gravadas em áudio e vídeo. 30 Por fim, afirmam: “Nossa intenção ao produzir o material audiovisual foi oferecer ao professorado um recurso que colabore com práticas pedagógicas inclusivas e abra espaços para as discussões que problematizam as representações sociais [...]” (ABREU; CASTRO, 2018, p. 220). O teatro, os jogos teatrais e a sala de aula (2017), trabalho desenvolvido por Aline Paz Almeida, na Universidade Federal da Paraíba – UFPB, no Mestrado Profissional em Artes que investiga o espaço que o jogo e o teatro ocupam na vida das crianças e na sala de aula, buscando entender como a aprendizagem se solidifica na infância. Discutindo o papel dos jogos teatrais no ensino de artes. Esse artigo é parte da pesquisa de mestrado da autora, cujo título é PEDAGOGIA DO TEATRO E ALTERIDADE: desafios e reflexões na realidade escolar. Ele foi produzido através de uma pesquisa qualitativa, que busca entender o espaço que o Teatro e o Jogo ocupam na vida dos estudantes, bem como compreender a importância de utilizar o teatro como pedagogia para o ensino em um campo formal. Inicialmente a autora faz um apanhado histórico, mostrando que o Teatro sempre esteve presente na humanidade, até chegar no ensino de Teatro no Brasil. Traz também a ideia do professor diretor que, segundo ela, “é responsável por dirigir, articular as demandas entre os sujeitos da ação, além de compartilhar, trocar e desenvolver novos saberes com seus alunos em sala.” (ALMEIDA, 2017, p. 13). O artigo finaliza com a autora afirmando que apesar das dificuldades encontradas no ensinar Teatro nas escolas, acredita que o trabalho tem potência para dar novas oportunidades e ampliar o universo dos alunos. A encenação como prática pedagógica dentro do Ensino Fundamental (2018), pesquisa de Pedro Haddad Martins, da Escola de Comunicações e Artes – ECA na Universidade de São Paulo – USP, relata uma experiência teórico-prática a respeito do processo de montagem e apresentação de peças com crianças do Ensino Fundamental. O artigo, que consta nos Anais da ABRACE, se trata de uma reflexão teórico-prática sobre as montagens e apresentações de peças teatrais com alunos do Ensino Fundamental. A partir da experiência com montagens em 38 turmas, o autor afirma que a encenação é potente como prática pedagógica, considera ainda que essa experiência é fundamental para formação dos estudantes. O autor utiliza como autoras principais Winifred Ward e Viola Spolin. O autor coloca a discussão das apresentações teatrais, que muitas vezes são solicitadas ou colocadas em um lugar raso de – parafraseando o autor – “pecinhas” são apresentadas pensando unicamente no deleite do público; ele afirma que ao aplicar esse modelo “afasta-se 31 assim o aluno-autor da experiência de fazer arte, já que os procedimentos são passados como mera informação, mera ordem a ser seguida.” (MARTINS, 2018, p. 2). Após o supracitado, ele traz a ideia que o ensino de artes só é completo com a apresentação da montagem, já que o Teatro é uma arte presencial, que acontece com o contato direto com o público. Em seguida, elenca os principais objetivos do processo de elaboração de uma peça. Quem será a plateia? Quais são as habilidades dos meus atores? Esta é uma peça que eu posso trabalhar? A peça é teatral? Será uma experiência criativa para todos? Será divertido montá-la? Ela tem vida (realidade)? Ou é Psicodrama? Ela é de bom gosto? Irá proporcionar uma experiência nova, provocar raciocínio para a plateia e assim possibilitar uma compreensão? O autor sugere que o professor se faça essas perguntas e discute cada ponto no corpo do texto, finalizando com o diálogo com outros autores. Apontamentos sobre um processo colaborativo no ensino das Artes Cênicas (2018) é o nome do artigo de Aramís David Correia, que apresenta um relato de experiência sobre um processo de criação colaborativo no âmbito teatral, que acontece no Instituto Federal do Rio de Janeiro, com turmas do ensino médio. O grupo resolveu montar de forma colaborativa uma peça utilizando como cerne principal o estupro coletivo de uma jovem por trinta e três homens, no Rio de Janeiro. Inicialmente o autor utiliza o pensamento de Jerzy Grotowski para debater sobre a ideia de encontro, afirmando que este seria a condição de existência do Teatro. “Isto é, pode ser que se dê em diferentes qualidades ou potências, mas, em um nível elementar, sem que um indivíduo se coloque diante do outro fazendo algo com a intenção de ser visto, não haverá teatro.” (CORREIA, 2018, p. 2). O autor cita como referência grupos brasileiros que enfatizam a coletividade, tais como: Arena, Oficina, Asdrúbal Trouxe o Trombone, Grupo Galpão, Cia. Dos Atores, Teatro da Vertigem e grupos internacionais como: Odin Teatret, Théâtre das Buffes du Nord e Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski. Em seguida, discute a transição que a maioria dos grupos tem feito, segundo ele, de processos de criação coletiva para processos colaborativos. Por fim, o autor traz um relato de experiência sobre a montagem que aconteceu no IFRJ, no ano de 2016 e conclui que é necessário um processo horizontal de proposições cênicas, que a montagem amplia a escuta coletiva e permite que esses estudantes sejam mais sensíveis ao outro e suas realidades. Dos trabalhos citados anteriormente, nenhum contempla a questão da montagem teatral no Ensino Fundamental II – Anos Finais com a participação de alunos com deficiência, 32 por esse motivo, o cerne do meu estudo é a montagem teatral como prática pedagógica inclusiva para o ensino de Teatro no contexto escolar, com a seguinte questão problema: quais processos são necessários para garantir a inclusão no processo de montagem? Pensando nisso, faço uma reflexão sobre a prática inclusiva que desenvolvi com as turmas do 9º ano ao longo do ano letivo de 2019, onde montamos e apresentamos a peça A Pena e a Lei, de Ariano Suassuna, usando uma estética inspirada no Movimento Armorial. OBJETIVOS Geral: Analisar o processo de montagem de uma peça teatral, por intermédio de uma prática pedagógica inclusiva que considere a participação de crianças com e sem deficiência em contexto escolar. Objetivos específicos: • Verificar as atividades anteriores e integrantes ao processo de montagem, tais como: jogos, ensaios, entre outros, como forma de experimentação do Teatro, envolvendo alunos com e sem deficiência; • Explorar as tecnologias da cena como parte integrante da linguagem teatral; • Refletir sobre a construção cênica e as percepções dos estudantes sobre a experiência compartilhada. Nessa seção, de caráter introdutório, tratamos inicialmente da minha trajetória acadêmica, das experiências durante a formação docente, no PIBID e nos Estágios Supervisionados, da inserção no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Trouxemos alguns conceitos norteadores deste trabalho, até chegar no foco principal da presente pesquisa. Na segunda seção, intituladaA SALA DE ENSAIO(S): O ESPAÇO-CONVITE DAS [IM]POSSIBILIDADES, faço a caracterização do campo de pesquisa, no que chamo de reconhecimento da sala de ensaio e explico com quais turmas irei trabalhar. Na subseção Escolha do elenco, falo das escolhas metodológicas e processuais. Na terceira seção, intitulado DOS BASTIDORES: PROCESSOS E DESCOBERTAS, descrevo os processos desenvolvidos em sala de aula, em especial as descobertas sobre as tecnologias da cena, como foram experimentadas sem muitos recursos, o processo de estudo da dramaturgia e os primeiros esboços de maquiagem e figurino, entre outros aspectos da cena. 33 Na quarta seção, O LUGAR DE ONDE SE VÊ: A POSSIBILIDADE DE CRÍTICA E AUTOEXPRESSÃO, conto como foi a apresentação e trago relatos de experiência dos espectadores ativos, agentes do fazer teatral. Utilizo, portanto, uma noção espacial que permeia as três últimas seções: o espaço físico em branco, que é a escola e o espaço físico que ela ocupa, que nos dá várias possibilidades; o espaço da criação artística, que é o processo de criação junto com os alunos, o que construíram, o conhecimento partilhado, as trocas; e o último, que se trata do espaço do papel onde eles escreveram seus relatos de experiência, o momento em que deixo que eles contem suas versões sobre o processo. Por fim, encontram-se as considerações finais sobre a pesquisa, onde reforço alguns pontos relevantes para esse fechamento, seguindo dos Anexos (com fotos da apresentação) e Apêndices (contendo uma descrição reflexiva dos alunos, referente às atividades desenvolvidas durante o processo; e um questionário para os funcionários da escola que acompanharam e/ou assistiram a montagem teatral). 34 CAPÍTULO 1 – A SALA DE ENSAIO(S): O ESPAÇO-CONVITE DAS [IM]POSSIBILIDADES 1.1 RECONHECIMENTO DO ESPAÇO DE ENSAIO Na montagem de uma peça, precisamos inicialmente reconhecer os espaços físicos que vão nos acompanhar durante todo o processo. Nesse caso, o lugar é uma cidade no interior do Rio Grande do Norte, a 176 km da capital. Segundo os dados do IBGE, a população no último censo de 2010, era de 12.404 habitantes, a densidade demográfica era de 47,90 hab/km2; o salário médio mensal dos trabalhadores formais em 2019 era de 5,1 salários mínimos; a taxa de escolarização de 6 a 14 anos de idade era de 96,8%; o PIB era de R$ 90.678,84 (noventa mil e seiscentos e setenta e oito reais e oitenta e quatro centavos); já a mortalidade infantil no mesmo ano era de 18,12 óbitos por mil nascidos vivos. Abaixo, um mapa retirado da plataforma digital do IBGE, que mostra o Estado do Rio Grande do Norte destacando o município de Guamaré e indica sua população no último censo. Figura 1 - Mapa mostrando a população da cidade de Guamaré/RN. Fonte: IBGE (2010). A Escola Municipal Benvinda Nunes Teixeira está localizada na zona urbana, mais precisamente na Rua Nicolau Vieira de Melo, nº 119, no centro da cidade. Essa é a maior escola de rede básica municipal de Guamaré. 35 Em meados de 1979, o município não dispunha de escolas que atendessem o que hoje conhecemos como Ensino Fundamental II – Anos Finais, os alunos que concluíam a 4º série, hoje 5º ano do Ensino Fundamental I – Anos Iniciais, se deslocavam para Macau, município vizinho. O transporte dos estudantes era precário e acarretava riscos, então Guamaré funda a escola supracitada, cujo nome foi dado em homenagem à mãe de um político local. Por não dispor de um prédio físico, as aulas aconteciam em salas cedidas pela Escola Estadual Monsenhor Joaquim Honório. Em 1986, teve sua sede construída, inicialmente com seis salas de aula, diretoria, secretaria, sala de professores, cozinha, sala de leitura e quatro banheiros. Em meados da década de 90, a escola passou por um processo de expansão, houve novas contratações e a construção de mais duas salas de aula. Em 2001, a escola elaborou um Plano Político Pedagógico – PPP, que rege a atividade docente baseada nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN e na Lei de Diretrizes e Bases – LDB (BRASIL, 1996), pois até então só dispunha de licença legal para funcionar. Atualmente o PPP está sendo realinhado. Em termos estruturais a escola é precária, tem problemas na arquitetura e nas redes elétricas e hidráulicas, não é acessível, não dispõe de laboratórios e tampouco de salas para aulas práticas. Em 2019, a equipe docente era formada por quarenta e um professores efetivos e trinta e nove professores contratados por um processo seletivo. Parte desses professores são de educação especial, que acompanham os alunos com necessidades especiais durante as aulas. Porém, trata-se de um trabalho árduo, e infelizmente a escola está fadada a retirar esses alunos da sala de aula e levá-los para a sala de Atendimento Educacional Especializado, onde desenvolvem atividades paralelas às aulas, fazendo projetos isolados apenas com eles. Acreditam que estão em um processo de inclusão, quando na verdade não estão. Figura 2 - Sala de aula reorganizada para a aula de Artes-Teatro, turma do 9º ano C durante o ensaio da peça. Fonte: Arquivo pessoal. 36 Dessa forma, as aulas da disciplina de Artes-Teatro aconteceram nas salas de aula convencionais, com quadro branco, birô, cadeiras e mesas. Esse espaço foi adaptado ao longo do processo para que pudéssemos realizar os ensaios. Por vezes, utilizamos também o auditório e o refeitório. Abaixo, alguns registros que representam as ocupações desses espaços durante o processo e traduzem as condições efetivas do desenvolvimento do trabalho pedagógico. Figura 3 - Refeitório sendo utilizado para aula de Artes-Teatro, turma do 9º ano B fazendo a leitura do texto. Fonte: Arquivo pessoal. A aproximação com os alunos aconteceu de diversas formas. As turmas tinham dinâmicas diferentes, quantidades de alunos distintas e perfis destoantes, dessa forma, alguns aceitaram a proposta com empolgação, outros acharam a ideia péssima e permaneceram em negação por um tempo. O primeiro passo para passar por essa fase, foi esperar o tempo, respeitar o afastamento de alguns alunos sem excluí-los do processo, deixando claro que, a qualquer momento, eles poderiam se envolver de forma mais direta. É relevante salientar que, em Guamaré, a comunidade já está habituada a integrar crianças e adolescentes em projetos artísticos antes fomentados pela Petrobras, hoje mantidos pela prefeitura. Nesses locais, é possível ter aula de teatro, dança, música (canto e instrumentos), artes plásticas, artesanato e afins. Ou seja, não se trata de algo distante da realidade da população guamareense. 1.2 FORMAÇÃO DO ELENCO Após considerar os pontos descritos acima, definir o tipo de pesquisa e o espaço para os ensaios, comecei a pensar qual das turmas faria parte desse processo. Defini então que o estudo se daria na turma 9º ano A, pois nessa sala tinha uma aluna com deficiência física e 37 cognitiva e outra aluna com dislexia. Posteriormente, entendi que as três turmas de 9º ano deveriam fazer parte dessa investigação. A turma em questão tinha 31 (trinta e um) alunos, sendo 16 (dezesseis) meninas e 15 (quinze) meninos; já a do 9º B tinha 25 (vinte e cinco) alunos, sendo 10 (dez) meninas e 15 (quinze) meninos; e a do 9º C com 24 (vinte e quatro) alunos, 13 (treze) meninas e 11 (onze) meninos. O 9º ano A era a turma com mais alunos que residiam na zona urbana da cidade, também era a turma com mais filhos de funcionárias da escola e a única com alunos com deficiência, nesse caso, duas alunas, como mencionado. A aluna com dislexia era muito envolvida, dedicada e participativa; a outra aluna com deficiência cognitiva e física é cadeirante e era acompanhada pela professora de Educação Especial, Vitória de Araújo. A mãe da aluna com dislexia era funcionária da secretaria da escola e desdeo início conversávamos bastante sobre o aprendizado da estudante. A ponte para meu contato com os pais da aluna com deficiência física e cognitiva foi Vitória, os pais da aluna são muito envolvidos na sua formação e abertos ao diálogo, sempre apoiaram a vontade da filha de participar das aulas do projeto de Teatro, que acontecia no contraturno e não era obrigatório. Irei usar o nome fictício de Ingrid para a primeira aluna e de Marina para a segunda, para preservar a imagem de ambas. A aproximação com os pais foi de suma importância durante esse processo, pois fui entendendo o que essas adolescentes gostavam de fazer, comer, escutar, para quais lugares elas costumavam sair e pude utilizar essas informações para envolvê-las nas aulas. Marina é filha de quadrilheiros, pessoas que montam apresentações de quadrilha, ela sempre se apresentou e adora participar de festivais que envolvem o público. Já Ingrid é um pouco mais tímida, gosta de estar nos bastidores, identificou-se muito com a iluminação cênica, ficou à frente do seu grupo e deu propostas para a cena. Essas alunas participaram do processo de montagem teatral sem nenhuma restrição. Marina encerrou a peça sendo a personagem Cheirosa, a atriz dona do mamulengo. Os demais alunos, em suma, eram nivelados, grande parte deles moram nos distritos do município, em áreas mais carentes. As turmas têm poucos alunos novatos, a maioria deles se conhecem, pois já estudaram juntos em anos anteriores, sendo assim tem uma interação maior. A turma 9º ano A tem alguns alunos que são filhos de professores ou funcionários da escola, é a turma mais numerosa, no 9º B a maioria dos alunos mora na cidade e no 9º C os alunos são dos distritos e são repetentes. O processo de aproximação das turmas comigo, e de todos nós com o Teatro, deu-se gradualmente, com cautela, porque primeiro era necessário que eles entendessem quem eu 38 era, para além do julgamento da “professora jovem”. Então sempre que iniciava as aulas com a turma, relatava como conheci o Teatro e como ele foi importante na minha vida, por todos os motivos que já citei anteriormente. Explicava que era formada, que estudei em uma universidade conceituada e que tinha me preparado para passar da melhor forma para eles o Teatro. Alguns se mostravam contagiados pelo meu amor pelo Teatro, outros apenas não entendiam o porquê de estudar