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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COMUNICAÇÃO SOCIAL - AUDIOVISUAL MARIA FERNANDA ALVES SANTOS O game e o Poder da Narrativa: A imersão audiovisual no jogo The Last of Us Part. 2 TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Natal 2021 MARIA FERNANDA ALVES SANTOS O game e o Poder da Narrativa: A imersão audiovisual no jogo The Last of Us Part. 2 Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao Curso de Comunicação Social - Audiovi- sual, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de graduada. Orientador: Juciano de Sousa Lacerda Natal 2021 Santos, Maria Fernanda Alves. O game e o poder da narrativa: a imersão audiovisual no jogo The Last Of Us Parte 2 / Maria Fernanda Alves Santos. - Natal, 2022. 47f.: il. color. Monografia (graduação em Comunicação Social - Audiovisual) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2022. Orientador: Prof. Dr. Juciano de Sousa Lacerda. 1. Videogame - Monografia. 2. Narrativa - Monografia. 3. The Last Of Us - Monografia. I. Lacerda, Juciano de Sousa. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 659.3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710 Dedico este trabalho aos meus pais, por sempre acreditarem nos meus sonhos e capacidades e jamais me impedirem de fazer o que realmente amo. Dedico aos meus professores, grandes sábios e que me abriram os olhos para universos repletos de conheci- mentos, além de mostrar com muito amor e afinco a beleza por trás da profissão. Dedico ao meu melhor amigo Max, por sempre falar de jogos comigo e me apresentar boa parte dos que eu conheço. E por fim, dedico este trabalho aos próprios games, pequenos universos em que foi possível me divertir e também começar a apreciar como um produto, uma obra de arte. Agradecimentos Queria agradecer ao professor Ivan Mussa por me mostrar as maravilhas do universo da direção de arte e por sempre fazer ótimas menções a games durante suas aulas. A professora Janaine Alves, que abriu um espaço em sua aula para debate sobre games, além de ter me auxiliado em diversas dúvidas sobre este trabalho. Ao professor Gustavo Bittencourt que me ajudou imensamente em sua disciplina de trilha sonora, e ao professor Hélcio Pacheco que me mostrou o universo por trás das ondas de rádio, me permitindo olhar com outros olhos para a ambientação dos jogos durante este trabalho. E por último, e não menos importante, queria agradecer ao professor Juciano Lacerda por aceitar me orientar durante este trabalho, compartilhar seus conhecimentos, me ajudar a elaborar toda a estrutura e fazer diversas indicações acerca de autores e profissionais que poderiam me ajudar na construção dos meus parágrafos. Sem vocês este trabalho não seria possível. Todos os homens sonham, mas não da mesma forma. Os que sonham de noite, nos recessos poeirentos das suas mentes, acordam de manhã para verem que tudo, afinal, não passava de vai- dade. Mas os que sonham acordados, esses são homens perigosos, pois realizam os seus sonhos de olhos abertos, tornando-os possíveis.” T. E. Lawrence Resumo O objetivo deste artigo é compreender de que forma recursos audiovisuais, como direção de arte e trilha sonora, presentes na narrativa do jogo The Last of Us Part 2, influenciam em uma possível imersão na narrativa do produto final, com base em pesquisa, análise de entrevistas dos produtores e desenvolvimento da estrutura dos games ainda durante sua criação. Palavras-chave: Audiovisual. Roteiro. Narrativa. Cultura Participativa. Jornada do Herói. The Last Of Us Part 2. Abstract The aim of this article is to understand how audiovisual resources, such as art direction and soundtrack, present in the narrative of the game The Last of Us Part 2, influence a possible immersion in the narrative of the final product, based on research, analysis of interviews of producers and development of the structure of games still during its creation. Keywords: Audiovisual. Script. Narrative. Participatory Culture. Hero’s Journey. The Last Of Us Part 2. Lista de ilustrações Figura 1 – Dina e Ellie durante encontro na biblioteca. . . . . . . . . . . . . . . . . 28 Figura 2 – Joel tocando a música Future Days. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Figura 3 – Ellie durante o flashback de uma visita a um museu. . . . . . . . . . . . 29 Figura 4 – Abby e Owen durante caminhada na neve. . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Figura 5 – Ellie observando Joel enquanto Abby o espanca. . . . . . . . . . . . . . 31 Figura 6 – Abby caminhando por Seattle. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 Figura 7 – Ellie cavalgando nos arredores de Jackson. . . . . . . . . . . . . . . . . 32 Figura 8 – Ellie amarrada por Many e Owen. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 Figura 9 – Dina e Ellie encontrando um cadáver em um hotel abandonado. . . . . . 33 Figura 10 – Ellie e o bebê filho de dina na fazenda. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 Figura 11 – Abby amarrada e deixada para morrer. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Figura 12 – Ellie sozinha após o confronto final do jogo. . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Figura 13 – Joel e Tommy no início do jogo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 Figura 14 – Alanzoka reagindo a cena da morte do Joel. . . . . . . . . . . . . . . . 42 Figura 15 – Cellbit reagindo a cena da morte do Joel. . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Figura 16 – Calango reagindo a morte do Joel. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Sumário 1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 2 Uma viagem de 1962 a 2020 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 2.1 Uma brave evolução dos games . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 3 O Jogador Ajudando a Fazer o Jogo? . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 4 Além do entretenimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 5 Dando Play em The Last of Us Part2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 5.1 Conhecendo o Elenco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 5.2 Por dentro do game . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 6 Uma análise por dentro do jogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 6.1 Os Pontos Chave do Roteiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 6.2 Viajando pela Direção de Arte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 6.3 Curtindo a Trilha Sonora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 7 Um jogador realmente imerso? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 8 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 9 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 10 1 Introdução Desde a pré-história, o homem sente a necessidade de contar histórias, sejam elas através de desenhos ou pinturas, escritos ou até mesmo filmes e jogos. Com o avanço da tecnologia, as formas de contar histórias também evoluíram, tanto na pintura, com a possibilidade de se fazer artes digitais; quanto na leitura ou até mesmo no teatro. As diversas formas de contar histórias evoluem cada dia mais e não foi diferente com os jogos eletrônicos, que ganham cada vez mais recursos para contar suas histórias e fazer com que os jogadores embarquem em seus roteiros. Neste trabalho de conclusão de curso, buscaremos compreender quais artifícios conjuntos na narrativa, em específico do jogo The Last of Us Part 2, conseguem dar vida ao roteiro e aproximá-lo da realidade, tanto com sentimentos, sensações e também como conseguem deixar aquele que joga mais imerso na história. Dessa forma, buscaremos compreender quais são os principais artifícios, citados por aquelesque tiveram alguma experiência com o jogo, que fizeram com que esta experiência se tornasse diferente das demais jogatinas. Também buscaremos analisar esses pontos mais a fundo e entender a complexidade de cada um, individualmente, comparando com as escolhas que os produtores do jogo disseram, através de entrevistas, que tornaria a jogabilidade diferenciada. Para então, traçar os pontos em comum entre a experiência e a expectativa em relação à produção. Para que esse objetivo pudesse ser alcançado, foi feita uma análise empírica do jogo e também uma pesquisa, através de um formulário do Google1, para colher informação de outros jogadores. Para complementar a pesquisa, uma análise de gameplays2 foi feita através do site da Twitch3 e no Youtube4, onde é possível observar a reação dos jogadores ao se depararem com determinados elementos presentes na produção. Olhando pelo lado acadêmico, foi feita uma pesquisa bibliográfica com foco nos estudos de jogos e sua criação, mas também buscando uma breve análise sobre as contribuições que a cultura participativa tem na produção. O trabalho foi estruturado em três momentos. Em um primeiro momento iremos adentrar no contexto geral dos jogos, buscando entender como sua produção começou, partindo para sua evolução e por fim como o gênero foi ganhando mais espaço. Também 1 Google LLC é uma empresa multinacional de serviços online e software dos Estados Unidos. O Google hospeda e desenvolve uma série de serviços e produtos baseados na internet e gera lucro principalmente através da publicidade pelo AdWords. 2 Jogabilidade é um termo na indústria de jogos eletrônicos que inclui todas as experiências do jogador durante a sua interação com os sistemas de um jogo, especialmente jogos formais, e que descreve a facilidade na qual o jogo pode ser jogado, a quantidade de vezes que ele pode ser completado ou a sua duração. 3 Twitch é um serviço de streaming de vídeo ao vivo que se concentra em streaming ao vivo de videogame, incluindo transmissões de competições de esportes eletrônicos. 