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Roberta Hernandes • Ricardo Gonçalves Barreto MANUAL DO PROFESSOR ENSINO FUNDAMENTAL | ANOS FINAIS COMPONENTES CURRICULARES: ARTE, CIÊNCIAS, EDUCAÇÃO FÍSICA, GEOGRAFIA, HISTÓRIA, LÍNGUA INGLESA, LÍNGUA PORTUGUESA E MATEMÁTICA 8 O ANO ANO O 6 CAPA_INTEGRADORES_8e9ANO_PNLD2020_MP.indd 1 10/28/18 11:24 AM O ANO ANO O Roberta Hernandes Bacharel e licenciada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) Mestre e doutora em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP) Professora e Coordenadora de Língua Portuguesa na Rede Particular de Ensino Ricardo Gonçalves Barreto Bacharel e licenciado em Letras pela Universidade Mackenzie (SP) Mestre e doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) Autor de livros didáticos e consultor em Educação São Paulo, 1a edição, 2018 ENSINO FUNDAMENTAL | ANOS FINAIS COMPONENTES CURRICULARES: ARTE, CIÊNCIAS, EDUCAÇÃO FÍSICA, GEOGRAFIA, HISTÓRIA, LÍNGUA INGLESA, LÍNGUA PORTUGUESA E MATEMÁTICA MANUAL DO PROFESSOR 8 6 Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 1 10/28/18 11:05 AM II Direção geral: Guilherme Luz Direção editorial: Luiz Tonolli e Renata Mascarenhas Gestão de projeto editorial: Mirian Senra e Heloisa Pimentel Edição: Antonio Alexandre Facciolli, Regina Gomes de Souza e Beatriz Nogueira Camargo Gerência de produção editorial: Ricardo de Gan Braga Planejamento e controle de produção: Paula Godo, Roseli Said e Márcia Pessoa Revisão: Hélia de Jesus Gonsaga (ger.), Kátia Scaff Marques (coord.), Rosângela Muricy (coord.), Ana Curci, Ana Maria Herrera, Ana Paula C. Malfa, Brenda T. M. Morais, Célia Carvalho, Cesar G. Sacramento, Claudia Virgilio, Diego Carbone, Gabriela M. Andrade, Hires Heglan, Luiz Gustavo Bazana, Amanda T. Silva e Bárbara de M. Genereze (estagiárias) Arte: Erika Tiemi Yamauchi (coord.) Diagramação: Nathalia Laia (assist. arte), Gustavo Vanini e Tatiane Porusselli (manual do professor) Iconografi a: Sílvio Kligin (ger.), Denise Durand Kremer (coord.), Iron Mantovanello Oliveira e Thaisi Lima (pesquisa iconográfi ca) Licenciamento de conteúdos de terceiros: Thiago Fontana (coord.), Celestina Perestrelo, Flávia Zambon, Liliane Rodrigues, Luciana Sposito (licenciamento de textos), Erika Ramires, Luciana Pedrosa Bierbauer, Luciana Cardoso Sousa e Claudia Rodrigues (analistas adm.) Tratamento de imagem: Cesar Wolf e Fernanda Crevin Ilustrações: Mário Kanno e Primo da Cidade ilustras & Co. Cartografi a: Eric Fuzii (coord.) Design: Erika Tiemi Yamauchi (proj. gráfi co) e Adilson Casarotti (capa) Ilustrações de capa: Nathalia Laia e Twin Design/Shutterstock Todos os direitos reservados por Editora Ática S.A. Avenida das Nações Unidas, 7221, 1o andar, Setor D Pinheiros – São Paulo – SP – CEP 05425-902 Tel.: 4003-3061 www.atica.com.br / atendimento@atica.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Hernandes, Roberta Da escola para o mundo, 8º e 9º anos : ensino fundamental, anos fi nais / Roberta Hernandes, Ricardo Gonçalves Barreto. — 1. ed. — São Paulo : Ática, 2018. Suplementado pelo manual do professor. Bibliografi a. ISBN: 978-85-08-18995-3 (aluno) ISBN: 978-85-08-19161-1 (professor) 1. Ensino fundamental. I. Barreto, Ricardo Gonçalves. II. Título. 2018-0101 CDD: 372 Julia do Nascimento - Bibliotecária - CRB-8/010142 2018 Código da obra CL 713630 CAE 630115 (AL) / 630116 (PR) 1a edição 1a impressão Impressão e acabamento Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 2 10/28/18 11:05 AM ORIENTAÇÕES GERAIS - MANUAL DO PROFESSOR APRESENTAÇÃO Caro professor, Este Manual tem o objetivo de fornecer suporte e sugerir caminhos para o seu trabalho em sala de aula com os projetos integradores. Acreditamos na importância da mediação do professor na construção de uma sala de aula dinâmica e criativa e na formação de jovens com saberes e valores que os capacitem para a atuação cidadã no século XXI. Este Manual apresenta textos e fundamentação teórica para que você possa compreender a organização da coleção, os princípios que a norteiam e as escolhas teórico-metodológicas que fizemos. Compreender políticas públicas de educação e conhecer autores e documentos que discu- tem escolhas curriculares e a função da escola devem ser objeto de estudo do professor. Analisar conceitos e a teoria em que estão alicerçados bem como estar disposto a refletir sobre novas propostas e enfrentar novos desafios é o que torna o trabalho do professor ao mesmo tempo tão desafiador e tão recompensador. Além de mostrar como a obra está estruturada e em que está fundamentada, nos preo- cupamos em apresentar alternativas de como ela pode ser usada no dia a dia da sala de aula. Há textos de apoio e bibliografia que fornecem subsídios para o trabalho com os projetos, mostrando as aprendizagens que eles possibilitam, desde as conceituais às procedimentais e socioemocionais, complementando o cotidiano da sala de aula e formando, verdadeiramente, um aluno pronto para as demandas contemporâneas. Buscamos a escrita de um material claro e acessível, alinhado com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que dialoga criticamente com ela no desenvolvimento das Competências Gerais e das Habilidades dos vários componentes curriculares. Este Manual procura dar ele- mentos para que você estabeleça um alinhamento com essas diretrizes e esclareça dúvidas sobre o trabalho com os projetos em seu dia a dia, fortalecendo suas escolhas, ajudando-o a planejar seu curso e a estabelecer conexões possíveis com outros componentes e saberes. O Manual pode ser lido linearmente e também pode ser consultado em seus itens a partir de questões específicas, para entender melhor algum tópico ou buscar alguma complementa- ção às suas aulas. Esperamos que ele possa ser útil para ajudar você a enriquecer a sala de aula e tornar sua prática pedagógica ainda mais significativa. Os autores III Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 3 10/28/18 11:05 AM IV ORIENTAÇÕES GERAIS 1 Fundamentos .............................................................................................................................. V O que este Manual oferece ao professor ............................................................................................ IX O que esperar do trabalho com projetos ............................................................................................... X Como o trabalho com projetos propicia a aprendizagem inter e transdisciplinar ..................... XVI As competências socioemocionais ..................................................................................................... XVIII Como o trabalho com projetos ajuda a desenvolver as competências socioemocionais ...... X XIII Como o professor põe em prática e avalia as competências socioemocionais .........................X XV Fundamentação teórico-metodológica ...........................................................................................X XV Alinhamento com os documentos governamentais ................................................................ X XVI Temas integradores e o trabalho com projetos ....................................................................... X XVIII Como trabalhar com projetos na prática ............................................................................................X X X Como articular aulas específicas para o trabalho com projetos ................................................X X XV Os projetos no dia a dia da sala de aula ......................................................................................... X X XVI Como motivar a equipe para os projetos .....................................................................................X X XVIII A importância da situação-problema ou desafio ......................................................................X X XVIII 2 O adolescente no contexto escolar .............................................................................XXXIXQuem são os alunos do Ensino Fundamental em seus Anos Finais e como eles aprendem ............................................................................................................................ X X XIX Como os projetos podem favorecer o desenvolvimento dos adolescentes ..................XLV 3 Formas de avaliação ............................................................................................................XLVI 4 Estrutura da coleção ................................................................................................................... L Perfil de cada parte do livro ........................................................................................................................ L Progressão dos projetos de um ano para o outro ........................................................................ LIV Sobre as competências ..............................................................................................................................LV 5 Quadro dos volumes ............................................................................................................... LVI 6 Bibliografia de apoio ............................................................................................................LVIII 8o ano .................................................................................................................................... LX 9o ano............................................................................................................................... LXXIII Reprodução do Livro do Aluno ............................................................................................. 