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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA CURSO DE BACHARELADO EM GEOGRAFIA RAQUEL CRISTINA TAVARES FELIPE AS FRAGMENTAÇÕES NO ESPAÇO URBANO NO BAIRRO DE NOVA PARNAMIRIM, EM PARNAMIRIM-RN: O CASO DA COMUNIDADE TOCA DA RAPOSA NATAL 2021 RAQUEL CRISTINA TAVARES FELIPE AS FRAGMENTAÇÕES NO ESPAÇO URBANO NO BAIRRO DE NOVA PARNAMIRIM, EM PARNAMIRIM-RN: O CASO DA COMUNIDADE TOCA DA RAPOSA Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em Geografia, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Geografia Orientadora: Prof. Dr. Eugênia Maria Dantas NATAL 2021 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA Felipe, Raquel Cristina Tavares. As fragmentações no espaço urbano no bairro de Nova Parnamirim, em Parnamirim-RN: o caso da Comunidade Toca da Raposa / Raquel Cristina Tavares Felipe. - Natal, 2021. 65f.: il. Monografia (Graduação em Geografia) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2021. Orientadora: Profa. Dra. Eugênia Maria Dantas. 1. Espaço urbano - Monografia. 2. Fragmentação - Monografia. 3. Comunidade Toca da Raposa - Monografia. I. Dantas, Eugênia Maria. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 711.4 AGRADECIMENTOS Inicialmente, agradeço à professora Eugênia Maria Dantas, por ter me orientado e compreendido minha caminhada, ajudando-me a concluir esta etapa de grande importância na minha vida. Agradeço também às pessoas próximas que me apoiaram, ouviram minhas empolgações e desesperos ao longo desse processo, me ajudando e motivando a continuar. Isso foi um grande combustível de esperança para mim. Não poderia também deixar de agradecer aos moradores da Comunidade Toca da Raposa, que me ouviram, responderam e contribuíram com seus relatos com educação e respeito ao meu trabalho, possibilitando a realização desta pesquisa. Mesmo em um contexto de pandemia e isolamento social, consegui realizar minha pesquisa cumprindo os objetivos e sou imensamente grata por este feito e a todos os envolvidos que contribuíram. RESUMO No Brasil, as desigualdades sociais são intrínsecas ao processo de urbanização. As cidades retratam esse problema a partir das fragmentações socioespaciais que acentuam as dualidades entre bairros organizados para ricos e bairros para pobres, revelando cenários segregados. Partindo da noção de que a produção do espaço ocorre associado ao processo de fragmentação desigual, este trabalho analisa o caso da Comunidade Toca da Raposa, que está localizada no bairro de Nova Parnamirim, no município norte-rio-grandense de Parnamirim. Para entender estas contradições, utilizamos como metodologia uma discussão teórica para determinar o que é o espaço geográfico e como ele se produz, empregando autores como Roberto Lobato Corrêa (1995) e Milton Santos (2012); realizamos levantamento de dados secundários em fontes como a Prefeitura Municipal de Parnamirim e o IBGE, e de dados primários por meio da observação e registros fotográficos e aplicação de questionário. A partir das informações adquiridas adotamos uma reflexão dialética e subjetiva, buscando explicitar as contradições e como pudemos entender os impactos da infraestrutura do local sobre os seus moradores, ao mesmo tempo fazendo um paralelo com as diferenças entre a comunidade e o bairro em que se localiza. Com isso, verificou-se que a Toca da Raposa enfrenta um problema de indiferença por parte da Prefeitura de Parnamirim, enquanto o restante do bairro abre espaço para grandes empresas se instalarem e valorizar o bairro de Nova Parnamirim. Palavras-chave: Espaço urbano. Fragmentação. Comunidade Toca da Raposa. Nova Parnamirim. ABSTRACT In Brazil, the social differences are intrinsic to the urbanization process. The cities portray this problem from the socio-spatial fragmentations that accentuate the dualities between neighborhoods organized for the rich ones and neighborhoods for the poor ones, revealing segregated scenarios. Starting from the notion that the spacial production occurs associated to the uneven fragmentation process, this study analyzes the case of Toca da Raposa Community, that is localized in Nova Parnamirim neighborhood, Parnamirim city, in Rio Grande do Norte. To understand these contradictions, we used as methodology a theoretical discussion to determine what is a geographic space and how it is produced, using authors like Roberto Lobato Corrêa (1995) and Milton Santos (2012); we actualized a secondary data collection in sources like Parnamirim town hall and IBGE, and primary data by observation and photographic records and questionnaire application. From the information acquired we adopted a dialetic and subjective reflexion, seeking out to make explicit the contradictions and how we could understand the impacts of the local infrastructure on the residents, at the same time making a correlation with the differences between the community and the neighborhood that it is localized. Therewith, it was found that Toca da Raposa faces a indifference by the town hall, while the other areas of the neighborhood open to the installation of big companies to valorize Nova Parnamirim. Keywords: Urban space. Fragmentation. Community Toca da Raposa. Nova Parnamirim. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1- Localização do município de Parnamirim, no estado Rio Grande do Norte, Brasil ......................................................................................................................................... 31 Figura 2 - Organização dos bairros do município de Parnamirim, no Rio Grande do Norte ......................................................................................................................................... 33 Figura 3- Área de delimitação da Comunidade Toca da Raposa, no bairro de Nova Parnamirim ............................................................................................................................... 45 Gráfico 1- Expectativa de vida no Brasil nos anos de 1940 e 1980 ............................. 22 Gráfico 2 - Crescimento da população urbana no Brasil no fim do século XIX e no fim do século XX ............................................................................................................................ 23 Gráfico 3- Crescimento populacional do município de Parnamirim de 1970 a 2020... 35 Fotografia 1- Estabelecimento do McDonald's, na avenida Abel Cabral, no bairro de Nova Parnamirim ...................................................................................................................... 40 Fotografia 2- Shopping Reis Magos, na avenida Maria Lacerda Montenegro, no bairro de Nova Parnamirim ................................................................................................................. 41 Fotografia 3- Visualização panorâmica do supermercado Nordestão, ao lado do condomínio residencial Colinas do Sol, na avenida Maria Lacerda Montenegro, no bairro de Nova Parnamirim ...................................................................................................................... 41 Fotografia 4- Área de preservação do Rio Pitimbu, visto da rua Margarida Maria Alves, no bairro de Nova Parnamirim .................................................................................................44 Fotografia 5 - Vista geral da Comunidade Toca da Raposa, no bairro de Nova Parnamirim, a partir do encontro das ruas Margarida Maria Alves e Francisco de Lira.......... 46 Fotografia 6 - Criação de galinhas de moradores da Toca da Raposa .......................... 48 Fotografia 7 - Obra inacabada de uma lagoa de captação no encontro das ruas João Alfredo e Pedro Gomes da Silva, na Comunidade Toca da Raposa......................................... 56 Fotografia 8 - Acúmulo de lixo nas proximidades da área de preservação do Rio Pitimbu, na rua Margarida Maria Alves, na Toca da Raposa ................................................................. 57 LISTA DE TABELAS Tabela 1- Infraestrutura implantada por bairro em Parnamirim - RN (2010) .............. 36 Tabela 2- Modalidade de prestação de serviços dos estabelecimentos de saúde do município de Parnamirim/RN ................................................................................................... 36 Tabela 3- Grau de escolaridade da população de Parnamirim ..................................... 37 Tabela 4- Idade da população entrevistada da Toca da Raposa ................................... 49 Tabela 5- Tempo de moradia na Toca da Raposa em anos .......................................... 49 Tabela 6- Quantidade de pessoas por residência .......................................................... 50 Tabela 7- Tipo de moradia da população da Toca da Raposa ...................................... 50 Tabela 8- Grau de escolaridade da população da Toca da Raposa ............................... 50 Tabela 9- Tipo de escola frequentada pelos moradores da Toca da Raposa ................ 51 Tabela 10- Taxa de população empregada na Toca da Raposa .................................... 51 Tabela 11- Idade de início de trabalho da população da Toca da Raposa .................... 52 Tabela 12- Carteira de trabalho da população empregada atualmente na Toca da Raposa .................................................................................................................................................. 52 Tabela 13- Tipo de trabalho exercido pela população empregada atualmente na Toca da Raposa ...................................................................................................................................... 