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PANORAMA DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO BRASIL Waldomiro Vergueiro PANORAMA DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO BRASIL Copyright © 2017 Waldomiro Vergueiro Copyright © das imagens da capa: Desenho de J. Carlos (superior); Tira biográfica de Fabio Ciccone (meio), Rê Bordosa, de Angeli (abaixo à esquerda) e Zé Caipora, de Angelo Agostini (direita). As capas de livro e imagens de personagens foram usadas neste livro para ilustrar o texto do autor, e pertencem aos seus respectivos detentores de direitos autorais. EDITORA Renata Farhat Borges EDITORES DO OBSERVATÓRIO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS Paulo Ramos Nobu Chinen DESIGN GRÁFICO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Márcio Koprowski REVISÃO TÉCNICA Paulo Ramos Nobu Chinen REVISÃO DE TEXTO Mineo Takatama ASSISTENTES EDITORIAIS Izabel Mohor Fernanda Moraes DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) Vagner Rodolfo CRB-8/9410 V493p Vergueiro, Waldomiro Panorama das histórias em quadrinhos no Brasil [recurso eletrônico] / Waldomiro Vergueiro. - São Paulo : Peirópolis, 2017. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-7596-530-6 1. Histórias em quadrinhos. 2. Brasil.. I. Título. CDD 741.5 CDU 741.5 Disponível em ebook nos formatos ePub (ISBN 978-85-7596-530-6) e KF-8 (ISBN 978-85-7596-531-3) Editado conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. 1ª edição, 2017 Editora Peirópolis Ltda. Rua Girassol, 310F – Vila Madalena 05433-000 – São Paulo – SP tel.: (11) 3816-0699 vendas@editorapeiropolis.com.br www.editorapeiropolis.com.br mailto:vendas@editorapeiropolis.com.br http://www.editorapeiropolis.com.br SUMÁRIO Uma única obra, duas funções Introdução O humor gráfico e o início dos quadrinhos no brasil A presença italiana no nascimento dos quadrinhos brasileiros “O tico-tico” a primeira revista brasileira a publicar histórias em quadrinhos O modelo norte-americano no mercado brasileiro As primeiras editoras de quadrinhos no Brasil EBAL (Editora Brasil-América Ltda.) RGE (Rio Gráfica e Editora)/Globo Editora O Cruzeiro Editora Abril Outras editoras Histórias em quadrinhos brasileiras: principais autores e personagens Quadrinhos infantis De quadrinhos infantis para quadrinhos juvenis: Mônica Jovem, Chico Bento Moço e outros Quadrinhos de aventura Quadrinhos de super-heróis brasileiros Quadrinhos de terror Quadrinhos underground e para o público adulto Carlos Zéfiro e os quadrinhos eróticos/pornográficos Quadrinhos para o público adulto Editoras de quadrinhos em atividade no Brasil Editoras de livros que também publicam quadrinhos A atualidade das histórias em quadrinhos no Brasil: a busca de um novo público Prioridade para o público adulto como elemento de renovação O estilo underground e coletâneas de quadrinhos Obras literárias na linguagem dos quadrinhos Perspectivas para as histórias em quadrinhos no Brasil Referências Entrevista a Érico Assis I. Sobre a leitura, os quadrinhos e a coleção II. Sobre escrever e sobre as felicidades e infelicidades acadêmicas III. Os quadrinhos e a pesquisa em quadrinhos hoje Waldomiro Vergueiro – Biografia Crédito das Imagens UMA ÚNICA OBRA, DUAS FUNÇÕES NOBU CHINEN E PAULO RAMOS Este livro cumpre duas funções. Ambas corrigem um vazio, embora por caminhos distintos. A primeira lacuna que esta obra preenche é a de ser impressa em língua portuguesa. Editada originalmente em espanhol, ela integrou a série argentina “La historieta Latinoamericana”, coordenada por Hernán Ostuni, responsável pelo site La Bañadera del Comic. A trajetória dos quadrinhos no Brasil, escrita por Waldomiro Vergueiro, correspondeu ao terceiro tomo da coleção. Os dois anteriores abordaram Uruguai, Cuba, Chile (em um volume), Bolívia, Colômbia, Paraguai, Peru e Venezuela (em outro). O quarto e derradeiro trabalho descreveu as produções mexicanas. Esteticamente, os livros eram bastante modestos. O que trazia o conteúdo brasileiro tinha 112 páginas, em preto-e-branco, cada uma delas com textos divididos em duas colunas. A tiragem foi baixa, 200 exemplares. O conteúdo, no entanto, contrastava com a simplicidade da edição. Vergueiro esmiuçava a história dos quadrinhos no País, indo das primeiras experiências até o momento contemporâneo. Tratava-se de síntese que atraiu, seguramente, o leitor das outras nações latino- americanas, mas que interessava também aos brasileiros, tão carentes de um livro dessa natureza, e que, inexplicavelmente, permaneceu inédito em nosso idioma. Como dito, um vácuo, que a editora Peirópolis ajuda a preencher. E com um tratamento gráfico à altura do conteúdo. Nove anos separaram a edição argentina e este Panorama das histórias em quadrinhos no Brasil, nome adotado para esta versão em português. Versão não é força de expressão. Escrito originalmente em espanhol, teve o conteúdo traduzido pelo autor que, no processo, aproveitou para reescrever algumas partes e atualizar as informações, ampliando o relato até dias mais recentes. A segunda função do livro tem mais a ver com o autor do que com o conteúdo em si. Waldomiro Vergueiro construiu uma trajetória exemplar nos estudos de histórias em quadrinhos no Brasil. Nas pesquisas individuais, nas orientações aos outros, na generosidade no auxílio a tantos, ele se tornou uma referência na mesma área que ajudou a consolidar cientificamente. Seu nome se confunde com as