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AInternacaoInvoluntaria-Gomes-2020

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS 
DEPARTAMENTO DE DIREITO 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO 
 
 
 
 
MARIANA MOUSINHO CAVALCANTE MEDEIROS GOMES 
 
 
 
 
 
 
 
 
A INTERNAÇÃO INVOLUNTÁRIA DOS USUÁRIOS DE DROGAS COMO 
MANIFESTAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2020 
 
MARIANA MOUSINHO CAVALCANTE MEDEIROS GOMES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A INTERNAÇÃO INVOLUNTÁRIA DOS USUÁRIOS DE DROGAS COMO 
MANIFESTAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito (PPGD) como requisito parcial 
de conclusão do III Curso de Especialização em 
Direito Administrativo da Universidade Federal do 
Rio Grande do Norte. 
Orientadora: Professora Doutora Mariana de 
Siqueira. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2020 
 
 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA 
 
 Gomes, Mariana Mousinho Cavalcante Medeiros. 
 A internação involuntária dos usuários de drogas como 
manifestação do poder de polícia / Mariana Mousinho Cavalcante 
Medeiros Gomes. - 2020. 
 82f.: il. 
 
 Monografia (Especialização em Direito Administrativo) - 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências 
Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, 
RN, 2020. 
 Orientadora: Profa. Dra. Mariana de Siqueira. 
 
 
 1. Drogas - Monografia. 2. Liberdade Individual - Monografia. 
3. Proteção à Saúde - Monografia. 4. Internação Involuntária - 
Monografia. 5. Poder de Polícia - Monografia. 6. Controle 
Administrativo - Monografia. I. Siqueira, Mariana de. II. 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. 
 
RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 351 
 
 
 
 
 
Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço à minha família por ser meu alicerce em absolutamente tudo. Obrigada por 
todo amor e apoio. 
Às minhas amigas por se fazerem tão presentes na minha vida, me ajudando a superar 
as dificuldades e me incentivando a ser alguém melhor. 
À Universidade Federal do Rio Grande do Norte por ter sido uma segunda casa durante 
os últimos sete anos entre graduação e pós-graduação e à Mariana de Siqueira, pelos 
apontamentos como orientadora deste trabalho e por, desde as aulas de hermenêutica jurídica, 
se mostrar um grande exemplo de profissional e de mulher, sendo fonte inspiração durante essa 
jornada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
"O descaso diante da realidade nos transforma em 
prisioneiros dela. Ao ignorá-la, nos tornamos 
cúmplices dos crimes que se repetem diariamente 
diante de nossos olhos. Enquanto o silêncio 
acobertar a indiferença, a sociedade continuará 
avançando em direção ao passado de barbárie. É 
tempo de escrever uma nova história e de mudar o 
final." 
 
(Daniela Arbex - Holocausto brasileiro) 
RESUMO 
 
Sempre que há uma novidade legislativa se faz necessário o estudo pela ciência jurídica em 
relação aos seus impactos, a fim de averiguar a sua adequação ao ordenamento legal. Desse 
modo, o presente trabalho tem como objetivo geral estudar, sob a ótica do Direito 
Administrativo, a problemática da internação involuntária dos usuários de drogas no Brasil, 
legitimada a partir da Lei 13.840/2019 que alterou o Sistema Nacional de Políticas Públicas 
sobre Drogas. Ao redor do tema conflitam os direitos fundamentais de liberdade individual e 
autonomia da vontade com o direito de proteção à saúde, todos garantidos pelo Estado brasileiro 
na Constituição Federal de 1988. Esses conflitos foram analisados, bem como os fundamentos 
jurídicos que permitiram a edição da referida Lei, autorizando a intervenção do Poder Público 
na esfera privada. Para tanto, o trabalho se subdividiu entre os seguintes objetivos específicos: 
a análise dos usuários de drogas sob a perspectiva dos direitos fundamentais envolvidos; a 
questão da internação involuntária no Brasil e os seus limites; e, a (in)constitucionalidade do 
art. 23-A, §3, inciso II e §5º, incisos I, II, III, IV, da Lei nº 13.840/19. Ao final, concluiu-se 
que a internação involuntária dos usuários de drogas é fruto do poder de polícia concedido à 
Administração Pública, conflitando os interesses público (proteção à saúde) e privado 
(liberdade individual). Além disso, entendeu-se pela inconstitucionalidade material dos 
dispositivos mencionados, no entanto, considerando que não há no presente momento ação no 
Supremo Tribunal Federal que vise debater a temática, defendeu-se que a aplicação da Lei deve 
respeitar os limites impostos pelo controle administrativo, quais sejam a conciliação entre o 
interesse social e os direitos fundamentais constitucionais, para que não haja uma excessiva 
mitigação da liberdade dos indivíduos em questão. Para a compreensão do tema foi utilizado o 
método científico dedutivo, com a utilização de conceitos conhecidos da dogmática jurídica 
para a interpretação da lei, resultando em uma pesquisa qualitativa e teórica. 
 
Palavras-chave: Drogas. Usuários. Liberdade Individual. Proteção à Saúde. Internação 
Involuntária. Poder de Polícia. Controle Administrativo. 
 
ABSTRACT 
 
Whenever there is a new legislation, it is necessary to study how it will impact the legal system. 
Thus, this paper proposes to study, from the perspective of Administrative Law, the problem of 
involuntary hospitalization of drug users in Brazil, legitimized by the Law 13.840/2019, that 
changed the National System of Public Policies on Drugs. Around the theme, the fundamental 
rights of individual freedom and autonomy of the will conflict with the right to health 
protection, all guaranteed by the Brazilian State in the Federal Constitution of 1988. These 
conflicts were analyzed, as well as the legal foundations that allowed the edition of the 
aforementioned Law, authorizing the intervention of Public Administration in the private 
sphere. Therefore, the work was subdivided between the following specific objectives: the 
analysis of drug users from the perspective of the fundamental rights involved; the question of 
involuntary internment in Brazil and it’s limits; and, the (un) constitutionality of art. 23-A, §3, 
item II and §5, item I, II, III, IV, of Law nº 13.840/19. In the end, it was concluded that the 
involuntary hospitalization of drug users is the result of the police power granted to the Public 
Administration, conflicting public (protection of health) and private (individual freedom) 
interests. In addition, it was understood by the material unconstitutionality of the 
aforementioned provisions, however, considering that there is currently no action in the 
Supreme Federal Court to discuss the issue, it was argued that the application of the Law should 
respect the limits imposed by administrative control , whatever the conciliation between the 
social interest and the constitutional fundamental rights, so that there is not an excessive 
mitigation of the freedom of the individuals in question. In order to understand the theme, the 
deductive scientific method was used, with the use of known concepts from legal dogmatics to 
interpretation the law, resulting in a qualitative and theoretical research. 
 
Keywords: Drugs. Users. Individual Freedom. Health Protection. Involuntary Hospitalization. 
Police Power. Administrative Control. 
 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS 
 
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária 
CAPS Centros de Atenção Psicossocial 
CF Constituição Federal 
FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz 
OMS Organização Mundial da Saúde 
ONU Organização dasNações Unidas 
PNAS Política Nacional de Assistência Social 
RAPS Rede de Atenção Psicossocial 
SISNAD Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas 
STF Supremo Tribunal Federal 
SUAS Sistema Único de Assistência Social 
SUS Sistema Único de Saúde 
TLS Time-Location Sampling 
UNODC United Nations Office on Drugs and Crime 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10 
2 O USO DE DROGAS SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS . 13 
2.1. DIREITO FUNDAMENTAL À LIBERDADE ............................................................. 15 
2.2. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE ...................................................................... 21 
3 A INTERNAÇÃO INVOLUNTÁRIA DOS USUÁRIOS DE DROGAS ........................ 26 
3.1. A INTERNAÇÃO INVOLUNTÁRIA NO BRASIL: MANIFESTAÇÃO DO PODER 
DE POLÍCIA ......................................................................................................................... 30 
3.2. OS LIMITES DO PODER DE POLÍCIA EM VIRTUDE DO CONTROLE 
ADMINISTRATIVO ............................................................................................................ 36 
4 A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 23-A, §3º, II e §5º, incisos I, II, III, IV, 
DA LEI Nº 13.840/2019 .......................................................................................................... 44 
4.1. MODELOS DE TRATAMENTO DOS USUÁRIOS DE DROGAS ALTERNATIVOS 
À INTERNAÇÃO ................................................................................................................. 47 
4.1.1. População mais atingida com a internação ......................................................... 51 
4.1.2. Experiências pregressas e a internação como medida privativa de liberdade . 56 
4.2. O ART. 23-A, §3º, INCISO II E §5º, INCISOS I, II, III, IV, DA LEI Nº 13.840/19 E A 
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ............................................................................... 60 
5 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 68 
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 72 
 