53 Tabela 14- Tipo de trabalho exercido pela população desempregada atualmente na Toca da Raposa .................................................................................................................................. 53 Tabela 15- Jornada de trabalho semanal da população atualmente empregada da Toca da Raposa .................................................................................................................................. 54 Tabela 16- Renda média familiar mensal da população da Toca da Raposa ................ 54 Tabela 17- Problemas de infraestrutura ressaltados pelos moradores da Toca da Raposa .................................................................................................................................................. 56 Tabela 18- Dificuldade de acesso a serviços na Toca da Raposa ................................. 58 LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES CRAS Centro de Referência da Assistência Social DIT DRT IBGE PND RN SUS Divisão Internacional do Trabalho Divisão Regional do Trabalho Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Plano Nacional de Desenvolvimento Rio Grande do Norte Sistema Único de Saúde SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11 2. O ESPAÇO URBANO, A URBANIZAÇÃO BRASILEIRA E AS FRAGMENTAÇÕS INTRÍNSECAS A ESTE PROCESSO .............................................. 17 2.1 O espaço e o espaço urbano ......................................................................................... 17 2.2 O acelerado processo de urbanização brasileiro ........................................................ 21 2.3 Disseminação da pobreza no espaço urbano .............................................................. 27 3. O BAIRRO DE NOVA PARNAMIRIM EM PARNAMIRIM-RN ............................ 31 3.1 O município de Parnamirim ........................................................................................ 31 3.2 O bairro de Nova Parnamirim .................................................................................... 37 4. ÁREA DE ESTUDO: TOCA DA RAPOSA ................................................................. 44 4.1 Localização da comunidade da Toca da Raposa e primeiras impressões ............... 44 4.2 Características gerais da população entrevistada ...................................................... 49 4.3 Características socioeconômicas da população .......................................................... 50 4.4 Infraestrutura e serviços na comunidade ................................................................... 55 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 60 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 62 11 1. INTRODUÇÃO Em meio as discussões sobre a urbanização brasileira, já há, em certa medida, um consenso de que há conformidades entre as desigualdades sociais e as fragmentações espaciais e que elas são gritantes no Brasil, apresentando um cenário de disparidades, sendo a cidade o lugar onde podemos melhor perceber como isso ocorre. No espaço urbano é criada uma estrutura de relações socioespaciais, cujo entendimento é de suma importância, para se ter, com maior nitidez, um planejamento e tomada de decisões políticas, econômicas, sociais e culturais, com a finalidade de permitir mais equidade e equilíbrio entre os diferentes segmentos populacionais. Por conseguinte, é fundamental estudar os aspectos que compõem este fenômeno que é a desigualdade. Em vários espaços urbanos ele ocorre de forma explícita e bastante visível, como é o caso das áreas periféricas encontradas nas cidades, ocupadas por populações mais vulneráveis economicamente e socialmente. A expansão do espaço urbano, em termos territoriais, desprovido das devidas precauções de planejamento acarreta na formação de áreas urbanas privadas de infraestrutura adequada para abrigar as populações que migram para estes espaços. A fragmentação espacial se amplia associada de um processo de periferização da população que não consegue acompanhar o desenvolvimento urbano. Com isso, as nuances da realidade são cada vez mais cercadas de segregações espaciais reveladoras das desigualdades entre as maneiras de habitar o espaço urbano e as diferentes classes sociais, que muitas vezes se configuram em processos de auto-segregação. Compreendemos que um dos papéis fundamentais da geografia é discutir as relações entre a organização espacial e as ações humanas. Os vínculos da sociedade com o espaço construído tornam-se primordiais para entender as características, os contextos e as situações urbanas, a partir da existência dessas configurações desiguais. Portanto, para dar visibilidade a estas fragmentações que se configuram em forma de desigualdades no espaço urbano, este estudo evidencia o caso da Comunidade Portal do Jiqui II, mais conhecida como Toca da Raposa, localizada no bairro de Nova Parnamirim, no município de Parnamirim, no estado do Rio Grande do Norte (RN). Durante a pesquisa procuramos saber sobre a toponímia Toca da Raposa, de uso corrente pelos moradores da área, porém, a sua origem é desconhecida, não havendo registros físicos ou memoralísticos que identifiquem o motivo de seu uso. 12 O municípiode Parnamirim faz parte da Região Metropolitana de Natal e o bairro de Nova Parnamirim resultou de uma expansão urbana da cidade de Natal, capital do estado, constituindo-se como um bairro com condições de infraestrutura que possibilitam uma qualidade de vida de seus moradores, diferenciada quanto a facilidade de locomoção, organização das habitações com itens de segurança e presença de comércio e serviços variados. Isso pode ser percebido no bairro de Nova Parnamirim logo à primeira vista através da presença de grandes condomínios fechados e bem arquitetados, tanto verticais quanto horizontais, de grandes redes de mercados e de fast food, de escolas particulares, ruas calçadas e pavimentadas, da grande parcela da população que possui carro, dos comércios e dos serviços diversos, tais como salões de beleza, barbearias e pet shops, por exemplo. Considerando os aspectos paisagísticos do bairro, a Comunidade Toca da Raposa se mostra como uma descontinuidade. Nessa área, as ruas ainda sem calçamento, a presença de esgoto doméstico a céu aberto e muitos alagamentos durante as épocas de chuvas por falta de drenagem no local configuram uma paisagem destoante do restante. A essas condições, somam- se as características físicas, como o relevo bastante acidentado e desnivelado, resultando em dificuldades no acesso e na locomoção de moradores. Há também negligência do poder público para atuar na redução dos problemas urbanísticos que a comunidade sofre, mesmo com a reivindicação feita tantas vezes pelos moradores. O local parece ter sido abandonado pelo poder público e seus moradores vivem em condições precárias, muitas vezes sem qualidade de vida devido a estes aspectos de falhas na infraestrutura e na disponibilidade e qualidade de serviços dentro da comunidade. Muitos moradores do local questionam o pagamento de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). O IPTU de Nova Parnamirim é um dos mais caros da cidade de Parnamirim, e mesmo assim, os retornos para a Toca da Raposa são quase inexistentes. A comunidade sofre ainda hoje com o crescimento do bairro, que resultou e ainda resulta na falta de recursos para ela, deixando-a cada vez mais precária. Essa comunidade é um exemplo do processo de urbanização que acentuou a fragmentação e a desigualdade socioespacial. Espaços como esse revelam a priorização de recursos para áreas mais nobres em detrimento das mais pobres. No caso de Parnamirim, o destino de muito dinheiro e recursos com o objetivo de melhorar Nova Parnamirim, que recebe cada vez mais grandes empreendimentos, especialmente de comércio, a fim de fazer enormes construções, que acabam por valorizar ainda mais o bairro, enquanto a Toca da Raposa foi tendo seus problemas sociais e infraestruturais ignorados pelo poder público e pelas próprias empresas que fizeram o bairro crescer e ainda contribuem com seu desenvolvimento. 13 Os moradores se veem desprotegidos, sempre reivindicando ações para a prefeitura e sem receber resposta, enquanto os problemas na comunidade não são solucionados e outros acabam surgindo ao longo do tempo, como foi o caso do surgimento de uma pandemia de corona vírus no ano de 2020, que deixou muitos moradores de diversas comunidades brasileiras, inclusive os da Toca da Raposa, cercados por ainda mais problemas, devido à necessidade de isolamento social, que reduziu a renda de diversas famílias. A pesquisa sobre a Toca da Raposa se insere nesse contexto de urbanização desigual, sendo importante evidenciar as condições que levaram ao seu quadro atual, e que ainda vem ocorrendo em diversos lugares no Brasil. A lógica de acumulação do capital é seletiva e concentrada, o que evidencia que um pequeno grupo detém muita riqueza, enquanto que para a maioria faltam recursos básicos e essenciais a subsistência. Essa perspectiva que justifica o desenvolvimento é espacialmente perceptível quando olhamos para o interior do bairro e identificamos dois opostos configurados lado a lado. A urbanização acelerada e mal planejada que ocorreu no Brasil pode ser entendida como uma das grandes causas das exclusões que até hoje ocorrem nesses espaços, pois os interesses estavam mais voltados para industrialização e tecnologias nas mãos das empresas do que voltados para solucionar problemas de moradia, educação, saúde, segurança e infraestrutura de qualidade, que deveriam ser pensados para atingir toda população. Essa pesquisa tem, portanto, como objetivo geral discutir as fragmentações no espaço