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MulheresagroecologiaRio-Costa-2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes 
Programa de Pós-Graduação em Psicologia 
 
 
 
 
 
 
 
MULHERES E AGROECOLOGIA NO RIO DE JANEIRO: CONSTRUINDO UMA 
POLÍTICA FEMINISTA A PARTIR DAS MARGENS 
 
Maria da Graça Silveira Gomes da Costa 
 
 
 
 
 
Natal 
2019
 
 
i 
Maria da Graça Silveira Gomes da Costa 
 
 
 
 
MULHERES E AGROECOLOGIA NO RIO DE JANEIRO: CONSTRUINDO UMA 
POLÍTICA FEMINISTA A PARTIR DAS MARGENS 
 
 
 
Tese elaborada sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Magda Diniz 
Bezerra Dimenstein e co-orientação do Prof. Dr. Jáder 
Ferreira Leite e apresentada ao Programa de Pós-Graduação 
em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte, como requisito parcial à obtenção do título de 
Doutora em Psicologia. 
 
 
 
 
 
 
 
Natal 
2019 
 
 
ii 
 
 
Capa: Helena Nehme Yung 
 
 
 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - 
CCHLA 
 
 Costa, Maria da Graça Silveira Gomes da. 
 Mulheres e agroecologia no Rio de Janeiro: construindo uma 
política feminista a partir das margens / Maria da Graça Silveira 
Gomes da Costa. - Natal, 2019. 
 252f.: il. color. 
 
 Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e 
Artes, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade 
Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2019. 
 Orientadora: Profa. Dra. Magda Diniz Bezerra Dimenstein. 
 Coorientador: Prof. Dr. Jáder Ferreira Leite. 
 
 
 1. Agroecologia - Tese. 2. Gênero - Tese. 3. Epistemologias 
feministas - Tese. 4. Direito à cidade - Tese. I. Dimenstein, 
Magda Diniz Bezerra. II. Leite, Jáder Ferreira. III. Título. 
 
RN/UF/BS-CCHLA CDU 631.95:141.72(815.3) 
 
 
 
 
 
Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710 
 
 
iii 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes 
Programa de Pós-Graduação em Psicologia 
 
A tese Mulheres e Agroecologia no Rio de Janeiro: construindo uma política feminista a 
partir das margens, elaborada por Maria da Graça Silveira Gomes da Costa, foi considerada 
aprovada por todos(as) os(as) membros(as) da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de 
Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de doutora em 
Psicologia. 
 
Natal, RN, 28 de março de 2019. 
 
BANCA EXAMINADORA: 
 
________________________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Magda Diniz Bezerra Dimenstein (UFRN, Orientadora) 
 
________________________________________________ 
Prof. Dr. Jáder Ferreira Leite (UFRN, Co-orientador) 
 
________________________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Maria Juracy Filgueiras Toneli (UFSC) 
 
________________________________________________ 
Prof. Dr. João Paulo Sales Macedo (UFPI) 
 
 
 
 
iv 
________________________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Elisete Schwade (UFRN) 
 
________________________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Raquel Farias Diniz (UFRN) 
 
 
 
 
 
v 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Às Marielles, Bertas, Juanas e a todas as mulheres que, 
ao se movimentarem, mudam as estruturas da sociedade. 
 
 
À minha avó Terezinha Pereira da Silva (in memorian). 
Escrevo para nos escrever. Para que tu existas. 
Para que nenhuma memória-mulher-cabocla seja apagada novamente. 
 
 
 
vi 
Agradecimentos 
Os anos de escrita da tese foram embalados por particular angustia, diante do cenário 
político de incertezas que se desenhou nos últimos quatro anos no país. A construção de redes 
de suporte e trocas políticas e acadêmicas foram essenciais para mim e também explicam a 
diversidade dos caminhos pelos quais circulei nesse processo. Tenho, portanto, que agradecer 
a muitos grupos e pessoas que de uma forma ou de outra ressoam política, teórica e afetivamente 
neste trabalho. 
Antes de tudo, gostaria de agradecer a minha orientadora Magda Dimenstein e ao meu 
co-orientador Jáder Leite pela parceria de longa data, por confiarem em meu trabalho, pelo 
aprendizado, por me permitir voar mantendo os pés no chão. 
Agradeço aos professores Maria Juracy Toneli, Raquel Diniz, João Paulo Macedo e 
Elisete Schwade por aceitarem participar da banca e realizar a leitura deste trabalho. Sou grata 
especialmente à Profª. Elisete, minha primeira orientadora de iniciação científica ainda na 
Antropologia e com quem iniciei meus estudos feministas. 
Agradeço à CAPES pela concessão da bolsa de estudos que me permitiu a realização da 
pesquisa e o estágio de aperfeiçoamento na Espanha. 
Ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande 
do Norte (PPGPsi/UFRN) e todos os seus funcionários, particularmente Cilene e Lizi, que com 
tanta paciência me ajudaram a solucionar minhas dúvidas e abacaxis ao longo do caminho. 
Às inúmeras amigas potiguares que entenderam minhas ausências em especial Rayssa, 
Carol, Tati, Valéria, obrigada por não desistirem de mim. À minha irmã de alma Kamila por 
me salvar a vida tantas vezes nesses 10 anos de amizade. À Fábio, Adriana e Carolina por me 
ensinarem a levar com leveza tantos momentos de desespero quando estive em Natal. A todos 
os colegas de PpgPsi, em especial aos do Grupo “Modos de Subjetivação, Políticas Públicas e 
 
 
vii 
Contextos de Vulnerabilidades”. À Ana Helena, Leda, Martha, Ana Izabel por compartilharem 
comigo as dores e as delícias do doutorado. À Maria Laís pela revisão cuidadosa do texto da 
tese. 
À cidade do Rio de Janeiro que em sua beleza, feiura e contradições me ajudou a ver o 
mundo de forma muito mais complexa. Aos companheiros e companheiras da agroecologia no 
Rio de Janeiro, da Rede Carioca de Agricultura Urbana, da Militiva, Coletiva Popular de 
Mulheres da Zona Oeste e Coletiva Hortelã por se abrirem com tanta generosidade para mim. 
Em especial para minhas interlocutoras diretas e indiretas na pesquisa, Ana Santos, Aninha, 
Silvia, Mariana, Francis, Mara, Maria, Renata, Elô, Camila, Selma, Maraci, Saney, Jenifer. Para 
além de companheiras de luta e “participantes”, vocês são coautoras deste texto que eu espero 
que possa contribuir com as lutas no território Zona Oeste, e em outros territórios que resistem 
e enfrentam ameaças diariamente. Ao bairro de Vargem Grande e seus moradores, esse ninho 
de acolhimento em meio ao caos da cidade. 
Às companheiras do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Instituto PACS), 
sobretudo Aline, Marina e Joana com quem pude dialogar diretamente sobre minhas ideias e 
contribuíram bastante com a leitura do texto, com os conteúdos, além de facilitarem de diversas 
formas os encontros e conversas amplas junto ao grupo de mulheres da Zona Oeste. 
Agradeço também aos companheiros do Arranjos Locais Penha, com quem aprendi e 
sonhei junto. Ana, Diego, Marcelo, Patrícia, Mari Portilho, Suzana, Cíntia e as equipes de 
trabalho que acreditaram nas nossas ideias, muito obrigada. Agradeço também aos moradores 
do Complexo da Penha por construírem junto conosco. 
Às companheiras do projeto de extensão Diálogos Feministas e Práticas em Psicologia 
e Direito, Heloisa, Maria Luiza, Marina, Laisa e Josi por embarcar nessa loucura de construir 
ao longo de um ano uma proposta ética e pedagógica feminista para nossas práticas. 
 
 
viii 
Ao grupo de estudos coordenado pelo Prof. Pedro Paulo Bicalho da Universidade 
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ao grupo PesquisarCOM coordenado pela Prof.ª Márcia 
Moraes da Universidade Federal Fluminense (UFF) por me receber e permitir participar das 
discussões e leitura do meu trabalho ainda no início. 
A Fábio Oliveira e todos integrantes do Laboratório de Ética Animal e Ambiental (LEA-
UFF/UFRJ) pelos instigantes debatese a corajosa atuação pela causa animal e agroecológica 
dentro da academia. 
Agradeço ainda à pequena família que construí no Rio ao longo desses anos, o pessoal 
do Pereirão e agregados, em especial minhas queridas amigas Leticia, Iara e Luana. Agradeço 
a Lara Abib pela leitura atenciosa, os puxões de orelha, as levantadas na autoestima, as risadas, 
os choros, os carnavais e a parceria que construímos mesmo com todas as nossas loucuras e 
complexidades. Fechando o bonde carioca/potiguar, agradeço a Felipe, um grande amigo e 
encontro de vida que esteve ao meu lado em boa parte desse processo. 
Aos colegas do grupo LAICOS da Universidade Autônoma de Barcelona pelas 
contribuições ao meu trabalho e ao Prof. Lupicínio Iñiguez-Rueda por me receber no grupo. Às 
amigas Renata, Joyce, Jacqueline e Fang pela acolhida e pelas cervejas e vermuts 
compartilhados. Agradeço também ao grupo Brasileirxs Contra o Fascismo por ter me ajudado 
a sobreviver a uma eleição difícil estando tão longe de casa, com destaque para as queridas 
Paola, Dani e Mariana que foram meu porto seguro em Barcelona. Agradeço a Red Ecofeminista 
da Espanha com quem pude dialogar e repensar outros mundos e teorias possíveis a partir de 
uma ética feminista e ecológica, em particular às professoras Alicia Puleo e Aimé Tapia 
Gonzalez. 
Agradeço especialmente a artista libanesa Helena Nehme, autora da maravilhosa arte da 
capa. Ela que me faz navegadora e tanto me ensina sobre amor, resistência e liberdade. Que 
 
