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| 1 | 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO Colorido tropical, cenários pitorescos: A cidade brasileira oitocentista na obra de William John Burchell (1825-1830). Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no semestre de 2014.2, como requisito para a obtenção do grau de Arquiteta e Urbanista. Graduanda: Barbara Gondim Lambert Moreira Orientador: Prof. Dr. George Alexandre Ferreira Dantas NATAL/RN 2014.2 Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte / Biblioteca Setorial de Arquitetura. Moreira, Barbara Gondim Lambert. Colorido tropical, cenários pitorescos: a cidade oitocentista brasileira na obra de William John Burchell (1825-1830)/ Barbara Gondim Lambert Moreira. – Natal, RN, 2014. 206f. : il. Orientador: George Alexandre Ferreira Dantas. Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Tecnologia. Departamento de Arquitetura. 1. Arquitetura – Monografia. 2. Representações – Paisagem urbana – Monografia. 3. Cidade Colonial – Monografia. 4. Viajantes – Monografia. 5. Iconografia – Monografia. I. Dantas, George Alexandre Ferreira. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/BSE15 CDU 72 | 4 BARBARA GONDIM LAMBERT MOREIRA Colorido tropical, cenários pitorescos: A cidade brasileira oitocentista na obra de William John Burchell (1825-1830). Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no semestre de 2014.2, como requisito para a obtenção do grau de Arquiteta e Urbanista. Aprovado em: ____ de novembro de 2014 BANCA EXAMINADORA: ____________________________________________________ Professor Dr. George Alexandre Ferreira Dantas – UFRN(Orientador) ____________________________________________________ Professor(a): Dra. Angela Lúcia de Araújo Ferreira – UFRN (Examinador interno) ____________________________________________________ Dr. Pedro Antonio de Lima Santos (Examinador externo) Natal / RN | 5 A painho e mainha, pelo incentivo quando o desânimo se fez presente; A Leleca, Debinha, Ferbie e Bia, por quando precisaram e eu não estava; A Leo, pelos sorrisos que fez brotar em meio a tudo isso. | 6 ―Ninguém passeia impunemente sob as palmeiras.‖ Johann Wolfgang von Goethe, As afinidades eletivas. | 7 Agradecimentos Essa jornada de noites em claro - e de grande aprendizado - teve a companhia de inúmeras pessoas, algumas indispensáveis pelo o que sou hoje e outras responsáveis pelas melhores partes dessa pesquisa. Em primeiro lugar, agradeço a Deus, por me mostrar Sua presença em tudo e todos que me rodeiam. A Ele só posso agradecer por ter me mostrado que ―tudo tem seu tempo. Há um momento oportuno para cada coisa debaixo do céu. (Eclesiastes 3:1)‖ Aos meus pais, Iracema e Octávio, construtores de um porto seguro. As minhas conquistas não seriam possíveis sem o amor, o desprendimento e o carinho de vocês. Obrigada por jamais duvidarem de minhas escolhas, por sempre segurarem as pontas, pelo incentivo, por entenderem meus deslizes, ausências e dramas. À mainha, pelo exemplo de força e amor incondicional, pela sempre terna presença, por se preocupar com coisas que minha cabeça avoada nem sonha, pela paz que só encontro debaixo de suas asinhas, culpada por me ensinar que dentro de uma pintura há mil histórias a contar (e as suas ainda são as minhas favoritas). A painho, obrigada pelas orientações sobre a vida e, mesmo com poucas palavras - sempre tintas com muito amor- conseguir dizer tanto, o senhor será sempre o meu maior herói, por me fazer ver desde pequena a beleza da paisagem natural nas nossas andanças e torcer para que ainda existam rincões em que o Progresso não chegue. O que mais desejamos na vida é fazê-los felizes. E se falo em nós, é porque fomos divididas em cinco. Eu dedico esse trabalho às melhores amigas com que Deus me presenteou, minhas queridas irmãs: Bheatriz, Letícia, Déborah e Fernanda, sempre ao meu lado. Por levarem partes de mim com elas; são as nossas conversas, essas que viram noites, que completam viagens, que enchem de som nosso lar, que me fazem feliz. Aqui em casa não cabe individualismo: Tudo foi sempre dividido: brinquedos, roupas, alegrias, tristezas... E as angústias dessa pesquisa foram também, obrigada pela constante torcida, companhia e conselhos, muitos deles e saibam que das poucas coisas que eu sei nessa vida, o amor que sinto por vocês é uma das mais verdadeiras. Perdoem minhas ausências, os livros espalhados, as xícaras de café pela casa, agora teremos tempo para nos divertir, para conversar, prometo a vocês. Ao meu namorado, Zoroleo, pela presença tranquilizadora nas horas mais difíceis dessa pesquisa (e principalmente, da minha vida). Pelas constantes leituras e correções, por não me deixar desistir de nada disso, pelas palavras de amor e abraços apertados onde cabe o universo. Por me entender, por me amar do jeito que sou ―I don't have much in my life/ But take it - it's yours‖, como diz aquela canção. Obrigada por ir tirando as pedrinhas do meu caminho e nem me deixando nota-las. E que bom que não vou só, que vou com você para sempre, de mãos dadas, até sermos bem velhinhos. Nesses sete anos de namoro muita coisa mudou em minha vida, mas você é a melhor das constantes e sempre será. | 8 Obrigada por ser uma amiga maravilhosa e uma irmã que o destino me deu, Rebeca Grilo! Por me fazer um pouco menos cínica e por fazer repensar muitas atitudes (sobre amizade, inclusive). Suas correções (os seus ganchos lindos e charmosos, kkk), seu carinho, seu ombro amigo, lágrimas compartilhadas e conselhos foram muito mais que decisivos. Você sabe muito bem de tudo! Ao meu orientador, prof. George Dantas, obrigada por ter me guiado durante esse longo trajeto na Iniciação Científica e agora no TFG. Seu comprometimento e entusiasmo com a pesquisa e com seu ofício são inspiradores. Pelas correções, incentivos, conselhos e puxões de orelha serei sempre grata, eles foram essenciais. Obrigada por aturar meus rompantes Orinoco Flow, com toda a sua paciência, agora que estou virando adulta (GRILO, 2013), prometo e-mails mais lineares. Ou não. À professora Angela Ferreira, norteadora da minha vida acadêmica, obrigada pelos ensinamentos diários, apontamentos precisos, palavras de incentivo e conselhos. São em mulheres como a senhora que devemos nos espelhar. Jamais vou conseguir expressar a intensidade da sua influência na minha formação, mas saiba que é enorme. Ao meu ―irmão acadêmico‖ Ítalo Maia, pelas conversas, pela força, pelo carinho, pelas mensagens de incentivo mútuo. Aos professores do Departamento de Arquitetura, pelos ensinamentos e, por me deixarem aprender com os erros. Em especial a Clewton Nascimento, Marizo Victor, Aldomar Pedrini, Paulo Heider, Verônica Lima, Misslene Pereira, Ruth Ataíde e Françoise Valery. Deixo aqui minhas desculpas por não ter sido uma melhor aluna, mas tenham a certeza que deixaram muito de seus ensinamentos em mim. Ao professor Pedro Lima, que me encantou com a possibilidade de vera história do mundo pelas pátinas da cidade (e pelas explicações para as bobas perguntas de caloura). Eugênio Fonseca, (Eugs querido), obrigada por ter enxugado tantas lágrimas (literalmente), pelos inúmeros e sábios conselhos; definitivamente eu não teria terminado esse curso sem suas aulas sobre o mundo, sua amizade maravilhosa, seus livros, filmes, abraços e lanches. Agradeço à professora Giovanna Paiva, pelo exemplo de integridade, compromisso com os alunos e pela alegria com que sempre me tratou e à Paulo Nobre por toda a ajuda e carinho. Ainda falando em mestres, agradeço à Professora Emilia Carvalho, pela leitura de sua inspiradora tese e por sua amizade além-mar. Aos meus amigos de curso, em especial a todos os Arquitetônicos. Por tudo o que passamos juntos ao longo desses cinco anos. Nossa amizade não entende o que é distância (ouviu, Dilma?). Marília, Fernando, Mariana, Maísa, Cleyton, Lenilson, Maria, Iran, Nikeilany, Viviane, Érica, Ismara, Ana Cristina, Maxwell, Kelben, Michel: Com vocês aprendi coisas inestimáveis, que nenhuma sala de aula pôde me ensinar. Um obrigada especial a quem também me acolheu: Jessica, Gilnadson, Íris, Larissa e Theo. ―Algum‖ arquiteto por aí disse que a amizade era fundamental. Estava certíssimo. Aos pesquisadores do HCUrb, em especial à Désio, Adriano, Thamms, Luiza e Sthepanie: obrigada pelo apoio e incentivo. Obrigada à Ana Raquel pela magnífica ajuda com a bibliografia e a | 9 Gabriel pelos constantes conselhos. Agradeço a um dos melhores professores que já tive: Yuri Simonini (aka Coronel Starker) e minha companheira de pesquisa Debora (Tia Debbie), amiga querida que com seus abraços, recadinhos, conselhos – e que conselhos!