4 YouTube é uma plataforma de compartilhamento de vídeos com sede em San Bruno, Califórnia. Capítulo 1. Introdução 11 trataremos a respeito da cultura participativa, no que se diz respeito a características de uma sociedade que foram esboçadas dentro da narrativa e também como que o próprio público dos games pode ter influenciado em algumas escolhas presentes na produção. Usando essas informações como gancho, veremos como é a criação de um jogo por dentro, analisando algumas etapas de criação e até onde as escolhas poderiam influenciar no produto final. Em um segundo momento, vamos ambientar o universo do jogo The Last of Us Part 2. Compreenderemos qual a temática proposta pelo jogo e a partir daí analisaremos os pontos chave que diferenciam o roteiro do jogo, assim como as escolhas feitas pela direção de arte, trilha sonora e por fim, direção de fotografia. Por fim, mas não menos importante, analisaremos a pesquisa feita em campo e cruzaremos essas informações com os pontos que mais mexeram, de alguma forma, com os jogadores durante as gameplays que foram analisadas. A partir da análise dessas informações, observaremos, através de entrevistas com os produtores, o motivo dessas decisões e se, de fato, foram decisões propositais. Dessa forma, confluiremos se a narrativa presente no jogo The Last of Us Part 2 possuem elementos que, propositalmente, buscam imergir o jogador durante a jogatina, envolvendo-o em seu universo e passando sentimentos e dores dos personagens presentes na trama. 12 2 Uma viagem de 1962 a 2020 2.1 Uma brave evolução dos games O videogame1, para muitos, pode se referir a uma fuga da realidade, para outros, um passatempo, e, ainda existem aqueles que fazem o ato de jogar videogame, sua própria profissão, como é o caso dos jogadores dos E-sports2, que vem ganhando cada vez mais espaço. Com o decorrer dos anos, a narrativa e a estética desses produtos estiveram evoluindo junto com a tecnologia do próprio cinema. Tornando-se, cada vez mais, interativa e atrativa, e, atingindo, por consequência, um público alvo maior. Analisando desde quando o primeiro jogo foi lançado, ainda em 1962, são perceptíveis as diferenças dentro da própria criação do jogo. A começar por uma base de roteiro mais vaga, sem muito contexto, apenas um cenário futurista, sem muitos segredos por trás. Algo linear e com um único objetivo: destruir os inimigos. Spacewar 3 permitia que os elementos narrativos ficassem à mercê da imaginação do jogador, como um contexto ao qual aquela nave havia sido introduzida ali, ou, uma história sobre o piloto dela, tornando o sistema de jogatina mais pessoal, tal como um RPG. Após esse primeiro lançamento, outras empresas seguiram o ramo do Arcade, onde a maior proposta é ter desafios num cenário divertido e muitas vezes colorido, atingindo o imaginário de seu público. O homem encontra a sensação do prazer ao imergir em uma brincadeira ou em um jogo. Ele associa a tensão, a alegria e o divertimento ao jogo: “[. . . ] é nessa intensidade, nessa fascinação, nessa capacidade de excitar que reside a própria essência e a característica primordial do jogo.” (HUIZINGA, 2005, p. 5) Um certo tempo depois, em 1977, a Atari4 resolveria colocar os jogos dos fliperamas em cartuchos, para que, dessa forma, eles pudessem ser levados as casas dos jogadores. Nasciam os primeiros consoles. A febre da Atari não demorou para se espalhar, vendendo diversos cartuchos e fazendo com que diversos jogos fossem produzidos. Com isso, o mercado estava repleto de variedades, fazendo com que a marca se tornasse a pioneira no ramo, e, por consequência, se expandisse cada vez mais. Enquanto no Brasil, ainda em meio a uma pós-ditadura, o regime de entrada e saída de mercadoria estrangeira era muito restrito, o que impedia os consoles de conseguir entrar no mercado. A chegada desse novo recurso de mídia, junto com a televisão, teria um papel 1 Um jogo eletrônico ou jogo eletrónico , também chamado videojogo ou pelo anglicismo videogame, é um jogo no qual o jogador interage através de periféricos conectados ao aparelho, como controles (joysticks) e/ou teclado com imagens enviadas a uma televisão ou um monitor, ou seja, aquele que usa tecnologia de computador. 2 Esporte eletrônico, ciberesporte ou esports, são alguns dos termos usados para as competições organiza- das de jogos eletrônicos, especialmente entre os profissionais. 3 O Spacewar! (Guerra Espacial) é um dos primeiros jogos eletrônicos de computador. Foi concebido por um grupo de estudantes do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos. 4 Atari, Inc. foi uma empresa de produtos eletrônicos, e uma das principais responsáveis pela popularização dos vídeo games. Capítulo 2. Uma viagem de 1962 a 2020 13 importantíssimo para o contexto geral de criação de narrativas, principalmente pelo fato de transformar a televisão, de um aparelho de mídia passivo, para ativo. Narrativas estas que já eram um tanto comuns em jogos de tabuleiro, tanto os jogos mais voltado as regras e estratégias) como o xadrez, até os que envolviam mais a narrativa, os famosos RPG’s (“Role Playing Games5“ ), conhecidos como jogos responsáveis por contar histórias, sendo elas, interativas. Estes, ganhariam vida ao entrarem na telinha do console, dando início às primeiras narrativas mais elaboradas, como Mystery House6 (1980), o primeiro jogo do gênero, a ter gráficos em um computador. Como diz Suely Fragoso, “O jogo é um conjunto de possibilidades, enquanto a narrativa é um conjunto de ações em cadeia. A diferença entre uma sessão de jogo e uma obra narrativa pode parecer pequena para um observador externo, principalmente se a sessão estiver sendo vista posteriormente, numa gravação, por exemplo. Para o jogador, entretanto, as diferenças são evidentes, pois ele sabe que o final depende de suas ações e que, se optar por não executá-las, não haverá sessão, nem mesmo jogo,enquanto um filme, por exemplo, continua sendo o mesmo, independente de estar sendo assistido.” (FRAGOSO, Suely. AMARO, Mariana. 2018, p. 38) Os Arcades, então, já não eram um gênero único, as narrativas nos games já passavam a ganhar mais espaço, com gêneros diferentes como luta, futebol, batalhas, jogos históricos que remetiam a Primeira e Segunda Guerra Mundial, histórias onde era possível escolher entre os caminhos que os personagens tomariam, etc. Com essa evolução das narrativas, o cinema e o videogame começam a se entrelaçar, tanto em termos de roteiro, como é o caso de jogos que foram baseados em filmes, como também no uso da tecnologia dos filmes para construção de cenas em jogos. Apesar do avanço em relação à produção, a qualidade parecia estar em queda já que a demanda por produção de jogos estava alta por parte das empresas, o que fazia com que a qualidade dos jogos caísse drasticamente, como é o caso da adaptação do filme E.T para Atari (1982). Enquanto isso, a procura por parte dos jogadores, estava em baixa. Em contrapartida, uma gigante começou a nascer no outro lado do planeta. A famosa Nintendo7, tinha uma ideia como a Atari, porém, tendo mais cuidado em suas produções, pensando melhor em roteiro e jogabilidade atrativos ao público. Foi a partir daí que surgiu o Donkey Kong8, cativando os jogadores com sua trilha sonora envolvente, desafios divertidos e gráficos bem trabalhados. Não demorou muito para a empresa japonesa produzir seu primeiro console, o NES (1985), apostando em um ‘design’ discreto e moderno. Apesar de 5 Role-playing game, também conhecido como RPG (em português: “jogo narrativo”, “jogo de interpretação de papéis” ou “jogo de representação”), é um tipo de jogo em que os jogadores assumem papéis de personagens e criam narrativas colaborativamente. 6 Mystery House é um jogo de aventura lançado pela On-Line Systems em 1980. 7 Nintendō Kabushiki Gaisha) é uma desenvolvedora e publicadora japonesa de jogos eletrônicos e consoles sediada em Quioto. 8 Donkey Kong é uma série de jogos eletrônicos da Nintendo, criada por Shigeru Miyamoto que gira em torno do personagem Donkey Kong. Capítulo 2. Uma viagem de 1962 a 2020 14 suas poucas vendas, o console logo mudou a forma de se jogar videogame. Como vimos anteriormente, os primeiros games dependiam muito a própria imagina- ção do jogador para estabelecer um contexto, não se pensava muito em uma direção de arte que pudesse envolver o jogador, até porque a própria tecnologia não permitia que os consoles rodassem arquivos muito pesados, então, quanto menor a quantidade de detalhes, mais fluído o jogo seria. Após a Atari conseguir popularizar os jogos, a tecnologia começou a avançar e, na chegada dos anos 80, a Nintendo começou a dar as caras, modificando um pouco o cenário minimalista. Super Mario Bros, de 1983, já conseguia trazer as cores para seu universo. As roupas do Mario já haviam sido pensadas, mesmo que em pixel art, e os inimigos também já tinham um trabalho de direção de arte. Os cenários, que o personagem tinha de percorrer, já começava a ser pensado, moldado conforme os novos desafios no avanço do game. Mas foi no console seguinte, no Nintendo 64, que tudo começou a mudar. As três dimensões começavam a surgir na tecnologia dos games e, com o 3D, era muito mais fácil conseguir explorar os jogos artisticamente falando. A Sony, logo em seguida, também começou a trabalhar em cima dos gráficos 3D, permitindo que diversos outros jogos fossem lançados, ainda que engatinhando na direção de arte, porém, já tendo um pensamento avançado em relação a caracterização de personagem, figurino, dimensões de cenário, trilha sonora e efeitos sonoros também. Após a Nintendo surgir com sua nova forma de produzir games, os jogos começaram a trazer características 3D para suas produções, deixando os jogadores absurdamente impressionados com o nível de realismo para aquela época, o nível de simulação com a vida estava cada vez mais impressionante. Semelhante a tecnologia de algumas animações da Disney e Pixar, como Os Incríveis (2004), Monstros S.A (2001), dentre outros. Já era possível brincar com expressões nos personagens, acrescentar possibilidades de figurinos, incrementar objetos de cena, pensar na arquitetura dos cenários conforme a narrativa pedia. Os estúdios de videogames começavam a conseguir fazer essas modelagens 3D e programar para que o jogador pudesse ter total controle sobre o personagem principal. Juntando estética e roteiro, foi possível obter grandes nomes como Grand Theft Auto San Andreas 9(2004), Resident Evil 4 10(2005), Shadow of The Colossus11 (2005) e God of War12 9 Grand Theft Auto: San Andreas é um jogo eletrônico de ação-aventura desenvolvido pela Rockstar North e publicado pela Rockstar Games. 