Teatro. As primeiras proposições de jogos no espaço da sala de aula eram complicadas, pois estavam habituados ao método tradicional e à configuração de professor na frente da sala, em pé, escrevendo no quadro e o aluno sentado em fileiras, escrevendo e em silêncio. Para o termo Jogo, utilizo a explicação de Ingrid Koudela (2005, p. 147): O termo theater game (jogo teatral) foi originalmente cunhado por Viola Spolin em língua inglesa. Mais tarde ela registrou o seu método de trabalho como Spolin Games. A autora americana estabelece uma diferença entre dramatic play (jogo dramático) e game (jogo de regras), diferenciando assim a sua proposta para um teatro improvisacional de outras abordagens, através da ênfase no jogo de regras e no aprendizado da linguagem teatral (SPOLIN 2001; 1999). Observando o que foi mencionado, o jogo que falamos é improvisacional, acontece no momento e em coletivo, utiliza-se de regras, mas é mutável na ação de jogar, interagir com o outro e criar uma narrativa. Os autores Karine Ramaldes e Robson Camargo (2017, p. 142) explicam a organização dos jogos teatrais e a estrutura dramática do Quem, Onde e O Quê: Neste formato palco/plateia, desenvolvem-se os principais procedimentos metodológicos dos jogos teatrais sistematizados por Spolin: o Foco, a Instrução e a Avaliação. Além disso, Spolin propõe o trabalho improvisacional a partir Os Jogos Teatrais de Viola Spolin - Uma pedagogia da experiência de uma estrutura dramática: o estabelecimento do Quem (personagem/relacionamento); do Onde (cenário/ambiente) e do O Quê (ação desenvolvida pela personagem). Desse modo é possível concretizar uma proposta de ensino de teatro que abarque os principais elementos da arte teatral porque esta organização estimula o educando/jogador a vivenciar a arte teatral e a refletir praticamente acerca dela, sem a dependência de um texto dramático a ser necessariamente seguido. Então, estes são os principais elementos estruturantes da sistematização dos jogos teatrais de Spolin. Com a proposição acima, podemos criar uma história por meio do jogo, sem depender de um texto. Desta forma, é possível brincar com o processo criativo, experimentar novas 39 formas de fazer e não se prender ou engessar em palavras. Viola Spolin nos apresenta relatos de alguns professores, conforme mostrado abaixo: Em minhas aulas, como professor do Ensino Fundamental da rede pública da cidade de São Paulo, utilizei o sistema de jogos teatrais para a construção de situações de produção de textos narrativos. A partir da estrutura básica (Onde, Quem, O quê) e da focalização das próprias ações na produção de textos, os alunos tiveram a oportunidade de improvisar situações que eram transformadas em narrativas escritas. Inventar histórias a partir de uma linguagem cênica permite a conscientização e a visualização de acontecimentos, cenários e personagens. Isto facilitava a discussão com os alunos sobre as histórias narradas por escrito e a reestruturação dos textos quando necessário. – Ulisses Ferraz de Oliveira, professor de teatro e de português de Ensino Fundamental. (SPOLIN, 2006, p. 16). As aulas práticas passaram por um processo de aceitação, foi necessário tempo para que os alunos pudessem adquirir confiança na condução e na metodologia até então desconhecida. Entendi que a confiança foi estabelecida no momento em que percebi o quanto eles estavam se divertindo, rindo e jogando durante a aula. Até que eles entenderam que tudo aquilo ainda era aula, ainda era aprendizado e, sobretudo, era Teatro. 1.3 ESCOLHAS PROCESSUAIS Essa pesquisa busca produção de conhecimento, com observação e intervenção do objeto a ser pesquisado, portanto, trata-se de uma pesquisa intervenção, com o objetivo de interferir na situação pesquisada, na tentativa de refletir sobre ela. Ao mesmo tempo em que busca mapear a situação problema, propõe alterações que levem a um aprimoramento da prática pesquisada. Nesse sentido, apostar no ensino de Teatro na escola, propondo a prática teatral como método de ensino, partindo de uma prática inclusiva na sala de aula. Sobre pesquisa intervenção, Solange Souza e Elaine Albuquerque (2012) explica o pensamento do filósofo Bakhtin para a pesquisa na área de Ciências Humanas. Com base nas premissas do pensamento de Bakhtin, faz-se necessário levar em conta que o ato de pesquisar é um momento marcado pela excepcionalidade, ou seja, é um acontecimento único, e que deve ser entendido no âmbito de tal dimensão singular. Nessa perspectiva o pesquisador rompe com a pretensa neutralidade na produção do conhecimento em ciências humanas, deixando-se afetar pelas circunstâncias e pelo contexto em que a cena da pesquisa se desenrola. Na medida em que este fato é inevitável, a questão para o pesquisador não é mais controlar a sua performance para minimizar ao máximo as consequências de suas atitudes 40 no campo, mas, ao contrário, faz-se mister tornar explícito no seu relato o modo como as circunstâncias o afetam. Em outros termos, o pesquisador se indaga sobre a especificidade do conhecimento que é produzido de forma compartilhada, na tensão entre o eu e o outro, por meio de uma cumplicidade consentida entre ambos. (SOUZA; ALBUQUERQUE, 2012, p. 111). A pesquisa em Ciências Humanas exige particularidades, não é apenas qualitativa ou quantitativa, ela é tátil, mutável. Quando iniciamos uma pesquisa com intervenção é preciso entender que oespaço a ser pesquisado e o pesquisador serão afetados. A pesquisa não segue um roteiro linear do início ao fim, no processo, muitas vezes é preciso ter sensibilidade e ver que algumas proposições iniciais não funcionam, portanto, é preciso estar aberto para procurar novos meios. A pesquisa é sempre um espaço de aprendizado, acompanhado de vários anseios, questionamentos, leituras, mas acima de tudo de partilha. Os documentos utilizados ao longo desta pesquisa estavam presentes na minha atuação profissional, tais como: os planos de aula, planejamentos anual e bimestrais, as atividades da disciplina, em especial o projeto interdisciplinar promovido pela escola, os principais documentos que regem a educação (BNCC e o PCN da escola), as fotografias ao longo do processo, a coleta do relato escrito dos alunos e alunas dos 9º anos e um formulário com as professoras de língua portuguesa e a coordenadora dos Anos Finais. Para efeito de enfoque, daremos destaque à turma do 9º A, pois as duas alunas com deficiência pertenciam a essa turma. 1.4 OS PERSONAGENS E AS PRIMEIRAS CENAS Nessa pesquisa, trabalhamos com turmas de uma escola municipal cujos conteúdos são organizados em uma divisão bimestral, ou seja, a cada dois meses temos um conteúdo programático e precisamos avaliar os estudantes. Inicialmente trabalhamos com histórias em quadrinhos, analisando as imagens e os diálogos separadamente. O primeiro exercício consistiu em observar três histórias em quadrinhos: inicialmente era apresentada a HQ com as falas ocultas, onde foi pedido aos alunos que criassem diálogos e, posteriormente, era mostrada a história com o diálogo original. Abaixo, as histórias utilizadas: 41 Figura 4 - História em Quadrinho 1. Fonte: Brainly5 Figura 5 - História em Quadrinho 2. Fonte: Pinterest6. Figura 6 - História em Quadrinho 3. Fonte: Site da L&PM Editores7. 5 Disponível em: < https://brainly.com.br/tarefa/36859318>. Acesso em: 07 de abr. de 2021. 6 Disponível em: <https://br.pinterest.com/pin/373658100310707513/>. Acesso em: 07 de abr. de 2021. 7 Disponível em: <https://www.lpm- editores.com.br/site/default.asp?TroncoID=805133&SecaoID=816261&SubsecaoID=935305&Template=../artig osnoticias/user_exibir.asp&ID=819453>. Acesso em: 07 de abr. de 2021. https://br.pinterest.com/pin/373658100310707513/ 42 Propus com essa atividade que os estudantes observassem com maior atenção as imagens e a expressão dos personagens. À medida que iam sugerindo falas para as tirinhas, outros colegas opinavam e surgiam novas possibilidades, com o objetivo de reconstruir essas narrativas. Após essa dinâmica, era apresentado a eles o diálogo original de cada HQ. Em seguida, pedi para que escolhessem uma das três histórias em quadrinhos que foram mostradas acima e, assim, descrevessem os personagens, escolhessem um nome para eles, idade, profissão, o que gostavam, o que não gostavam e algumas características físicas. Na aula seguinte, cada um apresentou o seu, dizendo qual a história escolhida, o personagem e compartilhando com a turma as características que atribuiu a ele. A aluna com dislexia conseguiu realizar a atividade sem dificuldades, já a aluna com deficiência, que tem a coordenação motora comprometida, não iria conseguir realizar da forma que foi sugerida. Prontamente conversei com a professora de educação especial que a acompanhava e perguntei como poderíamos desenvolver essa atividade. Ela perguntou se poderia desenhar, já que a aluna conseguia escrever apenas o seu nome e copiava algumas palavras curtas, então perguntei se ela tinha contato com massinha de modelar. Conversamos e expliquei o que era a personagem, ela disse que gostaria de usar a massinha para se representar, juntamente com duas alunas que eram mais próximas a ela e eu. Percebi nesse momento que ela não havia conseguido entender a proposição da atividade, mas diante de sua empolgação permiti que assim fosse e a representação foi a seguinte: Figura 7 - Atividade desenvolvida pela aluna com deficiência. Fonte: Arquivo pessoal. A partir desse trabalho, começamos a entender melhor os elementos: quem eram os personagens; onde, em que cenário estavam; e o quê, qual a ação que estavam desenvolvendo. Com essas informações, passamos a pensar em novas construções cênicas, 43 desta vez partindo de temas propostos pelos próprios alunos. Começamos, então, a esboçar as primeiras cenas na disciplina, criando dramaturgias curtas e dando vida a elas. Abaixo um registro: Figura 8 - Registro de uma das apresentações feitas em sala, abordando feminismo na década de 50. Fonte: Arquivo pessoal. As alunas queriam trabalhar o feminismo nessa cena, discussão muito presente nessa turma. Na cena, uma das mulheres era entrevistada em um programa de TV na década de 50, enquanto duas outras a julgavam por usar roupas distintas e por “aparecer demais e ser vulgar” – como elas disseram. Em seguida, utilizamos o tema e debatemos com a turma, buscando entender a problemática e discutir sobre a divergência de pensamentos. Outros temas como violência doméstica, estupro, exploração do trabalho infantil e intolerância religiosa surgiram nessa fase do processo. Segue mais um registro: Figura 9 - Registro da apresentação sobre trabalho infantil. Fonte: Arquivo pessoal. Esse trabalho de montagem de cenas curtas, a partir da problemática levantada pelos alunos, repercutiu positivamente na escola. Eles comentavam que precisavam se preparar para 44 as aulas de Teatro e as turmas de 9º ano se ajudavam no processo de aperfeiçoamento dessas cenas, trocavam figurinos e até alguns objetos que conseguiam emprestado com a escola, como os cabos de vassoura que aparecem na foto. Esses alunos conseguiam facilmente transmitir a mensagem, abordar e debater o tema e ressignificar objetos, colocavam-se em cena e se divertiam nesse momento. A montagem dessas cenas a partir de improvisações acabou por unir as turmas, no sentido de estimular o trabalho coletivo. As aulas se tornaram divertidas e leves para todos os alunos. Nesse primeiro bimestre, fizemos avanços importantes. O primeiro passo foi de aproximação, um momento de reconhecimento, pude percebê-los, aconteceu o que costumamos chamar no ramo educacional de “Diagnóstico”, investiguei o que eles gostavam e como poderia encaixar essas informações nas aulas. Juntos descobrimos o que é um personagem (através das Histórias em Quadrinhos), trilhamos narrativas curtas e colocamos o corpo em cena. De forma inicial, brincando, avançamos no processo e passamos de brincadeira para jogo. Nosso segundo passo foram as ações. 1.5 JOGOS (EM)CENA No segundo bimestre, iniciamos o trabalho com os Jogos Teatrais inspirados em Viola Spolin, desta vez utilizando temas propostos pelos alunos para improvisações. Em um dos seus livros, Spolin (2016, p. 18-19) diz: Os jogos teatrais são técnicas do diretor. Cada jogo, quase sem exceção, foi desenvolvido com o único propósito de fazer com que alguma coisa aconteça no palco. Eles solucionam problemas com marcação, personagem, emoção, tempo e as relações dos atores com a plateia. Cada jogo teatral é uma varinha de condão e, como tal, desperta o intuitivo, produzindo uma transformação não apenas no ator/jogador como também no diretor/instrutor. Os jogos eram utilizados com o propósito de preparar os alunos para o momento da atuação, para que eles entendessem no corpo que a montagem não se trata apenas de decorar falas, mas de uma construção, corpo e voz, ritmo coletivo, tempo, movimentação, peso, pausas, tudo deveria acontecer de maneira mais orgânica e integral, e o corpo precisava conhecer esse processo antes de adicionarmos o texto. Porém, eu sempre reforçava a ideia de que eles eram responsáveis pelo espaço, seu próprio corpo e pelo corpo do outro,e que era importante durante as aulas práticas terem essa consciência. Para além disso, uma das alunas é cadeirante, então eles precisavam jogar com ela e respeitar o seu ritmo, ou seja, ela ritmava 45 todo o coletivo. A turma dessa aluna tornou esse movimento de cuidado orgânico, não precisava de indicações ou instruções, eles sabiam que todos na sala eram responsáveis de igual forma. Alguns dos jogos realizados foram tirados de uma das obras de Viola Spolin, tais como: JOGO DO ESPELHO Figura 10 - Foto tirada do livro O Jogo Teatral no Livro do Diretor, de Viola Spolin. Fonte: SPOLIN, 2016, p. 38. Ao desenvolver esse jogo com as turmas, o objetivo era de que os alunos pudessem realizar movimentos de forma tão orgânica que, os colegas que assistissem não pudessem identificar qual deles estava refletindo a imagem do outro. Essa atividade me ajuda a ampliar a visão que eles têm do próprio corpo, lidar com o estar frente a frente com o colega e controlar as emoções nesse momento, empenhando-se para que o objetivo do jogo fosse alcançado. Como trabalho com turmas diferentes, esse jogo fluiu muito melhor nas turmas 9º A e B, porque apesar de ambas serem mais numerosas, eram também mais concentradas; o 9º C demorou um pouco mais a confiar na condução dos jogos, dispersavam muito fácil. Quanto às alunas com deficiência, como expliquei anteriormente, os colegas da turma entendiam o tempo delas e eram muito empáticos ao processo de aprendizagem. Um grupo específico de cinco meninas que eram mais próximas à aluna sempre se revezava para fazer dupla com ela e é importante salientar que isso nunca foi pedido ou imposto por mim, enquanto condutora, foi algo que percebi ao longo do processo. A outra aluna, que tem dislexia, sempre reagiu muito bem, gostava e ficava animada com as proposições. 46 JOGO DO QUEM Figura 11 - Foto tirada do livro O Jogo Teatral no Livro do Diretor, de Viola Spolin. Fonte: SPOLIN, 2016, p. 52. Como disse, utilizamos os jogos de quem, onde e o quê ao longo do processo, e esse foi um deles. Pedi para que trouxessem objetos aleatórios para a aula; alguns trouxeram cosméticos, flores, livros, outros esqueceram e colocaram o que conseguiam, celular, rodos e vassouras emprestados da escola, enfim, colocamos todos os objetos no birô e pedi que eles se dividissem em quatro grupos. Nisso, cada grupo deveria escolher até três objetos disponíveis e montar uma cena com eles, para assim mostrar para os demais onde trabalhavam sem verbalizar isso durante a ação. Esse foi um dos jogos que mais fluiu, pois todas as turmas se envolveram. E como não deu tempo de apresentar todas as cenas em um único dia, a atividade se estendeu por duas semanas, pois todos queriam mostrar o que tinham preparado. E essa parte do jogo em que os alunos se dividiam em palco/plateia era muito importante, pois também estávamos preparando e formando o espectador, ensinando a respeitar o momento do outro, a silenciar e apreciar. Importante salientar que ao longo desse jogo, quando a aluna com deficiência física participou, o onde foi um hospital e ela era a paciente, ao fim da apresentação discutimos o porquê dela não poder ser a médica e os demais os pacientes. A partir dessa discussão, os membros do grupo pediram para refazer a cena e inverteram os papéis. 