- e risadas compartilhadas deixam meu dia mais bonito. E por falar em dias mais bonitos, um agradecimento especial à Seu Mário, Dona Márcia, Dona Elza e à Neide: São vocês que fazem a Universidade funcionar e ficar mais acolhedora. A pesquisa não é uma atividade tão solitária assim; há sempre pessoas maravilhosas que nos ajudam a encontrar as pistas e a atravessar as veredas com mais tranquilidade. Agradeço à presteza e a dedicação da Professora Maria Cristina Wolff de Carvalho; À Lynn Parker, curadora-assistente da seção de Artes e Ilustrações do Royal Botanic Gardens (Kew) e à Kiri Ross-Jones, arquivista da mesma instituição; Ao Instituto Moreira Salles, em especial nas pessoas de Jovita Santos e Julia Kovensky (especialmente pelas ilustrações cedidas tão gentilmente a respeito de Burchell e pela presteza com que sempre me trataram); À Kate Santry, chefe dos Arquivos de coleções do Museu de História Natural de Oxford; À Maya Donelan, secretária da Fullham Society de Londres; Ao Roger Stewart, pesquisador de Cape Town, pela gentileza ao me indicar bibliografia; e à Elaine Charwat, bibliotecária do Linnean Society of London. Obrigada pela gentileza e desculpas de antemão pela imaturidade acadêmica em tratar deste material riquíssimo. À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por ser um espaço de tanto aprendizado, que me proporcionou um ambiente acolhedor para meu crescimento acadêmico e pessoal, espero retribuir todo o investimento em minha formação. Agradeço à PROPESQ por me proporcionar meios para a realização de minha pesquisa ao longo destes anos como I.C. “Last but not least”, agradeço a dois personagens que me tiraram o sono ao longo desse ano: O meu gato Félix, por sempre me lembrar que já eram 03:00 am e ao protagonista deste trabalho, pela sua coragem e talento: William John Burchell. Natal-RN, primavera de 2014. | 10 RESUMO O Brasil do início do século XIX mostrar-se-ia um rico panorama de novas formas, cores e costumes à um público estrangeiro cada vez maior, principalmente após a Abertura dos Portos em 1808. A figura do naturalista inglês William John Burchell destaca-se dentre esse grupo, sobretudo pela sua obra, onde converge a poética das descrições do período romântico e o rigor da representação das ciências naturais. A pesquisa apresentada busca compreender o papel da obra de Burchell na construção das representações sobre a paisagem urbana oitocentista, contribuindo ao debate sobre a formação das representações sobre a cidade colonial. A análise fundamentou-se na revisão bibliográfica, com enfoque na problematização do material iconográfico produzido por Burchell como fonte historiográfica sobre o assunto e na análise da iconografia elencada por meio de sua leitura formal e interpretativa. Os primeiros resultados apontam dissonâncias entre a obra de Burchell e o corpus iconográfico dos demais viajantes: Burchell apercebe-se da unidade arquitetônica colonial; porém, acura o olhar e distingue outras influências em nossa arquitetura, (como a herança indígena) e avança acima da homogeneização tão recorrente na historiografia do tema. Os arraiais e vilas do Brasil são por vezes apresentados em intenso movimento, um contraponto aos discursos dos viajantes que os percorreram, demonstrando que o olhar de Burchell vai se adequando e apreendendo sobre o Brasil à medida que segue viagem. Palavras-Chave Representações- viajantes – iconografia. | 11 ABSTRACT The Brazil of the early nineteenth century would show a rich panorama of new shapes, colors and costumes to a growing foreign public, especially after the opening of the Ports in 1808. The figure of the English naturalist William John Burchell stands out among this group, especially for his work, which converges poetic descriptions of the Romantic period and the accuracy of the representation of the natural sciences. The research presented here seeks to understand the role of work in constructing the Burchell's representations of nineteenth century urban landscape, contributing to the debate on the formation of representations of the colonial city. The analysis were based on literature review, focusing on the problematic of iconographic material produced by Burchell as historiographical sources on the subject and analysis of iconography listed through its formal and interpretive readings. The first results indicate dissonance between Burchell's work and the iconographic corpus of other travelers: Burchell realizes the colonial architectural unit. However, improves the look and distinguishes other influences in our architecture (such as indigenous heritage) and moves above the homogenization so recurrent in the historiography of this subject. The camps and villages of Brazil are sometimes presented in intense movement, a counterpoint to the discourses of travelers who visited them, demonstrating that Burchell's perception will be suiting and seizing on Brazil as it continues its journey. Keywords: Representations - travellers- iconography. | 12 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Caio Prado Jr. Aspecto do arraial de Rio do Peixe- MG. Fotografia. Fundação Caio Prado Júnior. ............................................................................................................................................... 34 Figura 2 Caio Prado Jr. Ruínas de igreja em Rio do Peixe-MG. Fotografia. Fundação Caio Prado Júnior. .......................................................................................................................................................... 34 Figura 3 Leonardo Da Vinci, A última Ceia. Afresco, 460 cm x 880 cm. (1495–1498). ................. 44 Figura 4 Pietro Fabris, Descobrimento do Templo de Isis em Pompéia (ca. 1740) ........................ 48 Figura 5 Thomas Ender, Cercanias de Botafogo, 1817/1818. ............................................................ 49 Figura6 Thomas Ender, Porto Estrela, 1818. ....................................................................................... 49 Figura 7 Philippe de Loutherbourge, ―Avalanche nos Alpes‖, 1803. Nota-se as características do estilo sublime nas cores e teatralidade da cena. ..................................................................................... 51 Figura 8 Camille Corot, Souvenir de Mortefontaine, exemplo de pitoresco nas artes, notar as cores esmaecidas e o sfumatto empregado. ........................................................................................... 51 Figura 9 Maria Graham, "Vista do Corcovado". Notar a utilização de cores (que não condizem com os reais matizes) para acentuar a idéia de diversidade vegetal. ................................................... 52 Figura 10 Nicolas-Antoine Taunay, O exterior de um hospital militar, Italia. .................................. 54 Figura 11 Nicolas-Antoine Taunay, Rio de Janeiro. óleo sobre tela. ................................................. 54 Figura 12 São Sebastião do Rio de Janeiro na obra "Reys-boeck van het rijcke brasilien" (ca. 1624) ............................................................................................................................................................ 56 Figura 13 Frans Post, Vista de Olinda, 1662. ........................................................................................ 57 Figura 14 Frans Post, Paisagem com plantação (O Engenho), (1668). ............................................. 58 Figura 15 Félix Émile Taunay, Baía de Guanabara vista da Ilha das Cobras, c.1828. óleo sobre tela. ............................................................................................................................................................... 59 Figura 16 Nicola Facchinetti, Lagoa Rodrigo de Freitas, óleo sobre tela. ......................................... 59 Figura 17 Vista do Largo da Matriz (Praça do Coreto), Vila Boa de Goiás em 1751. Desenho de Tosi Colombina .......................................................................................................................................... 60 Figura 18 Detalhe da prancha n° 189 – ―Goyaz‖, lápis aquarelado de Burchell - Matriz de Goyaz –12-05-1828. ............................................................................................................................................... 60 Figura 19 Maria Graham, aspecto de Laranjeiras, fora dos limites do Rio de Janeiro, 1821. Desenho integrante do Journal of a Voyage to Brazil ................................................................................ 61 Figura 20 Maria Graham, São Cristovão (ao fundo, o Paço), 1823. Aguatinta. ............................... 62 Figura 21 Thomas Ender, Paço de São Cristovão.1817. Aquarela. À esquerda, detalhe da construção. .................................................................................................................................................. 64 Figura 22 De la Michellerie, Paço de São Cristovão. Circa 1830-1834. Desenho retocado à aquarela sobre papel. ................................................................................................................................. 65 Figura 23 Maria Graham, Gameleira. ...................................................................................................... 65 Figura 24 Jean Baptiste Debret, Entrudo. 1823. ................................................................................... 67 Figura 25 Thomas Ender: Vista da Enseada de Botafogo, 1817.Oléo sobre tela. Acervo particular (coleção Geyer). .......................................................................................................................................... 69 Figura 26 Eduard Hildebrandt. Rua Direita, Rio de Janeiro. óleo sobre tela................................... 70 Figura 27 Eduard Hildebrandt. A Glória, Rio de Janeiro, 1846. Óleo sobre tela. .......................... 71 | 13 Figura 28 Felix Émile Taunay, Rua Direita, Rio de Janeiro, 1823. Aquarela sobre papel, coleção particular ...................................................................................................................................................... 72 Figura 29 Johann Moritz Rugendas, Rua Direita. Litogravura. ........................................................... 72 Figura 30 Emil Bauch, Vista da Rua Direita, segunda metade do século XIX. ................................ 