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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS CURSO DE BIOMEDICINA ESPECTROSCOPIA NO INFRAVERMELHO PRÓXIMO EM PLASMA SANGUÍNEO COM ANÁLISE QUIMIOMÉTRICA PARA CLASSIFICAÇÃO DE HIV NA GESTAÇÃO ANA FLÁVIA SOUZA PÉRES NATAL - RN, 2020 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS CURSO DE BIOMEDICINA ESPECTROSCOPIA NO INFRAVERMELHO PRÓXIMO EM PLASMA SANGUÍNEO COM ANÁLISE QUIMIOMÉTRICA PARA CLASSIFICAÇÃO DE HIV NA GESTAÇÃO ANA FLÁVIA SOUZA PÉRES Monografia Apresentada à Coordenação do Curso de Biomedicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como Requisito Parcial à Obtenção do Título de Bacharel em Biomedicina. Orientador(a): Prof. PhD Janaína Cristiana de Oliveira Crispim Freitas NATAL - RN Julho, 2020 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS CURSO DE BIOMEDICINA A Monografia ESPECTROSCOPIA NO INFRAVERMELHO PRÓXIMO EM PLASMA SANGUÍNEO COM ANÁLISE QUIMIOMÉTRICA PARA CLASSIFICAÇÃO DE HIV NA GESTAÇÃO, elaborada por ANA FLÁVIA SOUZA PÉRES e aprovada por todos os membros da Banca examinadora foi aceita pelo Curso de Biomedicina e homologada pelos membros da banca, como requisito parcial à obtenção do título de BACHAREL EM BIOMEDICINA Natal, 24 de Julho de 2020 BANCA EXAMINADORA _________________________________________ Janaína Cristiana de Oliveira Crispim Freitas (DACT/UFRN) _________________________________________ Paula Renata Lima Machado (DACT/UFRN) _________________________________________ Marise Reis de Freitas (DINFEC/UFRN) Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Leopoldo Nelson - -Centro de Biociências - CB Peres, Ana Flavia Souza. Espectroscopia no infravermelho próximo em plasma sanguíneo com análise quimiométrica para classificação de HIV na gestação / Ana Flavia Souza Peres. - Natal, 2020. 56 f.: il. Monografia (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Biociências. Curso de Biomedicina. Orientadora: Profa. Dra. Janaína Cristiana de Oliveira Crispim Freitas. 1. HIV - Monografia. 2. Transmissão vertical - Monografia. 3. Infravermelho próximo - Monografia. 4. Espectroscopia - Monografia. I. Freitas, Janaína Cristiana de Oliveira Crispim. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/BSCB CDU 616.98:578.828 Elaborado por KATIA REJANE DA SILVA - CRB-15/351 1 Agradecimentos O desenvolvimento deste trabalho de conclusão de curso contou com a ajuda de diversas pessoas, dentre as quais agradeço: À minha professora orientadora, Janaína, quem me acompanhou pontualmente, dando o auxílio necessário para a elaboração do projeto; Ao professor Kássio, responsável pela parceria com o Instituto de Química para o desenvolvimento do trabalho; Aos co-autores do artigo pelas suas contribuições, em especial, a Daniel, Lidiane e João, por sempre me ajudarem na parte mais complexa do trabalho que envolve os conhecimentos quimiométricos, os quais não fizeram parte da minha formação acadêmica; Aos professores do curso de biomedicina da UFRN pelos anos de ensinamento que me permitiram chegar até aqui; À minha família, principalmente meus pais e minha irmã, pelo incentivo e apoio prestado durante todo o meu curso; Aos meus amigos, pelo apoio e motivação em todos os momentos de elaboração do projeto e ajuda no que podiam, em especial ao meu amigo Pedro Fraiman pela ajuda na busca por uma revista e dicas para publicação; Ao meu namorado, Rafael, pelo apoio e incentivo constante, bem como pela grande ajuda na formatação do trabalho; À Deus por ter me dado saúde, principalmente nesse período de pandemia, e força para enfrentar as dificuldades; E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito obrigada. 2 SUMÁRIO RESUMO ........................................................................................................................ 3 ABSTRACT ...................................................................................................................... 4 LISTA DE FIGURAS .......................................................................................................... 5 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .................................................................................. 6 1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................................. 9 1.1 O HIV ...............................................................................................................................9 1.1.1 Histórico e Epidemiologia ........................................................................................9 1.1.2 – Biologia .............................................................................................................. 10 1.1.3 – Ciclo Replicativo e Variabilidade Genética ........................................................ 12 1.1.4 – Fisiopatologia .................................................................................................... 14 1.2 TRANSMISSÃO VERTICAL ............................................................................................. 16 1.3 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA INFECÇÃO PELO HIV .............................................. 19 1.4 ESPECTROSCOPIA DE INFRAVERMELHO PRÓXIMO (NIRS) ........................................... 26 2 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 28 3 NORMAS DO PERIÓDICO/REVISTA ............................................................................. 34 4 ARTIGO ..................................................................................................................... 35 3 Peres, A.F.S. Espectroscopia no infravermelho próximo em plasma sanguíneo com análise quimiométrica para classificação de HIV na gestação. 2020. 55 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Biomedicina) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, 2020. Resumo A pandemia da AIDS iniciou-se nos anos 80 e nos dias atuais atinge quase 38 milhões de pessoas, sendo mais de 18 milhões mulheres. Com isso, surge um novo desafio: o controle da transmissão vertical (TV) do HIV. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), haviam cerca em 1,3 milhões de mulheres grávidas convivendo com HIV em 2018. A taxa de TV em pacientes cujo diagnóstico é tardio e não há tempo hábil para um tratamento e profilaxia corretos varia de 15 a 45%, contudo, essa taxa cai para menos de 5% em pacientes com diagnóstico e tratamento precoces. Sabe-se que no Brasil, uma larga parcela da população feminina gestante não realiza o pré-natal adequado. Assim, muitas mulheres acabam descobrindo a infecção pelo HIV apenas na hora do parto, o que dificulta a adoção de medidas para a prevenção da TV. O diagnóstico para o HIV pode ser realizado de inúmeras formas, devido à grande disponibilidade de técnicas disponíveis no mercado, contudo, apesar de seus aceitáveis níveis de sensibilidade e especificidade, tais testes costumam ter um custo elevado e requerem mão de obra qualificada para seu desenvolvimento e aplicação. Assim, novas metodologias baseadas nas técnicas espectroscópicas tem sido amplamente utilizadas na classificação de amostras biológicas. A espectroscopia de infravermelho próximo (NIR) é uma técnica simples e de baixo custo capaz de gerar espectros de absorção em uma determinada faixa de frequência da radiação, conhecida por janela biológica, a partir da qual é possível diferenciar grupos de amostras com o auxílio de algoritmos quimiométricos. O objetivo do presente trabalho é, portanto, diferenciar os grupos de gestantes na presença e ausência do HIV no plasma para avaliar se o método é eficaz e promissor para se tornar uma nova forma ferramenta para o diagnóstico do HIV. Palavras-chave: HIV, transmissão vertical, infravermelho próximo, espectroscopia. 4 Peres, A.F.S. Near-infrared spectroscopy of blood plasma with chemometric classifier analysis towards HIV discrimination during pregnancy. 2020. 