investigações existentes nesse campo. Sua base de atuação sempre foi a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). À frente do Núcleo de Histórias em Quadrinhos, depois rebatizado de Observatório de Histórias em Quadrinhos, ele serviu de ponto focal para quem quisesse enveredar pelos estudos sobre quadrinhos. Tarefa que, sabe-se, nem sempre foi vista com olhos acolhedores nas universidades brasileiras. No livro Os pioneiros no estudo de quadrinhos no Brasil, ele mesmo rememora como via esse papel que, voluntária ou involuntariamente, passou a exercer no meio acadêmico brasileiro. Diante de revezes plurais, vividos no final da década de 1990, pensou em desistir das pesquisas com quadrinhos. Uma mensagem, recebida de um aluno de uma universidade da região Norte, fez com que repensasse a questão. O estudante dizia ter conseguido convencer sua universidade a aceitar uma proposta de mestrado sobre quadrinhos após argumentar que existia na USP “um professor que trabalhava intensivamente com quadrinhos e um núcleo de pesquisas que se dedicava exclusivamente a eles”. Ciente desse papel, Vergueiro passou a exercê-lo como se fosse uma missão. Waldomiro Vergueiro está aposentado. Mantém o vínculo com a pós-graduação da ECA-USP e, com ele, as orientações de mestrado e doutorado, bem como a coordenação do Observatório de Histórias em Quadrinhos. O que nem todos sabem é que preserva também aulas na graduação em disciplina específica sobre quadrinhos. E ele o faz de forma não remunerada, para que a oferta não seja descontinuada, por pura crença de que seu papel faz diferença. E faz. Por isso, nada mais justo do que uma merecida homenagem que, a propósito, casa com o tom de seriedade com que sempre abordou as pesquisas sobre quadrinhos. Em vez de laudatórios, optou-se por valorizar o reconhecimento por meio de seus próprios estudos. No caso, um deles, que tardava em ser repatriado e que, agora, chega às mãos do leitor brasileiro. De modo que o conteúdo não seja ofuscado pela homenagem, e também sem que ela não se fizesse presente, a solução encontrada foi apresentar, ao final, uma entrevista com o autor, realizada pelo jornalista, tradutor e pesquisador Érico Assis. Assis condensou também uma espécie de linha do tempo do professor, tanto profissional quanto pessoal. Ela aparece nas páginas finais, bem acompanhadas por tiras elaboradas por desenhistas que aceitaram o convite de ilustrar, com bom humor, fragmentos de sua vida. Misto de livro teórico e de obra de homenagem, esta publicação ajuda a entender um pouco melhor a importância de Waldomiro Vergueiro, seja por meio de seus escritos, sejapor sua própria voz, vertida na forma de respostas de uma entrevista. São dois lados de uma referência nos estudos de histórias em quadrinhos, que merece ser não só conhecida, como também reconhecida. P.S.: OS BASTIDORES DE UMA TRAMOIA A publicação deste livro implicou uma estratégia sigilosa, uma espécie de “tramoia” cujos perpetradores são os autores deste prefácio. Não contentes, envolveram no processo mais três pessoas-chave, todas unidas pela fraude, agora publicamente exposta. Tal artimanha se justifica porque a ideia era fazer a Waldomiro Vergueiro uma surpresa e que ele só tivesse ciência da obra quando esta já estivesse impressa. No entanto, como fazer com que um autor enviasse seus originais sem que ele soubesse que se tratava de uma homenagem? A solução foi contar com a colaboração, ou melhor, a cumplicidade de generosos e leais parceiros. Waldomiro Vergueiro refez o trabalho a convite de outra pessoa, sem saber exatamente como a obra seria publicada, informado apenas que ela integraria o catálogo de uma editora universitária. Tudo ficção (um eufemismo para substituir o termo “mentira”, que talvez fosse o mais apropriado). A entrevista realizada por Érico Assis, outro de nossos cúmplices, também é outra armação do plano secreto: Vergueiro pensava serem declarações para reportagem de um site. Com o texto em mãos, faltava quem se dispusesse a transformá-lo em livro impresso. E aqui entra a editora e pesquisadora Renata Farhat Borges, que se envolveu de forma intensa em sua viabilização. Acreditando piamente que os fins justificam os meios, a proposta que norteou o grupo, e para a qual esperam ser absolvidos, foi a de fazer uma homenagem ao autor. Uma justíssima homenagem configurada por algo que ele melhor soube produzir e compartilhar: o seu conhecimento. Introdução Em 1990, três pesquisadores de histórias em quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo criaram, no espaço de atuação dessa escola, um ambiente de pesquisa cooperativa que denominaram Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos (NPHQ), um centro de pesquisas dedicado ao aprofundamento de temáticas relacionadas às histórias em quadrinhos. Eu tive a honra e o privilégio de estar entre eles. O tempo passou. Os dois colegas se aposentaram no início dos anos 2000 e um deles, infelizmente, já não está entre nós. Outros pesquisadores se associaram ao Núcleo, que, por sua vez, mudou sua “razão social”, passando a se denominar Observatório de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes da USP. Os objetivos almejados à época de sua criação, no entanto, permaneceram os mesmos: aprofundar os estudos sobre a linguagem gráfica sequencial em todos os seus aspectos. Dentro desses objetivos, não se colocam restrições de localização geográfica, forma de produção, características