urbano, considerando a situação vivida pela Comunidade Toca da Raposa, localizada no bairro de Nova Parnamirim, em Parnamirim-RN. A partir desse objetivo geral, pretende-se: • Refletir a respeito do espaço geográfico e a configuração da urbanização brasileira, como suportes a compreensão do que ocorre na prática; • Contextualizar a área de estudo, situando o bairro de Nova Parnamirim; • Caracterizar a Comunidade Toca da Raposa de acordo com seus aspectos socioeconômicos e infraestruturais; • Detectar a atuação ou da falta dela e a possível eficiência do poder público a fim de trazer melhorias dentro do local, a partir da constatação das necessidades da população. Para a execução deste trabalho de pesquisa, fez-se necessário seguir um percurso metodológico que consistiu primeiramente em uma pesquisa bibliográfica para entender e redigir os principais temas que cercam o trabalho e entender a formação e a configuração do 14 bairro de Nova Parnamirim no município de Parnamirim; em seguida a pesquisa em campo no local estudado, a Toca da Raposa, a fim de absorver os principais aspectos contidos nos objetivos; e por fim, a digitação do material final a partir de uma discussão dos resultados obtidos. Dessa forma, o primeiro capítulo caracteriza-se por uma introdução à temática geral que envolve o trabalho, ou seja, as fragmentações associadas ao processo de urbanização brasileiro, e relacionando-a com a Comunidade Toca da Raposa, uma visível fragmentação ocorrida no bairro de Nova Parnamirim. Assim, abordamos as justificativas para a relevância deste estudo para a sociedade e para a geografia, traçando objetivos geral e específicos que a pesquisa envolveu, comentando a respeito do percurso metodológico utilizado para a sua realização. O segundo capítulo deste trabalho, denominado de “O espaço urbano, a urbanização brasileira e as fragmentações intrínsecas a este processo”, visando uma reflexão sobre o espaço geográfico e a configuração da urbanização brasileira, consistiu numa pesquisa bibliográfica abrangendo o conceito de espaço urbano, identificando seus agentes produtores e suas composições; em seguida traçando como o processo de urbanização ocorreu no Brasil, destacando a produção de fragmentações ocorrida ao longo dele. Para a montagem do referencial acerca dos temas acima citados, foram utilizados materiais como o de Roberto Lobato Corrêa, em que ele traz no livro “Geografia: Conceitos e Temas” (2000) as múltiplas explicações para espaço de acordo com cada corrente geográfica e o livro “O Espaço Urbano” (1995), em que ele aborda os produtores e os produtos do espaço urbano. Também foi utilizado o capítulo de um livro, denominado “Geografia das desigualdades: globalização e fragmentação” (1998), escrito por Maria Adélia Aparecida de Souza, em que ela trata das desigualdades e fragmentações geradas a partir do processo de globalização; as passagens escritas por Milton Santos, em que ele trata da pobreza como projeto dentro do espaço urbano, bem como o material em que ele tratava dos elementos e das categorias de análise do espaço, como é encontrado nos livros “Por uma outra globalização” (2001), “Pobreza Urbana” (2009) e “Espaço e Método” (2012). Além disso foram utilizados artigos como os escritos por Ermínia Maricato (2003) e por Eliseu Alves, Geraldo da Silva e Souza e Renner Marra (2011), tratando do processode urbanização no Brasil e suas decorrentes falhas, a fim de traçar o percurso histórico de como ocorreu esse processo no país e como ele acabou resultando em fragmentações sociais e espaciais. 15 Para a constituição do terceiro capítulo, sobre os espaços que contêm a comunidade da Toca da Raposa, ou seja, o município de Parnamirim e o bairro nele contido, Nova Parnamirim, com o objetivo de contextualizar estes espaços, tratamos de suas respectivas origens bem como características socioeconômicas e infraestruturais, enfatizando o papel de empresas para a valorização deste bairro. Esse capítulo demonstra os contrastes entre os padrões do município e do bairro em relação à Comunidade Toca da Raposa. Para isso, foram feitas pesquisas em materiais de dissertação de mestrado na área da Geografia: a de Francisco Eloi de Souza (2006) e a de Daniel Gustavo Batista Nicolau (2008); também em livros como o de Josyanne Pinto Giesta (2016) sobre a urbanização de Parnamirim e o de Carlos Peixoto sobre a história de Parnamirim, tratando o seu processo de formação, que teve importante participação e influência da aviação. Além disso, foram coletados dados contidos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a respeito da saúde e da educação no município. Para a elaboração do capítulo seguinte, constituído por 4 subcapítulos, sobre a área de estudo, a Toca da Raposa, com o objetivo de se compreender características socioeconômicas e infraestruturais e suas interferências para os moradores, bem como a atuação e eficiência do poder público nesta área, foi feita uma a ida a campo, que possibilitou a construção de um subcapítulo acerca de primeiras impressões importantes visualizadas no local, trazendo fotografias para comprovar. Nessa ida ao local, foi feita a aplicação de um questionário com 100 moradores da comunidade, todos com 18 anos de idade ou mais, contendo perguntas sobre o perfil geral dessa população, sobre os aspectos socioeconômicos, sobre infraestrutura e serviços, os focos de entendimento sobre a comunidade. O subcapítulo referente ao perfil geral da população trouxe dados dos participantes em relação a idade, sexo, tempo que reside na comunidade e quantidade de pessoas por residência. Sobre os aspectos socioeconômicos, contidos no terceiro subcapítulo, a busca foi por levantar e compreender dados como escolaridade, trabalho e renda dos participantes, assim como compreender suas necessidades quanto a ajudas externas. Já a respeito do subcapítulo relacionado a infraestrutura e serviços, buscou-se entender a que nível a precariedade destes aspectos chega e os impactos que isso gera na população. Em relação aos serviços de saúde, educação e segurança, a pesquisa se voltou a visualizar a existência deles, enfatizando sua distância e a qualidade do atendimento ofertado na opinião dos moradores os quais participaram dos questionários. 16 Ao longo da aplicação dos questionários, muitas conversas foram surgindo com os moradores sobre aspectos que ultrapassavam os contidos nas perguntas do questionário, em que eles traziam seus próprios pontos de vista, tanto sobre situações particulares quanto sobre as principais desigualdades entre o bairro e a comunidade. Essas conversas foram então de suma importância para a composição e para a metodologia aplicada neste estudo, principalmente para trazer um aspecto mais subjetivo a ele, já que isso demonstra as visões de quem de fato faz parte dessa segregação, grande objeto da pesquisa. Foi importante a abordagem dialética e subjetiva na confecção desta pesquisa, metodologias presentes dentro das correntes da geografia crítica e da humanista, pois elas possibilitam melhor compreensão dessa diversidade encontrada no espaço. O entendimento das experiências e das individualidades existentes em um espaço tornou o estudo mais completo e abrangente. A partir de reflexões sobre materiais e dados buscados, tanto primários quanto secundários, a pesquisa foi redigida, com o intuito de analisar uma parcela de um espaço urbano fragmentado para entender a composição, a manutenção e a configuração destes aspectos dentro de um caso específico do processo de fragmentação atrelado à urbanização desordenada ocorrida no país. É importante enfatizar que, assim como cada espaço urbano possui suas fragmentações, os aspectos identificados na Toca da Raposa não caracterizam todos outros espaços a ele semelhantes. O espaço forma e é formado pela sociedade, que forma e é formada por indivíduos, cada um com suas particularidades. No quinto e último capítulo, há as considerações finais, em que comentamos as fragmentações socioespaciais advindos do processo de urbanização brasileiro, situação em que se encaixa a Comunidade Toca da Raposa, enfatizando a falta de planejamentos voltados para esse local. Dessa forma, abordamos a relevância de reflexões e discussões sobre o assunto para a sociedade e para a geografia, trazendo também a possibilidade de um prosseguimento da pesquisa. 