10 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
À época da disseminação da política de guerra às drogas, colocou-se no mesmo patamar 
o usuário e o traficante, criminalizando ambos de maneira semelhante. Ocorre que o modelo de 
combate às drogas com a perseguição indistinta entre essas duas figuras, que se irradiou dos 
Estados Unidos para o mundo a partir da década de 1970, se mostrou falho dando margens para 
a busca de formas alternativas de se lidar com a problemática. 
Desse modo, a política mundial hodierna tem se reformulado, alterando notadamente o 
tratamento destinado aos usuários de substâncias entorpecentes. É nesse contexto de mudanças 
que se vislumbra a possibilidade de inclusão dos drogo-adictos nas políticas de saúde pública, 
saindo da esfera exclusiva da criminalidade. Especialmente nos países europeus, como por 
exemplo em Portugal, onde o consumo de drogas não é criminalizado, se fortaleceu o 
entendimento de que a questão referente às drogas ultrapassa a seara do Direito Penal, sendo 
mormente uma questão sanitária que precisa ser analisada em consonância com as demais 
Ciências. 
No Brasil, desde o ano de 2006, com a edição da atual legislação sobre drogas (Lei nº 
11.343/06), a figura do usuário passou a ser despenalizada, ou seja, a aplicação da pena 
privativa de liberdade para a conduta do uso foi extinta. É importante destacar, todavia, que 
esse instituto não se confunde com o da descriminalização, pois a utilização de substâncias 
entorpecentes continua tutelada pelo Direito Penal, sendo passível de punição com penas 
restritivas de direitos, penas alternativas e multa. Em que pese continuar criminalizada, a partir 
dessa nova perspectiva houve uma patologização dos adictos, que embora ainda sejam 
estigmatizados, foram integrados ao Sistema Único de Saúde (SUS). 
É nessa conjuntura que surge a interseção entre a problemática das drogas e o Direito 
Administrativo, pois a partir do momento em que a situação dos usuários passa a ser encarada 
como um problema de saúde se torna um dever do Estado, estabelecido na Constituição Federal, 
a realização de políticas públicas para atender tal demanda. 
Em junho 2019, com base na mudança de perspectiva apresentada, o então Presidente 
da República Federativa do Brasil sancionou a Lei nº 13.840/19, estabelecendo a possibilidade 
de internação involuntária dos toxicomaníacos, com fundamento na garantia da saúde pública 
desses indivíduos. A internação involuntária, diferentemente da internação compulsória, não é 
determinada judicialmente, mas sim a pedido de terceiro e formalizada por um médico. É 
importante frisar que o Estado, por meio do seu poder de polícia, tem a faculdade de limitar ou 
condicionar o exercício dos direitos individuais, em prol do bem-estar coletivo e do interesse 
11 
 
público, podendo, portanto, disciplinar a atuação individual quando necessário para a 
manutenção da ordem. 
Diante das mudanças apresentadas se faz necessário um estudo de como o Estado deve 
se portar diante desses cidadãos, especialmente em relação àqueles que possuem dependência 
de substâncias químicas e que por esta razão têm sua autonomia mitigada. Questiona-se até que 
ponto o Poder Público pode interferir na liberdade individual sob a justificativa de proteção à 
saúde e se é possível, face ao Estado Democrático de Direito garantido no texto constitucional 
de 1988, que a Administração interne indivíduos involuntariamente, sem que haja 
consentimento e sem que haja intervenção do judiciário com as garantias do devido processo 
legal. 
Conflitam, nessa situação os direitos fundamentais de liberdade individual e de proteção 
à saúde, sendo indispensável estabelecer quais são os limites da Administração Pública diante 
desses parâmetros. Com isso, o presente trabalho tem como objetivo geral estudar a internação 
involuntária dos usuários de drogas pela perspectiva do Direito Administrativo, levando em 
consideração o conflito entre os direitos fundamentais de liberdade individual e de proteção à 
saúde, bem como os limites estabelecidos pelo controle administrativo em relação ao uso do 
poder de polícia. 
Para tanto, o trabalho será dividido em capítulos correspondentes aos seus objetivos 
específicos. Primeiro, serão trabalhados os direitos fundamentais que estão envolvidos na 
problemática, analisando-se o uso de drogas pela ótica dos direitos à liberdade individual e de 
proteção à saúde. No segundo capítulo, descrever-se-a como se dá a internação involuntária 
desses indivíduos no Brasil, a partir da ideia de que essa possibilidade se caracteriza como fruto 
do Poder de Polícia. Na oportunidade, também serão analisados os limites impostos a esse poder 
pelo controle administrativo. No terceiro capítulo, por fim, será verificada a constitucionalidade 
ou não do art. 23-A, §3º, II e §5º, incisos I, II, III, IV, da Lei nº 13.840/2019, que prevê tal 
hipótese de internação, com base nos parâmetros constitucionais que regem a Administração 
Pública. 
Até o presente momento, março de 2020, não há ação perante o Supremo Tribunal 
Federal (STF) questionando a constitucionalidade da referida lei, mesmo assim, entendeu-se 
pela realização da análise constitucional para averiguar se o instituto se coaduna com o 
odernamento jurídico estabelecido pela Constituição Federal brasileira, para a partir de então 
estabelecer os seus limites. 
A escolha do tema tem como justificativa a necessidade de uma abordagem jurídica e 
crítica acerca da temática, tendo em vista que a novidade legislativa traz reverberações no 
12 
 
mundo fático, tratando-se de uma implicação direta no direitoà liberdade, caro à democracia. 
Sobre o tema, existem inúmeras pesquisas conforme se depreende de busca realizada no 
Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível 
Superior (CAPES) utilizando as palavras chaves “internação involuntária de usuários de 
drogas”. Entretanto, as pesquisas são relativas à possibilidade internação com uso da Lei nº 
10.216/01, que trata sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos 
mentais, de modo que ainda não há estudos voltados especificamente para os moldes 
estabelecidos pela Lei nº 13.840/19. 
 Para atingir os objetivos propostos foram utilizados métodos e técnicas científicas 
capazes de auxiliar o desenvolvimento do tema, de modo que o estudo foi desenvolvido a partir 
das técnicas de pesquisas bibliográfica e documental sobre os temas de direito administrativo e 
direito constitucional pertinentes à construção da problemática, sobretudo nas perspectivas dos 
autores Celso Antônio Bandeira de Mello, Marçal Justen Filho, Maria Sylvia Zanella di Pietro, 
Paulo Bonavides e José Afonso da Silva. Além da revisão bibliográfica doutrinária também foi 
realizada a pesquisa documental com base em artigos científicos, dissertações, teses e 
documentos legais, com enfoque especial na Lei nº 13.840 de 2019. 
A partir dos procedimentos técnicos utilizados, foi escolhida como metodologia 
científica o método dedutivo, o qual pressupõe como ponto de partida o uso de argumentos 
gerais para particulares, de maneira que foi analisado em qual medida os conceitos conhecidos 
da dogmática jurídica se adequam ao tema. Somado a ele, foi utilizado como método auxiliar o 
histórico, sendo analisado o contexto do objeto investigado, mais especificamente o de 
desenvolvimento da Lei nº 13.840/19. 
 
 
 
13 
 
2 O USO DE DROGAS SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
 
Em virtude das falhas da política de guerra às drogas, o mundo hodierno busca 
alternativas para lidar com a questão do tráfico ilícito de entorpecentes e com os adictos. Dentre 
as mudanças que insurgem há uma tendência pela patologização destes últimos e é nesse 
contexto que a Lei nº 13.840/2019 apresenta em seu art. 23-A um novo tratamento destinado 
aos drogo-dependentes no Brasil, permitindo a internação involuntária. Antes de adentrar a 
temática de maneira mais específica, é preciso inicialmente definir o que é droga, para se 
estabelecer quais são os sujeitos que se enquadram na aplicação da referida lei. 
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) “droga é toda substância 
natural ou sintética que introduzida no organismo vivo, pode modificar uma ou mais de suas 
funções”1. Observa-se que tal conceito é bastante amplo, englobando todas as substâncias que 
interfiram no funcionamento do sistema biológico, desde medicamentos que sirvam para 
regularizar a atividade corporal até às drogas que prejudicam o trabalho normal das células, 
como por exemplo o álcool, a maconha e a cocaína. A diferença entre estas drogas reside, 
primordialmente, na questão do proibicionismo que, por sua vez, é uma escolha política, tendo 
em vista que não há um critério objetivo que as distinga além da previsão legal.2 
No Brasil, de acordo com a Lei 11.343/06, são consideradas drogas as “substâncias ou 
produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas 
atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”3. A definição apresentada pela Lei 
de Drogas brasileira reforça o entendimento de que a definição das drogas ilícitas é uma escolha, 
considerando que existem diversas substâncias capazes de causar dependência e serem 
potencialmente mais danosas, mas que não estão listadas pelo Poder Executivo como ilícitas. 
Observa-se, assim, que a palavra droga representa um critério vago. Se for utilizada a 
definição apresentada pela OMS, tem-se um leque extenso de substâncias, dentre as quais estão 
 
1 LIMA, Eloisa Helena de. Educação em saúde e uso de drogas: um estudo acerca da representação da droga 
para jovens em cumprimento de medidas educativas. 2013. 246 f. Tese (Doutorado) - Curso de Saúde Coletiva, 
Fundação Oswaldo Cruz, Belo Horizonte, 2013. p. 25. Disponível em: <http://www.cpqrr.fiocruz.br/texto-
completo/T_53.pdf>. Acesso em: 17 dez. 2019. 
2 TAFFARELLO, Rogério Fernando. DROGAS: FALÊNCIA DO PROIBICIONISMO E ALTERNATIVAS 
DE POLÍTICA CRIMINAL. 2009. 153 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Faculdade de Direito, Universidade 
de São Paulo, São Paulo, 2009. p. 13. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-
17112011-091652/pt-br.php>. Acesso em: 17 dez. 2019. 
3 BRASIL. Parágrafo Único do Art. 1ª da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional 
de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e 
reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada 
e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Brasília, 24 ago. 2006. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em: 20 jan. 2020. 
 