 
ix 
juntas possamos fortalecer ainda mais os laços de solidariedade entre as mulheres do Oriente 
Médio e América Latina. 
 Agradeço a minha família e aos meus ancestrais, principalmente meus pais, Iris e 
Moacyr, que com muito sacrifício e, a despeito de nossas diferenças, foram os maiores 
responsáveis por eu conseguir acessar esse lugar de privilégio que é a educação formal. É uma 
honra poder doutorar-me em universidade pública brasileira! 
As minhas companheiras não-humanas, Nina e Estelita, pelo companheirismo nas 
madrugadas de escrita e o carinho de sempre. 
Por fim, agradeço a todas as mulheres, negras, brancas, mestiças, lésbicas, indígenas, 
trans, cis, pobres, afrontosas, putas, destemidas que lutaram antes de mim para que eu estivesse 
aqui. Parafraseando Audre Lorde, que continuemos a ser poderosas e perigosas! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
x 
 
Sumário 
Agradecimentos ...................................................................................................................................... vi 
Sumário ................................................................................................................................................... x 
Lista de tabelas ...................................................................................................................................... xii 
Lista de figuras ..................................................................................................................................... xiii 
Lista de abreviações e siglas ................................................................................................................ xiv 
Resumo ................................................................................................................................................. xvi 
Abstract ............................................................................................................................................... xvii 
Resumen ............................................................................................................................................. xviii 
Prólogo .................................................................................................................................................. 20 
Introdução: apresentando o campo-tema ........................................................................................... 23 
Habitando paisagens .......................................................................................................................... 33 
Capítulo 1: Gênero, feminismo(s) e as políticas de subjetivação .......................................................... 42 
 Identidade, subjetividade e políticas de subjetivação ............................................................ 49 
 Diálogos a partir dos feminismos pós coloniais .................................................................... 51 
Capítulo 2: Percurso metodológico ...................................................................................................... 59 
 Uma construção a partir do olhar feminista .......................................................................... 59 
 O aporte da etnografia feminista ........................................................................................... 61 
 O aporte da Psicologia Social Discursiva .............................................................................. 64 
 Movimentos da pesquisa ....................................................................................................... 65 
 1º Mo(vi)mento: Pesquisa documental .......................................................................... 67 
 2º Mo(vi)mento: aproximação das redes, eventos e encontros da Agroecologia ......... 77 
 3º Mo(vi)mento: entrevistas com as militantes ............................................................ 79 
Capítulo 3: Feminismos e agroecologia: discursos, políticas e movimentações ................................... 84 
 Eixo I – Organismos internacionais: Gênero, agroecologia e o debate da ONU .................. 88 
 Eixo II – Movimento agroecológico, gênero e identidade política ..................................... 101 
3.2.1. Matrizes teóricas e discursivas ......................................................................................... 104 
3.2.2. Movimentos e construção das políticas de agroecologia e gênero ................................... 109 
Capítulo 4: A agroecologia urbana e a ocupação das cidades ............................................................. 117 
 A emergência do movimento agroecológico no Brasil ....................................................... 117 
 Os caminhos da agricultura familiar de base agroecológica nas cidades ............................ 123 
 Novas urbanidades: agroecologia e direito a cidade ........................................................... 131 
 A agricultura urbana no Rio de Janeiro: agroecologia e defesa do território ...................... 137 
 
 
xi 
Capítulo 5: Reflexões sobre luta feminista e agroecológica (urbana) ................................................. 149 
 Eixo I - Lutas feministas pelo direito a cidade na Zona Oeste ........................................... 151 
 As cidades-empresa e o Estado de Exceção como regra: o caso do Rio de Janeiro .. 154 
 Cenas de um “legado olímpico” e o urbanismo insurgente de Vila Autódromo ........ 157 
 Plano Popular das Vargens: a construção de um projeto urbanístico feminista, anti-
racista e agroecológico ............................................................................................................... 167 
 Eixo II - “Meu corpo é meu território” ................................................................................ 173 
 Eixo III - Feminismo periférico: a construção de uma política a partir das margens .......... 182 
5.4. Eixo IV -Produção de conhecimento e luta política das mulheres no movimento 
agroecológico ................................................................................................................................. 192 
 Disputas narrativas e memória da agroecologia ........................................................ 194 
 Feminismos em disputa ............................................................................................... 204 
 Domesticar a política ..................................................................................................207 
Últimas considerações ......................................................................................................................... 212 
Referências .......................................................................................................................................... 215 
Apêndices ............................................................................................................................................ 237 
Apêndice A – Convite participação em pesquisa ............................................................................ 237 
Apêndice B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ......................................................... 241 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
xii 
Lista de tabelas 
Tabela 1 Objetivos e ferramentas ............................................................................................. 66 
Tabela 2 Documentos de referência ......................................................................................... 69 
Tabela 3 Redes que compõem a ANA ....................................................................................... 72 
Tabela 4 Observação participante em eventos e atividades ..................................................... 78 
Tabela 5 Roteiro de entrevista semiestruturada ....................................................................... 80 
Tabela 6 Lista de participantes entrevistadas .......................................................................... 83 
Tabela 7 Apresentação dos eixos de análise dos documentos ................................................. 86 
Tabela 8 Descrição dos eixos de análise ................................................................................ 150 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
xiii 
 
Lista de figuras 
Figura 1. Painel sobre gênero e agroecologia ........................................................................ 114 
Figura 2. Vista aérea do Maciço da Pedra Branca (Fonte:Atlas das Unidades de Conservação 
do Estado do Rio de Janeiro, 2015). ....................................................................................... 138 
Figura 3. Exemplo de quintal produtivo em Vargem Grande, Rio de Janeiro, 2017............. 140 
Figura 4. Exemplo de tecnologia de produção em quintal. Vargem Grande, Rio de Janeiro, 
2018. ....................................................................................................................................... 140 
Figura 5. Territórios da agricultura familiar agroecológica na cidade do Rio de Janeiro - 
Ilustração por Raissa Theberge............................................................................................... 142 
Figura 6. Barraca na Feira Orgânica do Rio da Prata, Campo Grande – Rio de Janeiro, 2016.
 ................................................................................................................................................ 145 
Figura 7. Festa de São João durante a Feira da Roça de Vargem Grande – Rio de Janeiro, 
2016. ....................................................................................................................................... 146 
Figura 8. Bandeira que trata da agroecologia como forma de combater a especulação 
imobiliária nas cidades. .......................................................................................................... 148 
Figura 9. Vila Autódromo, 2015. ........................................................................................... 157 
Figura 10. Quintal Vila Autódromo, 2015. ............................................................................ 160 
Figura 11. Ato feminista 08 de março de 2016. ..................................................................... 161 
Figura 12. Projeção de edifícios a serem construídos de acordo com o PEU. Vista da Praça 
Central de Vargem Grande. Desenho: Canagé Vilhena. ........................................................ 168 
Figura 13. Roda de abertura do primeiro encontro da Articulação Plano Popular das Vargens, 
2016. ....................................................................................................................................... 170 
Figura 14. Mapa território afetivo “corpo-território” Vargem Grande .................................. 175 
Figura 15. Oficina “Morar e plantar” em Taboinhas, Vargem Grande. ................................ 186 
Figura 16. Panela de moqueca de banana quase vazia na oficina Morar e Plantar................ 187 
Figura 17. Mística de abertura da Plenária das Mulheres IV ENA, 2018. ............................ 198 
Figura 18. Mística de abertura da Plenária das Mulheres IV ENA, 2018. ............................ 199 
Figura 19. Cartaz LGBT no IV ENA ..................................................................................... 211 
Figura 20. Cartaz representando as mulheres camponesas, indígenas e negras como guardiãs 
dos saberes tradicionais .......................................................................................................... 211 
 
 
 
 
file:///C:/Users/UFCA/OneDrive/Documentos/TeseMaria_v090319-apenas%20comentários.docx%23_Toc3077530
 
 
xiv 
 
Lista de abreviações e siglas 
AARJ Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro 
ANA Articulação Nacional de Agroecologia 
APP Articulação Plano Popular das Vargens 
AU Agricultura Urbana 
CNAU Conselho Nacional de Agricultura Urbana 
CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar 
CPMZO Coletiva Popular de Mulheres da Zona Oeste 
CPT Comissão Pastoral da Terra 
DAP 
Declaração de Aptidão ao Pronaf - Programa Nacional de 
Fortalecimento a Agricultura Familiar 
ENAU Encontro Nacional de Agricultura Urbana 
FAO Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura 
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário 
Militiva Pesquisa Militante Vargem Grande 
MMC Movimento de Mulheres Camponesas 
MPA Movimento de Pequenos Agricultores 
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra 
ONU Organização das Nações Unidas 
PACS Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul 
PANCs Plantas alimentícias não convencionais 
Peapo Políticas Estaduais de Agroecologia e Produção Orgânica 
PEU Projeto de Estruturação Urbana 
Planapo Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica 
PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar 
Pnapo Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica 
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento 
 
 
xv 
Pronaf Programa Nacional de Fortalecimento a Agricultura Familiar 
Rede CAU Rede Carioca de Agricultura Urbana 
SPG Sistema Participativo de Garantia 
 
