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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO EVELLY TAINÁ LOPES FERREIRA REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO: ANÁLISE DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 52 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL À LUZ DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. NATAL/RN 2022 2 EVELLY TAINÁ LOPES FERREIRA REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO: ANÁLISE DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 52 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL À LUZ DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Walter Nunes da Silva Júnior. NATAL/RN 2022 Ferreira, Evelly Taina Lopes. Regime disciplinar diferenciado: análise da nova redação do art. 52 da lei de execução penal à luz dos tratados internacionais de direitos humanos / Evelly Taina Lopes Ferreira. - 2022. 62f.: il. Monografia (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Curso de Direito, Natal, RN, 2022. Orientador: Prof. Dr. Walter Nunes da Silva Júnior. 1. Direito Penal - Monografia. 2. Tratados Internacionais de Direitos Humanos - Monografia. 3. Pacote anticrime - Monografia. 4. Lei de execução penal - Monografia. 5. Regime disciplinar diferenciado - Monografia. I. Silva Júnior, Walter Nunes da. II. Título. RN/UF/CCSA CDU 341.241 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Elaborado por Shirley de Carvalho Guedes - CRB-15/440 4 EVELLY TAINÁ LOPES FERREIRA Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do professor Dr. Walter Nunes da Silva Júnior. BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________ Prof. Dr. Walter Nunes da Silva Júnior Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Orientador _____________________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Cesar Ferreira Duarte Junior (UFRN) 1º Avaliador _____________________________________________________ Prof. Me. Wallton Pereira De Souza Paiva (Examinador externo à UFRN) 2º Avaliador 20 de dezembro de 2022 5 “É hora de recomeçar tudo de novo, sem ilusão e sem pressa, mas com a teimosia do inseto que busca um caminho no terremoto.” Carlos Drummond de Andrade 6 AGRADECIMENTOS À minha mãe, que através de sua força, suporte e amor incondicional me possibilitou trilhar meu próprio caminho. Ao meu pai, por não ter medido esforços em me proporcionar um ensino de qualidade. Vocês dois, cada um à sua maneira, são os maiores responsáveis por me permitir ir longe. À minha irmã, Andressa, que enfrentou comigo não só a tarefa de sair de casa para estudar, mas todas as dificuldades, tristezas e alegrias que essa experiência nos proporcionou. E a minha irmã caçula, Maria, pelas muitas conversas e conselhos regados de muita saudade que sempre me deram força quando precisei. Vocês duas são minha maior inspiração. À minha família que me acolheu em Natal. Tia e primas, serei sempre grata. Aos meus queridos amigos de graduação: Brena, Emilly, Matheus, Milana, Renata, Rodrigo e Túlio, partilhar esses anos com vocês tornou mais fácil tantos dias exaustivos e difíceis. Serei sempre grata pelos estudos, ajudas, encontros e sorrisos compartilhados. Agradeço em especial aos meus amigos Rodrigo e Milana, que dividem comigo diariamente, não importa a distância, alegrias, tristezas, desafios e saudades. Sorte grande ter encontrado vocês. Aos amigos que fiz nos estágios e aos profissionais que contribuíram para meu crescimento, meus mais sinceros agradecimentos. A todos os professores que colaboraram para minha formação acadêmica na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Em especial, ao professor Dr. Walter Nunes, pela gentileza em me orientar nesse trabalho de conclusão, pela disponibilidade, incentivo e por ter sido durante a graduação uma fonte de inspiração. Muito obrigada. 7 RESUMO O Regime Disciplinar Diferenciado é um instrumento direcionado a presos que serão submetidos ao recolhimento celular isolado por certo período, bem como terão restrições de visitação, horas de sol e redução de contato com outros custodiados, caso pratiquem certas condutas. A Lei nº 13.964, de 2019, promoveu significativas mudanças no referido instituto, revelando maior rigidez e suscitando importantes críticas sobre seu recrudescimento. O presente estudo, através do método qualitativo e dedutivo e da pesquisa descritiva, parte da necessidade de analisar as inovações legislativas frente aos tratados internacionais de direitos humanos. Para tanto, examinou-se a origem do regime, buscando compreender as nuances controvertidas que acompanham a sua formalização por meio da Lei nº 10.792, de 2003. A pesquisa traz ainda a perspectiva internacional sobre o tratamento de presos, à medida que delimita a força normativa desses tratados no ordenamento jurídico brasileiro e destaca a relevância das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos – Regras de Mandela. Traz também as principais modificações ocorridas no art. 52 da LEP, oriundas do Pacote Anticrime, para confrontá-las com os principais regramentos internacionais de direitos humanos. Dessa maneira, verificou-se que as alterações legislativas do RDD resultam na violação da proibição de aplicação de penas, medidas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, bem como revelam verdadeira desarmonia com os direitos assegurados internacionalmente, resultando na inadequação do RDD no sistema constitucional de execução de pena. Palavras-chave: Regime Disciplinar Diferenciado. Direitos Humanos Internacionais. Pacote Anticrime. 8 ABSTRACT The Differentiated Disciplinary Regime is an instrument aimed at prisoners who will be subjected to isolated cell collection for a certain period, as well as having visitation restrictions, hours of sunlight and reduced contact with other custodians, if they practice certain behaviors. Law nº 13.964, of 2019, promoted significant changes in that institute, revealing greater rigidity and raising important criticisms about its resurgence. Thus, the present study, through the qualitative and deductive method and descriptive research, starts from the need to analyze legislative innovations in the face of international human rights treaties. Therefore, the origin of the regime was examined, seeking to understand the controversial nuances that accompany its formalization through Law nº 10,792, of 2003. The research also brings the international perspective on the treatment of prisoners, as it delimits the force of these treaties in the Brazilian legal system and highlights the relevance of the United Nations Minimum Rules for the Treatment of Prisoners - Mandela Rules. It also brings the main changes that occurred in art. 52 of the LEP, arising from the Anti-Crime Package, to confront them with the main international human rights regulations. In this way, it was possible to verify that the legislative alterations of the RDD result in the violation of the prohibitionof the application of cruel, inhuman or degrading punishments, measures or treatments, as well as revealing a true disharmony with the internationally assured rights, resulting in the inadequacy of the RDD in the system. constitutional sentence execution. Keywords: Differentiated Disciplinary System. International Human Rights. Anti-Crime Pack. 9 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade CF - Constituição Federal CNJ - Conselho Nacional de Justiça CNPCP - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária DUDH - Declaração Universal de Direitos Humanos EC - Emenda Constitucional LEP - Lei de Execução Penal OAB - Ordem dos Advogados do Brasil ONU - Organização das Nações Unidas PCC- Primeiro Comando da Capital PIDCP - Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos RDD - Regime Disciplinar Diferenciado REFIM - Regime Fechado com Isolamento e Monitoramento SAP/SP - Secretaria de Administração Penitenciária STF - Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justiça 10 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 11 2. O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL .. 15 2.1 Origem do RDD ....................................................................................................... 15 2.2 O caráter sancionatório do Regime Disciplinar Diferenciado .................................... 20 2.3. O Regime Disciplinar Diferenciado e os Regimes de Cumprimento de Pena ............ 24 3. PERSPECTIVA INTERNACIONAL SOBRE O TRATAMENTO DE PRESOS ...... 27 3.1 Apontamentos sobre a aplicabilidade dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no Direito Interno ........................................................................................................... 29 3.2. Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos............................ 37 4. ALTERAÇÕES DO PACOTE ANTICRIME NO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO E SUA (IN) COMPATIBILIDADE COM OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS ........................................................... 42 4.1 O Pacote Anticrime e a Lei de Execução Penal ......................................................... 42 4.2 Os reflexos da Lei nº 13.964, de 2019, no Regime Disciplinar Diferenciado ............. 