14 
 
inclusas até mesmo as substâncias legalizadas, como medicamentos e álcool, que causam 
alterações significativas na composição química dos usuários. Porém, se utilizada a definição 
dada pela Lei nº 11.343/06, serão consideradas drogas apenas as substâncias previstas como tal 
nas listas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Aqui adotar-se-á a segunda 
definição, devido ao fato da legislação que prevê a internação voluntária se inserir dentro do 
Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD). 
Portanto, para fins do presente estudo serão considerados sujeitos destinatários da Lei 
nº 13.840/19 apenas aqueles que possuem vício em substâncias psicoativas classificadas como 
ilícitas, excluindo-se os que consomem abusivamente as drogas tidas como lícitas. 
Superada a definição do que são drogas e conforme apresentado no capítulo 
introdutório, se faz necessária a abordagem prévia dos direitos que conflitam quando tratamos 
desse assunto, quais sejam a liberdade individual e a proteção à saúde. 
Ambos podem ser tidos com espécies do gênero Direitos Fundamentais, sendo inerentes 
à condição humana e, por esta razão, essenciais e indispensáveis à coletividade. Além disso, 
conforme leciona o jurista português José Gomes Canotilho, alguns direitos são tidos como 
fundamentais como uma forma de defesa da pessoa perante os arbítrios estatais. 
 
Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob 
uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de 
competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as 
ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-
subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) 
e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por 
parte dos mesmos (liberdade negativa).4 
 
Na mesma esteira, encontra-se a definição apresentada por Dimitri Dimoulis e Leonardo 
Martins de que os direitos fundamentais são “direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou 
jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo 
supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face 
da liberdade individual”5. 
É possível concluir, então, que os direitos denominados fundamentais são os pilares da 
vida em sociedade e que é por meio da positivação nas cartas constitucionais que esses direitos, 
considerados naturais e inalienáveis, são incorporados à ordem jurídica, devendo o Estado 
protegê-los efetivamente ao colocá-los sob a formade normas. 
 
4 CANOTILHO, J.J Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7ª Ed, 9 reimp. São Paulo: Editora 
Almedina. p. 409. 
5 MARTINS, Leonardo; DIMOULIS, Dimitri. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 
2014. p. 41. 
15 
 
2.1. DIREITO FUNDAMENTAL À LIBERDADE 
 
A sociedade ocidental contemporânea é calcada sob o manto da liberdade, sendo esse 
considerado um direito fundamental basilar que acompanha a evolução humana. Consoante 
José Afonso da Silva “a História mostra que o conteúdo da liberdade se amplia com a evolução 
da humanidade. Fortalece-se, estende-se, à medida que a atividade humana se alarga. Liberdade 
é conquista constante”6. 
É a partir do seu processo histórico de consolidação como direito fundamental que se 
pode compreender a importância da garantia da liberdade para o mundo atual. O ocidente, desde 
a formação das grandes civilizações da Antiguidade Clássica, formula as bases do que viria a 
ser a democracia conhecida atualmente. Na Grécia e Roma antigas havia a garantia da liberdade 
individual, da igualdade e da participação política direta, contudo, esses direitos alcançavam 
apenas determinada parcela da sociedade: os cidadãos, compreendidos apenas como os homens 
adultos e livres. Este, portanto, não era um sistema universal, pois excluía as mulheres, as 
crianças e os escravizados.7 
Posteriormente, durante o período da Idade Média, tal sistema foi rompido e suplantado 
pelo feudalismo, baseado nas relações servis, no poder descentralizado, na economia assentada 
na agricultura e em uma sociedade estática e hierarquizada. A Igreja Católica se consolidou no 
continente europeu, tornando-se grande proprietária de terras e monopolizando o 
conhecimento, estabelecendo os valores do homem medieval. 
Por sua vez, o regime feudal foi sobrepujado pelos Estados Absolutistas, que 
perduraram na Europa até as Revoluções Liberais do século XVIII. O absolutismo se 
caracterizava pela centralização do poder na figura do monarca, tido como herdeiro do direito 
divino de governar e que concentrava em si todas as funções posteriormente dividas entre os 
Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Sob o pretexto de serem os representantes de Deus 
na Terra possuíam plenos poderes e governavam de forma arbitraria e despótica, não havendo 
a concepção de que o homem era um ser livre por natureza, devendo ser, portanto, subordinado 
à vontade do Rei. 
Os homens não eram livres, tampouco tinham garantida sua autonomia para a auto 
realização individual. Durante os séculos XVII e XVIII, porém, ascendeu na Europa uma nova 
classe social, econômica e política denominada burguesia. Contudo, os desequilíbrios dos 
governos despóticos prejudicavam o desenvolvimento desse novo estrato social, fomentando a 
 
6 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 232. 
7 FUNAN, Pedro Paulo. Grécia e Roma. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2002. p. 38 e 83. 
16 
 
busca por um novo modelo de organização, em que o poder do Estado fosse limitado, cessando 
com os abusos perpetrados pelo rei. 
Motivados pelo ideal de que a liberdade favorecia o crescimento econômico, iniciou-se 
a revolução burguesa, que culminou com a ascensão dos ideais Iluministas e com o fim do 
absolutismo. Insurgia na sociedade o pensamento de que o homem era, a bem da verdade, livre 
em sua essência e que o Estado deveria se submeter a sua vontade e não a vontade divina. A 
partir de então se formulava liberdade conhecida na atualidade. Foram três os principais centros 
indutores dessas mudanças: a Inglaterra, a França e, para além do continente europeu, os 
Estados Unidos da América. 
Na Inglaterra, diversos movimentos durante o século XVII foram responsáveis pela 
defesa das liberdades individuais frente às arbitrariedades monárquicas, dentre os quais 
destacam-se a Revolução Inglesa (1640-1648), quando o parlamento apresentou ao Rei Carlos 
I a Petition of Rights, que instituía a necessidade aprovação parlamentear para criação e 
alteração de impostos e para o julgamento e prisões, anteriormente discricionários ao monarca; 
o Habeas Corpus Act (1679), visando a proteção da liberdade do indivíduo; e a Revolução 
Gloriosa (1688-1689), que pôs fim ao absolutismo inglês, ao garantir por meio do Bill of Rights, 
a adoção do parlamentarismo, de modo que nenhuma lei poderia ser sancionada sem a 
aprovação do parlamento, representante do povo. 
No campo filosófico, não se pode olvidar da importância do filósofo John Locke, 
considerado pai do Estado Liberal, o qual afirmava que os homens nasciam plenamente livres 
e eram detentores de direitos naturais, quais sejam direito à vida, à liberdade e à propriedade. 
Como forma de garantir tais direitos natos instituíam os governos, mas caso os governantes não 
os respeitassem, era direito dos cidadãos contestá-los e até mesmo destituí-los do poder. 
No mesmo sentido, do outro lado do oceano Atlântico, motivados pelas mudanças 
ocorridas na metrópole, as Treze Colônias britânicas tornaram-se independentes, culminando 
na formação dos Estados Unidos da América no ano de 1776. Esse foi um dos mais importantes 
passos para o desenvolvimento do liberalismo, pois na Carta de Independência8 o direito à 
liberdade foi garantido e foi considerado inerente à condição humana. 
Por último, a França com sua Revolução de 1789 é o maior expoente da ruptura do 
sistema absolutista e do nascimento de uma nova Era sedimentada nos ideais de liberdade. 
Motivados pelos pensamentos Iluministas e pelos princípios de Igualdade, Liberdade e 
 
8 United States of America. Declaration Of Independence. Disponível em: 
http://www.constitution.org/us_doi.pdf. Acesso em: 20 dez. 2019. 
17 
 
