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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUÍSTICA TEÓRICA E DESCRITIVA VALTER RÉGIS DE SOUZA CARDOSO AS SEQUÊNCIAS NARRATIVAS EM SENTENÇA JUDICIAL NATAL / RN 2017 VALTER RÉGIS DE SOUZA CARDOSO AS SEQUÊNCIAS NARRATIVAS EM SENTENÇA JUDICIAL Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – PPgEL/UFRN, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem, na área de concentração de Estudos Linguísticos do Texto. Orientador: Prof. Dr. João Gomes da Silva Neto NATAL / RN 2017 VALTER RÉGIS DE SOUZA CARDOSO AS SEQUÊNCIAS NARRATIVAS EM SENTENÇA JUDICIAL Relatório de Dissertação apresentado ao Programa de Pós-graduação em Estudos da linguagem (PPgEL), Departamento de Letras, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como um dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em Estudos da Linguagem. Avaliado em ___/___/____ pela seguinte banca examinadora: ___________________________________________________________________ Prof. Dr. João Gomes da Silva Neto Presidente / Orientador – UFRN ___________________________________________________________________ Profa Dra Josilete Alves Moreira de Azevedo Examinadora Interna – UFRN ___________________________________________________________________ Profª Dra Maria Eliete de Queiroz Examinadora Externa – UERN ___________________________________________________________________ Profa Dra Maria das Graças Soares Rodrigues Examinadora interna (Suplente) – UFRN ___________________________________________________________________ Profª Drª Rosangela Alves Dos Santos Bernardino Examinadora Externa (Suplente) – UERN Dedico este trabalho à maior parte de mim: minha esposa Marília Cardoso AGRADECIMENTOS Toda a minha gratidão ao autor da minha vida e razão do meu viver, Deus. Ao amor da minha vida, Marília Cardoso, que em todo o tempo está comigo. À minha família. Ao professor João Neto pela confiança e incentivo, aliás, por tudo. Aos colegas do Grupo de Pesquisa em Análise Textual dos Discursos que deram apoio e, em especial, ao amigo Geonilson por simplesmente tudo. Às professoras Josilete Alves e Eliete Queiroz pelas valiosíssimas contribuições nos exames de qualificação e de defesa. Somos tão adeptos da narrativa que ela parece ser quase tão natural quanto a própria linguagem. Jerome Bruner RESUMO Neste trabalho, à luz da Análise Textual dos Discursos – abordagem desenvolvida por Adam (2011) – propomos estudar a estrutura composicional do gênero sentença judicial com foco na noção de plano de texto e de sequências textuais narrativas que se realizam em seu relatório – parte que contém uma espécie de sinopse do processo. Com o objetivo principal de analisar como essas sequências ocorrem, procuramos identificar quais elementos textuais e discursivos são utilizados em sua tessitura, descrever esses elementos textuais e os seus encadeamentos na organização das sequências narrativas, além de interpretar o papel dessas sequências textuais para a estruturação e a composição do gênero. De forma mais ampla, nossa pesquisa está fundamentada nos pressupostos gerais da Linguística Textual em autores como Koch (1997; 1999; 2002; 2004), Koch e Elias (2012; 2013), Marcuschi (2002; 2008; 2012) entre outros. O corpus desta pesquisa é composto por uma sentença de natureza criminal, retirada do Banco de Sentenças do site da Justiça Federal do Rio Grande do Norte (JFRN). Metodologicamente, essa pesquisa apresenta aspecto documental e se orienta pelos métodos do raciocínio indutivo e dedutivo, apresentando um caráter qualitativo e descritivo. Os resultados mostram que o relatório da sentença não se limita apenas a listar ou enumerar as ações praticadas pelas partes envolvidas no processo, mas possui um alto grau de narrativização, apresentando todos os momentos de uma sequência narrativa e que, em função das narrativas de nível global, existem as narrativas menores, as chamadas narrativas encaixadas, as quais desempenham um importante mecanismo de contextualização e detalhamento de ações relatadas. Palavras-chave: Análise Textual dos Discursos. Discurso jurídico. Sentença Judicial. Sequência Narrativa. ABSTRACT In the present work, under the light of the Textual Discourse Analysis – approach developed by Adam (2011) – we propose to study the compositional structure of the genre judicial sentence, with a focus on the notion of text plan and on the narrative textual sequences that materialize in its report – part that contains a kind of synopsis of the process. With the main objective of analyzing how these sequences occur, we try to identify which textual and discursive elements are used in their structure, to describe these textual elements and their threads in the organization of narrative sequences, besides to interpret the function of these textual sequences for structuring and composition. In a broader sense, this research is grounded on the general propositions of the Text Linguistics in authors like Koch (1997; 1999; 2002; 2004), Koch e Elias (2012; 2013), Marcuschi (2002; 2008; 2012) among others. The corpus of this research is composed of a single sentence of a criminal nature, extracted from the Sentence Database of the Federal Justice of Rio Grande do Norte (JFRN) website. Regarding the applied methodology, the present research is of documental nature, whilst guided by an inductive-deductive reasoning and being of a qualitative and descriptive character. Methodologically, this research presents a documentary aspect and is guided by the methods of inductive and deductive reasoning, presenting a qualitative and descriptive character. Results indicate that the sentence report does not limit itself only to the listing and enumerating of the actions put into practice by the concerned parties throughout the legal process, but that it possess a high level of narrativization, displaying all components of a narrative sequence. And, because of the narratives at the global level, there are the smaller narratives, the so-called embedded narratives, which play an important contextualization and detailing mechanism of reported actions. Keywords: Discourse Textual Analysis. Legal discourse. Narrative textual sequence. Judicial sentence. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADF Análise do Discurso Francesa ATD Análise Textual dos Discursos CPC Código do Processo Civil CPP Código do Processo Penal GPATD Grupo de Pesquisa em Análise Textual dos Discursos JFRN Justiça Federal do Rio Grande do Norte L Linha(s) LT Linguística de Texto MPF Ministério Público Federal N Narrativa(s) NE Narrativa(s) encaixada(s) PF Polícia Federal PPgEL Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem Pn0 Entrada prefácio Pn1 Situação inicial (Orientação) Pn2 Nó (Desencadeador) Pn3 Re-ação ou Avaliação Pn4 Desenlace Pn5 Situação final PnΩ Avaliação final ou Moralidade UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte LISTA DE FIGURAS E ESQUEMAS Figura 1 Esquema 4 – Níveis ou planos de análise de discurso e níveis ou planos da análise textual.......................................................... 46 Figura 2 Esquema18 – Limites e núcleo do processo narrativo................. 60 Figura 3 Esquema 19 – Relações simétricas entre as macroproposições narrativas...................................................................................... 64 Figura 4 Esquema 20 – Estrutura narrativa complexa................................ 65 Figura 5 Relações simétricas na NE1......................................................... 91 Figura 6 Marcadores linguísticos da Pn2 e da Pn4 da N1.......................... 96 Esquema 1 Estrutura composicional do relatório da sentença estudada......... 119 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Resumo do quantitativo de sentenças judiciais da primeira busca............................................................................................ 72 Quadro 2 Resumo do quantitativo de sentenças judiciais da segunda busca............................................................................................ 72 Quadro 3 Resumo do quantitativo de sentenças judiciais da terceira busca............................................................................................ 73 Quadro 4 Plano de texto.............................................................................. 79 Quadro 5 Plano de texto e transcrição do relatório da sentença................. 80 Quadro 6 Narrativa global de JGL (N1)....................................................... 84 Quadro 7 Narrativas encaixadas na Situação inicial da narrativa 1............ 86 Quadro 8 Narrativa encaixada 1(NE1) : a primeira condenação de JGL.... 88 Quadro 9 Narrativa encaixada 2 (NE2) : a segunda condenação de JGL.. 92 Quadro 10 Resumo da N1............................................................................. 96 Quadro 11 Narrativa global de GPS (N2)...................................................... 97 Quadro 12 Narrativa encaixada 3 (NE3): a primeira condenação de GPS... 100 Quadro 13 Narrativa encaixada 4 (NE4): a última prisão e fuga de GPS...... 104 Quadro 14 Resumo da N2............................................................................. 108 Quadro 15 Narrativa global de WPS (N3)...................................................... 109 Quadro 16 Narrativa encaixada 5 (NE5)........................................................ 112 Quadro 17 Resumo das ocorrências narradas no relatório........................... 117 SUMÁRIO CAPÍTULO I............................................................................................ 14 1 INTRODUÇÃO........................................................................................ 14 CAPÍTULO II .......................................................................................... 19 2 ESTADO DA ARTE................................................................................ 19 2.1 ESTUDO SOBRE A SEQUÊNCIA TEXTUAL NARRATIVA................... 19 2.2 A SENTENÇA JUDICIAL........................................................................ 25 2.3 ESTUDOS LINGUÍSTICOS SOBRE O GÊNERO SENTENÇA JUDICIAL................................................................................................ 30 CAPÍTULO III ......................................................................................... 36 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.............................................................. 36 3.1 LINGUÍSTICA TEXTUAL......................................................................... 36 3.1.1 Estudos da Linguística Textual no Brasil........................................... 42 3.2 ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS................................................. 44 3.2.1 Estrutura composicional: planos de textos........................................ 47 3.2.2 Noção de sequências textuais............................................................. 49 3.2.2.1 A sequência textual narrativa.................................................................. 52 CAPÍTULO IV ......................................................................................... 69 4 METODOLOGIA..................................................................................... 69 4.1 NATUREZA DA PESQUISA.................................................................... 69 4.2 SELEÇÃO DO CORPUS......................................................................... 71 4.3 CATEGORIAS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE.............................. 74 CAPÍTULO V .......................................................................................... 77 5 ANÁLISE................................................................................................. 77 5.1 O ESTABELECIMENTO DO TEXTO...................................................... 77 5.2 O PLANO DE TEXTO............................................................................. 79 5.3 O RELATÓRIO........................................................................................ 80 5.4 IDENTIFICAÇÃO, DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS MACROPROPOSIÇÕES DA NARRATIVA 1 (N1)................................. 83 5.4.1 Narrativa encaixada 1 (NE1)................................................................. 86 5.4.2 Narrativa encaixada 2 (NE2)................................................................. 91 5.4.3 Continuação da análise da narrativa global 1 (N1)............................ 94 5.5 IDENTIFICAÇÃO, DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS MACROPROPOSIÇÕES DA NARRATIVA 2 (N2).................................. 97 5.5.1 Narrativa encaixada 3 (NE3)................................................................. 99 5.5.2 Continuação da análise da narrativa global 2 (N2): o Nó e a Re- ação........................................................................................................ 102 5.5.3 Narrativa encaixada 4 (NE4)................................................................. 104 5.5.4 Continuação da análise da narrativa global 2 (N2): o Desenlace e a Situação final...................................................................................... 107 5.6 IDENTIFICAÇÃO, DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS MACROPROPOSIÇÕES DA NARRATIVA 3 (N3).................................. 109 5.6.1 Narrativa encaixada 5 (NE5)................................................................. 112 5.7 SÍNTESE................................................................................................. 114 CAPÍTULO VI......................................................................................... 120 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 120 REFERÊNCIAS....................................................................................... 126 ANEXO 14 CAPITULO I 1 INTRODUÇÃO Os textos oriundos da esfera jurídica possuem uma linguagem considerada bastante técnica e de difícil compreensão tanto por parte dos estudantes do Direito, quanto pelos chamados operadores do Direito e, principalmente, por parte daquelas pessoas que não têm familiaridade com tais textos por não fazerem parte de nenhum dos dois grupos anteriores. Uma das principais dificuldades encontradas pelas pessoas que se deparam com textos da esfera jurídica, de um modo geral, está em lidar com determinadas convenções de ordem estrutural e composicional no que se refere, principalmente, ao fator linguístico expresso nesses textos em forma de jargões, linguagem muito rebuscada e uso de arcaísmos, o que os tornam, de certa forma, restritos aos profissionais da área do Direito. Esses e outros fatores também de ordem linguística têm despertado o interesse de estudiosos de diversas áreas e de várias partes do Brasil, sob vários enfoques teóricos e metodológicos diferentes, como veremos mais adiante no capítulo do estado da arte.Esses textos oriundos da esfera jurídica que integram processos judiciais recebem o nome de peça e muitas dessas possuem uma configuração textual bastante prototípica, normatizada por documentos como o Código do Processo Civil (CPC) e o Código do Processo Penal (CPP), como é o caso da estrutura da sentença judicial, por exemplo, que é regulamentada pelos artigos 489 do CPC e 381 do CPP. O gênero sentença judicial é peça integrante de um processo judicial e, como o próprio nome já sugere, pertence à esfera jurídica e sua finalidade específica é a solução de conflitos por parte do Estado. Ela é considerada o ponto máximo do processo decisório, ou seja, é a parte final ou o fechamento de um processo e nela o Estado, representado pela pessoa do juiz, deve expressar o justo (Cf. PISTORI, 2005). Pelo que propõe o CPC e o CPP, a sentença possui, a priori, uma forma padronizada, pré-estabelecida, sendo composta, principalmente, por relatório, 15 fundamentação e decisão. E é mais precisamente na parte destinada ao relatório que nos debruçamos nas análises da estrutura composicional através da: identificação de elementos textuais e discursivos que são utilizados em sua tessitura; descrição desses elementos textuais e de seus encadeamentos na organização das sequências textuais narrativas e interpretação do papel dessas sequências textuais para a estruturação e a composição do gênero como um todo. O nosso objetivo nessa pesquisa restringe-se à análise dos aspectos composicionais da sentença judicial, com foco nas sequências narrativas contidas em seu relatório – lugar onde elas se encontram. Esse componente da sentença judicial é a parte destinada à síntese dos principais acontecimentos havidos no processo; é uma espécie de sinopse, na qual o juiz ‘relata’ o que julga relevante relatar para com isso conduzir seus argumentos, na parte destinada a fundamentação e em seguida a sua efetiva decisão no também chamado dispositivo. Analisamos, assim, a complexidade narrativa que se realiza nos relatórios das sentenças, a fim de verificar a importância dessas sequências na composição desse gênero e, com isso, contribuir para o entendimento da organização e estruturação composicional dessa importante peça processual, e também contribuir com pesquisas subsequentes no que se refere à abordagem e ao estudo de um gênero textual ainda pouco estudado fora do seu âmbito mais comum. Para tanto, a partir dos estudos do modelo prototípico de análise das macroproposições de base narrativa de Adam (2011), investigamos como ocorrem as sequências textuais narrativas no gênero forense sentença judicial. Ao previamente constatarmos que sequências textuais narrativas se realizam no interior das sentenças judiciais – sobretudo na parte destinada ao relatório, por motivos já explicitados – somos conduzidos a alguns questionamentos que, por sua vez, conduzem a pesquisa aos objetivos. Essa pesquisa é norteada pelas seguintes questões: • Como ocorrem as sequências narrativas no gênero sentença judicial? • Que elementos textuais e discursivos são utilizados nas estruturas que formam essas sequências narrativas no gênero sentença judicial? • Qual o papel da sequência narrativa na composição do gênero sentença judicial? 16 Assim, orientados por tais questionamentos, a pesquisa possui três objetivos que visam a dar conta dessas questões. • O objetivo principal é investigar como ocorrem as sequências narrativas no gênero sentença judicial, e para isso procuramos, mais especificamente: • Identificar e descrever que elementos textuais e discursivos são utilizados nas estruturas dessas sequências narrativas no gênero sentença judicial; • Interpretar qual o papel das sequências narrativas para a estruturação e composição do gênero sentença judicial. Essa pesquisa está fundamentada nos pressupostos gerais da Linguística Textual em autores como Koch (1997; 1999; 2002; 2004), Koch e Elias (2012; 2013), Marcuschi (2002; 2006; 2008, 2012), entre outros e, mais precisamente, na Análise Textual dos Discursos (ATD) – uma abordagem teórica proposta pelo linguista francês Jean-Michel Adam (2011) – além dos trabalhos de Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010; 2012) e Passeggi et. al. (2010) dentre outros. Sobre o estudo das sequências textuais narrativas, além de Adam (2011), fundamentamo- nos também em Adam e Revaz (1997), Adam e Lorda (1999) e Adam e Heidmann (2011). No que se refere à abordagem do gênero sentença judicial, fundamentamo- nos em obras que tratam especificamente do assunto como Santos (2011), Capez (2012) e Nucci (2014) – da literatura jurídica – Pistori (2005), Pimenta (2007), além do Código do Processo Penal (CPP) e do Código do Processo Civil (CPC). Metodologicamente, essa pesquisa caracteriza-se como documental e se orienta pelos métodos do raciocínio indutivo e dedutivo, apresentando um caráter qualitativo e descritivo. O corpus dessa pesquisa é composto por uma única sentença judicial de natureza criminal, coletada do ‘Banco de Sentenças’ do site do Portal da Justiça Federal da 5º Região, mais precisamente, da Justiça Federal do Rio Grande do Norte (JFRN). Tal sentença é oriunda da 14º vara, que corresponde ao município de Natal – capital do estado – e trata do processo de três condenados pelo crime previsto no artigo 171 do Código Penal, o qual se refere ao crime de estelionato. Por serem três condenados, temos, nesse documento, três narrativas que ora 17 caminham individualmente, ora se entrecruzam para narrar as mesmas diligências e o mesmo fim para todos os criminosos. Acreditamos que uma abordagem dessa natureza em um gênero de tamanha importância na esfera jurídica pode trazer diversas implicações a respeito de sua estrutura composicional, no que se refere, por exemplo, aos encadeamentos das proposições enunciadas, assim como à organização e articulação dessas proposições na construção do todo do qual faz parte, o texto. Vale salientar que por se tratar de um documento de domínio público – que pode ser acessado em sites como o já mencionado e por qualquer pessoa sem a menor restrição – acreditamos que esse estudo pode trazer contribuições: para a compreensão do funcionamento desse documento enquanto peça processual para os interessados no assunto; esse estudo pode trazer mais esclarecimentos a respeito das relações existentes entre a sequência narrativa e a composição desse documento como um todo; pode também trazer esclarecimentos a respeito da função sociocomunicativa dessas sequências na sua construção, de modo que a aplicação dessa proposta de análise fundamentada no modelo de Adam (2011) também pode contribuir para estudos futuros sobre a aplicabilidade desses estudos sobre sequência narrativa em textos não literários, a exemplo do que propomos nessa pesquisa. Nosso trabalho está estruturado da seguinte forma: o primeiro capítulo corresponde a esta introdução; na primeira seção do capítulo do estado da arte (2.1) fazemos um levantamento de trabalhos resultantes de pesquisas sobre a categoria da sequência narrativa conforme o modelo prototípico de análise das sequências narrativas proposto por Adam (1992; 2008; 2011) e Adam e Lorda1 (1999); na segunda seção (2.2), definimos o gênero sentença e detalhamos sua composição, esclarecendo a sua relevância enquanto peça processual; e na terceira seção (2.3), fazemos um levantamento de trabalhos resultantes de pesquisas e fazemos também um levantamento sobre o gênero sentença judicial na perspectiva dos estudos linguísticos. No capítulo da fundamentação teórica (cap. 3), mostramos um sintético percurso histórico da evolução e consolidação da Linguística Textual como campo de pesquisa dos estudos linguísticos e de seu objeto de estudo (o texto), passando 1 ADAM, J-M; LORDA, Clara Ubaldina.Lingüística de los textos narrativos. Barcelona: Ariel Lingüística, 1999. 18 para os estudos da Análise Textual dos Discursos até aos estudos da sequência narrativa. No capítulo da metodologia (cap. 4) situamos a nossa pesquisa quanto a sua natureza; detalhamos a seleção do corpus, assim como os procedimentos de análise e as categorias de análise adotados. No capítulo da análise (cap. 5), abordamos a estruturação composicional do gênero sentença judicial através da elaboração de planos de texto e de quadros de análises que evidenciam não só as macroproposições identificadas que formam as sequências textuais narrativas, como também as relações simétricas existentes entre essas macroproposições. Depois disso, apresentamos os resultados obtidos nas análises e tecemos comentários a respeito da abrangência da pesquisa, suas contribuições e seus possíveis desdobramentos em pesquisas subsequentes. Por último, apresentamos as referências utilizadas e citadas na pesquisa e, em anexo, a cópia digitada da sentença judicial selecionada como corpus dessa pesquisa. 19 CAPÍTULO II 2 ESTADO DA ARTE Neste capítulo, iniciamos por conceituar, previamente, a categoria de análise sequência narrativa conforme o modelo prototípico de análise proposto por Adam (2011), situando-a nos estudos da Análise Textual dos Discursos, bem como apresentamos algumas pesquisas já concluídas que abordaram a referida categoria de análise e a suas respectivas contribuições para o estudo do texto. Na seção 2.2, conceituamos o gênero sentença judicial através de contribuições da literatura jurídica, apresentando informações de caráter mais geral que definem o gênero até as especificações das suas partes constitutivas e suas finalidades. Na seção 2.3, elucidamos a crescente abordagem do gênero sentença judicial em pesquisas de cunho linguístico e, em seguida, apresentamos algumas pesquisas já realizadas e suas respectivas contribuições para o estudo desse gênero. 2.1 ESTUDOS SOBRE A SEQUÊNCIA TEXTUAL NARRATIVA Inserida no campo mais amplo da Análise do Discurso, a Linguística Textual e, mais precisamente, a Análise Textual dos Discursos, abordagem teórica desenvolvida por Adam (2011), vem se tornando cada vez mais conhecida no Brasil, sobretudo no que se refere às pesquisas realizadas sobre as sequências textuais (BEZERRA, BIASI-RODRIGUES e CAVALCANTE, 2009), que como constatou Passeggi et al. (2010, p. 263): “[...] constituem, hoje, uma categoria de análise consolidada e regularmente utilizada nas descrições de textos, de grande interesse pelas suas aplicações ao ensino de língua portuguesa e de língua estrangeira.”. Sobre as sequências textuais, Adam (2011) afirma que são constituídas por unidades mínimas de composição textual chamadas proposições, e que o conjunto dessas proposições, as macroproposições, que são hierarquicamente relacionadas e relativamente independentes, podem constituir unidades mais complexas de 20 análise: as chamadas sequências, que podem ser descritivas, dialogais, argumentativas, explicativas e narrativas. Desse modo, destacamos algumas pesquisas que foram realizadas conforme os pressupostos gerais da Linguística Textual e mais precisamente da Análise Textual dos Discursos, seguindo o modelo prototípico de análise das sequências textuais narrativas proposto por Adam (1992; 2008; 2011) e Adam e Lorda (1999). Silva (2007), em sua dissertação, analisou a ocorrência da sequência narrativa no gênero notícia conforme o protótipo narrativo de Adam (1992), a fim de verificar relações existentes entre a sequência narrativa e o gênero propriamente dito. Com um corpus composto por cinquenta (50) notícias divididas entre vinte e seis (26) policiais e vinte e quatro (24) não policiais – todas retiradas de periódicos dos jornais “O Povo” e “Folha de São Paulo” no período de setembro de 2005 a setembro de 2006 – a autora constatou, em sua análise, que as notícias podiam ser classificadas em ‘narrativas’ (todas as 26 notícias policiais e outras 8 não policiais) e ‘expositivas’ (16 das 24 notícias não policiais), de modo que para esta classificação, ela utilizou-se dos pressupostos teóricos de Bronckart (1999). Nessa pesquisa, Silva (2007) constatou que as sequências narrativas presentes nas notícias apesar de não seguirem, necessariamente, a ordem prototípica proposta por Adam (1992), funcionaram como importantes organizadores textuais das notícias de cunho narrativo. Com essa pesquisa, a autora propôs uma importante reflexão sobre a aplicação do protótipo narrativo de Adam (1992) em um gênero não literário. A organização das sequências narrativas que estruturam os textos narrativos orais e escritos de produções de alunos de 3ª e 7ª séries do ensino fundamental é descrita e analisada com base no esquema prototípico de Adam e Lorda (1999) por Freitas (2009) em sua dissertação. Centrada na organização textual proposta por Adam e Lorda (1999), Freitas (2009) propôs que alunos em idades e níveis diferentes de escolaridade produzissem textos narrativos orais e escritos através de transposição feita pela leitura e compreensão de histórias em quadrinhos (HQs) de Maurício de Souza. Ao todo, a autora analisou trinta e duas (32) produções textuais divididas entre orais e escritas. 21 Para tratar da relação e da visão “não dicotômica” entre fala e escrita, a autora utilizou-se dos pressupostos de Marcuschi (2007), que considera tais modalidades em um contínuo fundadas nos gêneros textuais. Com base nos estudos de Perroni2 (1992), Freitas (2009) observou o processo de aquisição da narrativa por meio da interação verbal. E para a análise dos tempos verbais utilizados nas produções textuais narrativas, enquanto uma categoria da enunciação, Freitas fundamentou-se em Fiorin3 (2008). Entre as várias conclusões depreendidas ao término dessa pesquisa, Freitas (2009) constatou que o distanciamento entre o texto oral e o escrito mantém relação com o grau de escolaridade dos alunos envolvidos nas produções. Durante as análises, a autora também constatou que muitas das produções (tanto orais quanto escritas) não continham partes dessas cinco macroproposições de base narrativa, sobretudo, constatou a ausência da macroproposição da complicação ou do nó, que é o centro da narrativa. Oliveira (2010), em sua dissertação de mestrado, analisou quarenta e duas (42) produções textuais de cunho narrativo (contos populares) de alunos do 6º ano a fim de constatar se tais produções configuravam uma sequência narrativa conforme o protótipo narrativo proposto por Adam (1992; 2008) ou um script conforme o interacionismo sociodiscursivo (ISD) proposto por Bronckart (2007). A pesquisa teve como objetivo ampliar a compreensão dos alunos acerca da “infraestrutura” do texto narrativo, bem como esclarecer a diferença entre a sequência narrativa proposta por Adam (1992; 2008) e o script descrito por Bronckart (2007) para com isso ampliar a discussão acerca de propostas de produções textuais narrativas por parte de professores e propor uma reflexão teórica e prática capaz de nortear seus trabalhos com os alunos. Para obter os resultados, Oliveira (2010) utilizou-se de três categorias de análise, quais sejam tempos verbais, organizadores temporais e pronomes (BENVENISTE4, 2005; WEINRICH5, 1968; ADAM 1997; 2004; 2008; BRONCKART, 2007). O material para análise (as produções textuais dos alunos) foi recolhido em 2 PERRONI, M. C. O Desenvolvimento do discurso narrativo. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 3 FIORIN, J. L. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo.São Paulo: Ed. Ática, 2008. 4 BENVENISTE, Émile. As relações de tempo no verbo francês. In: Problemas de linguística geral I. Tradução Maria Glória Novak, Maria Luisa Neri. 5 ed. Campinas– SP: Pontes, 2005. p. 260-276. 5 WEINRICH, Harald. Mundo comentado e mundo narrado. In: Estructura y función de los tiempos en lenguaje. Madrid: Gredos, 1968. p. 61-94. 22 três semanas de atividades em formato de oficinas, à luz das sequências didáticas propostas por Schneuwly e Dolz6 (2004), e foi dividido em produção inicial (PI) e produção final (PF). A autora concluiu que embora os alunos tivessem um conhecimento internalizado sobre a estrutura textual narrativa, eles não souberam fazer distinção entre o processo de intriga e o script, o que faz com que algumas de suas produções textuais fossem apenas enumerações de ações. Quanto às categorias adotadas para análise, Oliveira (2010) constatou que, nas produções textuais, os alunos utilizaram o tempo verbal adequado (pretérito perfeito do indicativo), mas que em alguns momentos também ocorreram alguns equívocos. Os organizadores temporais (segunda categoria adotada na análise) auxiliaram os tempos verbais com as locuções adverbiais e tiveram maior incidência nas produções. Na categoria pronome, as anáforas foram utilizadas para evitar repetições de termos; esse processo de retomada evitando repetições demonstrou, segundo a autora, uma noção de estruturação de ideias por parte dos alunos. Em sua dissertação, Santos (2011) investiga, de acordo com Hyland7 (2005a), como ocorrem os recursos metadiscursivos de interação na perspectiva das macrocategorias de engajamento (recurso metadiscursivo de interação que se relaciona ao modo pelo qual o escritor reconhece a presença do leitor, conduzindo-o através de sua argumentação, tendo em vista a interação) e de posicionamento em textos de sequência narrativa, ou seja, como um escritor se apresenta e se compromete por meio de julgamentos e opiniões. Como Hyland8 (2005b) teve como propósito a investigação dos recursos metadiscursivos de interação em textos de sequência argumentativa, a maioria dos estudos do metadiscurso são voltados para textos acadêmicos por ter uma sequência predominantemente argumentativa. Diante disso e partindo do pressuposto de que esse fenômeno é constituinte de qualquer texto, em sua pesquisa, Santos (2011) teve como um de seus objetivos principais mostrar que os recursos metadiscursivos de interação não ocorrem somente em textos argumentativos, mas também em textos de sequência predominantemente narrativa. 