17 1. O ESPAÇO URBANO, A URBANIZAÇÃO BRASILEIRA E AS FRAGMENTAÇÕS INTRÍNSECAS A ESTE PROCESSO 1.1 O espaço e o espaço urbano A definição de espaço é empregada e está presente em várias ciências. Na Geografia, o espaço é um dos conceitos-chave utilizados para determinar uma área qualquer na superfície terrestre, mas, para fins analíticos, este conceito ganha intensidade a partir das discussões empreendidas por volta dos anos de 1930 com a crise da Geografia Tradicional. Também é variável e relativo, de acordo com pensamentos de autores e a vertente ou corrente de análise. A geografia teve quatro vertentes, as quais foram surgindo ao longo do tempo e de acordo com os contextos de cada momento. Dessa forma, as vertentes geográficas dividem-se em geografia tradicional, teorético-quantitativa, crítica e humanista. Logo, se de acordo com cada contexto a geografia se adapta a fim de possuir uma melhor compreensão da realidade, os conceitos geográficos também variam, como é o caso do conceito de espaço. Na corrente da geografia tradicional (1870-1950), os geógrafos que a integravam eram de escolas mais deterministas, possibilistas, culturais e regionais (CORRÊA, 2000). As escolas influenciam a visão dos geógrafos sobre o conceito de espaço. Nessa vertente, Corrêa traz a representação do geógrafo alemão Friederich Ratzel e do americano Richard Hartshorne. Friederich Ratzel traz o conceito de espaço vital, em que o espaço é o solo, um fator determinante no desenvolvimento de uma sociedade, a partir de características de disponibilidade de recursos naturais para sobrevivência, por exemplo. Já na visão de Richard Hartshorne, o espaço empregado como conceito é o espaço absoluto, colocando a geografia como responsável por estudar fenômenos organizados espacialmente, sendo estes fenômenos o que determina o espaço. Corrêa (2000) indica que na década de 1950 ocorre a emergência da revolução teorético- quantitativa, iniciando uma nova corrente de pensamento da geografia, agora com novos moldes. Nessa corrente, os estudos ganham uma dimensão mais matemática. Essa dimensão influencia as análises na busca por padrões e por criações de modelos que representem a realidade. O espaço é o conceito-chave da disciplina pela primeira vez na história na corrente teorético-quantitativa. O espaço nessa corrente é concebido a partir da noção de planície 18 isotrópica e das representações matriciais. A ideia de planície isotrópica parte de que um determinado espaço é uniforme em todos os seus aspectos, é homogêneo. Os principais nomes nesta corrente são Johann Heinrich von Thünen e Walter Christaller, os quais montam modelos para representar diferentes tipos de espaço, abrangendo principalmente os estudos da geografia econômica, a partir do entendimento de como os espaços deveriam estar estruturados paramelhor rendimento econômico. Na década de 1970 surge a geografia crítica, fundada no materialismo histórico e na dialética, encontrando aí suas metodologias de análise. O espaço não é mais encarado como uniforme e nem é apenas o ambiente de existência do homem, como nas correntes anteriores. “O espaço é concebido como locus da reprodução das relações sociais de produção, isto é, reprodução da sociedade” (CORRÊA, 2000, p. 26). Essa afirmação indica que o espaço é visto como diverso e heterogêneo em suas características, ele sustenta as contradições implicadas pela sociedade dentro de si. Nesta corrente geográfica, a análise do espaço se contrai com a análise social, dessa forma, o espaço deve ser estudado a partir de suas categorias de análise, que segundo Santos (2012) são a forma, a função, a estrutura e o processo. Além de Milton Santos, os principais nomes dessa corrente são Yves Lacoste, David Harvey e Henri Léfebvre. Estes geógrafos contribuem para a análise socioespacial, que para eles configura o tipo de análise mais completa que pode ser feita do conceito geográfico de espaço. Ainda na década de 1970, juntamente com a corrente da geografia crítica, surge a geografia humanista, a qual traz o conceito de espaço na forma de espaço vivido, a partir da utilização da fenomenologia como método, mas também utilizando a dialética como método, assim como ocorria na corrente da geografia crítica. O espaço então, ganha vida nos estudos dessa corrente. A geografia humanista buscava então uma visão holística, retomando Paul Vidal La Blache e a geografia francesa, segundo Corrêa (2000), trazendo o homem, suas experiências e sua cultura como o centro dos estudos. Valoriza-se a ideia de subjetividade e pertencimento dentro desta corrente. Os principais nomes da corrente da geografia humanista são então o chinês Yi-Fu Tuan e Edward Relph, os quais fizeram o lugar ser o conceito-chave dentro dos estudos nessa corrente geográfica. Para a compreensão do conceito de espaço, Corrêa (2000) ainda traz a ideia das práticas espaciais, que consistem em ações na gestão espacial. São elas: seletividade espacial, 19 fragmentação-remembramento espacial, antecipação espacial, marginalização espacial e reprodução da região produtora. Além do entendimento de espaço, Santos (2012) traz a importância da análise dos elementos que o constituem, os quais são: os homens, as firmas, as instituições, o meio ecológico e as infraestruturas. Cada elemento desempenha funções principais, mas estas funções são intercambiáveis. Santos (2012) indica que a função do homem é trazida por meio do trabalho; a das firmas é a produção de bens, de serviços e de ideias; as instituições têm função de produzir normas; já o meio ecológico é a base física para desempenho do trabalho; e por fim, as infraestruturas compõem a materialização do trabalho. Já o espaço urbano, de acordo com Corrêa (1995), é formado pelo contexto social, ao mesmo tempo que este também é um reflexo do próprio espaço. Esse contexto social está relacionado aos produtores do espaço urbano, que são os proprietários dos meios de produção (em destaque os grandes industriais), proprietários fundiários, promotores imobiliários, o Estado e grupos sociais excluídos. Esses diferentes produtores do espaço geram diferentes usos da terra, constituindo no espaço urbano, ainda segundo Corrêa (1995), áreas como os centros, áreas industriais, residenciais, de lazer e de expansão. Dessa forma, a partir dos produtores do espaço e do espaço produzido, o meio urbano configura-se de forma fragmentada, ou seja, apresenta diferentes tipos de configuração dentro de si. Santos (2009) indica que a produção do espaço urbano está relacionada aos interesses dos seus agentes, resultado das relações empregadas em um sistema capitalista, relações estas simbólicas e contraditórias. A análise do espaço urbano pode ser feita por meio da interferência dessas correntes, porém com adaptações. Na geografia tradicional, ele pode ser analisado da perspectiva de fatores que contribuem para a habitação, como uma melhor infraestrutura. A concepção de espaço vital ajuda a compreender as tendências dentro do espaço urbano a partir dos recursos que ele oferece à sua população. Já do ponto de vista da geografia teorético-quantitativa, a análise do espaço urbano pode ser feita a partir do estudo dos lugares centrais, concebido por Walter Christaller, os quais são os centros urbanos determinados por ele. Segundo ele, a organização espacial deve se dar por meio de hexágonos, onde no centro desta organização deve haver o espaço urbano, com a possibilidade de conexão de todos os demais lugares até os lugares centrais. 20 Mesmo através da aplicação dos métodos destas correntes citadas anteriormente, as que proporcionam melhor entendimento acerca de espaços urbanos são as correntes da geografia crítica e da geografia humanista. O espaço urbano pode ser analisado a partir da perspectiva trazida pela corrente da geografia crítica. Desta perspectiva, a análise passa pelo entendimento do espaço como produto do capitalismo, e por causa disso, carrega a ideia dual da coexistência de pobreza e riqueza dentro de um só espaço. Esta dualidade conduzida para os estudos feitos na geografia crítica denota a compreensão da organização do espaço elaborada pelas relações sociais como determinadas por estilos segregacionistas, heterogêneos e desiguais. A dialética do espaço, ideia inserida pela geografia crítica. Estes espaços produzem suas desigualdades e se fragmentam, mas se articulam, como sugere Corrêa (1989). A natureza fragmentação e da articulação se mostra a partir da dimensão do espaço, engatando ação humana e temporalidade histórica às condições materiais de cada momento. A geografia crítica então, através de sua metodologia do materialismo histórico e da dialética, permite a comparação das contradições dentro de um espaço e a realização de uma reflexão crítica sobre sua estrutura, processo, função e forma. Dessa forma, um bairro ou uma comunidade são, dentro desse processo, um fragmento estruturado nas condições de sua produção. A observação da paisagem permite um confronto inicial com essa situação, sendo o primeiro passo para o entendimento da essência das fragmentações e das desigualdades. A paisagem como forma espacial é, para o geógrafo, a introdução para o esclarecimento do papel exercido por aquele pedaço, sua posição nas transformações sociais e sua conservação na estrutura geral da sociedade. Além disso, o espaço urbano, principalmente cada aspecto de suas desigualdades e fragmentações, podem ser analisados por meio da metodologia da geografia humanista, a fenomenologia. Esta metodologia permite enxergar e analisar as experiências dentro das segregações e conceber novas, constituindo também, atrelado à dialética, um método para compreensão deste espaço e dos aspectos das fragmentações nele geradas. Ou seja, o espaço urbano, com sua configuração de diversidade pode ser melhor abordado ao se considerar suas contradições coexistentes e buscar entender os produtores do espaço, que também são produtos dele. 21 2.2 O acelerado processo de urbanização brasileiro No Brasil, o processo de urbanização se dá durante o século XX, iniciando pelo litoral do país, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, capital do país nesse período, e se expandindo para as demais cidades brasileiras, ocorrendo de uma forma bastante acelerada e foi marcado pela influência do capitalismo, o qual incentiva e é incentivado por um outro processo chamado globalização, sua maior forma de difusão. A globalização contemporânea, no que lhe concerne, pode ser vista, segundo Harvey (2004), como um processo, como condição ou na forma de projeto político. Ela atua como meio de disseminação e expansão do capitalismo. Dessa forma, o sistemacapitalista impulsiona o surgimento do processo da globalização, que em consequência o fortalece. Segundo Souza (1998), em 1930, a economia brasileira era agrário-exportadora e se sustentava principalmente através de plantações de café. Após 50 anos, durante a década de 1980, o país substitui seu modelo econômico anterior pelo industrial, devido à crise socioeconômica ocorrida durante a década de 1980, causada por uma grande reestruturação na Divisão Internacional do Trabalho (DIT), associada à queda do modelo fordista de produção, com a adoção de um novo método, o de acumulação. A DIT então reverbera na Divisão Regional do Trabalho (DRT) no Brasil, que, no contexto de sua existência, se adapta. Em 1970, conforme apresentam Dantas e Clementino (2014), houve a implementação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), o qual tinha o objetivo de expandir a indústria de insumos básicos e de bens de capital, privilegiando assim os setores e sub-regiões produtoras com fins para exportação. O II PND acarretou na aceleração da urbanização brasileira, pois a indústria carregava essa ideia de progresso e modernização atrelados à urbanização. Devido a isso, as diversas regiões periféricas do país avançaram a produção, podendo inserir as populações no mercado de trabalho e diversificar as cidades polo. O Brasil então se torna a oitava economia industrial do mundo capitalista. A modernização e o crescente processo de urbanização do país aumentaram a expectativa de vida, conforme está indicado no Gráfico 1, que em 1940 de 43 anos e em 1980 passou para 60 anos, um aumento de quase 20 anos em um período de tempo de quatro décadas (SOUZA, 1998). 