1 ORIENTAÇÕES POR ANO SUMÁRIO Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 4 10/28/18 11:05 AM ORIENTAÇÕES GERAIS - MANUAL DO PROFESSOR V Sempre que nos propomos a pensar a educação e a refle- tir sobre como efetivar certas escolhas e ideias a respeito de ensino e aprendizagem, estamos buscando responder a perguntas como: Quais são as finalidades últimas da educa- ção? Que tipo de sociedade e de cidadão queremos e deve- mos formar? A partir dessas questões se organizam as leis da educação, os currículos das escolas, os planejamentos dos professores e as atividades dos alunos. Ou seja, do plano mais amplo à tarefa mais simples, o que se procura é refletir sobre a função social da escola. No texto a seguir, esse tema é apresentado por Coll e Martín. ORIENTAÇÕES GERAIS 1 Fundamentos A função social da escola Todos nos desenvolvemos em diferentes contextos educativos, e a escola é apenas um deles. Assim como su- cede atualmente em muitas culturas, na nossa também não existia escola até um momento histórico bastante recente. Diante da falta das instituições de educação for- mal, a tarefa de fazer com que os novos membros façam parte do grupo social correspondente, desenvolvendo neles as capacidades próprias de sua cultura, é garanti- da mediante outro tipo de práticas sociais, fundamen- talmente aquelas que se desenvolvem no contexto da família e dos grupos de pares, e mediante a progressiva incorporação das crianças e dos jovens às atividades produtivas dos adultos. Nesses casos, a socialização e o desenvolvimento individual dos membros das novas gerações se torna possível graças à sua participação nas atividades e práticas sociais que ocorrem em tais con- textos de desenvolvimento (Solé, 1998). Nas sociedades modernas, o aumento do conhecimento e da especialização exige novas aprendizagens cuja aqui- sição não pode ser garantida mediante a participação desses tipos de práticas e de atividades, mas requer uma ajuda intencional, planejada e sistemática. A institucio- nalização da educação escolar no decorrer do século XIX, assim como sua universalização e ampliação progressiva durante o século XX, são justificadas pelo fato de que tal ajuda é decisiva para que crianças e jovens possam adquirir e desenvolver determinadas capacidades con- sideradas fundamentais no grupo social do qual fazem parte. Embora seja evidente que, objetivamente, a institui- ção escolar desempenha muitas outras funções – trans- missão da cultura, construção da identidade nacional, reprodução da ordem social, formação da mão de obra de acordo com as exigências do mercado de trabalho, etc. – a existência da educação escolar, especialmente, em seus níveis básicos e obrigatórios, só se legitima plenamente mediante sua indispensável função de contribuir para que as crianças e os jovens adquiram e desenvolvam as competências necessárias para se incorporarem como membros de pleno direito à sociedade à qual pertencem. Desse ponto de vista, a escola é uma instituição uti- lizada pela sociedade para oferecer aos membros das novas gerações as experiências de aprendizagem que lhes permitam se incorporar ativa e criticamente a ela. A importância de sua função justifica que a escolariza- ção seja considerada um direito de qualquer cidadão, e seu descumprimento represente um ataque à igualdade de oportunidades (Puelles, 1996). A escola assim enten- dida é um dos recursos educativos que os grupos sociais possuem, assim como também é depositária de uma missão concreta. De fato, ao contrário do que sucede na maioria dos outros contextos de desenvolvimento, a instituição escolar precisa definir explicitamente suas intenções educativas, isto é, estabelecer sua parcela de responsabilidade na tarefa de contribuir com o desen- volvimento e com a socialização das pessoas. Entre outras funções, o currículo desempenha jus- tamente a de concretizar as intenções educativas da escola mediante a identificação daquelas capacidades que, embora imprescindíveis para o desenvolvimento e a socialização dos alunos, não são garantidas – ou são insuficientes – pelos outros contextos educativos dos quais também participa. Assim, o currículo constitui um projeto social (Coll, 1987; Coll, Darder e Pelach, 1991). Nele se estabelece o perfil dos futuros cidadãos com cuja formação a sociedade deseja contribuir. Deve ser, portanto, um projeto social amplamente debati- do, assumido e impulsionado. Nele deve ser definido o papel a ser desempenhado pela educação escolar no desenvolvimento dos futuros cidadãos e cidadãs com o nível de precisão suficiente para nortear a tarefa daque- les que têm de desenvolver tal função: os professores. O estabelecimento das intenções educativas que de- vem reger a atuação da escola é, acima de tudo, o re- sultado de uma análise sobre o tipo de sociedade que temos e também uma decisão sobre o tipo de sociedade que queremos formar. [...] COLL, César; MARTÍN, Elena. Aprender conteúdos e desenvolver capacidades. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 13-14. Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 5 10/28/18 11:05 AM ORIENTAÇÕES GERAIS - MANUAL DO PROFESSORVI Segundo os autores, a escola tem um papel para além da família e do círculo de convivência social da criança e do jovem. Essa afirmação suscita algumas reflexões. Primeiro, o fato de a escola estar integrada à sociedade não significa que sua função seja reproduzir integralmente a sociedade. Segundo, a escola dispõe de um conjunto de saberes que só ela pode transmitir, o que inclusive justifica sua própria existência. Pela importância da escola, ao lado de outras institui- ções sociais, na formação ampla dos cidadãos, ela é um direito de todos, não pode ser oferecida apenas a alguns. Toda sociedade democrática tem como base um conjunto de valores, entre eles igualdade de oportunidades, universali- zação do acesso a uma tradição de cultura e possibilidade de formar cidadãos críticos, capazes de fazer escolhas. Toda escola democrática, portanto, deve ser uma escola inclusiva. O aprimoramento do currículo escolar é um aspecto fun- damental que não pode ser resumido a um ou dois momen- tos de um curso de formação, presencial ou à distância. Ele tem que ser tratado como um dos principais focosdo professor, algo que o torna mais capaz de ensinar o que ele considera legítimo de ser ensinado. Se o século XXI é o século da chamada sociedade do conhecimento (Hargreaves, 2004), isto é, a sociedade em que o conhecimento é o principal recurso para a produção e a criação de riqueza, prosperidade e bem-estar para a população, a tarefa da escola e do professor torna-se, no mínimo, desafiadora. Ao lado do excesso de informações com que somos bombardeados cotidianamente, e de certo modo contraditoriamente, surge quase que um desinteres- se pelo conhecimento e uma banalização dele. O conheci- mento parece estar em todo lugar e em nenhum lugar ao mesmo tempo. Esse panorama reforça a necessidade de formar um alu- no preparado para os desafios que está enfrentando (a vida do aluno não começa depois da escola, ela está em curso o tempo todo e deve sempre ser considerada no horizonte educativo) e que enfrentará depois de finalizar sua forma- ção na educação básica. A sociedade do conhecimento pre- vê a necessidade de investir em capital intangível, humano e social. Hoje, a produção de riquezas é determinada não só pela força de trabalho, mas pelo nível científico, pelo progresso tecnológico e pela capacidade de aprendizagem das sociedades. Isso quer dizer que, diferentemente da so- ciedade industrial, em que a força mecânica do trabalhador da fábrica (que impulsionava as máquinas por uma quan- tidade de horas de trabalho) era o essencial para o avanço econômico, na sociedade atual é a capacidade de dominar Competências e habilidades Competência pode ser definida como o desempe- nho eficaz nos diferentes âmbitos da vida, por meio de ações nas quais se mobilizam habilidades de ma- neira inter-relacionada, considerando componentes atitudinais, procedimentais e conceituais. Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhe- cimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho. Habilidade pode ser definida como a ação realizada pelo aluno, mobilizada a partir da articulação de dife- rentes conteúdos. Representa uma ampla diversidade de ações independentemente do conteúdo utilizado. Procedimento pode ser definido como o conjunto de ações ordenadas com um fim, ou seja, direciona- das para a realização de algo, com etapas e sequên- cias claras. diferentes linguagens e tecnologias, de resolver problemas, de propor soluções inovadoras e de interagir em grupos que determina o perfil do trabalhador ideal. Desde os anos 1980, com a gradativa inserção da in- ternet como suporte de busca de informações e acesso a conteúdos, a educação voltada para a exclusiva ou preva- lente transmissão de conhecimentos sofre um processo de questionamento e reavaliação. Ensinar o quê? Ensinar para quê? Nesse contexto, busca-se formar alunos diferentes dos que eram formados para reproduzir informações em quantidade. Hoje, o aluno que desejamos formar deve ser competente, criativo e crítico, não apenas reprodutor de conhecimento e cumpridor de tarefas. Ensinar desenvolvendo competências e habilidades sig- nifica formar um aluno crítico e capaz de mobilizar os co- nhecimentos adquiridos para resolver situações-problema e enfrentar questões complexas tanto na vida escolar como além dos muros da escola. Nessa perspectiva de ensino, o conteúdo deixa de ser o foco principal dos planejamentos. Procedimentos, habili- dades e competências passam a também ser considerados para compor a formação ampla e integral do aluno. Essa é uma mudança de perspectiva que vem ocorrendo no ensino regular, dentro mesmo do planejamento dos professores no trabalho com seus componentes curriculares. Deixa-se, por exemplo, de enfatizar o ensino de datas para enfatizar Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 6 10/28/18 