Fraternidade, os franceses iniciaram um movimento que viria a derrubar uma das mais 
importantes monarquias europeias. 
Dentre os principais filósofos iluministas franceses, destacam-se Montesquieu e Jean-
Jacques Rousseau. O primeiro foi responsável por lançar as bases da tripartição dos poderes, a 
partir da premissa de que existiam leis naturais, ou seja, leis inatas à condição humana, que não 
poderiam estar centralizadas em uma única figura. Por sua vez, Rousseau defendeu a 
perspectiva de que os homens nascem essencialmente livres e que em prol da organização social 
devem abrir mão de parte da liberdade individual para firmaram um contrato social que teria 
por objetivo a realização do bem geral. 
O principal marco da Revolução Francesa foi a aprovação da Declaração dos Direitos 
do Homem e do Cidadão. Tal documento definiu os direitos individuais e coletivos do homem, 
considerando-os universais e exigíveis a qualquer tempo e em qualquer lugar, preocupando-se 
em eleger o direito à liberdade como fundamental.9 
 Foi com base nessas revoluções liberais do século XVIII que o Estado contemporâneo 
começou a se estruturar. Alguns direitos passaram, então, a ser garantidos como fundamentais 
para a condição humana e, para fins didáticos, se dividiram em gerações. 
A primeira corresponde aos direitos ligados às liberdades individuais que se 
estabeleceram com o objetivo primordial de cessar os arbítrios estatais. Por esta razão se diz 
que esses direitos têm uma função negativa e/ou de defesa, uma vez que consistem no direito 
de não fazer do Estado, em contraposição ao absolutismo anteriormente vigente. Inicialmente, 
o papel do Estado deveria ser tão somente de promover e garantir a liberdade de todos, 
intervindo minimamente. 
 
Os direitos de primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, 
são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e 
ostentam uma subjetividade que é seu traço maiscaracterístico; enfim, são direito de 
resistência ou de oposição perante o Estado. Entram na categoria do status negativus 
da classificação de Jellinek e fazem também ressaltar na ordem dos valores políticos 
a nítida separação entre a Sociedade e o Estado. Sem o reconhecimento dessa 
separação, não se pode aquilatar o verdadeiro caráter antiestatal dos direitos da 
 
9 “Artigo 1º- Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na 
utilidade comum. Artigo 4º- A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o 
exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros 
da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei”. 
FRANÇA. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Disponível em: 
<http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direitos-
humanos/declar_dir_homem_cidadao.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2019. 
 
 
18 
 
liberdade, conforme tem sido professado com tanto desvelo teórico pelas correntes do 
pensamento liberal de teor clássico.10 
 
 Em que pese o direito fundamental de liberdade ter sido estabelecido inicialmente como 
uma forma de abstenção do Estado, ele possui múltiplas facetas, não se podendo falar em uma 
única liberdade, mas sim em liberdades.11 
No Brasil, os desdobramentos do direito fundamental à liberdade estão positivados na 
Constituição de 1988. No caput do seu artigo 5º, o texto constitucional traz a garantia do direito 
à liberdade de forma objetiva ao estabelecer que “todos são iguais perante a lei, sem distinção 
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a 
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Além 
disso, ao longo dos setenta e oito incisos que compõe tal dispositivo é apresentado um rol 
extensivo das diversas nuances desse direito. 
A liberdade, portanto, consiste no direito de cada indivíduo poder se autodeterminar de 
acordo com as suas próprias escolhas com a finalidade de atingir a realização pessoal. A 
sociedade ocidental contemporânea se moldou com base na ideia de que o indivíduo é livre, 
tornando-se essa uma cláusula geral para o desenvolvimento da vida privada. 
 
A consagração dos valores liberais fez florescer na cultura ocidental, há mais de 
duzentos anos, uma especial consideração pela liberdade de autodeterminação dos 
sujeitos e pelo poder de conduzir a vida de acordo com as normas que o indivíduo 
haja escolhido para si. Internalizada como decorrência dos modelos socioeconômicos 
e políticos que se consolidaram na tradição do Ocidente, a autonomia alcança, então, 
relevo entre os valores acolhidos pela sociedade como fundamentais à sua constituição 
e manutenção.12 
 
Todavia, com o passar das experiências liberais, começou-se a entender que a liberdade 
individual pode sofrer determinadas restrições. O Estado deve garantir que os indivíduos sejam 
livres para se autodeterminarem de acordo com suas concepções, porém esta liberdade tem 
como limite a autonomia de outrem, de modo que as escolhas pessoais não podem atingir a 
 
10 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 563-564. 
11 “(1) liberdade da pessoa física (liberdades de locomoção, de circulação); (2) liberdade pensamento, com todas 
as suas liberdades (opinião, religião, informação, artística, comunicação do conhecimento); (3) liberdade de 
expressão coletiva em suas várias formas (de reunião, de associação); (4) liberdade de ação profissional (livre 
escolha e de exercício de trabalho, ofício e profissão); (5) liberdade de conteúdo econômico e social (liberdade 
econômica, livre iniciativa, liberdade de comércio, liberdade ou autonomia contratual, liberdade de ensino e 
liberdade de trabalho)”. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: 
Malheiros, 2005. p. 235. 
12 BARRETO NETO, H. M. . O princípio constitucional da autonomia e sua implicação no direito penal. In: 
Nestor Eduardo Araruna Santiago; Paulo César Corrêa Borges; Cláudio José Langroiva Pereira. (Org.). Direito 
Penal e Criminologia: XXII Congresso Nacional do Conpedi. 1ed.São Paulo: Fundação José Arthur Boiteux, 2013, 
v. único. p. 2. Disponível em: < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=e58be547528b4bf8>. Acesso em: 
03 de jan. de 2020. 
19 
 
esfera de terceiros. Assim, sempre que houver choque entre liberdades individuais deve o 
Estado intervir para balizar a situação. 
A atuação estatal para coibir os abusos de direito deve se guiar no princípio da 
proporcionalidade, para que não haja intervenções excessivamente restritivas. A questão central 
passa a ser, então, a escolha do grau de liberdade que os indivíduos devem possuir para não 
ameaçar o bem-estar dos outros. Destaca-se aqui a perspectiva kantiana apresentada por Barreto 
Neto: 
 
Kant não concebe, entretanto, que a realização do imperativo categórico leve a um 
estado anárquico, em que cada um só faz o que deseja e apenas se sujeita a seus 
próprios critérios racionais. O filósofo insere na própria ideia de liberdade a noção de 
Direito. O Direito é, em si, um instrumento de regulação social que impõe uma série 
de comportamentos aos indivíduos de forma coercitiva. Descumprir normas jurídicas 
resulta em consequências sancionadoras aplicadas pelo Estado e este, procurando 
promover a harmonia social e evitar a instauração da desordem, proíbe prévia e 
abstratamente que muitas condutas – por vezes simplórias – sejam tomadas pelos 
sujeitos de direito, sob pena de sofrerem castigos institucionais. Ora, se há uma 
ameaça constante de sanção por parte do Estado para o caso de descumprimento de 
suas regras, como conciliar a existência mesma do Direito com as formulações 
kantianas segundo as quais a verdadeira liberdade é fruto de decisões individuais 
estremes de ingerências exteriores? [...] Já foi citado anteriormente que a pedra de 
toque da ligação, em Kant, entre autonomia, liberdade e Direito é o exercício da 
própria autonomia até onde o permita o exercício da autonomia do outro. Pois bem. 
Depois deste breve escorço das lições de Kant sobre autonomia, já é possível 
compreender que o elemento jurídico é resultado de um exercício de autonomia.13 
 
De acordo com a definição acima apresentada, a liberdade estaria, então, ligada à própria 
concepção do Direito, pois as normas jurídicas limitadoras seriam fruto da liberdade, 
expressando a vontade geral da sociedade através da participação popular no processo 
legislativo. Assim, o Estado, por meio do Direito, passa ter a dupla função de se abster para que 
os indivíduos sejam livres e ao mesmo tempo de estabelecer limites para que todos possam 
exercer suas liberdades. 
Um dos princípios existentes e utilizados pelo Estado para guiar sua atuação nesta dupla 
função é o da legalidade, que pode ser encontrado sob dois vieses. O primeiro deles é o aplicável 
à Administração Pública e encontrado no ordenamento jurídico pátrio no art. 37, caput, da 
Constituição Federal, o qual só permite à Administração Pública agir em conformidade com a 
lei. Já o segundo diz respeito ao princípio da legalidade aplicado no direito penal e previsto no 
 
13 BARRETO NETO, H. M. . O princípio constitucional da autonomia e sua implicação no direito penal. In: 
Nestor Eduardo Araruna Santiago; Paulo César Corrêa Borges; Cláudio José Langroiva Pereira. (Org.). Direito 
Penal e Criminologia: XXII Congresso Nacional do Conpedi. 1ed.São Paulo: Fundação José Arthur Boiteux, 2013, 
v. único. p. 2. Disponível em: < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=e58be547528b4bf8>.Acesso em: 
03 de jan. de 2020. 
20 
 
inciso XXXIX, do art. 5º da CF, o qual preceitua não haver crime sem lei anterior que o defina, 
nem pena sem prévia cominação legal. 
Desse modo, não é permitido que o Estado aja em desconformidade com a lei, nem que 
ninguém seja punido por uma conduta que não esteja previamente definida como proibida, 
devendo o Poder Público se ater a esses limites. Com isso, o princípio da legalidade se 
caracteriza como uma maneira de equalizar a atuação estatal frente às liberdades individuais. O 
regime democrático estabelecido na Constituição se sustenta com a preservação dos direitos de 
liberdade, assim as restrições estatais devem se fundamentar em critérios práticos de 
racionalidade.14 
Diante da análise do que é liberdade, questiona-se a possibilidade de intervenção estatal 
no tocante ao uso de drogas, bem como a possibilidade de cerceamento do direito daqueles que 
têm sua autonomia mitigada pela dependência química. Se o indivíduo, com fulcro no direito 
fundamental à liberdade, é soberano acerca de si mesmo, seria possível a intervenção coercitiva 
estatal devido o consumo de drogas? Cada pessoa não teria o direito de se guiar de acordo com 
sua liberdade para escolher como dispor do seu próprio corpo? Por que o Estado permite que 
algumas substâncias, igualmente prejudiciais, sejam utilizadas e outras não? Em estudo sobre 
o tema, Maurício Fiore apresenta alguns pontos que merecem destaque para reflexão acerca das 
perguntas apresentadas. 
 