44 4.3 Da (in) compatibilidade do art. 52 da LEP com os tratados de direitos humanos ....... 52 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 57 6. REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 60 11 1. INTRODUÇÃO A presente pesquisa se destina a analisar em qual medida um sistema de isolamento celular rigoroso e prolongado, materializado no ordenamento jurídico nacional pelo art. 52 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984), pode harmonizar com os Tratados Internacionais de Direitos Humanos. No caso, o Regime Disciplinar Diferenciado – RDD se revela como uma medida excepcional em que o preso será mantido isolado dos demais, por longo período de tempo somente pela finalidade de sanção (ou “castigo”), aplicando-se ao custodiado que praticar falta grave. Dessa forma, conquanto usado como resposta ao mau comportamento dos presos no âmbito de cumprimento de pena, o RDD tende a se inclinar para a violação de alguns direitos dos indivíduos presos. O contexto do surgimento do Regime Disciplinar Diferenciado, enquanto instituto jurídico, se dá em 2001, como uma resposta de recrudescimento à Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984) diante das constantes rebeliões ocorridas no sistema prisional do Estado de São Paulo. A criação e a estruturação das facções criminosas dentro dos presídios estaduais de São Paulo resultaram, em um primeiro momento, na elaboração da Resolução nº 26, de 04 de maio de 2001, responsável por instituir o Regime Disciplinar Diferenciado. Tal resolução foi editada pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP/SP) e tinha a finalidade precípua de promover o isolamento, pelo período de até 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias, do custodiado que liderasse ou integrasse as facções criminosas surgentes. Essa resolução, tão logo de sua elaboração, promoveu significativa alteração no sistema de execução de pena e estimulou constantes debates acerca de sua inconstitucionalidade, pois se tratando de falta grave, a matéria seria afeta à lei ordinária. Não obstante isso, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu pela constitucionalidade da resolução, sob o argumento de que os estados possuem competência constitucional para legislarem sobre Direito Penitenciário. Contudo, a discussão acerca da constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado não se limitou à competência legislativa. Na realidade, a constitucionalidade do RDD ainda é questionada, não raro sendo cerne de estudo e discussão pelos juristas nacionais que aguardam a deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADI 4162, a respeito de trechos da Lei nº 7.210, de 1984 (Lei de Execução Penal - LEP), especialmente sobre o RDD. 12 Volvendo à normatização do Regime Disciplinar Diferenciado, a morte de dois juízes de execução penal em março de 2003, nos estados de São Paulo e Espírito Santo, trouxe à tona o debate sobre um mecanismo legal de abrangência nacional que censurasse condutas como essas com maior rigidez. A partir desse contexto, foi editada a Lei nº 10.792 de 1º de dezembro de 2003, que incorporou o RDD no art. 52 da Lei de Execução Penal. A essência do Regime Disciplinar Diferenciado, pelo teor do dispositivo legal, é de sanção disciplinar aplicada em caso de prática de crime doloso que constitua falta grave e, quando este ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas. Direciona-se a presos provisórios ou condenados que, como medida repressiva, se submeterão ao recolhimento celular isolado por determinado período, bem como terão restrição de visitação, horas de sol e redução de contato com outros custodiados. Nesses termos, mesmo após quase 20 anos de vigência do Regime Disciplinar Diferenciado no sistema de execução penal, a sua a aplicabilidade frequentemente foi confrontada pela interpretação constitucional de aplicação de pena, na medida em que o isolamento celular rigoroso, tal qual se estipula no art. 52 da Lei nº 7.210, de 1984, pode violar a dignidade da pessoa humana e a função ressocializadora da pena. É de se imaginar que o isolamento celular rigoroso, nos moldes do RDD, não deve ser a regra no ordenamento jurídico, ao contrário, deve ser medida excepcional. A explicação para isso é de que a segregação do preso e de restrições extremas com o mundo exterior reflete diretamente na ressocialização do custodiado. Apesar disso, o instituto em comento passou por significativas alterações advindas pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964, de 2019), que, buscando conter os índices de criminalidade, provocou uma série de modificações na legislação penal e processual penal, revelando o enrijecimento da política punitivista. Dessa maneira, as alterações no Regime Disciplinar Diferenciado decorrentes da Lei nº 13.964, de 2019, reacenderam a discussão sobre a constitucionalidade, a função socializadora e a compatibilidade de tal instituto com os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, sendo este o enfoque do presente trabalho. Nesse contexto, indaga-se se as alterações no Regime Disciplinar Diferenciado decorrentes do Pacote Anticrime são compatíveis com os parâmetros de constitucionalidade, afunção socializadora da pena e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Assim, a presente pesquisa visa analisar as alterações legislativas trazidas pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964, 24 de dezembro de 2019) no instituto jurídico do Regime Disciplinar 13 Diferenciado, sob a ótica dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, incorporados ao direito pátrio. O objetivo basilar da pesquisa é buscar identificar se o novo diploma legal, materializado pelo art. 52 da Lei nº 7.210, de 1984, apresenta conformidade com os respectivos tratados internacionais, dos quais se destacam as Regras Mínimas para Tratamento dos Presos - Regras de Mandela. Nesse sentido, para a verificação de tal compatibilidade, necessário será fazer uma análise do contexto de criação do Regime Disciplinar Diferenciado, perpassando pela relação do referido instituto com os tratados internacionais pertinentes ao assunto, albergados pela Constituição da República de 1988, para, ao final, compreender se as mudanças trazidas pela Lei nº 13.964, de 2019 (Pacote Anticrime) no art. 52 da LEP são compatíveis com as diretrizes internacionais de Direitos Humanos. Desse modo, o estudo terá como base metodológica o método qualitativo e a pesquisa descritiva, no qual, a partir do método dedutivo, buscar-se-á examinar a mudança trazida pela Lei nº 13.964, de 2019 (Pacote Anticrime) no art. 52 da Lei nº 7.210, de 1984, a fim de verificar se tais alterações coadunam com o entendimento do Direito Internacional sobre o tema, bem como as diretrizes dos Direitos Humanos sob uma perspectiva constitucional. Para tanto, utilizar-se-á, a revisão bibliográfica e a pesquisa legislativa pertinente à temática em análise. O primeiro capítulo abordará a criação do Regime Disciplinar Diferenciado, descrevendo o contexto de megarrebeliões ocorridas nos anos 2000 e a influência destes acontecimentos na criação do instituto, em 2003. No mesmo capítulo, buscar-se-á delimitar os marcos legislativos referentes ao RDD e, ainda, descrever sua natureza jurídica, cuidando em distingui-la dos regimes de cumprimento de pena. O capítulo seguinte trará a perspectiva internacional sobre o tratamento dos presos. Em um primeiro momento, se discorre sobre o impacto dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro, verificando de que maneira o direito interno se adéqua aos tratados internacionais a que se submete, avaliando, concomitantemente, a força normativa dessas normas no contexto jurídico pátrio. Em outro ponto, o mesmo capítulo cuidará de examinar as Regras Mínimas das Nações Unidas sobre o Tratamento de Presos, conceituando-as e delimitando seu alcance normativo consoante se descreveu na primeira parte do capítulo, para, finalmente, traçar um comparativo entre as Regras Mínimas e o Regime Disciplinar Diferenciado. 14 Por fim, o último capítulo dissertará sobre as significativas alterações no RDD, ocasionadas pela Lei nº 13.964, de 2019. De início, se apresentará brevemente o contexto das alterações do Pacote Anticrime, notadamente no âmbito da execução da pena, para revelar o maior rigor punitivista da inovação legislativa. Ainda no mesmo capítulo, será explanado as principais mudanças ocorridas no âmbito do Regime Disciplinar Diferenciado. Em tal tópico, explicar-se-á de maneira pormenorizada os novos requisitos dispostos no art. 52 da Lei nº 7.210, de 1984 e o procedimento de inclusão dos presos. Finalmente, o estudo se encaminha para a análise da (in) compatibilidade da nova redação do art. 52 da Lei nº 7.210, de 1984 com os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, dos quais se destacam as Regras Mínimas para Tratamento dos Presos - Regras de Mandela. 