10 Resident Evil 4, conhecido no Japão como Biohazard 4 (4 Baiohazādo Fō?), é um jogo eletrônico de survival horror e tiro em terceira pessoa desenvolvido e publicado pela Capcom, lançado originalmente para o Nintendo GameCube em 2005. 11 Shadow of the Colossus, lançado no Japão como Wander and the Colossus ( Wanda to Kyozō?),[1] é um jogo eletrônico de ação-aventura desenvolvido pela SCE Japan Studio e publicado pela Sony Computer Entertainment para o PlayStation 2. 12 God of War é uma série de jogos eletrônicos de ação-aventura criada por David Jaffe da Santa Monica Studio, da Sony. Iniciada em 2005 no console PlayStation 2 (PS2), tornou-se carro-chefe para a marca PlayStation, consistindo em oito jogos em várias plataformas, com um nono atualmente em desenvolvi- mento. Capítulo 2. Uma viagem de 1962 a 2020 15 (2005), que, inclusive, tem continuidade narrativa até hoje. Jogos estes que começaram a explorar mundos abertos ou semi-abertos, de forma que além de ter a narrativa principal do jogo, o jogador ainda poderia explorar o mundo que havia sido criado, muitas vezes conseguindo encontrar mensagens escondidas (os famosos easter eggs13), como também minigames14 escondidos. Segundo Huizinga, “[. . . ] o jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente convertidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da vida quotidiana. “(HUIZINGA, 2004, p. 33) A partir daí, já na sétima geração de videogames a Sony15 lança o Playstation 3 (2006). Console que possuía uma tecnologia avançada para a época, contendo leitor de Blu-Ray16, que permitia leitura de arquivos com tamanho mais de duas vezes maior que os dvd’s, mídia utilizada na geração anterior, e uma memória interna que podia ir a níveis como 250GB, superior ao armazenamento da geração anterior que utilizava cartões com normalmente 8 ou 16mb. Mas, o diferencial do lançamento, foram os gráficos e narrativas, mais voltados para a realidade, utilizando agora tecnologia CGI, chroma key e atuações em estúdios. Fazer um jogo tornava-se um novo desafio. Lado a lado com o avanço do cinema, não era mais só a jogabilidade que contava, a estética estava se mostrando cada vez mais importante, tanto para atrair um novo público quanto para conversar com a linguagem que o roteiro estava propondo. Grandes nomes da geração são o Grand Theft Auto V17 (2013) e um dos maiores exclusivos da Sony: The Last of Us18 (2013). 13 Em informática, um ovo de páscoa (ou easter egg, tradução para o inglês, como é mais conhecido) é algum segredo de caráter humorístico escondido em qualquer tipo de sistema virtual, incluindo músicas, filmes, websites, jogos eletrônicos, etc. 14 Um minigame (em português, minijogo; também escrito em inglês como mini-game ou mini game), às vezes chamado em inglês de sub-game, é um pequeno, geralmente são jogos curtos e fáceis. 15 A Sony Interactive Entertainment (SIE) é uma desenvolvedora e publicadora multinacional de jogos eletrônicos e consoles. 16 Disco Blu-ray, também conhecidocomo BD (de Blu-ray Disc) é um formato de disco óptico com 12 cm de diâmetro e 1,2 mm de espessura (igual ao CD e ao DVD) para vídeo e áudio de alta definição e armazenamento de dados de alta densidade. 17 Grand Theft Auto V é um jogo eletrônico de ação-aventura desenvolvido pela Rockstar North e publicado pela Rockstar Games. 18 The Last of Us é um jogo eletrônico de ação-aventura e sobrevivência desenvolvido pela Naughty Dog e publicado pela Sony Computer Entertainment. 16 3 O Jogador Ajudando a Fazer o Jogo? O videogame, por si só, logo quando foi lançado, já trazia a mudança para o tipo de receptor, deixando de ser uma mídia passiva, para ser uma mídia ativa, em que o jogador pudesse ter algum tipo de interação e de fazer escolhas dentro do jogo. Com o passar dos anos e com a chegada da internet1, as possibilidades de interação com os games foi se expandindo cada vez mais, principalmente quando se fala de jogos para desktop. O computador permite que os jogadores e usuários tenham acesso ao código fonte dos jogos, diferente dos consoles. Dessa forma, é possível que os próprios usuários consigam fazer alterações que tragam evoluções para o produto final como novos recursos, melhores gráficos e etc. . . Como também trazer coisas engraçadas. Diversos usuários começaram a ganhar a vida construindo e vendendo os famosos “mods”, que nada mais são que essas alterações feitas no jogo. Segundo Jenkins, “os efeitos políticos dessas comunidades de fãs surgem não apenas da produção e circulação de novas ideias (a leitura crítica de textos favoritos), mas também pelo acesso a novas estruturas sociais (inteligência coletiva) e novos modelos de produção cultural (cultura participativa).” (JENKINS, 2009. pg. 329) Observando tais mudanças, e, por vezes, implementando-as dentro dos jogos, os desenvolvedores passam a ter um olhar, de certa forma, mais aberto para a comunidade de fãs dos demasiados gêneros. Mas o conceito por trás disso vem de muito tempo atrás, cunhado por Jenkins, que afirma que esse é um fênomeno que vem acontecendo cada vez mais, principalmente após a internet trazer tantas novas possibilidades. E, com um aumento do acesso aos aparatos tecnológicos, assim como o crescimento das redes sociais, a produ- ção desse tipo de conteúdo e sua disseminação, são muito mais frequentes que anos atrás, quando a internet ainda dava seus primeiros passos. Segundo Jenkins, um meio é uma tecnologia que permite a comunicação. Um meio é um conjunto de “protocolos” associados às práticas sociais e culturais que cresceram em torno dessa tecnologia (JENKINS, 2009. Pg. 41) Sob esse ponto de vista, após o lançamento do The Last Of Us, ainda em 2013, o jogo pegou muitos jogadores de surpresa, fazendo-os não só se apegar ao universo e a jogabilidade inovadora, mas também se apegar a história e a mensagem por trás dela, e lógico, aos próprios personagens Joel e Ellie. Pensando por este lado e analisando que, na atualidade os fãs influenciam muito na produção dos games, não foi difícil associar pontos do segundo jogo da franquia que tenham sido influenciados pelos mesmos. A começar pelos próprios NPC’s, que no primeiro jogo eram mais agressivos e, agora, na sequência lançada em 2020, parecem ter uma inteligência artificial melhor desenvolvida, além de interagirem entre si, tentando deixar o jogo mais próximo da realidade. Como Druckmann 1 A Internet é um sistema global de redes de computadores interligadas que utilizam um conjunto próprio de protocolos (Internet Protocol Suite ou TCP/IP) com o propósito de servir progressivamente usuários no mundo inteiro. Capítulo 3. O Jogador Ajudando a Fazer o Jogo? 17 diz, nós queríamos ir além. Trazer inimigos mais ameaçadores para aumentar a tensão que estabelecemos no primeiro jogo. (DRUCKMANN, 2019). Além disso, os inimigos não humanos, ou seja, os infectados pelo vírus, também tem uma maior profundidade, mostrando níveis diferentes de evolução com base no tempo em que fica exposto ao vírus. A própria história também explora esse lado, quando trás um momento do jogo em que se é explorado o lugar em que o vírus tenha surgido, e como o tempo pode afetar o corpo já infectado, tudo isso dando mais profundidade ao próprio jogo e deixando-o mais atrativo ao seu público. Como Jenkins cita, “. . . conteúdo bom o suficiente para atrair o interesse de um público modesto, para inspirar a criação de outros artistas, ou para fornecer novos conteúdos que, quando refinados por muitas mãos, talvez se transforme em algo valioso no futurol. É assim que o processo tradicional funciona, e a convergência alternativa representa a aceleração e a expansão do processo tradicional para a era digital.” (JENKINS, 2009 pg. 194) Como dito anteriormente, os “mods” surgem para fazer alterações nos jogos, ge- ralmente são feitos pelos próprios jogadores que pensam em formas diferentes de curtir a jogatina, deixando-a por vezes mais engraçada. Vendo que isso tem acontecido com bastante frequência, os desenvolvedores implementaram um segundo modo de jogo, des- bloqueado após o jogador completar toda a história. Nesse novo modo, o jogador tem total liberdade para escolher itens, quantidade de munição, se tornar invencível, dentre outras coisas, e, dessa forma, explorar ainda mais o universo entregue pela Naughty Dog, que, tem como objetivo, aumentar ainda mais as horas de jogatina do game, e não fazê-lo parecer desinteressante após os créditos. 18 4 Além do entretenimento Quando se fala em videogame, logo se vem a cabeça algo como uma brincadeira, um passatempo, ou algo que não é tão relevante, algo que não se diz respeito a discussões nem evolução como sociedade, principalmente na mente de pais quando veem seus filhos brincando, mas, acontece que desde a criação do primeiro jogo até os dias de hoje, a jogatina está diretamente relacionada tanto a ficção quanto a discussões sociais, políticas e até mesmo sobre discussões sobre diversidade. Como é o caso do próprio The Last Of Us Part 2, que, além da ambientação principal, de cenário apocalíptico e pós pandemia, tem-se tensões políticas entre distintas facções e também discussões sobre comunidades tanto religiosas quanto comunidade LGBTQIA+, como é o caso dos personagens Ellie e Lev, uma lésbica e um homem trans respectivamente. Ortriz cita que, “o jogo é um fenômeno antropológico que se deve considerar no estudo do ser humano. É uma cosntante em todas as civilizações, esteve sempre unido à cultura dos povos, à sua história, ao mágico, ao sagrado, ao amor, à arte, à língua, à literatura, aos costumes, à guerra. O jogo serviu de vínculo entre povos, è um facilitador da comunicação entre seres humanos.