artísticas, ideológicas etc. Interessa-nos discutir e registrar a evolução das histórias em quadrinhos em geral, ampliando seu papel como objeto de pesquisa científica no ambiente acadêmico. No caso, busca-se a valorização dessa manifestação cultural, tanto em seu aspecto de meio de comunicação de massa como no âmbito da produção artística, surja ela onde surgir, venha de onde vier, defenda o que quiser defender. No entanto, não se pode negar que, como pesquisadores, sempre tivemos um olhar especial para a realidade brasileira nessa área. Entendemos que é importante dar prioridade à análise da produção nacional, não somente por motivos afetivos ou patrióticos, mas, especialmente, devido à diversidade e qualidade da história em quadrinhos brasileira. Ela, sem dúvida, tem muito a nos oferecer e muito ainda há a dizer sobre suas características, sua evolução, e sobre o papel que desempenhou na constituição de nossa sociedade. Com vistas nessa ênfase na produção nacional, em 2004 foi organizado um número especial da Revista Latinoamericana de Estudios sobre la Historieta, publicado em Cuba, exclusivamente dedicado à produção brasileira de histórias em quadrinhos. Eu tive o privilégio de coordenar essa publicação, da qual participaram vários pesquisadores e colaboradores do Observatório de Histórias em Quadrinhos, cada um deles enfocando a realidade quadrinística brasileira a partir de sua especialidade. Foi uma experiência muito bem-sucedida, que gerou frutos no Brasil: ampliado pelo acréscimo de alguns textos, o conteúdo daquele número especial da revista foi posteriormente publicado em português em formato de livro (Vergueiro, Santos, 2009). Assim, além de apresentar a realidade brasileira de produção e comercialização dos produtos da Nona Arte, o presente livro dá continuidade ao trabalho de análises teórica e histórica sobre os quadrinhos brasileiros, ampliando e sistematizando as informações apresentadas no número especial da revista cubana e complementando aspectos desenvolvidos no livro publicado em 2009. É preciso deixar claro que não é objetivo deste livro traçar um panorama completo das histórias em quadrinhos brasileiras. Essa seria possivelmente um tarefa de muito difícil realização por apenas um único autor. Busca-se, aqui, tão somente traçar um panorama histórico do desenvolvimento da arte gráfica sequencial no País, destacando as principais editoras, os artistas mais reconhecidos e as criações mais significativas da área, além de avançar algumas considerações sobre o atual momento dos quadrinhos no País, bem como sobre as perspectivas para o futuro dos produtos da Nona Arte no Brasil. Com certeza, algumas personalidades ficarão sem ser nomeadas, alguns personagens ou séries serão esquecidos e outras coisas do gênero. Quero garantir que tais ocorrências se deram em virtude de dois fatores apenas: a falta de espaço no livro, planejado para um número específico de páginas, e a memória deficiente de seu autor. E nunca, absolutamente, por entender que aqueles que ficaram de fora careciam de importância para nele serem incluídos. Não tenho dúvida de que a história das histórias em quadrinhos no Brasil foi produzida não apenas por aqueles autores e personagens que atingiram fama e reconhecimento, mas, principalmente, por aqueles que acreditaram no potencial do meio e com ele se comprometeram na medida de suas possibilidades, ainda que não tenham atingido o reconhecimento público que porventura mereciam. Personagens da revista Crás, da Editora Abril, de São Paulo Semana Illustrada, do alemão Henrique Fleiuss O HUMOR GRÁFICO E O INÍCIO DOS QUADRINHOS NO BRASIL As histórias em quadrinhos, ou simplesmente quadrinhos, tiveram um desenvolvimento muito peculiar no Brasil, recebendo influências de diferentes partes do mundo. No século XIX, o humor gráfico foi significativamente cultuado em diversos jornais brasileiros, com grandes artistas se destacando no campo da charge e da caricatura. Segundo Lailson de Holanda Cavalcanti (2005, p. 21), “a primeira manifestação de humor gráfico impresso no Brasil é de autor desconhecido, uma vez que a situação política não permitia assumir publicamente a autoria de um desenho crítico em relação às autoridades e ao sistema dominante”. O primeiro desenho humorístico publicado no Brasil Esse desenho foi publicado em 25 de abril de 1831, no jornal O Carcundão, do Estado de Pernambuco, constituindo-se em uma “alegoria só compreensível por seus contemporâneos”, na qual “[…] um ser mescla de homem e burro busca retratar um personagem político específico, bem como uma situação”. (Cavalcanti, 2005, p. 21) Por outro lado, “a primeira revista de caricaturas regular e de grande duração no Brasil” (Cavalcanti, 2005, p. 44) foi a Semana Illustrada, do alemão Henrique Fleiuss (1823-1882), modelo para as publicações humorísticas brasileiras do século XIX. Iniciando em 1860, a revista foi publicada por dezesseis anos, até 1876. Henrique Fleiuss, bem como outros artistas gráficos contemporâneos, deixa evidente a precoce participação do humor gráfico na discussão da realidade política e social brasileira. Autores como Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806- 1879),Candido Aragonés de Faria (1894-1911), Rafael Bordallo Pinheiro (1846- 1905) fizeram o registro da história do País no Segundo Império por meio do humor gráfico. Trata-se, além disso, de uma epopeia de artistas combativos, cujas obras tiveram grande impacto