15 2. O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL O Regime Disciplinar Diferenciado encontra-se disciplinado no art. 52 da Lei nº 7.210, de 1984 e os termos de aplicação do instituto está descrito no caput do referido artigo, que prevê: Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado, nacional ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) [...] O mesmo artigo, alterado pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964, de 2019), cuida ainda das características e peculiaridades dessa sanção disciplinar, delimitando o período, modo e condições de aplicação do instituto. Contudo, o surgimento do Regime Disciplinar Diferenciado no sistema jurídico brasileiro é datado de 2001 e desponta como uma resposta punitiva criada pelo Estado para inibir as constantes rebeliões ocorridas no sistema prisional do Estado de São Paulo. No entanto, sua positivação se deu em 2003, com a edição da Lei nº 10.792, de 2003, mediante a vital necessidade de um diploma legal que garantisse a aplicabilidade no âmbito nacional do regime celular rigoroso e individual através da incorporação do RDD ao art. 52 da Lei de Execução Penal. Desse modo, busca-se com o presente capítulo apresentar a origem histórica do Regime Disciplinar, delimitando os marcos temporais e legislativos que moldaram o referido instituto, destacando os pontos controversos do surgimento do RDD no sistema jurídico brasileiro. No mesmo passo, será apresentado a natureza jurídica de tal instituto, qual seja, seu caráter sancionatório, ressalvando sua diferença em relação aos regimes de cumprimento de pena. Ressalta-se que este capítulo preambular será construído de modo expositivo, com base na revisão bibliográfica relacionada ao tema, doutrina, artigos e legislação pertinente. 2.1 Origem do RDD Em 2003, o Regime Disciplinar Diferenciado foi incorporado à Lei de Execução Penal, através da Lei nº 10.792, de 2003. Contudo, sua origem no ordenamento jurídico é anterior à sua positivação nacional, eis que em 2001, a Secretaria de Administração Penitenciária do 16 estado de São Paulo editou a Resolução nº 261 que buscava reduzir ou inibir os constantes conflitos e rebeliões promovidos pelas facções criminosas. O Regime Disciplinar Diferenciado emerge, portanto, como uma “promessa de ser grande instrumento de enfrentamento da criminalidade organizada” (ROIG, 2021, p. 240). No entanto, desde sua concepção, mesmo enquanto resolução estadual, o RDD reflete um cenário de escolha legislativa impositiva e punitivista. A origem do Regime Disciplinar Diferenciado ocorreu nas penitenciárias estaduais do estado de São Paulo, a partir de um cenário de megarrebeliões. Sobre o assunto, Salo de Carvalho e Cristiane Russomano Freire (2005, p.7) explicam que o estopim “envolveu 25 (vinte e cinco) unidades prisionais da Secretaria da Administração Penitenciária e 04 (quatro) cadeias sob a responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública do Estado”. A rebelião que culminou com o surgimento da nova modalidade de sanção disciplinar apresentou uma peculiaridade em relação aos conflitos ocorridos no interior das penitenciárias. Nesse contexto, Carvalho e Freire (2005) ponderam que a motivação dos presos em provocar essa megarrebelião, para além de reivindicar melhores condições carcerárias, foi responder diretamente às tentativas governamentais de enfraquecer o Primeiro Comando da Capital (PCC2), mediante o afastamento dos líderes para unidades prisionais distantes da capital. Para conter as rebeliões nos presídios paulistas, Camila Caldeira Nunes Dias (2013, p. 383) ressalta que o poder público precisou de “uma medida de impacto imediato”, uma vez que a megarrebelião de 2001 revelou a incapacidade do poder público administrar seu sistema prisional. Dessa maneira, Dias (2013)demonstra que ao idealizar um meio repressivo rigoroso nos moldes do RDD, o qual contou à época com forte apoio popular e político, priorizou-se uma solução imediatista e de resultados instantâneos sem, contudo, qualquer preocupação com os efeitos de médio e longo prazo. Nesse quadro, a resposta apresentada para conter a rebelião foi elaborada pela Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, através da Resolução nº 26, dando início à aplicabilidade do Regime Disciplinar Diferenciado no sistema prisional. Conforme relembra Carvalho e Freire (2005), o Regime foi inicialmente limitado a cinco 1 São Paulo, Administração Penitenciária. Resolução SAP - 026 de 4 de maio de 2021. Regulamenta a inclusão, permanência e exclusão dos presos no Regime Disciplinar Diferenciado. 2 Camila Caldeira Dias (2013) explica que o PCC, organização autonomeada Primeiro Comando da Capital nasce no interior do sistema carcerário e estendeu sua influência para além dele, abrangendo espaços localizados nos mais diversos pontos do estado de São Paulo, se ramificando, mais tarde, para presídios localizados em todo o país. 17 unidades prisionais paulistas, sendo elas: Casa de Custódia de Taubaté, Penitenciárias I e II de Presidente Venceslau, Penitenciária de Iaras e Penitenciária I de Avaré3. Renato Marcão (2019) esclarece que, já no seu surgimento, a Resolução nº 26 suscitou reiterados debates acerca de sua inconstitucionalidade, porquanto, se tratando de falta grave, a matéria seria afeta à lei ordinária. O autor relembra que a definição sobre a constitucionalidade formal recaiu ao Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual entendeu pela constitucionalidade da resolução sob o argumento de que os estados possuem competência constitucional para legislarem sobre Direito Penitenciário. Enfrentada a questão inicial sobre a constitucionalidade da resolução, o art. 1º da Resolução nº 26 da Secretaria da Administração Penitenciária estabelecia que o RDD seria aplicado aos presos com posição de liderança ou integrantes das facções criminosas. O período máximo de permanência, de acordo com Carvalho e Freire (2005), era de 180 (cento e oitenta) dias, podendo ser estendido para 360 (trezentos e sessenta) dias, conforme dispunha o art. 4º da referida resolução. Sobre o procedimento de inclusão, os mencionados autores explicam que competia ao Diretor Técnico das Unidades, por meio de requerimento fundamentado direcionado ao Coordenador Regional das Unidades Prisionais, solicitar a transferência do preso ao RDD. Daí se verifica que os trâmites de inclusão de um preso no RDD eram exclusivamente administrativos. Na tentativa de complementar a normatização relativa ao novo instituto, nos anos seguintes, a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo editou novas resoluções, que, em certos aspectos, limitavam as prerrogativas dos indivíduos presos. Em 2002, foi elaborada a segunda resolução pertinente ao tema, qual seja a Resolução nº 494, cujo objetivo era controlar o direito de visita e as entrevistas dos presos incluídos no RDD com seus advogados. O art. 2º5 desta resolução restringia o número de visitantes e o tempo de duração de cada visita. O art. 5º6, por sua vez, trazia uma grave restrição aos direitos dos presos ao dispor 3 Conforme explica Carvalho e Freire (2005) a exclusividade de aplicação do regime diferenciado encontrava-se disciplinada no art. 2º da própria Resolução nº 26 SAP/SP. 4 São Paulo, Administração Penitenciária, Resolução SAP - 49 de 17 de julho de 2022. Disciplina o direito de visita e as entrevistas com advogados no Regime Disciplinar Diferenciado. 5 Artigo 2º - As visitas serão de, no máximo, duas pessoas por dia de visita, sem contar as crianças e terão duração máxima de duas horas 6 Artigo 5º - As entrevistas com advogado deverão ser previamente agendadas, mediante requerimento, escrito ou oral, à Direção do estabelecimento, que designará imediatamente data e horário para o atendimento reservado, dentro dos 10 dias subsequentes. 18 que as entrevistas com advogado deveriam ser previamente agendadas, por requerimento (escrito ou oral) formulado perante a Direção do estabelecimento prisional, para que esta, no prazo de 10 dias, designasse data e horário para o atendimento reservado. Todavia, o conteúdo dessa resolução foi objeto de mandado de segurança, impetrado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), através da seccional paulista, sob a justificativa que tal ato propiciava uma forma de incomunicabilidade absoluta do preso. Nesse sentido, a incumbência de decidir sobre o tema recaiu sobre o Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, pela relatoria do Ministro Herman Benjamin, assentou o entendimento de que a Resolução nº 49 SAP-SP contrariava frontalmente o direito líquido e certo dos advogados e de seus clientes7. Em agosto do mesmo ano, foi editada a Resolução nº 598, responsável por instituir o Regime Disciplinar Diferenciado no Centro de Detenção de Hortolândia (São Paulo). Carvalho e Freire (2005) apontam que essa resolução trouxe como diferencial a aplicação do RDD aos presos provisórios e não somente aos presos condenados, como era o caso das resoluções até então vigentes. Além disso, os mencionados autores destacam que a Resolução nº 59 ampliou o rol de condutas que resultariam na inclusão do preso no RDD, sendo elas: subversão da ordem ou da disciplina; tentativa de fuga; participação em facções; prática de fato prevista como crime doloso que perturbe a ordem do estabelecimento e posse de instrumento capaz de atingir a integridade de outro apenado ou manter comunicação com organização criminosa9. No ano de 2003, a Secretaria da Administração Penitenciária publicou a Resolução nº 9110, instituindo dessa maneira o Regime Disciplinar Especial para mulheres presas. Os comportamentos puníveis com o RDD eram os mesmos supramencionados e se destinavam às presas provisórias ou condenadas. Paralelo a isso, ainda no ano de 2002, o estado do Rio de Janeiro, influenciado por uma rebelião no presídio de Bangu I, liderada por Fernandinho Beira Mar, importou o Regime Disciplinar Especial em moldes similares ao que vinha sendo aplicado nos estabelecimentos Parágrafo primeiro - Para a designação da data, a Direção observará a fundamentação do pedido, a conveniência do estabelecimento, especialmente a segurança da unidade, do advogado, dos funcionários e dos presos. Parágrafo segundo - Comprovada documentalmente a urgência, a Direção deverá, de imediato, autorizar a entrevista. 