47 JOGO CONVERSA EM TRÊS Figura 12 - Foto tirada do livro O Jogo Teatral no Livro do Diretor, de Viola Spolin. Fonte: SPOLIN, 2016, p. 80. O objetivo principal ao utilizar esse jogo era o de trabalhar o foco e a concentração, foi realizado com as três turmas, mas desta vez pedi voluntários, então nem todos fizeram. Como se trata de um jogo mais complexo, quis aprofundá-lo com um número menor de alunos, para que entendessem a dinâmica e guardassem a experiência. Basicamente três alunos iam ao centro da sala e a turma escolhia dois temas, um para o jogador da esquerda e outro para o jogador da direita. Já o jogador do meio deveria desenvolver diálogos com os dois sobre os temas distintos, sem misturar as conversas. Após todas as aulas práticas, fazíamos uma roda de avaliação e eles diziam “que bom”, “que pena” e “que tal”, sendo o primeiro algo positivo, o segundo se tratava de algo ruim e o terceiro se referia a alguma sugestão para as próximas aulas. Utilizava essa metodologia para avaliar o quão confortável eles estavam na condução e como eu poderia melhorar. Na maior parte das vezes o “que pena” mais recorrente era que a aula tinha sido muito rápida e eles gostariam de passar mais tempo no jogo. De forma geral, as alunas com deficiência tinham uma boa participação nas aulas. A aluna com deficiência física e cognitiva faltava bastante, em especial no primeiro semestre, pois estava passando por avaliações médicas constantes em outro estado, para uma cirurgia nos membros inferiores; Já a aluna com dislexia era muito presente e dedicada, participava 48 ativamente de todas as aulas e atividades propostas, sempre tirava dúvidas e pedia ajuda quando não compreendia. A primeira aluna citada tinha o desenvolvimento cognitivo similar a de uma criança de 6 anos (ou menos), segundo avaliação do Atendimento Educacional Especializado da escola. Então a maior parte das atividades de escrita e arguição precisavam ser repensadas para garantir a participação. Mas as atividades práticas sempre eram bastante atrativas para ela, e como já falei anteriormente, os colegas sempre garantiam a interação dela no jogo, com atenção e cuidado. Para além dos trabalhos corporais, vimos os profissionais envolvidos em uma peça teatral e suas áreas de atuação, para desconstruir a ideia de que o Teatro é feito apenas pelos atores e atrizes. Estudamos os elementos cenográficos, tais como: maquiagem, figurino, iluminação, sonoplastia e cenário. Esses elementos, que denominamos de cenografia, são tão importantes quanto a encenação dos atores e atrizes. Sobre isso, Sávio Araújo (2005) diz: Se o teatro não é só a arte da dramaturgia, a arte do ator ou a arte da cenografia, não há de ser também apenas uma arte do encenador, mesmo reconhecendo a importância da contribuição deste artista para a harmonização e economia do conjunto dos elementos que estarão em cena. (Idem, p. 53). É preciso pensar no ensino de Teatro não apenas com o olhar de quem ensina a atuar, mas valorizando todas as áreas que dão ao Teatro a sua magia, seu encanto, e isso inclui as áreas técnicas, tais como: cenografia, iluminação, sonoplastia, figurino, maquiagem e cenário. Por meio delas, conseguimos criar novas relações de espaço-tempo. Mostramos, por meio de formas sensoriais – visão e audição, principalmente – uma nova realidade sendo criada para que a história seja contada. A grande magia dessa arte é que as pessoas se juntam para viver/ver/sentir o momento da encenação; sentem-se presentes naquela narrativa, envolvidos. Sávio Araújo (2005, p. 86), explica que os elementos citados já fazem parte da cena e precisam ser estudados com tal cuidado e afinco. Cenário, maquiagem, iluminação, figurino, adereços, e em certos casos também a sonoplastia, são campos de conhecimento presentes nesta perspectiva da Cenografia, participantes da configuração espacial da cena e seus desdobramentos. Nessa primeira seção, reconhecemos o espaço de ensaios, conseguimos formar o elenco da peça e distribuir as funções em grupos, fizemos nossas primeiras escolhas processuais e 49 iniciamos o esboço cênico a partir de jogos teatrais, integrando adolescentes com e sem deficiência no processo. Na próxima seção, iremos perpassar pelas tecnologias e experimentações da cena, bem como pelos ensaios e elementos cenográficos. 50 CAPÍTULO 2 – DOS BASTIDORES: PROCESSOS E DESCOBERTAS 2.1 TECNOLOGIAS E EXPERIMENTAÇÕES DA CENA Antes de iniciaro segundo semestre de aulas, a coordenação da escola chamou os professores de Arte e Língua Portuguesa e pediu que nos últimos dois bimestres fosse desenvolvido um projeto de Literatura e Arte. Em coletivo, escolhemos homenagear o paraibano, escritor, dramaturgo, professor e idealizador do Movimento Armorial8, Ariano Suassuna. Decidimos em reunião que cada turma ficaria responsável por uma peça de Ariano Suassuna, homenageando suas obras mais conhecidas, tais como o Auto da Compadecida, O Santo e a porca e A Pena e a Lei, sendo a última a peça escolhida para as turmas de 9º ano. A pena e a lei é um compilado de três outras peças, dividida em três atos, o primeiro: A inconveniência de ter coragem, o segundo: O caso do novilho furtado, e o último: Auto da virtude e da esperança. A história se passa na cidade de Taperoá/PB, sendo apresentada, inicialmente, por Cheiroso e Cheirosa, donos de um Teatro de Mamulengos, os quais podem ser considerados os narradores da trama. Os personagens são: Benedito, Pedro, Cabo Rosinha, Vicentão Borrote, Joaquim, Mateus, João Benício e Padre Antônio. A peça comporta diversas linguagens e óticas, une a música nordestina, o cordel e o cotidiano do povo nordestino. Envolve a religião e a discussão de céu e inferno, vida e morte. A história é dinâmica, cheia de enganos e traições, acima de tudo, tipicamente nordestina, por isso os alunos adoraram. Alguns perguntaram por que não podíamos ficar com o Auto da Compadecida, expliquei que estava com outra turma e outros logo justificaram: “é bom essa que é menos conhecida, é novidade”. Após a divisão das peças por turmas, era preciso organizar com os alunos como iríamos montá-la. Em vista disso, conversei com as três turmas do 9º ano e apresentei a peça. Fizemos uma leitura coletiva, organizados em círculo. Selecionamos um representante e um suplente para cada personagem; fiz algumas cópias da dramaturgia e reservamos algumas aulas para esse processo de conhecer e entender o texto. Atentando-nos onde ele se passava, como a história era contada e como poderíamos trabalhar. Ao fim de cada aula, discutíamos a 8 O Movimento Armorial surge das manifestações culturais do Nordeste, com o objetivo de manter a cultura popular, preocupando-se em manter as características dessa região. O movimento idealizado por Ariano Suassuna foi dividido em três fases: a primeira é a Fase Experimental, entre 1970 e 1980; a segunda fase aconteceu de 1980 a 1995 e foi chamada de Romançal; e a última, A Fase Arraial, que inicia em 1995. 51 parte lida. Após esse processo, começamos a pensar em estratégias para dividir a obra entre as turmas. A maioria dos alunos relatou que como a peça era dividida em três partes, cada turma poderia ficar com uma. Combinado isso, organizamo-nos para dividir qual turma queria ficar com qual ato, chegando à seguinte divisão: 9º B – I Ato, 9º C – II Ato e 9º A – III Ato. É importante enfatizar que o processo de montagem foi utilizado como metodologia de ensino, em que os alunos aprendem fazendo/assistindo. Dessa maneira, o envolvimento dos alunos com e sem deficiência foi natural e conduzido de forma cuidadosa, sem imposições, eles participavam e interagiam porque se identificavam, se divertiam e aprendiam. Como falei anteriormente, a escola tinha o hábito de separar os alunos com deficiência nas apresentações, porém desta vez, os alunos estavam envolvidos e realmente incluídos no processo. Gama (2016, p. 100) coloca Ao se pensar na encenação como prática pedagógica, no âmbito da pedagogia do teatro, enfatizar-se-á não só esse caminho a ser percorrido pelo encenador, como também as decisões e as escolhas didáticas que definem a trajetória do trabalho e suas relações com o grupo de atuantes. Isso significa estar atento à prática teatral como às discussões teóricas que alicerçam tal prática. Simultaneamente, distribuí cada elemento cenográfico por grupos, ou seja, uma parte de cada turma ficou responsável por pensar no cenário, figurino, maquiagem, iluminação, sonoplastia, enquanto outra parte se dedicava aos ensaios. O grupo que ficou responsável pelo cenário precisava entender os elementos essenciais na peça, como poderíamos fazê-los, qual a proporção e como os colegas que iriam atuar iam dialogar com esse cenário; o que ficou com a sonoplastia deveria entender quais músicas e sons deveriam fazer parte do ato, deveriam também estar presentes nos ensaios e operar o som no momento certo; a iluminação deveria propor uma luz para peça, pensando no espaço da apresentação – nesse ponto éramos muito limitados, pois não havia equipamento, porém estudamos a teoria/ideia das cores e suas simbologias/mensagens. A maquiagem e o figurino foram pensados por grupos distintos, testados durante os ensaios, e, consequentemente foram adaptados. Os grupos comuns de cada elemento cenográfico deveriam conversar com as respectivas turmas, para que ao longo da peça os personagens pudessem ter um diálogo. Abaixo algumas imagens desse processo: 52 Figura 13 - Apresentação do roteiro para Sonoplastia - 9º A. Fonte: Arquivo pessoal. Figura 14 - Apresentação da proposta para a Iluminação - 9º A. Fonte: Arquivo pessoal. Figura 15 - Proposição para o Cenário - 9º A. Fonte: Arquivo pessoal. O autor propõe no texto diferentes estéticas. No primeiro ato sugere que os atores estejam “caracterizados de bonecos de teatro nordestinos, com gestos mecanizados e rápidos” (SUASSUNA, 2003, p. 9), já no segundo ato sugere um meio termo entre boneco e gente, e 53 que apenas no último ato apareçam totalmente “normais”. A proposição inicial era a de seguir a sugestão do autor no que se refere às estéticas e espacialidades, ou seja, no primeiro ato trabalhar com Teatro de Mamulengo, no segundo com Teatro de Rua e no terceiro com Palco Italiano. Considerando isso, os projetos de figurino, maquiagem, cenário, sonoplastia e iluminação como os demonstrados acima, guiaram-se pelas estéticas referentes à cada turma. A partir dessa descrição tivemos a ideia inicial de que os atos acontecessem em espaços e dinâmicas distintas, podendo compor o Projeto de Literatura em diferentes turnos, como forma de atrair e manter o fluxo de público, já que em um dia eles assistiriam um ato, no dia seguinte outro e só no último dia assistiriam o último ato, no encerramento do projeto, sendo o primeiro Teatro de Mamulengo, como sugere o autor, no auditório da escola; o segundo, Teatro de Rua, uma apresentação na frente da escola, em formato circular, que se iniciaria em um cortejo pelas salas, chamando o público; e o último no clube da cidade, que é o espaço estrutural que mais se assemelha a um palco e comporta mais pessoas, remetendo ao palco italiano. Porém, ao iniciarmos os ensaios e os planejamentos quanto ao cenário, iluminação e sonoplastia, concomitantemente ao planejamento organizacional do evento com os professores, percebemos que a ideia proposta anteriormente não seria viável e que as apresentações dos alunos dos 9º anos deveriam ocorrer em um único dia e no mesmo espaço. Ao conversar com as turmas sobre a decisão da gestão escolar e dos professores envolvidos no projeto, tivemos que nos reorganizar e adequar ao clube como único espaço de apresentação. Desse modo, os alunos preferiram seguir uma única estética: a do palco italiano. A proposição inicial da montagem era a de ser totalmente colaborativa, isto é, em que todas as escolhas processuais fossem definidas em grupo, porém, precisei ceder às limitações estruturais da escola, aos prazos e principalmente ao consenso com outros professores, precisava tomar decisões como parte do corpo docente e só depois repassar, mas o diálogo sempre esteve presente no processo. Para o entendimento de “montagem colaborativa”, utilizo a fala de Gama (2016, p. 102): Um processo colaborativoconsiste numa maneira de organizar a criação teatral tomando-se por base a autonomia de cada um dos elementos cênicos envolvidos numa encenação e também a inter-relação existente entre eles. [...] Outro elemento relevante já mencionado é que os atores participam de toda a construção e criação do espetáculo. Durante todo o processo tentei ao máximo me utilizar da organização colaborativa, porém não podemos esquecer que estamos em uma instituição de ensino, e que eu, além de 54 condutora do processo, fui professora, então precisei em muitos momentos seguir prazos, entrar em acordos com outras docentes que participaram do projeto e passar esses combinados para as turmas. Outra questão relevante é que sempre me preocupei em não levar para os alunos a ideia de que apenas o texto importava, a ideia comum de apenas decorar falas. Construímos uma trajetória até chegar ao texto e, em seguida, fizemos laboratórios práticos para cada personagem, buscando encontrar uma voz, um jeito de andar, uma forma de cumprimentar, entre outras ações cotidianas, para que o trabalho prático não se perdesse. A nossa prática pedagógica, dentro dessa montagem, constituiu-se por uma mediação híbrida, mesclando a encenação textocêntrica e colaborativa. Walter Torres Neto (2012, p. 34) coloca que: De 1903 até os anos 1950 e 1960, se enraizou muito fortemente na prática teatral ocidental uma tendência na direção teatral que foi basicamente textocêntrica, isto é, o diretor se comportava, na maioria das vezes, como o porta-voz do autor do texto dramático. Do texto advinha todo o matiz da cena, sua textura e densidade. O texto seria portador de uma essência cuja cena deveria revelá-la o mais fortemente possível. A palavra do autor era transposta do literário para o teatral. Como Torres Neto aponta, durante muito tempo o diretor foi visto como o agente que garantia que as rubricas ou diretrizes propostas pelo dramaturgo fossem postas em cena. O texto dramático deveria ser seguido à risca e isso causava um engessamento na atuação. Enquanto condutora, considerei o texto como matriz criadora e as propostas do dramaturgo como proposta para a montagem. As leituras, laboratórios e os ensaios aconteceram na sala de aula, no auditório da escola e por vezes no refeitório. Já na fase final, ocorreram no espaço de apresentação. Simultaneamente nos preocupamos com a formação de público, à medida que alguns alunos atuavam, outros experimentaram ser espectadores. Foi um processo de entrega, doação e trabalho em grupo. Os alunos responsáveis por pensar no cenário, iluminação, figurino e maquiagem, apresentaram suas propostas para a turma e para uma banca de dois professores convidados, defendendo suas escolhas e mostrando em que eram fundamentadas. Passamos também por um teste de maquiagem e figurino, para entender se seria preciso alguns ajustes e para entender quanto tempo precisavam para estarem prontos. Para esboçar as maquiagens, em uma primeira atividade distribuí as impressões do contorno do 55 rosto humano e mostrei algumas técnicas de luz e sombra9 para maquiagem. Pedi que começassem a esboçar a maquiagem e levassem em consideração alguns fatores, como: idade dos personagens, local onde a peça se passa (região de sol intenso) e profissão. Solicitei para os grupos que estavam responsáveis pelos figurinos considerarem esses mesmos fatores e também iniciassem os esboços. Abaixo, o material impresso que foi distribuído para os alunos: Figura 16 - Contorno do rosto feminino e masculino. Fonte: Blog da Mayara Cardoso e Pinterest. Entreguei aos grupos responsáveis pela maquiagem de cada turma, três impressões do contorno para cada personagem e pedi que trouxessem as propostas na semana seguinte para que juntos pudéssemos escolher qual seria utilizado. Abaixo o resultado de dois esboços: Figura 17 - Proposição da maquiagem - Cheirosa, 9º B. Fonte: Arquivo pessoal. Figura 18 - Proposição da maquiagem - Vicentão, 9º B. Fonte: Arquivo pessoal 9 “Caro acadêmico, você deve ter percebido que a proposta de maquiagem mais indicada para cada formato de rosto consiste na técnica de luz e sombra, por meio do uso de cores escuras e claras, onde as claras dão volume e ressaltam os traços, e as escuras disfarçam e proporcionam profundidade em alguns casos, ou para evidenciar o contorno do rosto.” (MAXIMILIANO, 2016, p. 59). 