social. Desenhos de Araújo Porto-Alegre e Cândido Aragonez de Faria, respectivamente Desenho de Bordallo Pinheiro Em sua grande maioria, esses artistas concentravam seus esforços em produções chargísticas voltadas para a crítica política ou de costumes. Pode-se dizer que poucos deles tiveram uma produção seriada que poderia ser equiparada àquilo que hoje em dia é genericamente denominado “história em quadrinhos”. O autor a se destacar nesse aspecto foi sem dúvida o ítalo-brasileiro Angelo Agostini (1843-1910), que criou séries em linguagem gráfica sequencial bastante similares às histórias em quadrinhos, o que faz com que seja possível considerá- lo um precursor do meio. Por outro lado, se não considerarmos as atividades ligadas ao humor gráfico, é possível dizer que as histórias em quadrinhos se desenvolveram no Brasil, inicialmente, a partir da influência das revistas humorísticas e infantis europeias e, posteriormente, das revistas em quadrinhos norte-americanas (os comic books). Mais recentemente, os mangás – revistas de histórias em quadrinhos de origem japonesa – passaram a representar uma influência bastante forte entre leitores e artistas. Em paralelo às influências culturais, é também importante ter em mente que variadas limitações econômicas exerceram e continuam a exercer forte pressão sobre os mercados latino-americanos de quadrinhos. O Brasil não foi exceção a essa regra. Além de uma pujante arte gráfica sequencial, os comics também constituem um meio de comunicação e, como tal, fazem parte de um enorme mercado de massas, com ramificações mundiais e uma estreita relação com outros meios (tais como a televisão, o cinema, a animação etc.). De certa maneira, a história dos quadrinhos no Brasil – e talvez isso ocorra também com muitos outros países – representa uma permanente tensão entre a necessidade dos artistas de se expressarem na linguagem dos quadrinhos e as imposições da moderna indústria de entretenimento, cujo principal objetivo é o retorno imediato do capital investido. Desenho satírico (acima) e (abaixo) imagem da série Aventuras de Nhô Quim, de Angelo Agostini A PRESENÇA ITALIANA NO NASCIMENTO DOS QUADRINHOS BRASILEIROS Como mencionado, o nome do italiano Angelo Agostini, depois naturalizado brasileiro, não pode ser jamais esquecido em qualquer tentativa de relatar a evolução dos quadrinhos no Brasil (Gaumer, 2002; Moya, 1970, 1996). Agostini viveu grande parte de sua vida ativa em terras brasileiras, chegando ao País quando contava somente dezesseis anos, em companhia de sua mãe, cantora lírica. Fincando suas raízes por aqui, ele foi um dos grande precursores da Nona Arte no País e pode ser comparado, às vezes com vantagem, a outros artistas que, como ele, viveram no século XIX e se dedicaram às artes gráficas. Entre esses artistas há personalidades como o inglês Thomas Rowlandson (1756- 1827), o suíço Rodolphe Töpffer (1799-1846), o alemão Wilhelm Busch (1832- 1908) ou o francês Georges Colomb (1856-1945), também conhecido como Christophe. Considerado o maior crítico do período do Segundo Império no Brasil, Angelo Agostini tinha um traço bastante pessoal e era dono de um humor ferino e destruidor. Segundo Pedro Corrêa do Lago (2001, p. 26), tanto pela qualidade de sua obra quanto pela excepcional duração de sua carreira artística, Angelo Agostini é sem dúvida o caricaturista mais importante do Brasil no século XIX. Sua atividade foi constante ao longo de 46 anos de participação na imprensa, e sua imensa obra se estendeu pelas numerosas revistas ilustradas que fundou e com as quais colaborou. Durante os primeiros anos de sua longa estadia no Brasil, Agostini viveu na cidade de São Paulo, naquela época uma pequena cidade de somente 20 mil habitantes (Fonseca, 1999, p. 212). Nessa cidade, o artista fundou dois importantes jornais satíricos: o Diabo Coxo e o Cabrião. Diabo Coxo surgiu em 1864 e tinha quatro páginas de texto e quatro de caricaturas feitas por Angelo Agostini. Foi publicado até dezembro de 1865. Em seguida, o artista colaborou na fundação do Cabrião, cujo nome era inspirado em um personagem do romance de folhetim Os mistérios de Paris, do escritor francês Eugène Sue (1804-1857). O Cabrião foi publicado até setembro de 1867. Diabo Coxo, uma das primeiras criações de Agostini para os jornais brasileiros Em 1867, Angelo Agostini mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro, onde permaneceu praticamente até o fim de sua vida e onde fundou publicações humorísticas (Revista Illustrada e Dom Quixote) e colaborou em outras (O Arlequim, Vida Fluminense, Gazeta de Notícias, 1904 e O Malho). Nas narrativas gráficas mais conhecidas de Angelo Agostini – As aventuras de Nhô-Quim – ou Impressões de uma viagem à corte e As aventuras de Zé Caipora, surgiram os primeiros personagens fixos das histórias em quadrinhos brasileiras (Cardoso, 2005). As aventuras de Nhô-Quim foi publicada na revista Vida Fluminense, do Rio de Janeiro. Lançada em 30 de janeiro de 1869, na edição número 57 da revista, traz a história de um caipira em viagem à capital da Corte Brasileira, a cidade do Rio de Janeiro, e as dificuldades que ele enfrenta para se adaptar a esse novo ambiente. Ela é considerada por estudiosos como Antonio Luiz Cagnin (2013) e Moacy Cirne (1990) a primeira história em quadrinhos realizada no Brasil (e talvez em todo o mundo). As aventuras de Zé Caipora, por sua vez, ocorrem em um ambiente mais rural, tendo como foco as