73 Figura 31 Thomas Ender: Vista da Glória e da cidade do Rio de Janeiro, 1817-1818. Pena e sépia sobre papel, 27,2 x 43,3 cm. À direita, um detalhe do desenho. ......................................................... 74 Figura 32 Thomas Ender, ―Arredores do Rio de Janeiro‖1817 óleo sobre tela 104 x 188 cm ...... 74 Figura 33 William Gore Ouseley. Ruínas da Capela de São Gonçalo, Bahia. Bahia, 1852. ............ 76 Figura 34 Thomas Ender, Nos arredores do mangal de S. Diogo. Nanquim e aquarela sobre papel. ............................................................................................................................................................ 76 Figura 35 Armand Julien Pallière, Vila Rica por Armand Julien Pallière, 1820. Litogravura .......... 78 Figura 36 Piero della Francesca, View of an Ideal City. ....................................................................... 86 Figura 37 Claude Lorrain, the Embarkation of Saint Paula for Jerusalem, 1639. Óleo sobre tela, 100.9 x 135.2 cm. ....................................................................................................................................... 86 Figura 38 Claude Lorrain, Landscape With A Sacrifice To Apollo, 1639-40. Oleo sobre tela ...... 86 Figura 39 Robert Barker, panorama da cidade de Edinburgh, Escócia. Óleo sobre tela, 1783 ..... 88 Figura 40 Imagens da rotunda de Leicester, projetada por Mitchell. ................................................. 89 Figura 41 Charles Landseer, Vista da cidade de S. Salvador na Bahia de Todos os Santos, 1825. 91 Figura 42 Friedrich Salathé, Vista da cidade de S. Salvador na Bahia de Todos os Santos, água- tinta, 65 x 123,7cm, 1826 .......................................................................................................................... 92 Figura 43 Benjamin Mulock, Panorama de Salvador. Fotografia. ...................................................... 93 Figura 44 Benjamim Mary, Panorama do Rio de Janeiro, 1835. Grafite, nanquim e aquarela sobre papel, 30,3 X 312,4 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo. ............................................................. 95 Figura 45 Johann Jacob Steinman, Rio de Janeiro visto a partir do morro de Santa Teresa, 1834. ...................................................................................................................................................................... 96 Figura 46 Jean-Julien Deltil (baseado em desenhos de Johann Moritz Rugendas), Vistas do Brasil, Primeira metade do século XIX. Acervo Instituto Moreira Salles. Aquarela sobre papel, 451 x 1541 mm. ..................................................................................................................................................... 97 Figura 47 Papel de parede atualmente impresso pela Casa Zuber, nota-se que os desenhos continuam idênticos ao original. .............................................................................................................. 98 Figura 48 Sala de jantar da Embaixada brasileira em Moscou, Rússia. Notar o emprego do referido panorama. ..................................................................................................................................... 98 Figura 49 Johann Moritz Rugendas, "Brasilien", imagens que tentam resumir as paisagens brasileiras. ....................................................................................................................................................99 Figura 50 Felix-Émile Taunay, Panorama do Rio de Janeiro, 1824. ................................................ 100 Figura 51 Jacob Steinmann, possível base para ampliação do panorama do Rio de Janeiro, 1824. .................................................................................................................................................................... 101 Figura 52 William Burchell, Panorama do Rio de Janeiro. Lápis, 1826. .......................................... 103 Figura 53 William Burchell, uma das 8 folhas do panorama em 360 graus da cidade do Rio de Janeiro, olhando em direção Nordeste, mai/jun 1826. ...................................................................... 104 Figura 54 William Havell, Braganza Shore, Rio de Janeiro. Guache sobre tela, 1827. .................. 109 Figura 55 William Havell, Garden Scene on the Braganza Shore, Rio de Janeiro. Guache sobre tela, 1827.................................................................................................................................................... 109 Figura 56 Alfred Martinet, O Passeio Público. Gravura, 1847. ........................................................ 110 | 14 Figura 57 W. Loeillot, Entrada do Passeio Público no Rio de Janeiro. Gravura, 1835. ................ 111 Figura 58 África do Sul, vista da Cidade do Cabo, Baía da Mesa, e Tygerberg (Robbin Island), 1810. ........................................................................................................................................................... 111 Figura 59 Detalhe da imagem acima, o homem embaixo do guarda-sol é o próprio Burchell que se autorretratou. ....................................................................................................................................... 112 Figura 60 William Burchell, Uma edificação em construção em Goiás Velho, 1828. Lápis ......... 112 Figura 61 William Burchell, Rua do Cano, c. 1825-1826. Grafite, nanquim e aquarela sobre papel. .................................................................................................................................................................... 114 Figura 62 William Burchell, Casario colonial e o morro do Castelo ao fundo, 1825..................... 116 Figura 63 William Burchel, The English Burial Grounds (Gamboa. [Cemitério dos Ingleses, na Gamboa]. Grafite e aquarela sobre papel. c. 1825-1826. ................................................................... 117 Figura 64 Maria Graham, Cemitério dos Ingleses. Litogravura. ....................................................... 118 Figura 65 Alfred Martinet, Cemitério dos Ingleses. Gravura ............................................................ 118 Figura 66 William Burchell, Casario da Praia Formosa, 1826. Lápis e aquarela. Acervo particular .................................................................................................................................................................... 119 Figura 67 William Burchell, Ponte do Catete, 1825. Aquarela, 340 x 500 mm. Acervo Instituto Moreira Salles. ........................................................................................................................................... 120 Figura 68 William Burchell, Os arcos da Carioca vistos da rua Mata-Cavalos, atual Riachuelo, 1825. Lápis. ............................................................................................................................................... 122 Figura 69 William Gore Ouseley, Views of South America…1852. Litogravura. Biblioteca Nacional .................................................................................................................................................................... 123 Figura 70 William Alexander, The Aqueduct in Rio de Janeiro, Litogravura. 1812. ...................... 123 Figura 71 William Burchll, Ponte coberta nas proximidades de Teresópolis, c.1825-1826. ......... 124 Figura 72 William Burchell, Vista a partir da estrada para o Rio, c. 1825-1826. Aquarela. Acervo Instituto Moreira Salles ........................................................................................................................... 125 Figura 73 William Burchell, Vila de São Bernardo entre Cubatão e São Paulo, 1826. Aguada. Acervo Instituto Moreira Salles. ............................................................................................................ 126 Figura 74 William John Burchell, São Paulo a partir da estrada para Santos, c 1825-1826. Aquarela. Acervo Instituto Moreira Salles............................................................................................ 126 Figura 75 William Burchell ―Rua direita at Santos‖, 1826. Aguada. Acervo Instituto Moreira Salles. .......................................................................................................................................................... 127 Figura 76 William Burchell, a marinha do porto de Santos, 1826. Aguada. ................................... 128 Figura 77 William Burchell, Panorama de São Paulo, vista do Braz e caminho para o Rio de Janeiro, 1827. Grafite e aquarela sobre papel. Acervo Instituto Moreira Salles ............................. 129 Figura 78 William Burchell, Ladeiras do Memória e dos Piques, 1827. Lapís aquarelado, 340 x 500 mm. ..................................................................................................................................................... 130 Figura 79 William Burchell, Convento e igreja do Carmo. 1827. ..................................................... 131 Figura 80 Jean Baptiste Debret, Igreja do Carmo, 1827. ................................................................... 131 Figura 81 William Burchell, Meiaponte, 1827. Lápis, 260 x 480 mm. .............................................. 132 Figura 82 William Burchell, Goiás Velho. Lápis. ................................................................................ 