7 MIGALHAS. O STJ garante visita de advogados a presos submetidos ao regime disciplinar diferenciado. 2009. Disponível em <www.migalhas.com.br/quentes/84723/stj-garante-visita-deadvogados-a-presos-submetidios-ao- regime-disciplinar-diferenciado>. Acesso em 06 de novembro de 2022. 8 São Paulo, Administração Penitenciária, Resolução SAP - 059 de 19 de agosto de 2002. Institui o Regime Disciplinar Especial no Complexo Penitenciário de Campinas (Hortolândia). 9 Consoante Carvalho e Freire (2005) as novas condutas foram disciplinadas no art. 2º da Resolução. 10 São Paulo, Administração Penitenciária, Resolução SAP - 091 de 30 de setembro de 2003. Institui o Regime Disciplinar Especial para mulheres e dá outras providências. http://www.migalhas.com.br/quentes/84723/stj-garante-visita-deadvogados-a-presos-submetidios-ao-regime-disciplinar-diferenciado http://www.migalhas.com.br/quentes/84723/stj-garante-visita-deadvogados-a-presos-submetidios-ao-regime-disciplinar-diferenciado 19 prisionais paulistas. Segundo destacam os autores Carvalho e Freire (2005), após o término da rebelião, cuidou-se em separar os mentores do movimento e o restante dos envolvidosforam colocados em Regime Disciplinar Especial de Segurança (RDES). Nesse passo, de acordo com os autores, um ano após a introdução do regime diferenciado, a Secretaria da Administração Penitenciária do Rio de Janeiro reeditou o RDES, espraiando a medida disciplinar para outras unidades penitenciárias. Nota-se, a partir do quadro fático exposto, que o Regime Disciplinar Diferenciado foi se estabelecendo no ordenamento jurídico à medida que a demanda ia se revelando necessária dentro dos presídios, ou seja, o surgimento era ocasional. Nesse viés, não é surpresa que tenha despontado os debates sobre segurança jurídica e uniformização de um instituto que desencadeou significativa alteração no sistema de execução de pena. As “respostas” às rebeliões nos presídios de São Paulo e do Rio de Janeiro, materializada pela criação do RDD, e a forte pressão midiática ensejaram a atuação do Congresso Nacional, que se viu compelido a universalizar o regime diferenciado através de legislação penal. Além do contexto de rebeliões envolvendo organizações criminosas no interior dos presídios, outro aspecto crucial para o aceleramento da elaboração de uma lei que albergasse o RDD foi as mortes de dois juízes de execução penal. Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha e Thales Cerqueira11 relembram que, após o assassinato dos juízes de execução penal Antônio José Machado Dias e Alexandre Martins de Castro Filho, ocorridos em 2003 nos estados de São Paulo e no Espírito Santo, respectivamente, ficou evidente que a situação reclamava urgência. Sobre a normatização do RDD, Dias (2013) ressalta fator relevante para a elaboração de um diploma legal de abrangência nacional: “trata-se da necessidade de autorização do poder judiciário para as transferências para o RDD” (2013, p. 389). Tal necessidade se justifica uma vez que as resoluções editadas pelas Secretarias Penitenciárias estaduais eram silentes a esse respeito. Dessa forma, no entendimento da referida autora, assegurar a análise judicial sobre a inserção de presos no regime diferenciado trouxe a garantia mínima de controle sobre este instituto e, ao mesmo tempo, reduziu a discricionariedade dos diretores e funcionários da prisão. 11 GOMES, Luiz Flávio, CUNHA, Rogério Sanches, CERQUEIRA. O Regime disciplinar diferenciado é constitucional? O legislador, o judiciário e a caixa de pandora. Disponível em: https://bu.ufsc.br/ConstitRegimeDisciplinarDifer.pdf. Acesso em 31 de outubro de 2022. https://bu.ufsc.br/ConstitRegimeDisciplinarDifer.pdf 20 Por outro lado, sob uma análise crítica, pode-se dizer que o contexto de positivação do Regime Disciplinar é o da “cultura de emergência fundada no aumento da violência e a vinculação da impunidade ao “excesso de direitos e garantias” dos presos (provisórios e condenados) ” (CARVALHO; FREIRE, 2005, p. 18). Assim, em 1º de dezembro de 2003, foi sancionada a Lei nº 10.79212 que alterou significativamente a Lei de Execução Penal e o Código de Processo Penal, trazendo, dentre outras alterações, a inclusão do RDD no cenário jurídico nacional. Sobre a constitucionalidade da aludida lei, Gomes, Cunha e Cerqueira13 discorrem que somente era possível estabelecer o RDD via lei ordinária federal, sendo este o meio jurídico mais adequado para a sua inserção no ordenamento jurídico. Cabe mencionar que a introdução do Regime Disciplinar Diferenciado no sistema de execução penal no Brasil não foi isenta de críticas. A inconstitucionalidade do regime diferenciado é defendida pela OAB, que busca através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 416214 a nulidade dos artigos da LEP que se referem ao Regime Disciplinar Diferenciado. Defende a entidade, em síntese, que o regime diferenciado promove o tratamento desumano e degradante dos presos, eis que propicia o isolamento, a suspensão e a restrição de direitos por tempo prolongado. Nesse cenário, se verifica o caráter controvertido do Regime Disciplinar Diferenciado, desde a sua concepção, enquanto resolução, até a sua inclusão no sistema normativo federal por meio da Lei. 10.792, de 2003, seja pela definição da sua constitucionalidade, seja pela compatibilidade do regime com os princípios constitucionais e a finalidade da pena. 2.2 O caráter sancionatório do Regime Disciplinar Diferenciado O histórico de origem do Regime Disciplinar Diferenciado, exposto no tópico anterior, consegue revelar o caráter sancionatório que esse instituto apresenta desde sua criação no ordenamento jurídico. Nesse cenário, é importante delimitar a natureza jurídica desse instituto para que se possa distingui-lo dos cumprimentos de pena existentes no sistema de execução de pena. 12 BRASIL. Lei nº 10.792 de 1º de dezembro de 2003. Altera a Lei no 7.210, de 11 de junho de 1984 - Lei de Execução Penal e o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal e dá outras providências 13 GOMES, Luiz Flávio, CUNHA, Rogério Sanches, CERQUEIRA, Thales. op. cit. p. 10. 14 Em consulta ao portal eletrônico do Supremo Tribunal Federal, verifica-se que a ADI se encontra conclusa ao Relator desde 14 de setembro de 2022. 21 A compreensão da natureza jurídica do RDD perpassa, antes, pelo entendimento de disciplina e sanção presente no sistema de execução de pena. Nesse viés, Marcão (2019) ensina que a execução penal prevê um conjunto de direitos e deveres abrangendo o Estado e os apenados, estando estes últimos submetidos, além das obrigações legais, a inúmeras normas de execução da pena. O autor aponta que tais normas revelam um verdadeiro “código de postura do condenado perante a Administração e o Estado” (MARCÃO, 2019, p. 78). Assim, ao ser submetido à prisão, o custodiado deve ser informado15 das normas disciplinares do estabelecimento prisional a que foi inserido, compreendendo, ao mesmo tempo, que uma conduta contrária às normas disciplinares enseja sanção disciplinar. Por essa razão, Marcão (2019) ressalta que agir com disciplina é comportar-se de acordo com as normas, ao passo que, distanciando delas, o executado estará a cometer falta disciplinar. Nesses casos, portanto, recairá sobre o preso a aplicação de sanção disciplinar. No sistema executivo de pena, o autor expõe que a legislação cuidou em classificar as faltas disciplinares em leves, médias e graves, observando uma ordem de valoração, conforme a gravidade da conduta. Além disso, Marcão (2019) informa que a especificação das faltas leves e médias, bem como as respectivas sanções, foi conferida à discricionariedade do legislador local (estadual). Por outro lado, no tocante às faltas graves, a Lei de Execução Penal adotou solução diversa, isto é, o art. 5016 da Lei nº 7.210, de 1984, foi o responsável por apresentar o rol taxativo das condutas que resultam em faltas graves. Nos apontamentos de Marcão (2019), a ampliação desse rol encontra óbice nos princípios da reserva legal e da anterioridade. O autor ainda dispõe que as faltas graves repercutem diretamente na rotina do estabelecimento prisional, no quadro da execução, além de justificarem a regressão do regime 15 Art. 46. O condenado ou denunciado, no início da execução da pena ou da prisão, será cientificado das normas disciplinares. (Lei nº 7.210, de 1984). 