 
 
xvi 
Resumo 
Este estudo tem o objetivo de compreender o protagonismo das mulheres no movimento 
agroecológico através de suas concepções e práticas. Tomamos a epistemologia feminista 
enquanto base teórico-metodológica, buscando considerar os diversos atravessamentos que 
caracterizam esses contextos, ao olhar sobre os modos de subjetivação das militantes dentro do 
movimento da agroecologia, tanto na esfera nacional, quanto na esfera local ao acompanhar o 
movimento popular de mulheres da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Como ferramentas 
metodológicas, utilizamos a análise de documentos dos movimentos sociais e das políticas de 
fomento à agroecologia, entrevistas com as mulheres integrantes do movimento e da observação 
participante de eventos, reuniões e do cotidiano das interlocutoras. Os resultados apontam que: 
ainda que os movimentos venham construindo narrativas baseadas na importância da 
construção dos feminismos e da agroecologia enquanto projetos de transformação social que se 
constituem mutuamente, ainda não há um total reconhecimento do protagonismo e dos saberes 
aportados pelas mulheres; ao mesmo tempo, políticas e programas internacionais ligados à 
Organização das Nações Unidas - ONU mobilizam um discurso institucionaldo 
empoderamento que se refere ao ideário neoliberal considerando o aumento da produção como 
caminho para a “igualdade” entre gêneros. Os resultados também mostram que diante do 
cenário de crise, militarização e precarização do Estado no Rio de Janeiro, as mulheres 
constroem uma política feminista popular desde às margens, ressignificando lugares 
subalternizados ao apontarem outras formas de fazer política, produzir conhecimento e ocupar 
as cidades. Com isso vemos que a agroecologia se compõe em um plano de saber-poder que, se 
de um lado pode ser capturada por discursos que tentam minar seu potencial insurgente, por 
outro lado, com as estratégias que vêm sendo construídas especialmente pelas mulheres, 
constituem-se como um importante vetor de subjetivação política em meio aos movimentos 
sociais da cidade e do campo. 
 
Palavras-chaves: agricultura urbana; epistemologia feminista; agroecologia; direito à cidade, 
etnografia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
xvii 
 
Abstract 
This study aims to understand the protagonism of women in the agroecological movement 
through their conceptions and practices. We take the feminist epistemology as theoretical-
methodological base, seeking to consider the various crossings that characterize these contexts, 
to look at the modes of subjectivation of activists within the movement of Agroecology, both in 
national sphere, and in the local sphere to following the women’s movement from Rio de 
Janeiro’s West Zone. As methodological tools, we use the analysis of documents of social 
movements and of the policies of promotion for Agroecology, interviews with activists and the 
participant observation of events, meetings and the daily lives of our speakers. The results 
indicate that: although the movements are building narratives based on the importance of the 
construction of feminisms and agroecology as social transformation projects that constitute each 
other, there still isn't a full recognition of the role and knowledge contributed by women; at the 
same time, international policies and programmes linked to The United Nations- U.N. mobilized 
an institutional discourse of empowerment that refers to neoliberal ideas considering the increase 
in production as a way to "equality" between genres. The results also show that in the scenario 
of crisis, militarization and precarious State in Rio de Janeiro, women are building a popular 
feminist politics from the margins, wich re-significating subalternized places to indicate other 
ways of politics, producing knowledge and occupy the cities. With this we see that agroecology 
is composed on a know-power that, if on one hand can be captured by speeches that try to 
undermine your potential insurgents, on the other hand, with the strategies that are being built 
especially from women, as an important vector of political subjectivation amidst urbans and rural 
social movements. 
 
 
Keywords: urban agriculture; feminist epistemology; agroecology; right to the city; 
ethnography. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
xviii 
 
Resumen 
Este estudio pretende comprender el protagonismo de las mujeres en el movimiento 
agroecológico a través de sus concepciones y prácticas. Tomamos la epistemología feminista 
como base teórica-metodológica, buscando considerar los diversos cruces que caracterizan a 
estos contextos, a mirar las formas de subjetivación de militantes del movimiento de la 
agroecología, tanto en ámbito nacional y en el ámbito local al acompañar el movimiento popular 
de las mujeres de la Zona Oeste de Río de Janeiro. Como herramientas metodológicas, 
utilizamos el análisis de los documentos de los movimientos sociales y de las políticas de 
promoción de la agroecología, entrevistas con mujeres activistas del movimiento y la 
observación participante de eventos, reuniones y la vida cotidiana de las interlocutoras. Los 
resultados indican que: aunque los movimientos vienen construyendo narrativas basadas en la 
importancia de la construcción de los feminismos y agroecología como proyectos de 
transformación complementares, aún no hay un reconocimiento total del papel y el 
conocimiento aportado por las mujeres; al mismo tiempo, las políticas internacionales y 
programas vinculados a las Naciones Unidas-ONU movilizan un discurso institucional del 
empoderamiento que se refiere a las ideas neoliberales, teniendo en cuenta el aumento en la 
producción como una manera de generar la "igualdad" entre géneros. Los resultados también 
muestran que ante el escenario de crisis, la militarización y la precarización del Estado en Río 
de Janeiro, las mujeres construyen una política feminista popular desde los márgenes, dándoles 
nuevos sentidos a los lugares que tienen una posición subalterna para indicar otras formas de 
política, producir conocimiento y ocupar las ciudades. Con esto vemos que la agroecología está 
compuesta en un plan de saber-poder que, si por un lado puede ser capturado por discursos que 
intentan socavar su potencial insurgente, por el otro lado, con las estrategias que se van 
construyendo especialmente por las mujeres, se constituye como un importante vector de 
subjetivación política en medio a los movimientos sociales urbanos y campesinos. 
 
 
Palabras claves: agricultura urbana; epistemología feminista; agroecología; derecho a la 
ciudad; etnografía. 
 
 
 
 
 
 
 
 
xix 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Não podemos criar o que não podemos imaginar” 
(Movimento Believe.Earth) 
 
“¡Ni la tierra ni las mujeres somos territorios de conquista!” 
(Feministas Comunitárias da Bolívia). 
20 
 
 
Prólogo 
Gostaria1 de começar este texto contando uma história sobre encontros disparadores que 
foram fundamentais na construção das reflexões desta tese. O primeiro encontro se dá no início 
do ano de 2012. Nessa época eu estava iniciando a escrita da minha dissertação em Psicologia 
na qual eu investigava a relação entre as condições de vida, trabalho e a saúde mental de 
mulheres assentadas2 e vinha de um percurso de trabalho em assentamentos rurais no Rio 
Grande do Norte, em territórios de vulnerabilidade socioambiental agravada devido a um longo 
período de seca no estado, com grandes dificuldades de produção de alimentos, falta de serviços 
públicos básicos, o uso indiscriminado de agrotóxicos que faziam com que os agricultores e 
agricultoras adoecessem constantemente e outras questões que traziam ainda mais dificuldade 
para as populações assentadas, em particular às mulheres devido às desigualdades de gênero 
que enfrentavam. Essas questões me traziam muita angustia sobre quais os caminhos na 
construção de outras realidades possíveis à sobrevivência da agricultura familiar no estado. 
A primeira personagem dessa história é Dona Chagas, moradora do assentamento 
Milagres na região da Chapada do Apodi, interior do estado do Rio Grande do Norte. Em um 
final de tarde, depois de um café com tapioca e um dedo de prosa na beira do fogão, Chaguinha, 
como era conhecida, me mostra com muito orgulho um pé de milho que crescia forte em seu 
 