133 Figura 83 William Burchell, Ponte de Goiás Velho, s/d. 340 x 500 mm. Lápis. ............................ 134 Figura 84 William Burchell, Natividade, 1828. Lápis, 340 x 500m. .................................................. 135 Figura 85 William Burchell, Aspecto geral de Porto Real, 1829. Lápis ............................................ 136 Figura 86 William Burchell, vista de Belém do Para, 1829. Lápis..................................................... 138 file:///C:/Users/Barbara/Desktop/TFG_final.doc%23_Toc408211995 file:///C:/Users/Barbara/Desktop/TFG_final.doc%23_Toc408211995 | 15 Figura 87 Johann Moritz Rugendas, "Costumes do Rio", 1825. Gravura. ...................................... 146 Figura 88 Johann Moritz Rugendas, "Costumes da Bahia", 1825. Gravura. ................................... 146 Figura 89 Thierry Frères (gravação) Jean Baptiste Debret (original), Quinta da Boa Vista, desde o ano 1808 à 1831. Gravura. ...................................................................................................................... 149 Figura 90 Jean Baptiste Debret, Rio de Janeiro. .................................................................................. 150 Figura 91 Jean Baptiste Debret, Café Torrado, 1826. Aquarela sobre papel, 15,4 x 19,6 cm. Museus Castro Maya - IPHAN/MinC. Editado pela autora. ............................................................ 151 Figura 92 RUGENDAS, Johann Moritz. VENTA A REZIFFÉ (Venda em Recife). Domínio Público. ...................................................................................................................................................... 153 Figura 93 Detalhe da figura "VENTA A REZIFFÉ (Venda em Recife)." ..................................... 153 Figura 94 Johann Moritz Rugendas - Carregadores de água, 1822-1825. Litografia e aquarela sobrepapel, 32,8 X 42,8cm .................................................................................................................... 154 Figura 95 Johann Moritz Rugendas - Vista do Rio de Janeiro nas proximidades da Igreja da Glória, 1827-1835 Litografia e aquarela sobre papel, 32,8 X 42,8 cm ............................................. 154 Figura 96 William Burchell, Rua do Cano, c. 1825-1826. Grafite, nanquim e aquarela sobre papel, 413 x 541 mm. .......................................................................................................................................... 157 Figura 97 William Burchell, Ponte do Catete, 1825. Aquarela, 340 x 500 mm. Acervo Instituto Moreira Salles. ........................................................................................................................................... 158 Figura 98 William Burchell, Rua Direita em Santos, 1826. Aguada. Acervo Instituto Moreira Salles. .......................................................................................................................................................... 159 Figura 99 Johann Moritz Rugendas, Índios em uma fazenda de Minas Gerais, 1824. Litogravura .................................................................................................................................................................... 161 Figura 100 Johann Moritz Rugendas, Lundu, c.1822-1825. Litogravura ......................................... 161 Figura 101 Johann Moritz Rugendas, [Casa de taipa no interior do Brasil], c.1822-1825. Grafite e aquarela sobre papel. Acervo Instituto Moreira Salles ....................................................................... 161 Figura 102 Johann Moritz Rugendas, [Interior de um povoado com cavaleiros, Minas Gerais], c.1822-1825. Grafite e aquarela sobre papel. Acervo Instituto Moreira Salles ............................... 162 Figura 103 Thomas Ender. Fábrica de pólvora. .................................................................................. 163 Figura 104 Thomas Ender, Fazenda Mandioca, 1825. Aquarela. ..................................................... 164 Figura 105 William Burchell[Belo exemplar de casa rural da baixada fluminense], 1825. ............ 166 Figura 106 William Burchell, Matriz e casas de Paraíba do Sul. ........................................................ 167 Figura 107 Detalhe da figura "Matriz e casas de Paraíba do Sul." Em que se vislumbra os enquadramentos ....................................................................................................................................... 168 Figura 108 Enquadramento utilizado na edificação ............................................................................ 168 Figura 109 William Burchell, Church [na Ilha do Governador]. 140 x 210 mm. Aguada ............. 169 Figura 110 William Burchell, Mosteiro de São Bento, em Santos. Aquarela. ................................. 170 Figura 111 Rua São Bento, com o mosteiro e a fonte ao fundo, em foto de Militão Augusto de Azevedo. (albúmen com 10,5 x 17,2 cm. ) Acervo IMS. ................................................................... 170 Figura 112 Detalhe da figura ao lado, vista do Mosteiro de São Bento e a torre sineira da capela de Nossa Senhora do Desterro. Acervo IMS. ..................................................................................... 170 Figura 113 William Burchell, Monastério Beneditino em Santos e casa e jardim onde W. J. B. viveu, c.1825-1826. Grafite e aquarela sobre papel, 215 x 448 mm. ................................................ 171 Figura 114 William Burchell, Capela de Santa Catarina, em Santos. c. 1826-1826. Acervo Instituto Moreira Salles. ........................................................................................................................................... 172 | 16 Figura 115 William Burchell, Rua em São Carlos (Campinas), 1827. 300 x 480mm. .................... 174 Figura 116 Detalhe da figura ―Rua em São Carlos (Campinas)‖. ..................................................... 174 Figura 117 Sistema construtivo da taipa de pilão. ............................................................................... 174 Figura 118 William Burchell, Rua do Quartel, 1827. Lápis aquarelado. 300 x 480 mm. ............... 175 Figura 119 William Burchell, Aspecto de Vila Franca (atual Franca), 1827. ................................... 176 Figura 120 Detalhe da figura "Aspecto de Vila Franca‖ .................................................................... 177 Figura 121 Esquema de beiral com galbo no contrafeito, típi co da arquitetura colono=ial. ...... 177 Figura 122 William Burchell, Cemitério dos ingleses. Observar a casa à direita ............................ 177 Figura 123 Detalhe da figura "Cemitério dos ingleses". ..................................................................... 177 Figura 124 William Burchell Ponte sobre o rio Tietê, 1827. 235 x 485 mm. Lápis ....................... 178 Figura 125 Detalhe da figura Ponte do rio Tietê: sistema de pau a pique ....................................... 178 Figura 126 Detalhe da figura Ponte do Rio Tietê: Palafita. ............................................................... 178 Figura 127 William Burchell, Uma edificação em construção em Goiás Velho, 1828. Lápis. ...... 179 Figura 128 Detalhe da figura "uma edificação em construção em Goiás Velho, 1828 " :esteios 180 Figura 129 Ligação em meia madeira de encontro ............................................................................. 180 Figura 130 William Burchell, Interior de casa em Goiás Velho, 1827. Lápis. ................................. 180 Figura 131 Dobradiça de cachimbo ou leme, comum nas edificações oitocentistas. Desenho de Vasconcellos. ............................................................................................................................................ 181 Figura 132 Lêuncio Nobre, Janela superior do Aljube- Olinda, 2001. ............................................ 181 Figura 133 Thomas Ender, Interior de uma casa paulista, 1817. Aquarela. ................................... 181 Figura 134 William Burchell, presídio de São João das Duas Barras, no Araguaia. Sem data, grafite sobre papel. ............................................................................................................................................... 182 Figura 135 Johann Moritz Rugendas, Acampamento de índios, 1824. Lápis e nanquim sobre papel, 115 x 117 mm. .............................................................................................................................. 184 Figura 136 Johann Moritz Rugendas, Habitações de negros, c.1822-1825. .................................... 184 Figura 137 William Burchell, Igreja das Mercês, Pará. Grafite sobre papel, c.1829. ...................... 186 Figura 138 Detalhe do desenho anterior, relativo à Igreja das Mercês. ........................................... 186 Figura 139 Três retratos sucessivos de Burchell .................................................................................. 208 Figura 140 Churchfield House , residência da família Burchell, demolida em 1898. ...................... 208 Figura 141 William Burchell, País de Gales, vista do moinho próximo à queda d'água em Aberdyllis, Neath, Glamorganahire. Lápis aquarelável, 23 agosto,1804 ......................................... 210 Figura 142 William Burchell, País de Gales, vista de Swansea. Lápis aquarelável, 31 agosto 1804. .................................................................................................................................................................... 