56 Os grupos apresentaram suas propostas e em cada sala escolhemos qual seria a mais interessante para cada personagem, os colegas deram sugestões e ao escolhermos, pedi para que os responsáveis listassem quais materiais seriam necessários para execução da maquiagem escolhida. Em seguida, conversamos com os grupos responsáveis pelos figurinos, que trouxeram algumas propostas, e tentamos nos aproximar o máximo possível de uma “paleta de cores”, levando em consideração os fatores citados anteriormente. Quanto ao figurino, conseguimos com familiares, professores e até pedi a alguns amigos da faculdade, pois não tínhamos recursos para mandar fazer, mas tentamos ao máximo respeitar a proposição de cada grupo, quando não era viável, tentávamos o meio termo entre o ideal e o que era possível. Após decidir a maquiagem e ter os figurinos em mãos, marcamos um encontro para uma prova, ver quais precisavam de ajustes e testar também a maquiagem, principalmente para que eles tivessem noção de quanto tempo demoraria em cada caracterização. Por se tratar de uma peça de Ariano Suassuna e por termos, ao longo do projeto de literatura, discutido as raízes e a força do Nordeste por meio da arte, utilizamos a estética proposta pelo Movimento Armorial, o qual propõe a representatividade nordestina, utilizando cantigas, cordel e formas de representação como o mamulengo. Parafraseando o próprio Ariano, é a arte brasileira erudita que se faz por meio das raízes da nossa cultura. Explicando um pouco mais sobre esse movimento: O Movimento Armorial resultou de pesquisas e estudos acerca das manifestações culturais populares como também é possível notar em sua base teórica resquícios da Idade Média, períodos dos feudos e castelos medievais, das cavalhadas e música ao som do clavicórdio e da viola-de-arco do barroco. Ariano Suassuna juntamente com outros músicos de formação clássica começaram a utilizar elementos do folclore nordestino, a exemplo, o bumba-meu-boi, o reisado, o cavalo-marinho, as cantorias, as violas dando a estes uma vertente erudita. (COIMBRA; ALMEIDA; ALVES; ALVES, 2007, p.8) Como foi visto, o Movimento Armorial busca reafirmar a arte brasileira e se utiliza das riquezas da nossa cultura, em especial do Nordeste. Sabendo disso, abaixo estão alguns registros do teste de figurino e maquiagem: 57 Figura 19 - Caracterização do personagem: Vicentão. Fonte: Arquivo pessoal. Figura 20 - Caracterização do personagem: Cabo Rosinha, 9º B. Fonte: Arquivo pessoal. Figura 21 - Caracterização do personagem: Padre. 9º C. Fonte: Arquivo pessoal. Figura 22 - Caracterização da personagem: Cheirosa, 9º A. Fonte: Arquivo pessoal. Após essa atividade, amadurecemos muito no processo, foi notável a empolgação dos alunos, pois eles estavam envolvidos e estavam vendo o processo tomar corpo, foi um “gás”, ficamos todos muito felizes. As duas alunas com deficiência infelizmente não estavam presentes nesse dia, Ingrid havia ido ao oftalmologista e Marina estava com muitas dores no corpo, por causa do excessivo tempo na cadeira de rodas. Como Marina estava no grupo de atuação e dividia uma personagem com uma colega de sala, decidimos manter a mesma maquiagem para ambas, que foi testada nela em outro momento. Quanto ao figurino, tivemos que escolher outro, pois não teríamos tempo para fazer 58 a troca de figurino entre elas. Como os pais daaluna Marina eram organizadores de uma quadrilha, eles tinham vários figurinos guardados, por isso liguei para a mãe dela e perguntei se ela tinha algum figurino que pudesse ser utilizado na peça, então ela me mandou algumas fotos pelo aplicativo WhatsApp e escolhemos um deles. Sobre a importância do figurino na peça, destaco a fala dos autores Fausto Viana e Isabela M. Velloso (2018, p. 12): O caráter cênico do figurino confere, assim, à sua prática, um viés singular dentro de um grande sistema vestimentar, no qual o figurino pode oferecer um substrato de gênese, um documento expressivo e que aponte alguns dos muitos caminhos que contribuíram para a consolidação da moda, de sua mitologia e de sua afeição ao artifício. Antes do surgimento da moda, o traje social, de onde deriva o figurino, vai incorporar em si representações míticas − e muitas vezes místicas! – que eram grafadas pelo homem primitivo diretamente na pele, usando para isso espinhos ou outros objetos perfurantes. O figurino é parte imprescindível da caracterização cênica, ele é um fator importante para que a magia da história contada seja real aos nossos olhos, também possuindo a capacidade de nos transportar para locais e acionar referências múltiplas de espaço-tempo. Após esse passo importante no trabalho, intensificamos os ensaios e começamos a priorizar o preparo vocal (aquecimento, projeção vocal etc.), bem como a marcação e o ritmo das cenas. Na próxima subseção, veremos como foi o processo dos ensaios e como construímos os elementos cenográficos presentes na cena, quais foram mais tranquilos e quais tivemos mais dificuldade, os que conseguimos nos aprofundar e os que, infelizmente, não conseguimos, devido à falta de acesso a equipamentos ou aos prazos curtos que nos eram estabelecidos. 2.2 ENSAIOS E ELEMENTOS CENOGRÁFICOS 2.2.1 Delineando a cena e a preparação vocal A partir do quarto bimestre tivemos que nos aprofundar nas cenas, as aulas de Arte e de Língua Portuguesa eram dedicadas ao projeto, mais especificamente à montagem das cenas. Esse processo não foi tão fluido como eu gostaria, pois precisávamos correr devido aos prazos impostos pela escola. Busquei ao máximo recuperar os jogos e exercícios práticos desenvolvidos ao longo do processo, mas na realidade em que a montagem estava inserida, as cenas surgiram com indicações dos colegas que não estavam atuando. 59 Todas as vezes que chegava na sala, os alunos já haviam afastado as cadeiras e já tinham estudado suas falas. Sempre disse que não precisavam “decorar”, mas entender o objetivo do que era dito para passar a mensagem ao público. À medida que eles iam “batendo” o texto, os colegas interferiam (“não seria melhor se você estivesse assim”) e as cenas foram sendo montadas dessa forma. Pedi que os alunos fossem para a escola no contraturno e assim ensaiavam no auditório, enquanto eu dava aula para as turmas do 6º ano (vespertino) e na EJA (Educação de Jovens e Adultos) à noite, todos os meus horários vagos eram direcionados aos ensaios. Como dito anteriormente, Marina participava do grupo de atuação, mas ela dividia a personagem “Cheirosa” com outra aluna, isso porque no início do III Ato (ato da turma 9º A), a personagem tinha muitas falas e Marina disse que não conseguiria aprender todas, mas ainda assim gostaria de participar, então combinamos que o início do ato seria apresentado por essa outra aluna e o fim do ato seria apresentado por ela. Todos os dias um colega se habilitava a treinar o texto com Marina, seja no horário da aula ou ao longo dos ensaios. Marina aprendeu suas falas e ensaiou bastante para a apresentação. Esse é um dos muitos benefícios de trabalhar com adolescentes de escola pública: eles se doam ao projeto, exercitam a responsabilidade e o trabalho coletivo. Os ensaios aconteceram intensivamente por pouco mais de um mês. Um dos grandes embates com a coordenação da escola e com os demais professores foi a de que nos anos anteriores do projeto, todas as falas eram gravadas e a apresentação acontecia por meio de “dublagem”. A escola queria que eu seguisse a mesma linha, porém aleguei que isso não se tratava de uma apresentação teatral, pois o Teatro é o lugar do aqui e agora, no qual o fazer e o ver acontecem simultaneamente. Muitos colegas me procuraram para alertar que não seria possível montar uma apresentação se não fosse gravada, pois os alunos não se dedicariam da forma que eu estava esperando e que iria me decepcionar. A coordenação disse que não se responsabilizava por esse tipo de apresentação e que eu estava agindo por minha conta e risco. Então entendi que eu precisava preparar meus alunos, dar a eles uma noção mais aprofundada de como utilizar a voz. Nesse sentido, apliquei aquecimentos vocais e fizemos exercícios de projeção vocal que aprendi nas aulas de Expressão Vocal da graduação, com a professora Mestra Mayra Montenegro (2012), que explica o conteúdo base de suas aulas: O conteúdo das aulas eram os princípios básicos da técnica vocal (respiração, emissão sonora, ressonância, articulação e projeção vocal) e 60 alguns exercícios e jogos de expressão vocal, com ênfase na manipulação dos parâmetros sonoros: altura, intensidade, duração e timbre. A partir dessas aulas surgiu o desejo de me aprofundar nesse assunto e utilizar, além dos parâmetros sonoros, parâmetros musicais na criação do trabalho vocal do ator. (Idem, p. 50). Para além disso, conversei com a coordenadora sobre a possibilidade de fazermos uma parceria com o PROART, programa financiado atualmente pela Prefeitura Municipal de Guamaré, que visa garantir acesso à arte (música, dança, teatro, artes visuais) de forma gratuita aos jovens da cidade. Um dos professores do projeto explica: O PROARTE é um dos projetos administrados pela Associação Guamareense de Proteção e Educação Ambiental – ASPAM [...] No projeto acontecem atividades de cunho artístico, atividades recreativas e educação ambiental. Dentre as linguagens artísticas estão inclusas artes plásticas, artesanato, dança (diversos tipos) e música, que se divide em várias modalidades de instrumentos musicais. Acontecem o ensino de bateria e percussão; violino, viola e violoncelo; flauta, clarinete e saxofone; canto; piano; contrabaixo elétrico; violão popular e erudito; guitarra elétrica; luthieria; teoria e percepção; e diversos grupos de práticas musicais como banda baile, orquestra e grupo de côco de roda. (PAIVA, 2018, p. 104). A coordenadora da escola entrou em contato com a coordenação do projeto e mediou esse encontro com o professor Marcelo e então conversamos sobre os seus dias de disponibilidade. Conseguimos nos encontrar apenas três vezes e só pude levar o grupo de atuação de cada turma. Infelizmente não conseguimos chegar à turma integralmente, pois o espaço disponibilizado não comportava todos e o professor pediu que apenas os que iriam estar em cena fossem. Aceitei mesmo sabendo que o ideal era integrar todos os alunos nessa formação. Os três encontros serviram para que o professor explicasse algumas noções básicas de tom, afinação, respiração, bem como alguns exercícios para ajudar na dicção, articulação e projeção vocal. Em seu trabalho, a professora Mayra Montenegro (2012, p. 94) cita uma preocupação com seus alunos, enquanto ensinava técnica vocal: Tive o cuidado de partilhar com os alunos meu conhecimento acerca de princípios básicos da técnica vocal (respiração, apoio, emissão sonora e ressonância, articulação e projeção vocal dos participantes), mas o objetivo principal da oficina foi exercitar a expressão vocal. O intuito maior desse contato com o professor Marcelo era o de preparar os alunos para que tivessem consciência vocal e não se machucassem, garantindo que eles estariam bem 61 e saberiam como utilizar a voz, além de ampliara projeção vocal e melhorar a dicção. A aluna Marina participou desse processo e foi muito proveitoso. A sua dicção é comprometida e ela fala baixo, então pedi para que o professor Marcelo se atentasse a esses pontos e passasse exercícios para nos ajudar no processo. A professora de Educação Especial que acompanhava a aluna e eu fizemos os exercícios repetidamente. Contactei a mãe de Marina e pedi para que, se possível, lembrasse-a de fazer os exercícios em casa também. Foi um trabalho em conjunto. 2.2.2 Cenografia Como dito na seção anterior, o figurino e a maquiagem foram elementos da cena que conseguimos aprofundar mais. No terceiro bimestre, já tínhamos feito os testes e ajustes necessários, então ao longo dessa reta final ficamos mais tranquilos. A principal dificuldade ao longo dessa montagem foi a iluminação, sonoplastia e cenários, pois estávamos em um processo parcialmente às cegas, já que a escola estava negociando com a Secretaria de Educação o local onde aconteceriam as apresentações, já que a instituição não tinha espaço adequado para isso. Estávamos em uma fase final incerta devido aos processos burocráticos. Os alunos haviam desenvolvido modelos e propostas para a iluminação e cenário. Os três grupos responsáveis por esse último foram convidados a se juntar à coordenadora para produzir elementos que fizessem parte do mesmo. Todo material da escola foi disponibilizado, eles também eram liberados nos momentos em que estávamos ensaiando com os outros grupos. Os grupos da sonoplastia estavam presentes em todos os ensaios, eles pesquisaram e baixaram sons que integravam as cenas e também escolheram trechos de músicas para fazer parte no momento da apresentação, revezavam-se e sempre estavam operando os sons no momento dos ensaios, anotavam as deixas e davam indicações; os outros colegas também davam sugestões constantemente. O trabalho deles foi muito intuitivo e foi um dos grupos que mais teve autonomia. Roberto Gil Camargo (1986) defende que a sonoplastia tem caráter técnico e simultaneamente é um processo de descrição: A sonoplastia é ao mesmo tempo uma técnica e um processo de criação. Como técnica, a sonoplastia é a parte encarregada da percussão dos efeitos sonoros durante o espetáculo. Envolve o uso de aparelhos eletrônicos, músicos, operadores de som. Como processo de criação, a sonoplastia envolve diversas etapas como: pesquisa sonora, seleção e ordenação do material, elaboração de trilha sonora, etc. (Idem, p. 9). 62 O trabalho que construímos para a sonoplastia foi muito mais criativo do que técnico. Descobri que uma aluna do 7º ano tocava teclado e perguntei se ela teria disponibilidade de nos acompanhar na apresentação, solicitei o teclado emprestado da Escola Estadual e assim conseguimos iniciar os ensaios com o instrumento. A aluna passou a integrar os nossos ensaios e os grupos responsáveis pela sonoplastia a guiavam na entrada e saída de sons e músicas. Foi mais um grande passo, pois no início usávamos apenas uma caixa de som e o celular dos próprios alunos. O grupo da iluminação foi o mais prejudicado, dado que não tínhamos materiais para testar a iluminação, não sabíamos qual o espaço das apresentações e, portanto, era muito difícil prever ou solicitar qualquer equipamento. Sempre que questionava à gestão, a resposta era a de que o som e a iluminação seriam contratados pela secretaria e que não era possível obter essas informações previamente. A aluna Ingrid integrava um dos grupos da iluminação, ela era a mais empenhada e preocupada com o processo. Antes de dividir os grupos, expliquei a função de cada um e quando falei das angulações da iluminação e os diferentes efeitos que elas causavam na cena, ela ficou extremamente empolgada. As posições básicas da luz são: iluminação à pino, contra luz, iluminação lateral, contra luz lateral, luz de ribalta, luz frontal, lateral cruzado e o conjunto de ribalta, luz lateral e contra luz. Sávio Araújo (2005, p. 139) explica como fazer esse exercício de forma simples: Essas variantes de posições básicas da iluminação de um corpo podem ser experimentadas usando-se uma lanterna, uma folha de papel em branco e um volume qualquer, como um copo, uma caixa pequena ou uma laranja. Na medida em que vamos adicionando outras lanternas neste exercício, poderemos observar quão vasto é a gama de possibilidades e combinações existentes para se iluminar um corpo. Na aula em que fiz esse exercício para explicar a iluminação, uma das alunas com deficiência, Ingrid, ofereceu-se para participar. Ao fim da aula, ela me procurou e relatou que sempre ficava atenta às iluminações dos filmes, mas não entendia como eram feitas, que estava muito feliz em descobrir um pouco sobre o assunto. Ela pesquisava bastante em casa e sempre vinha com questionamentos super relevantes. Infelizmente não pudemos aprofundar a prática desse elemento cenográfico. Em suma, exploramos a cenografia, seus encantos e ensinamentos o máximo que foi possível, dentro das nossas limitações e lembrando que o processo era de descobertas. Alguns 63 elementos foram priorizados nessa trajetória, outros nem tanto. Mas o nosso enredo estava pronto, depois desse processo tivemos alguns ensaios no espaço da apresentação e logo em seguida ela aconteceu. Na próxima seção, veremos como foi essa última etapa. Essa fase preparatória no geral foi a mais tranquila, conseguimos trabalhar a ideia de personagem, pensar nas narrativas, experimentar os jogos teatrais e desenvolver cenas a partir do improviso, também conseguimos passar pelas tecnologias da cena, entendê-las, experimentar e nos aprofundar em algumas, infelizmente não em todas. Conseguimos trabalhar a proposta da inclusão de forma efetiva. Algumas coisas precisaram ser mais imediatistas, em razão de estarmos em um projeto que tinha dia para acontecer e fui cobrada a cumprir prazos. Na próxima fase do processo, no caso a apresentação, as coisas aconteceram com um pouco mais de pressa e pressão, cobranças pelo meu trabalho e algumas angústias que tentei, ao máximo, não transmitir para os alunos. Veremos isso mais adiante, são cenas para o próximo capítulo. 