11:05 AM ORIENTAÇÕES GERAIS - MANUAL DO PROFESSOR VII a reflexão crítica, opta-se pela reflexão do como fazer e do raciocínio que conduz à resolução de um problema em vez de priorizar-se o ato mecânico de repetir uma série de exercícios. No caso da opção pelos projetos integradores, a formação integral do aluno é enfatizada, uma vez que a própria integração dos conteúdos não obedece aos pa- drões de trabalho tradicional com os conteúdos em sala de aula, mas priorizam um enfoque eminentemente inter ou transdisciplinar. O trabalho por projetos integra pelo menos dois componentes curriculares, podendo, de acordo com o modo como o currículo está organizado em cada escola e a partir da ação do professor no planejamento de suas ações educativas, ser ampliado para envolver outros conteúdos e procedimentos que acrescentem problematização às apren- dizagens que os alunos desenvolvem durante o projeto. Num planejamento para trabalhar com projetos integra- dores, o centro deixa de ser uma simples lista de tópicos, subtópicos, sequenciação e aferição de aprendizagem para tornar-se um organismo mais vivo e complexo. É como se o professor pudesse seguir uma espécie de roteiro mental (selecionando modos de introduzir o tema, propondo novas perguntas desafiadoras quando se chegou a uma resposta rápida e esquemática demais, por exemplo) ou mesmo físico (em alguns casos, com planejamentos aula a aula, semana a semana ou por tema) com base em uma lista de pergun- tas e problematizações. Se num trabalho disciplinar há a certeza de que determinados conteúdos e conceitos são imprescindíveis e até mesmo que devem seguir uma ordem padronizada, outras questões podem ser levantadas pelo professor ao planejar um trabalho com projetos. • O que é essencial que meu aluno saiba sobre esse con- ceito/tema para formar-se de modo integral? • Que valores e atitudes estão previstos na discussão desse conceito/tema? • De que modo os conhecimentos prévios dos alunos po- dem ser acessados no início do estudo e considerados ao longo do desenvolvimento do projeto? • Que estratégias de mediação do conhecimento posso utilizar ao longo deste projeto? • Como vou acompanhar o processo de desenvolvimento do projeto e que recursos vou usar para avaliá-lo? Essas questões evidenciam que planejar o ensino para o trabalho com projetos integradores pressupõe um profes- sor mediador, que lança desafios e propõe uma questão ou problema a ser resolvido (ou discutido) ao longo da apren- dizagem de um determinado tema num período específico. Nessa perspectiva, o aluno se encontra numa postura mais ativa/investigativa e o professor na função de mediador e articulador das aprendizagens propostas. Questionar as representações “únicas” da realidade [...] A terceira ideia que dá sentido à educação para a compreensão é a que se propõe em termos de que aquilo que se aprende deva ter relação com a vida dos alunos e dos professores, ou seja, deva ser interessante para eles. O que não quer dizer, como a tradição da Escola ativa preconizou, “partir dos interesses dos alunos” e muito menos do que “gostariam de estudar ou saber”. Seguir esse caminho ao pé da letra significaria reduzir suas possibilidades como apêndices, limitar suas ulterio- res aprendizagens do que “não sabem” que lhes possa interessar, e a contextualização do que conhecem de maneira parcial ou fragmentária. Essa concepção supõe que a educação escolar possa possibilitar a aquisição de estratégias de conhecimento que permitam ir além do mundo tal como estamos Os documentos governamentais apontam para esse caminho, como trataremos adiante. Uma vez que a Base Nacional Comum Curricular pensa o currículo com foco em competências e habilidades, há uma opção para o diálogo entre os componentes, para uma abordagem que concebe o conteúdo não como um fim em si mesmo, mas como uma possibilidade de desenvolver conceitos, habilidades e com- petências, indo além da memorização e buscando o diálogo inter e transdisciplinar. Não bastamais que os alunos, por exemplo, sejam capazes de reconhecer e descrever ca- racterísticas de um folheto de cordel. Eles também devem ter condições de planejar e produzir seu próprio folheto, dentro de uma proposta articulada e contextualizada. O mesmo deve se dar com conceitos relevantes de quaisquer componentes, cujo aprendizado não deve estar apenas a serviço de reconhecer um determinado saber e ser capaz de resolver exercícios sobre ele, mas também de utilizá-lo como ferramenta na investigação de um tema maior, extra- polando o circuito da repetição e viabilizando a problema- tização e a aplicação desses conceitos na construção de habilidades e competências. Esse é o caso do conceito de fração, por exemplo, importante tanto na linguagem mate- mática como na compreensão de conceitos musicais, como escala e notas musicais. A opção pelo trabalho com projetos integradores possibi- lita, ainda, um olhar crítico e reflexivo para a realidade. Per- mite, também, a partir da diversidade de temas e recortes possíveis, um olhar que rompa com a chamada “representa- ção única da realidade”. Sobre a importância desse desafio, passemos ao texto a seguir, em que Fernando Hernández aborda o tema. Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 7 7/15/19 11:41 AM ORIENTAÇÕES GERAIS - MANUAL DO PROFESSORVIII acostumados a representá-lo, por meio de códigos lin- guísticos e sinais culturais estabelecidos e “dados” pelas matérias escolares e pela bagagem outorgada pelo grupo social ao qual pertence. Essa visão do conhecimento é uma forma de teoria ou ideologia para interpretar a realidade, que se encontra limitada, em boa parte, pela persistência do currículo acadêmico organizado por disciplinas como única forma possível de levar adiante o ensino. Uma aproximação à história do currículo e às matérias que o integram revela que a escolha do que deve ser ensinado na Escola respondeu a decisões explicáveis por circunstâncias históricas, e não devido à “essencialidade” ou ao caráter fundamental de de- terminadas matérias disciplinares (Hargreaves, Earl e Ryan, 1996). Partindo dessa perspectiva, uma tarefa fundamental do currículo escolar consistiria na proposta de ques- tões do tipo: Como se produziu esse fenômeno? Qual é a origem dessa prática? Sempre foi assim? Como o percebiam as pessoas de outras épocas e lugares? Con- sideravam-nos tal como nós? Como se explicam essas mudanças? Por que se considera uma determinada vi- são como natural? Por que se excluem outras interpre- tações? Como esse fenômeno afeta nossas vidas e as de outras pessoas? A partir dessas e de outras perguntas, procuraria buscar-se, com os alunos, fontes diversas que apresentem respostas que sejam reflexo de como o conhecimento não é estável e que a realidade não se “fixa” em função das interpretações que se produzem em cada momento. Com isso, a cultura escolar adquire a função de re- fazer e de renomear o mundo e de ensinar os alunos a interpretar os significados mutáveis com que os indiví- duos das diferentes culturas e tempos históricos dotam a realidade de sentido. Ao mesmo tempo que lhes abre as portas para compreender suas concepções e as de quem os rodeiam. Essa tarefa vem acompanhada pelo questionamento da ideia da “verdade” e da “objetividade” e das visões unilaterais que impõem um único ponto de vista como interpretação de um fenômeno. Gergen (1992) recolhe uma série de argumentos e referências que apoiam uma visão do conhecimento baseado num certo relativismo derivado de algumas mudanças na concepção do que pode constituir a “identidade” dos fenômenos e dos in- divíduos, com respeito a como foram constituídos pelas formas de racionalidade produzidas pela modernidade. A partir dessa perspectiva, o ensino da interpretação seria a parte central de um currículo que adota um enfoque para a compreensão, onde se tenta enfrentar o duplo desafio de ensinar os alunos a compreender Conforme exposto no texto, a ideia não é partir daquilo que possa ser considerado interessante pelo aluno num sentido individual e/ou descontextualizado do conjunto de saberes previstos para a escola trabalhar. Ou seja, a escola, em sua função social, tem o compromisso de propor o traba- lho com determinados conceitos, conteúdos, habilidades e competências. Além disso, como aponta ainda Hernández, essa ideia poderia gerar uma fragmentação perigosa, com a repetição de alguns temas e com a abordagem de outros pelos quais o aluno não tenha interesse. A ideia é pensar e propor temas e questões que, do ponto de vista do traba- lho escolar, dialoguem tanto com o jovem aprendiz quanto com a realidade que o cerca. Ou seja, o viés de abordagem é tão importante e significativo quanto aquilo que se escolhe trabalhar em sala de aula. Planejar o ensino por projetos pode se alinhar, e esta é a proposta desta coleção, com aquilo que Hernández no- meia como a possibilidade de adquirir estratégias de co- nhecimento que permitam ir além do mundo como estamos acostumados a representá-lo. Ou seja, um conteúdo que usualmente é abordado numa determinada perspectiva pode, por meio de um projeto e de uma adequada questão desafiadora, favorecer a desconstrução dos modos de ver e analisar a realidade, ampliando o horizonte de discussão e formando o aluno para múltiplos olhares sobre o real. Até porque, como aponta o texto, as disciplinas que compõem o currículo do que deve ser ensinado na escola obedecem também a circunstâncias históricas e a escolhas que res- ponderam a questões do seu tempo; não há uma “essen- cialidade inata” nelas. As respostas às questões do nosso tempo, o século XXI, podem, nesse sentido, incorporar a complexidade e os múltiplos olhares e competências que nossa época propõem. Uma aprendizagem por projetos pode, portanto, propor questões que discutem fenômenos, questionam olhares estabelecidos, problematizam mudanças, incorporam interpretações diversas, relacionam tais fenômenos a nossas vidas e práticas cotidianas, buscando romper com uma visão fixa e única do saber. Agindo assim, es- taríamos atendendo a uma importante função da cultura escolar, segundo Hernández, a de renomear o mundo e ensinar os alunos a interpretar os sinais mutáveis com que as interpretações sobre os fenômenos da realidade, a tratar de compreender os “lugares” desde os quais se constroem e assim “compreender a si mesmos”. [...] HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998. p. 27-28. Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 8 10/28/18 11:05 AM ORIENTAÇÕES GERAIS - MANUAL DO PROFESSOR IX os indivíduos dotam a realidade do mundo. Mais do que isso, estaríamos possibilitando aos alunos a construção de outras e novas realidades, escapando à ideia de que a escola estaria a serviço apenas da reprodução dos saberes. Um aluno formado integralmente deve ser capaz de atuar a fim de transformar a sociedade a partir dos desafios que se colocam em seu tempo. Interpretar a realidade, a partir de projetos integradores, é inserir-se na realidade que se estuda e estabelecer com ela um diálogo frequente e capaz de construir conhecimen- to e não apenas recebê-los, desconstruir estereótipos em vez de aceitá-los, questionar verdades únicas e realidades aparentemente imutáveis. O que este Manual oferece ao professor A função de um Manual, geralmente, é compartilhar com o professor os arranjos conceituais, comportamentais e valorativos que estão na base das opções didático-meto- dológicas mobilizadas pela obra. O professor deve, por essa razão, considerar que conteúdos, problemáticas e saberes estão expostos aqui a fim de que a leitura do Manual, feita em partes ou como um guia de apoio ao planejamento, pro- picie uma base segura para suas ações junto aos alunos. O Manual, dessa forma, não deve ser entendido como uma lista de conteúdos disciplinares ou como uma receitade como promover ações interdisciplinares, visto que não tem um caráter prescritivo. O Manual expõe uma concep- ção específica sobre o processo de ensino-aprendizagem resultante de escolhas curriculares. Ou seja, o Manual expli- cita não apenas a importância dos conteúdos trabalhados, mas especialmente sua vinculação com o currículo de cada componente. Ao propor o trabalho com projetos integradores, esta obra apresenta uma escolha pela abordagem inter e trans- disciplinar no tratamento de conteúdos, saberes, habilida- des e competências. Isto significa que os projetos vão pres- supor o diálogo entre componentes e o trânsito de saberes entre eles, com o objetivo de chegar a um produto alcançado por meio da investigação. Uma metodologia de trabalho com projetos, portanto, trata de conhecimentos que não são integralmente abordados em nenhum componente. Um conjunto significativo de saberes que podem fazer parte da formação de nossos alunos costuma ficar de fora quando a opção metodológica é de cunho tradicional. Aliás, numa perspectiva tradicional, costuma-se com- preender o aprofundamento como uma complexificação de saberes já abordados: a descrição de uma paisagem geográfica, por exemplo, realizada em várias etapas da formação escolar pelos alunos, é revisitada agregando-lhe outros elementos, que se tornam fundamentais quando tratamos de progressão. No recorte oferecido pelos pro- jetos integradores, não é apenas mais um conhecimento de um componente que esteja sendo trabalhado que seria agregado em estruturas cognitivas já prontas, mas também capacidades de outras ordens, de outros campos de saber. Quando se propõe uma metodologia de projetos integra- dores, não se trata de fazer ajustes em aspectos pontuais do currículo ou mesmo em elementos situados na concep- ção de ensino-aprendizagem: trabalhar com projetos pres- supõe uma mudança de cultura que significa compartilhar estratégias e conteúdos entre componentes; propor uma abordagem de conceitos por meio da problematização e da investigação contínuas; colocar o aluno como protagonista do processo, rompendo o ciclo da transmissão de conteúdos por si só; entender a aprendizagem como uma nova forma de interpretar, refletir sobre e generalizar os aprendizados. Ao propor um projeto em que o aluno investiga as rela- ções entre a Matemática e a Música, por exemplo, os conteú- dos de cada um dos componentes envolvidos no estudo, a Matemática e a Arte, são mobilizados ao mesmo tempo, com o intuito de se adquirir uma aprendizagem cuja existência somente se encontra nos dois componentes em conjunto. O estudo das frações, por si só, não garante a compreen- são da escala musical. Por sua vez, tocar um instrumento não implica, necessariamente, a compreensão das frações. Na articulação entre ambos os componentes e a partir do lugar de centralidade ocupado pelo aluno nas atividades propostas são construídos os saberes e vivências de um projeto com esse tema. Outro aspecto relevante no trabalho com projetos é a possibilidade de se trabalhar com competências socioemo- cionais. Estudar em grupo com um objetivo comum, muitas vezes coletivo, e partir de questões que se relacionam com o universo do aluno e que permitem vivenciar experiências de autoconhecimento e autoconfiança são aspectos fun- damentais para que o aluno se sinta confiante em formular hipóteses sobre problemas dos quais ele não tem domínio pleno. Como se pode notar, a dimensão socioemocional é importante em toda aprendizagem e possui aspectos parti- culares no que se refere ao Ensino Fundamental. Como ve- remos adiante, há, nessa fase de formação dos alunos, uma variação muito grande de estados psíquicos e emocionais, o que torna importante que as propostas desenvolvidas em sala de aula possam reforçar a cooperação, o diálogo e a su- peração de conflitos, que são vivências previstas nessa faixa etária. O trabalho com projetos, ao propor uma metodologia e uma sala de aula diversa da do cotidiano, pode se configurar como um potencializador de vivências positivas pelos alunos. Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 9 10/28/18 11:05 AM ORIENTAÇÕES GERAIS - MANUAL DO PROFESSORX Este Manual abordará tanto questões relacionadas aos aspectos teóricos que fundamentam a escolha do trabalho por projetos quanto questões relacionadas às competên- cias socioemocionais, às especificidades do trabalho com projetos na sala de aula, ao universo do adolescente e a como ele aprende. Abordará também aspectos comple- mentares ao trabalho com projetos, como a importância do desafio proposto e formas de avaliação adaptadas a essa metodologia. O objetivo é garantir um respaldo nas iniciativas de trabalho, seja de uma equipe formada por vários professores, seja de um professor que desenvolva individualmente experiências de trabalho com projetos integradores, contando com a colaboração esporádica de seus colegas. Mais do que fornecer uma receita de como trabalhar por projetos, este Manual e a coleção oferecem caminhos e indi- cações para fortalecer a escolha do professor e demonstrar que essa abordagem, tão importante na formação integral do aluno, pode ser incorporada à rotina da sala de aula, com a participação dos alunos, e trazer a recompensa de ver finalizados produtos em que os jovens se reconhecem e com os quais estabelecem uma relação significativa. O que esperar do trabalho com projetos Um dos pontos estruturantes do trabalho com proje- tos é a possibilidade de propor o contato dos alunos com a realidade que os cerca mediados pela escola. Muitas vezes nos questionamos, como professores, sobre os limites que existem, dentro do cotidiano da sala de aula, para trabalhar temas que possibilitem aos alunos reconhecer conexões e construir relações com a realidade. Se um dos papéis da escola é possibilitar esse contato do aluno com temas rele- vantes socialmente, a vantagem do trabalho com projetos é promover o contato do aluno com a realidade via mediação da escola. Por meio dos projetos, propomos questões que extrapolam a escola, mas que são desenvolvidas e media- das com adultos educadores e com o respaldo do ambiente escolar. Não se trata de propor ao aluno que se lance ao mundo, mas de proporcionar, dentro do ambiente escolar, esse contato tão enriquecedor com o mundo. O trabalho com projetos nas suas dimensões ética, con- ceitual, procedimental e comunicacional pode ser desenvol- vido e organizado para dar conta de todos os aspectos que o professor precisa garantir na sua atividade educadora. Não se trata, por exemplo, de simplesmente pedir ao aluno que faça uma pesquisa, uma entrevista, uma visita ao museu, e acreditar que isso está dando conta de estabelecer o diálogo entre a escola e o mundo. Trata-se de planejar intencional- mente ações que levem à aquisição de conhecimentos e procedimentos. Preparar o aluno para uma entrevista, por exemplo, pressupõe considerar a ética que envolverá as questões a serem propostas ao entrevistado, a correção e a otimização do que se vai perguntar, o tratamento que será dado às respostas obtidas, a discussão desses resultados alcançados e também a sistematização de informações. Ou seja, quando se trabalha com projetos, procedimentos como a entrevista são recursos para a aquisição de um saber e não um fim em si mesmo. A mediação do professor é funda- mental para orientar o aluno a observar cada tarefa, cada procedimento como parte de um todo maior, de um projeto que se completa por meio de atividades e etapas diversas. O trabalho com procedimentos sempre foi importante e significativo, mas muitas vezes esteve restrito ao chamado currículo oculto. Ensinar a ler um texto literário, informati- vo ou argumentativo; ensinar a retirar dados de um texto e interpretá-los; ensinar a fazer a leitura de imagens, sejam elas pinturas, charges, mapas ou infográficos, e