210 Figura 143 Uma vista próxima à Santa Helena. .................................................................................. 212 Figura 144 Mande's Battery.Lápis e aquarela, sem data. ................................................................... 212 Figura 145 Salsa de Praia (também comum no litoral brasileiro)representada pelo naturalista William Burchell. Ipomea biloba, lápis e aquarela, sem data. ............................................................ 213 Figura 146 William Burchell, ―Interior of my African Wagon". Óleo sobre tela, 1822. ............... 214 Figura 147 William Burchell, Part of the caravan going across the Karoo. Gravura, 1822. ......... 215 Figura 148 William Burchell, Desenho de Burchell representando o Rio Gariepe. ....................... 216 Figura 149 Residência em Tulbagh. ..................................................................................................... 216 Figura 150 A mesma residência em Tulbagh atualmente. .................................................................. 217 file:///C:/Users/Barbara/Desktop/TFG_final.doc%23_Toc408212075 | 17 SUMÁRIO PREPARATIVOS PARA A VIAGEM: CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................ 18 AS PÁTINAS QUE COMPÕEM A IMAGEM: OS VIAJANTES ADENTRAM OS TRÓPICOS ............................................................................................................................................... 31 1.1 A PINTURA É UMA FEITICEIRA: FERRAMENTAS PARA A LEITURA DA OBRA DE ARTE. .................................................................................................................................................. 38 1.2 AS FATURAS DO NEOCLASSICISMO E DO NATURALISMO NAS IMAGENS DO BRASIL NO OITOCENTOS. ............................................................................................................... 46 1.3 O BRASIL É UMA PAISAGEM – AS VISÕES ESTRANGEIRAS OITOCENTISTAS ... 52 2. EXUBERANTES PANORAMAS: A URBE EM PANORAMAS E VEDUTAS ............ 80 2.1 A PAISAGEM NUM PISCAR DE OLHOS: O PANORAMA................................................. 85 2.2 DAS JANELAS QUE DESLINDAM OS TRÓPICOS: A VEDUTA. .................................. 107 O ENQUADRAMENTO DA PAISAGEM: OS DETALHES DA URBE BRASILEIRA NA OBRA DO VIAJANTE ............................................................................................................... 139 3.1 QUEM VIU UMA VIU QUASE TODAS? AS REPRESENTAÇÕES DA ARQUITETURA DOMÉSTICA NO OITOCENTOS. ................................................................. 141 3.2 À SOMBRA DO ALPENDRE: DETALHES ARQUITETÔNICOS. .................................. 173 ÚLTIMOS VERNIZES- CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................... 188 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................... 194 APÊNDICES ......................................................................................................................................... 207 ANEXOS ................................................................................................................................................. 227 file:///C:/Users/Barbara/Desktop/TFG_final.doc%23_Toc410114942 file:///C:/Users/Barbara/Desktop/TFG_final.doc%23_Toc410114945 | 18 PREPARATIVOS PARA A VIAGEM: Considerações iniciais Preparativos para a Viagem: Considerações iniciais | 19 ―Toda estória se quer fingir verdade. Mas a palavra é um fumo leve demais para se prender na vigente realidade. Toda a verdade aspira ser estória. Os factos sonham ser palavra, perfumes fugindo do mundo. Se verá neste caso que só na mentira do encantamento a verdade se casa à estória.‖ Mia Couto, Estórias abensonhadas. Os ventos alísios do hemisfério norte e as correntes das Canárias levariam um número cada vez maior de embarcações aos portos brasileiros a partir do início do século XIX. Entre a saída de Lisboa e a chegada em portos brasileiros, as viagens poderiam durar até 40 dias, muitos deles passados sem ao menos um vislumbre de faixa de terra em meio à vastidão do Atlântico. Eram agora viagens mais curtas e seguras em relação ao tempo que se desprendia entre a Europa e a América séculos antes, graças ao advento de novas tecnologias de navegação; deste intenso fluxo de navios carregados de produtos e de viajantes, outra natureza de mercadoria seriam também levadas de nossos portos, estas à base de tintas e crayon: paisagens brasileiras. A proximidade da costa brasileira trazia muitas vezes como primeiro contato com a paisagem tropical a vista da baía de Guanabara, principal porto de entrada da maioria dos europeus que chegavam ao Brasil. Embora alguns diários de viagens ao Brasil fossem publicados na Europa1, a região permaneceria durante muito tempo desconhecida pela população do Velho Mundo. Em 1605, no governo do então rei de Portugal Felipe II, foi determinado o fechamento total dos portos brasileiros, aumentando o encerro anterior proposto pelo rei Felipe I, em que se permitia autorização de concessões, mediante o estudo de cada caso2. Registros de homens ilustrados se mesclavam aos diários de viagens de marinheiros e corsários na tentativa de cobrir a visão européia sobre as terras e costumes do Brasil no século 1 A circulação das publicações relativas ao Brasil na Europa será tratada adiante, no capítulo 2. 2 GARCIA, Eugênio Vargas (Org.). Diplomacia Brasileira e Política Externa: Documentos Históricos (1493 – 2008). Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. | 20 XVI. Este período de grandes navegações, que correspondia à segunda fase do Renascimento, seria carregado fortemente pelo gosto do fantástico e misterioso na literatura de viagem, forte herança do imaginário medieval europeu3. O cenário relativo às descrições sobre o Brasil sofreria mudança significativa no início do século XIX. Com a Abertura dos Portos e a transferência da Corte Real Portuguesa, em 1808, o contingente de europeus em terras brasileiras aumentaria consideravelmente. O Oitocentos mostrar-se-ia um período de intensas transformações em algumas cidades brasileiras, ao passo que em tantas outras o período de transformações ocorreria de forma mais dilatada, chegando, em muitos casos, à quase estagnação de seu crescimento urbano. As transformações não ocorreram com mesma intensidade e em sincronia; a ação mostrar-se-ia muito mais complexa e descontínua. Os motivos para que essas mudanças se revelassem distintas em cada lugar foram, muitas vezes, de ordem econômica, politica e geográfica4. Recife, por exemplo, já era, no inicio do século XIX, uma cidade de papel importante nos processos econômicos do país; sua paisagem urbana fora bastante alterada nos séculos anteriores, no contexto da tomada pelos holandeses da região, especialmente durante o período do governo do conde João Maurício de Nassau-Siegen (1637-1644) 5. Os esguios sobrados, herança neerlandesa, assistiriam a abertura de novas vias e a arborização das ruas no século XIX. São Paulo, à época ainda uma pequena cidade, só assistiria mudanças significativas a partir da segunda metade dos Oitocentos, mais precisamente na década de 1870, crescimento impulsionado pela produção cafeeira. Outra transformação iminente ocorreria nas cidades do norte do Brasil, com a produção da borracha, à época da abertura dos portos brasileiros, as cidades ainda seriam pequenas. Se algumas cidades estariam na expectativa de crescimento, outras estariam em declínio das suas atividades econômicas mais lucrativas, como no caso das cidades mineiras, que viram o resplendor aurífero dos Setecentos perderem seu brilho já no século XIX, o que ―cristalizou‖ a urbe mineira durante este tempo. Por outro lado, Salvador teria papel importante nos processos econômicosda colônia desde o início de sua colonização, visto sua condição de antiga capital da colônia e também passaria por mudanças em sua estrutura urbana à época. A cidade do Rio de Janeiro, alçada à condição de sede do império português em 1763, seria protagonista dessa 3 LE GOFF. Jacques. O maravilhoso no Ocidente Medieval. In: O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval. Lisboa. Edições 70. 1983, p. 263-270. 4 ARAGÃO, Solange Moura Lima de . A cidade brasileira na pintura dos viajantes e na fotografia do século XIX. In: V Encontro de História da Arte - 20 anos de História da Arte na UNICAMP - 2009, 2009, Campinas. V Encontro de História da Arte - 20 anos de História da Arte na UNICAMP - 2009, 2009. p. 137-143. 5 GESTEIRA, H. M. . O Recife Holandes: historia natural e colonização neerlandesa (1624/1654).Revista da Sociedade Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 2, n.1, p. 6-21, 2004. p.6 | 21 alteração com a chegada da Corte, suas reformas prosseguiriam pelas décadas seguintes. Como ponto de partida, como área de permanecia prolongada ou até mesmo como última parada antes da volta à Europa, diversos viajantes estrangeiros aportaram na Guanabara, providos de lápis, carvão, aquarelas e cadernos de anotações, prontos e na expectativa de representar a exótico cenário que se descortinava aos olhos já enfastiados do constante azul oceânico. Uma bagagem muito menos visível também seria transportada lado a lado a seus pertences, como veremos a seguir. Se a chegada à cidade do Rio de Janeiro ocorresse no período da manhã, as impressões seriam conduzidas pelas vivas cores da paisagem, imersa em um ―perpétuo verão‖6, e adornada com ―a coroa de granito mais maravilhosa (sic) que a natureza tenha preparado à capital de um império‖7 , ―transmitindo um tom violáceo‖8 ao envolver as serras e suas sombras que ―parecem riscadas de rosa e púrpura‖9. Os matizes da floresta resplendem no ―verde vivo da esmeralda e o amarelo, brilhante do ouro polido‖10. Caso o desembarque ocorresse à noite, a cidade apresentar-se-ia numa escuridão pontilhada pelas poucas luzes dos lampiões à base de óleo existentes, quase um reflexo da abóbada celeste. Se o viajante tivesse a oportunidade de adentrar a baía em noites festivas, teria a oportunidade de vislumbrar a chamada alvorada, momento no qual, sob edital da Câmara Municipal, toda a população era convidada a iluminar a frente das suas casas nas noites de 6 KIDDER, Daniel P.; FLETCHER, James C. O Brasil e os brasileiros. 