22 Gráfico 1- Expectativa de vida no Brasil nos anos de 1940 e 1980 Fonte: Souza, 1998. Essa realidade é resultado tanto de transformações ocorrida na cidade como no campo, onde houve um processo de modernização agrícola, relações de trabalho, ampliação de meios de comunicação e integração de atividades entre campo e cidade. Nesse cenário que se instalou, muitos dos trabalhadores rurais foram desempregados e viram na cidade a possibilidade de viver melhor em termos de emprego, renda, moradia e condições de educação e saúde para a família. Desta forma, no fim do século XIX, a população urbana brasileira, que era de aproximadamente 10% passa a ser, no fim do século XX, de aproximadamente 80%, conforme está demonstrado no Gráfico 2, a seguir (MARICATO, 2003). Ao longo do século XX, só da década de 40 até a de 80, a população em áreas urbanas passou de 1/3 para 2/3 no país (SOUZA, 1998). 0 10 20 30 40 50 60 70 1940 1980 Expectativa de vida no Brasil em 1940 e 1980 23 Gráfico 2 - Crescimento da população urbana no Brasil no fim do século XIX e no fim do século XX Fonte: Maricato, 2003. De acordo com Alves, Souza e Marra (2011), entre 1950 a 1960, o êxodo rural contribuiu com 17,4% do crescimento populacional nas cidades. Durante o período de 1970 até 1980, houve uma migração para o meio urbano de 30% da população que havia em zonas rurais no ano de 1970. Apenas nesse ano, 12,5 milhões de pessoas saíram das zonas rurais Além das migrações, no fim do século XX, com objetivo de atender às novas demandas do capital, houve uma reformulação nos papeis do Estado no país. Durante o período de intervenção militar, o Estado possuía caráter centralizador, interventor e de grande vigilância. No final da década de 1980, o Brasil passa por um processo de redemocratização, alterando este perfil, a partir do reestabelecimento de direitos antes perdidos pela população, e a partir dos anos de 1990, ocorre a adoção de práticas e políticas neoliberais por parte do Estado. O neoliberalismo, baseado na ideia de Estado mínimo, entrega diversos serviços, antes administrados pelo Estado, para empresas. Com isso, o que ocorreu no Brasil nessa época foi que as empresas passaram a cobrar dos trabalhadores mais produção e desempenho enquanto retiraram direitos trabalhistas, além de impor preços abusivos sobre os produtos que vendiam, visando apenas maior lucro, ignorando os direitos recém reconquistados, deixando boa parte da classe trabalhadora da população com menor poder de consumo enquanto a classe de patrões e empresários enriquecia. 10% 90% 80% 20% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% Fim do século XIX Fim do século XX População urbana População rural 24 Esse tipo de política acaba por influenciar o crescimento do trabalho informal no país, através da necessidade de se livrar dos abusos cometidos pelas empresas, enfatizando as desigualdades do meio urbano que estava formado. Apenas em 2003, é rompido o neoliberalismo no Brasil, passando a operar pelo crescimento econômico e social, trazendo programas políticos de auxílio às famílias, livrando muitas delas da situação de pobreza. Essas mudanças ocorridas nos modelos de governo garantiram ao país a mudança de ideologias a respeito de projetos sociais, entre outros tipos de projetos trazidos pelos governos. Dessa forma, muitos projetos são reformulados ou até deixam de existir, mas também outros surgem. Com isso, a configuração social também sofre mudanças. Enquanto isso, conforme a população nas áreas urbanas foi aumentando, começam a ocorrer falhas na configuração deste espaço. De acordo com Santos (2009), o aumento populacional é acompanhado pelo aumento de carências, evidenciando a dificuldade do espaço urbano em atender às demandas do crescimento demográfico que estava ocorrendo. Com isso, há uma dificuldade das cidades na geração de empregos para muitos dos habitantes destes espaços. Dantas e Clementino (2014) indicam que há uma heterogeneidade no Brasil, tanto regional quanto social, que são essas fragmentações espaciais, e que elas tendem a se agravar à medida que o capital se expande. Ele não é distribuído igualmente entre os indivíduos, devido principalmente à precarização do trabalho ocorrida ao longo da urbanização brasileira. Além disso, com essa migração vinda dos espaços rurais, o resultado é que a população recém-chegada aos espaços urbanos se depara com a modernidade tão difícil de ser acompanhada para muitos, especialmente em relação à busca por emprego, que exige cada vez mais qualificação, com a necessidade de se operar máquinas cada vez mais tecnológicas. Assim, a elite consegue manter seus privilégios a partir da manutenção de uma classe trabalhadora que tem dificuldade de evoluir financeira e socialmente, composta majoritariamente pelos migrantes e seus descendentes. O processo de urbanização, que está diretamente relacionado à modernização do espaço, acaba se deparando com as dificuldades em administrar recursos para modernizar e conseguir, ao mesmo tempo, atender às demandas da grande quantidade de pessoas que estavam migrando para habitar estes espaços. O efeito disso é a priorização da modernidade da urbanização, se espelhando em um padrão capitalista, em detrimento da população necessitada de apoio. Souza (1998) intitula o Brasil como um imenso território de desigualdade, pois na formulação de políticas públicas, discussões sobre a questão da espacialidade brasileira são 25 negligenciadas, abordando apenas o viés economicista, e devido a isso o país não consegue fazer um planejamento adequado e ainda segrega a sua população. O único tipo de apoio do poder público empregado frente a este problema, segundo citam Alves, Souza e Marra (2011), é com as políticas de transferência de renda do governo para habitantes de zonas rurais, procurando reduzir as migrações destas pessoas em direção aos espaços urbanos, motivando-os a manter sua produção agrícola. Dessa forma, a correção dos problemas gerados se dá na direção de evitar mais habitantes nos centros urbanos e não em consertar problemas que lá já se instalaram. Ainda de acordo com Souza (1998), o país enfrentaum rompimento na estrutura de produção alimentar, que é ocasionado pela migração da população rural em direção às cidades que estavam se formando, não trabalhando mais em lavouras para abastecer o mercado, um processo diretamente gerado pela urbanização. Portanto, isso gera alterações na DRT, com uma atração de transnacionais interessadas em suprir este abastecimento enquanto a população do campo migra, sustentando as hierarquias urbanas que mantêm as cidades globais em posição de poder, sendo a base de sustentação de um espaço urbanizado. Com o tempo, estas transnacionais passam a utilizar tecnologias na produção agrícola, como máquinas, fertilizantes, insumos agrícolas e sementes transgênicas, a fim de acelerar e aumentar a produção para atender à crescente demanda por alimento nas áreas urbanas. As plantações mais modernizadas, como indica Araújo (1993), ocorreram pelo Centro- Sul do país, principalmente iniciando a cultura da soja, a partir de planejamentos regionais que foram feitos entre as décadas de 1960 a 1980. Também no Centro-Sul do Brasil, segundo Dantas e Clementino (2014), estavam concentradas as metrópoles e centros mais importantes. Com isso, são observados, da perspectiva econômica regional, quatro processos ocorridos ao longo dessas duas décadas: a ampliação da articulação comercial, a integração produtiva, a inserção na economia mundial e a integração físico-territorial (ARAÚJO, 1993). A modernização gerada na agriculta com a fixação de empresas transnacionais, principalmente com apoio governamental no país para este tipo de produção é a principal causa, segundo Alves, Souza e Marra (2011), da concentração da produção. Outro fator que passa a ocorrer juntamente à modernização agrícola é a exclusão de milhões de agricultores desta modernização. Já mais recentemente, ao longo do período de 2000 a 2010, o impacto da migração rural diminuiu sobre as cidades. 