Os protocolos de pesquisa de novas drogas com aplicação médica, por exemplo, 
supõem riscos na forma de efeitos colaterais não previsíveis. Reconhece-se, inclusive 
legalmente, que eles irão ocorrer, ocasionando complicações graves e até letais. No 
caso das drogas de uso mais geral, o Estado se limita a regular a produção e a 
comercialização, não o consumo, sendo responsabilidade dos indivíduos obedecer, ou 
não, à prescrição médica. E há, ainda, drogas que prescindem de receituário médico, 
disponíveis nos balcões de farmácia para livre comercialização. Ali se encontram, por 
exemplo, os analgésicos, que em muitos países, como o Brasil, lideram os 
investimentos do mercado publicitário e estão, ao mesmo tempo, relacionados a 
milhares de mortes anuais, seja por reações adversas e efeitos colaterais, seja por 
consumo abusivo. (...) Há, também, produtos que contêm substâncias psicoativas e 
não têm aplicação médica oficial. São as drogas mais consumidas do planeta: as 
bebidas alcoólicas, as bebidas estimulantes (café, chá e energéticos) e o tabaco. Fora 
das listas da ONU de drogas proscritas, sofrem restrições diferentes em cada país, 
mas, no geral, seu comércio é legal e a decisão sobre compra e consumo é individual 
para os adultos. E, finalmente, as drogas psicoativas que, mesmo ilegais, são 
maciçamente consumidas por milhões de pessoas no mundo. Sobre sua 
comercialização não há controle do Estado, que se limita a pedir — e, de alguma 
forma, obrigar — a seus cidadãos que se mantenham distantes para que não coloquem 
a si e à sociedade em risco. Todas essas drogas psicoativas têm grande potencial de 
dano, seja fisiológico, seja mental. Além disso, uma parte significativa delas é 
bastante tóxica, gerando grande número de mortes acidentais todos os anos. E, o que 
é mais importante, os indivíduos podem consumi-las de maneira abusiva, seja 
 
14 RODRIGUES. Fillipe Azevedo. Análise econômica da expansão do direito penal. Belo Horizonte: DelRey, 
2014. p. 35. 
21 
 
esporádica, seja frequentemente, o que pode levar tanto a comportamentos perigosos 
como a quadros graves de dependência. Como se vê, tanto as drogas psicoativas 
livremente disponíveis como as controladas ou totalmente ilegais são perigosas. Mas, 
por isso, podem ser consideradas prescindíveis? Definitivamente, não.15 
 
Existem inúmeras substâncias cujo potencial psicoativo é reconhecido como nocivo, 
todavia, o Estado as libera, garantido apenas a sua regulamentação para que as pessoas optem 
por realizar ou não uso dentro dos parâmetros estabelecidos. E é exatamente esse o papel cabível 
à atuação estatal, pois cada indivíduo tem direito de se autodeterminar de acordo com suas 
convicções, desde que não afete a esfera de terceiros, sendo este um direito constitucionalmente 
garantido aos brasileiros. 
Assim, entende-se que o papel do Estado não é de criminalizar a conduta de uso das 
drogas, tampouco de cercear a liberdade dos indivíduos que optam por realiza-la, mas sim de 
regulamentar em que medida o uso pode ser feito, oferecendo apoio aos dependentes e 
informações à sociedade. 
 
2.2. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE 
 
O liberalismo puro, conforme preceituado pelas Revoluções do século XVIII, gerou 
inúmeras desigualdades que culminaram na necessidade da interferência estatal. A liberdade 
conquistada levou ao domínio econômico e consequentemente a graves situações de arbítrio. A 
partir de então surgiu a necessidade de se garantir formal e materialmente os direitos ligados à 
igualdade, como os direitos sociais, econômicos e culturais. 
Esses direitos, diferentemente dos de primeira geração, se pautam por uma perspectiva 
positiva, pois necessitam de uma atuação estatal para se concretizarem. Desse modo, sem que 
uma dimensão suprimisse a outra, mas a ela se acrescesse, estabeleceram-se os direitos 
fundamentais de segunda geração, ligados ao ideal de igualdade. 
 Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Branco fazem a ressalva de que os direitos 
sociais de segunda geração são chamados de direitos sociais não por serem direitos de 
coletividade, pois na maioria das vezes esses direitos têm como titulares indivíduos 
singularizados, mas por serem fruto de reinvindicações de justiça social.16 
 
15 FIORE, Maurício. O lugar do Estado na questão das drogas: o paradigma proibicionista e as alternativas. Novos 
Estudos - Cebrap, [s.l.], n. 92, p.9-21, mar. 2012. FapUNIFESP (SciELO). p. 12-13. Disponível em: 
<http://dx.doi.org/10.1590/s0101-33002012000100002>. Acesso em: 20 de fev. 2020. 
16 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: 
Saraiva, 2012. p. 206. 
22 
 
 Conforme é possível extrair das lições de José Afonso da Silva17, os direitos sociais se 
caracterizam por serem prestações positivas estatais que têm como objetivo possibilitar 
melhores condições de vida, igualizando situações sociais desiguais. Ainda de acordo com o 
constitucionalista, os direitos sociais se conexionam com a liberdade, pois é a partir da garantia 
de uma igualdade material que se torna possível o exercício efetivo da liberdade. Esses direitos, 
ligados à perspectiva prestacional, ganharam força constitucional a partir do século XX, 
especialmente com as Constituições do México e de Weimar e com a Declaração Soviética dos 
Direitos do Povo Trabalhador e Explorado. 
 
Sob a inspiração da Constituição Mexicana de 1917, a Constituição de Weimar, de 
1919, a Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, de 1918, 
nasce a denominada segunda geração de direitos fundamentais, que traz proteção aos 
direitos sociais, econômicos e culturais, onde do Estado não mais se exige uma 
abstenção, mas, ao contrário, impõe-se a sua intervenção, visto que a liberdade do 
homem sem a sua participação não é protegida integralmente. Esta necessidade de 
prestação positiva do Estado corresponderia aos chamados direitos sociais dos 
cidadãos, direitos que transcendem a individualidade e alcançam um caráter 
econômico e social, com o objetivo de garantir à sociedade melhores condições de 
vida. Nesse diapasão, seriam exemplos clássicos desses direitos o direito à saúde, ao 
trabalho, à assistência social, à educação e o direito de greve.18 
 
Dentre os direitos sociais a seremgarantidos pelo Estado, encontra-se o direito de 
proteção à saúde, que ganhou destaque no âmbito internacional com a criação da Organização 
Mundial da Saúde (OMS) em 1946. Tal agência internacional especializada em saúde é 
subordinada à Organização das Nações Unidas (ONU) e tem como objetivo primordial a 
melhoria do nível de saúde de todos os povos, tratando-a como direito fundamental inerente à 
condição humana. 
Para a OMS o direito à saúde abrange não apenas o tratamento médico, como também 
toda uma rede de benefícios que possibilitem ao indivíduo uma vida digna.19 Desse modo, nota-
se uma conexão entre o direito à saúde e a dignidade da pessoa humana, de modo que a saúde 
 