6 SCHNEUWLY, B. & DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, São Paulo: Mercado de Letras, 2004. 7 HYLAND, Ken. Metadiscourse: exploring interaction in writing. Continuum: Londres, 2005 (a). 8 _______. Stance and engagement: a model of interaction in academic discourse. In Discourse Studies. Vol. 7(2), p.173-192, 2005 (b). 23 O corpus dessa pesquisa é composto por dezesseis (16) textos divididos em quatro textos para cada gênero de sequência narrativa dominante, quais sejam: quatro fábulas, quatro lendas, quatro anedotas e quatro contos. Para análise das sequências dominantes, a autora utiliza-se dos pressupostos teóricos abordados em Adam (2008), mais precisamente em seu modelo prototípico de descrição das sequências narrativas de base. Nessa pesquisa, Santos (2011) ainda discute, brevemente, sobre os processos referenciais de anáfora, introdução referencial e dêixis, que se sobrepõem aos recursos metadiscursivos de interação. Após a análise, a autora além de constatar a sequência narrativa como dominante nos gêneros (fábula, lenda, anedota e conto), também percebeu a presença recorrente de recursos metadiscursivos de interação, o que permitiu a autora concluir que esse fenômeno não se manifesta somente em textos da esfera acadêmica, que são predominantemente argumentativos, como expôs a pesquisadora, mas em textos narrativos através das macrocategorias de posicionamento e de engajamento. Dentre os trabalhos desenvolvidos sobre a sequência narrativa, destacamos a relevância da pesquisa de Oliveira (2016), na qual a autora verificou a estrutura composicional narrativa em contos de fadas de Marina Colasanti, partindo da hipótese de que os contos de fadas dessa autora possuem regularidade no que se refere à estrutura composicional com planos de texto compostos por sequências narrativas completas, constituídas pelas cinco proposições narrativas de base conforme o modelo prototípico narrativo de Adam (2011). Para caracterizar a organização das sequências textuais narrativas em cada parte do plano de texto, Oliveira (2016) utilizou o conceito de “episódio” de Travaglia (2007a9; 199110), bem como todos os pressupostos da teoria tipológica geral de textos (TRAVAGLIA, 2007b11; 2007c12). Essa pesquisa possui caráter descritivo de 9 TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A caracterização de categorias de textos: tipos, gêneros e espécies. Alfa: Revista de Linguística, v.51, p. 39-79, 2007a. 10 _______. Um estudo do textual-discursivo do verbo no português do Brasil. Campinas, 1991. 264 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Estadual de Campinas. 11 _______. Das relações possíveis entre tipos na composição de gêneros. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS DE GÊNEROS TEXTUAIS, 4., 2007b, Tubarão. Anais... Tubarão: Universidade do Sul de Santa Catarina 2007b. v. 1. 1297-1306. 12 _______. Tipelementos e a construção de uma teoria tipológica geral de textos. In: FÁVERO, Leonor Lopes; BASTOS, Neusa M. de O. Barbosa; MARQUESI, Sueli Cristina (Org.). Língua Portuguesa, pesquisa e ensino. São Paulo: Educ/Fapesp, 2007c. v.2. 24 base interpretativa e seguiu os pressupostos gerais da Linguística Textual e, sobretudo, da Análise Textual dos Discursos. Norteada por essa prévia constatação a respeito da estrutura composicional dos contos de fadas de Marina Colasanti, bem como pelo objetivo maior de sua pesquisa, que foi verificar a estrutura composicional narrativa em tais contos, Oliveira (2016) identificou os planos de texto nesses contos de fadas, considerando como base as sequências textuais narrativas; descreveu a organização dessas sequências em cada parte do plano de texto desses contos; analisou as características dos planos de texto e das sequências textuais narrativas; e caracterizou a estrutura composicional dos contos de fadas de Marina Colasanti. O corpus dessa pesquisa é composto por seis contos de fadas de Marina Colasanti, de modo que dois desses são formados por sequências textuais narrativas completas; dois sem a macroproposição Situação Final e outros dois formados por mais de uma sequência textual narrativa. É importante ressaltar que ao todo, na escolha do corpus para a análise foram lidos e analisados previamente vinte e três contos de fadas da autora, divididos entre duas obras: dez contos no livro “Uma ideia toda azul” (COLASANTI, [1979] 2006b13) e outros treze contos no livro “Doze reis e a moça no labirinto do vento” (COLASANTI, [1982] 2006a14). Em relação às sequências textuais narrativas no nível global do texto conforme a proposta de Adam (1987b; 2011), Oliveira (2016) identificou três tipos de construções nos contos de Marina Colasanti. Em quatorze (14) contos analisados há as cinco macroproposições de base narrativa (Situação Inicial, Nó, Re-ação ou Avaliação, Desenlace e Situação Final). Em outros seis contos, a autora observou as quatro primeiras macroproposições de base narrativa, ou seja, exceto a Situação Final. E em outros três contos, a autora localizou mais de uma sequência textual narrativa no nível global. Desses vinte e três contos, a autora também constatou Entrada Prefácio (Pn0) no conto “Entre as folhas do verde O” e Avaliação Final (PnΩ) no conto “Uma concha à beira-mar”. Oliveira (2016) também observou que os planos de texto dos contos de fadas de Marina Colasanti apresentam sequências textuais narrativas em dois níveis:“global”, que apresenta regularidade nas macroproposições narrativas completas 13 COLASANTI, Marina. Doze reis e a moça no labirinto do vento. 12.ed. São Paulo: Global, 2006a. 14 COLASANTI, Marina. Uma ideia toda azul. 23.ed. São Paulo: Global 2006b. 25 (Situação Inicial, Nó, Re-ação ou Avaliação, Desenlace e Situação Final), e “local”, que apresenta: regularidade de aspectos ligados aos personagens (principalmente as femininas que são sujeitos sempre agentes das narrativas); regularidade na unidade temática, no que diz respeito à presença dos protagonistas em quase todos os episódios, e na maior parte dos contos; regularidade na organização do espaço (dividido sempre em interno e externo) e regularidade na temporalidade no que se refere aos acontecimentos narrados em ordem cronológica. A pesquisa da autora traz uma importante contribuição aos estudos das sequências narrativas ao intercruzar o modelo de Adam (2011) com a proposta de Travaglia (1991; 2007a; 2007b; 2007c) sobre a teoria geral dos textos com a noção de episódio. Até aqui, fizemos uma breve definição do conceito de sequência narrativa conforme Adam (2011), elucidando que esta constitui, atualmente, uma categoria de análise já consolidada e frequentemente utilizada nas descrições de textos de gêneros diversos. Também, como um complemento do que afirmamos inicialmente, destacamos alguns trabalhos (quatro dissertações de mestrado e uma tese de doutorado de diferentes instituições de Ensino Superior) que abordaram o assunto das sequências narrativas com diferentes objetivos e em diferentes gêneros. 2.2 A SENTENÇA JUDICIAL Segundo Capez (2012, p. 529), no sentido estrito, ou em sentido próprio, sentença “[...] é a decisão definitiva que um juiz profere solucionando a causa. [...] é o ato pelo qual o juiz encerra o processo no primeiro grau de jurisdição, bem como seu respectivo ofício.”. Ainda para o autor, quanto à natureza jurídica, A sentença é uma manifestação intelectual lógica e formal emitida pelo Estado, por meio de seus órgãos jurisdicionais, com a finalidade de encerrar um conflito de interesses, qualificado por uma pretensão resistida, mediante a aplicação do ordenamento legal ao caso concreto. (CAPEZ, 2012, p. 528). Conforme consta no Dicionário Jurídico brasileiro (SANTOS 2011, p. 225), o termo ‘sentença’ é uma “[...] expressão, frase ou mesmo uma palavra que resume ou caracteriza um pensamento moral ou um julgamento de profundo alcance.”. 26 Abstendo-nos de discussões mais aprofundadas sobre terminologias, conceitos, e definições, explicamos, em linhas gerais, alguns tipos de sentença que constam nos principais manuais que tratam desse assunto, bem como no CPP e no CPC. É importante enfatizar que o nosso objetivo aqui é trazer uma sucinta explanação a respeito desse documento – considerado, na doutrina jurídica, como o ponto máximo do processo decisório. Entendemos que são muitos os fatores que podem ser determinantes na hora de classificar ou tipificar uma sentença judicial, e que na doutrina jurídica, em si, não há total consenso sobre as classificações desse documento. Segundo Santos (2011), a sentença se divide em: absolutória, declaratória, constitutiva, definitiva, terminativa, condenatória e interlocutória. Em seu livro (Dicionário jurídico brasileiro), o autor tece comentários e cita várias autoridades do Direito para definir cada uma delas (Cf. SANTOS, 2011). Já Capez (2011), em consonância com o CPP e o CPC, fala sobre as condenatórias, absolutórias e terminativas de mérito. De um modo geral, podemos dizer que a sentença se divide, em um primeiro momento, em duas classificações maiores: terminativas e definitivas. A sentença terminativa é responsável por encerrar o processo, sem que se tenha decidido a sua importância (consequências), ou seja, ocorre a extinção do processo sem a apreciação do mérito15. Em outras palavras, são as que se limitam a pôr fim ao processo, sem examinar a causa – só fazem coisa julgada formal16. E a sentença definitiva é aquela em que há resolução do mérito, ou seja, as que resolvem o mérito; fazem coisa julgada material17. Podemos dizer, ainda, que há subclassificações nas sentenças definitivas, são elas condenatórias, constitutivas e declaratórias. 15 Mérito – (Lat. meritu.) S.m. Aquilo que está contido na questão judicial, ou litígio; lastro de conhecimentos da causa. Questão ou questões fundamentais, de fato ou de direito, que constitui o principal objeto da lide. (SANTOS, 2011, p. 162 - Dicionário jurídico brasileiro). 16 A coisa julgada pode ser formal, quando a sentença não pode ser alterada dentro do mesmo processo, porém poderá ser discutida em outra ação, ou material, quando a sentença não pode ser alterada em nenhum outro processo. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1510/Coisa-julgada-Novo-CPC-Lei-n-13105-15>. Acesso em: 15 mai. 2016. (Cf. GUIMARÃES, 2004). 17 Ocorre quando a sentença judicial se torna irrecorrível, ou seja, não admite mais a interposição de qualquer recurso. Tem como objetivo dar segurança jurídica às decisões judiciais e evitar que os conflitos se perpetuem no tempo. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1510/Coisa-julgada-Novo-CPC-Lei-n-13105-15>. Acesso em: 15 mai. 2016. 27 As sentenças condenatórias julgam procedentes, total ou parcialmente, a pretensão punitiva, ou seja, declaram a existência de um fato e condenam a parte vencida a uma obrigação de dar, fazer ou não fazer. É considerada um tipo complexo de sentença, de modo que a doutrina jurídica ainda atribui uma ‘subespécie’, uma chamada de sentença mandamental18, que é a sentença que condena a parte vencida a cumprir, necessariamente, uma obrigação de fazer. As sentenças constitutivas criam, modificam ou extinguem um estado ou relação jurídica; asseguram um direito ao vencedor da ação, em outras palavras, extinguem uma situação jurídica anterior e criam uma nova. Essa sentença também declara a existência de união estável e constitui uma relação jurídica entre os parceiros assemelhada ao casamento. As sentenças declaratórias declaram “[...] a existência ou a inexistência de uma relação jurídica, ou seja, de um determinado direito pretendido pelo autor.” (Cf. SANTOS, 2011, p. 226). É importante ressaltar que todas as sentenças possuem caráter declaratório, mas as chamadas de meramente declaratórias são aquelas que têm na sua parte dispositiva apenas a declaração da existência de uma relação jurídica ou reconhecimento de um direito. Santos (2011, p. 226 apud REZENDE FILHO, 1962) ainda destaca que a sentença interlocutória “anula um processo apenas em parte ou decide questão emergente ou incidente19 de processo, de caráter ordinário, e as exceções de suspeição20 e incompetência [...]”. A sentença judicial é um gênero consolidado no meio jurídico e sua composição, quase sempre, segue um mesmo padrão. Segundo o artigo 381 do CPP, a sentença deverá conter: I – o nome das partes ou, quando não for possível, as indicações necessárias para identificá-las; II – a exposição sucinta da acusação e da defesa; 18 Disponível em: <https://www.passeidireto.com/quantas-especies-de-sentenca-existem-quais-sao- elas.> Acesso em 15 mai. 2016. 19 Incidente, quando aparece no conflito da questão judicial e é solucionado antes do julgamento da ação principal: detenção pessoal, busca e apreensão. Incidente – Adj. 2g. Que incide; circunstancial. S.m. Circunstância acidental; sucesso de importância secundária que sobrevêm de uma questão ou debate; fato ou questão que coloca obstáculo ou embaraça a sequência normal de um processo. (SANTOS, 2011, p. 23, 121 – respectivamente). 20 Suspeição – S.f. Umdos gêneros de restrição que pode ser contraposto em revide ao juiz da causa, pelo fato de se duvidar de sua imparcialidade, da testemunha ou do perito (CPC, arts. 135 a 138, III e §§, 312 a 314, 405; CPP, arts. 95, I, a 107). (SANTOS, 2011, p. 236). 28 III – a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão; IV – a indicação dos artigos e leis aplicados; V – o dispositivo e VI – a data e assinatura do juiz. Circunstancialmente, a sentença é dividida em três partes, a saber, relatório, fundamentação e dispositivo ou decisão. O Capítulo XIII (Da sentença e da coisa julgada) do CPC e mais precisamente o art. 489 da segunda seção descreve os elementos essenciais da sentença judicial (as partes e o que deve conter em cada uma delas): I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem. Essas três partes fundamentais da sentença judicial possuem características linguístico-textuais sempre muito semelhantes, o que a caracteriza e a distingue dos demais gêneros do discurso jurídico. Além destes três componentes, é importante lembrar que a sentença judicial também possui assinatura e/ou autenticação e pode conter ementa que é uma espécie de preâmbulo. De forma mais detalhada, trazemos a definição de relatório que consta no Dicionário jurídico brasileiro. Relatório – S.m. Descrição escrita e minuciosa das atividades administrativas de uma organização pública ou de uma sociedade privada, ou dos trabalhos de um tribunal, turma, câmaras ou de uma assembleia; preâmbulo da sentença, no qual são mencionados: o nome das partes, a respectiva solicitação, a defesa e a fundamentação da solicitação respectiva. Exposição sumária da situação de fato da causa, que é submetida à deliberação do tribunal. Condensação do interrogatório, feito pelo juiz, do processo que vai ser narrado para a devida avaliação do júri. Narração, exposição das questões duvidosas existentes no recurso feitas pelo relator ante o órgão colegiado, escriturando-as nos devidos autos e depois fazendo a respectiva leitura quando do julgamento do recurso (CPC, arts. 458, 549, 554; CPP, art. 466). (SANTOS, 2011, p. 215). Segundo Pereira (2014, p. 166), o juiz precisa seguir algumas etapas que são obrigatórias antes de proferir o seu posicionamento, isto é, sua decisão propriamente dita. Essas etapas compreendem apresentar “[...] o local social da 29 produção, bem como seu redator [...]”; e, no corpo do texto, expor o processo de forma contextualizada de modo a apresentar um resumo dos trâmites. Para Nucci (2014, p. 474), o relatório contém a “[...] descrição sucinta do alegado pela acusação, abrangendo desde a imputação inicial, até o exposto nas alegações finais, com identificação das partes envolvidas [...]”. É importante destacar ainda que o relatório da sentença judicial é um resumo do processo e não, necessariamente, um detalhamento das ações das partes envolvidas que deram origem ao processo. Esse tipo de detalhamento está presente nos depoimentos das partes envolvidas (vítima, testemunha e indiciado) e constam no inquérito policial – que tem por finalidade promover o levantamento de toda a materialidade delitiva que pode dar origem ou não a um determinado processo – e são chamados de termo de declaração e/ou depoimento (no caso da vítima e da testemunha) e auto de qualificação e interrogatório (no caso do indiciado/acusado/suspeito). Quanto à fundamentação, Capez (2012) assevera que O juiz tem liberdade para formar a sua convicção, não estando preso a qualquer critério legal de prefixação de valores probatórios. No entanto, essa liberdade não é absoluta, sendo necessária a devida fundamentação. O juiz, portanto, decide livremente de acordo com a sua consciência, devendo, contudo, explicitar motivadamente as razões de sua opção e obedecer a certos balizamentos legais, ainda que flexíveis. (CAPEZ, 2012, p. 399). Em outras palavras, a fundamentação é a parte da sentença em que o juiz utiliza-se de argumentos (leis) para justificar e dar base para a decisão ou dispositivo, ou seja, é nesse momento que o juiz evidencia as razões nas quais se baseia para dar o parecer final, sua decisão. Nesse texto há a predominância da sequência argumentativa. Ainda segundo o artigo 155 do CPP O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Nucci (2014, p. 474) concebe a fundamentação como a 30 [...] motivação do juiz para aplicar o direito ao caso concreto da maneira com o fez, acolhendo ou rejeitando a pretensão de punir do Estado; abrange os motivos de fato, advindos da prova colhida, e os motivos de direito, advindos da lei, interpretada pelo juiz. A decisão21, na doutrina jurídica – também chamada de conclusão, dispositivo ou dispositivos gerais – é a parte da sentença que contém efetivamente a conclusão do processo22. Nesse momento, o juiz, após ter relatado as principais ações do processo, sobretudo, as informações que considerou relevantes relatar, e após a indicação dos artigos de lei aplicados, ou seus argumentos de uma forma geral (na parte da fundamentação), decide. Para Capez (2012, p. 530 – grifos do autor), “É a parte do decisum em que o magistrado presta a tutela jurisdicional, viabilizando o jus puniendi do Estado.”, ou seja, o direito de punir. A princípio, essa parte da sentença mostra-se predominantemente composta pela sequência injuntiva23. 2.3 ESTUDOS LINGUÍSTICOS SOBRE O GÊNERO SENTENÇA JUDICIAL Os gêneros forenses têm se tornado, cada dia mais, objetos de pesquisa e de análise no meio acadêmico, sobretudo no âmbito dos estudos linguísticos. A linguagem jurídica ou o ‘juridiquês’ – como é também conhecida na própria doutrina jurídica – tem intrigado pesquisadores de várias partes do Brasil e sob vários enfoques diferentes, principalmente, nos últimos dez anos. Dentre os gêneros forenses estudados no âmbito dos estudos linguísticos, a sentença judicial tem ocupado cada vez mais papel de destaque. O volume de estudo sobre esse gênero em pesquisas de cunho linguístico ainda é considerado pequeno – dadas às devidas proporções – por se tratar de um gênero pertencente à outra esfera de circulação, mas ainda assim, a sentença judicial tem despertado o interesse de estudiosos e pesquisadores de várias partes do Brasil e sob vários 21 Neste trabalho, optamos por usar o termo decisão por ser um termo mais utilizado pelos operadores do Direito; também porque o termo dispositivo, na doutrina jurídica, indica os artigos da constituição e possui amplo uso, ou seja, não está restrito à parte da sentença judicial que consta a decisão do juiz. 22 No caso de uma decisão proferida por um juiz de primeira instância, cabe recurso, podendo (o processo, a depender também do tipo ou de determinadas circunstâncias) chegar a instâncias superiores. 23 O termo “sequência injuntiva” aqui foi usado com base nos estudos das tipologias textuais, e não com base nos estudos das sequências propostos por Adam (2011), visto que o autor não reconhece esse tipo de sequência. 31 enfoques teóricos diferentes. Um dos motivos que podem explicar esse crescente interesse dos estudiosos por esse gênero pode ser o fato de este ser um gênero de domínio público e ser disponibilizado na internet através de bancos de sentença dos Tribunais de Justiça de todo o Brasil – o que facilitao seu acesso – e por ser a peça de maior relevância em um processo judicial e, linguisticamente, conter uma estrutura peculiar com uma diversidade de possibilidade de abordagens. Entre as pesquisas mais recentes realizadas sobre o gênero sentença, podemos citar a dissertação de mestrado de Pimenta (2007) na qual a autora investiga e caracteriza linguisticamente várias categorias de textos forenses de natureza criminal presentes nos processos penais, a fim de verificar os possíveis reflexos que esses textos exercem no gênero sentença judicial, por meio de marcas linguísticas. A pesquisa é norteada pelos estudos da Linguística Textual, pelos pressupostos teóricos dos Atos de Fala (AUSTIN24, 1962), da teoria da Ação Comunicativa (HABERMAS, 198325, 200326), das Comunidades Discursivas (SWALES27, 1990) e pelos estudos sobre tipos, gêneros e espécies conforme Travaglia ([2003] 2007a). A pesquisa de Pimenta (2007) é qualitativa e sua metodologia é analítico- descritiva. O corpus é composto por dez processos criminais, os quais são criteriosamente analisados e caracterizados por meio de sua materialidade linguística. Nos resultados, a autora constatou que os gêneros que trazem as mais variadas versões dos fatos – como o boletim de ocorrência, o auto de depoimento e a declaração – interferem/afetam diretamente na decisão do juiz, ou seja, na sentença judicial. Isso é possível, segundo a autora, porque esses gêneros têm a função sócio-comunicativa de trazer a versão das partes para o fato. Para Pimenta (2007, p. 198), “[...] ganha o melhor argumento, o mais articulado, o mais convincente, o que menos dúvida deixa sobre sua veracidade [...]”. 24 AUSTIN, J. L. How to do things with word. Oxford: Oxford University Press, 1962. 25 HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993. 26 _______. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. 27 SWALES, J. English in academy and research setting. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. 32 Os estudos da pesquisa de Pimenta (2007) sugerem uma reflexão sobre a classificação e tipologização de textos – por parte da comunidade discursiva forense – e uma contribuição para a construção de uma teoria tipológica geral de textos. Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o Grupo de Pesquisa em Análise Textual dos Discursos (GPATD) coordenado pelos professores Luis Passeggi, João Gomes da Silva Neto e Maria das Graças Soares Rodrigues desenvolve pesquisas em discursos jurídicos e políticos, seguindo os pressupostos gerais da Linguística Textual e, principalmente, dos estudos da Análise Textual dos Discursos que tem como seu principal nome o linguista francês Jean-Michel Adam (2011). A título de ilustração, destacamos algumas das publicações do GPATD sobre o estudo do discurso jurídico como, por exemplo, Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2014); Lopes (2014), Santos e Silva Neto (2014), Lourenço e Rodrigues (2013), Lourenço (2013) entre outros. Nos últimos anos, esse grupo desenvolveu uma quantidade considerável de trabalhos sobre o discurso jurídico, principalmente, sobre o gênero sentença judicial. Dentre as pesquisas já concluídas podemos destacar a tese de doutorado de Gomes (2014), o qual propôs estudar o fenômeno da Responsabilidade Enunciativa (doravante RE) em sentenças judiciais condenatórias a partir dos pressupostos teóricos gerais da Linguística Textual, da Análise Textual dos Discursos com Adam (2011), e da Linguística Enunciativa com Rabatel28 (2010) além de autores que versam sobre os gêneros forenses como Montolío29 (2011), Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2014) entre outros. O corpus dessa tese é formado por treze sentenças condenatórias coletadas até o ano de 2012 da comarca de Currais Novos/RN. O objetivo principal dessa pesquisa foi investigar a RE por meio de uma escala que compreende esse fenômeno a partir de quatro gradações, de modo que cada gradação consiste em um tipo especifico de ponto de vista (doravante PDV) com marcas que podem determinar a assunção ou o distanciamento desse PDV. Os resultados mostraram que o gênero sentença judicial condenatória apresenta uma heterogeneidade de PDV, o que permite, em alguns momentos, a 28 RABATEL. Schémas, techniques argumentatives de justification et figures de l’auteur (théoricien et/ou vulgarisateur). Revue d’antropologie dês connaissances. 2010. 29 MONTOLÍO. (Ed.). Hacia la modernización del discurso jurídico. Barcelona: Publicacions i Edicions de la Universitat de Barcelona, 2011. 33 não assunção da RE por parte do juiz, ou seja, na análise foi possível identificar o PDV não só do juiz (presente predominante no dispositivo da sentença), mas de várias outras instâncias enunciativas, como Ministério Público, defesa, acusados (mais presentes no relatório da sentença), vítimas e testemunhas (mais presentes na fundamentação) entre outras. Esses PDV foram identificados na dimensão linguística do texto através de verbos, conectores, dêiticos espaciais e temporais, além de marcas de asserção e marcadores do discurso reportado, entre outros. Como foi possível observar diferentes PDV de diferentes instâncias enunciativas em diferentes partes da sentença (relatório, fundamentação e dispositivo), Gomes (2014) também constatou que em determinados momentos, o juiz utiliza-se desses outros PDV e se isenta da responsabilidade sobre o que diz, como se observa no relatório da sentença onde há os PDV da acusação e da defesa, por exemplo. Dessa forma, o autor conclui que “A sentença, portanto, constrói-se nesse jogo de assunção e/ou não assunção dos enunciados de acordo com a orientação argumentativa e com os objetivos do produtor do texto.” (GOMES, 2014, p. 8). Lopes (2014), na sua dissertação de mestrado, propôs identificar e descrever o fenômeno da representação discursiva da vítima e do réu no gênero forense sentença judicial. A pesquisa segue os pressupostos gerais da LT, com foco na ATD – Adam ([2008] 2011) – e também é complementada por estudos do gênero com Bazerman30 (2005), Bakhtin31 (1992) e do discurso jurídico com Capez (2012) e Pimenta (2007), entre outros. Metodologicamente, a pesquisa é documental e apresenta um caráter qualitativo, descritivo e orienta-se pelos métodos do raciocínio indutivo e dedutivo. O corpus da pesquisa é composto por uma única sentença judicial com a temática de violência contra a mulher. Essa sentença é de natureza penal e foi coletada no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Antes de identificar e descrever as categorias semânticas da representação discursiva – referenciação, a predicação, a modificação e a localização espacial e temporal (ADAM, 2011) –, Lopes (2014) fez o reconhecimento do gênero (sentença judicial) elaborando o Plano de Texto e constatou que se trata de uma estrutura fixa, 30 BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipificação e interação. Organização de Ângela Paiva Dionísio e Judith Chambliss Hoffnagel. São Paulo: Cortez, 2005. 31 BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal.São Paulo: Martins Fontes, 1992. 34 prototípica e padronizada – seguindo a regulamentação legal –. Em sua análise, a autora também utilizou o esquema prototípico da sequência textual de Adam (2011) e constatou que além das sequências argumentativa, explicativa e descritiva há uma predominância da sequência textual narrativa. Com foco nas construções das representações discursivas da vítima e do réu a partir de Pontos de vista (PDV) de enunciadores diferentes, a autora constatou que esses PDV – mais presentes na fundamentação por ser um espaço destinado aos motivos e às informações de fato ede direito que norteiam as decisões do magistrado – podem tanto se aproximar quanto se distanciar de acordo com a orientação argumentativa do texto. Ou seja, “[...] os objetos [do discurso] são construídos a partir de um posicionamento do enunciador frente às razões que o motivam.” (LOPES, 2014, p. 94). A pesquisa trouxe uma importante reflexão a respeito da dimensão semântica do texto, sobretudo das representações dos objetos do discurso na sentença judicial, um dos mais importantes gêneros de um processo judicial. Fonseca (2016), em sua dissertação de mestrado, fez um estudo sobre a argumentação em uma sentença judicial de natureza condenatória extraída do site da Justiça Federal do Rio Grande do Norte (JFRN) com o objetivo de descrever e explicar o funcionamento dos operadores argumentativos na orientação argumentativa desse gênero. A pesquisa é de caráter documental e bibliográfico, orientada pelos métodos do raciocínio indutivo e dedutivo e também se apoia nos constructos teóricos da ATD (ADAM, 2011), além dos estudos da Retórica de Aristóteles32 (1959) entre outros autores que tratam especificamente da argumentação. Entre os resultados da pesquisa, foi possível constatar que muitos dos operadores argumentativos utilizados, sobretudo na fundamentação, evocam e são evocados por uma determinada Tradição Discursiva própria dos textos e do discurso jurídicos. Os resultados revelaram ainda que esses operadores argumentativos exerceram papéis preponderantes na organização da orientação argumentativa do texto e do discurso, orientando os coenunciadores para a conclusão desejada pelo enunciador, o juiz. Fonseca (2106, p. 7) destaca também “[...] que o uso dos 32 ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1959. (384-322 a.C). 35 operadores argumentativos permitiu construções silogísticas na forma de apresentação dos argumentos e na construção da argumentação.”. Silva (2016), em sua dissertação de mestrado, estuda o fenômeno da genericidade (ADAM; HEIDMANN, 2011b) com o objetivo de caracterizar o gênero sentença judicial a partir de sua estrutura composicional e, mais precisamente, do plano de texto (ADAM, 2011) em um diálogo com o campo de estudo das Tradições Discursivas (COSERIU33, 1980; KOCH, 1997; KABATEK34, 2003). O corpus da referida pesquisa é composto por quatro sentenças judiciais condenatórias de natureza criminal, coletadas do banco de sentenças do site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (TJRN) no período de janeiro a março de 2014. Os resultados mostram que: “[...] a sentença judicial possui várias potencialidades genéricas que a atravessam em seus níveis textuais e transtextuais, estabelecendo um diálogo intergenérico [...]” (SILVA, 2016, p. 7); e mostram também que a estrutura composicional da sentença judicial, apesar de ser regulamentada pelo CPP e pelo CPC, que propõem sua estrutura fixa, é variável, o que torna o seu plano de texto variável e, às vezes, ocasional, mas que também possui elementos cristalizados e que segue uma tradição funcional e até mesmo institucional, mantendo aspectos de linguagem – no que se refere ao léxico formal, e estrutura composicional próprios. A pesquisa também sugere contribuições para os chamados operadores do Direito, uma vez que promove uma reflexão a respeito da materialidade linguística, e, mais precisamente, da estrutura composicional de um texto de domínio público que, como dito anteriormente, mesmo sendo balizado pelo CPP e pelo CPC, possui discrepâncias em seu plano de texto. Em suma, a pesquisa de Silva (2016), assim como as demais pesquisas até aqui apresentadas mostram um avanço nos estudos linguísticos por abordar a estrutura composicional e as dimensões da enunciação e da orientação argumentativa do gênero sentença judicial e por expandir os estudos desse gênero, sobretudo, na perspectiva da ATD. 33 COSERIU, Eugenio (1994): Textlinguistik. Eine Einführung, 3a ed. revisada, Tübingen, Francke,1994 (Tübingen, Narr, 1980). 34 KABATEK, Johannes (2003): “La lingüística románica histórica: tradición e innovación em uma disciplina viva”, La Corónica 31.2, p. 35-40. 22. 