1 Ao longo da tese utilizamos a 1ª pessoa do singular e do plural. Trata-se de uma escolha deliberada. Buscamos 
ressaltar os momentos de reflexão mais coletiva e outros da vivência empírica do campo mais individuais com o 
uso da primeira pessoa. Nos inspiramos aqui na escrevivência da escritora Conceição Evaristo, como prática 
política e afetiva de escrita de si, a partir das experiências vividas. Sobre escrevivência ver: 
http://nossaescrevivencia.blogspot.com/. 
2 Dissertação defendida em 2014 no Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFRN orientada pela Prof.ª 
Dr.ª Magda Dimenstein e co-orientada pelo Prof. Dr. Jáder Leite sob o título de Gênero, trabalho e saúde mental 
entre trabalhadoras rurais assentadas na região do Mato Grande Potiguar.Disponível em 
http://www.repositorio.ufrn.br:8080/jspui/bitstream/123456789/17566/1/MariaGSGC_DISSERT.pdf. 
http://nossaescrevivencia.blogspot.com/
http://www.repositorio.ufrn.br:8080/jspui/bitstream/123456789/17566/1/MariaGSGC_DISSERT.pdf
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quintal. A semente do milho, que anos depois fui entender que era uma semente criola, tinha 
sido trazida para ela por sua irmã que morava em um assentamento na cidade vizinha. 
Apesar da distância, as duas irmãs percorriam de bicicleta a estrada de barro no intuito 
de trocar sementes, fofocas, receitas e, assim, iam tecendo uma rede de relações entre os 
vizinhos e as duas comunidades em um território que há anos era (e ainda é) ameaçado pelo 
projeto de Perímetro Irrigado que o governo federal, através do Ministério da Integração e do 
Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS) pretende implantar na região, projeto 
esse que vem sendo denunciado pelos moradores devido ao perigo que oferece à manutenção 
de centenas de famílias que ali vivem e tiram seu sustento da agricultura familiar. 
Foi naquele momento que tive meu primeiro encontro com a agroecologia, embora nem 
eu e nem Chaguinha soubéssemos que essa palavra existia. Nesse mesmo ano, meses depois, 
conheci o conceito de agroecologia em diálogos com militantes do Movimento dos 
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e com a participação na Cúpula dos Povos, encontro 
puxado pelos movimentos sociais que aconteceu em paralelo às discussões da Rio+20 na cidade 
do Rio de Janeiro-RJ. 
A segunda personagem desses encontros foi Dona Adelina. Dona Adelina é moradora 
do Parque Proletário no Rio de Janeiro. Ao migrar ainda jovem do interior da Bahia rumo ao 
Rio de Janeiro, ela trouxe consigo os conhecimentos que sua mãe havia lhe ensinado, nos 
tempos em que viviam na roça, sobre os chás, garrafadas, xaropes e ervas medicinais. 
Nas caminhadas que faz pelo morro, Dona Adelina colhe as plantas que ela reconhece 
na rua. Aquilo que para a maioria das pessoas é mato, ela considera remédio e comida. De tanto 
produzir seus remédios, ela criou uma espécie de farmácia dentro de casa e começou a distribui-
los pela comunidade, virando uma referência local na promoção de saúde: a “vó das ervas”, a 
chamam os meninos que brincam e empinam pipa em frente a calçada da sua casa. 
22 
 
 
Disse-me ela: “Tome esse xarope aqui para sua garganta, minha filha, que esse tempo 
está muito seco”. Tomei o xarope, que me lembrou os lambedores que minha mãe fazia quando 
eu era criança, e continuei a escutar com admiração as histórias que Dona Adelina 
compartilhava comigo. Em um território que sofre violências de vários tipos como a 
militarização, tráfico de drogas, racismos e intolerância religiosa, aliadas as violências 
institucionais e a ausência de serviços básicos por parte do Estado, Adelina conseguiu 
promover, em torno da sua pequena casa, um diálogo considerado quase impossível entre 
moradores de diferentes crenças, grupos, ocupações e idades. 
Nesse encontro eu já conhecia a agroecologia e já participava do movimento 
agroecológico, mas o reconhecimento da potência desse afeto, em um território tão urbanizado 
e tão distinto de todas as experiências que eu havia conhecido até então, fizeram-me refletir 
sobre uma ética do cuidado que se construía nesses contextos a partir de suas adversidades e 
resistências. Esses dois encontros, tão particulares, ambos protagonizados por mulheres em 
contextos muito distintos – mas que compartilham um histórico de conflitos e injustiças 
socioambientais – apontaram para mim possibilidades de uma construção de relações e visões 
de mundo que não passavam necessariamente por aquilo que estava dado de forma massiva no 
projeto individualista da sociedade ocidental capitalista. Produziam singularidade, diferenças e 
possibilidades de existência de formas outras de sensibilidade e de relação consigo mesmo e 
com o outro (Maria Juracy Toneli, Karla Galvão Adrião & Arthur Grimm Cabral, 2012). 
Esses encontros, é verdade, vieram na esteira de outros que fui tendo ao longo da vida 
com a Pedagogia da Libertação, com movimentos de luta pela terra, com autoras feministas 
negras, não-brancas e da América Latina. Dessa forma, fui reconhecendo na articulação dos 
movimentos populares de mulheres e do movimento agroecológico, um projeto possível de 
construção de outras formas de se relacionar com o mundo e produzir afetos, experiências, 
conhecimentos e práticas. 
23 
 
 
É a partir desses encontros, nesse emaranhado que relaciona feminismos, militância, 
agroecologia e espaços urbanos, que inicio minha pesquisa de doutorado e me aproximo do 
movimento popular de mulheres da Zona Oeste do Rio de Janeiro e da Rede Carioca de 
Agricultura Urbana (Rede CAU), movimento social organizado que busca fortalecer a 
agricultura e agroecologia urbana na cidade do Rio de Janeiro. Essa rede é constituída por 
mulheres organizadas em grupos populares, institutos de pesquisa, organizações não 
governamentais, agricultoras urbanas, moradoras de periferias e favelas do Rio de Janeiro. Elas 
vêm tecendo redes autônomas e feministas de produção, comercialização e comunicação 
agroecológica na cidade. 
A pluralidade dos atravessamentos que compõem esse cenário apontam para a 
complexidade do nosso campo-tema, conceito elaborado por Peter Spink (2003) que nos ajuda 
a enxergar o campo não como um lugar específico, mas enquanto uma processualidade de temas 
situados. 
No emarenhado desses temas, busco contar algumas das histórias que pude acompanhar 
ao longo da pesquisa, trazendo uma reflexão sobre as lutas feministas e agroecológicas nas 
cidades e os discursos que se constroem em torno dessas práticas. 
 
Introdução: apresentando o campo-tema 
A partir de uma racionalidade de reestruturação urbana de princípios neoliberais, a Zona 
Oeste carioca, particularmente os bairros que compreendem a região administrativa da Barra 
da Tijuca e da Baixada de Jacarepaguá, vem se tornando o novo centro financeiro e imobiliário 
– situado historicamente nas regiões do Centro e Zona Sul – do Rio de Janeiro, aumentando 
exponencialmente o valor dessa área no mercado da especulação imobiliária (Renato 
Consentino, 2015). 
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A realização de megaeventos como a Copa do Mundo de Futebol da FIFA e os Jogos 
Olímpicos e os processos de remoções decorrentes de tais eventos, por exemplo, o caso de Vila 
Autódromo3, são talvez a parte mais emblemática desse processo. Nessa região, antigamente 
conhecida como Sertão Carioca devido a sua histórica ocupação quilombola e agricultura 
familiar, a disputa por território aponta para uma contenda pelos usos e sentidos de ocupação 
de uma cidade voltada à produção industrial e o turismo. 
Em um cenário marcado por problemas socioambientais e disputas territoriais, 
agricultoras e agricultores e movimentos sociais da região vêm se organizando politicamente 
reivindicando reconhecimento e políticas de fomento à agricultura familiar e à produção 
orgânica no município como uma forma de defesa e ocupação sustentável desse território a 
partir do modelo da agroecologia. A agroecologia representa um paradigma de produção 
agrícola que visa a reduzir o impacto socioambiental da produção de alimentos, valorizando os 
conhecimentos tradicionais e o campesinato enquanto sujeito e forma de organização social, 
representando um campo de saberes e práticas integradas que se constitui tanto em uma 
tecnologia, quanto um movimento social (Valéria de Marcos, 2007). 
No Rio de Janeiro, através da formação da Coletiva Popular de Mulheres da Zona Oeste 
(CPMZO), da roda de mulheres da Rede Carioca de Agricultura Urbana - Rede CAU e suas 
diversas interlocuções, as mulheres vêm assumindo o protagonismo no movimento 
agroecológico, à medida em que vão incorporar a pauta da agroecologia entre suas bandeiras, 
apontando não só para a importância da participação das mulheresnesse modelo produtivo, mas 
para a inter-relação da agroecologia com outras lutas no contexto urbano, como a luta pelo 
 
3 Comunidade que teve a maior parte das suas famílias removidas para dar lugar a construção do Parque Olímpico 
na Zona Oeste do Rio de Janeiro. A resistência dos seus moradores que construíram um projeto popular e autônomo 
de urbanização para o território tem grande importância na história da luta pela moradia no Brasil. 
25 
 
 
direito à moradia, de forma que a agroecologia tem sido utilizada enquanto uma estratégia de 
mobilização comunitária, articulando diversos grupos e ações em torno desse debate. 
Assim como no Rio de Janeiro, chama-se atenção para o protagonismo das mulheres no 
debate agroecológico em todo o Brasil. Se durante as décadas de 1980 e 1990, as organizações 
não governamentais e as comunidades de agricultura alternativa foram as principais 
disseminadoras da agroecologia no país, com a predominância de homens - em geral técnicos 
agrícolas – nos espaços decisórios e de lideranças, esse cenário muda drasticamente nos anos 
2000, quando os movimentos sociais do campo, principalmente os movimentos sociais 
articulados à Via Campesina4, incorporaram a agroecologia como uma de suas principais 
bandeiras de luta, trazendo-a àesfera do debate não só sociotécnico, mas também político. 
Na construção desse projeto dá-se a emergência das mulheres enquanto sujeitas 
políticas5 através do desenvolvimento de tecnologias de cultivo de alimentos e cuidado da terra 
que causam menos impacto ambiental; na tessitura de redes de economia local que se baseiam 
em relações de confiança, solidariedade e reciprocidade; e fortalecimento de estratégias de 
suporte comunitário e defesa de seus territórios. Tal protagonismo aponta não só para a 
necessidade do reconhecimento dos saberes das mulheres na construção de sistemas de 
produção agroalimentares e de economia alternativos, como traz à tona o debate sobre de que 
maneira as desigualdades sociais se relacionam ao modelo de desenvolvimento capitalista e às 
formas de exploração do meio ambiente. Através da insígnia “Sem feminismo, não há 
 
4 Movimento internacional de camponeses e povos tradicionais que engloba diversas organizações e movimentos 
sociais de todo o mundo e luta por justiça social no campo. 
 