peripécias de um habitante do interior brasileiro e sua batalha com animais selvagens e com o clima inóspito da região. Iniciou sua publicação na Revista Illustrada em 1883, quando foram publicados seus onze primeiros capítulos; o décimo segundo sairia no ano seguinte e o décimo terceiro somente em 1886 (Cirne, 1990). Ela pode ser considerada a primeira história em quadrinhos do gênero aventura produzida no Brasil (Cardoso, 2005). O Cabrião, de Angelo Agostini As aventuras de Zé Caipora, de Angelo Agostini Apesar de Agostini não utilizar balões, pois eles não eram comuns em seu tempo, suas histórias em quadrinhos deixam evidente um soberbo domínio da técnica de contar graficamente uma história. Assim, não causa surpresa que vários estudiosos brasileiros considerem sua obra gráfica um marco dos quadrinhos mundiais. Agostini elaborou outras narrativas gráficas durante mais de trinta anos e foi considerado um modelo para todos aqueles que vieram depois dele, marcando definitivamente a história da narrativa gráfica brasileira (Cirne, 1990). Sua importância é reconhecida nacionalmente, tanto que o dia de aniversário do lançamento de As aventuras de Nhô-Quim, 30 de janeiro, foi proclamado pela Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo, em 1984, como o Dia do Quadrinho Nacional. Trata-se de uma justa homenagem a um artista que tanto fez pela linguagem gráfica sequencial no País. Logotipo de O Tico-Tico, concebido por Angelo Agostini Almanaque d´O Tico-Tico; publicado anualmente, era um dos presentes de Natal prediletos das crianças brasileiras na primeira metade do século XX “O TICO-TICO” A PRIMEIRA REVISTA BRASILEIRA A PUBLICAR HISTÓRIAS EM QUADRINHOS O italiano Angelo Agostini também foi responsável pelo logotipo da primeira revista brasileira que publicou regularmente histórias em quadrinhos no Brasil. Era então o início do século XX. Essa revista, a mais conhecida publicação infantil do País na primeira metade daquele século, tinha o título de O Tico-Tico. Existem várias explicações para esse título: tanto podia fazer referência ao pequeno pássaro brasileiro, tão comum nas várias regiões do Brasil, como também podia se referir à denominação dada às pré-escolas ou escolas de jardim de infância daquela época, chamadas deEscolinhas Tico-Tico. A revista foi publicada de 1905 a 1962, permanecendo, durante décadas, como o título de periódico de mais larga duração no País (em 2008, foi suplantada pela revista O Pato Donald, da Editora Abril, de São Paulo, que iniciou sua publicação em 1950 e ainda continua a editá-la). Elaborada em estilo europeu, a revista O Tico-Tico não era composta exclusivamente por quadrinhos, mas trazia também contos infantis, passatempos, poesias, matérias sobre datas comemorativas etc. Desde seu início, entretanto, incluiu histórias em quadrinhos em suas páginas, tornando possível aos leitores brasileiros o contato com vários personagens dos comics norte-americanos do começo do século XX. O primeiro deles foi Chiquinho, sem dúvida o mais famoso personagem da revista. O caso de Chiquinho é sui generis. Apesar de, durante anos, os leitores terem acreditado que se tratava de uma criação genuinamente brasileira, ele foi, na realidade, criado nos Estados Unidos. Durante os primeiros cinquenta anos de vida da revista, poucos leitores souberam que o verdadeiro nome do personagem era Buster Brown, o atrevido garoto criado em 1902 por um dos pioneiros da Nona Arte, o norte-americano Richard Felton Outcault (1863-1928). Outcault havia criado anteriormente uma série com o personagem Yellow Kid, que até hoje muitos norte-americanos insistem em considerar a primeira história em quadrinhos do mundo. Chiquinho, personagem norte-americano desenhado no Brasil por vários artistas Curiosamente, Chiquinho, além de ser uma presença constante na revista brasileira, continuou a ser visto nas páginas de O Tico-Tico várias décadas depois do desaparecimento do personagem dos jornais norte-americanos, em 1921. Na publicação brasileira, Chiquinho foi desenhado por vários artistas locais, que para ele criaram as mais diferentes aventuras e até mesmo, em 1915, presentearam-no com um companheiro de aventuras, o garoto afro-brasileiro Benjamin. Entre os artistas que estiveram à frente do personagem Chiquinho no Brasil devem ser destacados Luís Gomes Loureiro (1889-1981), Augusto Rocha (? -1939), Alfredo Storni (1881-1966), Paulo Affonso, Osvaldo Storni (1909-1972) e Miguel Hochman. A revista O Tico-Tico também tornou possível a disseminação de vários personagens de histórias em quadrinhos no Brasil, muitos deles produzidos por autores da própria terra, que foram publicados durante anos, representando uma plêiade de interessantes criações artísticas. Entre os personagens estrangeiros que chegaram ao Brasil pelas páginas de O Tico-Tico estavam Mickey Mouse, desenhado por Ub Iwerks (1901-1971) e depois por Floyd Gottfredson (1905-1986), inicialmente denominado Ratinho Curioso; Krazy Kat, de George Herriman (1880-1944), aqui recebeu como título As Aventuras do Gato Maluco, numa curiosa inversão (ou não, segundo alguns) do sexo da protagonista; Little Jimmy, de James Swinnerton (1875-1974); Popeye (com o nome de Brocoió), de Elsie C. Segar (1894-1938); Mutt e Jeff, de Bud Fisher (1885-1954); e o Gato Félix, de Pat Sullivan (1887-1933). Chiquinho e Benjamin, personagens criados no Brasil Por sua vez, entre os personagens criados por autores brasileiros, é