36 CAPÍTULO III 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Neste capítulo, apresentamos os postulados teóricos nos quais nossa pesquisa está fundamentada. Para abordar a sequência narrativa no gênero sentença judicial, fizemos um breve percurso teórico descritivo que vai da Linguística Textual, passando pela ATD até as noções de sequências textuais para alguns autores de diferentes abordagens teóricas. A princípio, destacamos que a pesquisa fundamenta-se no quadro teórico geral da Linguística Textual e, mais especificamente, nos pressupostos da ATD, abordagem desenvolvida por Adam (2011) e estudada no Brasil pelos pesquisadores Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010; 2012; 2014) dentre outros já citados (Ver seções 2.1 e 2.3). 3.1 LINGUÍSTICA TEXTUAL Com a premissa de que a língua não funciona nem se realiza em unidades isoladas como palavras ou frases soltas, muito menos com simples morfemas ou fonemas, os postulados do alemão Harald Weinrich (1966; 1967) – que considerava toda linguística como necessariamente Linguística de Texto – ganharam destaque na Alemanha no século XX, mais precisamente em meados dos anos 60; era o início da Linguística de Texto35. A partir disso, a LT tornou-se um campo de pesquisa que, através de um amplo esforço teórico, procurou ultrapassar o nível das frases e incluir o sujeito e a situação comunicativa, o que, na visão estruturalista, não acontecia, visto que até então a língua era concebida como um sistema e como um código, ou seja, com uma função estritamente informativa. Com a evolução dos estudos da LT, o conceito de texto – seu objeto de estudo – passou por diversas definições as quais condiziam com a visão de seus 35 O termo “Linguística de Texto” foi utilizado pela primeira vez por Cosériu (1955), porém sem o sentido que possui nos dias de hoje. O termo foi usado só foi usado com o sentido que conhecemos nos dias atuais pelo alemão Harald Weinrich em 1966 e 1967. (Cf. KOCH, 1997). 37 estudiosos e suas respectivas correntes teóricas, o que resultava em concepções ora estruturalista ou gerativa, ora funcionalista. De acordo com dessa diversidade de concepções e correntes teóricas, “O texto era então concebido como ‘uma frase complexa’, ‘signo linguístico primário’ (HARTMANN36, 1968), ‘cadeia de pronominalizações ininterruptas’ (HARWEG37, 1968), ‘sequência coerente de enunciados’ (ISENBERG38, 1971), ‘cadeia de pressuposições’ (BELLERT39, 1970).” (KOCH, 2009, p. 3 – grifos da autora). Para Marcuschi40 (2012), a LT Configura uma linha de investigação interdisciplinar dentro da linguística e como tal exige métodos e categorias de várias procedências. Basicamente, trata dos processos e regularidades gerais e específicos segundo os quais se produz, constitui, compreende e descreve o fenômeno texto. (p. 17). A história da LT é marcada por três principais momentos41 que correspondem a três fases de maior destaque da sua evolução e consolidação como um campo de pesquisa e também da ampliação e definição de seu objeto de análise, a saber, o texto. Há divergências quanto às fases da LT, principalmente, no que se refere à ordem cronológica da primeira e da segunda fase42, porém, distanciando-nos desta discussão, destacamos o que nos parece ser a percepção da maioria dos estudiosos da área a respeito dessa divisão. Assim, podemos dizer que as três fases da LT são respectivamente: análise transfrástica, gramática de texto e teoria do texto.36 HARTMANN , P. Zum Begriff des sprachlichen Zeichens Zertschnft furPhoneuc, Sprachwissenschaft und Kommunikationsforschung, v 21, p 205 22,1968. 37 HARWEG, R. Pronomina und Textkonstitution. Münch W Fink, 1968. 38 ISENBERG, H. Der Begriff "Text" m der Sprachtheorie Deutsche Akademie zur Wissenschaften zu Berlin, Arbeitsgruppe Strukturelle Grammatik, Bencht, n 8, 1970. 39 BELLERT, I. On a condition of the coherence of texts. Semiótica, v.2, p.335-63, 1970. 40 Esta obra (MARCUSCHI, 2012) é uma versão revisada e modificada do texto que foi originalmente apresentado no IV Congresso Brasileiro de Língua Portuguesa na PUC-SP no ano de 1983. 41 A divisão da história da Linguística Textual e de suas respectivas fases na ampliação e definição de seu objeto de estudo não é consensual, pois há divergências entre autores quanto à afirmação de que, em ordem cronológica houve uma clara distinção entre o momento da análise transfrástica (primeiro momento) e o segundo momento conhecido como o da gramática de texto. 42 Em artigo publicado na revista Alfa em 1997, intitulado “Linguística Textual: retrospecto e perspectivas”, Koch concorda com Conte (1977) sobre os três momentos da evolução da LT (análise transfrástica, gramática de texto e teoria do texto) e ainda ressalta sua respectiva ordem cronológica. (Cf. KOCH, 1997, p. 68). Depois, em 2009, no livro “Introdução à Linguística Textual”, a autora coloca os dois primeiros momentos da LT (análise transfrástica e gramática de texto) como pertencentes ao mesmo momento dessa evolução. 38 No período conhecido como o da análise transfrástica, os estudos da LT debruçavam-se sobre os fenômenos das relações de complementaridades entre as frases (as chamadas relações transfrásticas ou interfrásticas), na intenção de ultrapassar os limites da frase, algo que não era possível de ser explicado pelas teorias tradicionais da linguística como a da sintaxe e/ou da semântica, pois se limitavam às análises frasais, ficando presas ao domínio da frase ou do período. Uma das principais preocupações dessa nova abordagem era dar conta do encadeamento de sentenças e das relações referenciais que se dava no contínuo do texto, entre as frases, e, mais precisamente, dar conta dos processos de correferência – os quais se limitavam aos estudos da anáfora e da catáfora – que é considerada um dos principais fatores de coesão textual (Cf. KOCH, 2009), mas que também não eram suficientes para dar conta da complexidade de outras relações existentes no texto. Ainda nessa fase, os estudiosos pensaram em elaborar regras para o encadeamento de frases, usando os métodos de análise sintática, porém na tentativa de ampliá-los para dar conta de sentenças maiores ou, ao menos, dar conta de pares de sentenças. Essa análise no nível interfrástico levou o texto a passar por novas definições, como Harweg (1968), que definiu texto como “sequência pronominal ininterrupta”, ou Isenberg (1970) que o definiu como “sequência coerente de enunciados”. Nesse período, tanto estudiosos de perspectiva estruturalista quanto gerativista se debruçaram sobre essas questões. (Cf. KOCH, 1997, p. 68). Nesse período, viu-se a necessidade de considerar que no interior no texto havia relações elípticas, anafóricas, e de concordância verbal entre outras relações que não podiam mais ser obsevadas de forma isolada; havia a necessidade de relacioná-las, considerá-las. Diante dessas constatações, viu-se, também, a necessidade de se desenvolver uma gramática que desse conta dessas relações. Foi então que se pensou em um modelo de gramática transfrástica ou o que seria a fase conhecida como a gramática de texto ou gramáticas textuais. O segundo período, conhecido como o período das gramáticas textuais, influenciado pela Gramática Gerativa de Noam Chomsky, é caracterizado por postular que o texto é muito mais do que a soma de frases, mas sim um signo linguístico primário e que sua compreensão depende de uma determinada capacidade dos falantes, algo como uma competência textual. Nessa perspectiva, a 39 competência textual permitiria aos falantes “[...] distinguir um texto coerente de um aglomerado aleatório de palavras e/ou sentenças, bem como parafrasear um texto, perceber se está completo ou não, resumi-lo, atribuir-lhe um título ou produzir um texto a partir de um título dado.” (KOCH, 1997, p. 69). Isso era o que Charolles (1989) concebia como capacidades textuais básicas que o usuário da língua possuía. Para o autor, essas capacidades podiam ser resumidas em três: capacidade formativa; capacidade transformativa e capacidade qualitativa. De forma sintética, podemos dizer que a capacidade formativa permitiria ao usuário da língua produzir, compreender e avaliar uma diversidade de textos, bem como dizer se esses estão bem ou mal formados; a capacidade transformativa tornaria o usuário apto a reformular, parafrasear, resumir e também avaliar a adequação desse texto em relação ao texto original; a capacidade qualitativa permitiria ao usuário identificar a tipologia do texto, ou seja, dizer se este era narrativo, argumentativo, descritivo, dialogal etc. Nessa fase, o texto, entendido como uma unidade linguística superior à frase, é considerado como “uma entidade do sistema linguístico” regida por normas gramaticais do texto, semelhantes às normas da gramática da frase – uma espécie de analogia. Basicamente, “[...] tratava-se de descrever categorias e regras de combinação da entidade T (texto) em L (determinada língua).” (KOCH, 2009, p. 5). Dessa forma, as diretrizes da gramática do texto seriam: a) verificar o que faz com que um texto seja um texto, ou seja, determinar seus princípios de constituição, os fatores responsáveis pela sua coerência, as condições em que se manifesta a textualidade; b) levantar critérios para delimitação de textos, já que a completude é uma de suas características essenciais; c) diferenciar as várias espécies de textos. (op. cit. p. 5) Como vimos, a segunda fase da LT foi diretamente influenciada pela perspectiva gerativista, por isso a gramática de texto era semelhante à gramática de frase proposta por Chomsky. Isso fez com que a gramática de texto fosse vista como um sistema finito de regras que permitiria aos usuários da língua afirmar se determinada sequência linguística era um texto ou não, pois todo e qualquer usuário possuía o conhecimento de um conjunto de regras que são internalizadas, uma espécie de ‘competência textual’. Podemos dizer que a fase da gramática de texto deixou uma espécie de ‘legado’; duas noções muito importantes a respeito dos 40 estudos do texto: a primeira é que o texto não é apenas uma continuidade de frases, ou seja, não se trata da soma das partes; a segunda noção é a de que o texto é uma unidade linguística mais elevada, formada por unidades menores e individuais passíveis de análises também individuais, mas que devem ser consideradas em um conjunto maior, ou seja, no todo. E por fim, o terceiro período, conhecido como o período da teoria do texto, passou a compreender o texto como um processo e não como um produto acabado. Esse terceiro período teve início quando estudiosos concluíram que era inviável elaborar uma gramática de texto no estilo das gramáticas de frase. Apesar de essa ideia mostrar-se ambiciosa, foi pouco produtiva, pois não foi possível estabelecer regras capazes de descrever todo e qualquer texto de uma determinada língua, ou seja, não consideraram a possibilidades de surgirem novos tipos de textos ou simplesmente surgirem textos que não se enquadrassem nessas regras gramaticais. Essas e outras questões foram responsáveis por levar estudiosos ao abandono desta tarefa, o que provocou o fim da segunda fase de desenvolvimento da LT, dando início à fase da teoria do texto. Nesse período, os estudiosos reconheceram que seu objeto de estudo, o texto,deveria ser estudado dentro de seu contexto de produção, considerando assim os resultados das operações linguísticas e sociocomunicativas. Na década de 80, à LT foram agregados os estudos sobre coesão e coerência textuais, o que, de forma significativa, ampliaram a noção de coerência que foi postulada anteriormente, uma vez que essa passou a ser entendida como um fenômeno muito mais amplo do que uma qualidade ou uma propriedade do texto, ou seja, a coerência passou a ser entendida como algo que se constrói em uma determinada situação de interação, uma relação autor – texto – leitor “[...] em função da atuação de uma complexa rede de fatores, de ordem linguística, sociocognitiva e interacional.” (KOCH, 1997, p. 74). Como pudemos observar, a LT, que começou com a análise transfrástica e passou por algumas tentativas de elaboração de uma gramática de texto, em sua trajetória passou por diversas revisões, reformulações e ampliações até consagrar e expandir o seu objeto de estudo. Atualmente os estudos da LT se debruçam não apenas no texto em si, mas no contexto – no sentido que envolve relações situacionais, sociocognitivas e culturais na produção de textos. Outra preocupação da LT passou a ser a “[...] interferência [da coerência] na constituição, no 41 funcionamento e, de modo especial, no processamento estratégico-interacional dos textos, vistos como uma forma básica de interação por meio da linguagem.” (op. cit. p. 75). Nessa nova perspectiva, segundo Koch e Elias (2013, p. 07) [...] o texto é o lugar de interação de sujeitos sociais, os quais, dialogicamente, nele se constituem e são constituídos; e que, por meio de ações linguísticas e sociocognitivas, constroem objetos de discurso e propostas de sentido, ao operarem escolhas significativas entre as múltiplas formas de organização textual e as diversas possibilidades de seleção lexical que a língua lhes põe à disposição. A fim de situarmos a nossa pesquisa, explicitamos aqui um breve histórico da LT, descrevendo de forma concisa os principais momentos de sua evolução, ampliação e definição de seu objeto de estudo e de sua consolidação como um campo de pesquisa dos estudos linguísticos. Como dissemos no início dessa seção, há divergências sobre essas três fases de desenvolvimento da LT, bem como sobre a ordem cronológica aqui apresentada. Porém, deixando de lado essas discussões pormenorizadas, é importante destacar que adotamos e descrevemos essas três fases e em ordem cronológica pelo fato de ser a descrição mais recorrente entre os estudiosos e, consequentemente, mais reproduzido em trabalhos que abordam o assunto. 3.1.1 Estudos da Linguística Textual no Brasil Segundo Koch (1999), os primeiros trabalhos dedicados aos estudos linguísticos do texto no Brasil foram registrados no final da década de 70 com a tradução de duas obras: “Semiótica Narrativa e Textual”, de Chabrol et al. (1977) e “Linguística e Teoria do Texto”, de Schmidt (1978), além da publicação, em Portugal, do livro “Pragmática Linguística e Ensino de Português”, de Fonseca e Fonseca (1977) que, segundo Koch (1999, p. 167), “[...] defendia a aplicação dos princípios da Pragmática Linguística ao ensino de língua materna e, em decorrência, a necessidade de um enfoque textual, como já era comum em outros países da Europa.”. Sobretudo, é no início dos anos 80 que os estudos da Linguística Textual ganham forma e começam a se multiplicar, sobretudo, após a publicação do artigo 42 intitulado “Por uma Gramática Textual”, de Neis (1981), seguido dos livros “Linguística Textual: introdução”, de Fávero e Koch (1983) e “Linguística Textual: o que é e como se faz?”, do professor Marcuschi (1983). Isso fez com que pesquisadores e estudiosos de todo o Brasil se interessassem pelo assunto, o que resultou em publicações de alguns artigos em revistas e Anais de eventos. Sobre esse crescente campo de estudo no Brasil e sua disseminação, Koch (1999, p. 168) reitera que Em várias universidades brasileiras vão-se formando núcleos de pesquisa sobre texto. A pesquisa na área frutifica em cursos de extensão, aperfeiçoamento e especialização, ministrados em diversos pontos do país, bem como em dissertações de mestrado e teses de doutorado, cujos autores, subsequentemente, vão implantando esse tipo de enfoque em suas instituições de origem. Segundo a autora, as primeiras pesquisas realizadas sobre texto no Brasil foram inspiradas por estudos feitos na Alemanha (Weinrich, Dressler, Beaugrande & Dressler entre outros), Holanda (Van Dijk), França (Charolles e Adam, entre outros), Inglaterra (Halliday e Hassan), e EUA (tanto por linguistas quanto por pesquisadores de outras áreas). Nesse trabalho de Koch, publicado em 1999, a autora divide a história da LT no Brasil em três momentos. O primeiro deles ocorre na metade da década de 80 com a publicação dos trabalhos citados anteriormente. Nesse momento, grande parte dos trabalhos desenvolvidos tinham como referência os estudos de Halliday e Hasan43 (1976) os quais versavam sobre a coesão além dos estudos de Beaugrande e Dressler44 (1981) no que se refere aos fatores de textualidade. É importante ressaltar que os trabalhos desenvolvidos aqui no Brasil não se limitavam apenas às revisões críticas desses autores, mas traziam também contribuições para o desenvolvimento desse novo campo de estudo linguístico. Um exemplo dessas contribuições foi a revisão da noção de coerência, a qual deveria deixar de ser considerada como um fator de textualidade, e ser entendida como um “macrofator”, ou seja, entender a coerência como “[...] resultante da atuação conjunta de todos os demais fatores e, portanto, decisiva para a caracterização da textualidade [...]” (KOCH, 1999, p. 169). 43 HALLIDAY, M; HASAN, H. Cohesion m Enghsh. London Longman, 1976. 44 BEAUGRANDE, R.; DRESSLER, W. U. Einfhrung in die Textlinguistik. Tubingen: Niemeyer, 1981. 43 A segunda fase da LT no Brasil é marcada pelas obras “A Coesão Textual”, de Koch (1989) e por outros dois livros, resultantes da parceria entre Koch e Travaglia: o primeiro é “Texto e Coerência”, também publicado em 1989, e o segundo, publicado em 1990, é “A Coerência Textual”, nesses últimos, os autores concebem a “[...] coerência como um princípio de interpretabilidade do texto [...]” (KOCH, 1999, p. 170). O terceiro momento da LT no Brasil corresponde, segundo Koch (1999, p. 171), ao “momento atual”, que tem início nos anos 90, mais precisamente com a “[...] forte inclinação para a adoção de uma perspectiva sociointeracional no tratamento da linguagem [...]”, presente nas obras de Geraldi, (1991) e Koch (1992), bem como “[...] para o estudo dos processos e estratégias sócio-cognitivos envolvidos no processamento textual [...]” (Cf. MARCUSCHI, 1994). Essas novas perspectivas de abordagens dos fenômenos textuais levou a linguística a um “diálogo” com diversas outras áreas do conhecimento, como “[...] Psicologia Cognitiva, a Inteligência Artificial, a Neuropsicologia, a Antropologia, a Sociologia Interacional e as Ciências Cognitivas de modo geral.” (KOCH, 1999, p. 171). Segundo a autora Os principais objetos de pesquisa, dentro do enfoque mencionado, têm sido a estrutura e o funcionamento da memória, bem como as formas de representação dos conhecimentos, seu acessamento, utilização, recuperação e atualização, por ocasião do processamento de textos; as principais estratégias de ordem sócio-cognitiva, interacional e textual postas em ação durante o processo de produção/ intelecção; e, ainda, as estratégias de ‘balanceamento' do implícito/explícito. (KOCH, 1999, p. 171 – grifos da autora). Ainda em seu artigo, a autora conclui que a LT, bem como os estudos sobre o texto vêm ganhando cada vez mais espaço em eventos e em produções gerais (artigos,capítulos de livro, dissertações, teses etc.) em diversas partes do Brasil, mostrando ser uma área bastante promissora e já consolidada no âmbito dos estudos linguísticos, tanto em pesquisas voltadas para textos falados quanto escritos, o que “[...] vêm dando origem a um acervo bibliográfico respeitável, tanto em termos quantitativos, como qualitativos.” (KOCH, 1999, p. 175). Procurando mensurar a crescente disseminação da LT no Brasil, Silva (2003) fez um levantamento de trabalhos publicados no GEL (Grupo de Estudos 44 Linguísticos do Estado de São Paulo) em um recorte de 10 anos, mais precisamente do ano de 1991 ao ano 2000. Nessa pesquisa de caráter quantitativo, a autora contabilizou 49 trabalhos entre 1.506 publicados nesse decênio, o que corresponde a 3,25% do total. Desses 49 trabalhos, 32 deles foram voltados ao estudo da coesão e da coerência, o que corresponde a 65% do total apresentado. A fim de justificar esses dados, a autora da pesquisa ressalta que a preferência sobre os estudos de coesão deve-se ao fato de essa estar presente desde o início da LT no Brasil, ou seja, desde a sua primeira fase. 3.2 A ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS Adam (2011) propõe “[...] uma teoria da produção co(n)textual de sentido que deve, necessariamente, ser fundamentada na análise de textos concretos45 [...]” e nessa perspectiva sua obra é caracterizada por duas aspectos centrais, a saber, a elaboração de um quadro teórico e sua constante fundamentação em análises empíricas. Os estudos da Análise Textual dos Discursos (ATD), pensados com o objetivo de “[...] responder à demanda de propostas concretas para análise de textos [...]” através de uma abordagem teórica e descritiva, vêm se mostrando uma grande contribuição para a articulação entre texto, discurso e gênero, de modo que essas contribuições vêm ajudando a redefinir os campos da Linguística de Texto e da Análise do Discurso (AD) – tornando-se uma ligação entre ambas, o que antes (texto e discurso) era visto de forma dissociada (Cf. PASSEGGI et al., 2010, p. 263, 264). Adam (2011, p. 14) propõe uma abordagem de texto e discurso de forma articulada, situando a “[...] linguística textual como um subdomínio da área mais ampla da análise das práticas discursivas, postulando ao mesmo tempo, uma separação e uma complementaridade.” Assim, ao ser colocada como um subdomínio do campo mais amplo da AD, a ATD visa em seu escopo 45 Essa afirmação sobre a proposta da ATD foi feita na apresentação da edição brasileira da tradução do livro “Linguística Textual: introdução a Análise Textual dos Discursos” (ADAM, 2011), mais precisamente na página 13. Em outro momento (na página 23), o próprio autor, Adam, tece as mesmas palavras definindo LT ao dizer que é “uma teoria da produção co(n)textual de sentido, que deve fundar-se na análise de textos concretos.” Segundo Passeggi et al., (2010, p. 264), “muitas das afirmações de Adam referentes à Linguística Textual caracterizam, na realidade, sua proposta de Análise Textual dos Discursos. 45 [...] teorizar e descrever os encadeamentos de enunciados elementares no âmbito da unidade de grande complexidade que constitui um texto. [...] [e] concerne tanto à descrição e à definição das diferentes unidades como às operações, em todos os níveis de complexidade que são realizadas sobre os enunciados. (ADAM, 2011, p. 63). Podemos dizer que o objeto de estudo da AD (de linha francesa) é o discurso e que o texto é a materialidade linguística necessária para investigá-lo. Já a LT tem o texto como seu objeto de estudo, e nele se estuda a sua composicionalidade, as operações referenciais, e, consequentemente, as relações de sentido construídas pelos usos dos conectivos que também promovem o encadeamento da trama do texto, ou seja, a textualidade que faz com que um texto seja efetivamente um texto. Jurach (2015) destaca que [...] apesar do enquadramento que demonstra a relação intrínseca entre texto e discurso, o objeto predominante no estudo de Adam (2011) fica claro no próprio subtítulo do livro: trata-se de uma análise textual dos discursos, ou seja, o trato das sequências textuais e das estruturas composicionais está em relevância e é posto numa relação de motivação e funcionamento conforme os diferentes atos de discurso. (JURACH, 2015, p. 98). Ainda nesse artigo a autora discute quais traços da AD de linha francesa são enfocados por Adam (2011) na constituição da ATD de modo a não haver contradições teóricas. Nesse trabalho, Jurach (2015) retoma definições de contexto, formação discursiva e interdiscurso e faz comparações com o tratamento que essas noções recebem na ATD, É importante ressaltar que mesmo afirmando que as noções de análise do discurso são provenientes e delineadas pelos estudos de Maingueneau (1991, 1995), Adam (2011) não explora os conceitos desse autor, ao invés disso, discorre sobre alguns conceitos de Pêcheux (1969) e Foucault (1969), fazendo seus devidos recortes e estabelecendo as diferenças de sua abordagem, como é o caso dos conceitos de plano de análise de discurso, nos quais “Adam (2011) coloca-os em uma relação, intermediada pela interação social, com a pragmática representada [...] pela ‘ação de linguagem [...]’, a qual, por uma linha vertical [...], aponta para os dois polos na relação entre discurso e texto.” (JURACH, 2015, p. 98) como podemos observar na figura baixo. 46 Figura 1 – Esquema 4: Níveis ou planos da análise de discurso e níveis ou planos da análise textual Fonte: Adam (2011, p. 61). Esse esquema nos permite compreender que o autor além de sintetizar a proposta de sua análise, no que se refere às relações de complementaridade entre a LT e a AD, visa à análise da “[...] complexidade da textualidade, no interior da LT, como um processo no interior de operações discursivas.” Ou seja, compreende que para analisar um discurso é necessário considerar que “[...] toda produção textual está inserida em um espaço de interação social e de práticas discursivas institucionalizadas que atuam na constituição dos textos.” (JURACH, 2015, p. 106). Descrevendo resumidamente o referido esquema, podemos dizer que, no nível do discurso, tudo começa com uma Ação de Linguagem ou um objetivo (expresso linguisticamente por atos de discurso ou por uma orientação argumentativa) que se realiza através de uma Interação Social (N1) e passa por uma Formação Sociodiscursiva, ou seja, pelo que pode e deve ser dito, que por sua vez, utiliza-se de um dialeto social ou um Socioleto em seu Interdiscurso mediado por um gênero. (Cf. PASSEGGI et al., 2010, p. 266). 47 De acordo com Adam (2011, p. 63) “Toda ação de linguagem inscreve-se [...] em um dado setor do espaço social, que deve ser pensado como uma formação sociodiscursiva, ou seja, como um lugar social associado a uma língua (socioleto) e a gêneros de discurso.”. Observamos que, para o referido autor, as ações de linguagem são realizadas através de textos, os quais se desenvolvem por meio da interação social, diferente da noção proposta pela ADF de base pecheutiana a qual postula um assujeitamento ideológico. Para Jurach (2015, p. 106) a ligação entre a LT e a AD não está relacionada às questões de ideologia e de interpelação ideológica, mas sim às “[...] possibilidades de reflexão sobre o estatuto do texto no interior de uma pragmática textual, ou seja, do entendimento de que a linguagem é indissociável da ação e que o discurso está relacionado à ação e aos tipos de discursos institucionalizados.”. É importante ressaltar que os gêneros, nesse esquema, estão no centro da articulação entre texto e discurso. Segundo Passeggi et al. (2011, p. 266) o gênero “[...] poderia estar situado na fronteira texto/discurso.”. Nos níveis ou planos de análise textual, que vai do N4 ao N8,temos os níveis da Textura (N4) relacionado às proposições enunciadas e aos períodos; a Estrutura composicional (N5) relacionada às sequências textuais e aos planos de texto; a Semântica (N6) relacionada à representação discursiva; a Enunciação (N7) relacionada à responsabilidade enunciativa e à coesão polifônica; e, por último, os Atos de discurso (N8) referentes ao ilocucionário e à orientação argumentativa. Nossa pesquisa está inserida na perspectiva dos níveis ou planos da análise textual, mais precisamente no nível 5 (N5), o qual corresponde à “estrutura composicional (sequências e planos de texto)”, a partir do qual tomamos como categoria de análise a sequência narrativa para analisarmos a estrutura composicional do relatório da sentença judicial. 3.2.1 Estrutura composicional: planos de textos Os planos de textos juntamente com as sequências textuais fazem parte da estruturação sequencial composicional de um texto. Para Adam (2011, p. 257 – grifos do autor), “Os planos de texto desempenham um papel fundamental na composição macrotextual do sentido. Correspondem ao que a retórica colocava na 48 disposição, parte da arte de escrever e da arte oratória que regrava a ordenação dos agrupamentos tirados da invenção.” Dessa forma, o plano de texto diz respeito à organização do texto; como o texto se organiza e como suas partes estão distribuídas; como ele é constituído; quais são sua partes identificáveis ou não – isso porque um plano de texto pode ser fixo/convencional ou ocasional. Segundo o autor Um plano de texto pode ser convencional, isto é fixado pelo estado histórico de um gênero ou subgênero do discurso. Mas o plano de texto de um editorial, de uma canção ou de um poema, o texto de uma publicidade, de um discurso político, de uma novela ou de um romance é com frequência, ocasional, inesperado, deslocado em relação a um gênero ou subgênero do discurso. O papel de um sumário e, às vezes, dos entretítulos de um artigo ou dos capítulos de um romance é explicar, a estrutura composicional de um dado texto. (ADAM, 2011, p. 258 – grifos do autor). Para o autor, um plano de texto considerado convencional ou fixo diz respeito a uma estrutura – como o próprio nome já sugere – institucionalizada historicamente sob a forma de gênero do discurso, e esses gêneros são reconhecíveis a partir de um sistema de conhecimento de determinado grupo social o que implica dizer que segue uma estrutura padrão, estabelecida por critérios institucionais. Nessa perspectiva, os planos de textos são responsáveis por permitir a (re)construção e a organização global de um texto, constituindo-se assim como um fator unificador da estrutura composicional de um texto e desempenhando um importante papel na composição macrotextual do sentido. Sobre os planos de textos considerados ocasionais, Adam (2011) cita como exemplo gêneros como editoriais, canções, poemas, novelas e romances entre outros por serem gêneros que, necessariamente, não obedecem às regras de composição, o que torna seus planos de textos inesperados e deslocados em relação a um gênero ou subgênero do discurso. Segundo Marquesi (2016, p. 116), na perspectiva da ATD, “[...] o plano de texto é responsável por organizar as sequências textuais e, consequentemente, as informações para que as intenções de produção sejam entendidas e materializadas.”. Para a autora, “[...] tanto o plano de texto como as sequências textuais concorrem, conjuntamente, para que o texto constitua um todo com sentido.”. 49 Adam (2011), por sua vez, compara a noção de plano de texto com a noção de sumário. O papel de um sumário, por exemplo, em artigo, dissertação, tese, ou livro de natureza diversa, é imprescindível para que o leitor/ouvinte tenha uma visão geral do texto/trabalho que o sucede. Mais precisamente, através de um sumário vemos as partes que constitui o todo, ou seja, é através da ordem ou sequência em que são dispostos os títulos das seções que temos uma visão geral de como o texto/trabalho está organizado e, assim depreendemos a sua composição através de sua estrutura e até o seu propósito comunicativo ou sua orientação argumentativa. Se tomarmos como exemplo o sumário desta dissertação e observarmos a ordem e a distribuição dos títulos das seções (primárias, secundárias etc.) – desde a introdução até as considerações finais – temos uma visão geral de como o trabalho está estruturado e, consequentemente, temos uma visão macro de sua finalidade, que é o estudo da realização da sequência narrativa – conforme o modelo de análise de Adam (2011) – no gênero sentença judicial. Semelhante a isso, acontece com artigos acadêmicos, os quais não possuem sumário, mas que são organizados em blocos ou seções separados por seus “entretítulos” o que também contribui para uma visão geral de como o texto está organizado e do que especificamente trata. Ou seja, tanto o sumário quanto os entretítulos usados em textos de natureza diversa são exemplos de um detalhamento do todo – exemplos de um plano de texto. Dessa forma, observando a necessidade e a importância da aplicação da noção de plano de texto para o estudo da estrutura composicional de um texto, utilizamo-nos desta noção na análise da composição do gênero sentença judicial. Acreditamos que através do plano de texto podemos ter uma visão mais ampla e da organização estrutural e composicional do gênero e temos também uma visão geral de sua composição no que se refere às sequências textuais que o constitui. 