5Ao adotar uma concepção política da linguagem e da escrita, baseio-me no trabalho) de Letícia Barreto (2015) 
para o uso de “sujeitas” nessa concepção, no feminino, ao referir-me às minhas interlocutoras. Da mesma forma, 
ao tratar de conjuntos de pessoas onde a maioria forem mulheres, utilizarei a forma feminina para me referir. 
26 
 
 
agroecologia6”, movimentos sociais como a Marcha das Margaridas, o Movimento de Mulheres 
Camponesas (MMC) e o grupo de trabalho de Mulheres da Articulação Nacional de 
Agroecologia (ANA), têm encabeçado a mobilização por alternativas de desenvolvimento no 
Brasil, promovendo as agendas feministas em espaços importantes de negociação de políticas 
públicas e de diálogo com a sociedade. 
Várias pesquisas apontam que a inserção das mulheres no modo de produção 
agroecológico pode ter grande impacto na redução das desigualdades de gênero. Para além da 
produção, os debates construídos através do movimento consideram a importância da 
valorização do trabalho que é historicamente e majoritariamente desempenhado pelas mulheres 
(a agricultura de subsistência, o trabalho do cuidado, o trabalho doméstico), o qual é, muitas 
vezes, “invisibilizado”; para a maior participação política das mulheres em movimentos sociais 
organizados; além de haver um incentivo, na esfera da organização produtiva, do 
compartilhamento de tarefas, de insumos e dos recursos financeiros entre homens e mulheres 
de maneira mais equânime (Laetícia Jalil, 2009; Emma Siliprandi, 2015). 
É preciso, por outro lado, ter cuidado para não enxergarmos esse processo acriticamente. 
Como observa Flávia Ramos (2017), desde os anos de 1990, quando começam os primeiros 
estudos no Brasil sobre a participação de mulheres em sistemas agroecológicos, a maior parte 
das investigações sobre esse tema toma como incontestáveis o ganho de autonomia e a 
representatividade das mulheres que participam no sistema de produção e no movimento 
agroecológico. Contudo, muitas das tensões que se desenham dentro dos movimentos e 
coletivos aparecem de maneira mais branda em discursos políticos “oficiais” e de lideranças 
 
6 Título da carta política das mulheres da ANA durante o Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) em 2014. 
Recuperado de https://marchamulheres.wordpress.com/2014/05/19/sem-feminismo-nao-ha-agroecologia-carta-
das-mulheres-no-ena/. Acesso em 23/03/2017. 
https://marchamulheres.wordpress.com/2014/05/19/sem-feminismo-nao-ha-agroecologia-carta-das-mulheres-no-ena/
https://marchamulheres.wordpress.com/2014/05/19/sem-feminismo-nao-ha-agroecologia-carta-das-mulheres-no-ena/
27 
 
 
ligadas a movimentos sociais mistos. Nesse sentido, é importante se questionar a quem serve o 
apagamento desses conflitos. 
Para a artivista7 potiguar Jota Mombaça (2016), o apagamento de conflitos e 
desigualdades, seja no âmbito da produção de conhecimento, seja dos movimentos 
políticos/sociais, produzem efeitos de silenciamento dos sujeitos subalternizados. Esses 
conflitos não deixam de existir, pelo contrário, eles tornam o campo de forças ainda mais tenso 
e expõem suas rachaduras. Segundo a teórica indiana Gayatri Spivak (2010), o sujeito 
subalterno é aquele que não tem voz política, ou seja, não pode falar nos espaços de poder 
instituído, tais como a ciência e instâncias de decisões políticas, tendo a sua voz 
permanentemente eclipsada pelos discursos construídos sobre ele. 
Sabemos que o fortalecimento das mulheres dentro do movimento não se dá sem 
embates no âmbito público e privado e que a produção agroecológica, por si só, não garante a 
transformação das relações desiguais de gênero. Além disso, é essencial não homogeneizar as 
diferentes formas e experiências das mulheres, mas sim evidenciar a pluralidade e as diferentes 
posições de onde partem e vivenciam as relações de poder. 
Na esteira do debate sobre gênero e classe que, ainda que com alguma dificuldade, há 
décadas vem sendo travado em movimentos progressistas, o acento sobre a interseccionalidade 
das opressões, ou seja, a forma como as desigualdades operam a partir dos diferentes 
atravessamentos que constituem as sujeitas e os sujeitos, pela raça, pela sexualidade, pela 
classe, pela capacidade física, entre outros, vem se institucionalizando e ganhando força dentro 
do movimento agroecológico apenas na última década, evidenciando as desigualdades e os 
racismos dentro dos próprios movimentos. 
 
7Artista que faz da sua arte uma forma de ativismo. 
28 
 
 
Diante dessas questões inspiro-me na feminista zimbabuana Anne McClintock (2010) 
para reivindicar a importância de enxergar nas encruzilhadas das contradições as estratégias de 
mudança que delas podem emergir. São nas contradições que somos convocados a encarar as 
desigualdades, incômodos e conflitos, e ressaltar, nos termos colocados pela cientista política 
Chantal Mouffe (2005), o caráter agonístico e plural do fazer político. 
Diversas correntes teórico-políticas vão chamar atenção para o impacto do modelo de 
desenvolvimento capitalista em curso na vida das mulheres e a inter-relação entre o fenômeno 
da degradação do meio ambiente e o capitalismo patriarcal: o feminismo liberal por parte das 
agências e programas internacionais de fomento, políticas de Estado e o mercado capitalista; o 
feminismo marxista e o ecofeminismo por parte dos movimentos sociais se destacamnesse 
cenário como matrizes teóricas que vão balizar muitas das discussões. 
Diferentes autoras feministas, porém, vão criticar essas correntes teóricas por seus 
caracteres supostamente essencialistas, uma vez que, a depender da abordagem, algumas dessas 
teorias não problematizam o binarismo de gênero, tampouco questionam o determinismo 
biológico dos sexos aceito como algo “natural” (Érika Carcaño Valencia, 2008). Outra 
importante crítica, empreendida especialmente pelas feministas pós-coloniais, transfeministas, 
negras e de povos originários, refere-se à categoria “mulher” tomada como um conceito 
universal que desconsidera as experiências das mulheres não brancas e não cisgêneras e as 
complexas relações de opressão a que estão submetidas. 
Nessa acepção, é fundamental discutir até que ponto os princípios subjacentes a tais 
leituras – do feminismo liberal, do feminismo marxista e do ecofeminismo – ao invés de 
promoverem o empoderamento das mulheres, não as mantém presas a um sistema rígido de 
gênero, ao naturalizar o cuidado das mulheres com o meio ambiente, mesmo considerando o 
caráter contingencial dessas construções. 
29 
 
 
Uma segunda questão refere-se à construção do feminismo e do conceito de gênero no 
contexto do movimento ambientalista, agroecológico e das políticas públicas de fomento à 
agricultura familiar e orgânica. A apropriação do feminismo – movimento político e teórico 
identificado historicamente às mulheres das classes médias urbanas intelectualizadas – pelos 
movimentos populares do campo e de mulheres da periferia, por exemplo, mostra como tais 
conceitos são formulados dentro de cada contexto específico. 
Diante desses impasses, autoras pós-coloniais como Glória Anzaldúa (2005) e María 
Lugones (2008) entre outras vão propor outra política feminista que não se apoia na ideia de 
natureza dos sexos, mas antes a problematiza, evidenciando que as fronteiras entre 
natureza/cultura são arbitrárias, especialmente na contemporaneidade, onde temos a 
centralidade do hibridismos e das tecnologias na constituição dos corpos e da nossa 
subjetividade. 
Questiono-me, dessa maneira, como pensar feminismos que considerem as construções 
identitárias nômades, parciais, contraditórias e heterogêneas: é possível prescindir da identidade 
no fazer político? Como desenvolver outras narrativas para a construção de um mundo comum 
tomando o contexto das mulheres vinculadas à agroecologia? Partindo do entendimento com 
Foucault (1986), de que os discursos se estabelecem enquanto práticas que incidem na 
construção das subjetividades dos indivíduos e coletivos, faz-se necessário problematizar de 
que maneira se dá a constituição dessas sujeitas políticas. 
Nesse ponto de vista, creio que mais importante do que discutir a pertinência das 
relações entre os conceitos natureza/mulher, é pensar como eles são operados, a partir de 
racionalidades específicas que incidem nos modos de subjetivação dos sujeitos. Sendo o 
movimento da agroecologia composto por diferentes atores e atrizes, que manipulam 
constantemente tais conceitos a partir de suas pautas, quais são, afinal, os discursos sobre 
mulheres, gênero e feminismos que estão sendo construídos em torno desse movimento? Como, 
30 
 