“ (ORTRIZ, 2008. Pg. 09) Dentro do universo do game é possível perceber que, em determinados roteiros, indiretamente, são passadas mensagens para aquele que está jogando, mensagens estas sobre uma ideologia ou sobre consequências de determinadas atitudes. No caso do The Last Of Us Part 2, tem-se o tema ódio, e até onde ele leva o ser humano, como uma mensagem principal, em que, no decorrer da narrativa, vai-se mostrando os objetivos iniciais mas também o ônus de insistir em algo apenas com o ódio como motor. Também é mostrada a má política e o que se geram guerras civis e territoriais, na disputa das facções dentro do game. O fanatismo religioso e a intolerância pelo diferente também são abordados, principalmente em relação à comunidade trans, que, na história, é isolada de seu grupo de sobreviventes, apenas por ser diferente. Discussões estas, que são retiradas da própria sociedade atual e que, através do jogo, são abertas e desenvolvidas de forma que essa mensagem seja passada discretamente no decorrer da narrativa. Ainda segundo Ortriz, “[. . . ] jogar não é estudar nem trabalhar, mas, jogando, a criança aprende a compreender o mundo social que a cerca. (ORTEGA, 1990). Dessa forma, a criança aprende valores humanos e éticos destinados à formação integral de sua personalidadee ao desenvolvimento motor e intelectual.” (ORTRIZ, 2008. Pg. 09) Mesmo que, por muitas vezes, o jogo seja julgado como algo não real, supérfluo, talvez ele seja algo muito mais que isso, McGonigal diz que, os jogos encorajam e treinam as pessoas para agir de um modo que não é apropriado na vida real” (MCGONIGAL, 2012, p. 29). Muitos jogadores acabam por optar pelo mundo dos videogames como uma possibilidade de fuga da realidade, mas, segundo a própria história, na região da Lídia, quando passando por escassez de comida, a população começou a inventar jogos e Capítulo 4. Além do entretenimento 19 brincadeiras a fim de esquecer da própria fome, era um dia inteiro jogando para que no dia seguinte pudessem obter o alimento. Essa fuga da realidade, é um exemplo de como pode ser “intencional, ativa, ponderada e, mais importante, extremamente útil” (MCGONIGAL, 2012,16) Para os lidianos, jogar coletivamente em tempo quase integral pode ter sido um comportamento altamente adaptativo às condições adversas. Os jogos tornavam a vida suportável; deram à população faminta uma sensação de poder em uma situação de impotência, um sentido de estrutura em um ambiente caótico. Os jogos lhe proporcionaram uma maneira melhor de viver, quando as circunstâncias poderiam ser completamente insuportáveis e desfavoráveis (MCGONIGAL, 2012, p. 16). Um jogo em si, apesar de parecer algo simples, é dividido em partes, assim como no cinema. Nele, encontramos a primeira parte tida como a Meta, onde encontra-se o objetivo do jogo em si. No caso do The Last Of Us Part 2, tem-se como meta a vingança contra a vilã. A segunda parte importante para o game são as Regras. Através dela o jogo irá ditar como o jogador conseguirá atingir sua meta, não só o caminho que deve percorrer mas como deve se portar durante tal. Por último tem-se o Feedback, que é o retorno que o jogo dá ao jogador, para que este saiba se está caminhando de uma forma correta ou se está indo totalmente contra a Meta estabelecida pela proposta do jogo. Por último, mas não menos importante, tem-se a Participação Voluntária, que, como o próprio nome já diz, é uma espécie de comprometimento que se têm ao começar a jornada do game, concordando, indiretamente, com sua propósta, e, no caso do The Last Of Us Part 2, seguindo sua linealidade. McGonigal diz que “dedicar-se a um jogo é a tentativa voluntária de superar obstáculos desnecessários” (MCGONIGAL, 2012, p. 31). E o comprometimento com o jogo é retribuído a partir do momento em que a ambientação, a narrativa e as próprias características do jogo, o fazem perceber que vale a pena correr atrás daqueles objetivos, que a recompensa no fim da jornada os fará ter a sensação de dever cumprido e que, enfim, possam voltar para suas próprias realidades e desfrutarem das mesmas. Quando estamos deprimidos, de acordo com a definição clínica, sofremos de duas coisas: uma sensação pessimista de inadequação e uma desanimadora falta de atividade. Se revertêssemos essas duas características, teríamos algo como: uma sensação ótima de nossa própria potencialidade e uma descarga revigorante de atividade. Não há nenhum termo clínico da psicologia para descrever essa condição positiva. Mas trata-se de uma perfeita descrição do estado emocional que sentimos quando estamos jogando. Um jogo é a oportunidade de focar nossa energia, com um otimismo incansável, em algo no qual somos bons (ou no qual nos tornamos melhores) e apreciamos. Em outras palavras, o jogo é o oposto emocional da depressão. (MCGONIGAL, 2012, p. 37) 20 5 Dando Play em The Last of Us Part2 5.1 Conhecendo o Elenco O elenco do game dirigido por Druckmann, é composto por Ellie, uma garota branca, de cabelos castanhos, interpretada pela atriz Ashley Johnson, atriz de 36 anos conhecida por interpretar a Petterson no seriado Ponto Cego, da NBC. Apesar de já ter sido mordida e infectada, se prova imune ao vírus descrito dentro da narrativa. O próximo personagem, também protagonista, se chama Joel, interpretado por Troy Baker. Na trama, Joel é um homem que sobreviveu a explosão da pandemia, porém, perdeu sua filha no processo. Ao conhecer Ellie, ele acaba por desenvolver uma relação afetiva, vendo-a como sua segunda filha. Abby é a antagonista do game, sua voz é feita pela atriz Laura Bailey, conhecida por atuar em outros videogames como Avengers, Spider-man, Gears 5 e etc. Seu rosto é inspirado na designer Jocelyn Mettler e seu corpo é baseado na body builder Colleen Fotsch. Abby perdeu seu pai quando Joel salvou Ellie, no processo de vacinação, ainda no primeiro jogo. A personagem busca por vingar a morte de seu pai no deecorrer da segunda narrativa da franquia. Shannon Woodwar, famosa por interpretar Elsie Hughes no seriado Westworld, faz a voz de Dina, namorada de Ellie e parceira em sua busca por Abby. Sua aparência foi baseada na atriz Cascina Caradonna. Tommy, irmão de Joel, aparece como um aliado e como fomentador para a vingança contra a morte de seu irmão. Seu corpo e voz são interpretados por Jeffrey Pierce, que já havia participado das gravações de Call of Duty WWII. Com esse núcleo principal de personagens, o game começa a desenvolver sua narrativa a partir de um gancho deixado ainda no final da primeira narrativa. 5.2 Por dentro do game The Last of Us é um jogo produzido pela desenvolvedora norte-americana de jogos eletrônicos, Naughty Dog1, também conhecida por criar e produzir a série Uncharted2 (2007). O jogo se passa em um cenário pós-apocalíptico, onde um vírus denominado Cordyceps sofre mutação e arrasa os EUA. A ambientação do jogo é apresentado através dos olhos do protagonista, Joel Miller, que é apresentado logo no início do primeiro jogo, coincidentemente, início da pandemia. Joel inicia a saga tentando fugir para algum abrigo 1 A Naughty Dog, LLC é uma desenvolvedora norte-americana de jogos eletrônicos sediada em Santa Mônica, Califórnia. 2 Uncharted é uma série de videojogos de ação-aventura produzida pela Naughty Dog e publicada pela Sony Computer Entertainment para as plataformas PlayStation. Capítulo 5. Dando Play em The Last of Us Part2 21 junto de sua filha, Sarah, e seu irmão Tommy, porém, em meio a essa fuga e ao caos que está instaurado, ele acaba perdendo sua filha, acontecimento que marca o personagem e lhe atribui características que serão exploradas no decorrer da narrativa de ambos os jogos da franquia. A narrativa avança para 20 anos após o início da pandemia, onde é possível ver um Joel mais velho e mais maduro, porém, ainda recluso e frio, prova de que a sua perda ainda mexia com ele. Além de focar no personagem, a narrativa explora o contexto social, mostrando que a humanidade encontrava-se dividida em espécies de facções, que dominavam as cidades, e grupos rivais, brigando por armas e mantimentos. Em meio a esse caos, Joel é apresentado a Ellie (14 anos), agora com a missão de atravessar o pais e encontrar um grupo de apoio denominado Vagalumes. Em meio ao caos desse caminho, com Joel assumindo o papel de herói, um laço afetivo é construído entre os dois, fazendo notória a sintonia e aproximação assim como a superação de medos e traumas, assim como a evolução do laço afetivo que é criado ali, podendo ser praticamente um laço familiar. É possível ver que a frieza do Joel vai se esvaindo e sua preocupação com Ellie, que antes era apenas uma mercadoria, passa a ser cada vez mais real e paternal, e, Ellie, por sua vez, que guardava ressentimento por todos que haviam abandonado-a, acaba abrindo-se com Joel e formando um laço de confiança. Quando o Joel e a Ellie chegam no hospital onde os VagaLumes estavam, que, enfim, é revelado o motivo de quererem a garota: a produção de uma possível vacina. E, para que pudesse ser produzida, seria necessário remover um elemento essencial do cérebro da Ellie, consequentemente, sem esta parte de seu cérebro, a personagem viria a óbito. Joel decide ir contra a produção da vacina e invade o local buscandosalvar a garota. É justamente aí que se encontra o gancho para uma continuação, pois a linearidade do jogo apenas leva a entender que só existiria um lado, mas, no contexto do segundo jogo da