16 Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: I - incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; II - fugir; III - possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; IV - provocar acidente de trabalho; V - descumprir, no regime aberto, as condições impostas; VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei. VII – tiver em sua posse, utilizarou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007) VIII - recusar submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso provisório. 22 para tipo mais rigoroso. A partir desse cenário, já se observa a adoção de uma política repressiva mais austera quando se trata da prática de faltas graves. Nessa conjuntura, o Regime Disciplinar Diferenciado se sobressai como uma punição diante da prática de determinada falta grave. A Lei nº 10.792, de 2003 ao alterar o art. 52 da Lei de Execução Penal previu, dentre outras coisas, que o cometimento de fato tipificado como crime doloso “constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina interna, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado”. No mesmo passo, leciona Eneida Taquary (2010) que a referida lei alterou o art. 53 para inserir o Regime Disciplinar Diferenciado ao rol de sanções administrativas. Em resumo, a autora arremata que o RDD se caracteriza como uma sanção de caráter administrativo, destinada a presos em regime fechado, cumprindo pena de reclusão, que tenham comportamento considerado perigoso, promovam a indisciplina no interior do presídio e contribuam para rebeliões ou ordenem a prática de outros crimes graves. Nesse ponto, a autora supracitada se mostra temerária com a definição de “criminoso perigoso” que se extrai da lei, porquanto tal conceito está atrelado ao conceito abstrato de personalidade, tornando a personalidade do agente fator determinante para aferir sua periculosidade. Assim, para Taquary (2010), nos termos da Lei n° 10.792, de 2003, condenado perigoso será aquele que além de praticar crimes graves, exerce posição de liderança nos presídios “para captar outros para concorrer no crime de forma a criar uma associação para fins ilícitos e provoque motins ou resistências aos comandos legítimos de autoridades constituídas” (TAQUARY, p. 60, 2010). Corroborando esse entendimento, para Carvalho e Freire (2005), as alterações legislativas realizadas no âmbito da execução da pena esboçam a redefinição de disciplina, uma vez que se passou a permitir a aplicação do regime diferenciado a determinados presos, não apenas pela prática de falta grave, mas também pelo conceito abstrato e aleatório de sua conduta pessoal no cárcere ou fora dele. Nesse viés, se percebe que o regime diferenciado é um instrumento sancionatório, destinado ao máximo controle da população carcerária, sobretudo dos presos considerados perigosos ou com perfil de liderança. Frente a este cenário, Walter Nunes da Silva Júnior (2020) aponta que o RDD se perfectibiliza como a sanção disciplinar mais grave prevista no ordenamento jurídico brasileiro e por esse motivo recebe especial atenção quanto ao seu procedimento. O autor explica que 23 para as demais espécies de sanções disciplinares, o procedimento adotado para apuração e aplicação da punição se dá por meio do Procedimento Administrativo Disciplinar, cabendo a decisão ao diretor do estabelecimento prisional. Por sua vez, o regime diferenciado possui rito próprio, disciplinado no art. 54, caput e §§ 1º e 2º da Lei de Execução Penal17. Silva Júnior (2020) esclarece que a aplicação do RDD se trata, na realidade, de um incidente à execução, o qual, a despeito de haver uma fase administrativa, deve tramitar judicialmente. No RDD, conforme aponta o autor, a participação da autoridade administrativa se dá como requerimento, já que cabe ao diretor do presídio solicitar ao juiz que se decida sobre a inserção do executado no Regime. Com tais apontamentos feitos, cumpre esclarecer que o Regime Disciplinar revela seu caráter sancionatório ainda mais rigoroso quando aplicado no âmbito do sistema de execução de pena em presídios federais. Nesse sentir, Roig (2021) assinala que além das características apresentadas no art. 52 da LEP, o cumprimento do regime diferenciado em estabelecimento federal possui especificidades18 inerentes do Decreto nº de 6.049, de fevereiro de 2007 – Regulamento Penitenciário Federal. O art. 58 do citado Decreto estipula que o RDD, em presídio federal, observará o uso de algemas nas movimentações internas e externas, dispensadas apenas nas áreas de visita, banho de sol, atendimento assistencial e, quando houver, nas áreas de trabalho e estudo; e sujeitará o preso aos procedimentos de revista pessoal, de sua cela e seus pertences, sempre que for necessária sua movimentação interna e externa, sem prejuízo das inspeções periódicas. Observa Silva Júnior (2020) que a inclusão em RDD é judicial e está regulamentada pela Lei de Execução Penal, de sorte que coube ao Decreto nº 6.049, de 2007, apenas reiterar a obediência às disposições legais. Na mesma toada, assevera o autor que, para incluir o preso em RDD, o diretor do presídio deve juntar o termo de declarações do preso e a defesa técnica, se possível. Ainda, destaca que tal determinação legal contida no art. 5519 é de vital importância, pois garante que o juiz terá elementos de materialidade e autoria. Sobre o RDD aplicado no âmbito dos presídios federais, Silva Júnior (2020) esclarece que não subsiste qualquer dúvida sobre a distinção entre cumprimento de pena em presídio 17 O autor acrescenta, além dos artigos citados, a aplicação subsidiária do art. 194 e seguintes da LEP. 18 Nesse ponto, Silva Júnior (2020) esclarece que não há regras específicas para o RDD em presídio federal. Nesses casos, quando o preso está submetido ao regime diferenciado em presídios federais, aplicam-se as especificações da LEP. 19 Art. 55. O diretor do estabelecimento penal federal, na solicitação de inclusão de preso no regime disciplinar diferenciado, instruirá o expediente com o termo de declarações da pessoa visada e de sua defesa técnica, se possível. (Decreto nº 6.049, de 2007). 24 federal e o regime diferenciado. Isso porque, o preso recolhido em estabelecimento prisional federal pode ser incluído em RDD como sanção disciplinar, desde que cometa falta grave nos termos do art. 52 da LEP. Por derradeiro, ainda dentro das especificidades do regime diferenciado, salienta-se nos ensinamentos de Roig (2021) que o Regime Disciplinar Diferenciado apresenta duas modalidades, a saber: punitivo e cautelar. Por se tratar de medida sancionatória, se aplica ao RDD punitivo todas as características apresentadas até o momento. Por sua vez, ensina Roig (2021) que o RDD cautelar é compreendido como a modalidade aplicável aos presos que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade, ou àqueles sobre os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, independentemente da prática de falta grave. No que concerne às características do RDD cautelar, Roig (2021) elucida que tal modalidade está submetida ao poder especial de cautela do órgão judicial, além de dispensar a prévia manifestação do Ministério Público e da defesa, justificada pela urgência e perigo. Nas contribuições de Silva Júnior (2020), a depender da gravidade da falta disciplinar praticada pelo preso, o isolamento preventivo no RDD ganha respaldo na manutenção da disciplina, contudo não se apresenta como primordial para a apuração dos fatos. 2.3. O Regime Disciplinar Diferenciado e os Regimes de Cumprimento de Pena Um dos aspectos mais controversos do Regime Disciplinar Diferenciado está relacionado com a possibilidade de considerar o referido instituto como uma dasespécies de regime de cumprimento de pena. A questão não é meramente pragmática, sobretudo pelas mudanças trazidas pela Lei nº 13.964, de 2019, que promoveu alterações substanciais na aplicação do RDD e estreitou, ainda mais, a diferença entre o regime disciplinar e as demais formas de cumprimento. Dessa forma, nada obstante o caráter sancionatório do Regime Disciplinar Diferenciado, parece haver certa imprecisão quanto à natureza jurídica do instituto, sobretudo diante da tentativa de compará-lo com os regimes de cumprimento de pena. Nesse sentido, para Carvalho e Freire (2005), o RDD configura um modelo alternativo de cumprimento de pena que enfatiza a inabilitação e a exclusão dos executados. Na mesma toada, Luís Carlos Valois (2020), numa análise notadamente crítica sobre o instituto, defende que o Regime Diferenciado é uma forma de cumprimento de pena privativa 25 de liberdade que retrocedeu o sistema de execução de pena, pois se assemelha ao sistema prisional pensilvânico do século XIX. No entanto, partilhando de um posicionamento diverso, Taquary (2010) assevera que os regimes de cumprimento de pena estão disciplinados no Código Penal Brasileiro e são eles: regime aberto, semiaberto, fechado (conforme o art. 33 do Código Penal)20, não havendo previsão para o regime disciplinar diferenciado. Dessa forma, a autora dispõe que não se pode entender o Regime Disciplinar como uma espécie de regime, eis que a estrutura do tipo penal resulta do princípio da reserva legal e por esse motivo retira imediatamente o seu caráter de regime prisional. Por outro lado, Dias (2009) descreve o RDD como sendo um instrumento utilizado pelo Estado para impor um regime de cumprimento de