5,6 milhões de pessoas migraram, o equivalente a 17,6% da população rural existente no país em 2000, contribuindo com 3,5% para o crescimento 26 populacional nas cidades, sendo o Nordeste a região com mais migrações ocorridas durante esse período, contribuindo com 2,2 milhões de pessoas a migrar, o equivalente a 39,28% das migrações rurais do período (ALVES, SOUZA e MARRA, 2011). Apesar das grandes reduções nas migrações de espaços rurais e consequentemente a redução de implicações nos centros urbanos, ainda de acordo com Alves, Souza e Marra (2011), o Nordeste é a única região que até atualmente tem ainda grande probabilidade de continuar essas migrações. Isso ocorre devido à hostilidade ambiental mais presente na região. Dessa forma, esse maior potencial e possiblidade de migração na região significa que o espaço urbano no Nordeste ainda pode sofrer grandes alterações. A região Nordeste recebeu ao longo dos anos muitos recursos do governo para enfrentar o problema do deslocamento de população rural, influenciando a população a continuar sua produção nos locais de nascença, porém o estado do Rio Grande do Norte, como citam Dantas e Clementino (2014), por sua rede urbana ser dispersa e fragmentada, não consegue participar dos avanços recentes da economia brasileira de maneira satisfatória. Essa desigualdade social decorrente das falhas de planejamento urbano, como Santos (2009) indica, ocorre a partir da incorporação pelos países subdesenvolvidos de um modelo de crescimento capitalista, que, somado a explosão demográfica em centros urbanos, resulta em concentração tanto de riqueza quanto de pobreza. O crescimento populacional nos espaços urbanos era visto como único problema inicialmente, mas as políticas instaladas preocupavam-se mais em promover o avanço de máquinas e tecnologia do que com o aumento demográfico, o que resulta na criação da segregação e marginalidade. A segregação então começa a ocorrer cada vez mais intensamente nas cidades, devido também à falta de oportunidades de emprego que atinjam toda a população, além da negligência do poder público em suporte a essas pessoas. O progresso propagado pelo ideal capitalista se dá como prioridade, mas, por não atender a toda a população que estava chegando, resulta em novos problemas, atrapalhando o próprio progresso e a própria organização urbana. Portanto, os governos passam a negligenciar cada vez mais a população que já se encontra à margem nos centros urbanos, que dependem diretamente de ações do poder público, sem lhes garantir direito à educação, saúde e lazer de qualidade, por exemplo. A consequência disso é a diminuição de qualidade de vida de muitos habitantes de centros urbanos, com a pobreza disseminada para grande parte da população contrastando com a elite privilegiada com serviços de qualidade por poderem optar por redes particulares, criando um cenário de desigualdade. 27 2.3 Disseminação da pobreza no espaço urbano Por ser mal planejado e mal administrado desde o momento em que começa a crescer, o meio urbano passa a enfrentar então muitos problemas em decorrência disso. Souza (1998) define o processo de globalização, o qual é intrínseco à urbanização, aliado à fragmentação, como implicados na formação de territórios diversificados, que acabam por se constituir em desigualdades, um dos problemas resultantes de como este processo ocorreu no Brasil. As desigualdades sociais foram geradas pela urbanização ocorrida de forma rápida, sem tempo e oportunidades de ser bem planejada, devido ao grande aumento populacional nos centros urbanos. Isso foi um dos grandes fatores para gerar muitas crises nos espaços urbanos, que conseguiram ser enfrentadas apenas pelos detentores de maior poder da época. Além disso, os programas sociais de redução de desigualdades não foram capazes de atingir de forma suficiente a população necessitada, principalmente pela falta de oportunidades e projetos governamentais em sanar outras questões, como as que dizem respeito ao acesso à educação, saúde e segurança públicas de qualidade, por exemplo. Com isso, a exclusão da população menos favorecida financeiramente já existente e da população vinda do meio rural ocorreu de forma intensa e se agravou cada vez mais ao longo dos anos, com o surgimento de mais pessoas e novas configurações espaciais. Parte da promoção da desigualdade social advém da segregação urbana. Com o limite de acesso aos serviços e a infraestrutura de qualidade no meio urbano, é reduzida também a capacidade de obtenção de um emprego formal, limitando ainda mais a qualidade de vida no meio urbano e retroalimentando a segregação (MARICATO, 2003). No contexto mundial, com uma redefinição no campo da DIT, principalmente, de acordo com Mattos (2013), a partir da crise do modelo fordista de produção, no decorrer da década de 1970, com alteração na estrutura de empregos, caracteriza-se, ratificando a ideia de Santos (2001), pela existência de empregos com alta remuneração por serem considerados qualificados, enquanto há empregos com baixa remuneração por serem consideração de baixa necessidade de qualificação. Atrelado a isso, uma boa qualificação exige um alto poder aquisitivo, excluindo populações mais pobres da possibilidade da qualificação necessária para boa parte dos empregos que começam a surgir, os quais envolvem muita tecnologia. No entanto, assim, como expõe Santos (2009), trabalhadores nas atividades que envolvem tecnologia intensiva demandam, além de mais qualificação, salários mais altos. Eles também possuem um poder de barganha maior devido à dificuldade de substituí-los, garantindo 28 assim, privilégios e favorecimento da parcela da população capacitada para operar as máquinas em relação aos sem oportunidades para se qualificar. A segregação motivada pelo tipo de trabalho se intensifica a partir dessa modernização. Decorrente disso, muitos são levados ao trabalho no meio informal, como únicaopção. Nesses espaços surge e cresce a informalidade. Com isso, o trabalhador informal passa a se responsabilizar por todas as etapas da produção sozinho e encarar a variabilidade do rendimento do próprio trabalho ao longo dos dias, além de lidar com perda de direitos trabalhistas garantidos pela carteira de trabalho e com menores ganhos. A crise do fordismo altera a economia e o mercado de trabalho e resulta, a partir dos anos 80 nos países centrais, na tese da “cidade global” (SASSEN, 1991 apud MATTOS, 2013), analisando acerca dos impactos da globalização dentro do tecido urbano. A nova DIT então não é mais considerada de formação e configuração espontâneas, agora é administrada, movida por produção de dívidas sociais e a disseminação de pobreza (SANTOS, 2001). As cidades globais, de acordo com as ideias de Préteceille (2015), ligadas ao processo de globalização, apresentam abundância de riqueza e poder sobre as áreas que fazem fronteira com estas cidades, no entanto, apresentam também pobreza, com alta exclusão social, configurando ambientes de uma dualidade socioeconômica. Para Benko (1998), o conceito de cidade global traz consigo a existência também de uma organização hierárquica funcional, ajustando-se aos moldes da economia capitalista mundial, que segue um modelo de classificações. Dessa forma, as cidades globais são formadas já dentro de uma perspectiva de segregação social a partir de condições econômicas. Está dentro de um projeto e do planejamento das cidades globais que elas carreguem a segregação como uma de suas características para se formarem e se manterem. Segundo Mattos (2013), quando há predomínio do modo de produção capitalista e este se alia a um desenvolvimento em alta velocidade e extensivo, como ocorreu durante a formação de espaços urbanos no Brasil, uma das consequências é a concentração de capital. Isso significa que o capitalismo em que o Brasil se enquadrou durante o processo da urbanização é a própria causa de desigualdades sociais e segregações, pois ele se baseia exatamente no acúmulo de capital, associado a falhas na gestão pública, corrupção e favorecimentos pessoais, ampliando as dificuldades de vida dos pobres nas cidades. Então, durante o processo de urbanização brasileiro, vemos a dualidade da geração de muita riqueza e muita pobreza, porém esta riqueza gerada concentra-se nas mãos de poucos, enquanto a pobreza é disseminada entre uma grande parte da população. 29 Giesta (2016) destaca que a produção do espaço destinado à moradia tem grande participação de fortes agentes: os proprietários de grandes indústrias, os proprietários e promotores imobiliários e o Estado, mas nenhum deles atende às demandas de grupos sociais excluídos, deixando-os marginalizados. Dessa forma, como expõe Maricato (2003), a população pobre se instala em áreas rejeitadas pelo mercado imobiliário privado. Muitas delas são rejeitadas pelo mercado privado por serem perigosas e inadequadas para a habitação humana, como as áreas de encostas de morros, e devido a isso, acabam ficando suscetíveis à ocorrência de acidentes, com enormes perdas. Segundo Giesta (2016), essa visualização de segregação ocorre por causa do desalinho entre a crescente ocupação do solo e o estabelecimento de uma infraestrutura adequada conforme as necessidades. Essa falta de investimento em infraestrutura somada ao crescimento populacional nos centros urbanos prejudica a qualidade de vida da população que cresce em áreas desprovidas de infraestrutura básica. Por muitas áreas serem ilícitas para ocupação, o poder público acaba se aproveitando disso como uma justificativa para não destinar recursos para a realização de obras necessárias nestas áreas, acentuando a segregação já existente. Moradores destas áreas acabam então não recebendo nem mesmo o básico. Conforme as demandas de populações mais pobres são negligenciadas nos espaços urbanos, estas populações crescem e o Estado fica cada vez mais impossibilitado de atingir a periferia da forma correta. E conforme empresas ganham mais subsídios governamentais, mais