64 CAPÍTULO 3 – O LUGAR DE ONDE SE VÊ: A POSSIBILIDADE DE CRÍTICA E AUTOEXPRESSÃO Na última seção, vimos toda elaboração para a apresentação, os testes de figurino e maquiagem, a preparação vocal, ou seja, todo o processo para a apresentação final. Nessa veremos os últimos momentos, como foram as apresentações e também a fala dos alunos e de outros professores da escola, como forma de ampliar os olhares dessa pesquisa. Recapitulando a nossa trajetória até aqui, inicialmente nos aproximamos dos personagens por meio das Histórias em Quadrinhos, experimentamos criar novos personagens e improvisamos a partir deles, em seguida vivenciamos os Jogos Teatrais. Após esse contato inicial estudamos sobre os profissionais do Teatro, as tecnologias da cena e iniciamos o estudo do texto para a peça, trabalhando corporalmente os personagens. Por fim, testamos essas tecnologias nas cenas que estavam sendo desenvolvidas e prosseguimos na montagem teatral. Na reta final desse processo, os ensaios começaram a ser mais intensos, utilizando partes do figurino. Utilizamos também o teclado em todos os ensaios para fazer a sonoplastia das cenas. E como não tivemos recursos para a iluminação, marcamos alguns momentos cênicos com a ação de ligar/apagar a luz. A maior parte dos ensaios aconteceram na sala de aula ou no auditório da escola. Tivemos acesso ao clube, o local onde aconteceram as apresentações, somente durante a semana do evento, em horários restritos. Sobre a importância dos ensaios na encenação, Martins (2018, p. 8) coloca: Estas “estruturas” que permitem que o jogo da sala seja transposto para o palco, sem perder sua vivacidade,garantindo o aluno-ator em performance, incluem diversos elementos, entre eles o modo como o processo de ensaio é organizado, a elaboração coletiva de uma dramaturgia, a encenação e o modo como as marcações de cena são feitas, como os personagens são divididos, que material poético é escolhido como tema, entre outros aspectos. O processo completo de elaboração da peça mostra-se como experiência de sistematização da criação em teatro e, por isso, é encarado como um dos conteúdos principais do ensino do teatro na escola básica. Como o autor coloca, por toda a riqueza do processo de ensaios, o ensino de Teatro é visto como ferramenta tão importante no ensino básico, pois o ato de ensaiar não é só uma repetição, mas um aprimoramento, uma memorização corporal e vocal da cena, aproximando- se cada vez mais do personagem. É nesse processo de lapidar-se que percebemos as evoluções, a segurança e a coletividade sendo afloradas. 65 Desenvolver um trabalho como esse, no chão da escola pública, não é fácil. Além de todas as dificuldades preexistentes, é preciso lidar com o imediatismo artístico, em que quase sempre solicitam ao professor de Arte uma “apresentação básica”, com prazos curtos e muitas cobranças, sem entender que a apresentação por si só nos possibilita a vivência e a formação como espectador, mas o que estou propondo é a construção cênica e a formação do espectador simultaneamente. Não importa se no dia não sair como ensaiamos, nunca encarei a apresentação como material avaliativo exclusivo, o que considerei foi o processo e a dedicação desses alunos ao longo da construção cênica. Desgranges (2011, p. 88) coloca que: A investigação teatral desenvolvida durante o processo, exorta os participantes a conhecerem e se apropriarem das possibilidades comunicacionais desta arte. E mais, a inventarem um jeito próprio de pensar e fazer teatro, já que não se deve esperar que o grupo aprenda a reproduzir um “jeito certo” (como se existisse um jeito certo de fazer teatro!), mas que crie a sua maneira de se comunicar a partir dos elementos constituintes dessa linguagem artística. O Teatro promove uma segurança na interlocução, por meio da ideia da máscara. Com o Teatro podemos ser muitos outros e ao mesmo tempo sermos nós mesmos um pouco mais. Quando atuamos, a sensação de não ser você em cena e sim de dar vida a outro alguém, liberta e ajuda (em especial os alunos mais tímidos). Os olhares e críticas não estão voltados para o aluno-ator, tirando deles um fardo muito pesado na adolescência, que é o julgamento. A apresentação é um conteúdo teatral e deve ser conduzido com cautela, senão os pontos positivos acabam sendo desastrosos, sobre tal assunto, Martins (2018, p. 3) explica: Como arte presencial, portanto, a apresentação (em seus diversos formatos) é conteúdo teatral. Aliás, é um conteúdo que fundamenta a própria definição de teatro e, portanto, se extirpado de qualquer processo de ensino do teatro, descaracteriza-o como área de conhecimento. O que queremos aqui é afastar o medo de que uma peça com os alunos-atores possa reduzir todo o processo a um produto sem função pedagógica alguma. Ou simplesmente esquecer que a apresentação é um conteúdo teatral essencial, pois está na base da definição do que é teatro. Por já ter participado de um processo de montagem de Teatro no ensino formal, quando era aluna do IFRN, acredito que tive mais tato e sensibilidade, em especial com os alunos mais tímidos, por isso procurei encorajá-los desde o início. Já na etapa de leitura da peça, alguns erravam várias palavras e ficavam constrangidos, mas sempre incentivei que 66 continuassem, repreendia quando alguém desmerecia algum colega e assim fomos nos ajustando. À medida que o dia da apresentação ia se aproximando, percebi que eu não estava cercada de alunos, mas sim de amigos, que passaram a conviver comigo e a saber das minhas angústias, que também me acalmavam quando eu não estava bem. Eu me cerquei de pessoas sensíveis, humanas, que sabiam que aquele projeto era importante para mim e queriam tanto quanto eu que funcionasse. Um dos grandes avanços no último mês de ensaios foi conseguir um teclado emprestado da Escola Estadual Monsenhor Joaquim Honório. Uma das alunas da Escola Benvinda, do 7º ano, ofereceu-se para nos acompanhar e fazer a sonoplastia dos três atos, ela então começou a frequentar os ensaios. Os alunos da turma que eram responsáveis pela sonoplastia iam guiando a aluna, dando as deixas de entrada e saída de cada música ou som. Essa aluna conseguiu acompanhar facilmente as cenas, ajudou a apresentação a ganhar mais ritmo e animou todo o grupo. O último passo foi conhecer o espaço das apresentações. Tivemos pouquíssimos momentos de ensaio no Clube Municipal Vicente de Brito Miranda, hoje chamado de Centro de Convenções Vicente de Brito Miranda. Ao conhecer o espaço, fiquei desolada porque não era acessível e me perguntei como eu faria para conseguir que a aluna com deficiência física pudesse chegar ao palco. Busquei a gestão e argumentei que era inviável que a apresentação acontecesse ali (nas condições estruturais e acústicas) oferecidas. Não fui atendida, apenas foi dito que a Secretaria de Educação havia disponibilizado aquele espaço e que não teríamos outro. Para pensarmos sobre acessibilidade, trago esse fragmento de Faria (2015, p. 36): “Acessibilidade” é ir bem além de proporcionar condições de deslocamento favoráveis a quem precisa (não entram nesse grupo apenas as pessoas especiais, mas todos aqueles que precisam de condições específicas de deslocamento, como: pessoas temporariamente acidentadas e com alguma parte corporal imobilizada, ou que estejam conduzindo um carrinho de bebê). Nesse sentido, de proporcionar o acesso livre a todos os lugares, através de rampas, elevadores, ou até mesmo, calçadas sem desníveis ou buracos, a própria escola deixa muito a desejar; pois poucas são estas, que já se adaptaram, em prol dos alunos com dificuldade de deslocamento motor, e cadeirantes (mesmo já existindo leis que tratam deste tema). Pensando fora dos muros das escolas então, nossas ruas, nossos meios de transporte e edificações, ainda tem que evoluir muito neste sentido (creio que podemos refletir até em termos de Brasil). Temos leis que não estão sendo respeitadas. 67 Para quem não necessita de condições específicas para se deslocar, as atividades simples são realmente simples, mas ampliei minha visão ao acompanhar a aluna com deficiência física. O ensaio no auditório era algo necessário e difícil, pois precisávamos suspender a cadeira de rodas com a aluna pelas escadas, bem como ir ao refeitório era complicado, visto que não tínhamos espaço suficiente e nem rampa para descer o desnível entre o restante da escola e esse lugar. Já a quadra, que é um espaço com acessibilidade, é extremamente limitado. Os pais da aluna são ativos e estão constantemente lutando para que a deficiência da filha não seja limitante, mas não é apenas um dever deles, é preciso pensar em um país que a acessibilidade realmente funcione, já que atualmente ela só existe parcialmente. Quando soube que teríamos que apresentar no clube, entrei em contato com os pais da aluna e relatei o problema. Como retorno, eles relataram que lidam com isso constantemente e que a filha estava tão feliz e empolgada com a peça que não iriam desistir, apoiaram-me e se colocaram à disposição para ajudar. Durante os poucos ensaios que tivemos no clube, foi o pai da aluna com deficiência física e mais dois colegas de sala que ajudaram a colocá-la e tirá-la do palco, mas só conseguimos manter essa logística porque o pai trabalhava bem perto. Para além disso, os ensaios que tivemos no espaço da apresentação eram conturbados, pois quando o ensaio começava a fluir, alguém chegava pedindoa chave do espaço ou dava a hora dos meninos retornarem para pegar o ônibus. Nos últimos quinze dias estávamos tão envolvidos com o projeto, em especial os professores de Língua Portuguesa e Arte, que procurei a direção e informei que permanecer dando aula às demais turmas seria impossível, já que as turmas dos 9º anos estavam sendo coordenadas majoritariamente por mim e precisavam da minha atenção, orientação e presença. Após alguns questionamentos junto à coordenadora pedagógica, consegui ser liberada e atender de forma mais efetiva os alunos da montagem. A coordenadora mediou a conversa com a gestão e disse que era impossível exigir que as aulas permanecessem da mesma forma, tão próximo da culminância do projeto. Com relutância, a solicitação foi atendida e pude me dedicar mais às turmas. Confesso que por horas acabei cobrando um pouco mais de seriedade dos alunos- atores, questionava-me se não estava sendo desacertadamente artística ou se estava correta, considerando que era encenadora e deveria guiá-los. No entanto, a pressão para que esse trabalho funcionasse era real, por parte da gestão, secretaria, dos colegas professores e de mim mesma, com a minha autocobrança. Regulei-me bastante para que essas exigências não 68 chegassem até os alunos, em alguns poucos momentos não consegui evitar, percebia que era mais rude e logo me desculpava. Wendell (2010, p. 7) explicita a complexidade de lidar com uma mediação teatral: Pensar numa mediação do público com o teatro é entendê-lo diferencialmente como um evento ao vivo, com suas dimensões múltiplas que envolve a emoção, o corpo, o pensamento, dentro de um contato direto e vivo com a obra. Sabe-se que o teatro contemporâneo tem sua singularidade presente em alguns pontos como: o ator e seus personagens ou presentificações dramáticas e/ou não dramáticas; um texto, uma história escrita por uma infinidade de narrativas verbais, visuais, físicas etc.; um encenador liderando um equipe/grupo ou coletivos em construções de encenações através processos colaborativos; os elementos artesanais ou tecnológicos de luz, figurino, cenário, maquiagem, sonoplastia etc.; e por fim um espaço de apresentação em qualquer lugar, transformado em ambiente cênico. Como o autor explica, lidar com uma mediação teatral envolve não apenas o fazer-ver Teatro, mas lidamos com emoções vivas e efervescentes. Quando a montagem acontece na escola, mais precisamente com adolescentes, os ânimos estão aflorados, pois não era só a história sendo contada, eram as expectativas, medos, desejos, aflições de pessoas que confiavam e buscavam apoio em mim. Em alguns momentos eu me estressava, entristecia-me e não conseguia esconder essas emoções. Deveria? Não queria chegar a esses picos, mas toda a adrenalina estava sendo multiplicada. Foi muito mais intenso que estar no palco, era como se eu fosse todos eles, com as inseguranças, medos e incertezas, mas também com toda a felicidade, emoção e preenchimento que a apresentação nos dá. Na semana das apresentações, resolvi ficar em Guamaré durante a semana inteira. Brincamos e nos divertimos muito, fizemos lanches compartilhados, ensaios duradouros, rimos, dançamos, foi um momento de descontração. As apresentações aconteceriam em dois dias, um deles teria apenas o I Ato, como forma de convidar os espectadores para assistir o II e III Ato no dia seguinte. Todos os alunos que não estavam atuando na peça deveriam prestigiar seus colegas. Para divulgar a peça, a professora de Artes Visuais, Francineide, pediu para que seus alunos fizessem releituras de desenhos de Ariano Suassuna. Um desses desenhos ficou estampado na camisa do projeto, enquanto outras ilustrações relacionadas às peças encenadas foram usadas como material de divulgação. Abaixo o registro da ilustração produzida pelo aluno na camisa do projeto: 69 Figura 23 - Camisa do projeto de Literatura e Arte com ilustração feita por um aluno da escola. Fonte: Arquivo pessoal. Foi perceptível que o público não estava acostumado com aquele tipo de apreciação, pois muitas pessoas estavam inquietas e a acústica do ambiente não ajudava. Antes da apresentação, cumprimentei o público, pedi que desligassem os celulares e que fizessem silêncio, expliquei que a apresentação seria ao vivo e precisávamos da atenção e compreensão de todos, mas não obtive sucesso. Porém, todos os alunos que não estavam em cena e participaram do processo respeitaram todas as orientações e assistiram a peça atentos. Eles haviam sido preparados para aquele momento, a comunidade não, ou seja, a maior parte do público não teve uma mediação teatral. Desgranges (2010, p. 65), explica o que é esse procedimento: É considerado procedimento de mediação toda e qualquer ação que se interponha, situando-se no espaço existente entre o palco e a plateia, buscando possibilitar ou qualificar a relação do espectador com a obra teatral, tais como: divulgação (ocupação de espaços na mídia, propagandas, resenhas, críticas); difusão e promoção (vendas, festivais, concursos); produção (leis de incentivo, apoios, patrocínios); atividades pedagógicas de formação; entre tantas outras. Os alunos estão cada vez mais imersos na cultura do audiovisual. Estamos na geração do Youtube, dos Reels, Tiktok e afins, porém, não estão acostumados a lidar com a divisão do palco e plateia, o quem faz e quem vê. Os meus alunos especificamente passaram por esse procedimento ao longo dos ensaios, relacionando-se com as dimensões palco/plateia. No entanto, para os demais, em grande medida, a ausência de experiências recorrentes na área da fruição cênica pode ter incidido em comportamentos desfavoráveis à fruição teatral, 70 suscitando um processo educativo do olhar, o qual deveria ser, mais sistematicamente, desencadeado na escola. Quanto à formação do espectador, Wendell (2010, p. 10), explana: Há uma demanda formativa de um espectador autônomo em ter a oportunidade de conhecer melhor, na teoria e na prática, a linguagem teatral em suas bases introdutórias, que para Desgranges16 pode ser o “acesso linguístico”. Este acesso vai se complementar com o “acesso físico” que é a idéia de possibilitar a ida do público até o local da apresentação, além da disponibilização de recursos financeiros e operacionais para que isto aconteça. Sabemos que o Teatro ainda não é uma arte tão consumida e, muitas vezes, não é acessível. Tratando-se então de uma cidade do interior, dificilmente ela chega e raramente da forma que foi proposta, isto é, em um espaço fechado, sendo assim, o público que foi prestigiar a apresentação não possui o acesso linguístico, como coloca Desgranges. Nessa situação, eles se prontificaram a ir ao local, tendo o acesso físico, que lhes foi ofertado de forma gratuita, no entanto, não tinham a experiência em relação à fruição teatral. De todo modo, os professores elogiaram o ótimo desempenho dos alunos, os que estavam em cena e os que assistiram, mas relataram que a acústica não favoreceu. Muitos vieram me parabenizar e ficaram encantados com o desenvolvimento dos alunos. Assisti as apresentações da coxia, para auxiliá-los. Estava vidrada em todas as ações e parecia que toda energia da cena estava potencializada em mi. Foi gratificante ver tudo acontecendo, a independência deles e, acima de tudo, saber que estavam se divertindo. Naquele momento eram eles por eles, com tudo que aprenderam ao longo do ano letivo, jogando, brincando, improvisando, eu não podia interferir e eles sabiam disso. Nesse sentido, Martins (2018, p. 7) comenta sobre o momento da apresentação: Por isso, acreditamos que nenhum outro formato substitui completamente uma apresentação em que o professor não interfere diretamente no trabalho, enquanto ele se efetiva comoacontecimento cênico. Nesta hora, a criança exerce o que seria uma “criatividade cultivada”, imbuída das referências vivenciadas. Os alunos-atores reconhecem que o trabalho é deles, que são eles os responsáveis pela criação, que têm capacidade e conhecimento para fazer teatro “de verdade”. Durante as apresentações, os alunos estavam conscientes da autonomia, divertiram-se e passaram segurança em estar no palco, aproveitaram toda energia que só quem experimentou sabe, o frio na barriga, a adrenalina e alegria do fazer teatral. Abaixo alguns registros de cada apresentação/ato: 71 Figura 24 - Aluna do 9º B representando Marieta, I Ato. Fonte: Registro de Weydson Lima. Figura 25 - Aluno do 9º C, representando Vicentão, II Ato. Fonte: Registro de Weydson Lima. Figura 26 - Aluna do 9º A, representando Marieta, III Ato. Fonte: Registro de Weydson Lima. As apresentações aconteceram em um espaço que causava dispersão do público, sem nenhum planejamento e conforto acústico, sendo o palco e a plateia contra o vento que vinha 72 do mar a aproximadamente dez metros da entrada do clube, o que dificultava a diretividade do som no espaço. Considerando que o lugar é majoritariamente aberto, necessitava de uma potência na intensidade da fala, sendo preciso a utilização de caixas de som e microfones que contribuíssem com a potência sonora. Ainda assim, a inteligibilidade da peça foi comprometida. Esse é o cenário das condições reais e objetivas da realização da prática cênica em um contexto escolar concreto, no qual os limites e possibilidades da ação educativa no campo do teatro são construídas cotidianamente entre o ideal pensado e o possível de ser realizado. 