55 p. Conclusion work project (Graduate in Biomedicine) - Federal University of Rio Grande do Norte, Natal-RN, 2020. Abstract The AIDS pandemic started during the 80s and nowadays it afflicts almost 38 million people, with more than 18 million being women. Thereby, a new challenge comes up: the control of vertical transmission (VT) of HIV. According to WHO (World Health Organization), there were 1.3 million pregnant women living with HIV in 2018. The VT rate in patients whose diagnosis are late and there is no able time to perform treatment and prophylaxis varies from 15 to 45%, yet, this rate falls to less than 5% if the patient have an early diagnosis and treatment. It is known that in Brazil, a large portion of the women population does not have the appropriate pre natal care. Thus, many women only finds out the HIV infection during birth time, which makes it difficult to adopt preventive measures. The HIV diagnosis can be done by innumerous ways because of the large number of techniques available in the market, although, despite their acceptable levels of sensibility and specificity, those tests usually have high costs and require skilled labor. Thereby, new methodologies based on spectroscopic techniques have been widely applied for classification of biological samples. The near-infrared (NIR) spectroscopy is a simple and low cost technique able to generate absorption spectra from a determined radiation frequency range known as biological window, from which it is possible to differentiate groups of samples with the help of chemometric algorithms. The objective of this present work is to differentiate the groups of pregnant women in the presence and absence of HIV virus in plasma for the evaluation of the method, whether it is effective and promising to become a new tool for the performance of HIV diagnosis. Keywords: HIV, vertical transmission, near-infrared, spectroscopy. 5 Lista de Figuras Figura 1 - Estrutura do HIV........................................................................................ 11 Figura 2 - Genoma do HIV ........................................................................................ 12 Figura 3 - Ciclo replicativo do HIV ............................................................................. 14 Figura 4 - Sumário da epidemia global de HIV 2018 ................................................. 17 Figura 5 - Cenário nacional da infecção por HIV ....................................................... 18 Figura 6 - Marcadores da infecção pelo HIV na corrente sanguínea de acordo com o período após a infecção, seu desparecimento ou manutenção ao longo do tempo .. 19 Figura 7 - Tipos de ELISA ......................................................................................... 20 Figura 8 - Evolução do ELISA ................................................................................... 21 Figura 9 - Tipos de teste rápido ................................................................................. 22 Figura 10 - Funcionamento do teste rápido de fluxo lateral ...................................... 22 Figura 11 - Western Blot............................................................................................ 23 Figura 12 - PCR (reação de cadeia da polimerase) .................................................. 25 Figura 13 - Estágios da infecção recente pelo HIV ................................................... 26 Figura 14 - Espectro Eletromagnético ....................................................................... 27 Figura 15 - Regiões do Infravermelho ....................................................................... 27 6 Lista de abreviaturas e siglas AC Acurácia Ac Anticorpo Ag Antígeno AIDS Síndrome da Imunodeficiência Humana CDC Centro de Controle e Prevenção de Doenças cDNA DNA complementar DNA Ácido Desoxirribonucleico EDTA Ácido Etilenodiamino Tetra-Acético ELISA Ensaio de Imunoabsorção ligado à Enzima Env Envelope FIR Infravermelho Distante FN Falso Negativo FP Falso Positivo GA Algoritmo Genético HIV Vírus da Imunodeficiência Humana HTLV-III Vírus Linfotrópico da Célula Humana III IE Imunoensaio IFA Ensaio de Imunofluorescência IgG Imunoglobulina G IgM Imunoglobulina M IR Infravermelho IST Infecção Sexualmente Transmissível 7 KS Algoritmo de Kennard-Stone LAV Vírus Associado à Linfadenopatia LDA Análise Discriminante Linear MIR Infravermelho Médio mRNA RNA mensageiro NAAT Teste de Amplificação de Ácidos Nucleicos Nef Fator negativo NIR Infravermelho Próximo NIRS Espectroscopia de Infravermelho Próximo OR Razão de Possibilidades PCA Análise de Componente Principal PCR Reação em Cadeia da Polimerase Pol Polimerase QDA Análise Discriminante Quadrática Rev Regulador da Transcrição Viral RNA Ácido Ribonucleico RNM Ressonância Nuclear Magnética SD Desvio-padrão SENS Sensibilidade SG Suavização de Savitzky-Golay SIV cpzPtt Vírus da Imunodeficiência Simiesca SPA Algoritmo de Projeção Sucessiva SPEC Especificidade Tat Transativador Transcricional TI Intervalo de Confiança TN Negativo Verdadeiro TP Positivo Verdadeiro 8 TR Teste Rápido TV Transmissão Vertical UNAIDS Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS Vif Fator de Infectividade Viral Vpr Proteína Viral R Vpu Proteína Viral U WB Western Blot WHO Organização Mundial da Saúde 9 1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 1.1 O HIV 1.1.1 Histórico e Epidemiologia O HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) foi primeiramente identificado nos primeiros anos da década de 80, mas acredita-se que ele espalhou-se pela África desde 1920, tendo sido originado do vírus SIV cpzPtt (Vírus da Imunodeficiência Simiesca de Chimpanzés da espécie Pan troglodytes troglodytes) típico de chimpanzés africanos e que ao infectar um humano, sofreu adaptação para a forma atualmente conhecida como HIV-1 (SHARP; HAHN, 2011). O número de casos reportados tornou-se significativo em meados de 1980 e rapidamente espalhou-se por 5 continentes, caracterizando uma pandemia. Ao fim de 1981 quase 300 casos de imunodeficiência grave foram reportados entre homens que se relacionam com homens, assim, a síndrome ficou inicialmente conhecida como imunodeficiência relacionada aos homossexuais. Porém, com o passar dos meses, populações heterossexuais começaram a apresentar a doença, e foi então que o CDC (Centers for Disease Control and Prevention) escolheu o termo que se usa até hoje para a doença: AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) (CDC, 1982). O vírus foi isolado primeiramente por pesquisadores franceses em 1983 e chamado de vírus associado à linfadenopatia (LAV), o qual poderia ser a causa da AIDS (BARRÉ-SINOUSSI et al., 1983). No ano seguinte, os Estados Unidos isolaram um retrovírus que foi chamado de vírus linfotrópico de células T humanas III (HTLV- III), que também seria a causa da doença em questão. Foi então que o genoma dos dois foi comparado e evidenciado que se tratava do mesmo vírus e confirmado que eram os causadores da imunodeficiência que vinha acometendo um grande números de pacientes (GROOPMAN, 1984). O primeiro teste para detecção do vírus no sangue foi desenvolvido e aprovado para comercialização em 1985, o ensaio imunoenzimático ELISA, que detecta anticorpos contra o vírus (ROBERTS, 1984). Em 1987, a Organização Mundial da Saúde lançou o Programa Global da AIDS para a conscientização sobre a infecção, bem como para o incentivo a pesquisas e promoção de suporte financeiro para os países. Assim, inúmeras organizações 10 internacionais e locais foram criadas com o objetivo de combater à transmissão e aumentar o número de pessoas diagnosticadas e tratadas ao redor do mundo, visando a diminuição da mortalidade relacionada à síndrome (CDC, 2012). Ao fim da década de 90, a Organização Mundial da Saúde (WHO) anunciou que a AIDS era a quarta maior causa de morte do mundo, sendo a primeira na África. 33 milhões de pessoas convivendo com o HIV foram estimadas e aproximadamente 14 milhões já haviam morrido da doença (WHO, 1999). As formas de transmissão foram identificadas como via sexual, compartilhamento de agulhas e seringas de usuários de drogas injetáveis, transfusão sanguínea e de mãe para filho durante a gestação, parto e/ou amamentação. Tratamentos e métodos de diagnóstico foram desenvolvidos desde o início da pandemia e o passar dos anos trouxe cada vez mais informações sobre o vírus e o aperfeiçoamento para as técnicas já existentes. Os protocolos de tratamento disponíveis até os dias atuais não trazem a cura total da infecção por não serem capazes de eliminar completamente o vírus do organismo humano, entretanto foi comprovado que o risco de transmissão por pessoas em tratamento diminui consideravelmente (HOSSEINIPOUR et al., 2011), bem como retarda a progressão da infecção para a doença propriamente dita. Em 2014, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) lançou os objetivos 90-90-90, visando que até 2020 90% das pessoas que convivem com o HIV estivessem diagnosticadas, 90% dos pacientes diagnosticados tivessem acesso ao tratamento antirretroviral e 90% dos indivíduos em tratamento estivessem com supressão viral alcançada (UNAIDS, 2014). Dados de 2018 mostram que há 37,9 milhões de pessoas convivendo com HIV e 62% destas estão em tratamento com antirretrovirais para supressão viral e controle da progressão da infecção em AIDS. Do total de infectados quase 19 milhões são mulheres e 1,7 milhões crianças (UNAIDS, 2019). 