ensinar a levantar hipóteses para testar fenômenossão alguns dos procedimentos estruturantes da relação que cada compo- nente estabelece com o conhecimento. No entanto, muitas vezes considerava-se que tais procedimentos deveriam ser aprendidos autonomamente pelos alunos. Ou seja, se o professor estivesse tratando de determinado tema, uma questão da Geografia física ou política, por exemplo, e pedis- se aos alunos que recorressem a determinado mapa, acre- ditava-se que, naturalmente, os alunos seriam capazes de realizar essa leitura. Se não conseguissem, seria preciso repetir esse tipo de atividade até que os alunos superassem essa dificuldade. Contemporaneamente, com a crescente importância do trabalho com as tecnologias de comunica- ção e com a valorização de atividades ligadas à oralidade, acrescentou-se a essa visão a necessidade de, por exemplo, o aluno ser capaz de realizar exposições orais com base em banners ou apresentações digitais utilizando slides como apoio e de criar infográficos e realizar um fórum de debate. É preciso certo cuidado quando se propõe a execução de algum produto que não tenha relação direta com o que se está trabalhando em aula ou que exija um conhecimento que não temos certeza de que o aluno detenha. Por vezes, no dia a dia da sala de aula, isso acaba acontecendo devi- do ao tempo escasso para realizar determinada atividade. Assim, por exemplo, embora um estudo se concentre no levantamento de critérios para discutir um determinado problema relacionado ao futebol, o produto final propos- to pelo professor, um vídeo, fica a cabo exclusivamente dos alunos, sem mediação ou tempo de aula destinado a ele. Nessas condições, originam-se produtos de natureza muito diferente: alunos que dominem a linguagem de pro- dução de vídeos poderão desenvolver ótimos trabalhos (o Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 10 10/28/18 11:05 AM ORIENTAÇÕES GERAIS - MANUAL DO PROFESSOR XI dos. Nas várias etapas da realização de um projeto, é im- portante que ocorram sínteses parciais, tanto para avaliar o que se aprendeu até ali quanto para redimensionar o tra- balho que se terá pela frente. O compartilhamento desses resultados deve ser considerado não como uma atividade em si, mas como parte importante do projeto. Várias são as estratégias que podem ser usadas com esse fim – desde exposições orais até debates e trocas de ideias, passando pelo registro e divulgação das informações relevantes obti- das na realização de uma pesquisa em grupo. O importante é garantir uma progressão e que não haja uma espécie de vácuo entre a proposta inicial e a finalização do projeto, tratando o meio do caminho, o percurso, como pouco sig- nificativo. Trabalhar com os alunos a importância dessa construção passo a passo permite que eles se apropriem dos objetivos e atuem no sentido de garanti-los e de tornar a experiência a mais significativa possível. Cabe ainda, quando se trabalha por projetos, considerar seu caráter coletivo. Sabemos que ninguém constrói um projeto sozinho, seja ele escolar ou não. Os alunos precisam saber disso e vivenciar a necessidade da troca e da intera- ção próprias desse tipo de metodologia. Atividades em gru- po, contribuições individuais em uma discussão coletiva e interações socioemocionais de toda ordem estão previstas na aprendizagem por projetos. Nesse sentido, o professor precisa saber que são esperados percalços. Quando inicia- mos a realização de um projeto, devemos considerar que podem ocorrer momentos de negociação e até mesmo de tensão entre os alunos. Esperar que os alunos concordem em todos os pontos de imediato e que não haja dissenções no grupo é não levar em conta o momento psíquico-emo- cional que os alunos do Ensino Fundamental em seus anos finais estão vivendo. Em cada um desses momentos de conflito, é preciso agir de acordo com as possibilidades de negociação dadas por eles. Ou seja, não há fórmulas prontas para a gestão dos conflitos. A própria vivência dos alunos em circunstâncias desse tipo na sala de aula ajuda-os a construir um repertório de mediação socioemocional para utilizar em novas situações. Por fim, é preciso lembrar que o trabalho com compe- tências e habilidades não se dá no vazio. Ninguém possui habilidades e competências per si; todos nos tornamos com- petentes em algo para algo. Ou seja, conteúdos e conceitos continuam a ocupar papel importante na aprendizagem por projetos. A diferença se dá no modo como eles são mobiliza- dos e com que finalidade. César Coll chama a atenção para o lugar ocupado pelos conteúdos em diferentes propostas metodológicas, da mais transmissiva à mais construtivista, no texto a seguir. que não está diretamente relacionado com o que se vinha estudando em sala ou com o que foi proposto e ensinado pelo professor); outros alunos, que não dominem esse co- nhecimento e que tenham mais dificuldades, podem acabar não vendo seu esforço valorizado e, mais sério do que isso, podem finalizar a atividade sem ter aprendido o procedi- mento necessário para se chegar ao produto estipulado. Ou seja, propor o uso de diferentes linguagens e a execução de produtos criativos para finalizar um estudo pressupõe preparar os alunos para serem competentes para realizá-los e fornecer o apoio necessário para que o consigam. Não basta dizer: Quero que vocês pensem num modo criativo para criar uma revista sobre o tema X. É preciso esclarecer aos alunos a relevância do produto escolhido para aquela situação e ensinar a eles não apenas como realizá-lo, mas também como se apropriar desse conhecimento para utili- zá-lo em outras ocasiões. Construir infográficos, fazer uma pipa, organizar um sarau e promover um fórum de discussão são procedimentos vinculados a experiências sociais que os alunos podem mobilizar em momentos distintos de sua vida, dentro e fora dos muros da escola. Nesta coleção, por meio de seções específicas, o aspec- to procedimental é contemplado, sempre que necessário, para apoiar o trabalho do professor e do aluno. Tanto a re- lação de materiais necessários para a produção de algo quanto os passos que organizam a execução do produto fazem parte das orientações de trabalho. Na medida em que o produto solicitado ao aluno pressupõe o trabalho com um procedimento, ele estará amparado nessa construção. Quando se propõe aos alunos, por exemplo, que montem uma Biblioteca volante para facilitar o acesso da comuni- dade a obras significativas selecionadas por eles, é preciso indicar-lhes como fazê-lo. Algo simples para nós, adultos, pode gerar dúvidas e problemas na condução do processo. A montagem de uma biblioteca volante pressupõe comprar livros ou obtê-los por doações; organizá-los num espaço que seja móvel; encontrar algum mecanismo para controlar empréstimos e devoluções; considerar um suporte com informações sobre os livros para que a escolha das pes- soas seja apoiada por critérios, etc. Apoiar os alunos com informações e sequenciação de tarefas não é tolher seu protagonismo ou sua criatividade, mas respaldá-los para que possam efetivamente agir, ser capazes de realizar o que é proposto. Pedir-lhes que façam algo e deixá-los livres para isso pode, ao contrário, desestimulá-los na realização de tarefas mais complexas, especialmente quando os re- sultados alcançados não são os esperados por eles e pelos professores, os mediadores do processo. Outro ponto relevante quando se aborda a aprendizagem por projetos está relacionado à comunicação dos resulta- Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 11 10/28/18 11:05 AM ORIENTAÇÕES GERAIS - MANUAL DO PROFESSORXII mente, mas, sim, aquela que garante algumas condições ideais para que os alunos desenvolvam as suas poten- cialidades e capacidades cognitivas, afetivas, sociais e de aprendizagem. Novamente, por motivos históricos e muito especialmente pela sua ligação com determi- nadas teorias do desenvolvimento e da aprendizagem – entre outras, a teoria genética elaborada por Piaget e pela escola de Genebra –, esta concepçãoalternativa da educação escolar esteve associada a uma interpretação cognitivista e construtivista do ensino e da aprendiza- gem que outorga uma importância decisiva à atividade do aluno. As propostas curriculares inspiradas nesta concepção tendem, logicamente, a destacar a impor- tância da criatividade e da descoberta na aprendiza- gem escolar, a atribuir à atividade do aluno um papel decisivo na aprendizagem, a minimizar e a relativizar a importância dos conteúdos e a conceber o professor mais como um guia, um facilitador ou um orientador da aprendizagem do que como um transmissor do saber constituído. Há um fato que vale a pena destacar neste confronto de concepções alternativas da educação escolar, é que ambas são propostas com um caráter monolítico. No que se refere estritamente aos conteúdos, a importân- cia que lhe é atribuída pela concepção “tradicional” aparece intimamente vinculada a uma interpretação transmissiva e cumulativa do ensino e da aprendiza- gem, enquanto o seu questionamento ou a relativização na concepção “progressista” está associada a uma inter- pretação cognitiva e construtivista da aprendizagem. Dessa forma, a rejeição de uma concepção transmissiva e cumulativa do ensino e da aprendizagem – rejeição justificada pelo que hoje sabemos sobre o funciona- mento psicológico – trouxe consigo uma rejeição ou, pelo menos, um questionamento e uma relativização da importância dos conteúdos. [...] COLL, César; POZO, Juan Ignacio; SARABIA, Bernabé; VALLS, Enric. Os conteúdos na reforma: ensino e aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. p. 10-11. Os conteúdos na educação escolar [...] O que importa, então, não é tanto a reivindicação em si, da importância dos conteúdos nas propostas cur- riculares, mas sim compreender as razões que justifi- cam essa reivindicação, o que se