3.1 OS OLHARES SOBRE A EXPERIÊNCIA CÊNICA Na semana seguinte, após as apresentações, fizemos uma roda de conversa, debatemos sobre como tudo se deu e quais os pontos positivos e negativos, quais as sensações que eles tiveram ao apresentar/assistir a peça. Posteriormente pedi que fizessem uma descrição reflexiva do processo, tentando relembrar o que estudamos desde o início, como foi estudar e fazer Teatro, também enfatizei que eles estavam livres e poderiam ser bem sinceros nessa avaliação. Esse trabalho é, em meio a tantas coisas, uma pesquisa, e eu gostaria que nele outras falas aparecessem, em especial a deles, que foram essenciais nesse processo. Quando entregaram essas descrições, guardei por um tempo e li apenas quando o ano letivo acabou; emocionei-me incontáveis vezes. Obtive vinte e três devolutivas do 9º A, dezoito do 9º B e quatorze do 9º C, ao todo cinquenta e cinco reflexões escritas sobre o processo de montagem. Esse material foi transcrito (exatamente como escreveram) e vou utilizar números para me referir aos alunos. Ao longo do capítulo, veremos sete relatos dos alunos da turma 9º A, que como foi explicado anteriormente, era a turma composta por alunos com e sem deficiência, bem como um caso específico do 9º B, o aluno com disfemia, que também relata sua percepção sobre a vivência do processo10. As dificuldades existentes e relatadas pelos alunos acontecem em diferentes ordens: sociais, cognitivas, espaciais e com alguns elementos da linguagem teatral. E se encontram organizadas e distribuídas neste trabalho, obedecendo o critério de adesão e complexidade. Das maiores dificuldades para as menores e menos complexas. Um dos alunos envolvidos na montagem tem disfemia, ele é enteado de uma das professoras de Língua Portuguesa da escola e ela me procurou bastante preocupada, questionando se eu sabia, já que havia delegado a ele um personagem com bastante falas. Ele 10 Os textos completos e detalhados estão no apêndice desta dissertação. 73 era um aluno muito agitado, tanto quanto era engraçado, adorava as aulas de arte e era compromissado. Na conversa com ela, expliquei que ele estava muito empolgado e que poderia ser um espaço para trabalhar o distúrbio, então ela se comprometeu a ajudá-lo com o texto e foi notório o avanço dele o longo do processo. No dia da peça, ele ficou muito nervoso e disse que não queria mais apresentar. No primeiro momento, confesso que fiquei muito angustiada, nervosa e triste, respirei e tentei me colocar no lugar dele, um vez que isso também já aconteceu comigo, na minha primeira apresentação eu só queria sumir, travei... Olhei para ele com olhos de quem se vê, disse que estava tudo bem e que ele não tinha a obrigação de fazer aquilo. Todo o processo já tinha valido muito a pena, aquele era o momento de curtir o trabalho, falei que ele poderia assistir e que eu faria o papel. Ele me olhou com olhos de quem se vê, perguntou se eu confiava nele, eu respondi que sim, desde o princípio. Resultado? Ele apresentou, brilhou e se encantou pelo Teatro. Em seu relato ele disse: Teve pontos negativos que quando chegou na hora da peça eu não quis apresentar e logo eu que sou gago eu me superei e botei minha meta. Pontos positivos é que eu fui eu este meus obstáculos e todos amo minha apresentação. Eu fui cheiroso o dono da peça com cheirosa e agente fico ensaiando um na frente do outro pra aparece mais o brilho. Gostei muito que a professora fico ajudando a gente a não desistir e desde o começo ela não desistiu de nos e prosseguiu com as aulas. Foi cansativo mais valeu a pena obrigado por tudo professora linda. Essa peça me ajudou a entra numa compania de teatro AACG. (Aluno 38). O aluno relatou que por meio do Teatro conseguiu superar suas dificuldades e teve experiências tão positivas com o fazer teatral que gostaria de permanecer fazendo Teatro. O processo de montagem no contexto escolar permite que cada participante descubra variadas possibilidades de criação, além de promover a convivência entre eles e estimular a comunicação oral, a experiência de trabalhar em coletivo, em que cada indivíduo é responsável pelo processo, e se ver, se enxergar em um personagem, com outro corpo, com outra voz, é o mesmo que apresentar a ele uma nova visão de mundo. Porém, a experiência não foi positiva para todos os alunos. Lembro mais uma vez que essa montagem foi feita praticamente sem recursos e com prazos curtos. Esses foram os pontos mais problemáticos. Os grupos que ficaram responsáveis pela cenografia tiveram a dedicação de pesquisar, montar, estudar a peça, em especial criar esboços/croquis de maquiagens e figurinos. Considerando esses aspectos e as restrições financeiras e de materiais da escola, não conseguimos materializar e utilizar o que havia sido planejado pelos alunos. 74 Foi muito frustrante, não apenas para eles. Abaixo o relato de dois alunos que refletem sobre as dificuldades que enfrentamos com os figurinos: [...] Agora minha área, o figurino. O descaso que tiveram conosco chegou a ser ridículo, fizemos croqui, que inclusive deram muito trabalho, ao leu sem material para fazer o que estava no croqui, fomos atrás das roupas, já que vocês não fizeram a mínima questão de perguntar à nós se precisavámos de alguma coisa, e levamos ignorância como brinde da dona das roupas, dias antes da apresentação, todos do figurino estavam perdidos, sem informação ou explicação sobre o tal figurino. Agora me fala, todo nosso trabalho foram a toa? Nem pontuados somos em português. Sinceramente decepcionada. (Aluno 01). Minha experiencia foi terrível. Não tivemos recursos suficientes para a produção dos figurinos, levamos muito tempo nos croquis (que nem usamos por causa do problema já citado). Em nosso “plano B”, fomos até a casa de Maria (pessoa que tem todo o figurino), porem nem conseguimos, faltando pouco tempo para a peça fomos atrás das peças de roupas na escola, que estava bastante limitada graças ao pessoal do mosenhor que estava levando, ou seja, não tivemos nenhum momento “favorável” nessa apresentação. (Aluno 04). Quando li essesrelatos me entristeci, tomei para mim toda a responsabilidade da experiência negativa desses alunos. A reflexão que fiz nesse momento foi: poderia ter feito mais? Falhei durante o processo? Todo processo tem suas flores e seus espinhos, mas as circunstâncias dessa montagem foram complicadas, os alunos estão corretos e me conforta que eles se posicionaram, que colocaram suas frustrações e ainda assim, persistiram para que os demais tivessem condições para apresentar. A escola possui um acervo de figurinos, mas não atendia às nossas necessidades e era insuficiente para atender a demanda de todas as turmas, algumas coisas foram compradas e as funcionárias terceirizadas da escola ajudavam na confecção, mas não tínhamos como produzir todo o figurino da peça, os alunos não tinham condições financeiras de comprar material, eu também não… Está impregnado em nossa cultura a criação ou recriação de peças, a transformação de objetos, a adaptação de peças de roupas e a criação de novas, a partir do que se tem. E fomos conseguindo peças emprestadas dos professores, pais, colegas, conseguindo calças, camisas, sapatos. Alguns precisaram usar o mesmo figurino, por se tratar de uma continuidade em atos, outros preferiram mudar. A encenação deve ser um processo prazeroso e fluido, para que os alunos não se frustrem ao longo da jornada. É importante sempre valorizar de igual forma todos os ramos do teatro e não apenas a atuação. Tendo ciência que a encenação é uma engrenagem que precisa funcionar no momento da apresentação, mas sem pressão; a apresentação é o momento do 75 prazer teatral. O processo requer o envolvimento de todos os discentes e as orientações atentas do facilitador, as escolhas didáticas vão guiar o percurso da montagem. Esse processo com calma e segurança fez com que a apresentação fosse um momento de divertimento para os alunos-atores e não um momento de tensão ou julgamento. Pensando nisso e na importância de todas as ramificações do Teatro, percebo que em algum momento foquei tanto em dar assistência aos alunos que estavam atuando que posso ter sido ausente no processo prático de outros grupos, como foi o caso do figurino. Essa pesquisa ajuda a refletir sobre a minha prática e nessa ação de refletir, hoje, percebo que em algum momento fui mais cautelosa e atenciosa com a atuação, talvez pelo envolvimento direto, por estar tendo maior contato fora do horário de aula e/ou pela pressão para que o espetáculo acontecesse. Senti isso por ser a professora responsável, a pesquisadora que investiga sua própria prática, além, é claro, da pressão pessoal. Mas esse aspecto foi um dos poucos negativos, em suma, os alunos tiveram uma ótima experiência, cujo itinerário construído nos remete à seguinte reflexão de Ramaldes e Camargo (2017, p. 119): O artista, para criar sua obra de arte, estabelece uma relação direta com o objeto e dá início ao processo de criação artística, estabelecendo uma relação entre o fazer e o experimentar, o conhecer (undergoing), uma conexão entre razão e sensibilidade. O fazer e o receber, o ser afetado por o sofrer, estabelecem uma relação de troca já que o artista realiza uma ação em interferência contínua com o objeto e, este último, portanto, sofre a ação do artista e se modifica. O artista é influenciado pela própria ação que realizou no objeto e também sofre modificações em seu modo de percepção, continua trabalhando com essa experiência de troca entre fazer e ser afetado até a culminância da experiência. É esta relação que vai conduzindo a experiência para um campo significativo, criativo e estético. Ainda sobre a experiência, os alunos relataram que: Para mim, fazer teatro foi uma experiência, nova, pois nunca fiz algo parecido não cheguei a ter muita experiência participando da apresentação devido não ter coragem de se apresentar em publico e também tinha muita gente assistindo. (Aluno 02). A minha experiência no teatro foi maravilhosa de todas formas. Se tem um coisa que posso dizer é que foi uma sensação totalmente nova para mim. No teatro eu pude enfim me encontrar, me conhecer, e sentir o sentimento que eu quero acolher para o resto da minha vida. Quero com toda certeza, de alguma forma, fazer novamente parte do mundo do teatro e poder me sentir cada vez mais. Foi algo que me ajudou muito, principalmente a interação que tive com outras pessoas, e no problema que tenho, relacionados a timidez. (Aluno 03). 76 [...] Na peça eu interpretei a personagem “cheirosa”, foi uma nova e ótima experiência de muito aprendizado, foi a primeira vez que aprendi realmente sobre teatro na escola, e pude ver como ele é encantador. Esse ano foi o primeiro que eu gostei muito da disciplina de Artes. E sem você, Thâmara, isso não poderia ser possível, você é uma ótima professora e nos ensinou de uma forma leve e divertida, muito obrigada! (Aluno 15). Minha experiencia foi bem diferente, pois eu nunca havia atuado em uma peça de teatro no começo fiquei meio nervoso pelo mesmo motivo que citei sem falar que no começo eu tive um pouco de dificuldade para decorar as falas e também fiquei meio travado na hora da música pois eu estava errando bastante a melodia e sem falar que eu tava tão nervoso que eu não queria que ninguem da família fosse me ver mas na hora deu tudo certo (exceto pelo fato que teve uma hora que eu errei a fala em cena na frente de todo mundo e foi meio constrangedor mas tudo bem) e acabou sendo uma experiencia e sensação nova e legal, eu me diverti bastante nos ensaios, no teste de maquiagem, nos momentos pré –peça e durante a peça foi divertido ter conhecido um pouco do mundo do teatro e ter sido um ator por 1 mês é muito interessante ter um pouco do mundo do teatro e essa foi minha experiência. (Aluno 19). [...] eu acho que pra gente aprende não precisa só escrever e mais eu acho que se o melhor e aprender se divertido. (Aluno 21). Os relatos evocados acima são de alguns alunos que estiveram ou não na atuação, ilustram o envolvimento desses no processo, tendo experiências positivas e novas descobertas. Conseguiram ampliar sua visão e entendimento de mundo, olhar com novas perspectivas para si e ao redor. Moronari (2019, p. 287) nos diz sobre como o Teatro potencializa o autoconhecimento: A reflexão sobre si mesmo que o teatro pode propiciar potencializa as descobertas pessoais. No fazer teatral, a intolerância diminui na medida em que o “eu” se coloca no lugar do outro, sente suas dores, alegrias, sentimentos. No teatro, é por meio do não-ser, ou seja do ser que está representando, que se descobre, de fato, o seu ser. No jogo da encenação dentro da escola, é possível trabalhar muitos conflitos específicos. A presença curricular do Teatro no contexto escolar permite, portanto, auxiliar esses adolescentes a se integrarem e posicionarem criticamente em relação ao lugar que ocupam na sociedade; é mostrar que ele pode contribuir positivamente com o espaço que ocupa, potencializar o seu eu e incentivá-lo a compor a sociedade de forma ativa. Robson Haderchpek (2019, p. 112) nos fala do paralelo entre o diretor e o pedagogo: Quando Paulo Freire coloca o aprendizado como um processo que deve gerar curiosidade e despertar naquele que aprende um impulso criador, podemos nitidamente estabelecer um paralelo entre o diretor e pedagogo. 77 Pois, quanto mais um diretor instigar seus atores, mais criativos eles se tornarão. Entretanto para que isso possa acontecer, o aluno também precisa estar disposto a se desenvolver, e ele não precisa concordar com o diretor o tempo todo, ele terá liberdade para propor e dialogar com seu mestre. Ao longo de todo processo, procurei instigar os alunos, mas sempre priorizando o aprendizado, as descobertas, plantando neles sementes de curiosidades, alguns estavam mais disponíveisque outros e isso refletiu diretamente nos relatos que vimos acima. O fato é que em todas as situações nos entregamos, completamente doados a esse projeto. Em função disso, o diálogo foi o caminho que escolhemos desde o princípio e todos sabiam que podiam contar comigo. Até então, vimos falas dos participantes mais diretamente envolvidos. A seguir, veremos a fala de alguns professores e colaboradores da escola que viram o processo de forma mais externa, com suas opiniões e contribuições. Agora nos dedicaremos à percepção dos professores da escola sobre a experiência cênica desenvolvida, a partir dos registros empreendidos por meio de questionário. Com o mesmo objetivo, fiz um questionário11 para que os professores que acompanharam direta ou indiretamente essa pesquisa pudessem dar suas contribuições. Para isso, utilizei a plataforma Google Forms. As perguntas foram: Qual seu nome completo? / Qual sua idade? / Qual sua profissão/formação? / Ainda trabalha na Escola Benvinda? Se sim, qual função exerce atualmente e qual exercia na época do projeto? / A montagem da peça A Pena e a Lei foi importante para escola? Relate. / Como você avalia o envolvimento de crianças com e sem deficiência na montagem? / A apresentação sem voz gravada foi algo novo para escola? Qual sua opinião sobre? / Você acompanhou o envolvimento dos alunos no processo (ensaios, testes de maquiagem e figurino, produção do cenário e afins)? Relate, por favor. / Comentários Adicionais. A partir desses dois materiais, irei dialogar com os alunos, as estrelas dessa pesquisa, e com os colegas professores, que foram também espectadores. Quando perguntei se a apresentação foi importante para escola, eles responderam: Acredito que foi um aprendizado muito significativo para toda comunidade escolar. Onde toda escola empenhou-se para que o projeto fosse desenvolvido de forma que o aprendizado fosse adquirido. (Francineide Roseno). 11 As respostas dos colaboradores da escola encontram-se no apêndice deste trabalho. 