1.1.2 – Biologia O HIV é um vírus pertencente à família Retroviridae, subfamília Orthoretrovirinae e do gênero Lentivirus, sendo, portanto, classificado como um 11 retrovírus. Seu material genético é composto por RNA viral, o qual caracteriza-se por ser uma molécula de fita simples e senso positivo e sua replicação ocorre através da transcrição reversa, na qual uma molécula de DNA de fita dupla é originada pela ação da enzima transcriptase reversa, e posteriormente integrada ao DNA do hospedeiro (GOTO; NAKAI; IKUTA, 1998). O vírus caracteriza-se morfologicamente por ser uma partícula icosaédrica (Figura 1 - Estrutura do HIV) constituída por um envelope formado de uma bicamada fosfolipídica originado da membrana celular da célula infectada anteriormente, e uma proteína complexa contendo glicoproteínas expostas à camada externa do envelope (gp41 e gp120). Internamente há a proteína p17 (matriz), a qual envolve o capsídeo viral formado pelo antígeno p24. Dentro do capsídeo encontram-se os dois filamentos simples de RNA, proteína do nucleocapsídeo (p7) e as três enzimas essenciais: p51 (transcriptase reversa), p11 (protease) e p31 (integrase) (FUSUMA, 2009). Figura 1 - Estrutura do HIV Fonte: acervo do autor (2020) 12 O RNA do HIV é composto por aproximadamente 10Kb de comprimento e codifica 16 proteínas (Figura 2). O genoma consiste em três principais regiões gênicas: gag, responsável por codificar proteínas estruturais internas (p17, p24, p7 e p6), região pol codificando a protease (p11), transcriptase reversa (p66/p51) e a integrase (p31), e região env, a qual codifica as proteínas do envoltório (gp120 e gp41). Seu genoma codifica ainda duas proteínas regulatórias – transativador transcripcional (Tat) e regulador da transcrição do gene viral (Rev) – e quatro proteínas acessórias – fator negativo (Nef), fator de infectividade viral (Vif) e proteínas virais R e U (Vpr e Vpu) (FUSUMA, 2009). Figura 2 - Genoma do HIV Fonte: (WERSOM et al., 2013) 1.1.3 – Ciclo Replicativo e Variabilidade Genética Para que o vírus consiga integrar o seu material genético ao do hospedeiro, uma série de eventos moleculares deve ocorrer, iniciando com sua ligação a um receptor primário para entrar na célula. Esse receptor é a molécula de CD4, expressa na superfície da membrana de linfócitos T, monócitos, macrófagos e células dendríticas, a qual interage com as glicoproteínas presentes na superfície da partícula viral (gp120 e gp41). Além do receptor primário, o HIV necessita da ação de correceptores para efetivamente adentrarem o citoplasma celular, são eles o CCR5 e CXCR4, receptores celulares de quimiocinas. O sucesso da interação entre tais moléculas acarreta na fusão entre o envelope viral e a membrana plasmática e 13 consequente entrada do nucleocapsídeo no citoplasma da célula infectada (KLASSE, 2012). Com o nucleocapsídeo internalizado, as proteínas virais iniciam as sinalizações para que a transcrição reversa aconteça. Alterações conformacionais promovem a desmontagem do nucleocapsídeo para que a molécula de RNA e as enzimas essenciais sejam liberadas no citoplasma. Por ação da transcriptase reversa, a molécula de RNA é transcrita em uma molécula de cDNA viral, a qual, por ação da integrase, será transportada para dentro do núcleo celular e integrada ao genoma do hospedeiro. O processo de transcrição do DNA integrado é então mediado por enzimas da célula hospedeira, que o transcrevem em mRNA. O mRNA é exportado para o citoplasma, onde será traduzido originando as novas proteínas virais que irão compor os novos vírions (DEEKS et al., 2015). As novas partículas virais iniciam sua montagem com a inserção das glicoproteínas virais na membrana da célula infectada enquanto que as proteínas do gene gag (estruturais) se ligam aos RNAs virais e outras proteínas para o fechamento total do nucleocapsídeo. Assim, a partícula viral recém-formada é totalmente envolvida por uma parte de membrana plasmática da célula hospedeira repleta de glicoproteínas virais, e então se desliga da superfície celular por um mecanismo de exocitose. A nova partícula viral está, então, livre para infectar novas células (DEEKS et al., 2015) (Figura 3). Seu principal alvo são os linfócitos TCD4+, porém outras células que expressam a molécula CD4 também são potenciais alvos de infecção. A presença do vírus no organismo está intimamente relacionada à depleção dos linfócitos TCD4+ e à disfunção imunológica que ocorre durante a infecção (GOTO; NAKAI; IKUTA, 1998) 14 Figura 3 - Ciclo replicativo do HIV Fonte: Adaptado de (DEEKS et al., 2015) Um dos motivos pelo qual o sistema imunológico humano não consegue erradicar a infecção pelo HIV como acontece com outras infecções virais é a sua grande variabilidade genética. Ela é decorrente principalmente do alto índice de erros naturais cometidos pela enzima transcriptase reversa. Tais erros originam variantes do vírus muito relacionados entre si, porém geneticamente diferentes. Além dos erros da transcriptase reversa, mutações pontuais, eventos de inserção de sequências, deleções e recombinações também ocorrem, porém com uma menor frequência (GIGANTESCO; GIULIANI, 2010). Todas as variações que ocorrem diariamente no genoma do HIV podem ter efeito deletério ou vantajoso, a depender da alteração ocasionada na proteína resultante; entretanto tal diversidade é considerada a característica de maior importância para o sucesso da infecção viral, tornando o vírus capaz de escapar do sistema imunológico bem como gerar resistência aos antirretrovirais (FUSUMA, 2009). 1.1.4 – Fisiopatologia A infecção pelo HIV é caracterizada por um quadro de queda progressiva na contagem de linfócitos T CD4+, conhecidos com linfócitos T helper (Th). Tais células estão envolvidas na imunidade mediada por células e, em menor grau, na imunidade humoral, uma vez que são responsáveis por auxiliar outros linfócitos a se diferenciarem para combater um antígeno presente no organismo (DEEKS et al., 2015). 15 A queda na contagem de linfócitos T CD4+ no organismo pode ser resultado dos efeitos citotóxicos diretos da replicação do HIV, da citotoxicidade mediada por células e/ou pela disfunção tímica, que prejudica a produção de linfócitos. A perda dessas células gera um quadro caracterizado pelo aparecimento de infecções e neoplasias oportunistas até que o paciente chega a um estado de profunda imunodeficiência (EICHNER; CALABRESE, 1994). O primeiro contato do vírus com o hospedeiro pode se dar através de mucosas ou diretamente na corrente sanguínea. Em ambos os casos, o HIV vai em busca dos linfócitos Th, porém caso o contato inicial tenha sido pela mucosa, o vírus pega “carona” com as células dendríticas para atravessar o epitélio e penetrar na lâmina própria, onde encontram-se linfócitos dispersos pelo interstício; já quando a inoculação é direta na corrente sanguínea, os vírions são levados inicialmente ao baço, onde encontram seus alvos. Os linfócitos encontrados podem estar em repouso, parcialmente ativados ou ativados. Os primeiros alvos do HIV são as células ativadas, nas quais ocorrerem os primeiros ciclos de replicação viral (GIGANTESCO; GIULIANI, 2010). Dessa forma, os primeiros vírions formados são drenados para os linfonodos mais próximos, onde vão encontrar um enorme número de alvos susceptíveis, ou seja, linfócitos Th ativados, e então a replicação torna-se exponencial e o número de cópias virais que invadem a corrente sanguínea chega aos bilhões em poucas semanas (GIGANTESCO; GIULIANI, 2010). Para se defender, o organismo elabora uma forte resposta imune adaptativa para o combate ao HIV, no entanto, essa resposta só consegue atingir um controle parcial da infecção. O organismo então estabelece um estado de equilíbrio com o vírus, conhecido como set point da carga viral, que costuma ser alcançado após cerca de seis meses a um ano da infecção primária. A partir desse momento, alguns indivíduos evoluem em pouco tempo para a fase sintomática (AIDS), enquanto outros levam anos ou