franquia, é possível conhecer mais a fundo as outras facções e grupos de sobreviventes presentes no cenário apocalíptico, o que acaba surpreendendo o jogador em 2020 no lançamento de The Last Of Us Part 2. O segundo jogo da série apresenta uma narrativa quase poética. Ele se inicia em um diálogo entre Joel (protagonista do primeiro jogo) e Tommy, seu irmão. Nesse diálogo, Joel retorna a uma das últimas cenas do primeiro jogo e narra como conseguiu sair do hospital após resgatar Ellie. No momento seguinte, a narrativa é guiada até o novo local onde estão morando, local este que foi apresentado por Tommy durante o primeiro jogo, o povoado atual tem um clima mais rural e ameno, mostrando a tranquilidade pós-acontecimentos. Após essa introdução inicial aos personagens aos quais o jogador já estava habituado, são apresentados os novos personagens, tanto do ciclo de amizade de Joel e Ellie, quanto de fora. Abby é apresentada em cena como membro de um grupo sobreviventes vindo de fora de Jackson, local onde Joel e Ellie estariam morando. E, então, quando há o encontro Capítulo 5. Dando Play em The Last of Us Part2 22 de Joel e Abby, em meio a toda sua raiva e rancor, ela o assassina na frente de Ellie, que, presa e sem ter como fazer nada, assiste tudo em um choque de horror que é compartilhado pelo próprio jogador, os recursos ao seu redor tornam toda a cena distante, tal como se o próprio estivesse em choque assim como a própria personagem. A partir daquele momento, o sentimento de revolta surge na narrativa e o questionamento do motivo de tudo aquilo, se torna presente. Ellie é deixada para trás, por esse segundo grupo, e volta para Jackson, onde vai a casa do Joel. Ambos aviam tido uma ruptura após o final do primeiro game e nesse momento, percebe-se o quanto que ele estava tentando se reaproximar dela, através de diversos objetos de cena que são mostrados aos poucos, elementos estes que podem ser denominados de easter eggs do primeiro jogo, principalmente fazendo referência a alguns diálogos que ambos possam ter tido. É possível encontrar revistas sobre astronomia - visto que a Ellie queria ser astronauta, um novo violão, entre outras coisas. Após o enterro de Joel, seu irmão Tommy, decide ir atrás da assassina, para obter vingança. Compartilhando da vontade de Tommy, Ellie sai atrás dele acompanhada por Dina, uma garota que ela estaria iniciando um possível romance. O jogo, aos poucos, vai revelando pistas do possível paradeiro da Abby, e, durante o caminho, é mostrado o quanto a vingança está consumindo a personagem Ellie, tornando- a cada vez mais determinada naquilo, mas, também, cega para as coisas que estão acontecendo ao seu redor. O grupo faz uma longa travessia em busca de Abby e seus aliados, passando por diversos desafios e tendo de enfrentar outros grupos denominados Serafitas no meio do caminho. Após um longo caminho e tendo alcançado o fim do rastro, Ellie encontra-se no seu limite de desgaste psicológico. Encontrando-se com os aliados de Abby, ela acaba perdendo o controle e mata um casal de pessoas próximas a vilã, ficando em estado de choque. Ellie acaba entrando em estado de confusão mental e, quando o Tommy chega para resgatá-la, é como se ela o confundisse com o próprio Joel, que teria voltado para ela, fazendo-a acordar de seu transe. Sempre tentamos trazer um equilíbrio para deixar as pessoas animadas com esse jogo. Mostrar um glimpse sobre o tema desse jogo. O ciclo da violência no jogo. Essa ideia de “até onde você iria por vingança”, para trazer justiça àqueles que você ama. (DRUCKMANN, 2019) A narrativa do jogo troca de perspectiva, levando o jogador a conhecer a Abby, ponto de vista relativo aos mesmo acontecimentos que estariam acontecendo com a Ellie. Com a proposta de mostrar outro universo dentro do mesmo cenário, e, dessa forma, começar uma narrativa de desconstrução da própria vilã do jogo, que, em alguns casos, pode até mesmo não ser mais vista como vilã em si. Neil Druckmann, roteirista e diretor, mostra o outro grupo como, literalmente, um grupo de sobreviventes, sem influenciar pontos positivos ou negativos sobre. O jogador começa a ver que na ambientação do jogo, todos os NPC’s Capítulo 5. Dando Play em The Last of Us Part2 23 que foram mortos, tinham amigos, família e laços dentro dali daquele cenário. Nós queríamos ir além. Trazer inimigos mais ameaçadores para aumentar a tensão que estabelecemos no primeiro jogo. [. . . ] Outra coisa que fizemos para deixar os jogadores mais imersos foi colocar inimigos humanos mais ameaçadores. Eles se comunicam entre si. A inteligência artificial é muito mais sofisticada. Reescrevemos a maioria do sistema para esse jogo. Muito desse jogo é uma conversa sobre o ciclo da violência e como fazemos a violência ser impactante para o jogador. Inimigos tem nomes e quando você mata um deles, pode ouvir alguém gritando seu nome. Eles ficam irritados e agitados, mudam seu comportamento. (DRUCKMANN, 2019) A Abby, agora, não é mostrada como um monstro, e, a partir daí é possível descobrir o motivo pelo qual ela foi atrás do Joel, motivo este que foi deixado para trás no fim do primeiro jogo, quando o Joel invade o hospital e mata a todos, inclusive o médico-cirurgião que iria extrair parte do cérebro da Ellie para fabricar a vacina. O pai da Abby. Os motivos da vilã do jogo são mostrados, mas, o roteiro entende que aquilo não seria o suficiente para que o jogador a perdoasse, por tanto, nos três dias que são expostos na narrativa da Abby, o jogador vê-la passar por todo um processo de redenção, onde ela conhece o Lev, um garoto trans, que, devido sua identidade de gênero, é expulso do grupo de sobreviventes que fazia parte. A narrativa cria como que de forma nostálgica, uma grande referência para a forma como o Joel tratou a Ellie ainda no primeiro jogo, e, como os laços desses dois novos personagens, é formado, visto que os Serafitas (grupo que o Lev fazia parte) era inimigo da WLF (grupo que a Abby fazia parte). No fim do terceiro dia, Abby descobre que seus amigos estão mortos, e, novamente num contexto de vingança, vai atrás da Ellie. Após uma violenta batalha, ambas se separam e seguem caminhos diferentes. Ellie e Dina de volta a Jackson e Abby e Lev em busca dos Vagalumes. A narrativa leva a entender que a Abby já havia superado os acontecimentos e estaria pronta para seguir em frente, e, aparentemente, Ellie também. A calmaria se estabelece e o jogador é levado a imaginar que o desfecho do jogo estaria ali, porém, Tommy (irmão de Joel), ainda não estaria pronto para seguir em frente, e, incapacitado de realizar sua própria vingança, vai atrás da Ellie com informações sobre um possível paradeiro da Abby. A vingança, que já havia sido mostrada sem sentido, volta a atormentar a cabeça da protagonista que, abre mão de tudo, e volta para a jornada de perseguição. O roteiro busca mostrar, cada vez mais, o vazio da vingança. Ellie segue os rastros e pistas que são deixados para traz e é levada até uma ilha onde um outro grupo está estabelecido, este, mantendo diversos sobreviventes em cativeiro, e, entre eles, Abby e Lev. A personagem enfrenta todo o novo grupo e consegue chegar até o local onde Abby estaria, porém, a forma como a narrativa apresenta é justamente uma referência ao psicológico tanto do personagem quanto do jogador: exaustos. Ambos sabem que não há mais necessidade de continuar com aquilo. Ellie liberta Abby, que também está exausta e fraca, e é então que o jogador é levado para a cena do confronto final. Capítulo 5. Dando Play em The Last of Us Part2 24 A praia é mostrada como um lugar deserto, sem absolutamente nada, sendo uma referência para onde a vingança as levou. O barco da Abby se põe colocado para frente, como se ela já estivessepronta para seguir em frente, enquanto o barco da Ellie, está na direção oposta, significando que ela ainda não superou o que havia acontecido. Ambas entram em um confronto, as imagens do Joel morrendo mostradas como um flashback da mente da Ellie. E em um momento decisivo, onde tudo estaria prestes a terminar, Ellie deixa Abby ir embora, pois, finalmente, percebe que não seria aquilo que o Joel realmente queria que ela fizesse, não seria aquela pessoa que ele queria que ela se tornasse. Na cena final do jogo, o jogador está de volta na casa da fazenda, onde supostamente encontraria paz e sossego, porém, ela agora está vazia. Não há indicações de quanto tempo havia se passado desde a partida da personagem, o que também se caracteriza como um gancho para um possível terceiro jogo da série. Ellie vai até o violão de Joel e o encara, com cicatrizes de tudo o que já passou, e, olhando o mesmo violão, que é mostrado tanto no início do primeiro jogo quanto no segundo, Ellie, parte, aparentemente sem rumo, deixando o violão para trás, como uma simbologia de que já estaria pronta para superar os acontecimentos e seguir em frente. 