pena de reclusão muito mais austero que os demais apresentados na legislação penal. No mesmo passo, Silva Júnior (2020) expõe que o RDD, além de se caracterizar como sanção disciplinar, implica na alteração, ainda que momentânea, do regime de cumprimento da pena ou prisão para o regime mais rigoroso previsto no sistema de execução penal, já que o preso pode cumprir o restante da pena em RDD. Por essa razão, nos apontamentos do autor, tratando-se de uma sanção rigorosa não seria concebível que a autoridade administrativa aplicasse o RDD sem a apreciação do Judiciário. Ademais, aponta o autor que a competência do magistrado, nos casos de aplicação de RDD, não se limita a homologar a sanção disciplinar, já que lhe cabe decidir sobre o mérito da questão. Quando se trata do RDD aplicado no âmbito dos presídios federais, a distinção entre o referido instituto e as noções de regimes de cumprimento de pena se encurtam. Sob o assunto, Silva Júnior (2020) esclarece que o regime fechado cumprido no Sistema Penitenciário Federal, embora seja mais rigoroso do que o fechado previsto para as penitenciárias estaduais, é menos rígido do que o RDD. Nesse ponto, há de ser salientado, com esteio no que leciona Silva Júnior (2020), que apesar de guardarem similaridades, o Regime Disciplinar Diferenciado não pode ser confundido com o modelo próprio de cumprimento de pena nos presídios federais, que é o Regime Fechado com Isolamento e Monitoramento (REFIM). Segundo explica o autor, o 20 Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º - Considera-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; c) regime aberto à execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art33 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art33 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art33 26 REFIM possui características próprias já que é regulamentado pelo art. 3º, § 1º21 e incisos, da Lei nº 11.671, de 2008 (também alterado pelo Pacote Anticrime). Conforme salienta o referido autor, por disposição legal, o Regime Fechado com Isolamento somente recai para presos recolhidos à penitenciária federal, em que a justificativa de inclusão tenha sido a necessidade de atendimento ao interesse da segurança pública. Todavia, das lições de Silva Júnior (2020) infere-se que, a despeito da Lei nº 13.964, de 2019 ter estreitado as diferenças entre os regimes, as regras aplicadas ao preso em RDD são mais rígidas, fato que revela seu caráter austero dentro do sistema de execução de pena. Por fim, com amparo nas lições de Roig (2021) é preciso diferenciar o regime disciplinar diferenciado da transferência de presos para estabelecimentos penais federais de segurança máxima. Dessa forma, a Lei de Execução Penal regula que o RDD será obrigatoriamente cumprido em estabelecimento prisional federal apenas na hipótese do art. 52, § 3º, ao passo que, as demais hipóteses de RDD podem ser cumpridas em presídio estadual ou federal, a depender do caso e de sua gravidade. Frente a esse cenário, ainda que não esteja determinado expressamente na legislação penal, o regime disciplinar diferenciado, nos moldes apresentados pela atual redação, se assemelha a um tipo de regime de cumprimento de pena, em que o custodiado pode cumprir toda o restante da pena em isolamento celular, caso haja cometimento de nova falta grave. Nesse sentido, fica claro, com amparo nas lições de Carvalho e Freire (2005), que a criação do RDD permitiu a institucionalização de modelos atípicos de cumprimento de pena. 21 Art. 3º Serão incluídos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima aqueles para quem a medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso, condenado ou provisório. § 1º A inclusão em estabelecimento penal federal de segurança máxima, no atendimento do interesse da segurança pública, será em regime fechado de segurança máxima, com as seguintes características: I - recolhimento em cela individual; II - visita do cônjuge, do companheiro, de parentes e de amigos somente em dias determinados, por meio virtual ou no parlatório, com o máximo de 2 (duas) pessoas por vez, além de eventuais crianças, separados por vidro e comunicação por meio de interfone, com filmagem e gravações; III - banho de sol de até 2 (duas) horas diárias; e IV - monitoramento de todos os meios de comunicação, inclusive de correspondência escrita. § 2º Os estabelecimentos penais federais de segurança máxima deverão dispor de monitoramento de áudio e vídeo no parlatório e nas áreas comuns, para fins de preservação da ordem interna e da segurança pública, vedado seu uso nas celas e no atendimento advocatício, salvo expressa autorização judicial em contrário. 27 3. PERSPECTIVA INTERNACIONAL SOBRE O TRATAMENTO DE PRESOS Apresentada a origem e o caráter sancionatório do Regime Disciplinar Diferenciado, torna-se claro que se está diante de um instrumento direcionado a presos (provisórios ou condenados) que, como medida repressiva pelo cometimento de determinadas condutas, se submeterão ao recolhimento celular isolado por certo período, bem como terão restrições de visitação, horas de sol e redução de contato com outros custodiados. Em outras palavras, o RDD é uma sanção disciplinar que repercute diretamente na forma como o preso executará o cumprimento da pena privativa de liberdade. Conforme ressaltado alhures, no entendimento de Silva Júnior (2020), o RDD se perfectibiliza como a sanção disciplinar mais grave prevista no ordenamento jurídico brasileiro, de forma quecomumente se indaga como este instituto pode harmonizar com os tratados internacionais de direitos humanos? O questionamento parece ser válido na medida em que o Regime Disciplinar Diferenciado tende a se inclinar para um tipo de sanção disciplinar em que o isolamento do preso será rigoroso, duradouro e possibilitará que uma série de prerrogativas inerentes ao indivíduo preso sejam mitigadas em nome da disciplina e ordem no interior dos presídios. Para André Carvalho de Ramos (2014), a necessidade de se preservar os direitos do indivíduo preso é universal, eis que dessa forma se evitam excessos e abusos ao indivíduo que se encontra em posição de flagrante vulnerabilidade. Contudo, o tema da preservação de direitos dos presos é “recente” na esfera do Direito Internacional e só ganhou destaque à medida que se consolidou o debate em torno da dignidade da pessoa humana. A partir de meados do século XX, a temática sobre direitos humanos se acentuou na seara do Direito Internacional. No entanto, o destaque para a preservação dos direitos inerentes a qualquer indivíduo adveio de um processo lento e gradual de internacionalização e universalização de direitos tido como essenciais. Flávia Piovesan (2013) atribui a internacionalização dos direitos ao cenário pós Segunda-Guerra Mundial, em que as extremas violações de direitos mais basilares da humanidade, decorrentes do nazismo, fez emergir a necessidade de consolidar a proteção dos direitos humanos como interesse internacional. Para a autora, a necessidade de um olhar internacional para a efetivação dos direitos humanos impulsionou o processo de internacionalização desses direitos e resultou no surgimento de uma sistemática normativa de garantia internacional, que torna possível punir o Estado quando este se omitir ou falhar em sua incumbência de preservar os direitos humanos. 28 Sobre o entendimento de quais seriam os direitos essenciais à humanidade, Ramos (2014) destaca que, em 1948, a Organização das Nações Unidas - ONU22 aprovou, sob a forma de Resolução da Assembleia Geral, a Declaração Universal de Direitos Humanos - DUDH (ou “Declaração de Paris”), que definiu, pela primeira vez, o rol de direitos humanos aceitos internacionalmente. O autor salienta que a Declaração trouxe direitos políticos e civis, assim como direitos econômicos, sociais e culturais, dos quais, para o presente estudo, destacam-se o primeiro grupo, em que se insere o direito à vida e à integridade física. Nesse viés, Piovesan (2013) ensina que a Declaração Universal coloca como único requisito para ser titular de direitos a condição de pessoa, isto é, impõe-se que qualquer pessoa indistintamente seja detentora de direitos essenciais. No mesmo pórtico, a autora destaca que outro valor revelado na Declaração Universal, qual seja, a dignidade humana como fundamento dos direitos humanos, veio a ser incorporado “por todos os tratados e declarações de direitos humanos, que passaram a integrar o chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos” (PIOVESAN, 2013, p. 205). Assim sendo, com o fortalecimento da noção de Direito Internacional dos Direitos Humanos, o conceito de soberania dos Estados, antes absoluto, passa a ser flexibilizado diante da consolidação do ser humano como sujeito de direitos na esfera internacional. Nesse cenário, os indivíduos passaram a ter meios de proteção contra violação de garantias, inclusive perpetradas pelos próprios Estados, considerando que estes não podem justificar sob o manto constitucional da soberania, a violação dos direitos humanos dentro de seu território. Dessa forma, com vistas a assegurar o controle externo frente a eventuais violações estatais, são propostos inúmeros tratados e convenções com objetivo central de proteger os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, em 1966, é aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), que somente veio a ser ratificado 10 anos depois. Conforme destaca Piovesan (2013), o referido tratado ampliou o catálogo de direitos civis e políticos23 em relação a própria Declaração Universal e trouxe, dentre outras previsões, 22 Piovesan (2013) explica que a criação da ONU se deu no contexto pós-guerra, em que os países buscavam promover a cooperação internacional no plano econômico, social e cultura, mas, ao mesmo tempo, implementar um padrão internacional de saúde, fomentar a proteção ao meio ambiente, a criação de uma nova ordem econômica internacional e a proteção internacional dos direitos humanos. 