3.2.2 Noção de sequências textuais No âmbito dos estudos linguísticos, muitas são as abordagens a respeito das estruturas composicionais dos textos e do seu modo de organização interna. Segundo Cavalcante (2016, p. 62), essas estruturas que constituem “[...] uma forma de composição com uma função específica [...]” como, narrar, argumentar, descrever, instruir, explicar e apresentar uma conversa podem ser chamadas de 50 sequências ou de tipos (tipologias) textuais. A escolha dessas e outras terminologias varia de acordo com as abordagens teóricas e, consequentemente, de acordo com os critérios utilizados para estabelecer os seus respectivos níveis de análise (semântico, linguístico, etc.). Apesar de serem inúmeras as abordagens, o que não podemos deixar de observar é que há também bastantes traços convergentes entre elas e isso é decorrente da heterogeneidade de que os textos são constituídos, bem como de sua multiplicidade. A fim de compreendermos como os textos se estruturam e se organizam internamente, nesta seção apresentamos a noção de sequências ou tipos textuais na concepção de alguns autores. Para Bronckart (1999), uma sequência textual é constituída por unidades estruturais relativamente autônomas. Para o autor, essas unidades são formadas por fases, que pode ser desde uma única proposição a um conjunto delas. Rodrigues (2014, p. 21) observa que “O modo de organização do discurso postulado por Charaudeau ([1992] 2008) corresponde ao que Adam (2008, 1992) designa por sequência e Werlich (1973), por tipo textual.”. Adam (2011), a partir da abordagem explicitada no quadro teórico da ATD, situa as sequências textuais como [...] unidades textuais complexas, compostas de um número limitado de conjunto de proposições-enunciados: as macroproposições. A macroproposição é uma espécie de período cuja propriedade principal é a de ser uma unidade ligada a outras macroproposições, ocupando posições precisas dentro de um todo ordenado da sequência. (ADAM, 2011, p. 205). Para Adam (loc. cit.) “[...] as macroproposições que entram na composição de uma sequência dependem de combinações pré-formatadas de proposições.” E é justamente dessas diferentes combinações que resultam nas chamadas sequências que podem ser descritivas, dialogais, explicativas, argumentativas e narrativas. Ou seja, para oautor, o agrupamento das proposições, que são unidades textuais mínimas, formam estruturas maiores chamadas macroproposições, que constitui seu sentido em relação às outras, no que chama de “unidade hierárquica da sequência”. Antes de chegarmos à definição do termo sequência, elucidamos a distinção que o autor faz justamente entre uma sequência e um período. Para o autor “As proposições-enunciados estão sujeitas a dois grandes tipos de agrupamentos que 51 as mantêm juntas. [São elas, as] unidades textuais frouxamente tipificadas, os períodos, e [as] unidades mais complexas, tipificadas, as sequências [...].” (ADAM, 2011, p. 204 – grifos do autor). Para o autor, os períodos possuem uma “[...] amplitude potencialmente menor que as sequências [...]”, mas a diferença entre ambos não reside na extensão ou no “volume” e sim na “[...] complexidade do todo formado pela organização das proposições-enunciados.”. O autor explica que “[...] os períodos são unidades que entram diretamente na composição das partes de um plano de texto [...]” (Ibid., p. 204-205.). Adam (op. cit., p. 105-106) considera as proposições-enunciado ou proposições-enunciadas como unidades textuais mínimas. O autor rejeita a noção de frase (conforme compreendida pela gramática) por entender que seus “[...] limites não são verificáveis e cujas descrições são igualmente imprecisas”. Para ele, faz-se necessário o entendimento de uma unidade textual mínima “[...] que marque a natureza do produto de uma enunciação (enunciado) e de acrescentar isso à designação de uma microunidade sintático-semântica [...]” o que, na sua visão, o conceito de proposição os faz muito bem. O autor ainda enfatiza que ao falar de proposição-enunciado, não está definindo-a como “[...] unidade virtual como a proposição dos lógicos ou dos gramáticos [mas sim a define como] uma unidade textual de base, efetivamente realizada e produzida por um ato de enunciação, portanto, [...] um enunciado mínimo.” (Ibid., p. 106 – grifos do autor). Sobre as sequências textuais, Adam (op. cit.) afirma que são constituídas por unidades mínimas de composição textual chamadas proposições, e que o conjunto dessas proposições, as macroproposições, que são hierarquicamente relacionadas e relativamente independentes, podem constituir unidades mais complexas de análise; as chamadas sequências, que, por sua vez, podem ser descritivas, dialogais, argumentativas, explicativas e narrativas. A sequência é considerada uma estrutura por ser uma rede relacional hierárquica e também uma entidade relativamente autônoma. Ou seja, a sequência é uma rede relacional hierárquica porque é formada por partes (macroproposições) que se ligam entre si e ao mesmo tempo são ligadas ao todo que elas constituem. E é relativamente autônoma porque apesar de ter uma organização interna que lhe é 52 própria há uma relação de dependência com o conjunto maior do qual faz parte (o texto). Para Adam (2011, p. 205), as sequências textuais são reconhecíveis através de “relações macrossemânticas memorizadas por impregnação cultural”, ou seja, através de “esquemas de reconhecimento de estruturação da informação textual” compreendidos e partilhados pela escuta de textos, pela leitura e pela escrita. Ou seja, através da escrita, da leitura e da escuta de textos, memorizamos esses esquemas a partir dos quais somos capazes de reconhecer e identificar certas estruturas (sequências). 3.2.2.1 A sequência textual narrativa Antes de discorrermos sobre os pressupostos teóricos da ATD no que se refere à estruturação e definição das sequências textuais narrativas conforme o modelo prototípico de análise das sequências narrativas de Adam (2011) – as quais tomamos como base para análise das sequências narrativas no gênero sentença judicial – é importante salientarmos o início dos estudos da narrativa. O nosso objetivo nesta seção não é problematizar o conceito de sequência narrativa, mas sim mostrar, de forma sintética, a origem desses estudos e as contribuições de alguns dos principais autores para a consolidação dessa categoria de análise para os estudos linguísticos. Ao nos debruçarmos sobre os estudos da narrativa, ressaltamos a relevância dos estudos de Aristóteles (1992) pelo fato desse autor ter discorrido de maneira tão profunda sobre o que denominou tragédia, que até os dias de hoje suas considerações, definições e reflexões permanecem como ponto de partida para os estudos da narrativa. Os estudos sobre a narrativa foram retomados por Vladimir Propp ([1928] 1983) em um trabalho em que propôs o que ele chamou de morfologia dos contos de fada. Trata-se de uma análise descritiva de contos de fada russo, mais precisamente contos folclóricos ou contos de magia, (chamados pelo autor de contos maravilhosos) nos quais o autor se debruçou na descrição de suas partes e como essas partes eram constituídas, observando as relações dessas partes ligadas entre si e na constituição do todo. 53 Em suas conclusões, o autor constatou que, os contos possuíam ações sempre muito características e, por vezes repetitivas, o que o levou a entender que os contos emprestam suas ações a personagens diferentes – uma forma clara de afirmar que há uma espécie de “fórmula” ou um “modelo” preestabelecido ou convencional no que se refere às ações e às funções das personagens, em suma, às estruturas desses contos. Bremond (1966), em uma revisão aprofundada dos trabalhos de Propp ([1928] 1983), propôs uma estrutura triádica – um modelo para analisar os enunciados narrativos – que consistia em um esquema narrativo mais abrangente, aplicável a toda e qualquer narrativa, diferente de Propp que fez uma análise específica de cunho descritivo apenas dos contos de fadas russos. Basicamente, Bremond (op. cit.) divide uma estrutura narrativa em ‘antes’, ‘durante’ e ‘depois’ o que corresponde à ordem cronológica de um evento, ou seja, o começo, o desenvolvimento e o término respectivamente. Porém em análises fundamentadas no modelo triádico de Bremond (1966; 1973), Adam (1987b) observa que na leitura de textos (narrativos) existe uma espécie de processo de vai e vem, em oposição a um processo cognitivo somente linear. O autor reconhece ainda que esse processo de vai e vem busca identificar termos antecedentes e suas consequências; os agentes, suas ações e as consequências dessas ações. Essas reflexões feitas pelo autor levaram-no à elaboração dos conceitos que fundamentam a sua proposta analítica de um protótipo narrativo e, consequentemente, da definição de conceitos chave, como proposição narrativa, macroproposição narrativa, e sequência narrativa. Segundo Vieira (2001, p. 602) “Os conceitos de macroestrutura narrativa e de macroproposição narrativa foram cunhados por Adam (1984 e 1985)46 e aplicados às teorias do enunciado narrativo de diversos autores.”. Por seu turno, Labov e Waletzky (1967) propuseram uma estrutura narrativa com cinco momentos (Orientação, Complicação, Avaliação ou Ação, Resolução e Conclusão ou Moral). Grosso modo, podemos descrever esses momentos presentes em um texto narrativo da seguinte forma: a Orientação encontra-se no início da narrativa e trata dos elementos contextualizadores como o espaço, o tempo, as personagens e suas características; a Complicação é o momento em que ocorre 46 Referência citada conforme Vieira (2011). 54 alguma situação que modifica o estado inicial das coisas – é o que dá início à narrativa propriamente dita; a Ação se refere à transformação de uma nova situação (provocada pela complicação) e a Avaliação se refere às reações/atitudes das personagens em resposta também a essa complicação; o novo estado em que chega a narrativa é chamado de Resultado – uma espécie de contraponto com o estado inicial da estória; a Conclusãoou a Moral é a elaboração final da narrativa com base nas consequências da estória. O modelo de análise do texto narrativo proposto por esses autores é frequentemente utilizado por pesquisadores que trabalham com a narrativa oral. Nesse trabalho de 1967, por exemplo, os autores coletaram uma grande quantidade de narrativas orais de crianças e adultos para fazer suas análises. Labov e Waletzky (op. cit., p. 27) definem uma narrativa mínima como “[...] uma sequência de duas proposições narrativas restritas, temporalmente ordenadas, de maneira que uma mudança em sua ordem resultará na mudança na sequência temporal da interpretação semântica original [...]”. Ressaltamos, ainda que, na Sociolinguística, Labov (1972, 1997) desenvolveu uma das abordagens mais influentes das já propostas nos estudos da linguagem para o estudo da narrativa. Para o autor, a narrativa é “[...] um método de recapitular a experiência passada, combinando uma sequência verbal de orações na ordem em que os eventos ocorreram [...]” (LABOV, 1972, p. 359-360). Nessa perspectiva, uma narrativa mínima deve conter, ao menos, uma sequência de duas orações narrativas, que expressem complicação e resolução, independentes e temporalmente ordenadas, ou seja, entre essas duas orações deve haver uma espécie de juntura ou sucessão temporal. Entretanto, o autor destaca que uma estrutura narrativa pode ser composta por outros elementos além das orações narrativas, como: resumo, orientação, complicação, avaliação, resultado ou resolução e coda. Para Bruner (2014, p. 30) a coda é “[...] uma avaliação retrospectiva do que o todo poderia significar – um recurso que também devolve o espectador ou o leitor do tempo e do espaço da narrativa para o aqui e o agora da narração.” Rodrigues (2014, p. 19) salienta ainda que a proposta de análise das sequências narrativas proposta por Adam (1992; 2011) é bastante próxima do modelo proposto por Labov (1972), diferenciando-se, basicamente, na seção “coda”. 55 Segundo Cunha (2015), Labov (1972) entende que a orientação, necessariamente, não deve se fazer presente apenas no início do texto, mas distribuída por todo ele por ser considerada como uma espécie de oração livre; e a avaliação, no entendimento do autor, passa a ser o terceiro elemento mais importante da narrativa (depois da complicação e da resolução), pois indica a sua razão de ser, ou seja, o motivo que justifica a estória estar sendo narrada. A avaliação, assim, não se refere apenas às reações/atitudes das personagens em resposta a uma complicação, ela passa a ser uma suspensão da ação iniciada na complicação, mas, sobretudo passa a ser um recurso usado pelo narrador para chamar a atenção do ouvinte a respeito dos acontecimentos centrais, já expressos em um primeiro momento, e em virtude do suspense criado, pode trazer a resolução com uma força maior. Para o autor, tanto as orações narrativas quanto as chamadas orações livres possuem uma espécie de força avaliativa, e isso é possível através de elementos dêiticos, comparadores, correlativos e explicativos, ou seja, através das escolhas lexicais feitas. Para Cunha (2015), o resumo é entendido como sendo a parte do texto narrativo que [...] sinaliza para o ouvinte que um turno de maior extensão se inicia, bem como [sinaliza] a natureza narrativa desse turno. Além disso, ele expressa o ponto (o interesse, o objetivo) da história que será contada. [...] a coda sinaliza o final da sequência de ações que se iniciou na complicação e permite ao locutor passar do mundo da narrativa para o mundo da interação. (Ibid., p. 42 – grifo do autor). Todorov ([1971] 2003), também, por sua vez, aponta para a divisão do enunciado narrativo em cinco momentos. Para ele A intriga mínima completa consiste na passagem de um equilíbrio para outro. Uma narrativa ideal começa com uma situação estável que uma força qualquer vem perturbar. Disso resulta um estado de desequilíbrio; pela ação de uma força com sentido contrário, o equilíbrio é restabelecido; o segundo equilíbrio é semelhante ao primeiro, mas os dois nunca são idênticos. Há, por conseguinte, dois tipos de episódios numa narrativa: os que descrevem um estado (de equilíbrio ou de desequilíbrio) e os que descrevem a passagem de um estado para outro. (Ibid., p. 169-170). 56 Como podemos observar, há convergências entre Labov e Waletzky (1967), Labov (1972; 1997) e Todorov ([1971] 2003) no que se refere às descrições dos momentos de uma narrativa, principalmente no que se refere ao desenrolar de uma intriga, ou seja, da quebra de uma situação de equilíbrio ao desfecho ou à resolução dessa intriga, ou seja, para esses autores, a intriga (complicação ou perturbação) é condição para se instaurar a narrativa. Adam (1985) considera que a questão de um estado de equilíbrio, citada por Todorov (op. cit.), não é obrigatória para iniciar uma narrativa, de modo que ela (a narrativa) também pode começar como um estado de “desequilíbrio”. Nessa perspectiva, para Adam (op. cit.), o que define efetivamente uma sequência narrativa elementar é a mudança de estado de coisa e isso passa de uma situação de “Estado inicial” para uma situação de “Estado final” intermediado por uma “Transformação ativa ou passiva”. Ou seja, um antes, um durante e um depois. Bruner (2014, p. 26-27 – grifo do autor) assevera que [...] uma história deve começar com uma ruptura na ordem esperada das coisas – a peripeteia de Aristóteles. Algo de errado acontece; se não, não há nada a ser dito. A história abrange os esforços de se lidar com essa ruptura e com as suas consequências. Finalmente, deve haver um desfecho, algum tipo de resolução. Segundo Cunha (2015), a proposta de Adam (1992) busca contribuições em alguns dos autores citados anteriormente e também em estudiosos da cognição para defender a ideia de que para possibilitar a identificação de determinados tipos de sequências, ativamos conhecimentos sobre esquemas sequenciais prototípicos tanto para compreendermos quanto para produzirmos um texto. Entendemos que em alguns pontos a proposta de análise da sequência narrativa proposta por Adam (2011) se assemelha ao modelo narrativo de experiência pessoal proposto por Labov (1997), porém concordamos com Rodrigues (2016, p. 133) ao entender que essas propostas [...] não se equivalem indistintamente porque, ao certo, a proposta de Labov (1997) foi elaborada a partir de experiências vicárias do enunciador. [...] Diferentemente, a sequência narrativa proposta por Adam (2011b) perpassa as experiências pessoais, a biografia do enunciador. 57 As abordagens das chamadas tipologias textuais, predominante nas décadas de 70 e 80, postulavam que os textos podiam ser classificados de forma genérica como, narrativo, descritivo ou argumentativo, conforme suas homogeneidades, ou seja, essas classificações eram dadas por entender que os textos possuíam uma homogeneidade composicional no que se refere às produções discursivas. Na contramão desse pensamento, Adam (1999) defende a hipótese de que um texto é uma estrutura complexa e que por isso não pode ser considerado homogêneo, sobretudo no que se refere ao seu tipo, ou seja, que na composição de um determinado texto há diversas sequências que podem ser mais ou menos prototípicas em relação a diferentes protótipos sequenciais de base. E é com base nisso, que o autor afirma que dada a predominância de determinada sequência prototípica em um determinado texto poderá se dizer que este é mais ou menos narrativo, mais ou menos argumentativo, mais ou menos explicativo, mais ou menos dialogal ou mais ou menos descritivo. Também é importante acrescentar que, para Adam (op. cit.), as sequências prototípicas são formadas por um conjunto de macroproposições e estas (macroproposições são formadas) por proposições (enunciado ou enunciadas) hierarquicamenteorganizadas, e que a natureza dessas macroproposições é o que permite definir ou caracterizar os protótipos. Esse olhar atento à complexidade da organização interna dos textos é considerado pelo próprio autor como o grande mérito de sua proposta. Como já mencionado anteriormente, os estudos que deram origem ao protótipo da sequência narrativa proposto por Adam (1992; 1999) foram influenciados pelos estudos da narratologia literária clássica (Aristóteles, Propp, Bremond, entre outros), mas, sobretudo pelos estudos de Labov (1972) e, com base nesses estudos, Adam (1992; 1999) propõe os seguintes critérios, os quais acredita serem necessários para se definir toda e qualquer sequência narrativa: a) Sucessão de acontecimentos: ou seja, para que ocorra uma narrativa é necessário que haja uma série de acontecimentos relatados pelo narrador, ordenados em ordem cronológica; b) Unidade temática: ou seja, uma narrativa precisa ter um direcionamento no que se refere ao tema e, a garantia dessa unidade é dada por um personagem humano ou que possua características humanas realizando uma série de ações em 58 um tempo passado (o que corresponde ao critério “Sucessão de acontecimentos”) e que também possua características (predicados); c) Predicados transformados: ou seja, durante a narrativa o personagem deve sofrer mudança dos predicados que lhes foram primeiramente atribuídos. É importante ressaltar que essa transformação não significa a ‘inversão’ de suas características, como por exemplo, a narrativa descrever a personagem como triste e ao término esse personagem encontrar-se feliz; d) Um processo: para que haja mudança nos predicados da personagem e para que a narrativa ocorra com uma unidade temática, é necessário que haja um processo, ou seja, um ‘durante’, algo entre o início e o fim; e) A causalidade narrativa de uma intriga: ou seja, entre os acontecimentos temporais, a narrativa deve ser permeada por acontecimentos de natureza causal, ou seja, acontecimentos que funcionem como uma espécie de reação ou uma resposta a acontecimentos anteriores, o que faz com que a narrativa possua tensão própria; f) Uma avaliação final (explícita ou inferida): toda narrativa é permeada por uma intenção, um objetivo (do narrador) de produzir algum efeito sobre seu “narratário”, quer seja fazê-lo crer, quer seja fazê-lo saber algo. É esse objetivo que justifica tanto o porquê de se contar determinada história quanto o porquê de se dá sentido a ela, e esse objetivo pode ser explicitado ou inferido no texto através do que o autor chama de “avaliação final” ou moral. Adam (2009), ao observar que uma narrativa não consiste apenas em macroproposições de base narrativa que corroboram para as sucessões de acontecimentos, conclui que essa estrutura não é homogênea. O autor destaca o papel da interação através das macroproposições de ordem descritiva (lugares e personagens), ao observar que isso indica uma necessidade pragmática (por parte do narrador), uma espécie de vontade de ser compreendido, e mais do que isso, de convencer o leitor ou o ouvinte e até mesmo de justificar por que a história deve ser narrada (moral). O autor também parte do princípio dialógico de Bakhtin ([1979] 2003), o qual compreende que o discurso é sempre produzido para o outro. Por considerar a dimensão pragmática nas estruturas narrativas, Adam (2009) diverge das concepções dos estruturalistas, os quais defendiam que uma narrativa seria indiferente ao contexto. 59 Para Adam (2011, p. 207) as sequências narrativas, assim como as outras sequências, são “[...] atos de discurso não-primitivos [...], mas intermediados entre o objetivo ilocucional primário da asserção [...] e o objetivo último do ato assertivo [...]”. Para ele, em sentido mais amplo, toda narrativa pode ser considerada [...] uma exposição de ‘fatos’ reais ou imaginários, mas essa designação geral de ‘fatos’ abrange duas realidades distintas: eventos e ações. A ação se caracteriza pela presença de um agente – ator humano ou antropomórfico – que provoca ou tenta evitar uma mudança. O evento acontece sob o efeito de causas, sem intervenção intencional de um agente. (Ibid., p. 225, grifos do autor). O referido autor justifica que essa teoria das sequências surgiu como reação à excessiva generalidade das tipologias de texto. E ao descrever as formas tidas como elementares de textualização, a saber, as narrativas, descritivas, argumentativas, explicativas ou dialogais, afirma que suas propostas “[...] inscreviam-se no prolongamento linguístico da teoria psicocognitiva dos esquemas [...]”, que tem sua origem nos trabalhos de autores como Sir Frederic Bartlett (1932) e desenvolvida, principalmente por Walter Kintsch; Teun A. Van Dijk (1983), além de Fayol (1985; 1997) e Coirier et al. (1996). Adam (2011) explica ainda que Segundo essa teoria, em um primeiro nível, um sentido ou uma representação proposicional e um valor ilocucionário são atribuídos às proposições. Em um segundo nível, em ciclos de processamento, esses conjuntos de proposições são condensados para serem armazenados na memória de trabalho e permitirem o prosseguimento de enunciados seguintes. O estabelecimento desses agrupamentos semânticos é facilitado em um último nível, pelo reconhecimento de organizações convencionais esquemáticas que T. A. Van Dijk propôs chamar ‘superestruturas’. (Ibid., p. 206 – grifo do autor). Adam (2011) critica o termo “superestruturas” usado por van Dijk (1983) para sequências como narração e argumentação, bem como para gêneros textuais como o soneto ou plano de um artigo científico. Adam (2011) ressalta que essa noção engloba assim “unidades textuais demasiadamente diferentes”, e por esse motivo afirma que “Os conceitos de plano de texto […] e de sequência têm por objetivo esclarecer a natureza desses dois níveis de agrupamento das unidades textuais.” (ADAM, 2011, p. 206). 60 O autor ainda destaca a relevância de sua abordagem quando cita o fato de que narrar, descrever, argumentar e explicar “[…] são macroações sociodiscursivas que as teorias clássicas dos atos de discurso não permitem descrever.” e continua frisando que “Apesar de se tratar de capacidades cognitivas e pragmáticas fundamentais na gestão das relações interpessoais, essas competências estão longe de ocupar um lugar importante na teoria dos atos de discursos.” (p. 207). Para Adam, (2011, p. 225) “As diferentes formas de construção da narrativa dependem de seu grau de narrativização.” Segundo o autor, uma narrativa pode ser constituída de diferentes formas e isso diz respeito ao seu grau de narrativização ou a sua complexidade narrativa. Uma narrativa que apenas elenca uma série de ações ou eventos possui um baixo grau de narrativização, já uma narrativa que possui todas as cinco macroproposições narrativas de base constitui uma narrativa com um alto grau de narrativização. Essas macroproposições narrativas de base (Pn) correspondem, segundo Adam (op. cit., p. 226) “[...] aos cinco momentos (m) do aspecto: antes do processo (m1), o início do processo (m2), o curso do processo (m3), o fim do processo (m4) e, por ultimo, depois do processo (m5).”. Assim, a fim de visualizarmos os limites e o núcleo do processo narrativo expomos o esquema 18 de Adam (2011) através da figura 2: Figura 2 – Esquema 18: Limites e núcleo do processo narrativo Fonte: Adam (2011, p. 226). A “Pn1” corresponde ao momento da Situação Inicial do enredo. É a primeira macroproposição e corresponde ao primeiro momento da narrativa, ou seja, ao 61 momento anterior ao processo propriamente narrativo. É a parte do texto que situa o leitor sobre as personagens ou sobre os participantes da narrativa e sobre o seu estado comportamental dentro de uma história, bem como sobre o lugar e o tempo em que essa história acontece. As informaçõescontidas nessa macroproposição, geralmente, respondem questões como “quem?” “o quê?” “onde?” e “quando?”. A Pn1 também é responsável pela apresentação de um estado de coisas equilibrado, porém não em si mesmo, mas em relação contrária a um desequilíbrio, a uma perturbação que venha alterar sua condição, que seria a Pn2 ou o Nó. A “Pn2” ou o Nó é a segunda macroproposição e corresponde ao segundo momento da narrativa ou o início efetivo do processo narrativo. O Nó é o desencadeador da intriga da narrativa – por isso indispensável – pois é o momento da complicação, transformação do estado de equilíbrio; nesse momento inicia-se o processo propriamente dito da narrativa, no qual se dá a trama, e pode se criar uma espécie de tensão. Esse momento também é responsável pela causalidade narrativa de uma colocação em intriga, por meio da “quebra” de uma situação inicial equilibrada. Silva (2012, p.135) considera que a complicação provocada pelo Nó é “[...] considerada a macroproposição narrativa por excelência”. A “Pn3” é a terceira macroproposição e corresponde ao terceiro momento da narrativa, entendido por Adam (2011) como o curso do processo narrativo. Esse momento corresponde à Re-ação ou à Avaliação dos envolvidos na narrativa (seja de quem age, seja de quem sofre, ou de quem comenta a ação vivida/presenciada) em resposta ao Nó que se estabeleceu no enredo. Ou seja, a Re-ação (Pn3) consiste na ação ou na reação da personagem e a Avaliação (também Pn3) consiste no fato de a personagem, ao invés de agir, apenas avaliar a situação provocada pelo Nó (Pn2); ambos estão no centro da narrativa e funcionam como uma resposta, uma espécie de consequência provocada pela Pn2. A “Pn4” é a quarta macroproposição e corresponde ao quarto momento da narrativa. É nesse momento que ocorre o Desenlace dos acontecimentos; é a resolução ou a solução do conflito criado pela quebra do estado de equilíbrio. Esse momento marca o fim do processo narrativo e representa a introdução de acontecimentos que reduzem ou solucionam a situação de tensão ou de conflito criada no Nó (Pn2). Segundo Adam e Revaz (1997, p. 80), 62 Se o desenlace está claramente expresso, a Situação final não tem forçosamente necessidade de ser explicitada. Ao invés, o impasse pode ser estabelecido muito excepcionalmente sobre o Desenlace, na condição de a Situação final estar determinada. Em contrapartida, o Nó desencadeador da acção apresenta um caráter obrigatório. A “Pn5” ou a fase de Situação Final é a quinta macroproposição e corresponde ao quinto momento da narrativa ou ao momento depois do processo. Essa macroproposição é a parte textual que marca o final da narrativa. Momento em que a nova situação de equilíbrio é instaurada. A Situação final também explicita o novo estado equilibrado, que não é necessariamente “positivo” para a personagem principal; esse momento é alcançado na fase de resolução da intriga e é também o momento em que a narrativa efetivamente se encerra. Um outro ponto importante que os autores abordam é a diferença entre a estrutura da intriga e tensão dramática. Isso porque Bourneuf e Ouellet (1989 apud ADAM; REVAZ, 1997, p. 82) ao afirmar que “A intriga, enquanto encadeamento de factos, assenta na presença de uma tensão interna entre esses factos.” consideram a tensão como um elemento constitutivo da intriga. Para Adam e Revaz (1997), considerar a tensão como parte constitutiva da intriga é uma fazer “confusão”, pois são noções diferentes, de modo que os autores entendem que a tensão dramática está associada a uma noção essencialmente semântica, enquanto que a noção de estrutura de intriga é puramente composicional. Por isso há narrativas que podem conter uma intriga sem necessariamente conter uma tensão dramática, assim como, por outro lado, um texto pode apresentar uma dimensão dramática sem necessariamente ocorrer uma intriga. Isso ocorre quando “[...] os acontecimentos são relatados linearmente e nenhum acontecimento particular constitui o nó.” (p. 82). Quanto à identificação dessas macroproposições na superfície textual, segundo Adam (2011, p. 228 – grifos do autor) A aplicação do esquema de enredo é um processo interpretativo de construção de sentido. Esse processo, guiado pela segmentação e por marcas linguísticas muito diversas, é submetido a escolhas e decisões de estruturação centradas na identificação de um núcleo e um desenlace. Para o autor, identificar as macroproposições narrativas em uma dada sequência textual narrativa é uma questão de interpretação, e isso se dá por meio da interação com o texto, ou seja, através da produção/construção de sentidos que 63 se faz pelo uso de diferentes marcas linguísticas e também através de processos de segmentação na superfície textual. Para ele, esse processo de identificação das macroproposições é feito, essencialmente com base na identificação de, ao menos, dois momentos, o núcleo (Nó) e o desenlace. Adam (2011) também chama a atenção para uma espécie de par opositivo na sequência narrativa. Mais precisamente o autor evidencia duas relações simétricas entre as cinco macroproposições narrativas: a primeira se dá entre o Nó (Pn2) e o Desenlace (Pn4) e a segunda se dá ente a Situação inicial (Pn1) e a Situação final (Pn5). O que podemos observar é que essas relações simétricas trazem uma espécie de contraste entre momentos específicos da narrativa, como é caso do Nó (Pn2), que corresponde a uma força que vem perturbar o estado de equilíbrio de coisas (Pn1), e o Desenlace (Pn4) que, intermediado pela Re-ação ou Avaliação (Pn3), é justamente o momento em que se instaura uma nova situação resultante dessa Re-ação já em resposta ao Nó (Pn2) criado. A segunda relação simétrica traz o contraste ente a Situação inicial (Pn1), que é o momento inicial da narrativa, no qual há uma situação de equilíbrio – não em si, mas em oposição ao Nó (Pn2) – e a Situação final (Pn5), que, apesar de também trazer uma situação de equilíbrio, “[...] mostra o quadro narrativo após as modificações ocasionadas no decorrer do processo narrado.” (OLIVEIRA, 2016, p. 84). Essa revisão da complexidade da narrativa é uma espécie de ponderação aos postulados de Aristóteles (1992), o qual falava de um início, um meio e um fim em uma narrativa. Basicamente, a forma da intriga clássica, proposta por Aristóteles, é composta por três momentos: o prólogo ou uma exposição de um determinado assunto, um nó e um desenlace. Esses três momentos caracterizavam uma ação épica ou trágica. A fim de ilustrar essas relações simétricas entre as macroproposições citadas, a saber entre a Pn1 e a Pn5 e também entre a Pn2 de a Pn4, Adam (2011) propõe então o resultado de duas tríades encaixadas, como podemos observar na figura 3: 64 Figura 3 – Esquema 19: Relações simétricas entre as macroproposições narrativas Fonte: Adam (2011, p. 228) Além das cinco macroproposições de base narrativa apresentadas, Adam considera a existência de casos de uma Entrada prefácio (Pn0) e de uma Avaliação final (PnΩ) ou Moralidade. Segundo o autor, “A inscrição de uma sequência narrativa em um cotexto dialogal (oral, teatral ou de uma narração encaixada em outra) traduz-se pelo acréscimo, na abertura, de uma Entrada prefácio ou de um simples Resumo [...]”