78 Importantíssima… O teatro permite que os jovens desenvolvam sua consciência individual e social e sua capacidade de comunicação. Uma manifestação artística capaz de aguçar as mentes ávidas de conhecimento e de novas reflexões. (Flávia Drummond). Acredito que os projetos interdisciplinares têm a capacidade de envolver os alunos por inteiro, além de envolverem a interdisciplinaridade, aguçam o pensamento crítico e estimulam a criação. Na escola, os projetos são desenvolvidos desde 2017 e fazem parte de sua rotina, os alunos esperam por esse momento bastante ansiosos. Além do projeto de Literatura e Arte, acontecem também a Olímpiada Interna de Matemática e o Projeto de Ciências. Perguntei também aos professores se eles consideravam que a montagem da peça A Pena e a Lei foi importante para a escola e como eles avaliaram o envolvimento de crianças com e sem deficiência na montagem. Eles responderam: Com certeza! Possibilitou aos alunos e envolvidos o contato com encenação, movimento, leituras e interpretações. Foi muito rico esse projeto educacional! (Odilon Martins). Sim! Muito importante. Pois envolveu toda clientela discente dos nonos anos em torno de uma literatura propria de nossa cultura alem de permitir aos alunos a produção e atuação em arte cenica, permitindo o desenvolvimento da desenvoltura na linguagem e apresentação em publico! (Elisangela Santos) O envolvimento aconteceu de uma forma natural, a partir do empenho e dedicação da professora, tanto para os alunos com ou sem deficiência. (Maria das Vitórias). Positivamente, pois se observou a inclusão desses alunos de forma igual na produção da peça. (Francisco Canindé). É perceptível que na visão dos colegas que estiveram diretamente ou indiretamente envolvidos no processo, a montagem foi positiva para os alunos. E a respeito do envolvimento de alunos com e sem deficiência, temos a fala da professora de educação especial que acompanhava uma das alunas e o coordenador pedagógico que representa a Escola Benvinda na Secretaria Municipal de Educação. Ambos afirmam que a montagem foi conduzida de forma orgânica, sem distinções, algo extremamente positivo. Ao perguntar sobre a apresentação “ao vivo”, sem gravação prévia, foi dito que: Acredito que sim, pois rompeu algumas barreiras existentes e principalmente ajudou na concentração! (Manuella Nascimento) 79 Ache louvável, pois mostrou a dedicação dos alunos em relação ao texto, mostrou foco e compromisso com a atividade. [...] Eu sou o coordenador pedagógico geral dos anos finais no município, e ouvi atentamente os comentários de professores e pessoas que acompanharam de perto todo evento, desde os ensaios até a execução, e foi muito positivo os comentários a respeito da peça. (Francisco Canindé). Em ambos os comentários, percebemos que foi algo novo para a comunidade e para os alunos, e que os professores consideram que esse feito colaborou para a melhora da concentração dos discentes, foi notável a dedicação, o esforço e a entrega deles para a execução do projeto. Nessa penúltima seção conseguimos ver como foi o processo final de ensaios, acompanhar a organização da apresentação e falas de alguns dos alunos que participaram do processo, mostrando suas superações, expectativas e frustrações. Por fim, pudemos verificar também um olhar externo à montagem, com a fala de alguns professores/colaboradores. Verificamos ainda algumas aflições presentes nesse processo e o quanto o ensino de Teatro pode ser relevante na educação básica, nesse caso, no chão da escola pública e ligado a uma prática inclusiva. Na próxima seção, veremos as considerações finais dessa pesquisa. 80 CONSIDERAÇÕES FINAIS A primeira seção se tratou de uma apresentação, mostrando como chegamos até esta escrita e os caminhos que foram percorridos antes dela, contando ainda com alguns pressupostos conceituais que ajudaram a nortear e contextualizar esse trabalho. Na segunda seção, foi elaborada a caracterização do campo de pesquisa, município, escola e turmas, e nela também expliquei como foi feita a escolha das turmas, assim como destaquei sobre as escolhas processuais. Na terceira seção, fiz uma descrição dos processos desenvolvidos em sala de aula, das tecnologias da cena e como elas foram utilizadas na montagem. Na quarta e última seção, explanei como a apresentação foi desenvolvida, bem como foram inseridas as vozes dos alunos por meio de um processo reflexivo escrito. Também houve a inserção das falas de alguns professores, que participaram do processo por meio de um questionário. Considerando isso, conseguiu-se analisar o processo de montagem da peça teatral por intermédio de uma prática pedagógica que considerou o envolvimento de alunos com e sem deficiência. Verificou-se as atividades que vieram antes da montagem, explorou-se as tecnologias da cena como parte integrante da linguagem teatral e refletiu-se sobre a construção cênica e as percepções dos estudantes acerca dessa experiência. Dessa forma, os objetivos dessa pesquisa foram alcançados. Quanto à questão problema (“Quais processos são necessários para garantir a inclusão no processo de montagem?”), acredita-se que os casos devem ser analisados de forma única, no entanto, é preciso considerar que os jogos teatrais foram uma ferramenta fundamental no processo de inclusão, bem como a coletividade que o Teatro em si proporciona. Com essa pesquisa prática, foi possível desenvolver a formação do espectador na sala de aula, já que simultâneo à montagem teatral, os demais alunos assistiam e entendiam aquele processo, respeitavam o momento da apresentação e se aproximavam da apreciação. Desenvolver um espetáculo no chão da escola pública é assumir o Teatro como recurso pedagógico, com potencial e autossuficiência na mediaçãodo aprendizado. Trata-se de acreditar que essa experiência estética é importante para a construção crítica e social, como coloca Wendell (2010, p. 14): “São atividades que amplificam o impacto do espetáculo e transformam a apreciação da obra em um campo educacional”. Não se trata de ver apenas por consumir arte, mas de ver e entender, ser capaz de debater e ampliar sua visão estética; é entender o Teatro como meio de expressão, cultura, parte integrante da nossa existência. Ser professor de Teatro é algo que envolve não somente didática, teoria ou jogos, mas vem de um fazer artístico, uma identificação corporal de cada atividade, movimento, 81 experiência, ou seja, trata-se da formação indissociável da prática artística e pedagógica no teatro. Narciso Telles (2008, p. 37) explica o termo artista-docente “como prática educacional de integração entre estes dois universos, colocados como distintos, tanto por artistas como por educadores, mas integrados em sua práxis na construção de um trabalho artístico-educativo”. Descobri, na prática, que o professor não sai formado da universidade. O professor, ao deixar a faculdade, tem um leque de possibilidades, mas é na sua prática diária que ele se molda, que entende o que funciona e o que não funciona, considerando a realidade dos seus alunos. As aulas, apesar de planejadas, fogem dos roteiros e precisam, por várias vezes, seguir o improviso. Quando apontamos, como nessa pesquisa, uma escola pública, no interior do estado, nos circundamos de inúmeras dificuldades e elas precisam ser vistas, ser consideradas. No exercer a docência tem uma coisa que nunca podemos esquecer: lidamos com pessoas, cada uma com sua individualidade. Ao coordenar uma montagem teatral, o professor de Teatro não é apenas responsável pelo figurino, por estudar o texto ou pensar na cena, mas é responsável pela obra inteiramente, pelos estudantes e principalmente responsável por garantir um ensino- aprendizagem efetivo. A experiência vivenciada e documentada nesse trabalho acadêmico possibilitou-me não apenas atuar como profissional, mas exigiu de mim posicionamentos e reflexões constantes sobre a minha própria prática. Estar à frente de um processo na qualidade de professora-artista-facilitadora não é apenas conduzir, delegar ou administrar questões e ações, mas também ser indagada quase a todo momento pelo próprio processo. Por muitas vezes me indaguei internamente se aquela era a condução mais apropriada, ou se tal escolha estava coadunada com a solução que eu pretendia dar. Muitas vezes fui impelida a questionar a minha própria ideologia e ética profissional: é esse o teatro no qual acredito? É esse o teatro que dialoga e reverbera a própria cena contemporânea? Essas pessoas aprenderão dessa maneira? Tal instrução ou tal vivência será fundante na vida desse aluno para que ele se reconheça como espectador? À medida que administrava essas crises e conflitos internos, éticos, ideológicos, processuais, estéticos e humanos, mergulhava cada vez mais nessa pesquisa. Muitas dessas perguntas ainda ecoam em mim, os erros processuais existiram, a professora, artista e pesquisadora está em constante transformação, mas tenho consciência da entrega à montagem e da relevância que ela tem na vida de todos os envolvidos. A respeito da prática inclusiva, é importante que fique nítido que ao iniciar essa jornada, cerquei-me de muitos medos, mesmo com as experiências nos estágios com crianças 82 com deficiência. Estar em sala e ser a única responsável por garantir o ensino-aprendizagem e incluí-las efetivamente nas atividades desenvolvidas, causava-me medo e gerava inseguranças. Apesar das constantes leituras, não existe receita de bolo, manual ou coisa do tipo. É necessário sentir na prática a individualidade de cada uma, suas necessidades, desejos, o que gostam e o que não as interessam ou causam algum desconforto. Trabalhar inicialmente com Histórias em Quadrinhos foi algo muito positivo, pois facilitou a aproximação dos alunos, em especial dos que possuem deficiência. As imagens eram atrativas e os envolviam na atividade proposta. Quando necessário, passavam por adequações, como a atividade em que a aluna com deficiência física utilizou massinha de modelar para representar personagens. Durante o desenvolvimento dos jogos teatrais, nos primeiros contatos com as aulas práticas, os alunos sempre foram participativos e atenciosos com as particularidades das diferentes corporeidades envolvidas no processo. Em seguida, com a divisão dos grupos, uma das alunas com deficiência preferiu acompanhar – e liderar – o grupo responsável pela iluminação e a outra seguiu na atuação. A partir dessas escolhas, desenvolvemos atividades distintas para os grupos, a fim de prosseguir com a montagem do espetáculo. Na fase final desse trabalho, foi possível identificar o quanto as alunas progrediram, estavam muito mais seguras, interagiam muito mais com os colegas, acreditaram e se envolveram tanto com esse processo, acredita-se que por não terem tantas oportunidades como essa. Quanto à minha experiência enquanto professora de Teatro, na utilização da montagem como prática pedagógica, atesto que foi assertiva e garantiu aos alunos um contato efetivo com o Teatro, o fazer e o ver, tanto na prática teatral quanto na formação do espectador. Considero que a encenação teatral é uma metodologia potente para o ensino de Teatro, pois, através da vivência dessa pesquisa, percebi que o ensino de Teatro é necessário e agregador para vida dos jovens, que é possível incluir alunos com e sem deficiência no projeto e que simultânea à montagem da encenação, conseguimos formar o espectador para a apreciação. Hoje, após três anos desse trabalho, considero que foi uma experiência significativa de fazer-ensinar Teatro. Infelizmente, não consegui desenvolver a prática novamente, pois, ao longo da escrita desse trabalho, passamos pela pandemia do Covid-19 e a maior parte das aulas foram dadas de forma remota. Mas tenho certeza que, assim que possível, retomarei o exercício e descobrirei novas possibilidades. Afirma-se que essa proposta de montagem alcançou a prática inclusiva e foi de grande valia para a vida e formação dessas alunas. Acredita-se, portanto, que apesar das dificuldades 83 físicas, estruturais e dos prazos reduzidos, além da falta de recursos financeiros, conseguiu-se garantir aos alunos uma aprendizagem efetiva por meio do ensino de Teatro e envolver na prática teatral alunos com e sem deficiência, reafirmando que a inclusão na montagem teatral é possível. FECHAM-SE AS CORTINAS. 84 REFERÊNCIAS ABREU, Carla de; CASTRO, Ítalo Augusto de. Corpo conforme: O documentário como estratégia pedagógica de resistência e inclusão no contexto educacional. Congresso Nacional da Federação de Arte/Educadores do Brasil. Brasília, 2018. 3050 p. ALMEIDA, Aline Catiane Paz. O teatro, os jogos teatrais e a sala de aula. João Pessoa. p. 16. APABB – Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência, de Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade. Associação brasileira síndrome Cornélia de Lange abre as portas para receber famílias. 2017. 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O descaso que tiveram conosco chegou a ser ridículo, fizemos croqui, que inclusive deram muito trabalho, ao leu sem material para fazer o que estava no croqui, fomos atrás das roupas, já que vocês não fizeram a mínima questão de perguntar à nós se precisavámos de alguma coisa, e levamos ignorância como brinde da dona das roupas, dias antes da apresentação, todos do figurino estavam perdidos, sem informação ou explicação sobre o tal figurino. Agora me fala, todo nosso trabalho foram a toa? Nem pontuados somos em português. Sinceramente decepcionada. • Allbert Willany - 2 Para mim, fazer teatro foi uma experiência, nova, pois nunca fiz algo parecido não cheguei a ter muita experiência participando da apresentação devido não ter coragem de se apresentar em publico e também tinha muita gente assistindo. Eu aprendi que no teatro precisa de bastante organização como maquiagem, figurino, iluminação e cenário, principalmente os atores ensaiar as falas, entrada e saída de palco de ensaiar os passos (se for dançar), também precisa algumas pessoas na sonoplastia. Pontos positivos que achei no teatro foi perder a timidez, aumentar o trabalho em grupo e a pessoa esquece seus problemas. Pontos negativos: Sentir nervosismo antes da apresentação, sentir algumas frustrações, alguns imprevistos pode acontecer. Eu não entrei em cena, mas observei como sentiram durante a apresentação, alguns ficaram nervoso ou tímido outros apresentarão super bem sem timidez, teve alguns que esqueceram as falas e tiveram que improvisar. 100 • Amanda Letícia - 3 A minha experiência no teatro foi maravilhosa de todas formas. Se tem um coisa que posso dizer é que foi uma sensação totalmente nova para mim. No teatro eu pude enfim me encontrar, me conhecer, e sentir o sentimento que eu quero acolher para o resto da minha vida. Quero com toda certeza, de alguma forma, fazer novamente parte do mundo do teatro e poder me sentir cada vez mais. Foi algo que me ajudou muito, principalmente a interação que tive com outras pessoas, e no problema que tenho, relacionados a timidez. • Ana Clara Bragado Nascimento - 4 Minha experiencia foi terrível. Não tivemos recursos suficientes para a produção dos figurinos, levamos muito tempo nos croquis (que nem usamos por causa do problema já citado). Em nosso “plano B”, fomos até a casa de Maria (pessoa que tem todo o figurino), porem nem conseguimos, faltando pouco tempo para a peça fomos atrás das peças de roupas na escola, que estava bastante limitada graças ao pessoal do mosenhor que estava levando, ou seja, não tivemos nenhum momento “favorável” nessa apresentação. • Lívia - 15 Minha experiência com o teatro na disciplina de Artes foi muito interessante e divertida. No 1º bimestre eu e o resto do 9º A aprendemos sobre quadrinhos, de como construí- los e fizemos alguns exemplos. No 2º bimestre fomos desafiados a fazer mini encenações com temas que eram sorteados e usamos nossa criatividade para apresentar para toda sala. Além disso, nós aprendemos mais sobre a história do teatro, elementos físicos do teatro, função e a importância de cada passo no teatro, sobre roteiro, patrimônio cultural material e imaterial. No 3º bimestre lemos em conjunto a peça teatral “A pena e a lei” de Ariano Suassuna e grupos foram separados. como por exemplo: sonoplastia, figurino, maquiagem e outros grupos. No 4º bimestre começamos a ensaiar o terceiro ato de “a pena e a lei” para apresentar no projeto de literatura, colocando em prática tudo que já tínhamos aprendido. Foram vário dias de ensaio, de dedicação e de esforço para sair tudo como havia sido planejado. Os grupos que foram separados também se esforçara muito para a peça acontecer. 