entende por conteúdos nessas propostas e qual o papel que desempenham na complexa trama de decisões relativas ao para que, o que, quando e como ensinar e avaliar. Vamos por partes. A que se deve a tendência men- cionada de minimizar a importância dos conteúdos? É justificada a crítica de que os conteúdos tiveram e continuam a ter um peso excessivo na educação es- colar? No que se refere à primeira pergunta, acredito que esta tendência é uma reação às limitações e erros do que poderíamos chamar de uma concepção “tradi- cional” da educação escolar. Resumindo ao máximo e talvez simplificando demais, esta concepção entende basicamente a educação escolar como a realização de uma série de aprendizagens de conteúdos específicos, sistematicamente planejados, graças aos quais os alunos e alunas incorporam e interiorizam os conhecimentos e a esses a sociedade confere maior importância num dado momento. A partir dessa forma de entender a educação escolar, uma pessoa educada é a que apreen- deu, no sentido estrito do termo, o que é considerado, em nível social, o saber constituído, o saber verdadeiro. Tal visão da educação, por outro lado, esteve asso- ciada historicamente a uma interpretação do ensino e da aprendizagem em termos de pura transmissão e recepção, ou seja, com uma interpretação “transmis- siva” e “cumulativa”. Como é lógico a partir de tais suposições, as propostas curriculares elaboradas no marco dessa concepção enfatizam a transmissão de conhecimentos, fazem com que os conteúdos desem- penhem um papel de coluna vertebral no ensino e na aprendizagem, atribuem aos alunos e alunas um papel essencialmente receptivo e concebem o professor ou a professora como os responsáveis pela transmissão do saber constituído. A reação crítica diante dessa concepção mais tradi- cional da educação escolar – que continua tendo, não obstante, uma vigência considerável na prática – cris- talizou-se, principalmente a partir de certas interpre- tações pedagógicas dos estudos mais recentes sobre a psicologia infantil e a psicologia do desenvolvimento, em uma concepção alternativa, apresentada em geral como “progressista” ou “centrada no aluno” que é a negação, quase ponto por ponto, do que se afirmou anteriormente. Assim, nesta concepção alternativa, entende-se que a educação escolar ideal não é a que transmite os saberes constituídos e legitimados social- O texto não se refere propriamente à importância dos conteúdos nas propostas curriculares, mas ao papel que desempenham quando nos perguntamos, especialmente, o que e como ensinar e avaliar. Valorizar excessivamente os conteúdos faz parte de uma abordagem denominada tradicional e que pressupõe a interiorização de conteúdos específicos, sistematicamente planejados e supostamen- te interiorizados pelos alunos. Nessa perspectiva trans- missiva, os conteúdos ocupavam toda a cena escolar e se considerava que isso garantiria o manejo pelos alunos dos Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 12 10/28/18 11:05 AM ORIENTAÇÕES GERAIS - MANUAL DO PROFESSOR XIII lidades de leitura de problemas que envolvem dimensões éticas e afetivas, assim como problemas socioeconômi- cos e ambientais. Uma abordagem que ignora os anseios existenciais, o interesse livre pelo conhecimento e por sua construção contínua por parte dos alunos forja, em princí- pio, uma escola excludente. Os currículos que subsidiam as práticas nas escolas ex- plicam-se, muitas vezes, por meio de modelos universais de educação, de Estado e de sociedade, deixando de lado fatores que dizem respeito à realidade em transformação em que estão inseridos os alunos, os docentes e a pró- pria escola. Essa construção, que é histórica, acabou por reforçar práticas de ensino reprodutoras de conteúdos e mecanismos de aprendizagem desarticulados do mundo e de sua dinâmica. Por outro lado, o aluno idealizado por muitos professores é aquele dotado de um conhecimento acadêmico e livresco, capaz de reproduzir fotograficamente o que lhe foi transmitido, mas sem a capacidade de tomar os conhecimentos como base para um entendimento da realidade que o cerca. Pouca importância se dá para um olhar que ultrapasse o saber científico em seu aspecto disciplinar. A atenção do ensino recai, em geral, sobre a transmissão de modelos, leis e teorias que devem ser entendidas e aplicadas à realização de atividades a eles associadas. O contexto sociocultural que influencia e sofre influência das produções científicas e tecnológicas não é abordado, fazendo com que os alunos criem a ilusão de que há somente uma forma de aprender/ saber/estudar determinados conhecimentos. Pensar os saberes em suas mais diversas relações, com a tecnolo- gia, com a arte, com a ética, com o cotidiano, resumiria um movimento de transformação metodológica que, longe de esvaziar os conhecimentos culturalmente relevantes que fazem parte da formação considerada, por muitos docen- tes, básica para os alunos, possibilitaria a recolocação da relação ensino-conhecimento-aprendizagem. A proposta de uma reflexão sobre as finalidades da edu- cação humanista e científica aponta não só para a neces- sidade de uma redefinição do papel da escola na formação dos alunos, mas também reforça a ideia de que é importante agregar novas possibilidades pedagógicas ao cotidiano es- colar. Controvérsias ou tensões sintetizam alguns dos im- passes vivenciados pelos professores no dia a dia de suas escolhas metodológicas: quantidade de matéria versus qualidade da formação; alfabetização científica e técnica versus feitos científicos extraordinários; uma alfabetização “disciplinar” versus a proposição de problemas; construção de conhecimentos centrados no individual ou no coletivo; as ciências em uma abordagem “clássica” versus as ciên- conceitos envolvidos. Numa abordagem dita progressista, por sua vez, o processo de aprendizagem estaria quase todo voltado para a atividade do aluno em tarefas de na- tureza criativa. Os conteúdos estariam, nessa proposta, praticamente esvaziados de seu sentidoanterior. Nesse contexto, a aprendizagem por projetos, combina- da a outras concepções educacionais, faz uma espécie de síntese de aspectos positivos presentes em várias propos- tas: a valorização de conteúdos essenciais; a importância da participação do aluno nas decisões sobre o que e como aprender e como divulgar essa aprendizagem; a possibili- dade da autoavaliação como elemento integrado ao próprio domínio dos conteúdos; a alternância entre momentos in- dividuais, em duplas e em grupos de trabalho; a abertura para trocas de ideias e de experiências com a comunidade em que a escola está inserida. Toda construção reflexiva sobre a formação escolar de crianças e adolescentes deve levar em consideração que a família e a comunidade do estudante são fundamentais nesse processo. A escola está situada dentro de uma gama de fatores sociais, políticos, econômicos, éticos, religiosos, culturais, e muitos outros, o que nos leva a considerá-la um espaço atravessado por elementos pouco contemplados nos projetos curriculares. Ainda marcada por uma pers- pectiva tradicional, centrada na aprendizagem de conteú- dos conceituais ordenados em esquemas pouco abertos a contribuições efetivas por parte dos alunos, a realidade de sala de aula se mostra, na maioria das vezes, distante de problemas que fazem parte do universo de interesses dos alunos ou que possam redimensionar sua leitura de mundo. O conhecimento na escola, em especial nos Anos Finais do Ensino Fundamental, possui uma característica dupla e conflituosa: de um lado, apresenta-se de modo bastante especializado, dividido em áreas ou disciplinas identifica- das a partir não apenas de um conjunto de saberes, mas também de procedimentos; de outro lado, esses mesmos conhecimentos e procedimentos são trabalhados junto aos alunos como mecanismos estanques, sedimentados por uma cultura científica que deixa de lado um caráter experi- mental, empírico e especulativo. Dizendo de outro modo, o conhecimento como “coisa pronta” torna-se, muitas vezes, um conjunto de regras e saberes cuja complexidade e cará- ter “acabado” afastam e desinteressam o aprendiz. Em linhas gerais, propostas como essa tendem a esta- belecer entre professores, saberes e alunos uma relação pouco produtiva no que diz respeito a uma formação que se quer ativa e crítica. A escola atual tem como desafio proporcionar uma educação que dialogue com os múltiplos aspectos da vida humana, traduzidos nas várias possibi- Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 13 10/28/18 11:05 AM ORIENTAÇÕES GERAIS - MANUAL DO PROFESSORXIV Considerando que a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva a uma ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências no plano individual e social são incalculáveis; Considerando que o crescimento dos saberes, sem precedente na história, aumenta a desigualdade entre aqueles que os possuem e aqueles que deles são despro- vidos, gerando assim desigualdades crescentes no seio dos povos e entre as nações de nosso planeta; Considerando ao mesmo tempo que todos os desafios enunciados têm sua contrapartida de esperança e que o crescimento extraordinário dos saberes pode levar, a longo prazo, a uma mutação comparável à passagem dos hominídeos à espécie humana; Considerando o que precede, os participantes do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinarida- de (Convento de Arrábida, Portugal, 2-7 de novembro de 1994) adotaram a presente Carta, que contém um conjunto de princípios fundamentais da comunidade dos espíritos transdisciplinares, constituindo um con- trato moral que todo signatário desta Carta faz consigo mesmo, sem qualquer pressão jurídica e institucional. Artigo 1: Qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma definição e de dissolvê-lo em estruturas formais, quaisquer