17 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. 
18 MARTINS, Flávia Bahia. O Direito Fundamental à Saúde no Brasil sob a Perspectiva do Pensamento 
Constitucional Contemporâneo. 2008. 128 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Puc, Rio de Janeiro, 2008. p. 
65. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp077034.pdf>. Acesso em: 03 jan. 
2020. 
19 “A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença 
ou de enfermidade. Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais 
de todo o ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social”. 
OMS – Organização Mundial da Saúde. Constituição da Organização Mundial da Saúde, adotada pela 
Conferência Internacional de Saúde, realizada em Nova Iorque de 19 a 22 de julho de 1946. Disponível em: 
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-
Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 03 jan. 2020 
23 
 
constitui direito fundamental que não pode ser negado e que é condição de existência para 
todos.20 
No ordenamento jurídico brasileiro a proteção constitucional do direito à saúde como 
direito fundamental foi garantida apenas com a promulgação da Constituição Federal de 1988, 
que previu no caput do seu art. 6º o direito à saúde como direito social. Ademais, o direito à 
saúde também se encontra garantido na seção II do título VIII do mesmo diploma legal, que 
instituiu, ainda, o Sistema Único de Saúde (SUS), passando a oferecer a todo cidadão brasileiro 
acesso integral, universal e gratuito aos serviços de saúde. 
A criação do SUS, bem como a constitucionalização do direito à saúde no Brasil são 
frutos do movimento de Reforma Sanitária21, especialmente da 8ª Conferência Nacional em 
Saúde realizada em 1986, em Brasília/DF, que teve início com o discurso do sanitarista Sérgio 
Arouca, defensor da ideia de que a “saúde é democracia”22. Para ele, a saúde também consiste 
em muito mais do que a ausência de doença, sendo também o direito de se ter qualidade de vida 
com foco na prevenção. Sônia Fleury, ao trabalhar a Reforma Sanitária brasileira, complementa 
a perspectiva de Arouca ao inferir que 
 
A relação entre democracia e saúde é proposta por Berlinguer ao postular que ambos 
são conceitos abstratos e, mais que isto, orientações ético-normativas. Se bem seja 
necessário reconhecer os conflitos de interesses e a oposição entre as forças 
conservadoras e as reformadoras, tanto no caso da democracia quanto no da saúde, 
tais conflitos não podem ser reduzidos a uma polarização classista. Por outro lado, do 
ponto de vista estratégico, a luta pela universalização da saúde aparece como uma 
parte intrínseca da luta pela democracia, assim como a institucionalização da 
democracia aparece como condição para garantia da saúde como direito de 
cidadania.23 
 
Desse modo, o direito à saúde passa a ser um direito público subjetivo, 
constitucionalmente tutelado, servindo como um instrumento de democratização ao apresentar 
 
20 MARTINS, Flávia Bahia. O Direito Fundamental à Saúde no Brasil sob a Perspectiva do Pensamento 
Constitucional Contemporâneo. 2008. 128 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Puc, Rio de Janeiro, 2008. p. 
70. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp077034.pdf>. Acesso em: 03 jan. 
2020. 
21 “Neste contexto, as opções pelo fortalecimento das políticas públicas e construção das bases de um Estado do 
Bem-estar Social foram vistas como prioritárias, unificando as demandas dos setores mais progressistas. A 
construção de um projeto de reforma sanitária foi parte das lutas de resistência à ditadura e ao seu modelo de 
privatização dos serviços de saúde da Previdência Social e pela construção de um Estado democrático social.” 
FLEURY, Sonia. Reforma sanitária brasileira: dilemas entre o instituinte e o instituído. Ciência & Saúde 
Coletiva, [s.l.], v. 14, n. 3, p.743-752, jun. 2009. FapUNIFESP (SciELO). p. 744. Disponível em: 
<http://dx.doi.org/10.1590/s1413-81232009000300010>. Acesso em: 08. jan. 2020. 
22 Democracia é saúde. Brasília: Videosaúde Distribuidora da Fiocruz, 1986. Son., color. Disponível em: 
<https://www.youtube.com/watch?v=-_HmqWCTEeQ>. Acesso em: 03 jan. 2020. 
23 FLEURY, Sonia. Reforma sanitária brasileira: dilemas entre o instituinte e o instituído. Ciência & Saúde 
Coletiva, [s.l.], v. 14, n. 3, p.743-752, jun. 2009. FapUNIFESP (SciELO). p.747. Disponível em: 
<http://dx.doi.org/10.1590/s1413-81232009000300010>. Acesso em: 08. jan. 2020. 
24 
 
um caráter universal. Consoante o comando dado pelo texto constitucional, foi publicada no 
ano de 1990 a Lei nº 8.080, conhecida como Lei Orgânica da Saúde, viabilizando e estruturando 
o SUS. Esse sistema tem como objetivo atender as necessidades locais da população e de cuidar 
de questões que influenciam na verificação da saúde, como o meio ambiente, a vigilância 
sanitária, a fiscalização de alimentos, entre outros24. 
Em conformidade com a referida Lei, o desenvolvimento das ações pertinentes à saúde 
passou a ser dever do Poder Público das esferas federal, estadual e municipal, devendo os 
serviços de saúde serem prestados por todos os três entes. Além disso, o SUS deve se organizar 
seguindo as diretrizes de descentralização, com uma direção em cada esfera de governo, 
garantindo o atendimento integral e a participação da comunidade, com igualdade na assistência 
à saúde e prestando o direito à informação às pessoas assistidas.25 
Observa-se que o SUS é formado por uma rede complexa, organizada de forma 
regionalizada, a fim de garantir uma assistência de qualidade, estando incluídas no seu campo 
de ação também a execução de aços ligadas à vigilância sanitária, vigilância epidemiológica, à 
de saúde do trabalhador e de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. 
Desse modo, conforme analisado, a saúde constitui no ordenamento jurídico brasileiro 
um direito fundamental social, que deve ser garantido a todos indistintamente, com observância 
das individualidades. Indaga-se, pois, como as drogas se relacionam com a saúde pública no 
Brasil? 
A primeira relação decorre da própria Lei de Drogas que aduz em seu art. 1º, parágrafo 
único que "consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar 
dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente 
pelo Poder Executivo da União". Adiante, a lei apresenta em seu art. 66 uma norma penal em 
branco heterogênea remetendo à Portaria SVS/MS nº 344/1998 a definição de quais são as 
substâncias consideradas drogas para efeito da referida lei.26 
 
24 BRASIL. Art. 6º da Lei nº 8080, de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação 
da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, 19 set.1990. 
25 BRASIL. Art. 198 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível 
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 de jan. 2020. 
26 “Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista 
mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob 
controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998”. BRASIL. Art. 66 da Lei nº 11.343, de 23 
de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas 
para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece 
normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras 
providências. Brasília, 24 ago. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em: 20 jan. 2020. 
25 
 
 Essa Portaria é editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que 
é uma agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde. Com isso, observa-se que a escolha 
política sobre quais drogas serão criminalizadas é uma questão de saúde pública, pois é 
determinada por uma agência vinculada ao SUS. É, portanto, o poder público executivo, por 
meio do Ministério da Saúde, o responsável pela lista das substâncias criminalizadas como 
drogas no país. 
 Além disso, a segunda relação decorre do tratamento atual dispensado aos adictos. 
Atualmente, fortalece-se o entendimento de que o uso de drogas não é mais um problema a ser 
tutelado exclusivamente pelo direito penal, constituindo primordialmente um problema de 
saúde pública. Assim, ao se deslocar o uso de drogas para a seara sanitária é preciso formular 
políticas públicas que garantam o atendimento mais adequado a estas pessoas, observando as 
diferentes necessidades e particularidades. 
 Em 2006, a Lei nº 11.340 estabeleceu que o SISNAD deveria atuar em conjunto com o 
SUS e, em 2019, foi publicada a Lei nº 13.840/19 que possibilita a internação involuntária do 
usuário ou dependente de droga, fortalecendo a ideia de que essa é uma questão de saúde pública 
a ser tutelada pelo Sistema Único de Saúde. 
 
26 
 
3 A INTERNAÇÃO INVOLUNTÁRIA DOS USUÁRIOS DE DROGAS 
 
O uso de substâncias psicoativas não é contemporâneo, acompanha o desenvolvimento 
da humanidade estando presente ao longo de milênios, seja em rituais religiosos ou de forma 
recreativa fazendo parte das interações sociais.27 Até o final do século XIX e início do século 
XX, a utilização de entorpecentes conviveu de maneira harmônica com a evolução da 
sociedade, de modo que a criminalização das drogas, tal como conhecemos, é relativamente 
recente.28 
Conforme analisado no capítulo anterior, a palavra “droga” em sua essência se refere a 
um número incontável de substâncias, contudo é utilizada no ordenamento jurídico pátrio para 
definir apenas aquelas que são proibidas pela ANVISA, sendo essa definição importante para 
estabelecer quem são os sujeitos que se submetem às políticas públicas relacionadas ao uso de 
drogas. 
A internação no Brasil tem suas origens legais no início do século XX, com o Decreto 
nº 1.132/1903 que previa o recolhimento em “estabelecimento de alienados” daqueles que “por 
moléstia mental, congênita ou adquirida” comprometessem a ordem pública ou a segurança das 
pessoas.29 
 No ano de 1934 foi publicado por Getúlio Vargas, então Presidente da República, o 
Decreto n.º 24.559/34 que possibilitava a internação dos “psicopatas e dos menores anormais” 
e que pela primeira vez previa a possibilidade de internação de dependentes químicos ao 
estabelecer no §5º, do art. 3º que poderiam “ser admitidos nos estabelecimentos psiquiátricos 
os toxicômanos e os intoxicados por substâncias de ação analgésica ou entorpecente por bebidas 
inebriantes, particularmente as alcoólicas”.30 
Posteriormente, em 1938, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 891, conhecido como Lei de 
Fiscalização de Entorpecentes, que marcou a intensificação da a política proibicionista 
brasileira. No primeiro artigo foi estabelecido um rol de substâncias proibidas dividido em dois 
 