nem atingem esse estágio. A média que se tem observado ao longo dos anos é que entre a infecção primária e o desenvolvimento da AIDS passam-se cerca dez anos (GIGANTESCO; GIULIANI, 2010). Devido a sua variabilidade genética, o vírus consegue escapar da imunoeliminação e a replicação viral persiste mesmo após o estabelecimento de uma 16 resposta imune adaptativa. Essa característica classifica a infecção como crônica ainda que o indivíduo continue assintomático, esse estágio é conhecido como latência clínica, ou seja, o paciente ainda possui níveis de CD4+ suficientes para manter sua competência imunológica (GIGANTESCO; GIULIANI, 2010). Após o período de latência clínica, caso o paciente não entre em tratamento, a tendência é que a doença avance e a contagem de linfócitos Th caia cada vez mais até chegar a <350 céls/microlitro de sangue. Nesse estágio, o organismo não consegue mais manter sua competência imunológica e infecções e neoplasias oportunistas começam a surgir (GIGANTESCO; GIULIANI, 2010). Além da implementação gradativa do estado de imunodeficiência, a presença do HIV no organismo consegue incitar uma ativação aberrante do sistema imunoinflamatório, ou seja, quanto mais ele se replica, mais células do sistema imune são ativadas, e junto com essa ativação citocinas pró-inflamatórias são liberadas auxiliando a ativar ainda mais células. Esse processo, além de facilitar a replicação viral, ocasiona também um estado de exaustão celular, prejudicando sua função, bem como acarreta lesões orgânicas associadas ao estado inflamatório crônico (GIGANTESCO; GIULIANI, 2010). 1.2 TRANSMISSÃO VERTICAL A transmissão vertical (TV) é aquela em que uma mulher transmite o vírus para o seu filho durante a gestação, na hora do parto e/ou na amamentação. Em 2018, foram estimadas 1,3 milhões de mulheres grávidas convivendo com HIV, segundo a Organização Mundial da Saúde, ou seja, mulheres vulneráveis a transmitir o patógeno para seus filhos (WHO, 2018). Assim, sem um diagnóstico e tratamento adequados, 15 a 45% destas irão transmitir o HIV para seus filhos (WHO, [s.d.]). Na Figura 4 está demonstrado o cenário global da epidemia. 17 Figura 4 - Sumário da epidemia global de HIV 2018 Fonte: Adaptado de (WHO, 2018) A via da TV baseia-se na capacidade que o vírus tem de atravessar a placenta para infectar o bebê ou no momento o parto, no qual o bebê tem contato com sangue e outros fluidos biológicos da mãe, podendo se infectar dessa forma. Há ainda a via da amamentação, uma vez que o HIV também é encontrado na composição do leite de pacientes infectadas (DA ROSA et al., 2015). Segundo o Ministério da Saúde do Brasil, no período de 2000 à Junho de 2019, foram notificadas 125.144 gestantes infectadas com HIV, sendo 8.621 apenas em 2018, e uma taxa de TV de 2,9/1.000 nascidos vivos (2019). No estado do Rio Grande do Norte, a taxa de detecção da AIDS aumentou 81,7% entre 2008 e 2018, e a taxa de transmissão vertical em 2018 era de 2,4/1.000 nascidos vivos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2019). A Figura 5 traz um pouco do cenário da epidemia no Brasil. 18 Figura 5 - Cenário nacional da infecção por HIV Fonte: (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE., 2018) O risco da transmissão vertical pode ser reduzido através do diagnóstico precoce e do tratamento com antirretrovirais capazes de reduzir a carga viral no organismo humano e retardar a progressão da doença. A recomendação do Ministério da Saúde de “tratamento para todos” implementada em 2013 foi uma medida eficaz para a diminuição da taxa de detecção da Aids (2019). Entretanto, sabe-se que apenas cerca 60% das gestantes realizam mais de seis consultas do pré-natal e 62,5% aproximadamente chegam a executar os exames complementares solicitados, como o teste para diagnóstico de HIV (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE., 2004). Um estudo sobre a qualidade da atenção pré-natal no Brasil revelou que apenas 15% das gestantes receberam atendimento com qualidade adequada e que a pior atenção pré-natal está relacionada às mulheres mais jovens, com menor renda familiar e em municípios de menor porte (TOMASI et al., 2017). Esse mesmo estudo traz ainda informações relevantes a respeito da realização de exames complementares, concluindo que apenas as gestantes de maior idade e 19 maior renda familiar chegam a cumprir todas as solicitações médicas (TOMASI et al., 2017). Dessa forma, percebe-se que, no Brasil, o principal fator que dificulta a diminuição da taxa de TV é o diagnóstico tardio, uma vez que uma parcela considerável das gestantes só descobre ser portadora do vírus no momento do parto, quando não há mais tempo hábil para a adoção de certas medidas que visam a prevenção da TV. 1.3 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA INFECÇÃO PELO HIV Ao longo dos anos, muitos testes foram desenvolvidos para a detecção do HIV, os quais se diferenciam, majoritariamente, pelo momento em que devem ser aplicados e o espécime a ser analisado (Figura 6). Para o desenvolvimento de tais metodologias foi importante entender o mecanismo de resposta imunológica que o organismo humano gera a partir de um primeiro contato/infecção pelo vírus (HURT et al., 2018; WERSOM et al., 2013). Figura 6 - Marcadores da infecção pelo HIV na corrente sanguínea de acordo com o período após a infecção, seu desparecimento ou manutenção ao longo do tempo Fonte: (WERSOM et al., 2013) Os testes atualmente utilizados para a detecção do vírus são divididos em testes de triagem e testes complementares. Dentre os testes de triagem, podemos citar os imunoensaios (IE), ELISA e Testes Rápidos (Imunocromatografia), os quais se caracterizam pela alta sensibilidade; já os testes complementares, como o Western 20 Blot, ImunoBlot e ImunoBlot Rápido, se caracterizam pela alta especificidade. Além destes, há ainda a detecção viral por amplificação de ácidos núcleicos (NAAT), a qual possui alta sensibilidade e alta especificidade (WERSOM et al., 2013). O primeiro teste a ser desenvolvido foi o ELISA, em 1985, e detectava anticorpos anti-HIV. Este ainda é considerado referência nos dias atuais, porém passou por diversas reformulações ao longo dos anos, melhorando sua sensibilidade e especificidade, bem como identificando não só anticorpos específicos como também antígenos virais (ALEXANDER, 2016). O ELISA tem como princípio a imunoabsorção enzimática, ou seja, utiliza a detecção mediada por anticorpos ligados a complexos enzima-substrato que produzem mudanças de coloração durante a reação (SHAH; MAGHSOUDLOU, 2016). Existem quatro metodologias de realização do ELISA (Figura 7), sendo elas: ELISA direto (Figura 7A), ELISA indireto (Figura 7B), ELISA sanduíche (Figura 7C) e ELISA competitivo (Figura 7D). Cada um deles possui suas vantagens e desvantagens e diferenciam-se de acordo com a forma em que o antígeno ou anticorpo será imobilizado e detectado. Figura 7 - Tipos de ELISA (A – ELISA direto; B – ELISA indireto; C – ELISA sanduíche; D – ELISA competitivo) Fonte: adaptado de (SHAH; MAGHSOUDLOU, 2016) Além das diferentes metodologias desenvolvidas, importantes reformulações relacionadas ao tempo de detecção, especificidade e sensibilidade, entre outros fatores foram feitas e estão esquematizadas na Figura 8 abaixo. 21 Figura 8 - Evolução do ELISA Fonte: adaptado de (ALEXANDER, 2016) Os testes rápidos (TR) são os testes mais amplamente utilizados nas unidades de saúde devido a sua praticidade, podendo ser aplicado em ambientes laboratoriais e não laboratoriais, o que amplia o acesso ao diagnóstico. Além da praticidade, os TR revelam um resultado em até 30 minutos. Eles são classificados como imunoensaios de triagem, porém possuem uma metodologia diferente do ELISA. Seu funcionamento baseia-se na tecnologia de imunocromatografia (Figura 9), a qual pode ser de fluxo lateral (mais comum) (Figura 10), dupla migração, dispositivos de imunoconcentração ou fase sólida (TELELAB, [s.d.]; WERSOM et al., 2013). 22 Figura 9 - Tipos de teste rápido Fonte: (WERSOM et al., 2013) Figura 10 - Funcionamento do teste rápido de fluxo lateral Fonte: adaptado de (HURT et al., 2018) Os IEs normalmente detectam a presença dos anticorpos anti-HIV na amostra do paciente, entretanto, em casos de suspeita de infecção recente, devido a janela imunológica, também é possível realizar a detecção do antígeno p24 através do ELISA e TR. Apesar dos imunoensaios serem sensíveis e específicos, podem acontecer resultados falso-positivos, dessa forma, os testes complementares foram desenvolvidos com o objetivo de aumentar a especificidade dos diagnósticos. Entretanto, devido ao seu elevado custo e interpretação subjetiva e complexa, eles são menos empregados do que os IEs (WERSOM et al., 2013). Dentre eles está o Western Blot (WB), também chamado de Imunoblot. 