101 Na peça eu interpretei a personagem “cheirosa”, foi uma nova e ótima experiência de muito aprendizado, foi a primeira vez que aprendi realmente sobre teatro na escola, e pude ver como ele é encantador. Esse ano foi o primeiro que eu gostei muito da disciplina de Artes. E sem você, Thâmara, isso não poderia ser possível, você é uma ótima professora e nos ensinou de uma forma leve e divertida, muito obrigada! • Raul Syrlan Silva Braga - 19 Minha experiencia foi bem diferente, pois eu nunca havia atuado em uma peça de teatro no começo fiquei meio nervoso pelo mesmo motivo que citei sem falar que no começo eu tive um pouco de dificuldade para decorar as falas e também fiquei meio travado na hora da música pois eu estava errando bastante a melodia e sem falar que eu tava tão nervoso que eu não queria que ninguem da família fosse me ver mas na hora deu tudo certo (exceto pelo fato que teve uma hora que eu errei a fala em cena na frente de todo mundo e foi meio constrangedor mas tudo bem) e acabou sendo uma experiencia e sensação nova e legal, eu me diverti bastante nos ensaios, no teste de maquiagem, nos momentos pré –peça e durante a peça foi divertido ter conhecido um pouco do mundo do teatro e ter sido um ator por 1 mês é muito interessante ter um pouco do mundo do teatro e essa foi minha experiência. • Stephane - 21 É muito legal e divertido eu gostei muito foi uma experiencia muito legal eu gostei se eu pudesse faria tudo de novo foi super legal foi uma aula bem diferente eu gostei muito de criar as histórias em quadrinhos foi interessante eu tanto aprendi com meu grupo como aprendi com os outros eu acho que era isso que tava faltando uma aula divertida e bem diferente eu já apresentei mais nunca gostei de ser um personagem principal porque sempre fui tímida e nunca decorei nada mais depois das aulas da senhora eu acho que eu perdi o pouco da minha timidez e eu sempre gostei mais nunca pensei que eu ia apresentar na sala , porque ate pra apresenta os trabalhos eu tinha vergonha eu não sei como mais hoje eu não tenho muita vergonha mais agora é bem diferente amei as suas aulas mais eu acho que é todo mundo sempre antes de apresenta da um frio na barriga mais eu amei parabéns professora pela sua aula muito legal e interessante. Parabéns pela professora que vc é suas aulas era ótima. eu acho que pra gente aprende não precisa só escrever e mais eu acho que se o melhor e aprender se divertido. 9º ANO “B” 102 • Thales - 38 Teve pontos negativos que quando chegou na hora da peça eu não quis apresentar e logo eu que sou gago eu me superei e botei minha meta. Pontos positivos é que eu fui eu este meus obstáculos e todos amo minha apresentação. Eu fui cheiroso o dono da peça com cheirosa e agente fico ensaiando um na frente do outro pra aparece mais o brilho. Gostei muito que a professora fico ajudando a gente a não desistir e desde o começo ela não desistiu de nos e prosseguiu com as aulas. Foi cansativo mais valeu a pena obrigado por tudo professora linda. Essa peça me ajudou a entra numa compania de teatro AACG. 103 APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO PARA OS FUNCIONÁRIOS DA ESCOLA QUE ACOMPANHARAM E/OU ASSISTIRAM A MONTAGEM TEATRAL • Odilon Martins Qual seu nome completo? Odilon Martins Netto Qual sua idade? 29 Qual sua profissão/formação? Profissional de Educação Física Ainda trabalha na Escola Benvinda? Se sim, qual função exerce atualmente e qual exercia na época do projeto? Não / na época: Professor de Educação Física A montagem da peça A Pena e a Lei foi importante para escola? Relate. Com certeza! Possibilitou aos alunos e envolvidos o contato com encenação, movimento, leituras e interpretações. Foi muito rico esse projeto educacional! Como você avalia o envolvimento de crianças com e sem deficiência na montagem? Vi bastante envolvimento dos alunos com esse peça! Os alunos com necessidades especiais, que também atuaram, se alegraram com o protagonismo e “os ditos normais” tanto se envolveram como acolheram. A apresentação sem voz gravada foi algo novo para escola? Qual sua opinião sobre? Pelo período em que atuei na escola, sim! Achei bem interessante esse formato. Você acompanhou o envolvimento dos alunos no processo (ensaios, testes de maquiagem e figurino, produção do cenário e afins)? Relate, por favor. Sim! Muita movimentação produtiva, ansiedade, erros e risadas, alegrias e no final, um belo espetáculo. COMENTÁRIOS ADICIONAIS Foi um excelente projeto que somou, com certeza, na formação enquanto ser daqueles alunos e envolvidos na peça. • Elisangela Santos Qual seu nome completo? Elisangela Gomes dos Santos Qual sua idade? 104 48 Qual sua profissão/formação? Professora/pedagogia, geografia, Teologia Ainda trabalha na Escola Benvinda? Se sim, qual função exerce atualmente e qual exercia na época do projeto? Sim. Coordenadora de projetos A montagem da peça A Pena e a Lei foi importante para escola? Relate. Sim! Muito importante. Pois envolveu toda clientela discente dos nonos anos em torno de uma literatura propria de nossa cultura alem de permitir aos alunos a produção e atuação em arte cenica, permitindo o desenvolvimento da desenvoltura na linguagem e apresentação em publico! Como você avalia o envolvimento de crianças com e sem deficiência na montagem? Muito bpa. Pois tivemos alunos com essa caracteristica de deficiencia juntamente com os demais em um clima de cpnvivencia de aceitaçao as limitaçoes e tolerancia entre os alunos permitindo a inclusão. A apresentação sem voz gravada foi algo novo para escola? Qual sua opinião sobre? Sim. Muito importante pois trabalhou a dicção e potencia vocal. Você acompanhou o envolvimento dos alunos no processo (ensaios, testes de maquiagem e figurino, produção do cenário e afins)? Relate, por favor. Acompanhei todo processo, inclusive confecção dos materiais necessarios para o cenário. Como tenho certas habilidades plasticas realizei pesquisa de material necessario e orientei grupos de alunos envolvidos na produção de materiais partindo de itens reciclados como garrafoes papelão entre outros. • Maria da Conceição Qual seu nome completo? Maria da Conceiçãodos Santos Leandro Qual sua idade? 33 anos. Qual sua profissão/formação? Professora, formada em Letras. Ainda trabalha na Escola Benvinda? Se sim, qual função exerce atualmente e qual exercia na época do projeto? Trabalho, exercia e continuo na referida função de professora. 105 A montagem da peça A Pena e a Lei foi importante para escola? Relate. Sim. A apresentação trouxe um novo olhar no conceito de arte na escola. Como você avalia o envolvimento de crianças com e sem deficiência na montagem? Que todos somos capazes, embora tenhamos limitações, mas cada um de nós, temos algo a contribuir. A apresentação sem voz gravada foi algo novo para escola? Qual sua opinião sobre? Sim, momento inédito na referida escola! Porém foi um acontecimento que veio para aprimorar o sucesso do projeto. Você acompanhou o envolvimento dos alunos no processo (ensaios, testes de maquiagem e figurino, produção do cenário e afins)? Relate, por favor. A minha participação foi acompanhar os ensaios com a turma. Porém todo o crédito é da professora Thâmara, a mesma que elaborou todo o procedimento para a apresentação da turma. Notamos o empenho do alunado para a concretização do projeto. COMENTÁRIOS ADICIONAIS A apresentação foi excelente, algo que trouxe uma certa insegurança, mas que no final deu tudo certo! • Francineide Roseno Qual seu nome completo? Francineide Roseno da Silva Silveira Qual sua idade? 50 Qual sua profissão/formação? Professora pedagoga/Artes Visuais. Ainda trabalha na Escola Benvinda? Se sim, qual função exerce atualmente e qual exercia na época do projeto? Professora A montagem da peça A Pena e a Lei foi importante para escola? Relate. Acredito que foi um aprendizado muito significativo para toda comunidade escolar. Onde toda escola empenhou-se para que o projeto fosse desenvolvido de forma que o aprendizado fosse adquirido. Como você avalia o envolvimento de crianças com e sem deficiência na montagem? Como superação e interação mútua. A apresentação sem voz gravada foi algo novo para escola? Qual sua opinião sobre? 106 Foi novo para escola. Vejo um avanço e incentivo para os alunos. De modo que, eles passaram a se identificar e apreciar suas próprias habilidades de improvisações sonora. Você acompanhou o envolvimento dos alunos no processo (ensaios, testes de maquiagem e figurino, produção do cenário e afins)? Relate, por favor. Estamos presente no processo final da apresentação do projeto junto ao aluno foi de suma importância para eles. Estavam nevosos e preocupados. Como professora tive que incentiva - los e acalmá-los para que eles desse o melhor de si. COMENTÁRIOS ADICIONAIS Espero que a escola continue desenvolvendo projetos como esse. Pois o aluno desenvolve muitas competências e habilidades. • Francisco Canindé Qual seu nome completo? Francisco Canindé Câmara Qual sua idade? 57 Qual sua profissão/formação? Professor/ Mestre Ainda trabalha na Escola Benvinda? Se sim, qual função exerce atualmente e qual exercia na época do projeto? Sim, Coordenador pedagógico /Coordenador pedagogico A montagem da peça A Pena e a Lei foi importante para escola? Relate. Sim, foi muito importante para a formação cultural dos alunos, e tomar conhecendo de alguns direitos e deveres como cidadão. Como você avalia o envolvimento de crianças com e sem deficiência na montagem? Positivamente, pois se observou a inclusão desses alunos de forma igual na produção da peça. A apresentação sem voz gravada foi algo novo para escola? Qual sua opinião sobre? Ache louvável, pois mostrou a dedicação dos alunos em relação ao texto, mostrou foco e compromisso com a atividade. Você acompanhou o envolvimento dos alunos no processo (ensaios, testes de maquiagem e figurino, produção do cenário e afins)? Relate, por favor. Essa parte dos bastidores eu não presenciei de perto, apenas assistir a apresentação do qual ficou excelente. COMENTÁRIOS ADICIONAIS 107 Eu sou o coordenador pedagógico geral dos anos finais no município, e ouvi atentamente os comentários de professores e pessoas que acompanharam de perto todo evento, desde os ensaios até a execução, e foi muito positivo os comentários a respeito da peça. • Marta Campelo Qual seu nome completo? Marta Campelo da Cruz Qual sua idade? 52 Qual sua profissão/formação? Professora Ainda trabalha na Escola Benvinda? Se sim, qual função exerce atualmente e qual exercia na época do projeto? Professora e continuo professora A montagem da peça A Pena e a Lei foi importante para escola? Relate. Sim. Percebemos que alguns alunos toversm a oportunidade de superar desafios, inclusives pessoais atuando na peça. Foi algo muito importante para a escola e nossos alunos. Como você avalia o envolvimento de crianças com e sem deficiência na montagem? Acredito ser relevante, pois constatamos o quanto se identificaram com a arte dramática e o quanto foi importante a inclusão e interação desses alunos. A apresentação sem voz gravada foi algo novo para escola? Qual sua opinião sobre? Sim. Muito boa a experiência e pudemos comprovar o quanto são capazes e talentosos. Você acompanhou o envolvimento dos alunos no processo (ensaios, testes de maquiagem e figurino, produção do cenário e afins)? Relate, por favor. Ensaios, sim! Demonstraram interesse e dedicação. Uma experiência relevante foi a de um aluno com cagueira que enfrentou a dificuldade e, através das repetições e confiança dada a ele conseguiu decorar o texto e fazer uma apresentação fantástica. Nos ensaios foi possível descobrir o talento de atuar, cantar e até mesmo dançar! COMENTÁRIOS ADICIONAIS Muito importante a disciplina de Arte nas escolas, pois promove ao aluno conhecimento, superação e felicidade! • Gilmar Oliveira Qual seu nome completo? 108 Gilmar Costa de Oliveira Qual sua idade? 35 anos Qual sua profissão/formação? Professor de Ciências Ainda trabalha na Escola Benvinda? Se sim, qual função exerce atualmente e qual exercia na época do projeto? Atualmente Professor de Ciências e na época também! A montagem da peça A Pena e a Lei foi importante para escola? Relate. Sim, pois envolveu discentes e docentes em um projeto interdisciplinar Como você avalia o envolvimento de crianças com e sem deficiência na montagem? Não vi diferença alguma na participação de ambos, pois todos participaram deram seu máximo! A apresentação sem voz gravada foi algo novo para escola? Qual sua opinião sobre? É melhor do que com a voz gravada! Eu acho que retém mais a atenção do público! Você acompanhou o envolvimento dos alunos no processo (ensaios, testes de maquiagem e figurino, produção do cenário e afins)? Relate, por favor. Não acompanhei! COMENTÁRIOS ADICIONAIS Esses projetos interdisciplinares são muito importantes para o processo de ensino aprendizagem dos discentes! • Manuella Nascimento Qual seu nome completo? Manuella da Silveira Nascimento Qual sua idade? 31 Qual sua profissão/formação? Professora de Língua Portuguesa Ainda trabalha na Escola Benvinda? Se sim, qual função exerce atualmente e qual exercia na época do projeto? Sim, professora de Língua Portuguesa A montagem da peça A Pena e a Lei foi importante para escola? Relate. 109 Sim, uma vez que possibilitou aos alunos uma viagem na literatura e consequentemente na leitura por meio da arte! Como você avalia o envolvimento de crianças com e sem deficiência na montagem? Foi de suma importância, uma vez que eles se sentiram valorizados! A apresentação sem voz gravada foi algo novo para escola? Qual sua opinião sobre? Acredito que sim, pois rompeu algumas barreiras existentes e principalmente ajudou na concentração! Você acompanhou o envolvimento dos alunos no processo (ensaios,testes de maquiagem e figurino, produção do cenário e afins)? Relate, por favor. Em partes sim! COMENTÁRIOS ADICIONAIS Acredito que o projeto foi de suma importância para o desenvolvimento dos alunos tanto no quesito da leitura, quanto na desenvoltura e combate a timidez! • Maria das Vitórias Qual seu nome completo? Maria das Vitórias de Araújo Qual sua idade? 43 Qual sua profissão/formação? Pedagogia Ainda trabalha na Escola Benvinda? Se sim, qual função exerce atualmente e qual exercia na época do projeto? Não A montagem da peça A Pena e a Lei foi importante para escola? Relate. Sim! Muito. Conhecimento, socialização, interação e principalmente a inclusão dos alunos com deficiência. Como você avalia o envolvimento de crianças com e sem deficiência na montagem? O envolvimento aconteceu de uma forma natural, a partir do empenho e dedicação da professora, tanto para os alunos com ou sem deficiência. A apresentação sem voz gravada foi algo novo para escola? Qual sua opinião sobre? Sim. Foi o primeiro ano de trabalho na escola, no entanto, não tinha até então, experiência com trabalhos dessa grandeza. 110 Você acompanhou o envolvimento dos alunos no processo (ensaios, testes de maquiagem e figurino, produção do cenário e afins)? Relate, por favor. Parcialmente. Em poucos momentos que estive com eles, foi possível perceber muito envolvimento dos alunos, empolgação, força de vontade e companheirismo. COMENTÁRIOS ADICIONAIS Trabalhos como esse, deveria ser mais frequente nas escolas. • Flávia Frummond Qual seu nome completo? Flávia Drummond Qual sua idade? 45 anos Qual sua profissão/formação? Matemática Ainda trabalha na Escola Benvinda? Se sim, qual função exerce atualmente e qual exercia na época do projeto? Professora A montagem da peça A Pena e a Lei foi importante para escola? Relate. Importantíssima… O teatro permite que os jovens desenvolvam sua consciência individual e social e sua capacidade de comunicação. Uma manifestação artística capaz de aguçar as mentes ávidas de conhecimento e de novas reflexões. Como você avalia o envolvimento de crianças com e sem deficiência na montagem? Sensacional… o entrosamento, o desejo de colaborar e ajudar o outro são latentes. A apresentação sem voz gravada foi algo novo para escola? Qual sua opinião sobre? Sim. Embora o local da apresentação não tenha favorecido em relação a acústica, a formar como eles impuseram a postura e voz foi gratificante de assistir. Você acompanhou o envolvimento dos alunos no processo (ensaios, testes de maquiagem e figurino, produção do cenário e afins)? Relate, por favor. A interação entre os atores (nossos alunos adolescentes) é mágica… proporciona o desenvolvimento de novas amizades, trabalha a autoestima e a elevação do autoconhecimento, a sentimento de pertencimento, autonomia e a certeza de que sim: são CAPAZES! Capazes de realizar grandes feitos. Percebem que disciplina e comprometimento são aliados nessas conquistas. 111 • Sheylla Melo Qual seu nome completo? Sheylla Cristiane da costa Melo Silva Qual sua idade? 43 Qual sua profissão/formação? Professora/ pedagogia e educação física Ainda trabalha na Escola Benvinda? Se sim, qual função exerce atualmente e qual exercia na época do projeto? Sim. Vice diretora A montagem da peça A Pena e a Lei foi importante para escola? Relate. Sim Muito importante ... Através da apresentação teatral os alunos observaram e adquiriram novos conhecimentos de forma prazerosa. Como você avalia o envolvimento de crianças com e sem deficiência na montagem? Importante... fundamental A apresentação sem voz gravada foi algo novo para escola? Qual sua opinião sobre? Não... Já havíamos feito algo parecido... Porém necessário mais recursos de áudio para melhor desenvoltura. Você acompanhou o envolvimento dos alunos no processo (ensaios, testes de maquiagem e figurino, produção do cenário e afins)? Relate, por favor. Sim.... Sempre.... É algo emocionante de ver, a vontade de participar dos alunos.... COMENTÁRIOS ADICIONAIS Queremos mais peças teatrais.