importante mencionar Reco-Reco, Bolão e Azeitona, três garotos criados por Luiz Sá (1907- 1979) que foram também muito utilizados em publicidade de diversos produtos durante as décadas de 1950 e 1960; Bolinha e Bolonha, por Nino Borges, uma dupla de trapalhões aparentemente moldada nas famosas duplas cinematográficas cômicas de sua época; Zé Macaco e Faustina, por Alfredo Storni, um casal bastante divertido, similar a tantos outros dos quadrinhos; Lamparina, uma menina afro-brasileira surgida da genialidade de J. Carlos (1884-1950), que também criou para a revista os personagens Carrapicho e Jujuba, em série que trazia episódios divertidos vivenciados por pai e filho; Tinoco, o Caçador de Feras, por Théo (pseudônimo de Djalma Pires Ferreira, 1901-1980), Max Muller, por Augusto Rocha, considerado por Athos Eichler Cardoso o primeiro herói de quadrinhos de aventura do século XX (Cardoso, 2003), uma vez que antecedeu em mais de dez anos a Wash Tubbs, do norte- americano Roy Crane (1901-1977); Bolota, por Paulo Affonso; e Kaximbown e o Barão de Rapapé, por Max Yantok (1881-1964), também tiras cômicas. Reco-Reco, Bolão e Azeitona Em mais de meio século de existência, O Tico-Tico abrigou muitos outros autores nacionais, como Fragusto, Cícero Valladares (?-1937), Heitor, Luís Gonzaga, Leopoldo, Therson Santos, Aloysio, Messias de Mello (1904-1994), Justinus, Regina, Darcy, Percy Deane, Joaquim Souza, Daniel, entre outros (Moya, 1970, p. 202). e Zé Macaco e Faustina, séries quadrinísticas veiculadas na revista O Tico-Tico Bolota, de Paulo Affonso, que também desenhou Chiquinho O Tico-Tico não foi a única revista com quadrinhos a ser criada nos primeiros anos do século XX no Brasil, mas sua popularidade e longevidade acabaram por empanar o brilho de suas contemporâneas, como Juquinha, Guri e Cômico. Além da revista regular, que atingiu 2.096 edições, a editora de O Tico-Tico também publicou anualmente, de 1907 a 1958, o Almanaque d´O Tico-Tico, sempre um grande sucesso entre os leitores. E existiram também vários títulos derivados da revista, como Tiquinho e Pinguinho, dirigidos para crianças menores; Cirandinha, voltada para as meninas; e várias edições especiais sobre temas variados. Kaximbown, de Max Yantok, um dos mais profícuos criadores de personagens de quadrinhos da primeira metade do século XX no Brasil Lamparina, de J. Carlos, desenhista que, segundo consta, foi convidado por Walt Disney para trabalhar nos Estados Unidos, mas não aceitou o convite A importância dessa revista para as histórias em quadrinhos no Brasil foi bastante destacada durante o ano de 2005, quando ela completaria seu centenário de publicação. Em edição comemorativa, seus organizadores afirmam que a revista O Tico-Tico é um marco entre os títulos regulares dirigidos à infância no Brasil. Em primeiro lugar, por ter sido a pioneira em trazer regularmente histórias em quadrinhos, em uma época em que a arte gráfica sequencial não tinha absolutamente qualquer reconhecimento por parte dos intelectuais, dos pais ou dos professores. Em segundo lugar, por se constituir, até o momento, na mais longeva revista infantil já publicada no país, atingindo 56 anos de vida. E, por último, mas talvez não menos importante, por ter preenchido o inconsciente coletivo de várias gerações de jovens brasileiros, que por ela guardaram as mais gratas e pungentes recordações (Vergueiro, Santos, 2005, p. 14). Página de humor da O Tico-Tico, feita pelo desenhista Paulo Affonso O Suplemento Juvenil representou a introdução do modelo de produção dos comics norte-americanos no Brasil A Gazetinha, publicação com personagens norte-americanos que precedeu o Suplemento Juvenil O MODELO NORTE-AMERICANO NO MERCADO BRASILEIRO Apesar da popularidade de Chiquinho entre os leitores brasileiros, que, de certa maneira, pode ser vista como a introdução das histórias em quadrinhos norte- americanas no País, ela constituiu um fato isolado. Esse moleque travesso foi acompanhado apenas por alguns poucos personagens estrangeiros, publicados também na revista O Tico-Tico, como o já mencionado Gato Félix, de Pat Sullivan. De fato, no entanto, é possível defender que a real invasão dos Estados Unidos só ocorreria na primeira metade da década de 1930, com duas publicações ligadas a jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro. Seguindo com a figura estilística da invasão, pode-se dizer que o caso do jornal paulistano A Gazeta constituiu muito mais uma infiltração, um conhecimento de terreno de uma potência estrangeira sobre o ambiente a ser dominado. Isso ocorre quando o jornal começa a publicar um suplemento denominado Gazeta Infantil em setembro de 1929, que logo foi carinhosamente batizado pelos leitores como A Gazetinha. Inicialmente, foi publicado uma vez por semana e depois aumentou para duasou três vezes semanais a frequência de sua presença em bancas. Isso, por si só, já demonstra sua popularidade entre os leitores da época. Em seu primeiro período de publicação, de 1929 a 1930, A Gazetinha trazia poucos quadrinhos norte-americanos: o mais importante era certamente Little Nemo in Slumberland, de Winsor McCay (1869-1934). No entanto, em seu segundo e mais produtivo período, de 1933 a 1940, esse suplemento publicou muitas histórias em quadrinhos estrangeiras, que chegavam ao Brasil logo depois de publicadas em jornais do exterior ou em revistas de histórias em quadrinhos. É importante, por exemplo, mencionar que o