23 A técnica de WB tem por objetivo identificar, quantificar e determinar o tamanho de proteínas específicas (Figura 11). Ele utiliza tiras de membrana com proteínas nativas do HIV ou recombinantes impregnadas e que foram separadas por eletroforese de acordo com seu tamanho. Quando as tiras são incubadas com a amostra do paciente, os anticorpos anti-HIV presentes no soro ou plasma se ligarão às proteínas e detectados posteriormente por anticorpos secundários conjugados a complexos enzima-substrato que geram cor com a reação positiva (JENSEN, 2012; WERSOM et al., 2013). Figura 11 - Western Blot 24 Fonte: (WERSOM et al., 2013) Além das técnicas de detecção sorológica da presença do vírus no organismo, é possível fazer a detecção direta através da técnica de amplificação de ácidos nucléicos (NAATs), ou seja, identificação do material genético do vírus na amostra do paciente. O método mais conhecido de NAAT é o PCR (reação de cadeia da polimerase) (BRUNSTEIN, 2016), o qual possui altíssimas sensibilidade e especificidade, entretanto, possui elevado custo e necessita mão de obra qualificada para sua execução, assim como o WB. O PCR é um método amplamente utilizado por ser útil em inúmeras ocasiões, desde detecção de material genético para diagnóstico à ciência forense, entre outros. Ele baseia-se na amplificação de um fragmento de DNA ou RNA a partir da hibridização do primer à fita do material genético e posterior identificação através de 25 uma eletroforese (BRUNSTEIN, 2016). A Figura 12 abaixo exemplifica o funcionamento da técnica e suas etapas. Figura 12 - PCR (reação de cadeia da polimerase) Fonte: adaptado de (NUNES, [s.d.]) Como demonstrado, há várias possibilidades de escolha para o diagnóstico do HIV, dessa forma, o Ministério da Saúde do Brasil costuma utilizar o gráfico dos estágios de Fiebig (Figura 13) para orientar os profissionais da saúde na hora de escolher o teste mais adequado para cada paciente, levando em consideração o tempo de infecção, bem como também dispõe de fluxogramas de testagem que combinam testes em busca de uma maior sensibilidade e especificidade diagnóstica (WERSOM et al., 2013). 26 Figura 13 - Estágios da infecção recente pelo HIV Fonte: (WERSOM et al., 2013) 1.4 ESPECTROSCOPIA DE INFRAVERMELHO PRÓXIMO (NIRS) O NIRS, do inglês Near InfraRed Spectroscopy (Espectroscopia de Infravermelho Próximo), é uma técnica rápida e não destrutiva de análise espectroscópica que fornece informações físicas e químicas de qualquer matéria. Normalmente sua utilização é feita em conjunto com uma análise multivariada dos dados obtidos, gerando novas perspectivas para análises quantitativas e qualitativas (REICH, 2005). As técnicas espectroscópicas são baseadas nas interações da radiação eletromagnética com a matéria, pois a partir da análise dos espectros formados, é possível obter informações a respeito da constituição, estrutura e interação molecular (ASSIS, 2018). O espectro eletromagnético é subdividido em sete regiões, sendo elas: ondas de rádio, micro-ondas, infravermelho, luz visível, ultravioleta, raios x e raios gama, definidas a partir de determinados intervalos de comprimento de onda (Figura 14). 27 Figura 14 - Espectro Eletromagnético Fonte: adaptado e disponível em (br.freepik.com) Metodologias que utilizam técnicas espectroscópicas baseadas no infravermelho tem ganhado espaço na comunidade científica como alternativa para o screening de analitos presentes em amostras biológicas por explorar as vibrações das ligações químicas presentes nas moléculas (PARASKEVAIDI et al., 2018). A região do espectro denominada de infravermelho compreende a faixa de radiação com números de onda no intervalo entre 12800 a 400 cm-1 e é normalmente dividida em infravermelho próximo (NIR), infravermelho médio (MIR) e infravermelho distante (FIR) (ASSIS, 2018) (Figura 15). Figura 15 - Regiões do Infravermelho Fonte: adaptado de (REICH, 2016) O NIR está uma região do espectro que tem o comprimento de onda no intervalo entre 700 e 2500 nm, entretanto, o NIR-visível (650 – 1100 nm) é conhecido como a janela óptica mais adequada para a análise de amostras biológicas (SAKUDO et al., 2012). Isto por que a absorção molecular nessa região costuma ser causada 28 pelas vibrações das ligações químicas entre os grupos CH, OH e NH, os quais estão presentes em abundância nas amostras biológicas, como sangue, plasma, urina, pele, material genético, entre outras (SAKUDO, 2016). O NIR possui simples execução bem como pouco ou nenhum preparo da amostra a ser analisada. As técnicas de captura do espectro de absorção podem ser obtidas por transmitância, reflectância e transflectância (BAKER et al., 2014; MARTENS; STARK, 1991), onde cada uma é adequada para um tipo específico de amostra. Normalmente utilizam-se sondas para direcionar o feixe de IR para a amostra a ser testada. A aquisição dos espectros é feita através de um espectrômetro, o qual envia os espectros gerados para um computador que fará a análise multivariada com o auxílio de algoritmos quimiométricos de classificação. Esse método já foi utilizado para promissoras aplicações na área da saúde, como a classificação de grupos de Aedes aegypti infectados por zika vírus de mosquitos não infectados (FERNANDES et al., 2018), diferenciar cepas de Klebsiella pneumoniae produtoras e não produtoras de carbapenemase 2 (MARQUES et al., 2015), estudos da pele (MANSFIELD et al., 2005), diabetes (PICHLER et al., 2009), doença de Alzheimer (PARASKEVAIDI et al., 2018), entre outras. Sua utilização também já foi testada com o HIV, entretanto, com outros objetivos que não a discriminação de grupos infectados e saudáveis (SAKUDO et al., 2008, 2012). Dessa forma, acredita-se que a técnica possui grande potencial para aplicações diagnósticas, como no caso do HIV, que apesar de possuir métodos de diagnóstico bem estabelecidos e aceitos na comunidade científica, ainda apresenta limitações de complexidade e custo que poderiam ser auxiliadas com a utilização de uma técnica como o NIR, de fácil execução, rápida, possivelmente portátil, e que pode servir como um screening de pacientes, diminuindo assim o número de testes mais complexos a serem realizados. 2 BIBLIOGRAFIA ALEXANDER, Thomas S. Human Immunodeficiency Virus Diagnostic Testing: 30 Years of Evolution. Clinical and Vaccine Immunology, [S. l.], v. 23, n. 4, p. 249– 253, 2016. DOI: 10.1128/CVI.00053-16. ASSIS, Camila. APLICAÇÃO DE TÉCNICAS ESPECTROSCÓPICAS, 29 MÉTODOS QUIMIOMÉTRICOS, FUSÃO DE DADOS E SELEÇÃO DE VARIÁVEIS NO CONTROLE DE QUALIDADE DE BLENDS DAS ESPÉCIES DE CAFÉ ARABICA E ROBUSTA. [S. l.], p. 1777, 2018. 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Seus artigos normalmente se encaixam nos seguintes tópicos: comentários informativos sobre novos antibióticos; métodos laboratoriais rápidos e custo-efetivos; estudos de casos com ênfase em circunstancias complexas; editoriais perspicazes em causas importantes; revisões de literatura. O site da revista fornece um documento guia em pdf para os autores bastante extenso e pouco objetivo. Seguem as normas sumarizadas retiradas do guia para autores: Número máximo de palavras do manuscrito: 3500; Número máximo de palavras para abstract: 150; Número máximo de tabelas e/ou figuras: 5; Incluir figuras e tabelas ao longo do manuscrito com suas respectivas legendas; Incluir autor correspondente e email de todos os autores; Incluir palavras-chave (máximo 6); Referências podem estar organizadas em qualquer estilo, contanto que seja um estilo consistente; Incluir declaração de conflito de interesses; Incluir parecer do comitê de ética (Declaração de Helsinki); Uso de linguagem inclusiva; Incluir as contribuições dos autores; Numerar as diferentes seções do artigo; Não há restrição de formatação; Incluir o financiamento do trabalho; Fórmulas matemáticas devem ser inseridas no formato de texto editável; Tabelas devem ser inseridas no formato de texto editável. 