. Para ele, ao término da narração, a Avaliação final “assume a forma da Moralidade das fábulas, ou se traduz a um simples Encerramento.” (Ibid., p. 229 – grifos do autor). É importante destacar que essas macroproposições que garantem a entrada e a saída do mundo narrado já haviam sido descritas por Labov e Waletzky (1967) e, posteriormente, foram detalhadas em Adam (1994, p. 182-187). (Cf. ADAM, 2011, p. 229). Com vistas a complementar o esquema anterior, o qual mostra cinco macroproposições de base narrativa, Adam (2011) propõe o seguinteesquema ampliado para dar conta de uma trama de alto grau de complexidade. Esse esquema, além das cinco macroproposições já citadas, inclui a Entrada prefácio (Pn0) e a Avaliação final ou Moralidade (PnΩ) e suas respectivas relações simétricas evidenciadas através de setas horizontais. 65 Figura 4 – Esquema 20: Estrutura narrativa complexa Fonte: Adam (2011, p. 229) Como já exposto anteriormente, um texto narrativo nem sempre comportará todas as cinco macroproposições narrativas de base, como também nem sempre conterá a Entrada prefácio ou Resumo (Pn0) e o Encerramento ou Avaliação final (PnΩ). Também é importante esclarecer que um texto chamado narrativo, necessariamente, não é composto apenas por macroproposições narrativas, mas é chamado de narrativo por constatar que em sua estrutura há a predominância de macroproposições de natureza narrativa. Sobre o “efeito dominante”, Adam (2011, p. 276) afirma que esse “[...] é, em termos de sequências, determinado seja pelo maior número de sequências de um certo tipo que aparecem no texto, seja pelo tipo de sequência encaixante (que abre e fecha um texto).”. Para Adam (2011), um texto narrativo não é em si homogêneo. Ele pode ser, sim, predominantemente narrativo (composto por uma estrutura hierárquica complexa), o que implica a presença de outras formas de construções sequenciais ou não. Essa heterogeneidade nos textos pode se manifestar em forma de sequências encaixadas e, nesse caso, um texto predominantemente narrativo pode 66 conter, em níveis menores, sequências narrativas encaixadas em sua composição (ADAM; HEIDEMANN, 2011; ADAM; REVAZ, 1997; ADAM, 2011). Sobre a narrativa encaixada, Adam (2011, p. 273-274) afirma que [...] pertence a um tipo particular da tradição oral: o conto etiológico, gênero narrativo determinado por um objetivo ilocucionário explicativo. Os contos etiológicos têm por finalidade dar uma resposta às perguntas que o homem se faz sobre as ações humanas, tanto as mais comuns como as mais extraordinárias. Pela narrativa, é o agir humano que encontra uma explicação [...]. Para Adam e Revaz (1997, p. 104), em se tratando da parte narrativa do discurso, na perspectiva da retórica antiga, a narratio possui a função de convencer. Segundo Aristóteles “Ela consiste em dizer tudo o que puder esclarecer o facto em causa ou tudo o que fizer crer que ele foi consumado, prejudicial ou ilegal ou como se queira apresentá-lo.” (ARISTÓTELES, Retórica, livro III, 1417 a apud ADAM; REVAZ, 1997, p. 104). Para os autores, “Toda a enunciação narrativa é determinada pelo fim em vista. A parte informativa da narrativa é acompanhada de três grandes finalidades: RECREATIVA, EXPLICATIVA e ARGUMENTATIVA.” (ADAM; REVAZ, 1997, p. 105 – grifos dos autores). Como a sentença judicial claramente não se utiliza da finalidade recreativa da narrativa, elucidamos aqui nesta seção quais seriam então seus aspectos explicativos e argumentativos. Adam e Revaz (1997, p. 106) falam de uma categoria de narrativa que tem por finalidade explicar os enigmas do mundo. Para os autores, as narrativas presentes nos mitos, nas lendas ou nos contos são chamadas de narrativas etiológicas. Os autores entendem que “A característica desse tipo de narrativa é a coexistência de dois mundos distintos [...]”, a saber, um real e outro fictício. Nessa perspectiva, ao mundo real referem-se os enigmas que têm para se resolver. Segundo os autores, os contos etiológicos, às vezes, começam por questões localizadas no “aqui-agora”. Já no que se refere ao mundo fictício, são elaboradas as respostas para os enigmas. Sobre a narrativa com finalidade argumentativa, os autores advertem que ela tem sua origem em uma das figuras antigas de retórica, o chamado exemplum ou simplesmente ‘exemplo’ que é um meio de persuadir. Aristóteles, no livro Retórica (livro I, cap. 2 apud ADAM; REVAZ, 1997, p. 107) afirma que “Todos os oradores, de 67 facto, para persuadirem, fazem demonstrações através de exemplos ou de antitemas; não há outros meios senão estes.”. Adam e Revaz (1997) explicam ainda que o exemplo age pela indução, ou seja, pela analogia, que pode ser real ou fictícia; já o antitema “faz apelo pelo raciocínio dedutivo.”. Como anteriormente já foi explicitado, a sentença judicial é um documento através do qual o Estado, representado pela pessoa do juiz de Direito, procura decidir o justo. Não podemos negar que, independente de ser uma sentença judicial ou um resumo de uma determinada partida de futebol, a forma como um discurso é organizado diz muito de sua visada argumentativa, ou seja, a fim de conduzir o leitor e/ou ouvinte a um determinado juízo de valor ou assumir uma determinada posição, o orador (em seu sentido mais amplo) apresenta os fatos sob uma determinada perspectiva com o intuito de convencê-lo, ou seja, nessa exposição de fatos é comum que alguns desses fatos sejam destacados enquanto que outros sejam omitidos. Entretanto, nosso foco aqui neste trabalho não é discorrer sobre o aspecto argumentativo da sentença judicial, mas sim apresentar a sua estrutura composicional e sua organização através da elaboração de um plano de texto e, sobretudo, das realizações das sequências textuais narrativas presentes em seu relatório. Nessa direção, adiantamos que ao usarmos o termo ‘sequências narrativas’ (no plural), não nos referimos apenas ao fato de termos três sentenças judiciais como corpus dessa pesquisa e consequentemente, seus respectivos três relatórios, mas nos referimos, sobretudo, ao fato de um mesmo relatório comportar mais de uma sequência narrativa. Dito de outra forma, entendemos que, em um nível global, uma sequência narrativa se configura na estrutura composicional do relatório da sentença, mas que, além dessa narrativa de nível global, existem sequências narrativas menores, as chamadas narrativas encaixadas que funcionam como um importante fator de organização textual do relatório e do gênero sentença judicial como um todo. Nesta seção fizemos uma breve revisão a cerca dos estudos da narrativa que serviram como base e que deram origem ao protótipo de análise das sequências narrativas proposta por Adam (1992; 1999; 2008; 2011). Nesse percurso histórico e teórico, elucidamos a origem dos estudos da narrativa com Aristóteles ([335 a. C.] 2007), Propp ([1928] 1983), Bremond (1966), Labov e Waletzky (1967), Labov 68 (1972; 1997) e Todorov (1971; 1973) e suas respectivas considerações a cerca do texto narrativo. Como vimos, esses estudos foram de fundamental importância para o desenvolvimento da proposta de análise das sequencias textuais desenvolvida por Adam. Como já exposto, o objetivo dessa pesquisa é analisar como ocorrem as sequências narrativas no gênero sentença judicial à luz dos estudos da Análise Textual dos Discursos – sobretudo com base no modelo de análise das macroproposições de base narrativa proposto por Adam (2011). Para o autor, as sequências textuais narrativas podem ser constituídas por cinco ou mais macroproposições narrativas de base, as quais correspondem aos cinco ou mais momentos de um processo narrativo. Segundo o autor, uma narrativa composta por cinco macroproposições possui um alto grau de narrativização; diferente de uma narrativa com um baixo grau de narrativização que apenas elenca ações e eventos sem problematizá-los. 69 CAPÍTULO IV 4 METODOLOGIA Neste capítulo, especificamos a natureza da pesquisa; esclarecemos os procedimentos e os critérios utilizados na coleta do texto/documento (sentença judicial) e detalhamos as categorias e os procedimentos de análise utilizados. 4.1 NATUREZA DA PESQUISA A pesquisa possui caráter documental e se orienta pelos métodos do raciocínio indutivo e dedutivo, apresentando um caráter qualitativo e descritivo. O caráterdocumental da pesquisa reside no fato de trabalharmos com documentos legais (Cf. CORSETTI, 2006). O corpus desta pesquisa é composto por uma única peça processual conhecida na doutrina jurídica como sentença judicial. Para as análises, tal documento passou por um tratamento específico que, entre outros procedimentos, incluiu o apagamento dos nomes das partes envolvidas, a fim de manter-lhes a identidade preservada. Quanto ao método do raciocínio indutivo, Severino (2007, p. 89) afirma que consiste em “[...] uma forma de raciocínio em que o antecedente são dados e fatos particulares e o consequente uma afirmação mais universal.” Ou seja, partimos de fatos mais particulares para chegarmos à conclusões mais gerais. Isso implica dizer que os resultados obtidos ao fim dessa análise permitirão uma interpretação mais ampla a respeito da estruturação composicional da sentença judicial. De acordo com os estudos clássicos sobre o método dedutivo, este é definido como sendo um procedimento de estudo que vai do geral para o específico, ou seja, parte-se de princípios já estabelecidos (tidos como verdadeiros e inquestionáveis) para se chegar a determinadas conclusões. Ainda sobre esse método, Severino (2007, p. 88) afirma que “[...] é um raciocínio cujo antecedente é constituído de princípios universais, plenamente inteligíveis; através dele se chega a um consequente menos universal.”. 70 Nessa perspectiva, partimos de premissas de que a tessitura do relatório da sentença é composta por proposições narrativas a fim de aprofundarmos as análises e constatar como essas proposições se encadeiam e como formam as chamadas sequências textuais: se com simples encadeamento de enunciados ou com um alto grau de narrativização, por exemplo. Dessa forma, partimos do que já é conhecido e do que já foi constatado em outras pesquisas, a saber, que – grosso modo – existe uma narrativa do processo no relatório da sentença. E a partir disso e através de uma análise minuciosa com a aplicação de um modelo de análise específico, pretendemos chegar a conclusões mais específicas e ainda pouco exploradas. A abordagem da pesquisa apresenta um caráter qualitativo, o que nos possibilita uma análise mais detalhada do material, e também nos possibilita pormenorizar com mais detalhes as interpretações de como se processa e se desenvolve o fenômeno da sequência narrativa no gênero. Segundo Oliveira (2016, p. 37), a pesquisa ou a abordagem qualitativa é “[...] um processo de reflexão de análise da realidade através da utilização de métodos e técnicas para compreensão detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico e/ou segundo sua estruturação.”. Quanto à pesquisa descritiva, Charoux (2004) afirma que essa [...] busca descrever/narrar/classificar características de uma situação e estabelece conexões entre a base teórico-conceitual existente ou de outros trabalhos já realizados sobre o assunto e os fatos coletados. Esse tipo de pesquisa pressupõe uma boa base de conhecimentos anteriores sobre o problema estudado, já que a situação-problema é conhecida, bastando descrever seu comportamento. As respostas encontradas nesse tipo de pesquisa informam como determinado problema ocorre. (CHAROUX, 2004, p. 39, grifos da autora). Segundo Rudio (1985, p. 57), “Descrever é narrar o que acontece.” Para o autor, a “[...] pesquisa descritiva está interessada em descobrir e observar fenômenos, procurando descrevê-los, classificá-los e interpretá-los.”. Assim, para obtermos um detalhamento maior e mais aprofundado sobre os estudos da sequência narrativa proposta por Adam (2011) e, consequentemente, a aplicabilidade de seu modelo prototípico no relatório do gênero sentença judicial, debruçamos-nos em pesquisas já realizadas sobre o assunto, em artigos, capítulos 71 de livros, dissertações, teses e em periódicos em geral disponíveis na internet e em publicações impressas. 4.2 SELEÇÃO DO CORPUS O corpus desta pesquisa é composto por uma sentença de natureza criminal, coletada do Banco de Sentenças do site do Portal da Justiça Federal da 5º Região – Rio Grande do Norte (JFRN). A seleção do corpus desta pesquisa deu-se em quatro momentos, e, em cada um desses momentos, foram adotados novos critérios com vistas a delimitar e reduzir o número de sentenças consideradas necessárias para análise e obtenção dos resultados pretendidos. Antes de tudo, ao entrarmos no sítio da JFRN e clicarmos na opção Banco de Sentenças, fomos direcionados a uma página, a qual solicitou informações sobre Vara, Classe, Data da Sentença, Magistrado e Palavras-Chave para que assim pudéssemos fazer um recorte, ao máximo preciso, do que buscávamos encontrar. Consideramos o preenchimento dessas informações como o primeiro momento da seleção do nosso corpus de pesquisa. No caso do estado do Rio Grande do Norte, ao todo são oito (8) varas distribuídas por cidades como Natal (capital do estado), Ceará-Mirim (município da região metropolitana da capital), Mossoró, Caicó, Assu e Pau dos Ferros (todas do interior do estado). No momento de preenchimento da opção Vara optamos por ‘todas’. Quanto à Classe da sentença, optamos por ‘ações criminais’. Como a seleção do corpus ocorreu no dia 05 de maio de 2015, procuramos fazer um recorte de exatos doze (12) meses, ou seja, do período de 05 de maio de 2014 a 05 de maio de 2015 – esse foi o único item de preenchimento obrigatório. No item Magistrados, escolhemos a opção ‘todos’, que, inclusive, assim como a opção ‘vara’ estava preenchido automaticamente. Não usamos nenhuma ‘palavra-chave’. Com essas informações, a pesquisa nos direcionou a uma página com oitenta e uma (81) sentenças datadas de 21 de maio de 2014 a 27 de abril de 2015; a maioria da cidade do Natal (51 ao todo, divididas entre a 2º vara [23] e a 14º vara [28]) e de Mossoró (19 ao todo, divididas entre a 8º vara [07] e a 10º vara [12]). A fim de sintetizar as informações preliminares desse primeiro momento da pesquisa, mostramos, através de um quadro resumo, as varas, as suas respectivas cidades e a quantidade de sentenças encontradas em cada uma delas. 72 Quadro1: Resumo do quantitativo de sentenças judiciais da primeira busca Vara Cidade Nº de Sentenças 2º Natal 23 8º Mossoró 07 9º Caicó 07 10º Mossoró 12 11º Assu 02 12º Pau dos Ferros 01 14º Natal 28 15º Ceará-Mirim 01 Dado o considerável número de sentenças disponíveis nesse primeiro momento da seleção do corpus, procuramos, no segundo momento, fazer um recorte, no que se refere ao ano. Dessa forma, procuramos as sentenças datadas apenas do ano de 2015, mais precisamente, de primeiro de janeiro ao dia cinco de maio (data da coleta do copus) e com esse novo recorte, encontramos 26 sentenças, das quais 16 eram oriundas da 14º vara (Natal), como ilustramos no quadro resumo a seguir. Quadro 2: Resumo do quantitativo de sentenças judiciais da segunda busca Vara Cidade Nº de Sentenças 2º Natal 01 8º Mossoró 02 9º Caicó 00 10º Mossoró 04 11º Assu 02 12º Pau dos Ferros 00 14º Natal 16 15º Ceará-Mirim 01 73 Constatado um número significativamente menor neste segundo momento da seleção do corpus, visualizamos previamente todas as sentenças e procuramos estabelecer alguns parâmetros para ajudar em nossa delimitação – o que nos levou para o terceiro momento dessa seleção. Nesse momento, usamos o critério estrutural das sentenças, mais precisamente, procuramos as que possuíssem um padrão conforme descrito no artigo 381 do CPP e o artigo 489 do CPC (ver página 21 – Seção 2.2) os quais estabelecem o que imprescindivelmente deve conter nelas: relatório, fundamentaçãoe dispositivo. Embora tenhamos encontrado pouco mais de quatro sentenças com essas partes, optamos por aquelas que as dispuseram de forma mais clara, ou seja, com os respectivos nomes (relatório, fundamentação e dispositivo) no corpo do próprio documento. Além disso, também observamos que muitas sentenças não possuíam uma identificação ou uma caracterização própria enquanto documento, ou seja, não possuíam sequer uma espécie de timbre ou cabeçalho o que também consideramos como critério nessa seleção por entendermos que, em consonância com o CPP, o documento precisa também identificar a(s) parte(s) envolvida(s) etc. Nesse caso, selecionamos as sentenças que possuíam, ao menos, essas quatro partes bem definidas (timbre, relatório, fundamentação e decisão) para uma leitura preliminar, o que resultou no número de três (3) sentenças distribuídas da seguinte forma: uma da 10º vara (Mossoró) uma da 14º vara (Natal), e outra da 15º vara (Ceará-Mirim) como podemos observar no seguinte quadro resumo. Quadro 3: Resumo do quantitativo de sentenças judiciais da terceira busca Vara / Local Data da sentença 10º Mossoró 21/01/2015 14º Natal 27/02/2015 15º Ceará-Mirim 13/03/2015 Lidas preliminarmente cada uma dessas sentenças, optamos por escolher como corpus a que nos oferecesse maior volume textual ou a que nos pudesse oferecer um maior volume de análise. Assim, observamos que, entre as três 74 sentenças, uma delas – a da 14º vara que corresponde ao município de Natal – tratou do processo de três condenados pelo mesmo crime, o que consequentemente, trouxe em sua constituição três relatos ao mesmo tempo distintos e intercruzados. Dessa forma, dada a sua materialidade linguística, distribuição das informações e seu conteúdo como um todo, adotamo-la como corpus para essa pesquisa. 4.3 CATEGORIAS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE Com base em Adam (2011), adotamos como categorias de análise as macroproposições narrativas de base, a saber: a Situação inicial (Pn1), o Nó (Pn2), a Re-ação ou Avaliação (Pn3), o Desenlace (Pn4) e a Situação final (Pn5). Assim sendo, a análise ocorreu da seguinte forma: 1º fizemos o estabelecimento do texto e explicitamos o objeto de análise; 2º a fim de termos uma visão global do texto, elaboramos o plano de texto, a partir do qual pudemos visualizar as sequências narrativas; 3º produzimos um quadro com duas colunas e reescrevemos todo o relatório da sentença e o dispomos enumerado em linhas com vistas a identificar as narrativas globais presentes e facilitar a visualização de cada trecho usado na identificação das macroproposições; 4º através de quadro(s) com duas colunas, identificamos as macroproposições narrativas de base e, em seguida, fizemos a descrição e a interpretação dos componentes narrativos. Na exposição do plano de texto da sentença judicial, através de um quadro com colunas e cores diferentes, apresentamos como o documento se distribui, sinalizando suas partes constitutivas (caracterização do documento, relatório, fundamentação, dispositivo e outros detalhamentos). É importante ressaltar que a transcrição da sentença judicial que consta no anexo passou por adaptações, somente no que se refere à formatação da página (espaçamentos), ao tamanho da fonte e espaçamento entre linhas. De modo que não houve, portanto, quaisquer outras adaptações ortográficas ou quaisquer outras de natureza gramatical que modificassem o conteúdo linguístico do texto. As adaptações de formatação foram feitas apenas para comportar o texto do documento em um espaço reduzido. 75 Embora se trate de um documento do domínio público, nas transcrições, optamos por substituir os nomes das partes envolvidas pelo uso de suas iniciais a fim de preservar-lhes a identidade, assim como também ocultamos quaisquer outras informações que possam identificá-las. Quanto aos números citados no processo que se referem à identificação de folhas e quaisquer outros números que identifiquem outros processos mencionados, utilizamos a letra X (maiúscula) para substituí-los, mantendo apenas as datas originais para fins de análise. Para melhor identificação das sequências textuais narrativas, no terceiro momento da análise, reproduzimos o relatório da sentença e enumeramos cada uma de suas linhas, observando a formatação da página. Destacamos que essa enumeração não coincide, necessariamente, com a disposição das linhas no texto original e também pode não coincidir com o texto do documento apresentado em anexo. Para identificação das linhas, usamos a letra L (maiúscula e em negrito) entre colchetes e seguida de um número cardinal do lado esquerdo dos excertos: [L1], [L2], [L10] etc. Os quadros que abrigam trechos do relatório, dividindo-os em macroproposições, possuem duas colunas: a coluna da direita contém os trechos do relatório, mais precisamente a localização das ocorrências; já a coluna da esquerda contém o nome das proposições narrativas (Situação inicial, Nó, Re-ação etc.). Esses trechos do relatório usados e distribuídos nos quadros das macroproposições (lado direito) são transcritos sem aspas e precedidos apenas da identificação das linhas em que se encontram ([L1], [L2], [L10] etc.). A fim de destacarmos trechos que expressam ações centrais em cada uma das macroproposições narrativas expressas nos quadros de análise, utilizamos o recurso de sublinhar e colorir (em tom de amarelo claro). Nos nossos quadros, utilizamos duas cores diferentes para identificarmos as relações simétricas existentes envolvendo quatro das cinco macroproposições. Em tons claros, utilizamos a cor azul para identificar o par Pn1 (Situação inicial) e Pn5 (Situação final) e a cor vermelha para identificar o par Pn2 (Nó) e Pn4 (Desenlace). A Pn3 (Re-ação ou Avaliação) permanecerá em branco. Cada sequência narrativa identificada no relatório da sentença foi analisada em um quadro com duas colunas. Primeiro identificamos as narrativas em nível 76 global e em seguida as narrativas encaixadas. Entre a análise de uma narrativa de nível global e outra abrimos espaço para detalhamento das narrativas encaixadas. Para a expressão narrativa(s) encaixada(s) usamos as letras NE (maiúsculas). Para nos referirmos à ordem em que as narrativas encaixadas aparecem no relatório, usamos um número cardinal sucedido das letras NE. Assim, para a primeira narrativa encaixada encontrada no relatório, usamos o código NE1, para a segunda narrativa encaixada encontrada usamos NE2 e assim sucessivamente. Na descrição e interpretação das macroproposições narrativas de base, utilizamos, conforme Adam (2011), o termo “Pn”, acompanhado de um número de 1 a 5. Assim, utilizamos Pn1 para a Situação inicial ou Orientação, Pn2 para o Nó ou Desencadeador, Pn3 para Re-ação ou Avaliação, Pn4 para o Desenlace ou Resolução e Pn5 para a Situação final. Como o relatório dessa sentença judicial possui mais de uma narrativa em nível global, ou seja, trata do processo de mais de um condenado, para a narrativa do primeiro condenado usamos o código N1, para a narrativa do segundo condenado citado no mesmo relatório foi usado o código N2 e para o terceiro condenado, N3. Na primeira linha horizontal dos quadros usados para separar as macroproposições das narrativas encaixadas usamos o símbolo “ < ” (sem aspas) para indicar a relação de encaixe do menor (lado esquerdo) para o maior (lado direito), ou seja, quando identificamos uma narrativa encaixada dentro de uma macroproposição de nível global ou em linhas específicas do relatório, iniciamos pela codificação dessa narrativa encaixada e seguimos pela macroproposição de nível global e/ou pelas linhas do relatório da sentença judicial. Os momentos ou as fases da narrativa que não são identificados nem nas narrativas encaixadas nem no relatório da sentença são acrescentados(as)aos quadros de análise a través de inferências mediante o co(n)texto. Ou seja, quando alguma fase ou algum momento da narrativa não estiver explícito nem na proposição narrativa destacada nem no próprio relatório como um todo, completamo-la com inferências através da expressão [Por inferência] (entre colchetes e em negrito] – seguido do trecho inferido. 77 CAPÍTULO V 5 ANÁLISE Neste capítulo, mostramos a análise da sentença judicial conforme descrito no capítulo anterior. Dessa forma, a análise dessa sentença está organizada em quatro momentos/procedimentos, a saber: estabelecimento do texto, plano de texto, relatório e identificação descrição e interpretação das macroproposições narrativas, que se repete a cada nova sequência narrativa identificada. Antes de darmos início a análise do texto, reiteramos que o nosso foco está nas sequências narrativas que se realizam na parte destinada ao relatório, pois, como exposto na seção 2.2 (ver página 28), é a parte da sentença que contém “[...] o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo.” (ver art. 489 do CPC). Enfatizamos, ainda, que esse “registro” sintetiza a narrativa do fluxo processual, que, por sua vez, traz apontamentos e implicações – resultantes das tomadas de decisões ao longo de um ou mais processos – para cada um dos condenados citados. O relatório dessa sentença, sucintamente, narra os trâmites processuais e também decisões que envolvem os três condenados, o que, consequentemente, implica desdobramentos (dessas decisões) nas suas vidas – dentro e fora dos limites processuais. 5.1 O ESTABELECIMENTO DO TEXTO Como já exposto no capítulo anterior, a sentença judicial que corresponde a nosso corpus é de natureza criminal e foi coletada no banco de sentenças do site da Justiça Federal do Rio Grande do Norte (JFRN) no dia 05 de maio de 2015 e data do dia 25 de fevereiro do mesmo ano. Essa sentença é oriunda da 14º vara, que corresponde ao município de Natal. Ela é de autoria do Ministério Público Federal e trata da resolução do processo de três condenados: JGL, GPS e WPS (respectivamente) o que resulta em uma narrativa para cada um deles (as narrativas em nível global). JGL, GPS e WPS foram condenados a pena privativa de 78 liberdade47 de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 171 do Código Penal48 (Estelionato). As duas primeiras narrativas referentes aos dois primeiros condenados dessa sentença tratam, basicamente, da condenação, da prisão, da fuga e de tentativas de captura deles por parte da Polícia Federal em decorrência do não comparecimento à unidade prisional onde cumpriam pena em regime semiaberto49, ou seja, deixaram de se apresentar – o que é considerado fuga. O caso de WPS é diferente: ele também foi qualificado e condenado pelo mesmo crime, mas sequer foi preso. Em resumo, os apenados estiveram foragidos por tempo suficiente para que houvesse prescrição de suas penas, ou seja, sua extinção e consequente arquivamento de seus processos. A sentença possui vinte e quatro parágrafos distribuídos nas suas três principais partes, a saber, relatório (do parágrafo 1 ao 11), fundamentação (do parágrafo 12 ao 20), e dispositivo (do parágrafo 20 ao 24). O relatório da sentença possui 26 linhas, das quais 25 trazem o registro das principais ocorrências havidas no processo, correspondentes aos três condenados (JGL, GPS e WPS), de modo que a vigésima sexta linha traz dois termos encapsuladores: um anafórico e outro catafórico como veremos mais adiante. A parte destinada a fundamentação traz referências às leis que fundamentam a decisão (dispositivo) do juiz que, por sua vez, é a mesma para todos os três condenados mencionados no texto. 47 Conforme o artigo 33 do Código Penal, § 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. 48 Art. 171 do Código Penal - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. 49 Segundo o artigo 35 do Código Penal que trata das Regras do regime semiaberto, § 1º - O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. § 2º - O trabalho externo é admissível, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior. 79 5.2 O PLANO DE TEXTO A fim de termos uma visão mais geral de como se estrutura essa sentença, elaboramos seu plano de texto para também mostrarmos como esse texto é composto e quais são suas principais partes constitutivas. Nessa sentença, podemos citar: o peritexto com timbre, data, nomes das partes envolvidas (autor e condenados), etc.; o relatório com três narrativas globais; a fundamentação em que o juiz utiliza-se de argumentos para respaldar sua decisão; o dispositivo ou a decisão onde o juiz profere seu parecer final e a assinatura e/ou a autenticação. Quadro 4: Plano de texto PERITEXTO Timbre “JFRN – Justiça Federal no Rio Grande do Norte” Identificação/caracterização do documento Número do processo, o nome das partes envolvidas (autor e condenados), tipo e nome do documento. RELATÓRIO Resumo/síntese das ocorrências [N1] O primeiro condenado (JGL) “1. JGL, qualificado nos autos, foi condenado [...].” [N2] O segundo condenado (GPS) “4. Por seu turno, GPS, também qualificado nos autos, foi igualmente condenado [...].” [N3] O terceiro condenado (WPS) “7. Finalmente, WPS, também qualificado nos autos e igualmente condenado [...].” Os três condenados (JGL, GPS e WPS) “8. A sentença que apenou os condenados transitou em julgado em [...].” FUNDAMENTAÇÃO Os fundamentos da decisão. 80 DISPOSITIVO Decisão do Juiz “21. Ante o exposto, DECLARO EXTINTA A PUNIBILIDADE das penas impostas a JGL, GPS, e WPS [...].” AUTENTICAÇÃO/ASSINATURA Local, data e assinatura do juiz 5.3 O RELATÓRIO Para melhor visualização e localização das macroproposições narrativas que mais adiante estão organizadas em quadros de análise, o relatório foi enumerado em linhas de 1 a 25 ([L1], [L2]... [L25]). Enfatizamos, contudo, que essa numeração é meramente ilustrativa e demarcatória, e serve apenas ao propósito de localizar/identificar trechos das narrativas e, por essa razão, pode não estar em consonância com a ordem das linhas apresentadas no texto em anexo. No plano de texto que apresentamos a seguir, dispomos o relatório da sentença na íntegra e destacamos através de duas colunas a ordem das narrativas referentes a cada um dos condenados citados (na coluna da esquerda); e onde essas narrativas estão localizadas (na coluna da direita). Ainda nessa disposição do relatório (coluna da direita), destacamos – através do recurso de sublinhar e colorir (em tom amarelo claro)– trechos que sintetizam, em linhas gerais, as proposições narrativas referentes a cada um desses condenados, com vistas a facilitar a identificação. Quadro 5 - Planode texto e transcrição do relatório da sentença NARRATIVAS REGISTRO DAS OCORRÊNCIAS Narrativa 1 (JGL) [L1] JGL, qualificado nos autos, foi condenado a pena privativa de liberdade de 03 (três) anos e 04 (quatro) [L2] meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 171 do Código Penal (fls. 81 X.030/X.056).[L3] Em decisão de fls. X.553/X.557 a pena do referido condenado foi unificada, tendo em vista sua condenação [L4] no processo nº XX.0005570-9 pelo crime de falsidade ideológica, no qual foi condenado a pena de 02 (dois) [L5] anos e 08 (oito) meses de reclusão, de forma que sua pena unificada restou totalizada em 04 (quatro) anos, [L6] 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias. [L7] O aludido condenado foi preso em 14.10.1997, tendo, entretanto, empreendido fuga na data de 03.03.1999, [L8] já que cumpria pena em regime semi-aberto e deixou de se apresentar. Cumpriu, portanto, apenas 01 (um) [L9] ano, 04 e (quatro) meses e 17 (dezessete) dias de reclusão, se encontrando foragido desde o dia da fuga. Narrativa 2 (GPS) [L10] Por seu turno, GPS, também qualificado nos autos, foi igualmente condenado a pena privativa de [L11] liberdade de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 171 do [L12] Código Penal (fls. X.030/X.056). [L13] Foi preso em um primeiro momento em 07.02.1992, porém, beneficiado pelo regime semi-aberto, deixou [L14] de se apresentar em 23.03.1992. Foi preso novamente em 03.06.1996, entretanto, mais uma vez, deixou de [L15] se apresentar em 29.08.1997, encontrando- se foragido desde então. [L16] Cumpriu 02 (dois) anos, 04(quatro) meses e 11 (onze) dias do total da pena, restando, ainda, o tempo de 11 [L17] (onze) meses e 19 (dezenove) dias a cumprir. Narrativa 3 (WPS) [L18] Finalmente, WPS, também qualificado nos autos e igualmente condenado a pena privativa de liberdade [L19] de 03 (três) anos e 04(quatro) meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 171 do Código Penal [L20] (fls. X.030/X.056), jamais foi capturado, sem que tenha cumprido qualquer tempo de encarceramento. Partes comuns às três narrativas [L21] A sentença que apenou os condenados transitou em julgado em 12 de novembro de 1991, conforme [L22] certidão de fls. X.146. [L23] Várias tentativas de captura dos foragidos foram efetivadas pela Polícia Federal, porém sem sucesso. [L24] Em Manifestação de fl. X.630, o Ministério Público Federal pugnou pelo reconhecimento da prescrição da [L25] pretensão executória dos condenados e consequente arquivamento dos autos. Antes de procedermos à identificação, descrição e interpretação das macroproposições que constituem essas três narrativas de nível global e suas respectivas narrativas encaixadas, chamamos atenção para o esclarecimento de dois termos que embora graficamente estejam situados no relatório dessa sentença não fazem parte dele. Trata-se das expressões localizadas no que seria a L26 – parágrafo 11 – “Relatado. Decido.” (ver o anexo). 