personagem Superman passou a ser publicado pela Gazetinha em abril de 1939, somente um ano depois de sua estreia nos Estados Unidos; além desse personagem, outras séries estrangeiras poderiam ser igualmente mencionadas, como Brick Bradford, O Fantasma e Barney Baxter. Além de séries norte-americanas, A Gazetinha também publicou muitos autores brasileiros, como Nino Borges, Zaé Jr., Amleto Sammarco, Messias de Mello (1904-1994), Belmonte (1897-1947) e Jayme Cortez (1926-1987). Este último autor era de origem portuguesa, mas teve grande influência sobre as histórias em quadrinhos brasileiras, como se verá adiante. Depois de breve interrupção durante a Segunda Guerra Mundial, A Gazetinha retornou às bancas de jornal e foi publicada até a década de 1950. Por outro lado, se considerarmos a aclamação popular como o melhor indicador do êxito de uma publicação, seria talvez mais apropriado recordar o ano de 1934 e considerá-lo como o de real expansão dos quadrinhos norte-americanos no Brasil. Nesse ano, uma publicação chamada inicialmente Suplemento Infantil, título posteriormente modificado para Suplemento Juvenil, foi lançada na cidade do Rio de Janeiro, fruto da iniciativa do jornalista Adolfo Aizen (1907-1991), que havia permanecido durante algum tempo nos Estados Unidos, onde entrara em contato com os suplementos impressão colorida dos jornais norte- americanos. Desenho do quadrinista Messias de Mello para o personagem Audaz, o demolidor, originalmente uma produção mexicana Três legionários de sorte, história em quadrinhos de aventura elaborada por Carlos Arthur Thiré Quando retornou ao Brasil, Aizen imaginou que o modelo desses suplementos poderia ser transplantado para a nossa realidade e o propôs ao jornal em que trabalhava, mas não teve sua proposta devidamente apreciada. Buscou então outros jornais, terminando por encontrar guarida no A Nação, no qual conseguiu concretizar a publicação de vários suplementos. Entre eles, o dirigido às crianças foi o de maior aceitação e, em seu décimo quinto número, se converteu em uma publicação independente, saindo às terças, quintas e sábados, em cores e formato tabloide (Moya, 1970: 202-203). Mas não apenas histórias em quadrinhos publicava o Suplemento Juvenil. Ele também trazia matérias com finalidades culturais ou educativas, como a série denominada Aprender a aprender ou Como estuda o Rabedeco, na qual um garoto contava a seus amigos leitores do Suplemento como “descobriu os meios mais práticos de estudar, fazendo ao mesmo tempo revelações muito interessantes sobre o que aprende nas aulas particulares com o professor Rafael Murilo” (Silva, 2003, p. 34). Outro aspecto importante da contribuição do Suplemento Juvenil à popularização dos quadrinhos no Brasil foi a possibilidade oferecida a muitos autores brasileiros para que colaborassem em suas páginas. As aventuras de Roberto Sorocaba, uma história em quadrinhos de aventuras elaborada por Monteiro Filho A participação dos artistas locais começou já no primeiro número do Suplemento, que trazia o início da aventura intitulada Os exploradores da Atlântida ou As aventuras de Roberto Sorocaba. Criada nos moldes das séries de aventuras distribuídas pelos syndicates norte-americanos para jornais do mundo inteiro, a história tinha roteiro e desenhos de Monteiro Filho (1909-1992). Outros autores brasileiros que participaram do Suplemento foram Renato Silva (1904-1981), com Nick Carter versus o Fantasma Negro e A Garra Cinzenta; Carlos Arthur Thiré (1917-1963), com Rafles e Três legionários de sorte; e Fernando Dias da Silva (1920-?), com O enigma das pedras vermelhas, para apenas citar alguns nomes (Moya, 1970, p. 203-204; Silva, 2003, p. 43-44). O Suplemento Juvenil publicava a maioria dos personagens importantes dos quadrinhos da época, como Flash Gordon, Tarzan, Dick Tracy, Príncipe Valente (Prince Valiant), Agente Secreto X-9 (Secret Agent X-9), Jim das Selvas (Jungle Jim), Mickey Mouse e outros, em geral com êxito estrondoso. Assim, devido à sua distribuição nacional – ao contrário do que sucedia com A Gazetinha, que era distribuída principalmente no Estado de São Paulo – o Suplemento conseguiu a familiarização dos leitores brasileiros com as mais populares séries quadrinísticas produzidas nos Estados Unidos, fazendo os produtos da linguagem gráfica sequencial assumirem o primeiro lugar na preferência dos jovens leitores. O Globo Juvenil, a resposta da concorrência ao Suplemento Juvenil Como resultado do sucesso do Suplemento Juvenil, em pouco tempo outras publicações infantis foram lançadas no mercado, colaborando para tornar as histórias em quadrinhos norte-americanas ainda mais conhecidas do público brasileiro. O título que mais se destacou nesse aspecto foi O Globo Juvenil, também do Rio de Janeiro, tabloide publicado pelo jornal O Globo. Em O Globo Juvenil foram publicados personagens como Ferdinando (Li’l Abner), de Al Capp (1909-1979); Brucutu (Alley Oop), de Vincent T. Hamlin (1900-1993); Zé Mulambo (Abbie an’ Slats), de Raeburn Van Buren (1891-1987); Don Dixon, de Carl Pfeufer (1910-1980) etc. A concorrência entre as duas publicações se tornou mais exacerbada. Cada uma delas buscava apresentar aqueles personagens que mais agradavam a seus leitores, criando campanhas de marketing bastante agressivas para a época. O mercado competitivo também deu origem à maior variedade de publicações nas bancas, o que acabou beneficiando bastante os leitores. Em 1937, o