35 4 ARTIGO Título: Espectroscopia no infravermelho próximo em plasma sanguíneo com análise quimiométrica para classificação de HIV em gestação. Autores: Ana F. S. Peres1,2, Lidiane G. Silva3, João V. M. Mariz3, Daniel L. D. Freitas3, Marcos G. Santos1,4, Rayanne S. P. Morais1, Camilo L. M. Morais5, Francis L. Martin6, Daniel A. V. Pascoal2, Juliana D. de A. S. Camargo2, Kassio M. G. Lima3, Janaina C. O. Crispim1,2 1Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal 59072-970, Brazil 2Maternidade Escolal Januário Cicco, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal 59072-970, Brazil 3Química Biológica e Quimiometria, Instituto de Química, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal 5072-970, Brazil 4Instituto do Cérebro, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal 59056-450, Brazil 5Escola de Farmácia e Ciências Biomédicas, University of Central Lancashire, Preston PR1 2HE, UK 6Biocel Ltd, Hull HU10 7TS, UK Autor Correspondente: Janaína Cristiana de Oliveira Crispim Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Maternidade Escola Januario Cicco Avenida Nilo Peçanha, 259 – Petrópolis, Natal – RN Zip code: 59012-310 Phone/FAX: +5584 999867758 Email: janacrispimfre@gmail.com Ana Peres: anaperes@ufrn.edu.br; Lidiane Silva: lidilgs1996@gmail.com; Joao Mariz: joaomedeirosmariz@gmail.com; Daniel Freitas: daniellucas77@hotmail.com; Marcos Santos: marsant2@yahoo.com; Rayanne Morais: rayannepimenta@gmail.com; Camilo Morais: CDLMedeiros-de-morai@uclan.ac.uk; Francis Martin: FLMartin@uclan.ac.uk; Daniel Pascoal: davp2712@gmail.com; Juliana Camargo: juliana.camargo@ebserh.gov.br; Kassio Lima: kassiolima@gmail.com; Janaina Crispim: janacrispimfre@gmail.com. mailto:anaperes@ufrn.edu.br mailto:lidilgs1996@gmail.com mailto:joaomedeirosmariz@gmail.com mailto:daniellucas77@hotmail.com mailto:marsant2@yahoo.com mailto:rayannepimenta@gmail.com mailto:CDLMedeiros-de-morai@uclan.ac.uk mailto:FLMartin@uclan.ac.uk mailto:davp2712@gmail.com mailto:juliana.camargo@ebserh.gov.br mailto:kassiolima@gmail.com mailto:janacrispimfre@gmail.com 36 Contribuições dos autores: A.F.S.P., M.G.S. e R.S.P.M. foram responsáveis pela coleta das amostras. A.F.S.P. foi responsável pela aquisição dos espectros. A.F.S.P., L.G.S. e J.V.M.M. foram responsáveis pela escrita do primeiro rascunho do manuscrito. J.D.A.S.C. foi responsável pela análise estatística dos dados clínicos. D.A.V.P. foi responsável pelo suporte médico e clínico das pacientes. D.L.D.F. foi responsável pela construção dos modelos quimiométricos e análise multivariada. C.L.M.M. e F.L.M. deram suporte quimiométrico e finalizaram o manuscrito. K.M.G.L. e J.C.O.C. planejaram os experimentos, supervisionaram o projeto e revisaram o manuscrito. Todos os autores aprovaram o artigo final. Conflito de interesses: F.L.M. foi recentemente contratado pela Biocel Ltd, uma companhia que desenvolve técnicas analíticas similares à usada no artigo para lucro comercial. Padrão de ética: Todos os procedimentos foram realizados de acordo com a Declaração de Helsinki. CAAE: 41768314.8.0000.5292. Suporte financeiro: CAPES-PROCAD 71/2013 37 Espectroscopia no infravermelho próximo em plasma sanguíneo com análise quimiométrica para classificação de HIV em gestação RESUMO O vírus da imunodeficiência humana (HIV) pode ser transmitido de diversas maneiras, e uma delas é da mãe para o filho durante a gestação, conhecida como transmissão vertical (TV). O diagnóstico laboratorial durante o pré-natal é a única forma de prevenir a transmissão vertical, uma vez que tratamentos baseados em drogas antirretrovirais durante a gestação e primeiras semanas após o parto estão amplamente disponível nos serviços de saúde pública. Com isso, a espectroscopia de infravermelho próximo (NIR) foi usada para analisar amostras de plasma sanguíneo de gestantes para detecção da infecção por HIV. Setenta e sete amostras (39 pacientes infectadas com HIV e 38 pacientes saudáveis como controle) foram analisadas. A análise quimiométrica de classificação do espectro resultante do NIR facilitou a segregação diagnóstica de ambas categorias de amostras de modo rápido e não destrutivo, gerando uma acurácia de 87%, sensibilidade de 83% e especificidade de 91%. Esse método é simples e de baixo custo, e pode facilmente ser adaptado como método de triagem portátil, o que vem a ser essencial para monitorar riscos de TV em locais de difícil acesso ou nos países em desenvolvimento. Palavras-chave: HIV, infravermelho próximo, quimiometria, gestação 1 INTRODUÇÃO A transmissão de mãe para filho do vírus da imunodeficiência humana (HIV) durante a gestação, parto e/ou amamentação é denominada transmissão vertical (TV). Mundialmente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou cerca de 1.3 milhões de mulheres grávidas infectadas pelo HIV 1, enquanto que no Brasil, 125.144 casos foram diagnosticados entre 2000 e 2019, segundo o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde 2. Entre todas as gestantes infectadas pelo HIV, 15 a 45% delas irá transmitir o vírus para seus bebês caso diagnóstico e tratamento adequados não sejam realizados 3. Essa forma de contágio possui grande relevância e atenção por parte dos órgãos de saúde devido às consequências negativas que ela pode trazer para a mãe e seu filho, como aborto, natimortalidade, morte neonatal, nascimento prematuro, baixo peso de nascimento, entre outros 4. O diagnóstico precoce e tratamento com antirretrovirais são medidas com alto potencial de reduzir o risco da TV, para até menos de 5% 3. Dessa forma, os órgãos de saúde pública têm influenciado cada vez mais a detecção desses casos, aumentando cerca de 21% os diagnósticos no pré-natal nos últimos 10 anos 5. Entretanto, estudos relacionados à qualidade do pré-natal no Brasil mostram que aproximadamente só 15% das gestantes cumprem o cronograma de consultas e exames necessários e receberam uma atenção de qualidade. Entre os exames complementares como a testagem para HIV, notou-se que apenas pacientes com mais idade, melhor escolaridade e condições financeiras completam todas as solicitações médicas; portanto, muitas pacientes chegam ao parto sem o diagnóstico para HIV, e consequentemente, sem tratamento 6. 38 O HIV pode ser identificado por alguns tipos de testes sanguíneos, como os imunoensaios de triagem [imunocromatografia (teste rápido), ensaio de imunoabsorção enzimática (ELISA)], os quais detectam anticorpos ou antígenos virais. Outras metodologias consideradas complementares e/ou confirmatórias como Western Blot, ImunoBlot ou Teste de Amplificação de Ácidos Nucléicos (NAATs) também pode ser empregadas 7. Apesar de tais testes serem bem aceitos na comunidade científica pelos seus níveis de sensibilidade e especificidade 8, eles geralmente possuem custo alto e requerem mão de obra qualificada para seu desenvolvimento e aplicação. Novas metodologias baseadas em técnicas espectroscópicas são uma alternativa para a triagem metabólica de biofluidos. Espectroscopia de massa e ressonância nuclear magnética são as técnicas mais comuns devido sua relativa boa sensibilidade e especificidade de detectar doenças, contudo elas possuem um elevado custo e necessitam de configuração experimental complexa 9. A espectroscopia de infravermelho próximo (NIR) é uma técnica que explora as movimentações vibracionais das ligações químicas das moléculas presentes em uma amostra, excitando-as em uma região do espectro eletromagnético correspondente a um comprimento de onda que varia entre aproximadamente 750 a 250010-12. É uma técnica relativamente simples e de baixo custo quando comparada à espectroscopia de massa, ressonância nuclear magnética ou até espectroscopia de infravermelho médio, e disponível na forma de dispositivos portáteis para análises em campo. Além da simples instrumentação, ela ainda é não destrutiva e livre de reagentes, e as medidas experimentais pode ser realizadas de forma rápida e com nenhuma ou mínima preparação da amostra. Como exemplo de aplicações clínicas, o NIR foi usado para detecção da doença de Alzheimer em plasma sanguíneo com 93% de acurácia, 88% de sensibilidade e 96% de especificidade 12; para diferenciar colônias de Klebsiella pneumonia produtoras e não produtoras de carbapenamase 13; e para a identificação de mosquitos Aedes aegypti infectados ou não pelo Zika vírus 14. Sua utilização também já foi testada com o HIV, entretanto, com outros objetivos que não a discriminação de grupos infectados e saudáveis10. A maioria das moléculas orgânicas apresentam padrões de absorbância no NIR. A interação entre a radiação e a amostra gera um espectro característico e individual que indica a composição da amostra, e este pode ser usado para obtenção de informações quantitativas e qualitativas. As bandas mais proeminentes no NIR incluem sobretons e combinações de vibrações fundamentais dos grupos –CH, -NH, -OH 11,15–18; consequentemente, todas a moléculas biologicamente relevantes como proteínas, lipídeos, carboidratos e ácidos nucleicos contribuem para o sinal do NIR. O dispositivo do NIR pode ser ajustado para os modos de transmissão, reflexão ou transflectância 19,20, os quais se adequam para tipos específicos de amostras. Para amostras líquidas, os modos de transmissão ou transflectância são mais comuns, e o último foi usado no presente trabalho. No modo de transflectância, o feixe do infravermelho atravessa a amostra e reflete de volta no leitor, consequentemente, a luz atravessa a amostra duas vezes. As medidas são realizadas através do uso de sondas de fibra óptica 19. Vantajosamente, a aquisição dos espectros pode ser feita de forma portátil. 