 
por outro lado, os feminismos vão se apropriar da pauta agroecológica em suas agendas de luta? 
Quais são os efeitos dessas práticas discursivas na vida das mulheres envolvidas no movimento 
agroecológico? Até que ponto, as propostas de mudanças nos modelos produtivos conseguem 
romper com o modelo tradicional de família e de gênero? Em que medida os territórios são 
impactados e modificados através da ação dessas agentes? 
Acredito que, ao propor não só a transformação de todo o processo de produção agrícola, 
mas reconfigurações das relações capitalistas, racistas, antropocêntricas e patriarcais que 
estruturam as ciências, as tecnologias e o socius de maneira geral, o movimento agroecológico 
nos dá pistas sobre formas de articulação combativas à tentativa massificadora do projeto 
neoliberal ao mesmo tempo em que traz mudanças nas formas de participação política. 
A tese aqui sugerida é que as rupturas propostas pela agroecologia podem se constituir 
enquanto linhas de fuga ao poder da máquina capitalista de produção de subjetividade – uma 
recusa que visa construir novos modos de sensibilidade e criatividade, produtores de uma 
subjetividade singular que vão ao encontro da radicalidade das propostas epistemológicas 
feministas e pós-coloniais em direção à ética do comum e da pluralidade. 
Partindo de tais reflexões, o presente estudo tem como objetivo central compreender o 
protagonismo das mulheres no movimento agroecológico em suas concepções e práticas. 
Definimos enquanto objetivos específicos: 
i. refletir sobre a relação entre feminismos e agroecologia na cidade do Rio de 
Janeiro, a partir da emergência das mulheres como sujeitas políticas no 
movimento agroecológico; 
ii. identificar os discursos em torno dos conceitos de feminismos e gênero dentro 
do campo da agroecologia; 
iii. analisar as contribuições que vêm sendo construídas pelas mulheres no 
movimento da agroecologia; 
31 
 
 
iv. identificar os efeitos da participação política na vida das mulheres; 
v. compreender em que medida a agroecologia constitui-se como um processo de 
subjetivação política na cidade. 
Para tanto, foram acompanhados encontros e mobilizações em torno da agenda 
feminista e agroecológica, em especial do movimento popular construído pelas mulheres na 
Zona Oeste do Rio de Janeiro por acreditar na representatividade desse grupo em relação às 
questões em tela no presente estudo. 
Tomo aqui a epistemologia feminista como base teórico-metodológica, além de aportes 
da etnografia feminista, da Psicologia Social discursiva, e da perspectiva das teorias pós-
coloniais, buscando considerar os diversos atravessamentos e dinâmicas sociais que 
caracterizam esses contextos, ao olhar sobre os modos de subjetivação das agricultoras urbanas 
e das militantes dentro do movimento da agroecologia. 
Com isso, lanço mão de diferentes ferramentas metodológicas, quais sejam, análise de 
documentos dos movimentos sociais e das políticas de fomento à agroecologia, entrevistas com 
as mulheres integrantes do movimento e da observação participante de eventos, reuniões e do 
cotidiano das minhas interlocutoras. Essas diferentes dimensões serão entendidas não enquanto 
fotografias estáticas de um dado cenário, mas como atores imbricados em uma rede de relações, 
de uma configuração de elementos, forças e linhas que atuam simultaneamente e de onde podem 
emergir dispositivos que fazem ver e falar racionalidades específicas que se (re)configuram 
constantemente. Os dispositivos correspondem a rede que se estabelece entre os elementos que 
compõem a realidade: instituições, leis, discursos, morais, etc. Eles tencionam, trazem à tona e 
provocam agenciamentos (Virgínia Kastrup, & Regina Benevides de Barros, 2010). Dessa 
forma, o foco não são os documentos ou entrevistas em si, mas o que eles produzem como 
efeitos no agenciamento com outros atores (Bruno Latour, 1994). 
32 
 
 
Assim, não se trata apenas de representação da linguagem, de textos e discursos - 
segundo Latour (1994) esse é um dos mal entendidos da leitura crítica a partir das teorias pós-
modernas e da noção de desconstrução. As redes que busco acompanhar são antes “reais como 
a natureza, narradas como o discurso, coletivas como a sociedade”. (Latour, 1994, p. 12). 
A tese está organizada em uma seção introdutória e mais cinco capítulos. Na introdução, 
traço um panorama do campo-tema a ser estudado, assim como busco construir uma reflexão 
epistemológica acerca do fazer científico feminista e, mais especificamente, acerca do papel 
jogado pela subjetividade numa pesquisa na qual assumo minha não neutralidade, visto que a 
escolha do tema depesquisa, o acesso ao campo-tema e às redes de ativismo são aspectos da 
investigação influenciados pela minha própria posicionalidade. Também apresento, no tópico 
“Habitando paisagens”, um pouco do meu percurso da pesquisa que foi se moldando ao longo 
da minha inserção em campo e diálogo com minhas interlocutoras. 
No capítulo 1 desenvolvo os conceitos de gênero, feminismos e subjetividade que serão 
centrais para o desenvolvimento do texto, além de apresentar um debate sobre a articulação 
entre os conceitos de gênero, raça e colonialidade. 
No segundo capítulo, sob o título de “Percusos metodológicos” apresento o desenho 
teórico-metodológico da pesquisa, os instrumentos utilizados e as estratégias de análise. 
No terceiro capítulo, sob o título “Feminismos e agroecologia: discursos, políticas e 
movimentações”, construo, a partir dos resultados da pesquisa, uma análise da produção dos 
sentidos dos feminismos no cenário agroecológico. 
O quarto capítulo “A agroecologia urbana e a ocupação das cidades” discuto sobre a 
relação rural-urbano e sobre o desenvolvimento do paradigma agroecológico nos centros 
urbanos, a relação entre agroecologia, urbanidades e formas de subjetivação, além de 
apresentar, em seu último tópico, o contexto da cidade do Rio de Janeiro a partir de elementos 
empíricos da pesquisa. 
33 
 
 
No quinto capítulo, apresento os eixos de discussão da pesquisa de campo, quais sejam: 
mobilização popular das mulheres em defesa do direito à moradia e à cidade a partir da 
agroecologia; o corpo-território, os feminismos periféricos e a produção do conhecimento 
feminista na agroecologia. 
Por fim, desenvolvo minhas considerações finais com uma síntese das questões 
discutidas ao longo do trabalho e um balanço sobre a construção do processo de pesquisa. 
Com isso, busco contribuir não só com o campo dos estudos feministas e da Psicologia, 
mas também pensar o desenvolvimento da pesquisa a partir do olhar das teóricas críticas que 
permitam a emergência de outras vozes, especialmente as latino-americanas, para o campo do 
saber científico. 
 
Habitando paisagens 
Desde o início da construção da tese, um desafio se desenhava no horizonte da pesquisa, 
o de habitar diferentes campos-temas e paisagens. Acompanhar movimentações tão complexas 
e rizomáticas, articular diferentes cenários, metodologias e apresentar diálogos e conexões que 
não estavam dadas a priori, foram processos que se desenharam, por vezes, de forma confusa, 
me convocando, todo o tempo, analisar meu percurso na pesquisa. 
Pensar o fazer da pesquisa a partir do paradigma feminista não exige só um 
posicionamento em campo, mas um certo grau de desprendimento e paciência, pois nem sempre 
seus interesses enquanto pesquisador/a vão ao encontro das vontades e necessidades dos grupos 
naquele determinado momento. Dessa forma, foram anos de aproximação com o movimento da 
agroecologia e, posteriormente, com minhas interlocutoras na cidade do Rio de Janeiro, sendo 
necessária uma série de negociações no que se refere a quem, como e onde fazer o estudo. 
Minha inserção no cenário da agroecologia urbana no Rio de Janeiro se deu, como 
34 
 
 
mencionado anteriormente, através do contato com a Rede CAU - rede que articula movimentos 
e iniciativas de agricultura na cidade do Rio de Janeiro – durante o I ENAU no ano de 2015. 
Nesse encontro conheci as experiências de Vargem Grande e Campo Grande, dois bairros da 
região Oeste que representam a maior parte da produção da agricultura familiar na cidade. 
Através de companheiras do movimento, fui apresentada à Silvia, liderança do 
movimento de AU, uma das fundadoras da Associação de agricultores e agricultoras de Vargem 
Grande (Agrovargem) e articuladora comunitária do bairro. Silvia foi a responsável por me 
introduzir na CPMZO e outros movimentos da região no início de 2016. A CPMZO é resultado 
de um longo histórico de lutas dos movimentos sociais na região, sendo que muitas mulheres 
que a compõem já eram militantes feministas e de outros movimentos mistos, entretanto, a 
organização dessas mulheres enquanto movimento é relativamente recente. 
Podemos dizer que o movimento popular de mulheres da Zona Oeste funciona como um 
rizoma, que vai sendo composto e reverberando a partir de vários temas, lugares e 
engajamentos, sendo articulado por um emaranhado de grupos, agendas políticas e diferentes 
atuações, que se atravessam e se constituem mutuamente, não sendo um grupo instituído ou 
fechado, mas, de fato, uma rede em movimento. 
Retomo aqui o conceito de rizoma de Gilles Deleuze e Félix Guattari (1995) como um 
sistema aberto composto por linhas múltiplas que se articulam em nós, princípios de conexão 
que conformam a realidade a partir de qualquer ponto das redes. Os rizomas são compostos por 
vetores linguísticos, materiais, afetivos, políticos, econômicos, estéticos, etc. Utilizo o conceito 
de rizoma como forma de entender as linhas e os agenciamentos que se atravessam e se 
articulam na conjugação desses movimentos. 
Considerando a extensão geográfica, a população e a diversidade que caracteriza a 
região, chama muita atenção essa construção em rede. Ainda que seja a maior região em termos 
de extensão geográfica e a segunda maior em população, percebe-se as relações de parentesco 
35 
 