23 A autora constata que outros direitos foram albergados pelo Pacto, dos quais destacam-se o direito de não ser preso em razão de descumprimento de obrigação contratual (art. 11); o direito da criança ao nome e à nacionalidade (art. 24); a proteção dos direitos de minorias à identidade cultural, religiosa e linguística (art. 27); a proibição da propaganda de guerra ou de incitamento a intolerância étnica ou racial (art. 20); o direito à autodeterminação (art. 1º), dentre outros. São direitos que não tinham sido incluídos na Declaração Universal. 29 o direito de não ser submetido a tortura ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes24; o direito a não ser escravizado, nem submetido à servidão; os direitos à liberdade e à segurança pessoal e a não ser sujeito a prisão ou detenção arbitrárias e o direito a um julgamento justo. Em 1955, alguns anos antes da elaboração do Pacto, durante o I Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e para o Tratamento de Delinquentes, foram adotadas as Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos - Regras de Mandela, em que se estipulou uma série de condutas e princípios a serem observados nos sistemas penais. Considerando a relevância de tais normas para a preservação de direitos do indivíduo preso, a temática será analisada isoladamente ainda neste capítulo. Na esteira do que leciona Piovesan (2013), o sistema de proteção dos direitos humanos pode apresentar diferentes âmbitos de aplicação, com a necessidade de se preservar, também, o sistema regional de garantias. Nesse sentido, a autora destaca que, junto do sistema internacional, despontam os sistemas regionais de proteção, que buscam assegurar os direitos humanos no plano regional (especialmente na Europa, América e África). Consoante dispõe Piovesan (2013), no cenário interamericano de consolidação de direitos humanos, o maior destaque se dá para a Convenção Americana de Direitos Humanos, também denominada Pacto de San José da Costa Rica. Tal instrumento traz consigo 82 artigos25 que versam sobre os mais variados tipos de direitos a serem preservados, dos quais destacam- se a garantia da pena não passar da pessoa do delinquente; o direito do preso ser tratado com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano e a previsão das penas privativas da liberdade terem como finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados. Como se vê, as Convenções e Tratados geram para o país o dever de promover e assegurar mecanismos de proteção aos direitos fundamentais e a própria dignidade humana, seja por meio de ações ou omissões, que tenham por finalidade principal ratificar um ambiente adequado de garantias mínimas. Portanto, torna-se patente que o debate acerca do tratamento digno dos presos nasce dessa conjuntura de fortalecimento dos direitos humanos, em que se consolidam garantias mínimas e essenciais a qualquer pessoa, indistintamente. 3.1 Apontamentos sobre a aplicabilidade dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no Direito Interno 24 Tal disposição encontra-se disciplinada no artigo V da Declaração Universal de Direitos Humanos. 25 Piovesan (2013) comenta que, substancialmente, o Pactode San José da Costa Rica traz um rol de direitos civis e políticos similar ao disciplinado no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. 30 Para aferir em qual proporção o Regime Disciplinar Diferenciado, notadamente pelas mudanças legislativas advindas com o Pacote Anticrime (Lei nº 13.964, de 2019), se mostra compatível com os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, é preciso, antes, compreender a força normativa que tais tratados e postulados internacionais possuem no ordenamento jurídico nacional. Tal entendimento tem como marco referencial a Constituição da República de 1988, que estabelece como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito a “dignidade da pessoa humana”. Compartilhando da concepção de Ramos (2014), o Texto Constitucional inaugura uma nova sistemática jamais vista até então, na qual os direitos constitucionalmente assegurados se baseiam também nos tratados internacionais celebrados pelo Brasil. Nesse ínterim, a adoção da Carta de 1988 como linha referencial não é meramente pragmática, pois conforme salienta Piovesan (2013), ela se destaca sobremaneira das Constituições anteriores que primeiramente tratavam do Estado, para, somente então, versarem sobre os direitos dos indivíduos. Dessa forma, na Constituição de 1988, a proteção do indivíduo torna-se fundamento do Estado Democrático de Direito. Ainda segundo a referida autora, por representar uma ruptura do regime militar ditatorial, que perdurou de 1964 a 1985 no Brasil, é que a Constituição de 1988 encarrega de se apoiar na gramática dos direitos. Partindo desse arrimo, Piovesan (2013) explana que existe um direito brasileiro anterior a 1988 e pós-88, sendo este o período em que se passa a afirmar os direitos humanos e promover a normatividade internacional no cenário interno. Conforme explica a autora, a Carta de 1988 inicia uma nova topografia constitucional, posicionando nos primeiros capítulos um extenso repertório de direitos e garantias, elevando- os à categoria de cláusulas pétreas. Essa categorização demonstra a vontade do constituinte em priorizar os direitos e as garantias fundamentais. Para complementar o entendimento do novo perfil constitucional, Piovesan (2013) ensina que a Constituição de 1988 prestigia o princípio da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos e assegura, em igual importância, a extensão de titularidade de direitos, ao passo que se inclina para a existência de novos sujeitos de direitos. Além disso, a autora relembra que o Texto Constitucional consagrou a aplicabilidade imediata dessas normas (art. 5º, § 1º),26 reafirmando a força normativa de todos os preceitos constitucionais que consagram os direitos e garantias fundamentais e que resguardam a dignidade da pessoa humana. 26 Art. 5º. [...] § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. 31 Nesse contexto, Piovesan (2013) revela que, tanto no âmbito internacional quanto na esfera local, a dignidade da pessoa humana é o princípio que integra e centraliza todo o sistema normativo. Dessa forma, para a autora, entender como a Constituição de 1988 valida os direitos civis se revela necessário para compreender como se dá a relação entre a Carta Magna e os tratados internacionais de direitos humanos. Partilhando das lições de Ramos (2014), deve-se ser levado em consideração, antes de tudo, que a supremacia da Constituição no âmbito dos direitos humanos também admite as consequências da internacionalização dos direitos humanos. Em outras palavras, o autor afirma que a primazia do texto constitucional deve estar harmonizada com as noções internacionais de proteção aos direitos humanos, fazendo surgir as concepções de interpretação internacionalista dos direitos humanos. Por essa razão, o Texto Constitucional autoriza a inserção e aplicabilidade de Tratados Internacionais de Direitos Humanos que consagrem e prestigiem os direitos e garantias indistintos, bem como priorizem a dignidade da pessoa humana. Diante de tal definição, a indagação passa a ser: de qual modo a Carta de 1988 permite que tais tratados tenham força normativa e qual o impacto jurídico do sistema internacional de proteção dos direitos humanos no âmbito interno de garantia e proteção de direitos? Em primeiro lugar, consoante aduz Ramos (2014), o constituinte cuidou em deixar evidente, ao longo do texto da constitucional, a escolha pela incorporação dos tratados ao direito interno. Dessa forma, diversos artigos referem-se a tratados internacionais (lato senso): “tratados internacionais (arts. 5º, §§ 2º e 3º; 49, I), convenção internacional (arts. 5º, § 3º; 84, VIII; 109, V), atos internacionais (arts. 49, I; 84, VIII), acordos internacionais (arts. 49, I; 178; e 52, X, do Ato das Disposições Transitórias)” (RAMOS, 2014, p. 359). Passando-se então a forma como o ordenamento jurídico brasileiro incorpora os tratados internacionais, cumpre assinalar inicialmente, conforme demonstra Ramos (2014), que a Constituição estipulou um procedimento complexo que reúne a vontade dos Poderes Executivo e do Legislativo. Para o mencionado autor, a participação de dois Poderes consagrou a chamada teoria da junção de vontades. Desse modo, Ramos (2014) explica que o art. 84, VIII27 da CF/1988 reservou ao Presidente da República a competência para celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional, ao