39 Aqui, o NIR foi utilizado para diferenciar gestantes infectadas com HIV de gestantes saudáveis do grupo controle (sem comorbidades). Para isso, diferentes técnicas quimiométricas de classificação multivariada foram testadas com os espectros obtidos a fim de otimizar os resultados diagnósticos. 2 MÉTODOS 2.1 – Desenho do estudo e população Este é um estudo de caso-controle aninhado que foi conduzido em um hospital obstétrico e ginecológico de referência entre Março de 2017 e Maio de 2019. Um total de 39 mulheres gestantes convivendo com HIV foram recrutadas, todas com gestação individual e idade gestacional entre 10 e 38 semanas. As pacientes foram selecionadas espontaneamente durante o acompanhamento pré-natal no centro de doenças infecciosas da maternidade. Todas as pacientes com HIV foram monitoradas por um infectologista e um obstetra. Uma amostra de sangue foi colhida de cada paciente em tudo de EDTA e posteriormente submetidos a centrifugação por 10 minutos a 1500 rpm em temperatura ambiente para obtenção do plasma sanguíneo para subsequente análise espectroscópica. Apenas participantes com informações clínicas completas foram incluídas nas análises. Pacientes que apresentaram condições médicas crônicas como hipertensão, diabetes mellitus tipo 2, ou doenças do coração ou rins foram excluídas do estudo. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte sob número de protocolo 1.808.891. Formulário de consentimento foi assinado por todas as participantes. Todos os procedimentos foram realizados de acordo com a Declaração de Helsinki. 2.2 – Dados clínicos e análise estatística Os dados clínicos foram coletados a partir da revisão de prontuários. Todas as pacientes receberam tratamento com antirretrovirais durante o acompanhamento pré- natal. Características clínicas, socio-epidemiológicas e laboratoriais foram sumarizadas e submetidas à análise estatística. O teste de normalidade de Shapiro- Wilk foi aplicado visando verificar a aderência das variáveis contínuas à distribuição normal. A análise descritiva das variáveis que obtiveram aderência à distribuição normal foi realizada pela média e desvio-padrão (Média ± DP). A análise foi realizada por meio de frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas. O teste t de Student para amostras independentes foi aplicado para as variáveis contínuas que apresentaram normalidade. O teste Qui-quadrado foi utilizado para analisar a associação entre o diagnóstico de HIV e as variáveis de natureza categórica. Nas situações onde as células das tabelas apresentaram frequências esperadas inferiores a cinco, aplicou-se o teste exato de Fisher. A razão de chances (odds ratio) com o respectivo intervalo de 95% de confiança foi calculada para as variáveis categóricas binárias. A correlação de Spearman foi executada visando avaliar a associação entre a razão CD4+/CD8+ e as seguintes variáveis: CD4+; CD8+ e carga viral máxima. A mesma correlação também foi executada para associar a contagem de CD4+ com a carga viral máxima. O nível de significância de 5% foi adotado para todas as análises. 2.3 – Grupo controle de gestantes saudáveis 40 Este estudo inclui 38 mulheres gestantes saudáveis que frequentaram a maternidade. Elas tinham de 19 a 44 anos com idade gestacional de 10 a 38 semanas. Todas possuíam diagnostico para HIV negativo e não apresentavam nenhuma outra comorbidade. 2.4 – Espectroscopia de Infravermelho Próximo (NIR) Alíquotas de plasma (mantidas congeladas) foram descongeladas e mantidas em temperatura ambiente por alguns minutos antes da aquisição espectroquímica. As medidas foram feitas em ordem aleatória sem que o analista soubesse qual categoria as amostras pertenciam. Um número igual de amostras foi analisado por dia. Antes das análises, as amostras foram homogeneizadas por 1 minuto em um vortex portátil (Gilson Inc, USA), e então 25 µL de plasma foram coletados de cada amostra com uma micropipeta e o volume foi transferido para um poço de uma placa de ELISA limpa. A aquisição dos espectros foi realizada usando o espectrômetro ARCoptix FT- NIR Rocket (ARCoptix S.A., Suíça) no intervalo de comprimento de onda de 900-2600 nm com uma sonda de fibra óptica posicionada sob o poço da placa de ELISA no modo de transflectância. Três réplicas de espectro foram geradas para cada amostra e o espectro do ar ambiente foi usado como branco analítico. 2.5 – Análise computacional Os dados foram adquiridos e organizados de forma matricial, onde as linhas desta matriz representam as amostras analisadas, enquanto as colunas representam as variáveis espectrais (intensidade de absorbância para cada comprimento de onda). Todos os dados foram tratados em ambiente computacional MATLAB R2014b (v. 8.4) (MathWorks, Inc., USA) juntamente com a interface PLS Toolbox (v. 7.9.3) (Eigenvector Research, Inc., Manson, USA) e rotinas construídas em laboratório. Para a classificação supervisionada, utilizamos o algoritmo de Kennard-Stone (KS) 21, de forma a se obter dois grupos de amostras, sendo estes: treinamento (70%, n = 54 [27 HIV+, 27 HIVneg]) e predição (30%, n = 23 [12 HIV+, 11 HIVneg]). O grupo de treinamento foi usado para construção do modelo e o de predição para a validação do mesmo. A construção dos modelos foi baseada na aplicação de algoritmos para a diminuição dos dados e posterior análise discriminante, respectivamente. A análise de componente principal (PCA) 22 foi usada para extração de dados, enquanto o algoritmo de projeções sucessivas (SPA) 23 e o algoritmo genético (GA) 24 foram usados para seleção de dados. A análise discriminante realizada pela análise discriminante linear (LDA) e análise discriminante quadrática (QDA) combinadas com PCA (PCA- LDA/QDA), SPA (SPA-LDA/QDA) e GA (GA-LDA/QDA). Esses algoritmos foram testados independentemente a fim de encontrar o melhor modelo de classificação. Para PCA-LDA/QDA, os valores do PCA foram usados como variáveis de entrada para LDA ou QDA 25. Em SPA-LDA/QDA ou GA-LDA/QDA, as variáveis selecionadas por SPA ou GA foram usadas como variáveis de entrada para LDA ou QDA 26. As variáveis espectrais em SPA e GA são selecionadas minimizando a função G de custo de acordo com a seguinte equação: 𝐺 = 1 𝑁𝑉 ∑ 𝑔𝑛 𝑁𝑉 𝑛=1 (1) 41 Onde 𝑁𝑉 representa o número de amostras do grupo de validação utilizadas, sendo 𝑔𝑛 descrito como segue abaixo: 𝑔𝑛 = 𝑟2(𝑥𝑛,𝑚𝐼(𝑛)) min𝐼(𝑚) ≠𝐼(𝑛)𝑟 2(𝑋𝑛,𝑚𝐼(𝑚)) (2) Onde 𝑟2(𝑥𝑛, 𝑚𝐼(𝑛)) representa a distância de Mahalanobis entre o objeto 𝑥𝑛 da classe analisada e a média amostral 𝑚𝐼(𝑛) da classe verdadeira analisada; e sendo 𝑟2(𝑋𝑛, 𝑚𝐼(𝑚)) a distância de Mahalanobis entre o objeto 𝑥𝑛 e o centro mais próximo da classe não analisada 𝑚𝐼(𝑚). Os parâmetros utilizados para o algoritmo genético foram: 100 gerações com 200 cromossomos, com uma mutação de 10% e combinação de 60%. Os valores de classificação para os algoritmos LDA (𝐿𝑖𝑘) e QDA (𝑄𝑖𝑘) são calculados da seguinte maneira, de forma não Bayesiana 25,27: 𝐿𝑖𝑘 = (x𝑖 − x̅𝑘) T Cpooled −1 (x𝑖 − x̅𝑘) (3) 𝑄𝑖𝑘 = (x𝑖 − x̅𝑘) T C𝑘 −1(x𝑖 − x̅𝑘) (4) Onde x𝑖 é um vetor de entrada nas variáveis selecionadas para uma amostra 𝑖; x̅𝑘 é a média espectral da classe 𝑘; Cpooled é a matriz combinada de covariância entre as classes; e C𝑘 é a matriz de variância-covariância para cada classe 𝑘. 2.6 – Validação do modelo A validação da performance dos modelos foi feita através do cálculo da acurácia (AC), sensibilidade (SENS) e especificidade (SPEC) para o grupo de predição. AC representa o número total de amostras classificadas corretamente; SENS representa a proporção de positivos classificados corretamente; e SPEC representa a proporção de negativos classificados corretamente. Tais parâmetros são classificados como o que segue 28: AC (%) = [(TP + TN) (TP + FP + TN + FN)⁄ ] × 100 (5) SENS (%) = [TP (TP + FN)⁄ ] × 100 (6) SPEC (%) = [TN (TN + FP)⁄ ] × 100 (7) Onde AC significa acurácia, SENS é sensibilidade, SPEC é especificidade, TP é positivo verdadeiro, TN é negativo verdadeiro, FP é falso positivo, e FN é falso negativo. 