 
e de conhecimento em algumas áreas. Também soma-se a essa característica a atuação de 
algumas organizações na região, em especial o Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul 
(Instituto PACS), organização não governamental que estabelece a justiça socioambiental e os 
feminismos entre suas linhas de atuação prioritárias e desenvolve trabalho de base com as 
mulheres da Zona Oeste, o que ajuda a mobilização de diferentes mulheres e grupos em torno 
de pautas comuns do movimento feminista. 
É bastante complexo nomear todos os coletivos que se inserem nessa articulação e 
acompanhar de perto todos eles, sendo assim, vou me referir nesse trabalho de forma geral ao 
movimento popular de mulheres da Zona Oeste, entendendo suas diversas ramificações. Em 
minha pesquisa acompanhei mais de perto as mulheres de Vargem Grande, mais 
especificamente três grupos que se inserem nesse movimento e têm como pautas principais a 
questão da agroecologia e a luta das mulheres: a Feira da Roça de Vargem Grande, a Coletiva 
Hortelã e a Pesquisa Militante (Militiva), grupos que apresentarei detalhadamente mais à frente. 
Ao participar de uma roda de conversa com as participantes da Pesquisa Militante, 
projeto desenvolvido pelo PACS com as mulheres da Zona Oeste, expus ao grupo, formado em 
sua maioria por lideranças comunitárias da região, meus objetivos de pesquisa que iam ao 
encontro de muitas das ações que seriam desenvolvidas pelas militantes. Assim, fui inserida no 
grupo da Pesquisa Militante de Vargem Grande - a Militiva VG, passando a contribuir com as 
ações do grupos, organizando eventos, realizando oficinas com as mulheres das comunidades 
da região e captando imagens que ajudaram posteriormente no processo de mobilização 
comunitária em Vargem Grande. Também me aproximei da Coletiva Hortelã a convite de 
Silvia, contribuindo na manutenção da horta comunitária que vem sendo desenvolvida pelo 
grupo e com os encontros para discussão de temas como alimentação natural, plantas 
medicinais, troca de sementes, entre outros. 
Também em Vargem Grande conheci muitas agricultoras e agricultores que 
36 
 
 
comercializam a sua produção na Feira da Roça de Vargem Grande, feira agroecológica auto 
organizada na região e que funciona à parte do circuito de feiras orgânicas promovidas pela 
Prefeitura do Rio de Janeiro. Essa feira tem um papel central para todas as pessoas envolvidas 
direta e indiretamente com a agricultura familiar, para a luta pela defesa do território em 
Vargem Grande e ainda para o movimento agroecológico na cidade. A feira não é só um lugarde comercialização, mas também um símbolo de resistência, um ponto de encontro, de 
circulação, palco de importantes debates políticos e de visibilização da agricultura na cidade. 
A escolha do nome da feira já marca essa diferenciação, uma vez que “a roça” é 
reinvindicada de forma a visibilizar as ruralidades na cidade e apontar que não se trata de uma 
feira onde os alimentos orgânicos são o foco, mas sim as relações entre as pessoas e o 
pertencimento ao bairro. 
Foi a partir da feira que comecei minhas observações de campo no território, dialogando 
com as feirantes, conhecendo suas histórias e buscando entender os espaços por elas habitados. 
Paralelamente, passei a acompanhar as reuniões da CPMZO e, dos diálogos com esses grupos 
surgiram algumas demandas para que eu acompanhasse e contribuísse com o processo de 
mobilização comunitária em parceria com as mulheres de Vargem Grande, que eu acatei 
compreendendo a importância dessas ações no contexto em questão e também a importância 
do meu engajamento como forma de fortalecer meu vínculo com as mulheres da região. 
Com o meu engajamento na Coletiva Hortelã e na Militiva, todo o processo da pesquisa 
passou a ser construído coletivamente com as mulheres envolvidas nesses grupos, a partir de 
uma série de problematizações trazidas por elas mesmas no que se refere às formas tradicionais 
de produção de conhecimento que, muitas vezes, reforçam estruturas assimétricas de poder 
preponderantes na sociedade capitalista, como o racismo e o sexismo, invisibilizando e 
expropriando saberes e práticas transformadoras de grupos, segmentos e classes sociais 
marginalizadas. Não só alguns objetivos e estratégias metodológicas foram repensadas e 
37 
 
 
sugeridas pelas minhas interlocutoras, como alguns dos meus pressupostos foram também 
questionados em alguns momentos. 
Esse processo exigiu-me, por vezes, uma reconfiguração do meu campo de pesquisa e 
criou muito desconforto, na medida em que a pesquisa parecia “não mais me pertencer” e muitas 
vezes parecia não caminhar, ao mesmo tempo em que eu me via com muitas demandas enquanto 
militante, não conseguia um certo distanciamento que julgava necessário para desenvolver 
meus objetivos de pesquisa enquanto pesquisadora. 
Também percebi que nem sempre meu papel enquanto pesquisadora ficava evidente 
para as mulheres que iam se juntando aos grupos. Algumas acreditavam que eu trabalhava numa 
organização não governamental, outras achavam que eu trabalhava com alimentos, pois em 
muitas das ações coletivas era comum que eu ficasse encarregada de fazer a alimentação. Era 
evidente, entretanto, que minha presença não passava despercebida nos espaços. Algumas 
dessas angustias foram sendo apaziguadas com o meu engajamento no grupo e com 
apresentação de meu projeto de pesquisa às minhas interlocutoras que puderam dar sugestões, 
fazer críticas e, principalmente, puderam se colocar em uma construção coletiva do saber 
acadêmico. 
Além disso, as mudanças que ocorreram em torno do meu campo-tema, com a 
progressiva diminuição de subsídios para a agricultura familiar e para a produção orgânica e 
agroecológica de alimentos (Portal da Transparência, 2019); a extinção no ano de 2016 do 
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), órgão destinado à promoção do 
desenvolvimento da agricultura familiar; o impeachment sofrido pela presidenta Dilma 
Rousself em 2016, o assassinato da vereadora Marielle Franco em 2018 e as eleições 
presidenciais de 2018 impactaram sobremaneira minhas interlocutoras, a cidade do Rio de 
Janeiro e a mim mesma. Foram anos de muito atos na rua, ansiedade, medo e, por vezes, 
desesperança. 
38 
 
 
Os agricultores e agricultoras familiares e as mulheres, especificamente, vem sendo 
particularmente prejudicadas nessa conjuntura e muitos dos documentos e políticas públicas 
usados como referência nesse estudo foram perdendo sua efetividade no âmbito institucional 
ou mesmo sendo diretamente ameçadas. Um exemplo disso foi o decreto do presidente Jair 
Bolsonaro que em janeiro de 2018 acabou com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar 
(CONSEA), um dos principais componentes das políticas voltadas para a agricultura familiar, 
agroecologia e segurança alimentar no Brasil. 
Nessa conjuntura, a construção de redes políticas e feministas me ajudaram a seguir na 
tessitura da tese. Destaco, em especial, três experiências que apesar de não comporem 
diretamente os dados e as análises desta tese, foram essenciais para as reflexões que foram aqui 
desenvolvidas. A primeira foi a experiência do projeto de extensão Diálogos Feministas e 
práticas em Psicologia e Direito onde, sob orientação do Prof. Pedro Paulo Bicalho da 
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tive a oportunidade de construir com minhas 
companheiras, uma proposta de curso voltado para profissionais do Direito e Psicologia a partir 
das suas práticas com uma bibliografia quase inteiramente composta de autoras negras, 
indígenas, latino-americanas, travestis e transexuais. 
A segunda experiência diz respeito ao projeto Arranjos Locais da Penha que tem como 
objetivo a promoção da agricultura urbana no Complexo de favelas da Penha no Rio de Janeiro, 
onde pude contribuir como proponente das ações e articuladora, percorrendo quintais e 
aprendendo com as moradoras da comunidade suas estratégias de sobrevivência em um cenário 
de enorme vulnerabilidade. 
A terceira, foi a experiência do grupo Mulheres de Aroeira, onde junto a algumas 
companheiras da agroecologia buscamos construir um espaço feminista popular através da 
culinária quilombola, da agricultura e da arte. Ser convidada a participar desse grupo e poder 
cozinhar ao lado de militantes históricas da luta pela moradia e de defesa do território na Zona 
39 
 