27 SILVEIRA, 2006, apud BOITEUX, Luciana. Controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do 
proibicionismo no sistema penal e na sociedade. 2006. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Faculdade de 
Direito da Universidade de São Paulo., São Paulo, 2006, p. 26. 
28 CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da Lei 
11.343/2006. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 46. 
29 BRASIL. Decreto nº 1.132, de 1903. Reorganiza a Assistencia a Alienados. Rio de Janeiro, 22 dez. 1903. 
Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1900-1909/decreto-1132-22-dezembro-1903-
585004-publicacaooriginal-107902-pl.html>. Acesso em: 20 jan. 2020. 
30 BRASIL. Decreto nº 24.559, de 1934. Dispõe sobre a profilaxia mental, a assistência e proteção à pessoa e aos 
bens dos psicopatas, a fiscalização dos serviços psiquiátricos e dá outras providências. Rio de Janeiro, 03 jul. 1934. 
Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-24559-3-julho-1934-515889-
publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 20 jan. 2020. 
27 
 
grupos de periculosidade. Além disso, a lei tratou especificamente da produção, do tráfico e do 
consumo, que passou a ser uma conduta criminalizada per si. O decreto estabeleceu ainda, em 
seu terceiro capítulo, a possibilidade de internação e interdição civil dos adictos.31 
Em 21 de outubro 1976 adveio a Lei nº 6.368, conhecida como Lei de Tóxicos, que 
reuniu a política criminal de drogas em uma única lei especial e previu a obrigatoriedade do 
tratamento sob regime de internação hospitalar quando o quadro clínico do dependente ou a 
natureza de suas manifestações psicopatológicas assim o exigissem.32 
No final da década de 1970, concomitantemente ao movimento de Reforma Sanitária, 
insurgiu no Brasil o movimento da Reforma Psiquiátrica, que tinha como objetivo a mudança 
do modelo pautado na internação para um modelo baseado na excepcionalidade da internação 
e na prevalência da assistência extra-hospitalar. Esse movimento culminou na promulgação da 
Lei nº 10.216, em 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas 
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. 
 Em que pese a mudança, a referida Lei ainda previu três possibilidades de internação. 
A primeira delas é a internação voluntária, com livre consentimento do usuário; já as outras 
duas se dão sem o consentimento do usuário, diferenciando-se por ser a compulsória 
determinada judicialmente e a involuntária por pedido de terceiro, baseada unicamente em um 
laudo médico.33 Destaca-se, ainda, que diferentemente dos decretos anteriores, essa lei não fala 
em internação para dependentes químicos, mas apenas para pessoas acometidas de transtornos 
mentais. 
 
31 “Artigo 29 – Os toxicômanos ou os intoxicados habituais, por entorpecentes, por inebriantes em geral ou bebidas 
alcoolicas, são passíveis de internação obrigatória ou facultativa por tempo determinado ou não. § 1º A internação 
obrigatória se dará, nos casos de toxicomania por entorpecentes ou nos outros casos, quando provada a necessidade 
de tratamento adequado ao enfermo, ou for conveniente à ordem pública. Essa internação se verificará mediante 
representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público, só se tornando efetiva após decisão 
judicial. § 2º A internação obrigatória por determinação do Juiz se dará ainda nos seguintes casos: a) condenação 
por embriaguez habitual;b) impronúncia ou absolvição, em virtude de derimente do artigo 27, § 4º, da 
Consolidação das Leis Penais, fundada em doença ou estado mental resultante do abuso de qualquer das 
substâncias enumeradas nos arts. 1º e 29 desta lei.” BRASIL. Decreto-lei nº 891, de 1938. Aprova a Lei de 
Fiscalização de Entorpecentes. Rio de Janeiro, 25 nov. 1938. Disponível em: 
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-891-25-novembro-1938-349873-
publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 20 jan. 2020. 
32 BRASIL. Art. 10 da Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976. Dispõe sobre medidas de prevenção e repressão 
ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, 
e dá outras providências. Brasília. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6368.htmimpressao.htm>. Acesso em: 18 de jan. 2020. 
33 “A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os 
seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: I - internação 
voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II - internação involuntária: aquela que se dá sem o 
consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça”. 
BRASIL. Art. 6º da Lei nº 10.216, de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de 
transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.. . Brasília, 06 abr. 2001. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm>. Acesso em: 20 jan. 2020. 
28 
 
 Em 2003 o Ministério da Saúde, por meio da sua Secretaria Executiva, publicou um 
documento intitulado “A Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de 
Álcool e outras Drogas”, no qual estabeleceu as diretrizes para uma política de atenção integral 
aos dependentes químicos, priorizando a intersetorialidade e os modelos de atenção das redes 
assistenciais e estabelecendo como objetivo imprescindível a formulação de “políticas que 
possam desconstruir o senso comum de que todo usuário de droga é um doente que requer 
internação, prisão ou absolvição” 34. 
Em 2006 foi promulgada a Lei 11.343 que instituiu um novo sistema de controle penal 
das drogas no Brasil ao revogar e substituir a Lei nº 6.368/76 e ao criar o Sistema Nacional de 
Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD). A partir da nova legislação foram feitas alterações 
consideráveis sobre o modelo legal de incriminação, que passou a prever medidas preventivas 
e de reinserção social dos usuários e voltou sua atenção quase que exclusivamente para o 
combate ao tráfico ilícito de entorpecentes. 
A lei também inovou ao distinguir o tratamento penal dispensado aos usuários e 
traficantes, porém ainda se pautou no modelo proibicionista, pois mesmo retirando a pena 
privativa de liberdade dos usuários, havendo uma despenalização desse tipo, os manteve sob a 
tutela do Direito Penal, sendo possível a punição com penas restritivas de direitos, penas 
alternativas e multa.35 
Destaca-se, ainda, que a atual Lei de Drogas, em seu texto original, não faz menção ao 
tratamento do drogo-dependente por meio de internações, estabelecendo apenas que o SISNAD 
atuará em articulação com o SUS e com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com a 
finalidade de prevenir o uso indevido e de garantir a atenção e reinserção social dos usuários de 
drogas. 
 Contudo, apesar da não previsão de internação, na última década se fortaleceu o 
entendimento jurisprudencial de que a internação compulsória de dependentes químicos 
poderia ser fundamentada na Lei nº 10.216/01, pois os adictos teriam sua capacidade cognitiva 
mitigada, assemelhando-se a pessoas com transtornos mentais.36 Em relação ao tema, destaca-
 
34 Ministério da Saúde. A política do ministério da saúde para a atenção integral a usuários de álcool e outras 
drogas. 2003. p. 27. Disponível em: 
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pns_alcool_drogas.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2020. 
35 BRASIL. Art. 28 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Brasília, 24 ago. 2006. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em: 20 jan. 2020. 
36 JUSBRASIL. Jurisprudência internação compulsória usuários de drogas Lei nº 10.216/01. Disponível em: 
<https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=interna%C3%A7%C3%A3o+compulsoria+usu%C3%A1
rios+de+drogas+Lei+n%C2%BA+10.216%2F01>. Acesso em: 20 jan. 2020. 
29 
 
se a ideia apresentada em texto sobre a relação entre a internação para usuários de drogas e a 
reforma psiquiátrica: 
 
Só em 2002, consoante às recomendações da III Conferência Nacional de Saúde 
Mental, o Ministério da Saúde implementou o Programa Nacional de Atenção 
Comunitária Integrada aos Usuários de Álcool e outras drogas, reconhecendo o uso 
prejudicial de drogas como problema da saúde pública e construindo uma política 
pública específica para a atenção a essas pessoas, situada no campo da saúde mental 
e tendo como estratégia a ampliação do acesso ao tratamento, a compreensão integral 
e dinâmica do problema, a promoção dos direitos e a abordagem de redução de danos. 
Apesar disso, em oposição aos princípios e práticas que Reforma Psiquiátrica e da 
Política Nacional de Saúde Mental, assistimos no cenário social do cuidado para 
pessoas com problemas de abuso de drogas, a retomada da defesa de práticas e 
concepções semelhantes às usadas na perspectiva asilar, sob a justificativa de que 
usuários de drogas não têm condições de lidar, em liberdade, com os problemas 
decorrentes de seu uso. Em tese, esses usuários estariam subjugados ao poder das 
drogas, seriam "fracos", necessitados de contenção e tutela. Em razão disso, justificar-
se-ia interná-los, ainda que contra sua vontade, antes de tentar quaisquer outras 
abordagens, descaracterizando os princípios do cuidado em saúde mental em suas 
diferentes dimensões, sobretudo no concernente ao potencial emancipatório e de 
exercício dos direitos dos usuários.37 
 