2 vols. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. P.02. Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/o-brasil-e-os-brasileiros. Acesso em: 11 set.2014. 7 LEITÃO, Candido de Melo. O Brasil visto pelos ingleses. Viajantes ingleses. Companhia Editora Nacional, 1937. Disponível em: < http://www.brasiliana.com.br/obras/o-brasil-visto-pelos-ingleses-viajantes- ingleses/pagina/104/texto> Acesso em: 11 de setembro de 2014. P.104. 8 BIARD, François Auguste. Dois anos no Brasil. Companhia Editora Nacional, 1941. Disponível em <http://www.brasiliana.com.br/obras/dois-anos-no-brasil/pagina/144/texto > P. 141 9 BURTON, Richard Francis . Viagens aos planaltos do Brasil - Tomo I: Do Rio de Janeiro a Morro Velho. Companhia Editora Nacional, 1941. Disponível em: <http://www.brasiliana.com.br/brasiliana/colecao/obras/123/viagens-aos- planaltos-do-brasil-tomo-i-do-rio-de-janeiro-a-morro-velho> . Acesso em: 11 de set. de 2014. p.57. 10 Ibidem. p.58. Ressalta-se que a visão de uma baia de Guanabara edênica não seria unânime. Embora fora de nosso período de estudo, o relato de Levi-Strauss em Tristes Trópicos (1995) ao apelidar a baía de Guanabara de ―boca banguela‖, (visto sua grande dimensão em relação aos poucos lugares importantes espaçados ao longo de sua extensão), demonstra que a beleza da baía não seria unânime na visão dos viajantes. 10 BASILE, Marcello Otávio Neri de Campos. Festas cívicas na corte regencial. Varia hist., Belo Horizonte , v. 22, n. 36, Dec. 2006 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104 8775200600200014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12 Set. 2014. | 22 procissões ou de cortejos imperiais11. A cidade então ganharia ainda mais ares teatrais e sublimes12, como o relato do viajante letão Ernst Ebel, quando em passagem pelo Brasil em 1824, nos revela: A noite estava linda e o calor aliviado pela benfazeja brisa marítima que naquele momento encrespava o mar, prateado pelo clarão do plenilúnio. [...] Num semicírculo anfiteatral, a cidade aparece distante, à beira-mar. Seu casario, iluminado por focos sem conta, produzia aprazível efeito. De quando em vez, subiam foguetes à retaguarda, cujas explosões, iluminando magicamente o cenário um instante, não menos rapidamente se extinguiam. Festivamente, repicavam os sinos até nós — as Ave-Marias — para logo se calarem. Também iam-se apagando as luzes. Um silêncio, cada vez mais profundo, baixou sobre a terra e, como a lua se escondesse atrás das montanhas, recolhi-me [...]13. Seria este o cenário descoberto pelas missões europeias, de finalidades distintas, que aportariam no Brasil a partir de 1808. No entanto, o trecho acima apresentado revela-nos mais do próprio viajante do que nos revela o que foi observado, como se notará ao longo do trabalho, este será um argumento constante. Para se entender a motivação do olhar estrangeiro em percorrer a urbe brasileira do século XIX de rica herança colonial, é necessário alcançar suas intenções e o contexto em que estes relatos se inserem. Os viajantes do Oitocentos diferem dos corsários e marinheiros dos séculos anteriores pelo caráter científico de seus relatos. Ao preencher seus cadernos de desenhos com reproduções de tipos humanos, espécies vegetais, animais e aspectos do cotidiano, suas anotações serviam muito mais que ao propósito de identificar e informar os europeus sobre ―as coisas e as gentes‖ brasileiras; buscavam informações e pontes para seus interesses econômicos, políticos e científicos. As expedições científicas europeias empreendidas nos diferentes continentes foram utilizadas como peças importantes no contexto da expansão europeia. Tendo em mente o lema baconiano de que ―conhecimento é poder‖ o saber adquirido nestas explorações científicas, patrocinada pela riqueza dos grandes centros europeus, azeitava as engrenagens econômicas do Velho Continente, como aponta Mary Louise Pratt, em Os olhos do Império: relatos de viagem e transculturação (1999): Na segunda metade do século XVIII, a expedição científica internacional tornar-se-ia um catalisador das energias e recursos de intrincadas alianças das 11 BASILE, Marcello Otávio Neri de Campos. Festas cívicas na corte regencial. Varia hist., Belo Horizonte , v. 22, n. 36, Dec. 2006 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104 8775200600200014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12 Set. 2014. 12 O conceito de sublime será mais bem tratado no capítulo 1 deste trabalho. 13 EBEL, Ernst. O Rio de Janeiro e seus arredores em 1824. Companhia Editora Nacional, 1972. Disponível em: < www.brasiliana.com.br/obras/o-rio-de-janeiro-e-seus-arredores-em-1824 > Acesso em 12 de set. de 2014. p.11. | 23 elites comerciais e intelectuais por toda a Europa. Igualmente relevante é que a exploração científica haveria de se tornar um foco de intenso interesse público, e fonte de alguns dos mais poderosos aparatos ideológicos e de idealização, por meio dos quais os cidadãos europeus se relacionaram com outras partes do mundo.14 A representação de um Brasil pitoresco e tropical foi um importante aporte aos discursos de caracterização das cidades brasileiras oitocentistas.Dentre os vários documentos que foram produzidos sobre as cidades brasileiras, os relatos dos viajantes, sobremodo os estrangeiros, possuíram maior poder de reverberação, utilizados para iluminar passagens de nossa história obscurecida pela escassez de documentos descritivos realizados quer seja pela Coroa, quer seja pelos próprios residentes da Colônia. As permanências urbanas e arquitetônicas da cidade colonial na conformação do novo Império observadas por estes artistas seriam utilizadas na composição de uma matriz imagética na qual ressaltariam as nuances de descaso e indolência e que seria reverberada nas descrições posteriores, mostrar-se-iam, inclusive, importantes ao propósito de legitimação e de justificativa de diversos discursos de modernização pelo qual as cidades passariam a partir do final do século XIX. Assim como as edificações e estruturas urbanas remanescentes da cidade colonial, as suas representações pictóricas também seriam chamadas a atuarem na função de representação e referência desta cidade. Portanto, dada à escassez de registros de autores nacionais ao longo de praticamente todo o século XIX, a produção pictórica relativa à urbe oitocentista realizada por estrangeiros como Jean-Baptiste Debret ou Nicolas-Antoine Taunay, dotadas de intenções ou não, mostrar-se-iam importantes ferramentas que fundamentariam o imaginário sobre o Brasil, tanto na Europa como, consequentemente, rebatidos em nossa própria historiografia do tema. Contudo, em meio à produção de autores mais célebre e divulgada, há um corpus iconográfico que por motivos diversos permaneceu oculto e pouco analisado. A obra do botânico inglês William John Burchell ressaltar-se-ia, entre toda a iconografia dos viajantes oitocentistas, pela peculiaridade de seus registros, nos quais convergem a poética das descrições típicas do período romântico e o rigor da representação das ciências naturais15. Burchell não era um viajante inexperiente quando chegou ao Brasil em 1825, tendo percorrido a África do Sul durante cinco anos e pelo mesmo período de tempo havia viajado pela Ilha de 14 PRATT, Mary Louise. Os olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. Tradução Jézio Hernani Bonfim Gutierre. Bauru, SP: EDUSC, 1999, pp.52-53. 15 CARVALHO, Maria Cristina Wolff de. The Landscape Art of William John Burchell (1781 – 1863). Report, Washington DC, n. 32, CASVA – NGA, 2012, p. 164-167. Disponível em: http://www.nga.gov/casva/pdf/center- 32.pdf. Acesso em 25 jun. 2013. | 24 Santa Helena16. A figura de Burchell, salvo algumas menções17, torna-se pública aos brasileiros a partir da década de 1960, por ocasião da descoberta de seu acervo composto por 250 desenhos de temática brasileira. Com a publicação da série de oito pranchas de O Mais Belo Panorama do Rio de Janeiro, em 196618, e, já na década de 1980 da obra O Brasil do Primeiro Reinado visto pelo botânico Willian John Burchell, 1825-182919, o historiador Gilberto Ferrez lança luz ao trabalho de Burchell e abre a vereda para estudos posteriores. Vislumbres de sua obra já seriam postas à luz décadas antes; porém, foram creditadas erroneamente ao viajante Charles Landseer. Em 1924, o historiador brasileiro Alberto Rangel encontrou no castelo de Highcliffe, antiga residência de Charles Stuart20, cerca de 340 obras sobre a passagem de Landseer pelo Brasil. Às obras de Landsser somaram-se alguns trabalhos de Henry Chamberlain, Debret e Burchell. 21 Sabe-se que a permuta de desenhos entre viajantes não era rara, o que pode explicar o motivo de sua presença junto às de Charles Landseer. Porém, em 1926, o Highcliffe Album seria adquirido pelo colecionador carioca Guilherme Guinle e guardado em acervo particular. 