 
Oeste do Rio de Janeiro foi uma espécie de validação do meu trabalho enquanto pesquisadora-
militante e, sobretudo, foi essencial no sentido de descortinar os racismos que me constituíam 
sem que eu me desse conta. 
É inegável que enquanto mulher branca e acadêmica meu corpo carrega os sinais que 
no Brasil me permitem acessar lugares de poder e a possibilidade de ter minha voz ouvida. Por 
outro lado, isso também gera uma compreensível desconfiança por parte de pessoas que 
historicamente foram colocadas à margem, pessoas negras e pobres, que são simbolicamente e 
materialmente oprimidas pela branquitude como um sistema de organização social, como 
discutirei no primeiro capítulo da tese. 
Isso mostra que a pesquisa junto a movimentos sociais apresenta uma série de desafios 
éticos e políticos. A ideia de que pesquisadores vão “dar voz” aos sujeitos subalternizados é 
uma constante no campo de estudos sobre Direitos Humanos e movimentos sociais. Spivak 
(2010), que discute de forma contundente o papel do pesquisador na produção do discurso 
contra hegemônico, alerta para o perigo recorrente de se “tirar” a voz dos sujeitos subalternos, 
ao tentar falar “sobre” eles. Compreendi que meu papel, enquanto pesquisadora e militante, é 
de debater a norma, as racionalidades que sustentam as desigualdades mesmo nas esquerdas e 
nos movimentos sociais, de buscar descortinar as estruturas que subjazem tais apagamentos, 
apropriações e violências, e dialogar sobre possibilidades de resistência e de recriação de 
mundos que vêm sendo tecidas a partir de diferentes estratégias, forças e lugares. 
Assim, entendendo que a articulação entre agroecologia e os feminismos populares em 
torno da pauta ambiental traz interpelações urgentes para pensar a construção de uma sociedade 
mais democrática, sustentável, plural e livre de opressões, busco nesta tese contribuir com esse 
debate trazendo à tona o ponto de vista das mulheres envolvidas no movimento agroecológico 
urbano. 
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Importante ressaltar que este texto passou por uma banca popular no qual ele foi lido 
por minhas interlocutoras que trouxeramsuas críticas e considerações. A banca popular é um 
dispositivo usado em pesquisas junto a movimentos sociais como forma de produzir 
conhecimento que retorne e sirva para os movimentos ou população local. No caso desta tese, 
para além da banca propriamente, ou seja, a apresentação do projeto e dos resultados ao grupo, 
posso dizer que de fato trata-se de uma produção coletiva de conhecimento, visto que as 
contribuições das participantes, escolhas metodológicas e criação de conceitos foram trazidos 
por elas. 
Algumas das interpelações feitas diziam respeito às contribuições e ao retorno da 
pesquisa ao movimento; sobre a importância de desenvolver estratégias de dialogo direto com 
o movimento tais como a própria realização de banca popular e publicação de trabalhos de 
autoria coletiva e; a importância de trazer à tona os conflitos que surgiam em relação aos 
movimentos mistos, ou seja, aqueles construídos ao lado dos homens. 
Esse processo, apesar de riquíssimo, foi bastante desafiador e em muitos momentos me 
fez refletir sobre como é difícil inclusive apartar a vida pessoal daquele que se propõe a pensar 
uma determinada realidade e suas questões de pesquisa. Parece-me afinal, que somos movidos 
por angustias, mais do que por certezas. Estando agora há quatro anos mergulhada no processo 
de escrita deste texto, enxergo com maior clareza o caráter mutante da minha escrita. 
Consciente da não neutralidade e não universalidade da produção de conhecimento, 
venho esforçando-me para dar conta de uma série de questões trazidas pelas minhas 
interlocutoras, pelo campo da agroecologia/feminismo e pelo contexto sócio-político que 
permeia a atual conjuntura brasileira e carioca entendendo que muitas questões necessariamente 
ficam de fora, de acordo com meus interesses de estudos, das minhas escolhas teóricas e 
políticas e do meu fôlego em dar ou não conta de certas discussões. Por outro lado, minha busca 
por contribuir no processo de organização das mulheres, não só enquanto pesquisadora, também 
41 
 
 
me traz desafios e insere-me no contexto de conflitos que o grupo tem de lidar. Tenho buscado 
pensar as questões de pesquisa a partir das categorias mobilizadas por minhas interlocutoras, 
tendo a cautela de compreender quais problemas de pesquisa o campo-tema me coloca e não o 
contrário. 
Feita essa apresentação geral, desenvolverei no próximo capítulo alguns conceitos 
centrais para a construção desta tese e uma discussão a partir do meu posicionamento enquanto 
pesquisadora feminista. 
 
42 
 
 
 
Capítulo 1: Gênero, feminismo(s) e as políticas de subjetivação 
Neste capítulo teórico, discorro sobre o conceito de gênero, subjetividade e políticas de 
subjetivação buscando construir uma ponte entre tais debates e linhas argumentativas que vêm 
sendo construídas desde os feminismos pós-coloniais. 
Uma das motivações deste estudo é problematizar as condições de existência social das 
mulheres e para isso é necessário desprender-se de uma série de concepções universais e 
naturalizadas acerca dos fenômenos e estruturas sociais que são forjados ao longo da história. 
As ciências humanas têm cultivado, desde muito cedo, o interesse por questões que envolvem 
a relação entre homens e mulheres, os papéis sociais atribuídos aos sexos, divisão sexual do 
trabalho, status, bem como sobre a sexualidade e as práticas sexuais em diferentes contextos 
culturais ao redor do mundo. 
A título de exemplo, podemos mencionar o trabalho, já no século XVIII, da escritora e 
filósofa de Mary Wollstonecraft (2006) que escreveu em 1792 a obra Uma reindicação pelos 
Direitos da Mulher inaugurando o que viria a ser considerado o campo da filosofia feminista; 
os estudos de Sigmund Freud ([1905] 2006) e de seus seguidores sobre a sexualidade infantil, 
a libido e a formação do inconsciente no início do século XX; as contribuições de Simone de 
Beauvoir (2008) que em 1949 lançou O Segundo Sexo, obra fundamental para compreensão da 
formação da subjetividade e da cultura a partir da análise das relações entre homens e mulheres 
na sociedade ocidental; o trabalho da antropológa Margaret Mead (1998) que em 1928, ao 
analisar sexo e temperamento em três sociedades distintas, mostrou que o comportamento de 
homens e mulheres não são dados, naturais e universais, e sobretudo, não está relacionado ao 
sexo biológico; entre tantos outros autores e autoras. 
43 
 
 
O que confere o estatuto de inovação na abordagem dessas temáticas é a incorporação 
do conceito de gênero enquanto estruturante das relações e diferenças entre os sexos, e, 
sobretudo, na maneira tal qual essas diferenças são transformadas em desigualdades (Mirian 
Grossi, 2010). Embora as reflexões sobre as atribuições sociais, culturais e psicológicas 
atribuídas aos sexos tenha um longo histórico de desenvolvimento, o conceito propriamente 
dito de papéis sociais de gênero e identidade de gênero foi formulado nos anos de 1950 pelo 
psicólogo e sexólogo John Money que fazia uma distinção entre sexo enquanto aspectos 
anatômicos, morfológicos e fisiológicos da espécie humana e o gênero enquanto atribuições 
sociais e culturais que moldam o comportamento e a identidade dos sujeitos. 
Este conceito emerge a partir dos estudos de Money sobre as identidades psicológicas 
de pessoas intersexo. É importante situar o contexto do seu desenvolvimento em um cenário 
dos Estados Unidos da América pós-guerra de conservadorismo exacerbado com a perseguição 
a comunistas e outros “desviantes” (incluindo, claro, homossexuais) em pleno princípio da 
Guerra Fria. Nesse cenário predominavam as ideias derivadas das ciências comportamentais 
com as quais acreditava-se ser possível incentivar ou eliminar comportamentos através das 
técnicas do condicionamento introduzidas com o objetivo de fomentar a aprendizagem de certos 
comportamentos em detrimento de outros (João de Oliveira, 2012). 
O projeto de Money, portanto, não era o da elaboração de um conceito que contribuísse 
com uma abordagem emancipatória em relação às determinações e relações de poder entre os 
sexos. Ao contrário, seu estudo levou-o, através de uma série de experimentos feitos a partir de 
uma ética e metodologia anti-éticas8, a recomendar práticas de educação dimórficas do ponto 
 
8 O trabalho mais celebre de John refere-se ao caso da “mudança de sexo” de David Remer, garoto que perdeu seu 
pênis quando criança e foi criado como menina até a adolescência, nunca tendo se adaptado completamente e 
vindo a cometer sucídio. Para ver com profundidade tal caso recomendo a leitura do artigo “Doing Justice to 
Someone: Sex Reassignment and Allegories of Transsexuality” de Judith Butler (2001), disponível em: 
https://muse.jhu.edu/article/12181. 
https://muse.jhu.edu/article/12181
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de vista de gênero, aconselhando que crianças intersexo fossem educadas dentro do gênero que 
lhes fora atribuído medicamente (Oliveira, 2012). 
Décadas depois, a categoria gênero vai ser apropriada pelos estudos de mulheres, pelos 
movimentos LGBT+ e, sobretudo, pelos movimentos feministas para se referirem a organização 
social das relações entre os sexos (Joan Scott, 1995): “O termo gênero faz parte das tentativas 
levadas pela feministas contemporâneas de reivindicar certo campo de definição, para insistir 
sobre o caráter inadequado das teorias existentes em explicar desigualdades persistentes entre 
homens e mulheres” (Scott, 1995, p. 19). 
Pensar como o gênero opera nas relações sociais humanas e de que modo dá sentido a 
essa mesma organização são questões cujas respostas estarão sempre dependentes da 
perspectiva do gênero enquanto categoria de análise, o que nos remete desde já à pluralidade 
de tradições e perspectivas nas abordagens sobre o tema. 
Em seu texto clássico “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”, Scott (1995) 
distingue três

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