elas têm poder de influenciar a forma de se governar. Esse ciclo contribui para a dificuldade cada vez maior de se solucionar o problema de desigualdade existente no país. Em seu artigo, Maricato (2003) ainda expõe o grande crescimento de periferias no decorrer da década de 1980, que chega a ser maior do que o crescimento de núcleos ou municípios centrais das metrópoles. Também, a urbanização foi acompanhada da continuação de uma prática do Brasil dos períodos colonial e imperial: a aplicação arbitrária da lei. Esse fator resulta em uma desigualdade de direitos e deveres sociais de acordo com a classe socioeconômica. Isso faz com que ambientes periféricos sejam mais violentos, pois o Estado age de forma a vigiar e punir, mas quase nunca com intenção de corrigir os problemas criados por ele mesmo através da urbanização que ocorreu de forma irregular. São definidos por Santos (2001) então três tipos de pobreza que surgem no intervalo de tempo de apenas meio século, ao longo da reestruturação da DIT e consequentemente da DRT. 30 O terceiro tipo é por ele denominado de “pobreza estrutural globalizada”, que resulta de um aumento do desemprego e na redução de remuneração de muitos tipos de empregos, estes dois fatores ainda somados à negligência do poder público nas tarefas de proteção social, ou seja, há muitas causas para essa pobreza existir, cooperando para a sua naturalização pela população. Para ele, a pobreza atual é intencionalmente gerada e mantida, a fim da manutenção do poder das elites. A população menos favorecida financeiramente, dentro dessa nova configuração da DRT, passa a ter acesso apenas a produtos que geram lucro a empresários, enquanto outros grupos mais favorecidos financeiramente conseguem ter acesso diversificado de consumo (SANTOS, 2009). A parte pobre da população fica à mercê do próprio trabalho no meio informal, com poucas oportunidades para a própria qualificação, resultando, além da redução de direitos e aumento de trabalho, em menos oportunidades para consumo e para a própria qualidade de vida. Mattos (2013) aponta ainda o surgimento no Brasil de um forte discurso higienista nos centros urbanos como justificativa para a remoção de pobres destes centros, apontando que eles seriam a causa para a ocorrência de muitas doenças endêmicas. Por ser gerada por tantos fatores, a redução de desigualdades sociais e, principalmente, sua erradicação, é mais dificultada, fazendo boa parte da população acreditar que a resolução do problema é utopia e impossível, simplesmente por esta solução não atender às ordens do sistema capitalista. A população mais pobre e periférica se configura como a classe trabalhadora da base da pirâmide, muitas vezes marginalizada, e é a força motriz de um sistema que se sustenta através da geração de desigualdades socioeconômicas com o capitalismo, que foi o grande motivador do processo de urbanização. Ela mantém a posição de privilégio da elite e é colocada e mantida numa posição de subordinação a essa elite. A sociedade urbana atual é marcada por este contraste entre elites e pobres, que são planejadamente excluídos e marginalizados. 31 2. O BAIRRO DE NOVA PARNAMIRIM EM PARNAMIRIM-RN 3.1 O município de Parnamirim O município de Parnamirim, com área de 124,006 km2, equivalendo a 0,24% da área do estado, conforme pode ser visualizado no mapa contido a seguir na Figura 1, localizado nas coordenadas 5º 54’ 56” Sul e 35º 15’ 46” Oeste, faz fronteira ao Norte com Natal, ao Sul com São José de Mipibu e Nísia Floresta, a Oeste com Macaíba e a Leste com o Oceano Atlântico. Figura 1- Localização do município de Parnamirim, no estado Rio Grande do Norte, Brasil Fonte: IBGE (2017), Datum SIRGAS 2000. Parnamirim, de acordo com Peixoto (2003), tevesua formação associada principalmente à aviação, que se iniciou com a doação de terras do português João Machado a uma comitiva de aviação comandada pelo francês Paulo Vechet. Era a localização perfeita para a construção de um campo de pouso e decolagem, aproveitando as características geomorfológicas ideais do local, situado sobre o Tabuleiro de Parnamirim. Posteriormente, durante a Segunda Guerra Mundial, realiza-se a construção de uma Base Aérea a partir de um acordo entre Brasil e Estados Unidos. Assim, trabalhadores vindos tanto do interior do estado quanto de outros estados brasileiros chegaram ao município para construir e trabalhar na Base Aérea Brasileira. 32 Nesse contexto, a aviação foi uma importante atividade para o município em termos de investimentos, graças à presença de imigrantes, trabalhadores e da imprensa que noticiava os acontecimentos, que se instalaram no local. Esses investimentos resultaram na urbanização de Parnamirim, que atualmente é considerada como 100% urbanizada, segundo a Prefeitura de Parnamirim. No entorno desta Base Aérea, conforme cita Souza (2006), a função militar e o Governo Estadual trazem a urbanização em forma de infraestruturas como rodovias, ferrovias, aerovias, correios, eletricidade, telefonia, rede de água e bancos, que acabaram por auxiliar na fase de investimentos industriais que ocorreram no município durante a década de 1970. Além disso, a origem de Parnamirim está ligada às necessidades de expansão mercantilista de Natal, sendo um município favorecido pela sua posição geográfica próxima à capital, pelas relações que proporcionava e pela produção e possibilidade de circulação, constituindo-o como uma expansão da urbanização da capital do estado. Em 23 de dezembro de 1948, Parnamirim se torna distrito de Natal. Mas com o Decreto de Lei número 2325 em 17 de dezembro de 1958, quase completando uma década como distrito da capital, Parnamirim torna-se um município. Atualmente, o município é constituído por 24 bairros, incluindo Área Militar e Área de Expansão. A Figura 2 indica como se dá essa organização espacialmente. 33 Figura 2 - Organização dos bairros do município de Parnamirim, no Rio Grande do Norte Fonte: Prefeitura de Parnamirim – Limites dos estados do Brasil e dos Mincípios (IBGE) apud Sodré, 2017, p. 17. Em relação à população do município, segundo o censo feito pelo IBGE (2020), ele possui uma população estimada em 267.036 habitantes, resultando em uma densidade demográfica de 1.639,70 habitantes por km2. No estado, o município ocupava e ainda ocupa o 3º lugar de maior população, segundo dados do censo do IBGE (2010). 34 O histórico do município de Parnamirim é de um crescimento populacional lento até o advento da Segunda Guerra Mundial, com vindas de muitos imigrantes para habitar o município. Na década de 1960 também houve um crescimento do número de moradores graças às obras na rodovia federal BR-101 (antiga RN 01) (PEIXOTO, 2003). Na década de 1970, a partir de financiamentos da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, segundo Giesta (2016), houve o crescimento da industrialização, contribuindo como fator de atração para a dinâmica imobiliária nas margens da BR-101. Também nessa época até a década de 1980, ressalta-se o crescimento no litoral do município, através da busca por casas de veraneio (SILVA, 2010 apud GIESTA, 2016). De acordo com Giesta (2016), na década de 1990 ocorreu uma migração no sentido Natal-Parnamirim por meio de dois eixos: a faixa litorânea e o bairro de Nova Parnamirim, este segundo graças a conexão entre os dois municípios por meio da Rota do Sol e da Avenida Ayrton Senna. Segundo dados de censos feitos pelo IBGE, mostrando o histórico de ocupação do município de Parnamirim, conforme pode ser visto no Gráfico 3, a partir de 1970, quando houve uma forte implementação da indústria no município, até 2020 houve um crescimento populacional em Parnamirim de 252.534 habitantes. Conforme Giesta (2016) analisa, o maior crescimento percentual de população em Parnamirim ocorreu entre 1980 a 1991, quando cresceu 138,5%, passando de 26.360 para 62.870 habitantes. O segundo maior crescimento percentual de população ocorreu entre os anos de 1991 a 2000, quando cresceu 98,33%, passando a ser de 124.690 habitantes. 35 Gráfico 3- Crescimento populacional do município de Parnamirim de 1970 a 2020 Fonte: Elaboração do Plano de Mobilidade Urbana de Parnamirim / RN, 2017. Entre 2000 a 2010, os bairros com maior percentual de aumento demográfico do município foram Emaús e Nova Parnamirim, com este último apresentando um percentual de crescimento de 116,72%. O PIB (Produto Interno Bruto) per capita no município, segundo dados do IBGE (2018) era de R$20.317,98, ocupando o 22º lugar no ranking do estado. Já o IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal), segundo o IBGE (2010), era de 0,766, ocupando a 1ª posição do ranking do estado, melhor até mesmo do que o de Natal, que no mesmo ano era de 0,763. Os dados do censo do IBGE (2018), indicam que a média salarial mensal dos trabalhadores formais do município é de 1,8 salários mínimos, ocupando dessa forma a 59ª posição comparando com outros municípios do estado. No mesmo ano, o total de pessoal ocupado era de 45.166 pessoas, totalizando uma proporção de 17,7% de pessoas ocupadas em relação à população total do município, ocupando a 15ª posição no estado nesse quesito. Além disso, Parnamirim possui uma infraestrutura de qualidade. Segundo o censo feito pelo IBGE (2010), 15 dos 24 bairros do município contidos na Tabela 1 tinham índices percentuais acima de 80% no sentido de coleta de lixo, de distribuição de energia e água, com exceção apenas do índice de coleta de lixo do bairro Parque do Jiqui, que apresenta um índice de 59,96% de coleta de lixo. Apenas o esgoto tem índices de medianos a baixos, sendo o do bairro de Santa Tereza o menor índice (4,70%) e o de Cohabinal o maior índice, atingindo 79,98%. 