25 6 Uma análise por dentro do jogo 6.1 Os Pontos Chave do Roteiro The Last Of Us Part 2, assim como o primeiro jogo da franquia, tem uma narrativa extensa e complexa, onde se pretende explorar muito além do cenário apocalíptico. Sabendo que houve uma grande pandemia que infectou grande parte da humanidade e que, dessa forma, poucos são os sobreviventes, o roteiro, assinado por Neil Druckmann, procura explorar a interação entre os sobreviventes de uma forma que seja leal e condizente com o plano de fundo em que o próprio jogo se apresenta. Schwraz cita que, “os símbolos estão mergulhados em uma lógica que lhes é própria e que representa uma forma autônoma de conhecimento, diferente do enfoque racional clássico. “Os símbolos nunca desaparecem da atualidade psíquica; eles podem mudar de aspecto, 13 mas sua função se mantém a mesma2 ” Por esse motivo, símbolos não podem desaparecer. Eles são os componentes irredutíveis de nossa consciência.” (SCHWRAZ, 2017, p. 37) Através de um ponto chave inserido no fim do primeiro jogo, o roteiro da sequência, começa apresentando ao jogador o velho protagonista: Joel, mas que, no início da trama, já sofre um fim trágico, mostrando que, na verdade, ele agora seria um falso protagonista. Passando a vez para Ellie, que, através da morte dele, vai começar o que é conhecido como “jornada do herói”, onde o personagem busca por vingança, após a perda de seu mentor. Então, a jornada do herói, através do limiar, é simplesmente uma jornada que supera os pares de opostos, na qual se vai além do bem e do mal. [. . . ] Esse tema também é conhecido na mitologia como porta ativa. Tal recurso mítico aparece nas histórias dos índios americanos, nas histórias gregas, nas dos esquimós, em histórias de toda parte. É uma imagem arquetípica que transmite o sentido de ultrapassar o julgamento (CAMPBELL, 2008, p. 139). Diferente do primeiro jogo, a sequência ainda vai trazer dois pontos de vista, tendo a Abby como co-protagonista da história, afinal de contas, o ponto chave do fim do primeiro jogo envolvia o próprio pai dela, o que também vai fazê-la buscar por vingança, trazendo uma segunda jornada narrativa para o contexto do jogo, onde abre-se a dualidade e a exploração de ambos os pontos de vista, “de modo que há uma reação violenta de todo o sistema inconsciente contra o ato e o herói tem que escapar” (CAMPBELL, 2008, p. 142). Muito além que uma narrativa supérflua, as escolhas feitas por Druckmann e Gross, trazem a proposta de fazer com que o jogador fique cada vez mais próximo dos protagonis- tas, sentindo o que eles estão sentindo. O cansaço, a exaustão psicológica, os traumas em que o personagem está exposto, são exemplos de sentimentos que o roteiro tenta passar. Cada jogo aproveita tudo o que nós aprendemos e toda a tecnologia que apren- demos nos jogos anteriores. Então, estar definitivamente usando toda tecnologia, todas as melhorias da Engine que fizemos no Uncharted 4, e agora tivemos vários anos para construir novas tecnologias, para aumentar ainda mais a fidelidade do nosso jogo. (DRUCKMANN, 2017). Capítulo 6. Uma análise por dentro do jogo 26 A narrativa passa aos olhos da Abby, que, até então, era a possível vilã da narrativa. Essa transição, inicialmente falando, faz o jogador ter um sentimento de rejeição por ela, já que, foi a assassina do Joel. Porém, diferente da Ellie, que fica cada vez mais cega por vingança, a Abby que, perde tudo, começa a se erguer das cinzas, começando um processo de redenção com ela mesmo, mostrando que, por sua parte, a vingança já não vale a pena, ao contrário do que a Ellie ainda não consegue enxergar. Druckmann, em entrevista, fala que “o núcleo de The Last of Us é sobre Joel e Ellie e sua jornada, mas também é uma peça conjunto, com todos esses outros personagens se encaixando nesse tema. E, dessa vez, queríamos nos concentrar em alguns dos outros personagens importantes.“ (DRUCKMANN, 2017) O roteiro, com a temática do ódio e da vingança, busca, além de contar uma história com ambos os pontos de vista, passar uma mensagem sobre quem seria o suposto vilão ou mocinho, visto que é um universo em que todos são apenas sobreviventes lutando pela vida. Além disso, ultrapassando o contexto da grande pandemia, a narrativa se concentra em discussões como sexualidade e identidade de gênero, política e religião e também sobre intolerância. Ainda segundo Druckmann, “ [. . . ]nós falamos sobre o tema ódio e do quanto a história gira em torno disso. Isso, você poderia ver de muitas maneiras, então, em vez de lhe dar uma peça de quebra-cabeça sobre a jornada de Joel e Ellie, nós queríamos ir para outro lugar e te dar outra coisa e ver como as pessoas fazem essa conexão.“ (DRUCKMANN, 2017) 6.2 Viajando pela Direção de Arte Quando se fala de direção de arte em games, não é difícil de se pensar no projeto final, já com cenas, cores, dinâmica, jogabilidade e etc. Mas, no processo de elaboração de um jogo, tudo é feito individualmente e por partes. A primeira etapa quando se quer começar a pensar na arte para o jogo, é elaborar uma arte conceitual, é nela onde as primeiras ilustrações e rabiscos estarão inseridos. É nela que começa a se pensar no onde, quando e quem estará envolvido dentro do jogo. No caso do The Last Of Us Part 2, tem-se um contexto de pandemia, aproximadamente se passando em 2017 ou 2018, com os protagonistas já citados acima. No início do projeto, por vezes, esses esboços são chamados de key-art, pois vão servir como base para todo o desenvolvimento do projeto. Uma outra parte muito importante dentro da direção de arte é o desenvolvimento dos personagens. Segundo a narrativa, eles devem se comportar de uma determinada forma, têm uma personalidade, se vestem de uma forma específica. São essas características que vão determinar a aparência física do personagem, ou, pelo menos, influenciar bastante, tanto em sua forma de se vestir, como também em suas feições. Personagens maléficos, por vezes, são compostos de formas mais agressivas, pontudas, enquanto os mocinhos remetem a formas mais delicadas, arredondadas, que causam mais empatia, podendo Capítulo 6. Uma análise por dentro do jogo 27 variar conforme dos criadores queiram. O design de personagens não é a única coisa que irá conversar junto com a narra- tiva, o cenário também diz muito, tanto sobre o lugar quanto sobre a própria história. Os detalhes presentes no TLOUS, por exemplo, remetem a um mundo esquecido em 2013, que foi quando a grande pandemia se iniciou. Ao adentrar em muitas casas, é comum ver apetrechos, principalmente tecnológicos, que remetem a essa época, como televisores, videogames e até mesmo capas de jogos esquecidas, fazendo referências até mesmo a outros jogos exclusivos da Sony e da Naughty Dog. A arquitetura dos lugares também foi pensada para quefosse possível reconhecer as ruas e os lugares das cidades escolhidas na narrativa, além disso, devido a ambientação do jogo, foi feita toda uma “destruíção” em cima do cenário, para se dar a ideia de que estava ambandonado e que o caos havia sido instaurado ali junto com a pandemia. Outro ponto que não pode passar despercebido, é o design de interface do jogo. É nele onde, por muitas vezes, o jogador vai encontrar seus itens e informações no que se diz respeito a própria jogabilidade. A diagramação e as informações devem ser desenhadas de uma forma que não se tornem confusas na hora que o jogador estiver em sua gameplay, informações confusas e mal colocadas, podem dificultar a compreensão de informações cruciais para determinados momentos. O TLOUS, opta por um desing mais minimalista dessas informações, tanto no que se diz respeito a tipografia quanto aos ícones, tornando de fácil entendimento na hora de modificar itens, ver informações ou realizar algum comando. Quando a cor, os criadores optaram por utilizar sempre o branco, que, em contraste com as cores do cenário, torna-se de fácil leitura. A cor nem sempre foi usada no cinema, como sabemos, o cinema surgiu em 1895, representando apenas cenas do cotidiano. A entrada das cores no cinema veio bem depois, e, mesmo assim, ainda trabalhando com tons mais opacos no cenário e mais saturados em seus protagonistas, seguindo as normas da Technicolor 1 (empresa responsável por colorir os rolos). Martin fala que, “a linguagem do cinema tem o poder de criar narrativas diversificadas, podendo ser construídas pelo autor da obra sem uma gramática visual, já que a linguagem visual é criada mediante a aplicação dos meios técnicos e criadores de cada cineasta. Assim, a imagem, apesar da sua exatidão figurativa, é extremamente maleável e ambígua ao nível de sua interpretação, devendo ser trabalhada de acordo com os significados que se deseja transmitir. “(MARTIN, 2003, p. 18). Porém, o uso da cor é muito mais profundo que apenas colorir os rolos. A cor desperta diversos sentimentos e significados no espectador, são utilizadas para passar mensagens seja para algo atraente, perigoso ou apenas para si mesmas. “Experimentar a presença material é estar disposto a uma comunhão de sensibilidades que ocorre entre os materiais da forma fílmica e o corpo” (ANCHIETA, 2019, p. 192). 1 Technicolor é uma marca norte-americana pertencente à Technicolor Motion Picture Corporation em que o processo consistia na coloração dos filmes. Capítulo 6. Uma análise por dentro do jogo 28 O uso da cor, além de passar mensagens, pode despertar significados diversos no espectador, tanto significados que foram pensados com antecedência durante a produção, quanto significados pessoais, dado o conhecimento de mundo e vivência cultural. São inúmeras as pesquisas que comprovam o intenso impacto emocional que as cores são capazes de provocar nos indivíduos. A ciência pode explicar esse fato: as diferentes frequências que as cores possuem possibilitam um trabalho de distinção cromática a ser realizado pelo cérebro. (ABREU; ANDRADE; 2016, p. 3). The Last Of Us Part 2 utiliza das cores como recurso visual, objetivando despertar sensações e significados, mesmo que por muitas vezes de forma indireta, no jogador. O jogo utiliza-se de três principais paletas de cores: azul, sépia e tons de verde. Esses tons são utilizados em diversas cenas do jogo, mas, é possível perceber que alguns tons prevalecem mais em cenas de determinados personagens, tal como se fossem tons que correspondem a determinada pessoa. O primeiro a ser citado será o sépia, que é predominante para a personagem Ellie. Os tons utilizados para a Ellie e para o Joel vão de amarronzados até tons de laranja ou amarelo, sua intensidade é rompida e o contraste entre claro e escuro se vê determinante, o que vai remeter alegria e luz mas também vai significar melancolia. Remetendo a tons do amanhecer e do entardecer, essa cor consegue passar sensações como busca por algo novo e nostalgia. Isso é muito característico do cenário apocalíptico em que a personagem