22 Em 1999 o Instituto Moreira Salles o obtém, através da compra pelo leilão da Christie‘s. Desta terra tropical, Burchell pouco deveria saber, valendo-se de uma quantidade mínima de informações colhidas entre sua correspondência com outro viajante e amigo, William 16 Stewart, Roger; Warner, Brian. William John Burchell: the multi-skilled polymath. S. Afr. j. sci., 2012, vol.108, no.11-12, p.52-61. ISSN 0038-2353. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.4102/sajs.v108i11/12.1207> Acesso em: 04 nov. 2014. 17 George Gardner, viajante que aportou no Brasil em 1836, cita-o em Em sua obra Viagem ao Interior do Brasil, classificando-o como cita-o como ―intrépido‖ e comenta a respeito do ―viajante africano‖ que permaneceu durante seis semanas na fazenda Santa Ana do Paquequer, pertencente a um inglês, George March, localizada na Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro. 18 FERREZ, Gilberto. O mais belo panorama do Rio de Janeiro: (1825) / William John Burchell ; texto de Gilberto Ferrez. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro , 1966. A obra é composta por oito paginas de texto em formato 32 x 23 cm além de oito pranchas de desenho que formam o panorama medindo 23 x 250 cm. O estudo e descrição do panorama é de autoria de Ferrez. 19 FERREZ, Gilberto. O Brasil do Primeiro Reinado visto pelo botânico Willian John Burchell, 1825-1829, Fundação Moreira Salles, 1981. 20 Ibdem, ibid. 21Cf. < http://ims.uol.com.br/hs/charleslandseer/highcliffealbum.html > . Acesso em: 03 out. 2014. 22 Pode-se ver menções das aquarelas de Burchell (creditadas como de Landseer), em: Revista do IPHAN, n. 6, 1942, acessada pelo link: http://ims.uol.com.br/hs/charleslandseer/highcliffealbum.html | 25 Swainson23 e dos meses em que passou em Lisboa, no intuito de aprender o português. Para além destas cartas, o universo de dados disponíveis ao seu alcance era restrito, visto a escassez de um corpus documental relativo ao Brasil no mercado literário europeu. Burchell pode ter tido contato com a publicação, em 1823, do primeiro tomo de uma série de três sobre a expedição ao Brasil empreendida pelos viajantes alemães Karl Friedrich Philipp von Martius e Johann Baptist von Spix, Viagem pelo Brasil: 1817-1820. As obras iconográficas de maior vulto relativas à paisagem urbana seriam publicadas após sua ida ao Brasil, como a série de três fascículos da obra ―Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, relativas aos 15 anos do viajante Jean Baptiste Debret24 sob o sol brasileiro, lançada entre os anos de 1834 e 1839; também em 1834 Johann Moritz Rugendas25 publicaria o livro Voyage Pittoresque dans le Brésil26, Kosmos, a extensa obra do maior naturalista do século XIX, o explorador Alexander von Humboldt27, seria publicada apenas em 1845. Neste campo de representações do Brasil pouco trabalhado, em especial o campo pictórico, ainda muito preso aos materiais cartográficos e às telas holandesas do XVIII, os viajantes viram a possibilidade de pioneirismo e méritos, justificativas para empreender viagem. Em relação ao desconhecimento de mais detalhes sobre as terras brasileiras, Lorelay Kury (2004) sugere: ―Para os viajantes-naturalistas europeus que aqui estiveram nas primeiras décadas do século XIX, não foi difícil coroar suas carreiras com a descrição de dezenas ou centenas de espécies novas‖. E, como o viajante diria em uma de suas missivas, era ―muito mais fácil marcar uma linha interessante de roteiros num mapa do que traçá-la no próprio país‖, seu trabalho relativo à paisagem brasileira não seria publicado, como parecia ser seu primeiro intento, seguiria viagem ao 23 William Swainson foi um naturalista britânico, participante da comitiva de Henry Koster ao Brasil. Aportou na província de Pernambuco em 1816. Após viajar pela Bahia, parte rumo ao Rio de Janeiro e em agosto de 1818 retorna à Inglaterra (MARTINS 2001, p.118). Os trópicos brasileiros parecem que criaram uma boa impressão em Swainson (e essa admiraçãopode ter sido passada à Burchell entre suas conversas). Em carta datada de março de 1830, Swainson admite que "I am sick of the world and of mankind, and but for my family would end my days in the primeval forests of my beloved Brazil‖ in The Auk, Volume 22. Disponível em: https://archive.org/details/jstor- 4070157. Acesso em: 08 Set. 2014. 24 Logo após a queda de Napoleão, Portugal e estreitaram novamente seus laços. Acatando um pedido do próprio Dom João VI, em 1816, chegou ao Brasil, vinda da França, uma missão artística comandada por Joachim Lebreton, com inúmeros artistas, dentre eles o pintor de cenas históricas Jean-Baptiste Debret, que vivem no Brasil por 15 anos. 25 Johann Moritz Rugendas, pintor alemão do século XIX, chegou ao Brasil em 1821, como desenhista da missão científica do barão de Langsdorff, retornando à Europa em 1826. 27 A pesquisadora Mary Louise Pratt destaca a influência de Humboldt sobre os viajantes e naturalistas do século XIX em Imperial eyes: travel writing and transculturation (1992). Pratt atribui à Humboldt a posição de responsável pela matriz ideológica da ―reinvenção‖ da América do Sul no início do século XIX. Se a primeira A ―invenção‖ das américas teria por responsabilidade Colombo e os viajantes contemporâneos ao explorador descreveriam as novas terras como edênicas, os contemporâneos à Humboldt o fariam da mesma forma, proclamando-a como ―um mundo primitivo da natureza, um espaço perdido no tempo e não reclamado, ocupado por plantas e criaturas (algumas delas humanas), mas não organizado por sociedades e economias‖ v (PRATT, 1992, p.126). | 26 longo dos milhares de quilômetros que separariam a costa do Brasil da sua residência na Inglaterra e, posteriormente, em posse de um de seus descendentes, aportaria em Johanesburgo, África do Sul, onde descansaria em anonimato durante mais de um século. Sabendo que as narrativas de viajantes configuram-se como importante fonte sobre a representação da configuração urbana dos núcleos antigos, construindo imagens sobre as cidades coloniais que influenciaram posteriores descrições, questiona-se: Como a paisagem urbana brasileira do século XIX foi representada na obra de William John Burchell? Ao adentrar no campo de estudo sobre os viajantes e seus relatos, o pesquisador invariavelmente enfrentará a problemática do pretenso caráter testemunhal e ocular de tais representações, afirmada pela historiografia relativa ao tema. A importância dos relatos dos viajantes como documento histórico não está na ―legitimidade‖ de suas descrições; adquirem sentido histórico pois se revelam como produto cultural de uma época, deixam entrever gostos, temores e preconceitos –individuais e coletivos– traduzidos em composições. Ademais, a relevância de seu estudo indica a importância de individualizar cada uma das produções integrantes desse conjunto imagético, lendo-as em separado e conscientes de que são portadoras de intenções e contextos distintos. Se os desenhos de Burchell supostamente perdem em repercussão, ganham na nova atitude perante a paisagem brasileira. Botânico por formação e viajante experiente das paisagens tropicais, Burchell faria poucas pranchas sobre esta temática. Embora sua coleta de espécies da flora brasileira tenha sido vultosa, em seus desenhos a vegetação foi representada em grandes e esboçados maciços, sem as distinções encontradas em quadros como os do também botânico Albert Eckhout. Se seriam posteriormente detalhadas em um futuro processo litográfico28ou em telas à óleo em seu retorno à Europa, esta discussão pouco influi no contexto deste trabalho, o que nos é imperativo na análise é a escolha do viajante em trabalhar os pormenores da cidade construída e não de seus arredores vegetais. Por que então debruçar-se no estudo de um viajante que não possui influência ativa na construção da imagem recorrente das cidades brasileiras? Ao desviarmos o olhar para a produção burchelliana nos permitimos vislumbrar um novo participante deste jogo de espelhos da 28 Litogravura: ―Inventada na Alemanha no final do século XVIII por Alois Senefelder, essa técnica de impressão utiliza a pedra como matriz e é baseada no princípio de repulsão entre gordura e água. O desenho é feito sobre uma pedra de composição calcária com tinta ou lápis litográficos, ambos gordurosos. Utiliza-se, então, uma solução de goma arábica acidulada para cobrir toda a superfície. As partes protegidas pela gordura ficam lisas, enquanto as partes expostas são atacadas pelo ácido e adquirem uma textura porosa. A matriz é limpa e levada à prensa litográfica, onde é umedecida e, com a ajuda de um rolo, é aplicada uma tinta gordurosa. As áreas porosas, que absorveram a água, repelem a tinta, que fica retida apenas sobre as áreas lisas da pedra, que definem a imagem a ser impressa‖. Cf : < http://www.ims.com.br/ims/explore/acervo/noticias/glossario-de-tecnicas-e-processos-graficos- e-fotograficos-do-seculo-xix > Acesso em: 20/10/2014. | 27 construção icônica das cidades brasileiras, sua obra é um exemplo do conjunto de imagens relativas à iconografia dos viajantes que permaneceu menos conhecida; por outro lado, o alcance de seu repertório não permeou e influenciou nosso imaginário de paisagem colonial ao longo da história, como fariam as aquarelas de Debret ou as pinturas à óleo de Taunay, que fundamentariam o imaginário sobre o Brasil, tanto na Europa como, consequentemente, rebatidos em nossa própria historiografia do tema. Por que então debruçar-se no estudo de