82 As expressões “Relatado. Decido.” exercem fundamental importância no que diz respeito à organização textual do gênero. Trata-se de expressões de natureza gramatical diferente, mais precisamente, trata-se de uma expressão nominal na forma de verbo no particípio e um verbo na primeira pessoa do singular (respectivamente) o qual identifica, com clareza, quem o produziu, o juiz. Com base em Koch e Elias (2013), podemos dizer que a expressão “Relatado” funciona como um encapsulador ou como uma sumarização de todo o relatório. Além de encapsular todo o conteúdo anterior, essa expressão também sinaliza a própria natureza do documento, nomeando-o (relatório), através do que as autoras chamam de categorização metaenunciativa, que é, justamente, essa retomada de toda a sua materialidade, de todo o seu conteúdo. Apesar de, graficamente, a expressão “Relatado” está situada nos limites do relatório, essa expressão em si já não faz parte do relatório propriamente dito, uma vez que não traz nenhuma espécie de informação de nenhuma das partes envolvidas no processo, apenas o arremata, encerra-o. Segundo as autoras, Esta é uma função própria particularmente das nominalizações, que [...] sumarizam as informações contidas em segmentos precedentes do texto (informações suporte), encapsulando-as sob a forma de uma expressão nominal, isto é, transformando-as em objetos de discurso. (KOCH; ELIAS, 2013, p. 138 – grifo das autoras). Para as autoras, o uso dessas expressões nominais encapsuladoras podem indicar uma mudança de estágio, ou até mesmo um fechamento de um estágio anterior produzido pelo autor do texto. O que, por sua vez, permite inserir, mudar ou desviar um determinado tópico ou, até mesmo, promover ligações entre tópicos e subtópicos. Ou seja, esse recurso permite “[...] dois grandes movimentos de construção textual: retroação e progressão.” (Ibid., p. 140 – grifos das autoras). No caso da sentença judicial, essa expressão (Relatado) sinaliza o encerramento efetivo da parte destinada ao relatório do processo, o que, consequentemente, direciona o texto para um novo tópico em um novo parágrafo que é a fundamentação. Por sua vez, a expressão “Decido” também não faz parte do relatório propriamente dito, apesar de graficamente estar situada nele. Essa expressão, que não é nominal, faz um movimento inverso ao da expressão “Relatado”, no sentido 83 de funcionar como uma catáfora, um recurso de progressão textual, ou seja, sugere a inserção de um novo tópico. Como já explicitado, essa sentença possui suas partes muito bem marcadas (critério, inclusive, de seleção do corpus dessa pesquisa), a saber: relatório, fundamentação e decisão, e cada uma dessas partes, como exposto na seção 2.2, possui suas características e finalidade próprias, inclusive explicitadas nos documentos oficiais (CPP e CPC). Porém um fato que nos chama atenção e que é importante elucidar é que, na sequência da exposição dos componentes da sentença, depois do relatório vem a fundamentação e não a decisão, entretanto, a expressão verbal “Decido” faz um apontamento direto para a decisão do processo e, com isso, antecipa inclusive a conclusão do processo e da sentença propriamente dita. Ao observarmos o último conteúdo proposicional do relatório que antecede essa expressão anteriormente mencionada: “Em Manifestação de fl. X.630, o Ministério Público Federal pugnou pelo reconhecimento da prescrição da pretensão executória dos condenados e consequente arquivamento dos autos.” entendemos que há uma espécie de antecipação do que ocorre na decisão, ou seja, do que é decidido. Dessa forma, entendemos que a expressão “Decido” tanto ratifica, antecipadamente, a decisão do magistrado, quanto fecha o relatório do processo e conduz o texto para o finalmente, que é a decisão. Por essa razão, para fins de identificação das macroproposições narrativas, não consideramos nem a expressão “Relatado” nem a expressão “Decido” como constituintes do texto destinado ao relatório da sentença. 5. 4 IDENTIFICAÇÃO, DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS MACROPROPOSIÇÕES DA NARRATIVA 1 (N1) A seguir, apresentamos a identificação, a descrição e a interpretação dos componentes dessa primeira narrativa de nível global e suas respectivas narrativas encaixadas. Nos quadros de análise que se seguem, optamos por preenchê-los com todas as proposições narrativas referentes a cada um dos momentos sinalizados na coluna da esquerda (Situação inicial, Nó etc.), destacando apenas os trechos que melhor representam ou sintetizam o momento em destaque. Assim, preenchemos os 84 quadros com todas as proposições narrativas relacionadas ao condenado citado, destacando o núcleo de cada um desses momentos da narrativa. Elucidamos, contudo, que não há um padrão do ponto devista frasal para a seleção desses trechos em destaque, pois em todas as ocorrências apenas consideramos o nível de informatividade e sua relação com o conjunto da narrativa. Dessa forma, antecipamos que há trechos destacados que se apresentam na forma de frases verbais, mas que também observamos a ocorrência de expressões não verbais – resultado de inferências – e também de palavras chave como núcleo de determinados momentos narrados como é o caso da expressão “porém sem sucesso” na L23 entre outras expressões nominais. Quadro 6: Narrativa global de JGL (N1) PROPOSIÇÕES NARRATIVAS OCORRÊNCIAS NO RELATÓRIO DA SENTENÇA Situação inicial (Orientação) (Pn1) [L1] JGL, qualificado nos autos, foi condenado a pena privativa de liberdade de 03 (três) anos e 04 (quatro) [L2] meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 171 do Código Penal (fls. X.030/X.056). [L3] Em decisão de fls. X.553/X.557 a pena do referido condenado foi unificada, tendo em vista sua condenação [L4] no processo nº XX.0005570-9 pelo crime de falsidade ideológica, no qual foi condenado a pena de 02 (dois) [L5] anos e 08 (oito) meses de reclusão, de forma que sua pena unificada restou totalizada em 04 (quatro) anos, [L6] 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias. [L21] A sentença que apenou os condenados transitou em julgado em 12 de novembro de 1991, conforme [L22] certidão de fls. X.146. [L7] O aludido condenado foi preso em 14.10.1997 [...]. Nó (Desencadeador) (Pn2) [L7] [...] tendo, entretanto, empreendido fuga na data de 03.03.1999, [L8] já que cumpria pena em regime semi-aberto e deixou de se apresentar. Re-ação ou Avaliação (Pn3) [L23] Várias tentativas de captura dos foragidos foram efetivadas pela Polícia Federal [...]. Desenlace (Resolução) (Pn4) [L23] [...] porém sem sucesso. [L8] Cumpriu, portanto, apenas 01 (um) [L9] ano, 04 (quatro) meses e 17 (dezessete) dias de reclusão, se encontrando foragido desde o dia da fuga. 85 Situação final (Pn5) [L24] Em Manifestação de fl. X.630, o Ministério Público Federal pugnou pelo reconhecimento da prescrição da [L25] pretensão executória dos condenados e consequente arquivamento dos autos. Como podemos observar, as linhas de 1 a 8 somadas às linhas 22 a 25 constituem a narrativa do fluxo processual que envolve JGL com cinco momentos (Pn1, Pn2, Pn3, Pn4 e Pn5), desde a sua qualificação nos autos pelo crime previsto no art. 171 (falsidade ideológica), passando pela respectiva condenação, prisão e fuga, até a prescrição de sua pena e o arquivamento do processo que o envolve. É importante elucidar que, a princípio, mesmo havendo uma sequência de ações e reações no que consideramos ser a Pn1 (situação inicial) dessa N1 – quando é posto que JGL foi qualificado, condenado e preso (inclusive, mais de uma vez) – entendemos que as informações relacionadas a JGL funcionam como um mecanismo de contextualização e orientação necessário para o desenvolvimento dessa narrativa do ponto de vista processual e também do ponto de vista sequencial, de modo que visam a responder ao menos quatro perguntas essenciais e que servem para situar o leitor nesse processo narrativo no que diz respeito à personagem envolvida na trama, a saber, “quem?” (JGL); o quê? (foi qualificado, condenado e preso); por quê? (pelo crime de falsidade ideológica) e quando? (14/10/1997) – uma espécie de movimento retórico comum às narrativas. Concluímos, assim, que todas essas e outras informações constituem um conjunto de proposições enunciadas que configura a Pn1 dessa N1, tendo em vista que a fuga do referido condenado (JGL), logo em seguida, é o que consideramos ser o estopim (Pn2) dessa sequência narrativa com cinco momentos bem definidos, ou seja, é após a fuga de JGL que se inicia não só mais um processo do ponto de vista judicial (inclusive, esse mesmo que deu origem a essa sentença) como também se inicia o primeiro elemento – Nó – do núcleo de uma sequência narrativa conforme postula Adam (2011). Ao afirmarmos que o fato de JGL deixar de se apresentar (fugir) constitui o início de mais um processo judicial (o terceiro), fazemo-lo com base nas próprias informações dispostas nessa Pn1, que, como podemos observar, falam de duas condenações de JGL: a primeira condenação – narrada em segundo plano – foi a de 86 2 anos e 8 meses (L3 a L10) e a segunda condenação – narrada em primeiro plano – foi de 3 anos e 4 meses (L1 e L2). Considerando isso, observamos que a série de ocorrências narradas nessa Pn1, configura duas narrativas encaixadas, as quais passamos a identificar, descrever e interpretar. Após a análise dessas duas narrativas encaixadas, retomamos a análise das macroproposições dessa primeira narrativa de nível global na seção 5.4.3. 5.4.1 Narrativa encaixada 1 (NE1) Para melhor acompanharmos a análise das narrativas encaixadas presentes na Pn1 dessa N1, reproduzimos abaixo toda a Situação inicial a fim de, em seguida, identificarmos os seus componentes narrativos. Quadro 7: Narrativas encaixadas na Situação inicial da narrativa 1 NARRATIVAS SITUAÇÃO INICIAL DA NARRATIVA 1 Narrativa encaixada 1 (em laranja) Narrativa encaixada 2 (em verde) [L1] JGL, qualificado nos autos, foi condenado a pena privativa de liberdade de 03 (três) anos e 04 (quatro) [L2] meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 171 do Código Penal (fls. X.030/X.056). [L3] Em decisão de fls. X.553/X.557 a pena do referido condenado foi unificada, tendo em vista sua condenação [L4] no processo nº XX.0005570-9 pelo crime de falsidade ideológica, no qual foi condenado a pena de 02 (dois) [L5] anos e 08 (oito) meses de reclusão, de forma que sua pena unificada restou totalizada em 04 (quatro) anos, [L6] 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias. [L21] A sentença que apenou os condenados transitou em julgado em 12 de novembro de 1991, conforme [L22] certidão de fls. X.146. [L7] O aludido condenado foi preso em 14.10.1997, [...]. A partir das informações presentes nessa Pn1 da N1, constatamos que JGL foi condenado por duas vezes em um período de sete anos pela prática do mesmo crime (falsidade ideológica) o que, nesse caso, resulta em duas narrativas: uma para cada processo referente ao crime cometido. É importante dizer que os crimes cometidos por JGL estão discriminados no relatório da sentença por meio de expressões nominais, como destacamos nos excertos abaixo: 87 [L1] “JGL, qualificado nos autos, foi condenado a pena privativa de liberdade de 03 (três) anos e 04 (quatro) [L2] meses de reclusão pela prática do crime [...]” [L3] “[...] a pena do referido condenado foi unificada, tendo em vista sua condenação [L4] no processo nº XX.0005570-9 pelo crime de falsidade ideológica [...]” Outro detalhe importante para destacarmos é que a primeira condenação de JGL é narrada apenas nas L3 e L4, enquanto que a sua segunda condenação logo é apresentada na primeira linha do relatório. Entendemos que a exposição da narrativa da primeira condenação de JGL surge como uma necessidade de argumentar sobre o motivo do aumento de sua pena, ou seja, a narrativa da primeira condenação de JGL é trazida à tona em função da segunda, porém seguindo a ordem cronológica dos acontecimentos, iniciamos nossas análises pela primeira condenação de JGL. Optando pela exposição das análises seguindo a ordem cronológica dos acontecimentos, iniciamos pela narrativa da primeira condenação de JGL e em seguida apresentamos a análise da narrativa de sua segunda condenação. Tendo em vista que há uma relação de causa e consequência estabelecida entre essas duas narrativas encaixadas, mais precisamente, o caso do aumento da pena de JGL – resultado da soma das duas condenações narradas – apresentamos primeiro a causa e em seguida– no item 5.4.2 – apresentarmos a consequência do aumento de sua pena. A NE1 destacada na cor laranja no quadro 7 ocorre nos limites entre as expressões que demarcam a sua inserção “tendo em vista” (L3) e o seu fim que é antes da expressão “de forma que” (L5), restando como narrativa encaixada apenas o trecho “[...] sua condenação [L4] no processo nº XX.0005570-9 pelo crime de falsidade ideológica, no qual foi condenado a pena de 02 (dois) [L5] anos e 08 (oito) meses de reclusão [...]” e acrescido das L21 e 22 as quais tratam do trânsito da sentença em julgado na data de 1991, que se apresenta como uma informação secundária e genérica, visto que, ao trazer uma expressão no plural, refere-se a todos os condenados envolvidos nesse mesmo processo judicial. Feito esse recorte, podemos agora visualizar o conteúdo do que foi considerado como a NE1 que esclarece o motivo do aumento da pena de JGL. 88 Observemos agora como se distribuem as proposições narrativas dessa NE1 Quadro 8: Narrativa encaixada 1(NE1) : a primeira condenação de JGL PROPOSIÇÕES NARRATIVAS OCORRÊNCIAS NA NE1 < PN1 < N1 Situação inicial (Orientação) (Pn1) [Por inferência] JGL estava em liberdade, embora já tivesse cometido o [L4] crime de falsidade ideológica [...].. Nó (Desencadeador) (Pn2) [Por inferência] [JGL foi denunciado e processado pelo] [L4] crime de falsidade ideológica [...]. Re-ação ou Avaliação (Pn3) [Por inferência] por parte do poder público, diligências ou ações processuais foram tomadas (depoimentos, oitivas em geral etc.). Desenlace (Resolução) (Pn4) [L21] A sentença [...] transitou em julgado em 12 de novembro de 1991, conforme [L22] certidão de fls. X.146. [L4] [JGL] foi condenado a pena de 02 (dois) [L5] anos e 08 (oito) meses de reclusão [...]. Situação final (Pn5) [Por inferência] JGL foi preso. Antes de tudo, é importante destacar a presença do operador argumentativo “tendo em vista” (L3) na introdução dessa NE1, pois é a partir dessa expressão que o juiz narra para justificar; para fundamentar o porquê da pena de JGL ter sido unificada. Nesse caso, observamos que, de uma forma mais ampla/global, a Situação inicial da N1 é enriquecida com um argumento, um fundamento; por uma sequência argumentativa não prototípica, mas um relato que funciona como uma caracterização inicial: a orientação da história – no sentido de que a história é orientada na perspectiva das penas unificadas. A expressão “tendo em vista” traz consigo um encadeamento de proposições enunciadas que dão origem a NE1 dessa sentença com pelo menos dois momentos explícitos, a saber, o Nó e o Desenlace. As demais fases da narrativa (Pn1, Pn3 e Pn5) são recuperadas através de inferências realizadas a partir do conhecimento 89 sobre a tramitação processual e também de informações constantes no próprio relatório dessa sentença. A Situação inicial ou a Pn1 dessa NE1, por inferência, trata do fato de JGL estar em liberdade, embora já tenha cometido um delito. Entendemos que o processo – tanto do ponto de vista narrativo quanto jurídico, nesse caso, tem efetivamente início com a consolidação da denuncia e/ou da abertura do processo pela prática do crime cometido (Pn2). Sobre a inferência da Pn1 nessa NE1, é importante esclarecer que: em um primeiro momento, essa situação inicial (o crime e a liberdade) ainda não está nos domínios jurídicos, de modo que ainda se trata de um cidadão (JGL) que, aos olhos da sociedade e/ou aos seus próprios olhos, tinha cometido um crime ou – grosso modo – tinha feito uma coisa errada e estava solto, o que significa dizer duas coisas: primeiro, JGL estava solto, mas não pelo fato de ser inocente, mas sim pelo fato de, até então, não ter sido denunciado, processado, condenado etc.; segundo, que esse caso só passa a ser uma situação jurídica ou policial, quando há uma intervenção pública (Pn2), ou seja, quando é feita uma denúncia, por exemplo. Considerando o trâmite processual, utilizamos a conjunção subordinativa (adverbial) concessiva – embora – justamente por admitir uma espécie de contradição ou de um fato inesperado no desenrolar dessa narrativa, ou seja, essa ideia de concessão está diretamente ligada ao contraste, à quebra de expectativa entre cometer um crime e estar em liberdade. Feita a denúncia, diligências (por parte do poder público) são tomadas. Entre as possíveis diligências tomadas está a constituição de um inquérito policial, por exemplo, e seus respectivos desdobramentos (oitivas em geral, declarações, depoimentos etc.). Esses desdobramentos, por sua vez, são utilizados para o devido levantamento de suposta materialidade delitiva. Apurada essa materialidade, esse inquérito deixa de ser um procedimento administrativo e ou policial e passa a ser um efetivo processo judicial e assim os referidos procedimentos são chamados, então, de peças processuais das quais a sentença judicial é a última delas. A sentença judicial – produzida pelo próprio juiz de Direito que analisa o processo como um todo – é uma peça processual que traz, em uma de suas partes, uma síntese de todo um processo (o relatório). Por trazer apenas uma síntese de todo o processo, é comum que apenas alguns fatos – os mais relevantes e imprescindíveis para a sua decisão – sejam relatados ou narrados, o que faz com 90 que determinados detalhes (procedimentos e fatos) não sejam mencionados. Por essa razão, na constituição das fases dessa narrativa fazem-se necessárias as inferências, como é o caso, por exemplo, da reconstituição da Pn1, da Pn3 e da Pn5 dessa NE1. Em síntese, considerando que o Nó ou a Pn2 seja o fato de JGL ter sido denunciado e processado pelo crime cometido (L4), a Re-ação ou Avaliação ou Pn3, por inferência, diz respeito às ações processuais: diligências em geral; depoimentos; oitivas etc., ou seja, as ações tomadas pelo poder público. O desenlace ou a Pn4, em relação simétrica com a Pn2, informa a condenação de JGL que corresponde à pena de 2 anos e 8 meses de reclusão (L4 e 5). Como ser condenado não implica, necessariamente, ser preso, pois se trata de outra etapa do processo judicial que envolve diversas diligências tomadas por parte do poder público, entendemos – por inferência mediante o cotexto – que a primeira prisão de JGL é a Situação final ou Pn5 dessa NE1. Ou seja, quando nas L5 e L6 diz “de forma que sua pena unificada restou totalizada em 04 (quatro) anos, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias” temos a informação que JGL foi preso em um primeiro momento em consequência desse crime, por isso a soma da unificação de sua pena é detalhada. Outro detalhe importante a ser considerado nessa inferência é o fato de que sua pena totalizada, caso não tivesse sido preso, ou seja, se ele nunca tivesse cumprido nenhum período dessa pena, seria totalizada em 6 anos e não em 4 anos, 5 meses e 10 dias como foi colocada pelo juiz nesse relatório, o que evidencia sua primeira prisão efetivada em virtude desse primeiro crime comprovadamente cometido e, consequentemente, parte de sua pena total já ter sido cumprida. Também é importante ressaltar que a informação de que JGL foi preso em consequência desse primeiro crime cometido está no texto do relatório, apenas não está explicitada nessa NE, na verdade, está explicitada nas linhas 7 e 8 quando narra que ele empreendeu fuga, porque deixou de se apresentar já que cumpria pena em regime semiaberto. Observe que trechos da L4 estão presentes, juntamente com algumas inferências em três dos cinco momentos dessa NE. Isso decorre da quantidade de informação presente nesse trecho do relatório. De modo que nessa única linha temos três informações: o crime, o processo e a condenação de JGL. Dessas três 91 informações, apenas a condenação de JGL é narrada através de uma expressão verbal “foicondenado”; enquanto que as demais estão expressas de forma nominal, por isso faz-se necessária a utilização de algumas inferências para que seja feita a reconstituição de outros momentos dessa narrativa encaixada. A fim de ilustrarmos o percurso dessa narrativa encaixada, produzimos a figura 5, na qual sinalizamos trechos de cada um dos momentos (Pn1, Pn2, Pn3 etc.) e as relações simétricas existentes entre cada uma delas. Figura 5: Relações simétricas na NE1 Através dessa figura podemos ver a síntese das ocorrências apresentadas nessa NE, bem como as relações simétricas entre a Pn1 e a Pn5 e entre a Pn2 e a Pn4 intermediada pelas ações processuais que correspondem à Pn3. 5.4.2 Narrativa encaixada 2 (NE2) Como pudemos observar no quadro 7, a narrativa encaixada 2, para atender a um detalhamento ou a uma explicação do motivo do aumento da pena do referido condenado, é enxertada pela narrativa encaixada 1, de modo que, recortando toda essa NE1, observamos que a NE2 segue uma continuidade linear, como podemos observar no seguinte excerto: [L1] JGL, qualificado nos autos, foi condenado a pena privativa de liberdade de 03 (três) anos e 04 (quatro) [L2] meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 171 do Código Penal (fls. X.030/X.056). [L3] Em decisão de fls. X.553/X.557 a pena do referido 92 condenado foi unificada, [tendo em vista a narrativa encaixada 1] de forma que sua pena unificada restou totalizada em 04 (quatro) anos, [L6] 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias.[L7] O aludido condenado foi preso em 14.10.1997, [...]. Ou seja, destacando o trecho entre colchetes e em negrito – o qual corresponde a NE1 – podemos ver que a NE2 segue seu fluxo normalmente, como se não houvesse nenhuma interrupção. Dessa forma, considerando esse trecho, o qual corresponde a narrativa encaixada 2 (NE2), identificamos seus componentes narrativos e os dispomos no quadro 9 a seguir para fazermos as respectivas descrições e interpretações de seus componentes narrativos. Quadro 9: Narrativa encaixada 2 (NE2) : a segunda condenação de JGL PROPOSIÇÕES NARRATIVAS OCORRÊNCIAS NA NE2 < PN1 < N1 Situação inicial (Orientação) (Pn1) [Por inferência] JGL já estava preso por conta da sua primeira condenação. Nó (Desencadeador) (Pn2) [L2] [JGL tornou a cometer o] crime previsto no art. 171 do Código Penal (fls. X.030/X.056). Re-ação ou Avaliação (Pn3) [L1] [JGL foi] qualificado nos autos, [e] foi condenado a pena privativa de liberdade de 03 (três) anos e 04 (quatro) [L2] meses de reclusão [...]. Desenlace (Resolução) (Pn4) [L3] Em decisão de fls. X.553/X.557 a pena do referido condenado foi unificada [...]. Situação final (Pn5) [L7] O aludido condenado foi preso em 14.10.1997, [...]. Como podemos observar, as informações que, na narrativa global de JGL (N1), funcionam como uma situação inicial em oposição a sua fuga (Pn2 – L7), agora desmembradas, constituem uma nova narrativa – a segunda narrativa 93 encaixada – com a finalidade de detalhar e enriquecer os motivos que levaram JGL a sua segunda condenação e ao consequente aumento de sua pena. Como já exposto anteriormente, os relatórios das sentenças trazem, por parte do juiz, apenas uma sinopse de todo um processo judicial que envolve o(s) condenado(s), mais precisamente, uma síntese daquilo que o próprio juiz julga importante ser relatado para justificar sua decisão e, por essa razão, é comum que alguns desses relatórios comecem por citar o crime que o condenado ou o réu cometeu e que, consequentemente, deu origem ao processo judicial. Como também já explicitado em outra ocasião, a situação inicial de uma narrativa é marcada por uma situação de equilíbrio, não em si mesmo, mas em oposição a uma complicação na própria estrutura narrativa. Essa complicação ou o Nó ocorre na narrativa em forma de um conflito que vem desequilibrar, desestabilizar, complicar, enfim, desencadear (re)ações por parte dos envolvidos na trama. A Situação inicial (Pn1) dessa NE1, por inferência (mediante a materialidade linguística explícita), constitui o fato de JGL estar cumprindo pena em regime semiaberto como mostra a L7, o que implica a sua condenação e prisão em consequência do primeiro processo judicial narrado a partir da L3. Essa Pn1 cria uma relação simétrica com a Pn5 que coloca JGL como “preso” novamente. Por inferência também, podemos entender que a Pn1 dessa NE pode ser considerada como um provável não envolvimento de JGL com o crime ou ainda a não comprovação desse envolvimento na prática delituosa citada, visto que tudo isso (o processo que resultou na sua segunda condenação) se dá por intermédio de uma intervenção social (que pode ser através de um cidadão, da Policia, ou do Ministério Público etc.) através de denúncias, por exemplo, que implicam investigações, oitivas etc. Essa segunda inferência se opõe ao fato de, no Nó ou Pn2, JGL cometer um crime (ou, juridicamente, ter a comprovação deste), criando assim uma oposição ou uma quebra no que seria a situação de equilíbrio dessa NE1. Ou seja, efetivamente, é a partir dessa reincidência que se instaura um novo processo tanto do ponto de vista jurídico quanto do ponto de vista narrativo. A Re-ação ou Avaliação ou Pn3 é uma clara reação do poder público em resposta ao crime cometido por JGL, quando na narrativa é posto que ele foi “[L1] 94 [...] qualificado nos autos, [e] foi condenado a pena privativa de liberdade de 03 (três) anos e 04 (quatro) [L2] meses de reclusão [...]”. O Desenlace ou Pn4 dessa NE traz efetivamente uma resolução ao conflito (Nó – Pn2) que se estabeleceu quando JGL tornou a cometer o mesmo crime que deu origem a sua primeira condenação. Essa resolução mostra um aumento de sua pena que, nesse caso, é resultado da unificação desta pena e daquela citada na NE1. A Situação final ou Pn5 narra o efetivo fim da NE2 com a prisão de JGL na data de 14 de outubro de 1997. A Pn5, diferente da clara mudança no estado de coisas que observamos na NE1, quando temos o par opositivo “solto” x “preso” (Pn1 e Pn5, respectivamente), essa NE2 mostra uma relação de continuidade entre a Pn1 e a Pn5, de modo que JGL inicia a narrativa estando preso e continua preso no último momento dessa narrativa. Em resumo, JGL já estava cumprindo pena no regime semiaberto (Pn1), de modo que voltando a cometer um crime (L2 - Pn2), foi novamente processado, qualificado, condenado (L1 - Pn3), teve a sua pena unificada (L3 e L6 - Pn4) e foi novamente preso (L21, 22 e 7). 5.4.3 Continuação da análise da narrativa global 1 (N1) Voltando para a primeira narrativa de nível global (N1) dessa sentença, entendemos que mesmo diante dessa série de acontecimentos iniciais analisados, parece haver um estado de equilíbrio não em si, mas em oposição a L7 a qual narra a fuga de JGL. Ou seja, embora JGL tenha participado de uma série de ações como: ter sido qualificado nos autos dos processos, condenado e preso por duas vezes pelo crime de falsidade ideológica, a situação parece estar dentro de uma relativa normalidade do ponto de vista jurídico. Em outras palavras, podemos dizer que mesmo JGL sendo reincidente na prática do crime de estelionato e, consequentemente, sendo condenado e preso, o fato é que ele está preso, e isso é o que garante um estado de equilíbrio, porém não um equilíbrio em si, pois como vimos, nas análises, JGL passou por dois Nós, ou seja, dois conflitos (suas condenações), porém um equilíbrio em relação a sua fuga narrada na L7. 95 Esse estado de equilíbrio (Pn1), que vai da L1 a L7 e mais as L21 e L22, é notadamente interrompido na própria L7 com a expressão “entretanto” entre a locução verbal “tendo empreendido” que marca efetivamente o início da trama narrativa, ou seja, o Nó. Linguisticamente,a conjunção coordenativa sindética adversativa “entretanto” é uma palavra com valor semântico de oposição que, por excelência, indica uma quebra de expectativa, ou mais precisamente, no caso dessa narrativa, uma quebra na linearidade das ações apresentadas no primeiro momento. Assim, na L7 temos que JGL, que cumpria pena em regime semiaberto, “deixou de se apresentar” no dia 03 de março de 1999, o que foi considerado como fuga, ocorrendo assim a Pn2, ou o núcleo dessa trama. A Pn3, que diz respeito à perspectiva dos envolvidos na narrativa diante da complicação que surgiu na Pn2, neste caso, manifesta-se através de uma clara reação da Polícia Federal que, em virtude da fuga de JGL, efetivou “Várias tentativas de captura dos foragidos” 50 (L23). Observe que na continuação dessa mesma linha, mais precisamente o final dessa proposição traz uma informação que não só introduz a Pn4 dessa narrativa, como também sinaliza para o efetivo insucesso da Polícia Federal, pois ao dizer que essas tentativas de captura dos foragidos foram “sem sucesso” (L23), já entendemos que o condenado continua foragido e essa informação que traz essa quebra de expectativa quanto ao insucesso dessas tentativas de captura, é a palavra “porém” que claramente sinaliza a Pn4, provocando uma quebra de expectativa – que seria a expectativa de que JGL fosse novamente preso. Dessa forma, observando a primeira proposição da Pn4 (porém sem sucesso), podemos dizer que o Desenlace dessa narrativa é ainda ratificado pelo uso da expressão “portanto” (L8) localizada depois do verbo da primeira proposição (Cumpriu) da Pn4 quando diz que o réu “[L8] Cumpriu, portanto, apenas 01 (um) [L9] ano, 04 (quatro) meses e 17 (dezessete) dias de reclusão, se encontrando foragido desde o dia da fuga.” Observe que a ocorrência da expressão conclusiva “portanto”, só reforça a ideia de resolução dessa trama narrativa. Da mesma forma, podemos 50 A expressão encontra-se no plural porque, como exposto anteriormente, o relatório dessa sentença judicial trata do processo de outros dois condenados (GPS e WPS). A expressão “dos foragidos” foi utilizada na L23 quando a sinopse do processo já não tratava do condenado (JGL) de forma individual, mas tratava de todos os condenados, visto que o relatório já caminhava para a sua conclusão. E como todos os condenados eram foragidos do sistema prisional, o juiz usa a expressão para englobá-los já que todos estão na mesma situação. 96 dizer que a proposição “se encontrando foragido desde o dia da fuga” também reforça a inferência feita no parágrafo anterior quando dissemos que a expressão “porém sem sucesso” já nos sinalizava o desfecho dessa trama narrativa. A Situação Final (Pn5), como o próprio nome já sugere – parte do enredo que marca o final da narrativa – narra o momento em que o novo estado de equilíbrio é instaurado. É importante destacar que esse novo estado não é necessariamente positivo (pelo menos para uma das partes), ou semelhante ao estado de equilíbrio apresentado na Situação inicial da narrativa. No caso dessa N1, a trama é encerrada com a informação de que a pena de JGL foi extinta e o seu processo foi arquivado (L25). Visualizando a distribuição dos cinco momentos dessa primeira narrativa, elaboramos a figura abaixo a qual mostra de forma sintética a localização em linhas de cada um desses cinco momentos, com ênfase nos marcadores linguísticos que introduzem as macroproposições Pn2 e Pn4. Figura 6: Marcadores linguísticos da Pn2 e da Pn4 da N1 O resumo das ocorrências das macroproposições narrativas relacionadas ao primeiro condenado (N1) distribui-se da seguinte forma: Quadro 10: Resumo da N1 PROPOSIÇÕES NARRATIVAS RESUMO DAS OCORRÊNCIAS DA N1 Situação inicial (Orientação) (Pn1) JGL, por duas vezes, foi qualificado nos autos pelo crime de falsidade ideológica, condenado e preso. Por ser reincidente, teve sua pena unificada (o que a aumentou para 4 anos, 5 meses e 10 dias). JGL foi preso [pela segunda vez] no dia 14.10.1997. 