 A partir do fortalecimento do entendimento de que os usuários de drogas não teriam 
condições de estar em liberdade e que por isso necessitariam de internação, tramitou no 
Congresso Nacional um projeto de lei que buscava alterar o Sistema Nacional de Políticas 
Públicas sobre Drogas, instituindo a possibilidade da internação voluntária e involuntária dos 
usuários e dependentes. Tal projeto foi aprovado e, em 05 de junho de 2019, foi sancionada 
pelo Presidente da República a Lei nº 13.840, que estabeleceu no inciso II, do §3º, do art. 23-
A, a possibilidade de internação involuntária, sem o consentimento do dependente e sem a 
necessidade de decisão judicial, pautada exclusivamente em decisão por médico responsável. 
 Com isso, desde junho de 2019 passou a ser legalmente possível que a Administração 
Pública, após a formalização da decisão por médico responsável, cerceie a liberdade do 
indivíduo usuário de drogas, mesmo sem o seu consentimento. Pontua-se que, diferentemente 
das legislações anteriores que englobavam por exemplo alcoólatras, a Lei atual se limita apenas 
aos usuários de drogas, ou seja, apenas aos que fazem uso de substâncias tidas como ilícitas, de 
modo que entendo não ser possível a sua aplicação para adictos de substâncias legais. 
 Por dispensar autorização do judiciário, essa possibilidade de internação se justifica em 
decorrência do poder de polícia conferido à Administração Pública, conforme será analisado a 
seguir. 
 
37 ASSIS, Jaqueline Tavares de; BARREIROS, Graziella Barbosa; CONCEIÇÃO, Maria Inês Gandolfo. A 
internação para usuários de drogas: diálogos com a reforma psiquiátrica. Revista Latinoamericana de 
PsicopatologiaFundamental, [s.l.], v. 16, n. 4, p.584-596, dez. 2013. FapUNIFESP (SciELO). p. 588-589. 
Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/s1415-47142013000400007>. Acesso em 09 jan. 2020. 
30 
 
 
3.1. A INTERNAÇÃO INVOLUNTÁRIA NO BRASIL: MANIFESTAÇÃO DO PODER DE 
POLÍCIA 
 
A garantia das liberdades individuais se estabeleceu como um freio aos arbítrios estatais, 
priorizando-se a autonomia individual. Todavia, essa liberdade não é ilimitada, de modo que, 
em caráter excepcional, é possível que o Estado interfira na vida privada dos indivíduos para 
garantir que estes exerçam seus direitos em compatibilidade com o bem-estar social. 
Nem sempre os limites dos direitos individuais são claros e em determinados casos os 
interesses particulares se opõem ao interesse público, restando à Administração o poder-dever 
de intervir para balizar eventuais desequilíbrios.38 Essa atividade estatal limitadora decorre dos 
poderes administrativos, que constituem o mecanismo pelo qual a Administração irá atuar. 
 
Para bem atender ao interesse público, a Administração é dotada de poderes 
administrativos - distintos dos poderes políticos - consentâneos e proporcionais aos 
encargos que lhe são atribuídos. Tais poderes são verdadeiros instrumentos de 
trabalho, adequados à realização das tarefas administrativas. Daí o serem 
considerados poderes instrumentais, diversamente dos poderes políticos, que são 
estruturais e orgânicos, porque compõem a estrutura do Estado e integram a 
organização constitucional. Os poderes administrativos nascem com a Administração 
e se apresentam diversificados segundo as exigências do serviço público, o interesse 
da coletividade e os objetivos a que se dirigem. Dentro dessa diversidade, são 
classificados, consoante a liberdade da Administração para a prática de seus atos, em 
poder vinculado e poder discricionário; segundo visem ao ordenamento da 
Administração ou à punição dos que a ela se vinculam, em poder hierárquico e poder 
disciplinar; diante de sua finalidade normativa, em poder regulamentar; e, tendo em 
vista seus objetivos de contenção dos direitos individuais, em poder de polícia. 39 
 
Os poderes administrativos conferem aos agentes públicos determinadas prerrogativas 
que são indispensáveis para a persecução da finalidade pública, disciplinando as relações 
sociais e garantindo a preservação da ordem pública. Dentre tais poderes, destaca-se o poder de 
polícia, que se caracteriza por ser uma “atividade da administração pública que, limitando ou 
disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em 
razão de interesse público”40. 
Quando exerce o poder de polícia, o Estado não desenvolve uma atividade de cunho 
prestacional para satisfazer as necessidades dos indivíduos, mas sim uma atividade repressiva, 
com a finalidade de impedir a realização de condutas indesejáveis e garantir o equilíbrio para 
 
38 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 
843. 
39 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 101. 
40 BRASIL. Art. 78 da Lei nº 5.172, de 1966. Código Tributário Nacional. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 20 de jan. 2020. 
31 
 
que ninguém ultrapasse o limite do direito alheio. Isso, porque, o direito individual tem como 
limite natural o direito de outrem, cabendo ao Estado garantir o controle da ordem coletiva, 
impedindo que hajam excessos. Caio Tácito aduz que o poder de polícia nasce implementando 
o dever geral de não perturbar como limite à liberdade individual.41 
De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, a expressão poder de polícia possui um 
sentido amplo e um estrito. O primeiro, corresponde a qualquer ação estatal limitadora de 
direitos individuais, como a atuação do Poder Legislativo. Já o segundo sentido, que aqui nos 
interessa, diz respeito ao poder de polícia enquanto atividade administrativa, consubstanciada 
na prerrogativa conferida aos agentes públicos de poder restringir e condicionar a liberdade e a 
propriedade.42 
Para Hely Lopes Meirelles, a razão de existência do poder de polícia é o interesse 
coletivo, de modo que esse poder é o mecanismo de frenagem pelo qual o Estado pode 
condicionar a atuação privada em benefício da coletividade, com fundamento na supremacia do 
interesse público proveniente dos mandamentos constitucionais. Assim, “por esse mecanismo, 
que faz parte de toda Administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar 
contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança 
nacional”43. 
Maria Sylvia Zanella Di Pietro defende que “o fundamento do poder de polícia é o 
princípio da predominância do interesse público sobre o particular, que dá à Administração 
posição de supremacia sobre os administrados”44 e que, embora haja uma aparente 
incompatibilidade entre o exercício dos direitos fundamentais e a limitação imposta pelo 
Estado, é a própria limitação que garante o exercício desses direitos por todos. 
Por sua vez, Marçal Justen Filho acrescenta à definição de poder de polícia a ideia de 
democracia, definindo esse poder como sendo “a competência para disciplinar o exercício da 
autonomia privada para a realização de direitos fundamentais e da democracia, segundo os 
princípios da legalidade e da proporcionalidade”45. 
 
41 TÁCITO, Caio. Princípio de legalidade e poder de polícia. Revista Direito, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 2001. p. 
17. Disponível em: 
<http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc2001/revdireito2001B/art_poderpolicia.pdf>. 
Acesso em: 25 jan. 2020. 
42 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 
137 – 138. 
43 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 115. 
44 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 191. 
45 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 
585. 
32 
 
Diz-se, portanto, que a liberdade e a propriedade são direitos condicionados, pois estão 
subordinados ao interesse da coletividade, devendo o Estado ser o protagonista, por meio do 
seu poder de polícia, na preservação do interesse público.46 Por restringir direitos tão caros à 
democracia, a atuação estatal deve estar sempre dentro dos parâmetros estabelecidos em lei e 
se guiar de acordo com a proporcionalidade, devendo a sua atuação ser adequada e necessária, 
não se admitindo que as competências de poder de polícia administrativa sejam utilizadas de 
modo antidemocrático.47 
Desse modo, não pode o Estado, sob a justificativa de exercer o poder de polícia, anular 
ou restringir arbitrariamente os direitos fundamentais assegurados constitucionalmente, de 
maneira que as intervenções administrativas em prol do bem-estar social devem sempre 
respeitar aos limites impostos pela Constituição. 
Além disso, o poder de polícia tem como objetivo a proteção do interesse público no 
que concerne a vários setores da sociedade, abrangendo, a título de exemplo, a segurança, a 
higiene, os costumes, o meio ambiente, a defesa do consumidor, dentre outros, conforme 
demonstra Hely Lopes: 
 
A extensão do poder de polícia é hoje muito ampla, abrangendo desde a proteção à 
moral e aos bons costumes, a preservação da saúde pública, o controle de publicações, 
a segurança das construções e dos transportes até a segurança nacional em particular. 
Daí encontrarmos nos Estados modernos a polícia de costumes, a polícia sanitária, a 
polícia das construções, a polícia das águas, a polícia da atmosfera, a polícia florestal,

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