42 3 RESULTADOS 3.1 – Análise estatística dos dados clínicos Houve associação estatisticamente significante entre o diagnóstico de HIV e a escolaridade, χ2 (1) = 4,715, p < 0,05. A proporção de gestantes com nível de escolaridade até o ensino fundamental foi superior no grupo HIV (69,2%) quando comparada ao grupo controle (44,7%) (Tabela 1). As gestantes com nível de escolaridade até o ensino fundamental apresentaram uma chance 2,78 vezes maior de ter HIV (RC = 2,78; IC95%: 1,09 – 7,07) em comparação às gestantes que possuem ensino médio ou superior (Tabela 1). Houve associação estatisticamente significante entre o diagnóstico de HIV e o uso de drogas, χ2 (1) = 4,319, p < 0,05. A proporção de gestantes que usam drogas foi superior no grupo HIV (25,6%) quando comparada ao grupo controle (7,9%) (Tabela 1). As gestantes que utilizam drogas apresentaram uma chance aproximadamente 4 vezes maior de ter HIV (RC = 4,02; IC95%: 1,01 – 16,00) em comparação às gestantes que não usam drogas (Tabela 1). Variáveis Grupo P valora Total RC (IC 95%) Caso Controle N, % 39 (50,6) 38 (49,4) 77 (100,0) Idade, anos 29 ± 6 31 ± 6 0,085 30 ± 6 --- Escolaridade, n (%) Ensino fundamental 27 (69,2) 17 (44,7) 0,030 44 (57,1) 2,78 (1,09 – 7,07) Ensino médio ou superior 12 (30,8) 21 (55,3) 33 (42,9) Ref. Tabagismo atual, n (%) Sim 3 (7,7) 0 (0,0) 0,240 3 (3,9) --- Não 36 (92,3) 38 (100,0) 74 (96,1) --- Histórico de tabagismo, n (%) Sim 14 (35,9) 15 (39,5) 0,746 29 (37,7) 0,86 (0,34 – 2,16) Não 25 (64,1) 23 (60,5) 48 (62,3) Ref. Uso de drogas, n (%) Sim 10 (25,6) 3 (7,9) 0,038 13 (16,9) 4,02 (1,01 – 16,00) Não 29 (74,4) 35 (92,1) 64 (83,1) Ref. 43 Idade gestacional, sem 22 ± 7 24 ± 7 0,262 23 ± 7 --- Gestações, n (%) Maior ou igual a 4 gestações 12 (30,8) 9 (23,7) 0,485 21 (27,3) 1,43 (0,52 – 3,94) Até 3 gestações 27 (69,2) 29 (76,3) 56 (72,7) Ref. Partos, n (%) Nenhum parto 10 (25,6) 7 (18,4) 0,445 17 (22,1) 1,53 (0,51 – 4,55) Um ou mais partos 29 (74,4) 31 (81,6) 60 (77,9) Ref. Abortos, n (%) Um ou mais abortos 12 (30,8) 8 (21,1) 0,331 20 (26,0) 1,67 (0,59 – 4,69) Nenhum aborto 27 (69,2) 30 (78,9) 57 (74,0) Ref. Tabela 1: Características das pacientes. Valores em negrito indicam significância em p < 0,05. Abreviações: RC, Razão de chances; IC, Intervalo de confiança. Variáveis Grupo caso Idade, n (%) 28 (24 – 35) Carga viral, n (%) Não detectável 21 (53,8) Detectável 15 (38,5) Sem informação 3 (7,7) Carga viral, mm8 3.423 (311 – 8.885) CD4+, células/mm3 (n=36) 447 (328 – 804) CD8+, células/mm3 (n=36) 715 ± 272 CD4+/CD8+, células/mm3 (n=36) 0,7 (0,5 – 1,3) Tabela 2: Variáveis clínicas das pacientes gestantes convivendo com HIV (n=39). Os dados categóricos estão expressos em frequência absoluta (n) e relativa (%). Os dados contínuos estão expressos em mediana e percentis 25 e 75 e em média e desvio-padrão. A razão CD4+/CD8+ apresentou uma correlação positiva com CD4+ (ρ = 0,750, p < 0,05) e uma correlação negativa com CD8+ (ρ = -0,385, p = 0,021). Não foi observada associação significante entre a razão CD4+/CD8+ e a carga viral (ρ = - 0,346, p = 0,206). A contagem de células CD4+ apresentou uma correlação negativa com carga viral (ρ = -0,642, p = 0,010). (Dados não demonstrados). 44 3.2 – Espectroscopia de Infravermelho Próximo (NIR) A espectroscopia NIR é uma valiosa ferramenta capaz de analisar diferentes doenças pela medição de amostras biológicas. Aqui, o NIRS foi empregado para detectar os espectros de plasma sanguíneo infectado pelo HIV de pacientes gestantes, e medidas como acurácia diagnóstica, sensibilidade e especificidade foram calculadas. Setenta e sete amostras de plasma sanguíneo foram analisadas, sendo destas, 39 pertencentes ao grupo de pacientes infectadas pelo HIV e 38 do grupo controle de gestantes saudáveis. Três espectros foram coletados de cada amostra, resultando em um total de 231 espectros. Os espectros foram cortados na região entre 1850 a 2150 nm, responsável pela assinatura espectroquímica derivada das biomoléculas. A média dos espectros brutos para cada grupo de amostras está representada na Figura 3A. Para redução dos ruídos, os espectros brutos foram pré-processados por suavização de Savitzky-Golay (SG) e correção de linha de base (Figura 3B). Há um alto grau de sobreposição das características espectrais entre as categorias; consequentemente, ferramentas de análise multivariada são necessárias para a diferenciação dos grupos. Figura 3: Média do espectro NIR. (A) Espectro bruto; (B) Espectro pré-processado (suavização de SG e correção de linha de base) para os grupos de pacientes gestantes infectadas com HIV (HIV) e gestantes saudáveis (Control). Os dados dos espectros foram divididos em grupos de treinamento (70%) e predição (30%) pelo uso do algoritmo de seleção de amostras de Kennard-Stone (KS). Para prever se uma mulher grávida está infectada com o HIV, é necessário usar modelos de classificação supervisionados capazes de extrair características espectrais que diferenciam os espectros do grupo de gestantes com HIV do grupo 45 controle de gestantes saudáveis. Várias técnicas de classificação supervisionada foram testadas para discriminação dos dados; suas performances estão descritas na Tabela 3. Model AC SENS SPEC PCA-LDA 74% 83% 64% PCA-QDA 70% 92% 46% PCA-SVM 74% 83% 64% SPA-LDA 74% 83% 64% SPA-QDA 78% 83% 73% SPA-SVM 78% 83% 73% GA-LDA 83% 83% 82% GA-QDA 87% 83% 91% GA-SVM 74% 75% 73% Tabela 3: Parâmetros de qualidade calculados para o grupo de predição usando diferentes algoritmos de classificação supervisionada para diferenciar os grupos de gestantes infectadas com HIV de gestantes controles saudáveis. AC: acurácia em %; SENS: sensibilidade em %; SPEC: especificidade em %. O melhor modelo GA-QDA está marcado em negrito. Os melhores resultados de discriminação foram encontrados em GA-QDA (acurácia de 87%), seguido por GA-LDA (acurácia de 83%). O modelo GA-LDA selecionou 3 variáveis para a discriminação categórica: 1929 nm, 1932 nm e 2151 nm (Figura 4A); com o gráfico da função discriminante mostrando 4 amostras classificadas erroneamente para o grupo de predição (Figura 4B). GA-QDA selecionou as mesmas 3 variáveis (Figura 4C), mas com uma função discriminante melhor, onde 3 amostras foram classificadas erroneamente no grupo de predição (Figura 4D). Três comprimentos de onda espectrais foram responsáveis pela separação das classes nos modelos GA-LDA/QDA (1929, 1932 e 2151 nm). 46 Figura 4: Resultados dos modelos GA-LDA e GA-QDA. (A) variáveis selecionadas por GA-LDA; (B) função discriminante do grupo predição por GA-LDA; (C) variáveis selecionadas por GA-QDA; (D) função discriminante do grupo predição por GA-QDA. HIV: grupo de gestantes infectadas pelo HIV; Control: grupo de gestantes saudáveis. O algoritmo QDA funciona melhor que o LDA quando as categorias possuem estruturas de covariância diferentes, uma vez que o LDA assume que as categorias possuem matrizes de covariância similares; consequentemente, usando uma matriz de covariância combinada para o cálculo, enquanto o QDA modela cada matriz de covariância de categoria separadamente 25. Portanto, o GA-QDA é o melhor algoritmo considerando a análise de matrizes de amostras complexas com diferentes variações internas. As duas primeiras variáveis selecionadas pelo GA-QDA (1929 e 1932 nm) estão relacionadas ao estiramento de –OH em carboidratos, enquanto que a variável em 2151 nm se relaciona com o estiramento de C=O e C-N em proteínas 29,30. 4 DISCUSSÃO Como visto, a análise dos dados demográficos e epidemiológicos das pacientes mostrou uma forte correlação entre a escolaridade e o uso de drogas com a infecção 47 pelo HIV, em que aquelas pacientes com escolaridade até o ensino fundamental tem 2,78 vezes mais chance de ter o vírus que as gestantes com ensino médio e/ou superior; e as que utilizaram drogas apresentaram 4 vezes mais chance de se infectar,
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