está inserida mas também é característico da familiaridade que o jogador tem com a personagem pois ela também é protagonista do primeiro jogo, então, essa cor busca trazer esse sentimento familiar, como podemos ver nas figuras 1 e 2. Figura 1 – Dina e Ellie durante encontro na biblioteca. Fernanda Santos, 2020 Capítulo 6. Uma análise por dentro do jogo 29 Figura 2 – Joel tocando a música Future Days. Fernanda Santos, 2020 Quando o jogo traz as lembranças da personagem, sua paleta muda um pouco, dei- xando transparecer tons de azul, porém, o marrom e a melancolia ainda se fazem presentes, representando o estado em que a personagem se encontra. O azul, em contrapartida, vai remeter a harmonia, fidelidade e também a saudade, pois é um sentimento forte e presente no contexto de perda em que a personagem se encontra inserida, abaixo mostrada na figura 3. Figura 3 – Ellie durante o flashback de uma visita a um museu. Fernanda Santos, 2020 Capítulo 6. Uma análise por dentro do jogo 30 Quando se observa do ponto de vista da Abby, o cenário fica um pouco diferente. Percebe-se que grande parte de sua paleta é composta de azul, que, como dito anteri- ormente, remete harmonia, mas, nesse caso, vai remeter um pouco de frieza por parte da personagem. Além do azul, podem-se observar tons escuros que vão ao encontro do preto, que remete a morte e a sujeira, e, contextualizando a escolha das cores com os acontecimentos do roteiro, pode-se descrever a personagem como amargurada por uma perda, mostrada na figura 4 e 5. Figura 4 – Abby e Owen durante caminhada na neve. Fernanda Santos, 2020 Capítulo 6. Uma análise por dentro do jogo 31 Figura 5 – Ellie observando Joel enquanto Abby o espanca. Fernanda Santos, 2020 Os tons de verde estão espalhados pelo contexto da narrativa, em pontos diversos. Mas, no geral, sua combinação pode remeter a natureza e calmaria do cenário, e os tons que são mesclados a essas cores como o amarelo e o cinza, por exemplo, pode indicar antiguidade (pois as construções do jogo estão deterioradas) e amarelo e laranja podem indicar o calor da luz do sol, tal como é mostrado na figura 6. Figura 6 – Abby caminhando por Seattle. Fernanda Santos, 2020 Assim como alguns tons de azul e cinza, que, no geral, querem apenas contextualizar Capítulo 6. Uma análise por dentro do jogo 32 o cenário de inverno e de frio, que o jogo traz em alguns momentos, na figura 7 podemos perceber isso. Figura 7 – Ellie cavalgando nos arredores de Jackson. Fernanda Santos, 2020 Em outros momentos, como na figura 8, também por influência do cenário, os tons de verde se tornam mais escuros, mesclando-se com o preto e com o azul. O que pode gerar a sensação de frieza, abandono e também de morte. Essa combinação de cores aparece em momentos em que há um conflito entre sobreviventes ou em lugares com um grande número de infectados. A sensação de frio ou calor também guarda relação com a sensação de especiali- dade transmitida por uma cor: enquanto as cores quentes se aproximam, as frias se afastam do observador. (BOERBOOM; PROETEL; 2020) Capítulo 6. Uma análise por dentro do jogo 33 Figura 8 – Ellie amarrada por Many e Owen. Fernanda Santos, 2020 Na paleta de cores da figura 9, por exemplo, o vermelho é tratado de formas diferentes e é notório o efeito de suas combinações nas cenas. Em certos momentos, o vermelho e o rosa são levados a cenas de massacres, que mostram o ápice da violência dos sobreviventes entre si, levando calor à cena. Figura 9 – Dina e Ellie encontrando um cadáver em um hotel abandonado. Fernanda Santos, 2020 Já em outros momentos, os tons de laranja e vermelho são levados a dar o efeito de calmaria ao jogador, apesar de serem cores quentes, dependendo dos tons que são Capítulo 6. Uma análise por dentro do jogo 34 colocados ao seu encontro, começam a parecer mais frias, formando harmoniana cena. Como é o caso das cenas que acontecem na fazenda, antes do encontro final entre as duas protagonistas. A combinação de cores que levam ao acolhimento, fazem o jogador querer manter aquele cenário e rejeitar os outros por remeterem novamente a vingança e a violência, tal como na figura 10. Figura 10 – Ellie e o bebê filho de dina na fazenda. Fernanda Santos, 2020 E, para finalizar, o combate final entre as protagonistas é feito em paletas mono- cromáticas que trazem tons escuros e leves tons de verde e azul. Nas figuras 11 e 12, essa combinação de tons e a falta de elementos no cenário, vai levar a sensação de vazio na mente das personagens, que já se encontram psicologicamente esgotadas e neces- sitam daquele último acontecimento para que possam dar continuidade às suas próprias narrativas. Capítulo 6. Uma análise por dentro do jogo 35 Figura 11 – Abby amarrada e deixada para morrer. Fernanda Santos, 2020 Figura 12 – Ellie sozinha após o confronto final do jogo. Fernanda Santos, 2020 6.3 Curtindo a Trilha Sonora The Last Of Us Part II, definitivamente, causou uma reviravolta em seu lançamento, tanto com a representatividade da personagem quanto com pontos altos da história, escolhi- dos a dedo dentro do roteiro. É um jogo que faz com que o jogador se sinta imerso do início ao fim, sentindo, muitas vezes, o que os próprios personagens estão passando naquele Capítulo 6. Uma análise por dentro do jogo 36 momento, sentimento este, causado de forma proposital, tanto pela dramaticidade da cena em si com pontos do roteiro, elementos de cena, atuação e montagem, mas, também, com pontos chave como a trilha sonora. Santaolalla, conhecido por ter participado da trilha sonora do primeiro jogo mas também por ter vencido prêmios de melhor trilha com Babel e o Segredo de Brokeback Moutain, fez um excelente trabalho durante o jogo. Um dos primeiros momentos onde a trilha sonora consegue prender no jogo é, ainda, nos primeiros créditos, quando se é ambientado um clima de tensão, praticamente algo de “prender o fôlego”, pois, a continuação do primeiro jogo era muito esperada. A imagem a seguir, traz o braço de um violão com uma mariposa estampada, onde é possível ouvir o som ambiente, a estática e até mesmo o som do toque na madeira do instrumento, misturando o Foley (ruído ambiente) com a recriação dos sons dos objetos e toques, os Sound Effects. O tom do suspense ainda permanecesse em cena, porém, deixando perceptíveis as respirações dos personagens que estão prestes a serem apresentados, como na figura 13. Figura 13 – Joel e Tommy no início do jogo. JeuxOnline, 2020. Disponível em: https://jv.jeuxonline.info/actualite/58099/test-the-last-of-us-part-ii-je-te-prom ets-va-bien-passer No momento seguinte, é possível sentir o pano passando na madeira, logo antes da fala do personagem, o “. . . não sei o que aconteceu. . . ”, como se o passar do pano na madeira, tentando limpá-la, conversasse com o diálogo do Joel: tentar clarear a mente, criando toda uma paisagem sonora da sala, dos presentes e do objeto. O drama da cena continua, tal como se fosse uma lembrança triste e prestes a ser lembrada, o som do pano Capítulo 6. Uma análise por dentro do jogo 37 contínua, conforme o personagem limpa a madeira, tal como um ritmo dado ao diálogo, conduzindo o ritmo da cena, a mistura de sons diegéticos externos e internos: pensamentos e realidade se mesclando. Em cena, o flashback é exibido, porém, o áudio original da cena permanece, o som da tensão vai aumentando, provocado pelo inconsciente do personagem, mais uma vez um som diegético interno, tal como se a lembrança fosse tão difícil para o Joel quanto é para o próprio jogador. É perceptível que, enquanto o Joel está em cena, a tensão da música fica um tanto mais abafada, pois, é uma lembrança, porém, quando o flashback entra, a tensão aumenta, dando relevância ao acontecimento marcado ali e não ao presente da narrativa. Dentro do flashback, apesar de todos os sons terem sido abafados pelo sentimenta- lismo que é trazido, Santaolalla decidiu que o som dos aparelhos na sala em que a Ellie é mostrada, deveriam participar da narração do Joel, uma metalinguagem sonora: o som dentro do som, o externo dentro do interno, o que torna a lembrança não só mais viva como também mais dolorosa, pois, tratava-se de um ponto que havia marcado a relação de ambos dentro da narrativa. O som dos batimentos cardíacos começam a conversar com o som do pano no violão, trazendo o jogador de volta a cena inicial e mais uma vez fazendo os sons diegéticos conversarem um dentro do outro. A justificativa é dada pelo personagem sobre aquele acontecimento e, então, ocorre uma nova quebra da linearidade, retornando ao passado e tornando a cena viva, como se o Joel estivesse vivendo novamente aquele momento. O inconsciente reconstrói a cena enquanto a narrativa é contada, os sons ambientes (Foley) e externos são trazidos à tona. O baque da porta abrindo, o susto dos enfermeiros, a ânsia pelo médico de proteger a possível única cura. . . Já não se faz mais necessário o drama da música anterior para que a cena ganhe ritmo, permanece apenas um som de tensão ambiente, os ruídos da sala e apenas isso se faz necessário para que seja perceptível a difícil decisão que Joel está prestes a tomar, novamente adentrando no inconsciente da lembrança. O som se esvai como as ondas em um lago, tomado pelo silêncio e, a cena retorna para o presente, como um suspiro do próprio jogador, que, querendo ou não, viveu aquilo na pele do protagonista. Novak diz que, “o áudio pode ser extremamente importante para a atmosfera do game, tanto para definir o clima como para alterá-lo. Pode-se usar áudio para fornecer indicações sonoras ao jogador, intensificar sua satisfação e aumentar a qualidade de um game. Embora os elementos gráficos atraiam o jogador para a cena, o áudio exerce um efeito imersivo ao jogador que raramente é obtido somente com gráficos.” (NOVAK, 2010, p. 272) Após o questionamento feito pelo Tommy: “o que você fez?”, o flashback retorna ao hospital