que sejam, é incompatível com a visão trans- disciplinar. Artigo 2: O reconhecimento da existência de diferentes níveis de Realidade, regidos por lógicas diferentes, é ine- rente à atitude transdisciplinar. Toda tentativa de reduzir a Realidade a um único nível, regido por uma única lógica, não se situa no campo da transdisciplinaridade. Artigo 3: A transdisciplinaridade é complementar à abordagem disciplinar; ela faz emergir do confronto das disciplinas novos dados que as articulam entre si; e ela nos oferece uma nova visão da Natureza e da Realidade. A transdisciplinaridade não busca o domínio de várias disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as ultrapassa. Artigo 4: O ponto de sustentação da transdiscipli- naridade reside na unificação semântica e operativa das acepções através e além das disciplinas. Ela pres- supõe uma racionalidade aberta, mediante de um novo olhar sobre a relatividade das noções de “definição” e de “objetividade”. O formalismo excessivo, a rigidez e o exagero da objetividade, incluindo a exclusão do sujeito, levam ao empobrecimento. Artigo 5: A visão transdisciplinar é resolutamente aberta na medida que ultrapassa o campo das ciências exatas devido ao seu diálogo e sua reconciliação, não apenas com as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência interior. cias de todos os dias; disciplinas “puras” versus disciplinas contextualizadas; abordagem teórica versus experimental; o estudo da língua como norma ou como uso; matemática aplicada ou não; disciplinaridade, interdisciplinaridade ou transdisciplinaridade. Ainda que esquemático e até mesmo ilusoriamente orga- nizado a partir de uma perspectiva binária, esse resumo das tensões retrata a complexidade das situações que carac- terizam qualquer currículo escolar, tanto em sua dimensão mais ampla (que envolve o conjunto de componentes em um dado segmento de ensino) quanto no que diz respeito às decisões de cada um dos professores. A escola tem como objetivo central garantir a todas as crianças e jovens brasi- leiros, mesmo em locais com condições socioeconômicas desfavoráveis, o direito de usufruir do conjunto de conhe- cimentos reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania e para sua formação pessoal. Todo projeto cur- ricular voltado para o Ensino Fundamental deve centrar-se na formação básica do cidadão, a partir da compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a vida em sociedade. Para agirmos em consonância com a realidade em que a própria escola se insere, podemos afirmar que o currículo deve ter em vários momentos a integração de componentes a partir de uma abordagem, pelo menos, interdisciplinar. É o que afirma o documento a seguir sobre a educação inter- disciplinar criado por três grandes pensadores da educação no final do século XX, período em que ocorreu uma intensa reflexão sobre a construção do currículo nas escolas. Carta da Transdisciplinaridade (I Congresso Mundial de Transdisciplinaridade – Convento da Arrábida, 6 de novembro de 1994. Fonte: O Manifesto da Transdisciplinaridade. Basarab Nico- lescu – São Paulo: TRIOM, 1999.) Preâmbulo Considerando que a proliferação atual das disciplinas acadêmicas e não acadêmicas leva a um crescimento exponencial do saber, o que torna impossível qualquer visão global do ser humano; Considerando que somente uma inteligência capaz de abarcar a dimensão planetária dos conflitos atuais poderá enfrentar a complexidade de nosso mundo e o desafio contemporâneo da autodestruição material e espiritual de nossa espécie; Considerando que a vida está fortemente ameaçada por uma tecnociência triunfante, que obedece apenas à lógica assustadora da eficácia pela eficácia; Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 14 10/28/18 11:05 AM ORIENTAÇÕES GERAIS - MANUAL DO PROFESSOR XV Tomemos alguns dos itens para explicá-los no âmbito do que seria a transdisciplinaridade no contexto escolar. O primeiro ponto dizrespeito à concepção que entende a transdisciplinaridade não como uma mera alternativa pe- dagógica, mas sim como uma possibilidade de auxiliar os alunos a observar os conhecimentos de maneira não seto- rizada. Essa conduta não se faz apenas com a participação dos alunos em uma experiência pedagógica interdisciplinar situada em um dos anos de sua formação, pois os alunos devem desenvolver meios para construir conhecimentos que sejam mais amplos que o que lhes proporcionam as disciplinas. O segundo aspecto que merece ser destacado se refere à relação entre a realidade em que as escolas se inserem e a conduta transdisciplinar que permite aos alunos compreen- der essa mesma realidade. Ou seja, há problemas sociais, políticos, culturais, científicos, econômicos, existenciais, que somente podem ser compreendidos a partir da propo- sição de uma abordagem transdisciplinar. Outro ponto que deve ser notado num projeto curricular é o que podemos sintetizar como as alterações positivas das práticas do dia a dia nas salas de aula. Quando propiciamos aos alunos o desenvolvimento de atividades que se articulam num pro- jeto transdisciplinar, renovamos o repertório de conheci- mentos e um conjunto de práticas e metodologias que não costumam ser comuns em situações puramente discipli- nares. Essa atitude fomenta novos interesses por parte dos alunos na medida em que ultrapassa as barreiras das abordagens tradicionais que muitos conteúdos apresentam. Artigo 6: Com relação à interdisciplinaridade e à multidisciplinaridade, a transdisciplinaridade é mul- tirreferencial e multidimensional. Embora levando em conta os conceitos de tempo e de História, a transdis- ciplinaridade não exclui a existência de um horizonte trans-histórico. Artigo 7: A transdisciplinaridade não constitui nem uma nova religião, nem uma nova filosofia, nem uma nova metafísica, nem uma ciência das ciências. Artigo 8: A dignidade do ser humano é também de ordem cósmica e planetária. O aparecimento do ser humano sobre a Terra é uma das etapas da história do Universo. O reconhecimento da Terra como pátria é um dos imperativos da transdisciplinaridade. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade, mas, a título de habitante da Terra, ele é ao mesmo tempo um ser transnacional. O reconhecimento pelo direito internacional da dupla cidadania – referente a uma na- ção e a Terra – constitui um dos objetivos da pesquisa transdisciplinar; Artigo 9: A transdisciplinaridade conduz a uma ati- tude aberta em relação aos mitos e religiões e àqueles que os respeitam num espírito transdisciplinar; Artigo 10: Não existe um lugar cultural privilegiado de onde se possa julgar as outras culturas. A abordagem transdisciplinar é ela própria transcultural; Artigo 11: Uma educação autêntica não pode privi- legiar a abstração no conhecimento. Ela deve ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, do imagi- nário, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos; Artigo 12: A elaboração de uma economia transdis- ciplinar está baseada no postulado de que a economia deve estar a serviço do ser humano e não o inverso; Artigo 13: A ética transdisciplinar recusa toda atitude que se negue ao diálogo e à discussão, qualquer que seja sua origem – de ordem ideológica, cientificista, religio- sa, econômica, política, filosófica. O saber comparti- lhado deveria levar a uma compreensão compartilhada, baseada no respeito absoluto das alteridades unidas pela vida comum numa única e mesma Terra; Artigo 14: Rigor, Abertura e Tolerância são as carac- terísticas fundamentais da atitude e da visão trans- disciplinares. O rigor na argumentação que leva em conta todos os dados é a melhor barreira em relação aos possíveis desvios. A abertura comporta a aceitação do desconhecido, do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito às ideias e verdades contrárias às nossas. Artigo final: A presente Carta da Transdisciplina- ridade foi adotada pelos participantes do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade e não reivindica nenhuma outra autoridade além de sua obra e sua atividade. Segundo os procedimentos que serão definidos de acordo com as mentes transdisciplinares de todos os países, esta Carta está aberta à assinatura de qualquer ser humano interessado em promover nacional, inter- nacional e transnacionalmente as medidas progressi- vas para a aplicação destes artigos na vida cotidiana. Convento da Arrábida, 6 de novembro de 1994. Comitê de Redação: Basarab Nicolescu, Edgar Morin e Lima de Freitas NICOLESCU, Basarab; MORIN, Edgar; FREITAS, Lima de. Carta da Transdisciplinaridade. In: NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 1999. Disponível em: <https://blogmanamani.files.wordpress. com/2013/08/carta-da-transdisciplinaridade.pdf>. Acesso em: 27 set. 2018. Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 15 10/28/18 11:05 AM ORIENTAÇÕES GERAIS - MANUAL DO PROFESSORXVI Assim, problemas que são abordados a partir de um viés predeterminado e com pouca possibilidade de intervenção dos próprios alunos se tornam, pela transdisciplinaridade, objetos de renovadas possibilidades de construção. Como o texto acima afirma, e ao contrário do que se cos- tuma pensar, uma abordagem transdisciplinar não se pro- põe a eliminar os conteúdos das disciplinas. Pelo contrário, o saber do professor, determinado pela sua formação e pela sua experiência docente, ganha um novo sentido para os próprios alunos e para os docentes em geral, que podem, a partir desse enfoque, trabalhar muitas vezes com aspectos mais avançados desses conhecimentos. Por fim, outro aspecto importante a ser considerado numa metodologia de trabalho transdisciplinar diz respei- to aos conteúdos socioemocionais. Há nessa metodologia um realinhamento dos centros de interesse de construção de saberes que não ficam necessariamente presos ou re- duzidos às propostas que cada disciplina propõe. Os alunos devem se envolver com os momentos de definição da pro- blemática, compreensão dos conteúdos envolvidos para o entendimento dessa mesma problemática e a proposição de hipóteses de sua interpretação, tornando-se protago- nistas na construção dos conhecimentos. Além disso, as vivências, experiências e subjetividades trabalhadas por meio da transdisciplinaridade buscam dar ao aluno um lugar de sujeito e de centralidade no processo e na valoração do estudo efetivado. Aspectos como interesse, curiosidade, sensibilidade tornam-se centrais nas fases de execução das atividades pensadas para contemplar um viés socioe- mocional do processo de aprendizagem. Como o trabalho com projetos propicia a aprendizagem inter e transdisciplinar Em um de seus livros, Hernández e Ventura investigam a fundamentação de mudanças pedagógicas baseadas na criação de projetos nas escolas. Leia o trecho a seguir. O primeiro ponto que chama a atenção na proposição acima é a de que a incorporação de atividades curriculares organizadas por meio da estratégia de projetos de traba- lho não deve surgir de uma necessidade de inovação, de transformação das práticas corriqueiras de sala de aula como uma ação isolada. Isso significa que, ao adotar um caminho para o desenvolvimento do processo de ensi- no-aprendizagem, é preciso que ele esteja pautado pela própria necessidade do professor de modificar o modo como trabalha. Portanto, a adoção de uma metodologia de projetos deve contar com a disponibilidade de transformar, ao menos em parte, o funcionamento da sala de aula por parte do professor. Ou seja, o professor deve sentir uma real necessidade de: abordar os conteúdos de uma forma compartilhada com outros componentes que não os que ele leciona; propiciar aos alunos formas de conhecimento e construção de saberes que não se limitam a um único componente;ter muito clara a necessidade de incorporar procedimentos de pesquisa que não necessariamente sejam típicos da sua própria formação acadêmica e, por último, compreender que algumas etapas do desenvol- vimento dos projetos devem necessariamente ficar por conta dos alunos, pois, para que eles sejam capazes de construir suas aprendizagens, é fundamental que a vivên- cia durante a pesquisa seja uma vivência aberta, em que o aluno possa testar hipóteses, pensar respostas alter- nativas aos problemas colocados e também trocar essas experiências com os colegas. De início, um projeto de trabalho demanda do professor um reequilíbrio dos termos que compõem sua relação com seus alunos e com os conhecimentos que deve ensinar. Em uma metodologia mais tradicional, o professor ocupa o cen- tro de irradiação dos conteúdos, pois é ele que determina suas escolhas, suas articulações, suas interpretações váli- das e como os alunos devem reproduzi-los. A postura ativa é totalmente comandada do professor, fazendo com que o conhecimento adquirido pelos alunos se restrinja, quando muito, àquilo que foi explorado nas aulas expositivas, nas leituras recomendadas e nos exercícios praticados. Como se pode ler no fragmento acima, o esforço de ado- tar a estratégia de projetos de trabalho não está no princí- pio (equivocado) de que sua realização dependeria de um esforço pedagógico surpreendente, um acúmulo enorme de conhecimentos, por parte dos professores, para torná-lo viável para ser levado adiante pelos alunos. Esse equívoco efetivamente pode ocorrer, se imaginarmos a realização de um projeto de trabalho situado no interior de uma pedagogia tradicional em que um único professor deve ser conhecedor de todos os conteúdos a serem trabalhados, pois é ele que Um dos aspectos que nos parece importante descre- ver neste inventário de última hora é que os Projetos não podem ser aplicados de maneira generalizada e seguindo um ímpeto inovador sem desvirtuá-los. Não porque exijam um complexo acúmulo de saberes, mas sim porque requerem uma vontade de mudança na maneira de fazer do professorado e um assumir o risco que implica adotar uma inovação que traz consigo, sobretudo, uma mudança de atitude profissional. HERNÁNDEZ, Fernando; VENTURA, Montserrat. A organização do currículo por projetos de trabalho o conhecimento é um caleidoscópio. Porto Alegre: Penso, 2017. p. 10. Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 16 10/28/18 11:05 AM ORIENTAÇÕES GERAIS - MANUAL DO PROFESSOR XVII valida esses conteúdos dizendo aos alunos o que pode ser considerado certo ou errado. É próprio dos projetos de trabalho um pressuposto que, mesmo não explicitado por Hernández e Monserrat nesse fragmento lido, determina em grande medida sua nature- za pedagógica: a articulação de vários campos do saber na busca por respostas que devem ser construídas pelos alunos a partir de temas e questões desafiadoras. Ou seja, a concepção de projeto que apresentamos aqui necessa- riamente tem um caráter inter, multi ou transdisciplinar. As definições teórico-conceituais sobre as relações entre os diferentes componentes de ensino podem ocor- rer em níveis distintos de organização: multidisciplinar- mente, interdisciplinarmente, transdisciplinarmente. A necessidade de buscar alternativas para uma proposta pedagógica que ultrapassasse um processo de ensino- -aprendizagem excessivamente acadêmico e pouco re- lacionado à complexidade da vida fora da escola tem na metodologia de projetos uma resposta à importância da integração das novas problemáticas da vida social e cien- tífica, das novas organizações do trabalho e das novas formas de expressão humana, aspectos fundamentais para que os alunos reconheçam suas experiências es- colares como decisivas para se integrarem no mundo. A necessidade de incorporar os projetos integradores a momentos planejados dentro do currículo não deve ser atribuída, portanto, a uma mudança radical que, segundo a compreensão de muitos, via a escola como esvaziada da tarefa histórica de transmissora de conhecimentos acumulados pela humanidade, mas sim a uma nova abor- dagem da relação entre a escola e o mundo, segundo a qual a mera transmissão de conhecimentos não é sufi- ciente para entendê-lo em sua complexidade atual. O ponto crucial dessa transformação, como aponta o fragmento lido, está na “mudança de atitude profissional”, o que significa uma maneira nova de os professores se re- lacionarem tanto com o conhecimento que acumularam em sua formação quanto com o modo de propor alternativas para que os alunos aprendam esses mesmos conhecimen- tos. O termo “atitude” carrega dois significados complemen- tares: uma ação, um fazer algo; e um valor que embasa essa ação. A “atitude profissional”, portanto, aponta para uma prática (nesse caso, pedagógica, já que falamos do traba- lho do professor) amparada em um conjunto de crenças e valores (ou seja, em um posicionamento frente a algo). A “atitude profissional”, no contexto escolar, relaciona-se a uma ética do trabalho, mas também a um modo de ver o ensino-aprendizagem como algo passível de ser modificado por sua escolha de atuação. Diferenças conceituais entre multi, inter e transdisciplinaridade Para Nildo Nogueira (2001), no viés da multidis- ciplinaridade, “não existe nenhuma relação entre as disciplinas, assim como todas estariam no mesmo nível sem a prática de um trabalho cooperativo”. Por essa razão, evidencia-se um pressuposto de justapo- sição e uma independência entre os saberes de cada componente integrados ao projeto. Para termos uma visão clara de como se constitui essa relação entre os componentes, podemos imaginar, por exemplo, situações nas quais professores de diferentes compo- nentes aproveitam espaços, circunstâncias, recursos comuns para que seus alunos façam atividades cujo significado se construa somente para cada um des- ses componentes, em separado. Língua Portuguesa Matemática Arte Educação Física Ciências História Geografia Língua Inglesa Esquema que representa a relação multidisciplinar entre os componentes do Ensino Fundamental II, em que não ocorre interação entre os diferentes componentes. Frigotto (1995) defende que a interdisciplinari- dade é “uma necessidade relacionada à realidade concreta, histórica e cultural, constituindo-se assim como um problema ético-político, econômico, cultural e epistemológico”. Ou seja, é o interesse ou a neces- sidade de conhecer um aspecto da realidade que não se explica totalmente pela abordagem de conteúdos e práticas de um único componente que torna fun- damental a unificação de frentes diferentes que se complementam para a resolução de um problema. No esquema a seguir, que deve ser considerado apenas como um exemplo, perceba que os componentes se inter-relacionam formando blocos em torno de pro- blemas que podem ser explorados somente na inter- secção de componentes. A Matemática não resolve o projeto sem a participação da História e da Geografia, por exemplo. Integradores_Vol02_MP_Geral_IaLIX.indd 17 10/28/18 11:05 AM ORIENTAÇÕES GERAIS - MANUAL DO PROFESSORXVIII Educação Física Ciências Matemática História Geografia Arte Língua Portuguesa Língua Inglesa Esquema que representa a relação interdisciplinar entre os componentes do Ensino Fundamental, em que ocorrem interações necessárias entre os diferentes componentes. Menezes (2001) explica a transdisciplinaridade como a superação da departamentalização do saber em diferentes disciplinas buscando a intercomuni- cação entre as disciplinas, suprimindo as fronteiras entre elas. Para tanto, temas transversais devem ser abordados e, embora cada campo de conhecimento mantenha suas especificidades, ocorre um intercâm- bio frequente entre eles, formando, inclusive, novos campos. Podemos citar como exemplo conhecimentos que estão na Física e também na Química, de onde se cria a Físico-química como uma área de conhecimento
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