passo que o art. 49, I28 dispõe que é da 27 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; 28 Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: 32 competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Na concepção de Ramos (2014), há quatro etapas que conduzem a formação de vontade do Brasil em celebrar um tratado internacional: a primeira é a fase da assinatura, em seguida surge a fase da aprovação no Congresso, posteriormente a fase da ratificação e, por fim, há a fase de incorporação do tratado já celebrado pelo Brasil, denominada fase do Decreto Presidencial. Para Piovesan (2013), a fase inaugural tem início com os atos exclusivamente do Poder Executivo, materializados pela negociação, conclusão e assinatura do tratado. No entendimento da autora, a mera assinatura do tratado não produz efeitos jurídicos vinculantes, mas traduz-se em mero aceito provisório, representando apenas a intenção do Estado de integrar aquele tratado. Importante mencionar, também, que o Brasil pode ainda aderir a textos de tratados já existentes, dos quais não participou efetivamente da negociação. Conforme esclarece Ramos (2014), nesses casos, o procedimento para ratificação do tratado no direito interno é o mesmo. Superada a fase da assinatura, o Presidente da República deve encaminhar o texto assinado ao Congresso, não havendo um prazo estipulado para esse envio. Nesse contexto, Ramos (2014) explica que a segunda fase de formação dos tratados no Brasil é a da aprovação na Casa Legislativa (sendo esta fase também conhecida como fase do decreto legislativo). Tal fase possui um trâmite próprio, pois suscita a aprovação do Congresso na aprovação do tratado. Dessa forma, Ramos (2014) ensina que primeiramente o chefe do Executivo encaminha mensagem fundamentada ao Congresso Nacional, solicitando a aprovação congressual ao texto do futuro tratado. Nesse caso, por partir de iniciativa presidencial, o trâmite tem início na Câmara dos Deputados, através do rito de aprovação de decreto legislativo, e somente após a aprovaçãopor maioria simples do Plenário da Câmara é que o projeto será apreciado no Senado. Em seguida, ainda conforme o autor, aprovado no plenário ou no rito abreviado, o Presidente do Senado promulga e publica o Decreto Legislativo. Por fim, Piovesan (2013) ressalta que, após a aprovação do tratado pelo Legislativo, há o ato de ratificação pelo Poder Executivo. A importância da ratificação é patente, já que a partir dela torna-se claro que o Estado se vincula ao tratado no plano internacional. I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; 33 Quando se trata especificamente do trâmite para aprovação de tratados de direitos humanos, Ramos (2013) lembra que parte da doutrina sustentou o entendimento de que estes se diferenciavam dos demais tratados, em razão da redação dos dois parágrafos originais29 do art. 5º, da CF/88. Contudo, o STF pacificou a contenda ao definir que no processo de formação e incorporação dos tratados, todos (incluindo os de direitos humanos) se submetem ao rito descrito anteriormente, isto é, devem passar pelas quatro fases (assinatura, decreto legislativo, ratificação e decreto presidencial) para adquirir validade nacional. Outro aspecto de igual importância, no que diz respeito aos tratados, é a posição hierárquica destes no ordenamento jurídico. Nesse cenário, Ramos (2014) ensina que até a edição da Emenda Constitucional (EC) nº 45/2004 não havia consenso quanto à hierarquia constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos, sobretudo em razão da previsão do art. 5º, § 2º, da CF/1988. Com o advento da referida Emenda, introduziu-se ao Texto Constitucional o art. 5º, §3º com a seguinte redação: “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. No entanto, Ramos (2014) ressalta que o citado parágrafo não foi recepcionado com grande entusiasmo, visto que condicionou a hierarquia constitucional ao rito das emendas constitucionais e não fez menção aos tratados aprovados antes da EC nº 45/2004. Na realidade, conforme explica Ramos (2014), até 2008 o STF se posicionou da seguinte forma: “o tratado de direitos humanos possuía hierarquia equivalente a lei ordinária federal, como todos os demais tratados incorporados” (RAMOS, 2014, p. 373). De toda sorte, a questão do posicionamento hierárquico dos tratados internacionais de direitos humanos só foi clarificada pelo STF ao adotar a “teoria do duplo estatuto”. Nesse sentido, Ramos (2014) esclarece que, a partir do julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.34330, o STF reformulou o antigo entendimento, passando a definir novo patamar normativo para os tratados internacionais de direitos humanos, inspirado pelo § 3º do art. 5º da CF/88. 29 Art. 5º [...] § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 30 A partir do julgamento do RE 466.347/SP, o STF passou a entender pela inconstitucionalidade da prisão civil do depositário infiel. 34 Em verdade, o novo posicionamento do STF, encabeçado pelo Ministro Gilmar Mendes, foi um resgate ao entendimento do ex-Ministro Sepúlveda Pertence (em seu voto no HC 79.785-RJ), que defendia, antes mesmo da emenda constitucional, uma visão conciliatória de que os tratados de direitos humanos ficariam acima das leis e abaixo da Constituição. Dessa forma, a Suprema Corte passou a sustentar que os tratados internacionais de direitos humanos não aprovados pelo Congresso Nacional pelo rito do art. 5º, § 3º, da CF/88, possuem natureza supralegal. Por outro lado, Ramos (2014) relembra que os tratados aprovados pelo Congresso pelo rito especial do § 3º ao art. 5º ganham status constitucional. Dessa forma, com amparo nas lições de Ramos (2014), a partir do novo posicionamento do STF ficou consagrada a teoria do duplo estatuto dos tratados de direitos humanos, ou seja, os tratados possuem natureza constitucional quando aprovados pelo rito do art. 5º, § 3º; enquanto a natureza supralegal recai para os demais, sejam estes anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 45 e que tenham sido aprovados pelo rito comum. Sintetizando o entendimento, Cintia Bezerra Nunes e Walter Nunes Silva Júnior (2022) recepcionam positivamente a alteração constitucional, uma vez que a partir dela pôs-se fim ao debate quanto à natureza jurídica dos tratados e convenções sobre direitos humanos, ressalvando-se, contudo, a tese defendida pelo STF no tocante à “ausência de efetividade interna dessas normas, enquanto elas não forem convalidadas pelo Legislativo” (NUNES; SILVA JÚNIOR, 2022, p. 190). Assim, estabelecida a posição hierárquica dos tratados internacionais, fica claro o impacto jurídico desse sistema internacional de proteção de direitos humanos, eis que a aplicabilidade das normas internacionais se torna imediata, isto é, quando da sua aprovação, independentemente do rito, adquirem aptidão para reivindicados desde logo pelo jurisdicionado. Todo esse cenário elucida a gramática constitucional de consolidação dos direitos humanos, seja mediante a primazia do princípio da dignidade da pessoa humana ou pela força normativa atribuída aos tratados internacionais de direitos humanos. Nesse contexto, Ramos (2014) reforça a relevância dos direitos humanos no ordenamento jurídico diante da centralidade em que foram inseridos, pois passam a vincular todos os Poderes Públicos e agentes privados ao conteúdo ao seu conteúdo. No mesmo pórtico, o mencionado autor ainda explica que se tratando de um caso concreto, deve ser observado se determinada norma está em conformidade com os direitos 35 humanos. Isso porque, a interpretação conforme os direitos humanos é resultado da adoção da interpretação conforme a Constituição. Tornando-se claro, portanto, a força normativa e o impacto jurídico dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico de garantia e proteção de direitos, cabe destacar alguns tratados e pactos internacionais recepcionados pelo Brasil no tocante ao tema de direitos humanos. Deve-se registrar, contudo, que não se busca exaurir a temática, mas sim, sucintamente expor como se deu a adesão destes tratados de proteção e garantias no país. Nesse viés, destaca-se a Declaração Universal de Direitos Humanos que, conforme já mencionado alhures, foi aprovada em 1948 pela ONU, mediante a outorga de 48 (quarenta e oito) Estados (incluindo o Brasil). Nas lições de Piovesan (2013) extrai-se que a Declaração Universal não é um tratado, uma vez que, por ter sido adotada sob a forma de resolução, não apresenta força de lei. No entanto, a despeito da ausência de força normativa, a partir da Declaração, os Estados-membros (a exemplo do Brasil), se comprometeram a respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais. Na mesma esteira, vale trazer à tona novamente o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado em 1966. Além das garantias já destacadas no tópico inicial do presente capítulo, cumpre realçar o parágrafo primeiro do artigo 10 do referido pacto, o qual preconiza: “Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana”. Fica evidente, dessa forma, a consolidação do preso como sujeito de direitos. Sobre a ratificação deste tratado no âmbito nacional,
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