97 Nó (Desencadeador) (Pn2) JGL fugiu (deixou de se apresentar) no dia 03.03.1999. Re-ação ou Avaliação (Pn3) A Polícia Federal tentou capturá-lo por várias vezes. Desenlace (Resolução) (Pn4) Porém não sendo capturado, JGL está foragido desde o dia da fuga. Situação final (Pn5) Dado o extenso tempo em que o então condenado esteve foragido, o Ministério Público Federal extinguiu sua pena e arquivou o processo. 5. 5 IDENTIFICAÇÃO, DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS MACROPROPOSIÇÕES DA NARRATIVA 2 (N2) Através do quadro 11, apresentamos a identificação dos componentes narrativos da segunda narrativa de nível global – narrativa do fluxo processual que envolve GPS – identificada no relatório dessa sentença. Nesse primeiro momento, após a referida identificação dos componentes narrativos, fazemos a descrição e a interpretação apenas da Situação inicial (Pn1) e iniciamos as análises das narrativas encaixadas 3 e 4 nas seções 5.5.1 e 5.5.2. Apresentadas as análises dessas NE, prosseguimos na descrição e interpretação dos demais componentes da N2 na seção 5.5.3. Quadro 11: Narrativa global de GPS (N2) PROPOSIÇÕES NARRATIVAS OCORRÊNCIAS NO RELATÓRIO DA SENTENÇA Situação inicial (Orientação) (Pn1) [L10] Por seu turno, GPS, também qualificado nos autos, foi igualmente condenado a pena privativa de [L11] liberdade de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 171 do [L12] Código Penal (fls. X.030/X.056). [L21] A sentença que apenou os condenados transitou em julgado em 12 de novembro de 1991, conforme [L22] certidão de fls. X.146. [L13] Foi preso em um primeiro momento em 07.02.1992. 98 Nó (Desencadeador) (Pn2) [L13] [...] porém, beneficiado pelo regime semi-aberto, deixou [ L14] de se apresentar em 23.03.1992. Re-ação ou Avaliação (Pn3) [L14] Foi preso novamente em 03.06.1996, entretanto, mais uma vez, deixou de [L15] se apresentar em 29.08.1997 [...] [L23] Várias tentativas de captura dos foragidos foram efetivadas pela Polícia Federal [...]. Desenlace (Resolução) (Pn4) [L23] [...] porém sem sucesso. [L16] Cumpriu 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 11 (onze) dias do total da pena, restando, ainda, o tempo de 11 [L17] (onze) meses e 19 (dezenove) dias a cumprir. [L15] [...] encontrando-se foragido desde então. Situação final (Pn5) [L24] Em Manifestação de fl. X.630, o Ministério Público Federal pugnou pelo reconhecimento da prescrição da [L25] pretensão executória dos condenados e consequente arquivamento dos autos. No primeiro momento desta N2, após uma já familiar série de ações (qualificado e condenado), GPS também é preso e tem-se aí, no conjunto dessas ocorrências, a Pn1. Semelhante ao que observamos na Pn1 da N1, as informações presentes nessa macroproposição também respondem às mesmas perguntas essenciais para contextualizar a narrativa e/ou situar o leitor no processo narrativo, quais sejam: Quem?, O quê?, Por quê? e Quando?, que, neste caso, correspondem respectivamente a GPS que foi qualificado, condenado e preso pelo crime de estelionato em 07 de fevereiro de 1992. Assim, também semelhante ao que vimos na Pn1 da N1, a Pn1 dessa N2 também possui uma série de acontecimentos que devem ser analisados à parte por constituir a narrativa encaixada de número 3 (NE3) dessa sentença. Antes de passarmos para a análise dessa NE3, destacamos que, em um nível global, essas ações iniciais que envolvem GPS são consideradas como a Situação inicial ou Pn1 dessa N2 pelo contraste criado com a Pn2 dessa mesma narrativa quando diz que “porém, beneficiado pelo regime semi-aberto, deixou de se apresentar em 23.03.1992.” (L13e 14). Ou seja, partindo da noção de equilíbrio, em um nível global, observamos que é a partir desse momento que se desencadeia uma série de ações e de reações que efetivamente marcam o início desse processo narrativo. 99 Por outro lado, embora haja, ao que parece em um primeiro momento, uma situação de equilíbrio – não em si, mas tomando como base a sua fuga narrada nas L13 e 14 – a Pn1 dessa narrativa também apresenta uma série de ações envolvendo GPS, formando uma narrativa encaixada, a qual passamos a detalhar na seção seguinte. 5.5.1 Narrativa encaixada 3 (NE3) Para facilitar a descrição e a interpretação dos componentes dessa NE3, reproduzimos abaixo a Pn1 dessa N2 e, em seguida o quadro 12 através do qual identificamos os componentes narrativos. [L10] Por seu turno, GPS, também qualificado nos autos, foi igualmente condenado a pena privativa de [L11] liberdade de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 171 do [L12] Código Penal (fls. X.030/X.056). [L21] A sentença que apenou os condenados transitou em julgado em 12 de novembro de 1991, conforme [L22] certidão de fls. X.146. [L13] Foi preso em um primeiro momento em 07.02.1992 [...]. É importante observar que dada a natureza e a finalidade do texto do documento sentença judicial, o qual visa em seu relatório fazer uma sintética apresentação das partes mais relevantes do processo, faz-se necessário – nessa análise – o recurso da inferência na reconstituição de determinados momentos dessa narrativa, como podemos, mais adiante, observar na Pn1, Pn2 e Pn3. O objetivo dessa reconstituição narrativa através do uso de inferências não está em, forçosamente, criar momentos (Pn1, Pn2 etc.) para defender a ideia de que há uma narrativa com alto grau de narrativização, mas sim em mostrar, minimamente, que nessa síntese do processo apresentada no relatório da sentença alguns acontecimentos/ocorrências não são mencionados, porém podem ser identificados. Entendemos que a natureza do documento permite essa síntese de informações e, no quadro de identificação das proposições narrativas, ao enxertarmos o texto original com inferências, não estamos sugerindo que o texto do relatório esteja incompleto ou que seja falho ou ineficiente no seu grau de informatividade, de modo que inferimos apenas para mostrar detalhes que podem 100 ser resgatados na leitura do próprio texto. E que esses “detalhes” são informações que, em alguns momentos, mesmo estando fora do trâmite processual fazem parte da narrativa que envolve o condenado, como podemos observar no quadro abaixo. Quadro 12 Narrativa encaixada 3 (NE3): a primeira condenação de GPS PROPOSIÇÕES NARRATIVAS OCORRÊNCIAS NA NE3 < PN1 < N2 Situação inicial (Orientação) (Pn1) [Por inferência] GPS havia comedido um crime e estava em liberdade. Nó (Desencadeador) (Pn2) [Por inferência] GPS foi denunciado e processado [L11] [...] pela prática do crime previsto no art. 171 do [L12] Código Penal (fls. X.030/X.056). Re-ação ou Avaliação (Pn3) [Por inferência] ações processuais [L10] [Foi] qualificado nos autos [...] Desenlace (Resolução) (Pn4) [L21] A sentença que apenou os condenados transitou em julgado em 12 de novembro de 1991, conforme [L22] certidão de fls. X.146. [L10] [GPS] foi igualmente condenado a pena privativa de [L11] liberdade de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão [...] Situação final (Pn5) [L13] Foi preso em um primeiro momento em 07.02.1992 Ao narrar que GPS foi “[L10] [...] qualificado nos autos, foi igualmente condenado a pena privativa de [L11] liberdade de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 171 [...].” destacamos três informações: a primeira delas é que GPS cometeu um crime, entretanto, na ordem em que as informações estão dispostas no relatório da sentença, essa é a terceira informação, precedida então de sua qualificação nos autos e de sua condenação. Semelhante ao raciocínio utilizado na interpretação da NE1, localizada na N1, no que se refere à identificação da Situação inicial ou Pn1, também por inferência, entendemos que esta corresponde ao estado de liberdade de GPS, uma vez que na 101 Pn2, também por inferência entendemos que ele é processado e passa, só então, a responder pelo crime praticado. Como todo o processo judicial gira em torno do(s) crime(s) cometido(s), é comum entendermos que é a partir dele(s) ou, mais precisamente, da denúncia dele(s) que o processo judicial e também, nesse caso, o narrativo se iniciam. Quando aqui falamos em ‘início do processo narrativo’, fazemos menção ao que afirma Adam (2011, p. 226) sobre a Pn2. Para o autor, o momento 2 (m2), também conhecido como Nó ou Desencadeador, é o que marca o início do processo narrativo, uma vez que a Situação inicial (Pn1 – e momento 1) corresponde ao momento do aspecto antes do processo narrativo. Dito de outra forma, a Pn2 dessa NE3, através de inferências, mostra a entrada de GPS no processo judicial e, do ponto de vista do relatório da sua sentença, mostra também o início da narrativa processual que o envolve. A Pn3 mais uma vez, por inferência, sugere ações e tramitações processuais; entre elas, as oitivas e a sua qualificação nos autos (L10) que é em outras palavras a sua identificação no processo (nome completo, filiação, profissão, endereço, identidade, CPF, etc.). Assim, a Pn3 mostra uma clara reação por parte do poder público na tomada de diligências para a devida apuração dos fatos que deram origem ao referido processo. Ao que parece, os fatos foram comprovados e GPS teve a sentença em seu desfavor. Com trânsito em julgado (L21), a sentença condenou GPS a pena privativa de liberdade por um período de 3 anos e 4 meses de reclusão, fazendo disso a resolução do processo (Pn4). Se pensarmos na relação simétrica existente entre a Pn2 e a Pn4, veremos a simetria entre o fato de GPS ser processado e o fato de ele ser condenado pelo crime que cometeu. A Pn5, por sua vez, traz o momento em que GPS é preso, mesmo que em um primeiro momento como está expresso na L13. Do ponto de vista da simetria entre a Pn1 e a Pn5 observamos que GPS estava solto, mesmo já tendo cometido o crime – antes do processo jurídico e narrativo, Pn1 – e por hora está preso – depois do processo jurídico e narrativo, Pn5. Como já enfatizamos anteriormente, a condenação de uma pessoa não implica necessariamente a sua prisão, pois para que isso ocorra se faz necessária uma série de diligências por parte do poder público. 102 Elucidamos que a Pn5 dessa NE3 é provisória, e o que nos permite afirmar isso é a ‘pista linguística’ dada ao fim dessa proposição quanto diz que “[L13] Foi preso em um primeiro momento em 07.02.1992 [...]” o que nos permite concluir que após essa prisão houve, pelo menos, uma fuga e uma nova captura como veremos mais adiante na NE4. Concluídas as considerações a respeito dessa NE3, voltamos à análise da N2. 5.5.2 Continuação da análise da narrativa global 2 (N2) : o Nó e a Re-ação No que identificamos ser a Pn2 (ver página 98), destacamos duas informações importantes: GPS foi beneficiado pelo regime semiaberto e deixou de se apresentar. Talvez não tão explícita quanto à relação de causa-consequência expressa no Nó da N1, quando o narrador (juiz) faz uso da expressão “já que” (L8), a Pn2 dessa N2 também mostra a mesma relação quanto ao fato de cumprir pena em regime semiaberto e o fato de deixar de se apresentar, o que é considerado como fuga. O que vemos é que nos dois casos narrados os condenados aproveitaram-se da oportunidade do regime semiaberto para fugir e isso é claramente ressaltado no texto. Para melhor compreendermos essas duas ocorrências, reproduzimos abaixo as partes finais daPn1 das duas primeiras narrativas em nível global (N1 e N2) e a Pn2 também de ambas as narrativas para, em seguida, tecermos algumas considerações a respeito das relações de causa-consequência explicita e implícita, respectivamente: N1 – “[L7] O aludido condenado foi preso em 14.10.1997, tendo, entretanto, empreendido fuga na data de 03.03.1999, [L8] já que cumpria pena em regime semi- aberto e deixou de se apresentar.” N2 – “[L13] Foi preso em um primeiro momento em 07.02.1992, porém, beneficiado pelo regime semi-aberto, deixou [L14] de se apresentar em 23.03.1992.” 103 A relação causa-consequência é marcada na N1 pelo uso da locução conjuntiva adverbial51 “já que” ao estabelecer que a fuga seja a consequência da causa de estar cumprindo pena em regime semiaberto. No caso do Nó da N2, a situação de fuga se repete pelo mesmo motivo, porém narrada sem o uso da locução adverbial conjuntiva usada na N1 (“já que”), o que, aparentemente, não deixa explícita a relação de causa-consequência. Entretanto o uso da conjunção adversativa “porém” (L13) não só anuncia uma quebra no equilíbrio da N2, como também remete a mesma situação de instauração do conflito evidenciado no Nó da N1 com uma também conjunção adversativa na forma de “entretanto”. Essas segmentações das proposições feitas através dos conectivos “entretanto” (N1) e “porém” (N2) sugerem uma situação que se repete e que, consequentemente, também remetem à relação de causa-consequência explicitamente usada na N1. Ou seja, embora a locução conjuntiva adverbial “já que” não esteja presente na N2, o motivo da fuga é o mesmo, por isso a relação causa- consequência também existe, porém implícita. Ressaltados esses pontos, retomamos a descrição dos demais componentes dessa N2 ratificando que o Nó desencadeador dessa trama da narrativa é o momento em que, também cumprindo pena em regime semiaberto, GPS deixa de apresentar-se. Ou seja, do momento em que GPS cometeu um crime até as várias diligências tomadas por parte do poder público que resultaram em sua prisão é um estado de equilíbrio, não em si, mas em oposição ao que é posto logo em seguida que é a sua fuga. A fuga de GPS faz com que a Polícia Federal empreenda nova busca para prendê-lo, o que se mostra ser uma clara reação (Pn3) do poder público. Até aqui, temos a confirmação do que constatamos anteriormente em relação à pista linguística deixada pelo narrador ao dizer no final da Pn1 que GPS “[L13] Foi preso em um primeiro momento em 07.02.1992 [...]”. Ou seja, como dissemos anteriormente, dizer “em um primeiro momento” implica, no mínimo, um segundo momento que é o que até aqui ocorreu. Até aqui, todas as três narrativas encaixadas (NE1, NE2 e NE3) que analisamos foram identificadas no interior das Situações iniciais (Pn1) das duas 51 Segundo Bechara (2009, p. 243) “Alguns advérbios [...] precedem o transpositor que para marcar a circunstância, formando o que a gramática tradicional chama de locuções conjuntivas adverbiais. A rigor, trata-se de um grupo de palavras que, por hipotaxe, funciona como conjunção [...]” 104 primeiras narrativas de nível global (N1 e N2). Porém a narrativa encaixada que identificamos a seguir é composta por trechos da Pn5 e da Pn4 da N2. Mais precisamente, consideramos a integralidade do conteúdo das linhas 15 e 23, as quais, na N2 estão fragmentadas e compõem partes dessas duas macroproposições citadas (Pn3 e Pn4). Observamos que o conteúdo dessas linhas, somadas a L14, constituem uma narrativa com um alto grau de narrativização. Após a análise dessa que configura a NE4, continuamos a análise dos elementos da N2 com a descrição e a interpretação do Desenlace (Pn4) e da Situação final (Pn5) na seção 5.5.4. 5.5.3 Narrativa encaixada 4 (NE4) [L14] Foi preso novamente em 03.06.1996, entretanto, mais uma vez, deixou de [L15] se apresentar em 29.08.1997, encontrando-se foragido desde então. [L23] Várias tentativas de captura dos foragidos foram efetivadas pela Polícia Federal, porém sem sucesso. As proposições enunciadas contidas nessa Pn3 constituem a NE4 e são identificadas no seguinte quadro. Quadro 13: Narrativa encaixada 4 (NE4): a última prisão e fuga de GPS PROPOSIÇÕES NARRATIVAS OCORRÊNCIAS NA NE4 < L14, 15 e 20 < N2 Situação inicial (Orientação) (Pn1) [L14] Foi preso novamente em 03.06.1996 [...] Nó (Desencadeador) (Pn2) [L14] [...] entretanto, mais uma vez, deixou de [L15] se apresentar em 29.08.1997 [...] Re-ação ou Avaliação (Pn3) [L23] Várias tentativas de captura dos foragidos foram efetivadas pela Polícia Federal [...] Desenlace (Resolução) (Pn4) [L23] [As tentativas de captura efetivadas pela Polícia Federa foram] porém sem sucesso. 105 Situação final (Pn5) [L15] [...] encontrando-se foragido desde então. A Pn1 dessa NE4 começa com a informação de que GPS “novamente preso” (L14) em oposição a sua nova fuga (Pn2 – L14). É importante entender que existem informações a respeito dessa segunda prisão do referido condenado que não foram expressas no relatório da sentença e isso é, de certa forma, previsível dada a própria natureza do texto, como já observamos em outro momento. Ou seja, a informação da prisão do condenado – considerando a forma como foi posta no relatório (L14) – implica uma série de diligências como forma de reação por parte do poder público, no sentido, por exemplo, de expedição de mandados de prisão etc. o que tornaria essa explicitação desnecessária. No entanto, no caso do relatório dessa sentença, informações mais detalhadas como essa se tornam desnecessárias uma vez que posteriormente, mais precisamente na L23, são relatadas as “Várias tentativas de captura dos foragidos [que] foram efetivadas pela Polícia Federal [...]” o que nos faz compreender o uso de uma estratégia de progressão textual com vistas a evitar a repetição de determinadas estruturas, por exemplo. Dessa forma, considerando a nova prisão de GPS – após 4 anos, 2 meses e 10 dias como fugitivo da justiça – como o novo estado de equilíbrio dessa NE4 ou mais especificamente a Pn1, percebemos que sua segunda fuga (Pn2 - L14) representa uma nova ocorrência que, por sua vez, desencadeia uma série de novos desdobramentos. Entre os desdobramentos desencadeados pela fuga de GPS – após cumprir mais 1 ano, 2 meses e 25 dias de encarceramento – estão as “Várias tentativas de captura [...] efetivadas pela Polícia Federal [...]” (Pn3 – L 23). Essa reação por parte do poder público, como vimos, já é o resultado de ações processuais as quais não foram expressas no relatório dessa sentença, assim como a segunda prisão do referido condenado que também não é detalhada nesse texto. Sem dúvida esses detalhes enriqueceriam a narrativa jurídica, porém como já elucidamos, essa não é a finalidade desse texto do documento. Das duas fugas empreendidas por GPS (a primeira em 23/03/1992 e a segunda em 29/08/1997), um fato nos chama a atenção: o motivo. Ao observarmos as expressões “deixou de se apresentar” presentes na L13 e na L15 entendemos 106 que o motivo é o mesmo: o fato de ser beneficiado pelo regime semiaberto. Embora essa explicação esteja explícita apenas na L13, facilmente constatamos que o motivo da segunda fuga de GPS foi o mesmo, uma vez que é descrito com as mesmas expressões “deixou de se apresentar”. O relatório dessa sentença também não detalha os trâmites processuais que deram origem ao benefício do regime semiaberto cedido a GPS em nenhuma das duas ocorrências relatadas, mas o fato é que as duas fugas se deram pelo mesmo motivo: na primeira prisão, GPS cumpriu apenas 44 dias de encarceramento quando deixou de se apresentar; na segunda captura, ele cumpriu pouco mais de um ano e mais uma vez deixou de se apresentar. Noque se refere a não repetição do motivo da fuga, mais uma vez inferimos que houve uma atenção por parte do juiz em não relatar o que já havia sido detalhado na L13. Ao invés disso, usou uma expressão que sinaliza o mesmo motivo, criando assim mais uma vez uma relação de causa-consequência entre o fato de cumprir pena em regime semiaberto e deixar de se apresentar. Dessa forma, prevendo a clareza da exposição dos fatos no relatório a respeito do motivo da segunda fuga de GPS, o juiz sintetiza essa informação sem precisar repeti-la. Através do recurso de retomada, reconstruímos a proposição narrativa que encerra o processo narrativo dessa NE4 a qual narrar o insucesso da Polícia Federal em tentar capturar GPS (Pn4). No que se refere às relações simétricas entre a Pn2 e a Pn4, detalhamos que na Pn2 GPS havia deixado de se apresentar, já a Pn4 mostra GPS como um claro fugitivo da justiça. Embora – ao que pareça – juridicamente o fato de um prisioneiro deixar de se apresentar seja considerado fuga, é importante destacar que, há uma diferença entre não comparecer a unidade prisional (Pn2) – por motivo diverso – e efetivamente fugir como é descrito na Pn3 e ratificado na Pn4 quando diz que as várias tentativas de captura – efetivadas pela Polícia Federal – foram sem sucesso (L23). A Pn5, por sua vez, mostra um desdobramento do que já foi evidenciado na Pn4 ao ratificar o insucesso da Polícia Federal em capturar GPS. Assim, a informação de que a PF não conseguiu capturar GPS (Pn4) é reforçada com a conclusão de que ele continua foragido desde o dia da sua última fuga (19/08/1997). 107 As relações simétricas entre a Pn1 e a Pn5 mostram uma mudança de estado de coisas, de modo que, antes do processo narrativo (Pn1), GPS encontra-se preso (L14) e depois do processo narrativo (Pn5) ele encontra-se foragido (L15). Encerradas as considerações a respeito dessa NE4, retomamos às descrições e interpretações dos componentes da narrativa global 2 (N2), continuando pela Pn4. 5.5.4 Continuação da análise da narrativa global 2 (N2): o Desenlace e a Situação final A Pn4 dessa N2 traz um apanhado geral do tempo em que GPS permaneceu preso, bem como do tempo que lhe restava cumprir ao relatar que “[L16] Cumpriu 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 11 (onze) dias do total da pena, restando, ainda, o tempo de 11 [L17] (onze) meses e 19 (dezenove) dias a cumprir”. Semelhante à Pn4 da N1 (ver página 84), GPS também não cumpriu toda pena e se encontra foragido. Um detalhe importante a respeito do cálculo da pena cumprida por GPS deve ser aqui elucidado. Apesar de o relatório da sentença, mais precisamente a Pn4 dessa N2, calcular que o referido condenado cumpriu pouco mais que 2 anos e 4 meses do total de sua pena, os números mostram que, na verdade, foram cumpridos apenas algo em torno de 1 ano e 4 meses, ou seja 1 ano a menos do que o tempo afirmado pelo juiz. A título de observação e esclarecimentos do que acima afirmamos, abaixo reproduzimos os excertos do texto do relatório que tratam das datas de prisão e de fuga de GPS e a partir desses excertos e das observações que, em seguida tecemos, sugerimos duas possibilidades que podem justificar a imprecisão desses cálculos. L13 e 14 – “Foi preso em um primeiro momento em 07.02.1997, porém beneficiado pelo regime semi-aberto, deixou de se apresentar em 23.03.1992.”. Observação 1: em consulta ao calendário, observamos que nessa primeira prisão de GPS foram cumpridos 44 dias de encarceramento. L14 e 15 – “Foi preso novamente em 03.06.1996, entretanto, mais uma vez, deixou de se apresentar em 29.08.1997 [...].”. 108 Observação 2: Nessa segunda prisão de GPS, ele cumpriu 1 ano, 2 meses e 25 dias. A soma do tempo de encarceramento de GPS, como podemos observar, não condiz com o tempo que o juiz detalhou no relatório quando afirma nas L17 e 18 que GPS “Cumpriu 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 11 (onze) dias do total da pena, restando, ainda, o tempo de 11 (onze) meses e 19 (dezenove) dias a cumprir.” (grifos nossos). Diante disso, podemos considerar duas possibilidades que podem justificar a referida informação dada pelo magistrado no relatório: a primeira delas é que houve um equívoco na informação das datas na elaboração do texto, de modo que 1 (um) ano tenha sido suprimido nessa contagem; a segunda possibilidade é que houve um equívoco na soma do tempo de encarceramento do condenado. O nosso foco aqui não é discorrer a respeito de nenhuma dessas possibilidades. Tecemos tais observações apenas a título de observação e também para mostrar que alguns leitores ao se depararem com essa imprecisão nas informações também podem levantar esses mesmos questionamentos. Assim, continuando com o estudo das sequências, a Pn5 dessa narrativa, semelhante ao que aconteceu na Pn5 da N1, narra a “prescrição da pretensão executória dos condenados e consequente arquivamento dos autos”, ou seja, a extinção da pena de GPS. Quadro 14: Resumo da N2 PROPOSIÇÕES NARRATIVAS RESUMO DAS OCORRÊNCIAS DA N2 Situação inicial (Orientação) (Pn1) GPS foi qualificado nos autos, foi condenado pela prática do crime previsto no art. 171 e foi preso em um primeiro momento em 07.02.1992 [...]. Nó (Desencadeador) (Pn2) Beneficiado pelo regime semi-aberto, deixou de se apresentar em 23.03.1992. Re-ação ou Foi preso novamente em 03.06.1996, entretanto, mais uma vez, 109 Avaliação (Pn3) deixou de se apresentar em 29.08.1997, encontrando-se foragido desde então. Várias tentativas de captura foram efetivadas pela Polícia Federal, porém sem sucesso. Desenlace (Resolução) (Pn4) Cumpriu apenas uma parte da pena, restando, ainda, o tempo de 11 meses e 19 dias a cumprir. Situação final (Pn5) O Ministério Público Federal extinguiu a pena e arquivou o processo. 5. 6 IDENTIFICAÇÃO, DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS MACROPROPOSIÇÕES DA NARRATIVA 3 (N3) Nesta seção, debruçamo-nos na análise da terceira narrativa de nível global (N3), a qual trata da narrativa processual de WPS. Além dessa narrativa global, mostramos também um desdobramento na forma de uma narrativa encaixada – a NE5 – a última desse relatório. Quadro 15: Narrativa global de WPS (N3) PROPOSIÇÕES NARRATIVAS OCORRÊNCIAS NO RELATÓRIO DA SENTENÇA Situação inicial (Orientação) (Pn1) [L18] Finalmente, WPS, também qualificado nos autos e igualmente condenado a pena privativa de liberdade [L19] de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 171 do Código Penal [L20] (fls. X.030/X.056), [...] [L21] A sentença que apenou os condenados transitou em julgado em 12 de novembro de 1991, conforme [L22] certidão de fls. X.146. Nó (Desencadeador) (Pn2) [Por inferência] WPS não se apresentou a unidade prisional, ou não foi preso/capturado em um primeiro momento. Re-ação ou Avaliação (Pn3) [L23] Várias tentativas de captura dos foragidos foram efetivadas pela Polícia Federal [...]. Desenlace [L23] [...] porém sem sucesso. [L20] [WPS] jamais foi capturado 110 (Resolução) (Pn4) sem que tenha cumprido qualquer tempo de encarceramento; Situação final (Pn5) [L24] Em Manifestação de fl. X.630, o Ministério Público Federal pugnou pelo reconhecimento da prescrição da [L25] pretensão executória dos condenados e consequente arquivamento dos autos. Essa NE3 possui características semelhantes e ao mesmo tempo peculiares às narrativas anteriores (N1 e N2). Semelhante aos outros dois condenados, WPS também foi qualificado nos autos do processo e condenado a pena privativa de liberdade de três anos e quatro meses pela prática do crime previsto no artigo 171 do Código Penal (L18 e19), além disso, a sentença que afirmou a sua condenação transitou em julgado noano de 1991 (Pn1 – L21), porém, diferente dos dois primeiros condenados, WPS “[...] jamais foi capturado [...]” (L20). A informação de que WPS “jamais foi capturado” (Pn4), sugere e, ao mesmo tempo, sintetiza uma série de ações tanto por parte do poder público, no que se refere às tentativas de captura do foragido, quanto por parte do condenado, no sentido, por exemplo, de fugir, esconder-se ou algo dessa natureza. Em suma, após a condenação de WPS (Pn1), é esperado que ele seja preso, porém ao ser narrado que as “Várias tentativas de captura [que] foram efetivadas pela Polícia Federal [foram] sem sucesso (Pn4) constatamos que isso não aconteceu, pois em nenhuma dessas tentativas, a Polícia Federal conseguiu capturá-lo. Outro ponto importante deve ser elucidado: a informação expressa na L23 (Pn3) faz uma espécie de sumarização de uma série de diligências tomadas por parte do poder público. Ou seja, ao narrar que várias tentativas de captura foram efetivadas pela PF, temos a informação, por inferência, que houve um primeiro momento – após o trâmite da sentença em julgado – em que se buscou a prisão de WPS (Pn2), porém não ocorrendo, novas tentativas então foram efetivadas, ou seja, as buscas continuaram por tempo e tentativas não estipulados no relatório da sentença. Dessa forma, o Nó desencadeador da trama narrativa que envolve WPS, por inferência, é iniciado pela sua não prisão após ter a sentença com trânsito em julgado ao seu desfavor, o desencadeia uma serie de novas tentativas de captura. 111 Por nunca ter sido capturado, WPS nunca cumpriu qualquer tempo de encarceramento (Pn4), encontrando-se assim foragido da justiça. Entretanto, “Em Manifestação de fl. [...], o Ministério Público Federal pugnou pelo reconhecimento da prescrição da pretensão executória dos condenados e consequente arquivamento dos autos.” (L24 e 25), o que significa dizer que assim como os demais condenados (pelo crime previsto no art. 171 do Código Penal) e também fugitivos, WPS teve sua pena extinta e seu processo arquivado. Em comparação com os demais condenados no mesmo processo, o fato de WPS não ter sido preso provoca uma espécie de quebra de paralelismo em relação às narrativas anteriores. Já o caso da sua não captura narrada na L20 – logo após sua qualificação nos autos e sua condenação – por si só, antecipa e encerra a narrativa de uma forma preliminar, no sentido em que pré anuncia, pelo menos, dois dos cinco momentos dessa narrativa, a saber, a Pn2 e a Pn3, além da Pn2 em um nível global. À exceção da não prisão de WPS, a Pn1 dessa N3 traz elementos linguísticos semelhantes aos identificados nas mesmas macroproposições iniciais anteriores das N1 e N2. Mais precisamente, os elementos linguísticos contextualizadores da trama narrativa estão dispostos nessa Pn1 também de modo a responder a, pelo menos, três perguntas: quem? WPS; o quê? Praticou um crime, foi qualificado nos autos e condenado a pena de três anos e quatro meses; Por quê/Por qual motivo? pela prática do crime prevista no artigo 171 do Código; Quando? Em dezembro de 1991. O estado de equilíbrio dessa narrativa existe, porém não em si mesmo, pois como enfatizado anteriormente, a narrativa do processo jurídico expressa no relatório dessa sentença judicial já começa pela informação do crime cometido pelo(s) condenado(s). O equilíbrio existe em oposição ao Nó que, nessa narrativa, é o fato de WPS não ter sido capturado pela PF (Pn2), a princípio, em um primeiro momento, o que gera reações. A Pn4 dessa N3 narra o insucesso das tentativas de captura empreendidas pela PF. As demais informações dessa macroproposição narrativa apenas ratificam esse insucesso e ainda destacam o fato de o condenado jamais ter sido capturado. Quanto à Pn5, o Ministério Público também pugnou pela extinção da pena e pelo arquivamento do processo do referido condenado. Nesse caso, independente de WPS cumprir ou não qualquer tempo de encarceramento assim como os demais, a decisão foi a mesma. 112 Destacando o parágrafo 7 desse relatório, observamos a ocorrência de uma nova narrativa. Trata-se das linhas 18, 19 e 20, as quais constituem uma nova narrativa encaixada, a NE5. Reiteramos que a ocorrência de uma narrativa encaixada não está limitada a constituir uma única macroproposição ou um único momento ou fase de uma narrativa de nível global. A exemplo disso, a NE5 é formada por um único parágrafo do relatório que sintetiza uma parte considerável de toda a narrativa do fluxo processual que envolve o referido condenado. O parágrafo 7 é responsável por apresentar explicitamente dois dos cinco momentos da narrativa de nível global de WPS, a saber, a Pn1 e a Pn4, entretanto, através de inferências podemos reconstruir essa NE com cinco momentos, ou seja, com um alto grau de narrativização. 5.6.1 Narrativa encaixada 5 (NE5) Com vistas a facilitar a análise da NE5, reproduzimos abaixo o parágrafo com suas respectivas linhas demarcadas para, em seguida, identificarmos seus componentes narrativos. [L18] Finalmente, WPS, também qualificado nos autos e igualmente condenado a pena privativa de liberdade [L19] de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 171 do Código Penal [L20] (fls. X.030/X.056), jamais foi capturado, sem que tenha cumprido qualquer tempo de encarceramento Considerando esse sétimo parágrafo do relatório como continente de uma narrativa encaixada, distribuímos no quadro a seguir suas proposições narrativas e suas respectivas localizações em linhas. Quadro 16: Narrativa encaixada 5 (NE5) PROPOSIÇÕES NARRATIVAS OCORRÊNCIAS NA NE5 < L18, 19 e 20 < N3 Situação inicial (Orientação) (Pn1) [Por inferência] WPS havia cometido o crime e estava em liberdade. 