0 50,000 100,000 150,000 200,000 250,000 300,000 1970 1980 1991 2000 2010 2020 36 Tabela 1- Infraestrutura implantada por bairro em Parnamirim - RN (2010) BAIRRO % LIXO % ENERGIA % ÁGUA % ESGOTO Boa Esperança 87,91 87,86 95,47 35,03 Centro 99,25 85,56 92,03 19,10 Cohabinal 99,48 92,91 99,69 79,98 Emaús 96,85 93,24 97,04 72,34 Jardim Planalto 99,41 92,34 98,95 30,82 Liberdade 82,92 86,18 98,23 38,61 Monte Castelo 99,62 87,35 99,12 61,56 Nova Parnamirim 90,31 92,61 98,11 79,20 Parque de Exposições 99,83 92,11 99,38 33,84 Parque do Jiqui 59,96 96,90 96,90 74,34 Passagem de Areia 97,76 87,78 92,28 51,58 Rosa dos Ventos 83,24 87,09 99,32 39,85 Santa Tereza 99,50 82,72 98,50 4,70 Santos Reis 92,92 87,32 93,89 71,78 Vale do Sol 99,00 89,70 98,74 67,55 Fonte: IBGE, 2010 apud Giesta, 2016, p. 99 (adaptado pela autora). Ainda acerca da infraestrutura, somente entre os anos de 2001 a 2006, de acordo com a SEMPLA - Secretaria Municipal de Planejamento e Desenvolvimento Econômico de Parnamirim (2008), a área total de pavimentação feita no município de Parnamirim atingiu 1.295.421,62 m2. A respeito de serviços de saúde, no município existem, segundo o IBGE (2009), 70 estabelecimentos de saúde, sendo 33 da esfera privada e 37 da pública, 2 deles de emergência. Há 166 leitos para internação, todos do setor público. Dos estabelecimentos citados, a Tabela 2 apresenta a quantidade de estabelecimentos no município segundo a modalidade de prestação de serviços. Tabela 2- Modalidade de prestação de serviços dos estabelecimentos de saúde do município de Parnamirim/RN MODALIDADE QUANTIDADE DE ESTABELECIMENTOS Particular 31 Plano de terceiros 23 Plano Próprio 2 Sistema Único de Saúde (SUS) 52 37 Fonte: IBGE, 2009. Entre os serviços prestados pelo SUS, 38 são do SUS ambulatorial, 2 do SUS diálise, 2 de emergência,2 de internação e 2 de Unidade de Terapia Intensiva/Centro de Terapia Intensiva (UTI-CTI). Já a respeito da educação do município, na Tabela 3, está contido o grau de escolaridade da população de Parnamirim, de acordo com o IBGE (2010), separado em 5 categorias diferenciadas. Tabela 3- Grau de escolaridade da população de Parnamirim GRAU DE ESCOLARIDADE QUANTIDADE DE PESSOAS Sem instrução e ensino fundamental incompleto 66.452 Ensino fundamental completo e ensino médio incompleto 26.954 Ensino médio completo e ensino superior incompleto 57.537 Ensino superior completo 20.431 Não determinado 692 Fonte: IBGE, 2010. Percebe-se então que 38,62% das pessoas não frequentou a escola ou frequentou, mas não chegou sequer a completar o ensino fundamental. Porém, também é possível visualizar uma grande quantidade, de 45,31% que finalizou o ensino médio, contabilizando com as que chegaram a concluir ensino superior. Já acerca dos serviços de segurança, em Parnamirim, pode-se encontrar 18 estabelecimentos, entre delegacias de polícia, batalhão de polícia militar, presídio e departamento de polícia. 3.2 O bairro de Nova Parnamirim Nova Parnamirim é um bairro do município de Parnamirim que possui uma área de 7,21 km2, sendo o 5º maior bairro em área do município. Ele faz limites ao Norte com o Morro Carminha, que o divide com Natal, capital do estado; ao Sul com o Rio Pitimbu até a Barreira do Inferno, um centro de lançamento de foguetes; a Leste faz limite com o Oceano Atlântico e a Oeste com a BR-101. A criação desse bairro passou por algumas fases. Em 23 de maio de 1989, foi decretada, através da Lei número 609 a criação do Distrito de Nova Parnamirim, promovendo uma maior 38 integração entre os municípios de Parnamirim e Natal, este primeiro estava bem desenvolvido industrialmente e ganhando importância. No entanto, após mais de quatro anos de sua criação, em 22 de novembro de 1993, através da Lei número 803, esse distrito é extinto e se divide, a partir disso dando origem a dois bairros: o Parque do Pitimbu, com 298 hectares de área e o Parque dos Eucaliptos, com 418,56 hectares (NICOLAU, 2008). Porém, o bairro de Nova Parnamirim finalmente é criado na forma como está atualmente quando foi sancionada em 5 de abril de 2004 a Lei número 1222/2004, através da incorporação dos bairros Parque dos Eucaliptos com o Parque do Pitimbu, retomando o nome Nova Parnamirim, este se torna, a partir de 2004, um dos 24 bairros existentes no município de Parnamirim atualmente, incluindo a Área Militar e a Área de Expansão. Nova Parnamirim, antes de constituir-se e ter sua formação urbana, de acordo com Souza (2006), era formado por terrenos de fazendas e chácaras, por exemplo, atuando como local de repouso para alguns moradores ricos de Natal que buscavam espaços mais calmos, então este bairro servia para períodos de descanso desses natalenses. Mas entre 1995 até 2001 ocorreu um avanço das imobiliárias, que compraram terrenos de nove proprietários destas terras para ocupar o local. Ocorre então, a partir da instalação das imobiliárias, o recebimento do bairro de incentivos financeiros, que resultam em desenvolvimento de infraestrutura e de industrialização, atraindo também outras atividades econômicas, principalmente atividades comerciais, acelerando o crescimento populacional do bairro e demandando construções de condomínios residenciais, tanto os horizontais quantos verticais, assim como a expansão das avenidas principais. O bairro de Nova Parnamirim então gera uma atração populacional, e segundo dados do IBGE (2010), o bairro chega a ter 54.076 habitantes, correspondendo a aproximadamente 26,7% da população do município segundo o censo do mesmo ano, que era de 202.456 habitantes. Atualmente, é estimado que a população do bairro seja em torno de 90.000 habitantes, o que corresponde a aproximadamente 33,7% dos habitantes do município de Parnamirim. No entanto, o crescimento do bairro se deu praticamente sem planejamento. Além disso, segundo Souza (2006), a preocupação com as questões socioespaciais causadas pela urbanização é praticamente inexistente por parte da administração pública local, gerando complicações que se alastraram e se alastram ao longo dos anos. 39 Quando o bairro se desenvolveu, de forma rápida e sem a realização de estudos ambientais de licenciamento prévios, a alta impermeabilização do solo ocasionada pelas diversas construções se constituiu um obstáculo para a infiltração natural das águas das chuvas. Esse impedimento requereu a construção de lagoas de captação, para suprir os alagamentos que estavam ocorrendo em épocas de chuvas intensas, que acontecem principalmente entre os meses de março a agosto. A partir desse desenvolvimento de Nova Parnamirim, as principais avenidas existentes no bairro são a Avenida Maria Lacerda Montenegro, a Avenida Abel Cabral e um trecho da Avenida Ayrton Senna, esta última tem boa parte do trecho em Neópolis, bairro natalense, constituindo-se uma forma de acesso entre os dois municípios, mas a BR-101 é ainda a principal forma de acesso entre o bairro e a capital do Rio Grande do Norte. Este bairro faz fronteira diretamente com a Zona Sul de Natal. A localização do bairro é de extrema importância para se compreender suas características espaciais, pois devido a esse fator ele atraiu bastante a especulação imobiliária e se constituiu como um bairro com bom padrão de qualidade de vida. A urbanização de Nova Parnamirim, como visto anteriormente, é então uma expansão da urbanização de Natal, que estava transbordando em direção à sua Zona Sul após atingir seu “limite”. O bairro tem um acesso a Natal por meio de transporte público por ônibus muito mais facilitado do que outros bairros do município. Isso ocorre pois são as mesmas empresas a administrar o transporte de Nova Parnamirim e de Natal, o que não ocorre por outros bairros de Parnamirim, sendo a Trampolim da Vitória a principal empresa de ônibus a atender os demais bairros. Tratando-se de serviços oferecidos, o bairro também atraiu muitas grandes empresas de diversos ramos, que implementaram grandes estabelecimentos no bairro, como redes de super e hiper mercados, centros clínicos de redes particulares, postos de gasolina, academias, redes de farmácias, lojas de materiais de construção, escolas particulares, espaços de lazer, redes de fast food e centros comerciais grandes, por exemplo. Abaixo, a Fotografia 1 mostra uma grande rede mundial de fast food, o Mc Donald’s, localizado na avenida Abel Cabral, o que demonstra o forte poder de atração a grandes empresas que esta área oferece. Perto do estabelecimento, na mesma avenida, há a presença de uma escola particular, condomínios residenciais, grandes redes de farmácia, posto de gasolina e supermercado, por exemplo, corroborando uma movimentação econômica e de pessoas na mesma área. 40 Fotografia 1- Estabelecimento do McDonald's, na avenida Abel Cabral, no bairro de Nova Parnamirim Fonte: Raquel Cristina Tavares Felipe (2021). A Fotografia 2 mostra grande centro comercial, o Shopping Reis Magos, localizado ao lado de um grande condomínio residencial, o Panamericano na avenida Maria Lacerda Montenegro. Perto destes estabelecimentos ainda há posto de gasolina e escolas, também configurando uma área movimentada. 41 Fotografia 2- Shopping Reis Magos, na avenida Maria Lacerda Montenegro, no bairro de Nova Parnamirim Fonte: Raquel Cristina Tavares Felipe (2021). Em 2012, na avenida Maria Lacerda Montenegro houve a inauguração do hipermercado Extra. No mesmo ano foi inaugurado o supermercado Nordestão (Fotografia 3), localizado na mesma avenida, ao lado do condomínio residencial Colinas do Sol, um dos primeiros condomínios a se instalar no bairro, separados pela rua Carmindo Quadros. Estes estabelecimentos foram
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