um viajante que não possui influência ativa na construção da imagem recorrente das cidades brasileiras? Portanto, o objeto de estudo deste trabalho consiste na arquitetura da cidade brasileira do século XIX e o olhar de fora na formação pictórica do cenário urbano. Dentre os fatores que justificam esta pesquisa, lista-se primeiramente o vínculo da aluna como bolsista de Iniciação Científica no Grupo de Pesquisa História da Cidade, do Território e do Urbanismo (HCurb) desde 2010, tendo sua bolsa atrelada ao plano de trabalho Fontes primárias para analisar a matriz urbanística das representações sobre a cidade colonial no Brasil, plano delineado a partir das discussões suscitadas pela tese defendida pelo orientador da pesquisa Prof. Dr. George Alexandre Dantas A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil (2009). Ao longo da trajetória como bolsista, a discente teve a oportunidade de trabalhar com relatos de viajantes de natureza textuais e posteriormente iconográficos. O principal objetivo da pesquisa, por sua vez, é discutir a contribuição da produção iconográfica de William Burchell referente ao Brasil, contribuindo assim para a construção de uma visão mais complexa das paisagens urbanas brasileiras do Oitocentos. Nesse contexto, desdobram-se pelo menos três objetivos específicos: Analisar o uso de modelos de representação (esquema) sistematizando que elementos da realidade foram percebidos e fixados, auxiliadores na construção da imagem final da urbe brasileira na obra do artista; (ii) Discutir as influências de seus estudos e do espírito da época (Zeitgeist) na obra realizada pelo viajante; e, por fim, (iii) Identificar oposições e singularidades da produção iconográfica compulsada em relação ao seu próprio trabalho e ao corpus iconográfico conhecido de outros artistas, que permitam expandir a função referencial dessas imagens. A delimitação espacial da pesquisa compreende as cidades retratadas no percurso do viajante pelas províncias do Brasil. Iniciada no Rio de Janeiro, sua viagem percorreu as províncias de Minas, São Paulo Goiás e Grão-Pará. O recorte temporal compreende a estadia de Burchell em solo brasileiro, os anos entre 1825 e 183029. As hipóteses da pesquisa sugerem algumas diferenças entre as representaçõesda cidade 29 No apêndice B encontra-se o mapa referente ao trajeto de Burchell no Brasil. | 28 colonial das obras de Burchell em relação às realizadas por outros viajantes. Como pintor experiente de paisagens tropicais era esperado que Burchell conseguisse ―ler‖ de forma mais acurada a topografia, as cores da vegetação e a conformidade dos núcleos urbanos visitados, de certa forma tal expectativa é alcançada, entretanto o ―ineditismo‖ da paisagem brasileira não atendia aos valores estéticos da arte europeia a qual o botânico vinculava-se, apesar da crítica recair apenas na paisagem urbana. A sua apreensão das técnicas construtivas e seu apreço pelos detalhes das edificações e de seus mecanismos (a abertura do gelosia, a construção em pau-a- pique, os entalhes das cachorras) não implicam, necessariamente em uma representação livre de críticas. Se as cidades são repletas de detalhes (que significariam um apreço estético, embora exótico), a pátina da indolência e dos atrasos da sociedade os mancharia com os tons da lama, do lodo e da má conservação. A paisagem é comumente enaltecida, embora o elogio se encerre na natureza que enquadra o local. À medida que o viajante adentra a cidade e ultrapassa o primeiro vislumbre da composição entre o casario caiado em branco e a vegetação dos mais escuros matizes de verde, a ilusão edênica desvanece-se. A representação da cidade colonial em desalinho ―insalubre‖ e ―decadente‖ ocupou papel central nos discursos que caracterizariam os núcleos urbanos do Brasil ao longo de sua história cultural, gradativamente alimentado desde as primeiras descrições sobre a paisagem urbana brasileira ainda no século XVI até as primeiras reformas urbanas, em final do Oitocentos30. Dentre os vários documentos que foram produzidos sobre as cidades brasileiras, os relatos dos viajantes, de sobremodo os estrangeiros, foram os que tiveram maior poder de reverberação, utilizados para iluminar passagens de nossa história obscurecida pela escassez de documentos descritivos realizados quer seja pela Coroa, quer seja pelos residentes da Colônia. Para além do caráter testemunhal, essas vozes estrangeiras serviram ao propósito de legitimação de diversos discursos atrelados à leitura da urbe colonial sob o prisma do aparente ―desleixo‖ com que foram ―semeadas‖ ao longo do território brasileiro. Os capítulos se mostram tal como a cidade se deixa entrever ao viajante que, ao observa- la, busca enquadrar e esquadrinhar cada nível dessa aproximação. O primeiro capítulo corresponde à expectativa do início do percurso e sobre as notícias e relatos que chegam aos ouvidos e olhos antes de empreender viagem. Entretanto, tal como os viajantes, era necessário saber, de antemão, as ferramentas necessárias para a viagem. Desta forma, na tentativa de apresentar um breve panorama da representação dos núcleos urbanos brasileiros no Oitocentos, o primeiro capítulo se volta e lança olhares às representações 30 DANTAS, George A. F. A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil. 2009. 237p. Tese - Escola de Engenharia de São Carlos (EESC). São Carlos: Junho de 2009. | 29 dos séculos anteriores e as relacionam aos relatos do século estudado: existe uma matriz de signos relativos à paisagem brasileira repetidos ao longo dos séculos? Quais aspectos morfológicos da urbe seriam amplificados em suas descrições? Neste ponto da pesquisa as leituras e análises dos trabalhos de George Dantas (2009)Ana Maria Belluzzo (1994) e Pratt (1992) foram os fundamentos desta leitura. O uso da obra de arte como documento e repositório de representações sobre a cidade é uma opção enquanto metodologia de pesquisa histórica. Ao investigar de forma crítica e à luz da história cultural urbana o que as pátinas de tinta escondem, levando em consideração não apenas as impressões que estão mais nítidas, mas também o contexto no qual foi criada e lida, novas camadas de significação, ainda desconhecidas pelos pesquisadores que abordam o tema podem ser reveladas. O emprego de fontes alternativas ao documento textual foi tratado por vários autores, dentre os quais destacamos Carlo Ginzburg (1991)31 e Roger Chartier ( 1991)32. Estas leituras também serão válidas em relação à leitura das imagens, onde são levantadas questões e conceitos apresentados pelos autores supracitados, além de conceitos de Ernst Gombrich (2007)33. O segundo capítulo, apresenta a cidade vista de longe e por muitos olhares, participando do enquadramento como ornamento da paisagem, com peso representativo tal como as palmeiras34, a topografia recortada ou os rios. Assim como o artista nas proximidades da área urbana, esquadrinhando seus modos de ocupação, sua relação entre cheios e vazios, o capítulo nos apresenta a visão de alguns viajantes, sobremodo Burchell, sobre a cidade como elemento único. As leituras das obras de Gilberto Ferrez (1966, 1981)35, Anna Maria Belluzzo (1994)36, George Dantas (2009)37 e Valeria Salgueiro Souza (1995)38 foram fundamentais para o seu 31 GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais: morfologia e história. Tradução de Federico Carotti; São Paulo: Companhia das Letras, 1991. 32 CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. 245p. 33 GOMBRICH, E.H. Arte e ilusão. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 34 Neste trabalho, todas as representações de espécies da família Arecaceae serão tratadas pelo nome genérico de ―palmeira‖ ou ―coqueiro‖. 35 FERREZ, Gilberto. O mais belo panorama do Rio de Janeiro: (1825) / William John Burchell ; texto de Gilberto Ferrez. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1966; ________ O Brasil do Primeiro Reinado visto pelo botânico Willian John Burchell, 1825-1829, Fundação Moreira Salles, 1981. 36 BELLUZZO, Ana. Maria. De Morais. O Brasil dos Viajantes. São Paulo: Metal Livros/ Rio de Janeiro:Objetiva, 1999. 37 DANTAS, 2009, op., cit. | 30 embasamento. Para uma melhor compreensão deste universo de representações da paisagem, utilizou-se a divisão proposta por Souza (1995) em sua tese: Gosto, sensibilidade e objetividade na representação da paisagem urbana nos álbuns ilustrados pelos viajantes europeus: Buenos Aires, Rio de Janeiro e México (1820-1852), no qual se divide em duas classificações: panoramas e vedutas. O enquadramento a partir da rua ou do próprio viajante no interior da casa, se não participando ativamente das manifestações sociais citadinas, pelo menos observando-a é o tema do terceiro capítulo, no qual apresenta-se as representações das construções brasileiras oitocentistas e de seus detalhes, com enfoque na arquitetura doméstica. Por fim, as considerações finais desta monografia destacam as discussões sobre a cidade brasileira do século XIX ainda de fortes traços coloniais na visão de William Burchell e os seus desdobramentos. 38 SOUZA, Valéria Salgueiro de. Gosto, sensibilidade e objetividade na representação da paisagem urbana nos álbuns ilustrados pelos viajantes europeus: Buenos Aires, Rio de Janeiro e México (1820-1852). 1995. 392 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. | 31 AS PÁTINAS QUE COMPÕEM A IMAGEM: OS VIAJANTES ADENTRAM OS TRÓPICOS As pátinas que compõem CAPÍTULO 1 Os viajantes adentram os trópicAnexosos.
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