113 Nó (Desencadeador) (Pn2) [Por inferência] WPS foi processado pelo [L19] crime previsto no art. 171 do Código Penal Re-ação ou Avaliação (Pn3) [Por inferência] Ações processuais: oitivas em geral; idas e vindas do processo etc. [L18] [...] WPS, também qualificado nos autos [...] Desenlace (Resolução) (Pn4) [L18] WPS [foi] igualmente condenado a pena privativa de liberdade [L19] de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão [e, por inferência] teve seu mandado de prisão expedido. Situação final (Pn5) [L20] [WPS] jamais foi capturado, sem que tenha cumprido qualquer tempo de encarceramento. Semelhante às inferências feitas na identificação das situações iniciais das narrativas anteriores, principalmente, no que se refere às narrativas encaixadas, entendemos que a Pn1 – não explicitada nessa narrativa – refere-se à liberdade de WPS, embora este já tivesse praticado o crime pelo qual, posteriormente, foi acusado no processo. Como também já explicitado em análises anteriores, a Pn2 desse processo narrativo narra o fato de WPS ter sido processado pelo crime previsto no artigo 171 do Código Penal. Para a identificação dessa proposição narrativa, unimos uma inferência a uma informação constante no próprio relatório (L19). Como resultado da abertura de um processo judicial, inferimos que a Pn3 dessa narrativa diz respeito às ações processuais em geral, entre as quais, a qualificação de WPS nos autos do processo (L18) e as oitivas em geral, ou seja, todo o trâmite processual que resultou posteriormente na sua condenação (Pn4). A Pn4 dessa NE, assim como as demais resoluções dos processos dos outros dois condenados, estabelece uma clara relação simétrica com a Pn2. O fato de WPS ter sido condenado contrasta com o fato de, em um primeiro momento, ter sido processado, o que por sua vez, nos faz concluir que através dos trâmites processuais apurou-se a materialidade delitiva e consequente comprovação de sua autoria na prática do crime pelo qual foi processado e respectivamente condenado.Como ser condenado não implica ser preso, uma das ações resultantes dessa primeira parte do Desenlace, por inferência, foi a expedição de um mandado de 114 prisão contra o então condenado. Em narrativas encaixadas anteriores (NE1, NE2 e NE3), as prisões foram efetivadas após as condenações, o que nos permitiu interpretar esse momento como a Situação final (Pn5) de todas elas. Entretanto, o caso de WPS é diferente, pois a Pn5 ou Situação final dessa NE5 é finalizada com a informação de que ele “jamais foi capturado, sem que tenha cumprido qualquer tempo de encarceramento.” (L20). 5. 7 SINTESE Como até aqui temos observado, as linhas 21, 22, 23, 24 e 25 (parágrafos 8, 9 e 10) ocuparam as mesmas posições nos quadros de identificação das macroproposições narrativas dos três condenados em suas respectivas narrativas globais. As L21 e 22 em todas as ocorrências, em nível global, constituíram parte da Pn1, pois narraram a informação do trânsito em julgado da sentença que apenou os condenados (JGL, GPS e WPS) pelo crime cometido. Entendemos que a informação do status da sentença constitui parte da Pn1 da narrativa dos três condenados porque ela reforça que, em um primeiro momento, o processo que decidiu pelas suas condenações foi dado como encerrado. Ou seja, como interpretamos que a qualificação nos autos e a condenação pelo crime previsto no art. 171 co Código Penal pertencem ao estado inicial do processo de cada um dos três condenados em oposição às fugas realizadas, o trânsito da sentença em julgado apenas ratifica o que já foi posto, a saber, a condenação dos três. Na L23 do relatório dessa sentença, vimos que “Várias tentativas de captura dos foragidos foram efetivadas pela Polícia Federal”. Em todas as narrativas de nível global (N1, N2 e N3), essa informação foi identificada como constituindo a Pn3, pois se mostrou como uma clara reação do poder público ao fato de os condenados terem fugido ou deixado de se apresentar, de modo que os dois primeiros (JGL e GPS) já haviam sido presos, mas WPS não. Embora o relatório da sentença tenha narrado as diferenças existentes nos processos individuais de cada um dos três condenados, um acontecimento é comum a todos: mais cedo ou mais tarde, deixaram de se apresentar, por isso a tentativa de 115 prendê-los – narrada na L23 – serviu a todos e foi considerada a Re-ação comum a todas as narrativas globais. É importante destacar que em todas as narrativas de nível global houve situações narradas que de alguma forma anteciparam o que, posteriormente, narraria a L23, ou seja, todas as narrativas, ao tratar dos condenados de forma individual (dos parágrafos 1 - 7) deram pistas de que todos se encontravam foragidos, o que também antecipou, de certa forma o insucesso das tentativas de captura empreendidas pela PF que é narrado na L23. Entretanto, considerando toda a tessitura do relatório, entendemos que, do ponto de vista da "progressão referencial e tópica" (Cf. MARCUSCHI, 2006), embora tenha havido uma antecipação de uma informação posteriormente narrada – como houve em todas as narrativas – entendemos que não houve uma repetição ou uma redundância, pois a informação narrada na L23 só reforçou e enfatizou as diligências tomadas por parte do poder público na tentativa de efetivar as prisões dos então condenados no processo. A fim de ilustrar as antecipações da informação do insucesso da PF no que se refere às tentativas de captura dos condenados na L23, lembramos que após narrar que JGL deixou de se apresentar, o texto sumariza sua situação ao dizer que “Cumpriu, portanto apenas 1 (um) ano [...]” (L8 e 9). Semelhantemente ocorreu com a narrativa de GPS, quando depois de narrar sua fuga (L14 e 15) é posto na L16 e 17 que ainda há pena a cumprir. Já o caso de WPS na L20 reitera-se que ele “jamais foi capturado”. Ou seja, esses trechos antecipam a informação do insucesso das tentativas de captura empreendidas pela PF narrada na L23. Quanto à proposição “porém sem sucesso” presente no início da Pn4 – em todos os casos narrados – sempre aponta para a resolução da narrativa, antecipando assim o seu desenlace em uma perspectiva global. Já as últimas linhas do relatório (L24 e 25), localizadas no parágrafo 10, foram destinadas a tratar do efetivo encerramento da narrativa do fluxo processual dos três condenados e também o efetivo encerramento das ações processuais anteriores a decisão, o que nos leva a ter a mesma Situação final (Pn5) para todos. Como vimos, a Pn5 tratou da prescrição de suas penas e o respectivo arquivamento dos processos, o que significa dizer que a extinção da punibilidade dos contraventores ou criminosos (JGL, GPS e WPS), deu-se em razão de não terem sido efetivadas as prisões em tempo hábil no referido processo. 116 Constatamos também que, por se tratar de narrativas processuais de condenados pelo mesmo crime (171 – estelionato), o juiz – através do relatório dessa sentença – conduziu as informações desses processos de forma bastante semelhante no que se refere à disposição dos acontecimentos que trataram das ações praticadas pelos condenados e pelo poder público. Pudemos constatar também que o relatório dessa sentença conduziu as narrativas dos processos dos condenados de duas formas: individual e coletivamente. Ao tratar as narrativas dos processos de cada um dos condenados individualmente, o juiz enfatizou as particularidades de suas ações, o que contribuiu para diferenciar cada uma das três narrativas entre si no relatório dessa sentença, por exemplo, os dois primeiros condenados citados no relatório passaram pelas mesmas situações desde o crime cometido até as suas prisões, já o caso de WPS é diferente, pois ele sequer foi preso, o que tornou a sua narrativa mais curta que a dos demais. Porém, mesmo os dois primeiros condenados tendo passado pela prisão, suas narrativas são diferentes, pois o primeiro condenado tornou-se reincidente e teve sua pena agravada, já o segundo condenado não. Apesar de ambos cumprirem pena em regime semiaberto, o primeiro condenado deixou de se apresentar uma única vez, enquanto que o segundo condenado, por duas vezes fugiu. Ao afirmar que o relatório dessa sentença também conduziu as narrativas dos condenados de forma coletiva, chamamos atenção para as suas últimas 5 linhas do texto do relatório. Com vistas a não se utilizar de repetições e, com isso deixar o texto, de certa forma, cansativo ou redundante, nas ultimas linhas do relatório (L21, 22, 23, 24 e 25) ou mais precisamente nos parágrafos 8, 9 e 10, o juiz fez uso de expressões no plural para se referir às informações relacionadas aos três condenados. Dessa forma, uma parte da Situação inicial (Pn1 – L21 e 22), a Re- ação (Pn3 – L23), a primeira proposição do Desenlace (Pn4 – L23) e a Situação final (Pn5 – L24-25) foram comuns as três narrativas globais e, por essa razão, os trechos do relatório referentes a esses momentos foram dispostos nos quadros de análises também de cada uma dessas narrativas. No quesito estrutural, os sete primeiros parágrafos desse relatório trazem, em linhas preliminares, as narrativas dos três condenados, mais precisamente, a maior parte da Situação inicial (Pn1), o Nó (Pn2) e o Desenlace (Pn4), restando aos 117 parágrafos restantes (8, 9 e 10) uma parte final da Situação inicial (Pn1), a Re-ação (Pn3), um pequeno trecho do Desenlace (Pn4) e a Situação final (Pn5). Em síntese, mostramos, no quadro a seguir, um resumo dos trâmites processuais narrados no relatório dessa sentença, a partir do qual podemos visualizar os principais acontecimentos que envolvem as personagens (os condenados) citadas no texto. No quadro, utilizamos as informações do relatório em forma de orações tendo os condenados como sujeito. Dessa forma, na coluna da esquerda, apresentamos as ações e nas demais colunas da direitaelencamos os condenados que estão relacionados a essas ações. Quadro 17: Resumo das ocorrências narradas no relatório OCORRÊNCIAS NARRADAS NO PROCESSO CONDENADOS Foi processado pelo crime previsto no art. 171 do Código Penal JGL GPS WPS Foi qualificado nos autos JGL GPS WPS Foi condenado a pena privativa de liberdade JGL GPS WPS Foi preso JGL GPS Empreendeu fuga JGL GPS WPS Foi novamente preso pela Polícia Federal GPS Empreendeu nova fuga GPS Encontra-se foragido JGL GPS WPS Teve o processo arquivado e a pena extinta JGL GPS WPS Através desse quadro podemos ter uma visão mais sistematizada dos principais acontecimentos do processo. Os casos de JGL e GPS são os mais semelhantes (considerando os acontecimentos expostos no quadro acima), pois ambos foram qualificados, condenados, presos, fugiram, não foram capturados e tiveram suas penas extintas. No caso de GPS, a fuga aconteceu por duas vezes, na última, não foi preso. O relato de WPS é mais curto em comparação aos demais: ele 118 foi qualificado e condenado a pena privativa de liberdade como os outros, porém mesmo nunca sendo capturado, também teve a extinção de sua pena. Quanto ao grau de narrativização, todas as narrativas de nível global possuem todas as cinco macroproposições narrativas de base que correspondem aos cinco momentos da narrativa propostos por Adam (2011), quais sejam: Situação Inicial (Pn1), Nó ou Desencadeador (Pn2), Re-ação ou Avaliação (Pn3), Desenlace ou Resolução (Pn4) e a Situação Final (Pn5). Já as narrativas menores – as encaixadas – que integram as narrativas de nível global, foram constituídas por encadeamentos menores de proposições enunciadas. Além disso, parte dos momentos que constituíram as narrativas encaixadas foram recuperados através de inferência. A fim de termos uma visão geral das ocorrências das narrativas, bem como de seus encadeamentos entre si, suas relações de complementaridade e suas respectivas localizações no relatório, apresentamos um esquema que mostra a estrutura composicional de todo o relatório dessa sentença. Através desse esquema seguinte, temos uma visão sistematizada das três narrativas globais – a saber, N1 (JGL), N2 (GPS) e N3 (WPS) – e de suas respectivas narrativas encaixadas, que, ao todo se somam cinco: duas na primeira narrativa global, duas na segunda e uma na terceira. A narrativa1 (JGL) é formada por cinco macroproposições narrativas de base (Pn1, Pn2, Pn3, Pn4 e Pn5) e ocorre nas linhas 1 a 8 e nas linhas 23 a 25. A Pn1 dessa narrativa apresenta duas narrativas encaixadas (NE1 e NE2): na NE1 utilizamos a inferência em quatro dos cinco momentos dessa narrativa, de modo que na Pn1 e na Pn2 a inferência serviu como um complemento da proposição; na NE2 apenas a Pn1 foi inferida. A narrativa 2 (GPS) também é formada por cinco macroproposições narrativas e ocorre entre os limites das linhas 10 a 17 e das linhas 23 a 25. Essa narrativa global possui duas narrativas encaixadas: uma delas presente na Pn1 e outra é formada por trechos da Pn3 e da Pn4, ou mais precisamente é formada no parágrafo 7 do relatório o qual compreende as linhas 14 e 15, somada a L23. A Pn1 dessa N2 constitui a narrativa encaixada 3 (NE3), a qual é composta por quatro momentos explícitos da narrativa (Pn2, Pn3, Pn4 e Pn5), sendo inferida a Pn1. A Pn4 dessa N2 constitui a narrativa encaixada 4 (NE4) e é composta pelos cinco 119 momentos da narrativa de maneira explícita, ou seja, teve todos os seus momentos expressos na materialidade linguística. A narrativa 3 (WPS) é formada por quatro macroproposições narrativas explícitas (Pn1, Pn3, Pn4 e Pn5) e uma implícita ou inferida (Pn2) e ocorre entre as linhas 18 a 25. Essa N3 possui, na composição das linhas 18, 19 e 20, mais um encadeamento de proposições enunciadas que configuram a narrativa encaixada 5 (NE5): composta por quatro dos cinco momentos de uma narrativa com alto grau de narrativização; intercalada ou complementada por inferências no Nó (Pn2), na Pn3 (Re-ação ou Avaliação) e na Pn4 (Desenlace). Esquema 1 – Estrutura composicional do relatório da sentença estudada Fonte: dados da pesquisa 120 CAPÍTULO VI 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O relatório da sentença, que é a parte que contém a sinopse do processo, é por excelência um texto predominantemente composto por macroproposições de base narrativa. Apesar de ser um sintético resumo do processo, o relatório traz as informações mais relevantes dos autos, ou seja, é no relatório que o juiz relata ou narra apenas aquilo o que julga importante relatar ou narrar, como elucidamos nas análises o uso dos termos “Relatado. Decido”, os quais reforçam essa assertiva. Mesmo sendo uma sinopse do processo, o relatório dessa sentença não se limitou apenas a elencar ou enumerar as ações das partes envolvidas, pois como pudemos observar ocorreu uma intriga em cada uma das narrativas que envolveram cada um dos condenados citados (JLG, GPS e WPS). No relatório dessa sentença, o Nó desencadeador da trama narrativa (Pn2) ocorreu da mesma forma para todos os três condenados, a saber, por meio da fuga: mostrada na forma do não comparecimento na unidade prisional, tanto nos casos dos que cumpriam pena em regime semiaberto e deixaram de se apresentar (JGL e GPS) como também no caso do que sequer foi preso, como WPS. Porém em todas as ocorrências a reação (Pn3) foi a mesma: as tentativas de captura dos foragidos empreendidas pela Polícia Federal. As ocorrências narradas nesse relatório nos apresentam não apenas uma, mas três narrativas com um alto grau de narrativização. Narrativas que ora se mostram ser independentes umas das outras, ora mostram complementaridade entre si. Preliminarmente, tomando os resultados da sentença analisada para obtenção das respostas às questões de pesquisa, quanto à questão: “Como ocorrem as sequências narrativas no gênero sentença judicial?” concluímos que, com vistas a não repetição de expressões ou estruturas (como no caso da última parte da Pn1, da Pn3 e da Pn5), a narrativa foi conduzida de forma individual, tratando as especificidades de cada um dos condenados de forma separada e, 121 consequentemente, diferindo-os uns dos doutros; e de forma coletiva, em determinados momentos, narrando as mesmas tomadas de decisão para todos. Outro ponto a se considerar é a presença das cinco macroproposições narrativas em todas as narrativas de nível global, o que mostra narrativas com um alto grau de narrativização, e com isso mostra também que não há apenas uma soma ou uma enumeração de ações, mas uma intriga para cada uma dessas narrativas e consequentemente transformação de um estado de coisas. Sobre o “efeito dominante” (ADAM, 2011, p. 276), vimos que o relatório da sentença estudada é um texto predominantemente composto por proposições e sequências narrativas, as quais se dão na forma de sequências encaixadas, que permeiam todo o texto, dando-nos detalhes importantes para o entendimento da narrativa como um todo e também de sequências encaixantes, que abrem e fecham o texto. Dessa forma, observamos que na composição das narrativas de nível global (N1, N2 e N3) há outras narrativas menores, as chamadas narrativas encaixadas, as quais realizaram uma função indispensável à estrutura composicional das narrativas das quais fazem parte, assim como também são indispensáveis ao relatório em si e indispensáveis à sentença como um todo. Observamos que as narrativas encaixadas desempenham, sobretudo, um importante papel na construção dos sentidos, pois detalham ações e origens de acontecimentos narrados de forma mais sintética e ao fazerem isso, funcionam também como um fator de argumentação, como vimos na NE2. À exceçãoda N3, as demais narrativas de nível global tiveram, explicitamente, todas as suas macroproposições identificadas no relatório. Já no caso da Pn2 da N3, usamos o recurso da inferência para identificar o Nó, de modo que este estava implícito no contexto das demais ocorrências, o que, mesmo assim, nos faz entender ser uma narrativa com alto grau de narrativização. Quanto à questão: “Que elementos textuais e discursivos são utilizados nas sequências narrativas no gênero sentença judicial?” identificamos construções semelhantes em todos os momentos das narrativas dos três condenados. A Pn1, por exemplo, ocorreu da mesma forma para todos, no sentido de brevemente contextualizar/introduzir a narrativa ao expor o nome das partes envolvidas e o(s) motivo(s) que os levaram a responder aos processos, bem como o status da sentença com trânsito em julgado e a efetivação de algumas prisões. Nesses casos, consideramos os elementos “quem? o quê? por quê? e quando?” como elementos 122 linguísticos de identificação da Pn1, ou seja, constituintes da orientação da narrativa que funcionaram como uma espécie de movimento retórico característico desse texto. Observamos também em algumas passagens da Pn1 para a Pn2 a presença de expressões adversativas na forma “porém” (L13) e “entretanto” (L7 e 14). Essas expressões constituíram a Pn2 das duas primeiras narrativas globais e também da NE4. Observamos que essas expressões foram responsáveis por quebras nos estados de equilíbrio e consequente marcas desencadeadoras da trama narrativa. Todavia, enfatizamos que a passagem da Pn1 (Situação inicial) para a Pn2 (Nó) não ocorreu apenas com o uso de expressões dessa natureza; em alguns casos, a passagem de uma macroproposição para outra ou de um momento da narrativa para outro, por vezes, não trouxe, em si, uma marca linguística explícita e em casos assim a interpretação ou a identificação de uma macroproposição foi feita com base no co(n)texto, nas relações de sentido estabelecidas entre as partes do todo. Por outro lado, a mesma expressão “porém” presente na L20 introduziu a Pn4 na NE4, mostrando um Desenlace inesperado; uma quebra de expectativa, uma vez que nesse momento introduziu uma proposição enunciada que narrou o fracasso da PF em capturar os foragidos. Outra ocorrência de uma marca linguística e discursiva na tessitura de uma das narrativas é a expressão conclusiva “portanto” presente na L8 que introduziu um desfecho, um Desenlace para a primeira narrativa global ao concluir que a pena do condenado não havia sido cumprida por completo. Macroproposições como a Pn3 e a Pn5 não apresentaram nenhuma marca linguístico-discursiva específica. Suas identificações foram feitas com base em relações de sentido em relação com outras macroproposições e, no caso específico da Pn5, com base, sobretudo, na relação simétrica com a Pn1. Quanto à questão: “Qual o papel da sequência narrativa na composição do gênero sentença judicial?” entendemos que o uso desse recurso textual (narrativo) é a forma mais satisfatória de cumprir o que é exposto no primeiro parágrafo do artigo 489 do CPC quando diz que “o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo” ou o que propõe o segundo parágrafo do artigo 381 do CPP quando diz que a sentença deverá conter: “a exposição sucinta da acusação e da defesa”. 123 Por se tratar de uma única sentença judicial analisada, não podemos fazer generalizações no que se refere à estrutura composicional (plano de texto e sequências textuais) de toda e qualquer sentença – visto, também, que esse não é o objetivo dessa pesquisa. Porém em nossas análises, observamos que apesar de a sentença judicial ser um documento da esfera jurídica normatizado pelos CPP e CPC, ela nem sempre segue as normas de produção ou de conteúdo que lhes são impostas e, como prova do que aqui afirmamos relembramos o processo de seleção do corpus dessa pesquisa. Também em nossas análises, observamos que é importante conceber a possibilidade de se reconhecer a existência de duas situações finais (Pn5) para essas narrativas processuais: a primeira, considerando a perspectiva do condenado, é encerrada no momento de sua fuga, pois dessa forma ele já deixa de participar dessa narrativa, ou seja, para ele o processo acabou – encontrando-se ele em uma espécie de ‘liberdade’; a segunda Pn5, considerando a perspectiva do processo em si, esse processo deve seguir o seu trâmite normalmente, que, assim, culmina com a prescrição da pena do referido condenado. Em determinado momento de nossas análises (p. 92), destacamos o fato de a narrativa processual coincidir com determinadas definições da sequência narrativa conforme o modelo de Adam (2011). Isso se dá pelo fato de o autor considerar a Situação Inicial ou Pn1 como um momento antes do processo narrativo e a Situação final ou Pn5 como o momento depois desse processo. Ou seja, o autor considera a Pn1 e a Pn5 como momentos que marcam e delimitam os limites do processo narrativo, mas é o Nó ou Pn2 que efetivamente inicia esse processo e é seguido pela Re-ação ou Avaliação ou Pn3 e pelo Desenlace ou Pn4 que encerra esse processo, demarcando o seu final. Esses três momentos são, para Adam (2011), o núcleo do processo narrativo. (Ver seção 3.2.1.2 - pág. 54 e ADAM, 2011, p. 225). Assim, o que comparamos com a narrativa processual é que em algumas ocasiões o processo, do ponto de vista jurídico, teve efetivo início com a denúncia, o que em três ocorrências consideramos como o Nó, como foram os casos das narrativas encaixadas 1, 3 e 5, nas quais, por inferência assim o deduzimos. Entendemos que o relatório da sentença judicial tem por finalidade trazer a narrativa do fluxo processual do(s) réu(s). Dessa forma, concluímos que essa narrativa limita-se a narrar o trâmite processual até a condenação do então réu, de modo que uma sentença não vai trazer a informação da prisão desse já condenado, 124 pois esse é um procedimento que já não compete a esse documento; desse documento saem deliberações para a prisão, mas ele não garante e não registra essa prisão. Entretanto, a sentença que analisamos falou sobre a (não) prisão dos condenados porque tratou de narrativas de outros processos, ou seja, de algo que já se efetivou e trouxe esses acontecimentos para o texto desse último documento, em especial, por necessidade de constatar o cálculo da pena cumprida e do tempo em que estiveram foragidos para poder deliberar suas efetivas sentenças, que no caso foi de prescrição e arquivamento dos autos. Por essa razão, entendemos e afirmamos que nas análises das narrativas encaixadas 1, 3 e 5 a prisão dos condenados expressa um momento depois do processo jurídico e que, por sua vez, coincide com o que afirma Adam (2011) sobre o que considera ser a Situação final ou Pn5 que é o momento depois do processo narrativo propriamente dito. Da mesma forma, ao afirmarmos que o fato de GPS estar solto mesmo já tendo cometido o crime é um momento antes do processo jurídico, entendemos que o processo jurídico tem início com a denúncia ou com a abertura do processo propriamente dito (inquérito, por exemplo). Obviamente, o crime é o ponto de partida para a denúncia e para abertura desse processo judicial, e por essa razão é um elemento imprescindível para a narrativa do fluxo processual, que como já elucidamos, ocorre em torno desse crime. Em analogia ao estudo das sequências narrativas de Adam (2011), comparamos isso ao que o autor concebe como Situação inicial ou Orientação, ou seja, o momento que antecede o processo narrativo propriamente dito. Observamos também que o relatório dessa sentença não narrou apenas três processos, nesse caso, o processo de JGL, GPS e WPS, mas sim narrou vários processosenvolvendo esses três já condenados. Na narrativa processual de JGL, por exemplo, é possível identificar a soma de outros dois processos, inclusive a soma de sua pena é enfatizada. O caso de GPS é semelhante, uma vez que são narradas duas prisões: uma pela primeira sentença com trânsito em julgado (crime de estelionato ) e a segunda por não comparecer a unidade prisional – fato de estar cumprindo pena em regime semiaberto – e ser capturado pela Polícia Federal. Assim, entendemos que uma sentença judicial pode narrar tanto um único processo quanto pode narrar vários relacionados a um mesmo condenado. 125 Entendemos que para fazer considerações mais gerais a respeito do gênero (conteúdo, estrutura etc.), seria necessário um número maior de textos. Ao que nos propomos, acreditamos que esta pesquisa traz avanços significativos acerca do estudo tanto da sequência narrativa conforme o modelo proposto por Adam (2011), como também avanços sobre o entendimento do gênero sentença. Esperamos, com essa proposta, ter contribuído com os estudos linguísticos do texto e do discurso e com os estudos jurídicos. 126 REFERÊNCIAS ADAM, Jean-Michel. A Linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. Tradução de Maria das Graças Soares Rodrigues et al. 2.ed. rev. e aum. São Paulo: Cortez, 2011. _______. Por uma contribuição das ciências do estabelecimento dos textos (genética, filologia, tradução). In: ADAM, J. M.; HEIDMANN, U.; MAINGUENAU, D. Análises textuais e discursivas: metodologias e aplicações. São Paulo: Cortez, 2010. _______. Quadro teórico de uma tipologia textual. In BEZERRA, B. G; BIASI- RODRIGUES, B; CAVALVANTE, M. M. (Orgs.). Gêneros e sequências textuais. Recife: Edupe, 2009. _______. Linguistique textuelle: des genres de discours aux textes. Paris: Nathan, 1999. _______. Les textes: types et prototypes. Paris: Nathan, 1992. ADAM, J. M.; HEIDMANN, Ute. O texto literário: por uma abordagem interdisciplinar. 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X.553/X.557 a pena do referido condenado foi unificada, tendo em vista sua condenação no processo nº XX.0005570-9 pelo crime de falsidade ideológica, no qual foi condenado a pena de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, de forma que sua pena unificada restou totalizada em 04 (quatro) anos, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias. 3. O aludido condenado foi preso em 14.10.1997, tendo, entretanto, empreendido fuga na data de 03.03.1999, já que cumpria pena em regime semi-aberto e deixou de se apresentar. Cumpriu, portanto, apenas 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 17 (dezessete) dias de reclusão, se encontrando foragido desde o dia da fuga. 4. Por seu turno, GPS, também qualificado nos autos, foi igualmente condenado a pena privativa de liberdade de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 171 do Código Penal (fls. X.030/X.056). 5. Foi preso em um primeiro momento em 07.02.1992, porém, beneficiado pelo regime semi- aberto, deixou de se apresentar em 23.03.1992. Foi preso novamente em 03.06.1996, entretanto, mais uma vez, deixou de se apresentar em 29.08.1997, encontrando-se foragido desde então. 6. Cumpriu 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 11 (onze) dias do total da pena, restando, ainda, o tempo de 11 (onze) meses e 19 (dezenove) dias a cumprir. 7. Finalmente, WPS, também qualificado nos autos e igualmente condenado a pena privativa de liberdade de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 171 do Código Penal (fls. X.030/X.056), jamais foi capturado, sem que tenha cumprido qualquer tempo de encarceramento. 8. A sentença que apenou os condenados transitou em julgado em 12 de novembro de 1991, conforme certidão de fls. X.146. 9. Várias tentativas de captura dos foragidos foram efetivadas pela Polícia Federal, porém sem sucesso. 10. Em Manifestação de fl. X.630, o Ministério Público Federal pugnou pelo reconhecimento da prescrição da pretensão executória dos condenados e consequente arquivamento dos autos. 11. Relatado. Decido. 132 II – FUNDAMENTAÇÃO 12. Tendo em vista que os acusados foram condenados à pena privativa de liberdade de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, aplica-se à espécie, a priori, o prazo prescricional da pretensão executória de oito anos (art. 110 c/c art. 109, inciso IV, do Código Penal). 13. Saliente-se que, no caso do condenado JGL, em que pese sua pena ter sido unificada em04 (quatro) anos, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias, o prazo prescricional se mantém em oito anos, uma vez que o referido condenado já cumpriu parte da pena, havendo resquício de 03 (três) anos, e 23 (vinte e três), que deve regular, doravante, o prazo prescricional, por obediência ao art. 113 do Código Penal: Art. 113 - No caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o livramento condicional, a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena. 14. É verdade que o condenado é reincidente, haja vista a unificação das penas, o que gera aumento de um terço do prazo prescricional nos termos do art. 110 do CP: Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. 15. Entretanto, ainda assim resta certo que o prazo prescricional total já expirou, uma vez que totalizaria 10 (dez) anos e 08 (oito) meses e, como a fuga do condenado se deu em 03.03.1999, a prescrição ocorreu em 04.11.2009. 16. No caso de GPS a incidência da prescrição da pretensão executória é mais aparente ainda, uma vez que o referido condenado efetivamente cumpriu 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 11 (onze) dias do total da pena, restando, apenas, o tempo de 11 (onze) meses e 19 (dezenove) dias a cumprir, de forma que o prazo prescricional, nesta hipótese, é de 03 (três) anos, conforme se depreende dos artigos 110, 109, VI e 113 do Código Penal. 17. Uma vez que o condenado se evadiu desde 29.08.1997, a prescrição já operou seus efeitos desde a longínqua data de 20.08.2000. 18. Finalmente, no caso do condenado WPS, tendo a sentença transitado em julgado para a acusação em 12.11.1991, e não tendo se configurado qualquer das causas interruptivas enumeradas no art. 117 do Código Penal, já que o condenado jamais foi capturado, a prescrição da pretensão executória se operou em 13/11/1999, nos termos do art. 112, inciso I, do Código Penal. 19. Ressalte-se que ocorrendo a prescrição se extingue a punibilidade, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal. 20. Assim, seguindo a manifestação apresentada pelo Ministério Público Federal, impõe-se o reconhecimento da extinção da punibilidade dos apenados, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal. III – DISPOSITIVO 21. Ante o exposto, DECLARO EXTINTA A PUNIBILIDADE das penas impostas a JGL, GPS e WPS, tendo em vista a ocorrência da prescrição da pretensão executória relativa aos presentes fatos. 22. Façam-se as anotações pertinentes. Intimem-se as partes. 23. Após, nada mais sendo requerido, arquivem-se os autos. 24. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se Natal/RN, 25 de fevereiro de 2015. FEGF Juiz Federal (ambn) Processo n. xxxxxx-xx.xxxx.x.xx.xxxx JFRN – Justiça Federal no Rio Grande do Norte Processo: xxxxxx-xx.xxxx.x.xx.xxxx