onde a Ellie estava, o som do “vazio” volta, apenas os aparelhos podem ser ouvidos, novamente um som diegético causado pelo interior do personagem, mostrando que apesar da chacina que acontecera ali, não havia arrependimentos por parte dele, pois, seu objetivo de salvar a garota havia sido cumprido. As sirenes disparam quando ele consegue liberar Capítulo 6. Uma análise por dentro do jogo 38 a Ellie e a música dramática ressurge, junto com o ponto alto da narrativa, voltando a dar ritmo. A mescla de ambos, remetendo a uma possível confusão mental traz o jogador de volta ao presente, retomando a calmaria. A verdade, enfim, vem à tona, quando Joel relembra como foi contar tudo o que havia acontecido para a Ellie, e então, enfim, a introdução da nova história. A música de tensão, de uma lembrança dolorosa, começa a se mesclar a primeira música do jogo, uma clara mudança e direcionamento de ritmo expressado através de um dedilhado de violão, bem no fundo. Quando ambos os personagens decidem retornar a Jackson, povoado criado para proteção das pessoas no cenário pós-apocalíptico, e, abrem o portão da casa onde estavam, a música morre, dando ênfase, novamente, ao som ambiente: barulho da mata, som do vento, batida dos cascos dos cavalos. . . E, enfim, a code sing chega ao fim, permitindo que o jogador comece a jogar de fato. Início este marcado pela continuação do dedilhado, porém, com uma batida ritmada e ressonante, onde o som das cordas ecoam enquanto os cascos dos cavalos vão de encontro ao chão de terra, o Foley se mescla aos Sound Effects. O som das folhagens e dos pássaros começam a fazer parte da melodia, porém, é o som do violão que predomina, dando a entender que Jackson estaria em uma calmaria após os acontecimentos do primeiro jogo, novamente a música dá o posicionamento que o roteiro quer que o jogador tome. Quando começam a se aproximar do vilarejo,outros instrumentos começam a se mesclar ao violão, porém, sem deixá-lo perder a predominância ali. A trilha desse primeiro momento e o passeio do Joel e do Tommy fazem o jogador se ambientar com o cenário novo, tentar entender como foi montado. Após essa ambientação, e, já em Jackson, a música morre, trazendo o silêncio e sons ambientes, permitindo ao jogador andar livremente pela cidade. Como a música muitas vezes se liga à memória de uma atividade, ela também adquire um significado especial e associações pessoais. Por exemplo, uma mú- sica de amor popular pode trazer instantaneamente lembranças de um primeiro encontro, um hino de rock pode reativar a memória de ganhar um evento esportivo, e uma melodia de video game pode trazer de volta a lembrança de derrotar um chefe poderoso. Esta pode ser a razão pela qual as bandas cover de músicas de jogos existem. O relacionamento que as pessoas experimentam com músicas de jogos compartilha um ponto comum com o lugar em que a música popular ocupa em suas vidas. Ambas as formas de música servem como a trilha sonora de ações pessoais significativas, e ouvir a música associada a essas ações tem o forte potencial de trazer memórias vívidas. As melodias de jogos podem, de fato, funcionar como embaixadoras mnemônicas para os jogos dos quais elas vieram, lembrando os jogadores da diversão que eles tiveram enquanto jogavam. (PHILLIPS, 2014, pág. 56) Após essa introdução, o jogo é iniciado e a história começa a mostrar ao jogador de- terminados pontos chaves que aconteceram após o primeiro jogo, tal como uma atualização. E então, chega-se à cena àpice do jogo. Narrativamente, após uma perseguição de uma horda de infectados, Abby (vilã do jogo) e Joel, conseguem encontrar os amigos dela, que os acolhem de forma amigável, porém, algo começa a não parecer certo, e, a trilha sonora faz um papel importantíssimo nesse momento, traçando o ritmo que o roteiro quer levar. É Capítulo 6. Uma análise por dentro do jogo 39 possível ouvir pequenos toques dramáticos por baixo da ambientação, num ritmo que quase lembra batimentos cardíacos, novamente misturando ambos os sons diegéticos, e, conforme eles vão adentrando o abrigo, esses batimentos dramáticos ficam cada vez mais constantes e intensos, mostrando que o ponto chave da cena está se aproximando. Apesar do tom amigável da conversa por parte da atuação dos personagens, os batimentos mostram que algo está próximo a acontecer, e, no momento em que o Joel, enfim, se apresenta, a Abby o identifica no mesmo instante e tudo muda. O silêncio se põe no cômodo, como um próprio personagem presente, os batimentos tomam conta da cena, tirando o fôlego e trazendo a ansiedade à tona, para o que aconteceria no momento seguinte, quando Abby dispara um tiro na perna do Joel. Analisando a história dos sons dos videogames é fácil perceber que houve uma evolução: é um salto expressivo dos barulhinhos em midi do Pitfall da Atari, pas- sando pela musiquinha do jogo Super Mario Bros até chegar aos super games de música atuais. Muitos usuários consideram a trilha fundamental para o desenvolvi- mento dos games : “para mim, um game com som ruim perde metade da graça”, conta Pablo Miyazawa, editor da revista de games EGM – Brasil. Evidentemente, o mesmo especialista ressalta que “(. . . ) uma boa trilha não salva um jogo ruim” (HERSCHMANN, Micael. P. 306)2 O som ambiente deixa que seja possível notar a dor e surpresa dos personagens: tanto amigos de Abby quanto o próprio Joel e Tommy. Sons de dor e gritos traçam o ritmo da cena. Porém, a base sonora ainda continua a mesma, as batidas dramáticas, agora, ritmadas com uma estética um tanto aguda. De forma inconstante, essa perturbação sonora se faz presente e se retira aos poucos, porém, se mantém durante toda a cena: ora ficando mais presente, ora desaparecendo momentaneamente. Fica claro que a Abby estava a procura do Joel por vingança, até mesmo ele tem esse reconhecimento ao ouvir o que ela tem a dizer. Um som de violino começa a se fazer presente, porém, nos intervalos das batidas, tal como se fizesse uma ligação entre elas. É notório que algo ruim está prestes a acontecer e a cena faz todo um preparo para deixar o jogador mais ansioso para esse momento, traçando toda uma melodia que se mescle ao ambiente e traga esse sentimento à tona. O corte é feito para o ponto de vista da Ellie, e, ao chegar até a porta que leva a sala onde o clímax está acontecendo, a trilha brinca novamente com o jogador. Os sons se unem e explodem de uma só vez na cena, assim como um balde de água fria, pois seria o sentimento que a garota estaria sentindo ao ver quem ela considerava como um pai à beira da morte, novamente é perceptível o Foley e sons diegéticos mesclados. O tom dramático toma conta da cena, com a mesma inconstância de antes e um pouco alongado, as vozes se sobrepondo a ele. Quando o ponto chave da cena se aproxima, ele se mantém mais curto e constante, tal como abrindo a expectativa e mostrando que o acontecimento estaria muito próximo, o efeito dando a entender que o coração do personagem estaria muito acelerado. E então, quando a Abby ergue o taco, a música para. Novamente se tem o 2 Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/3919735.pdf Capítulo 6. Uma análise por dentro do jogo 40 som do silêncio. Não existe mais nada, tudo fica em segundo plano, o foco agora é no Joel e na Ellie, é o último momento dos dois. A estática toma conta da cena, e, quando o Joel é atingido, a perturbação sonora se inicia, mostrando a força do trauma que a cena teria para a personagem e para a narrativa e desenvolvimento do jogo: mais nada existe para ela naquele momento. Ela fica indefesa, não consegue focar em nada ao seu redor, tudo fica ofuscado, tal como se houvesse ficado surda. A mescla desses efeitos se repetem em outros momentos de todo o jogo, como quando a Ellie se encontra com dois amigos da Abby, em busca de sua vingança. Mel e Owen estão no aquário e a jovem vai até lá. Ao encontrá-los, e cega pelo ódio que Abby havia causado, Ellie os mata, porém, antes de morrer, Owen a olha e revela que Mel estaria grávida. A mesma perturbação sonora que é feita na cena em que o Joel é morto, vem à tona, mostrando o desequilíbrio emocional da personagem, porém, quando o Tommy a encontra e a chama, é a voz do Joel que ela escuta, o que a faz acordar de seu transe. Uma brincadeira sonora tanto para a personagem quanto para o próprio jogador, deixando claro o cansaço mental tanto do personagem quanto de quem o está controlando, além de ser um ponto chave na história que também é trazido na cena final do jogo. Além dessas cenas, pode-se também citar a vertigem que é mostrada com a per- turbação sonora em todos os momentos em que, ao jogar com a Abby, estando em um lugar alto, o jogador “olhar” para baixo. Devido a seu medo de altura, o jogo faz um agudo muito forte aparecer e a câmera começa a se mover como que simulando uma labirintite, o que casa muito bem com o roteiro e o que é mencionado durante a história da persona- gem. As cenas que deixam os traumas da Ellie evidentes também trabalham muito bem com o sentimento através da música e dos instrumentos, um exemplo é o fato da música “Future Days” que é revelada no início do jogo, cantada por Joel. A Ellie, devido ao trauma, não consegue se lembrar dos olhos dele, e, por isso, não consegue completar a música. Novamente a música dando ritmo aos acontecimentos da narrativa. Segundo Schafer, “no quesito imersão, a música para video games funciona quase da mesma forma que nas radionovelas ou no cinema, quando se busca a identificação do espectador através da emoção. O áudio funciona como forma de ambientar o espaço onde o avatar se encontra, além de ter a função de despertar os mais diferentes sentimentos no jogador.“ (SCHAFER, 2011, pág. 112) 41 7 Um jogador realmente imerso? The Last of Us Part 2 foi um dos jogos mais esperados pela comunidade Playstation no ano de 2020,
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