Suplemento lançou outra revista, publicada nas quartas, sextas e domingos, em tamanho meio tabloide, Mirim, no que também foi imitado pelo O Globo, editando Gibi, que passou a ser posteriormente Gibi Mensal com historietas completas tipo comic books, com o Capitão Marvel, Príncipe Submarino, Tocha Humana (Moya, 1970, p. 205). Gibi Mensal, título derivado de Gibi Criada em 1939, a revista Gibi se tornou tão popular no Brasil que acabou sendo utilizada para designar qualquer revista de histórias em quadrinhos, prática que permanece até hoje. Nos últimos anos, no entanto, leitores mais seletivos e exaltados passaram a repudiar essa denominação, entendendo que ela tem forte conotação pejorativa, com sua aplicação generalizando o meio com material impresso destinado exclusivamente ao público infantojuvenil. Na sociedade brasileira em geral, por outro lado, o termo continua a ser utilizado de forma carinhosa em referência às revistas em quadrinhos, muitas vezes com o uso do diminutivo, gibizinho. (Vergueiro, Santos, 2010) Com o tempo, a revista Gibi deu origem também a Gibi Mensal, que se manteve nas bancas até o início da década de 1960, com mais de 300 edições publicadas e com a divulgação de dezenas de personagens dos quadrinhos norte-americanos. Em 1939, numa manobra comercial até hoje não muito claramente explicada, a maioria dos personagens publicados no Suplemento passou para O Globo Juvenil. Com isso, o primeiro permaneceu somente com Tarzan, de Burne Hogarth (1911-1986); Terry e os piratas, de Milton Caniff (1907-1988); e Dick Tracy, de Chester Gould (1900-1985), perdendo grande parte do atrativo que tinha para seus leitores (Silva, 2003, p. 29). Nesse sentido, como afirma Gonçalo Júnior (2004, p. 71), a postura do criador do Suplemento Juvenil em relação à perda dos personagens muito populares ajudaria a criar um mito em torno de sua figura. Numa demonstração de respeito aos leitores,publicou, no último capítulo de cada série dos personagens, curiosos avisos. Num deles, escreveu: “O que estarão Flash Gordon e os outros vendo fora da caverna? Quem são esses estranhos personagens da neve? Vejam a continuação no O Globo Juvenil, futuramente”. Infelizmente, a perda de seus personagens mais populares decretou também o início da derrocada do Suplemento Juvenil, que a partir daí entrou em uma crise da qual nunca mais conseguiu se recuperar, tendo finalmente que encerrar suas atividades em 1945. No entanto, o fechamento da publicação não representou o fim do caminho para Adolfo Aizen, nem seu afastamento da publicação de histórias em quadrinhos. Pelo contrário, de forma entusiasmada, ele se lançou por inteiro à carreira de editor, estabelecendo sua própria casa publicadora, a primeira no País a se dedicar quase exclusivamente à publicação de revistas de histórias em quadrinhos. Guri, revista que seguiu o mesmo modelo do Gibi Edição Maravilhosa, popular revista da EBAL, que transpunha para a linguagem dos quadrinhos as obras clássicas da literatura brasileira AS PRIMEIRAS EDITORAS DE QUADRINHOS NO BRASIL Com o encerramento das atividades do Suplemento Juvenil, pode-se dizer que uma nova fase no mercado brasileiro de quadrinhos foi iniciada, marcada pelo surgimento de editoras especializadas na publicação de revistas em quadrinhos. Essas editoras se estabeleceram principalmente na região Sudeste com destaque para os Estados mais desenvolvidos economicamente, São Paulo e Rio de Janeiro. Essa situação permanece quase inalterada no País, mais de oitenta anos depois de a primeira editora abrir as suas portas. Por seu conteúdo e pela distribuição nacional, as revistas em quadrinhos publicadas por essas editoras pioneiras se tornaram muito populares entre as crianças brasileiras, criando um incentivo irresistível para a prática do colecionismo. Surgidas pouco antes da televisão, um eletrodoméstico que em seu início representou um meio de entretenimento restrito às classes mais privilegiadas da população, as revistas em quadrinhos vieram a se constituir então no produto predileto dos jovens leitores brasileiros, que nelas tinham praticamente a única possibilidade de diversão a seu alcance. Muitos dos atuais leitores de quadrinhos no Brasil têm ideia muito vaga a respeito dos primeiros tempos de produção de quadrinhos ou da grande variedade de títulos produzidos pelas editoras de quadrinhos criadas nas décadas de 1940 a 1960, muitas delas hoje desaparecidas. Assim, um panorama das atividades dessas primeiras editoras pode ser visto a seguir, com enfoque naquelas que mais impacto tiveram para a consolidação de um mercado de quadrinhos no País. EBAL (EDITORA BRASIL-AMÉRICA LTDA.) Fundada por Adolfo Aizen em 1945, depois do fechamento do Suplemento Juvenil, essa editora foi, durante mais de trinta anos, uma das maiores produtoras de revistas de histórias em quadrinhos da América do Sul. Seu nome, EBAL, é a sigla formada pelas iniciais da denominação oficial da editora, ou seja, Editora Brasil-América Limitada, evidenciando as relações com o grande vizinho do Norte a que Aizen buscava dar continuidade com a nova empresa editorial. Deve ser, portanto, grafado sempre em maiúscula. Ela começou suas atividades de maneira bastante modesta, com poucos títulos. A primeira revista que publicou se chamou Seleções Coloridas, lançada em julho de 1946, em coedição com a Editora Abril de Buenos Aires. O título representou o início das publicações periódicas com os personagens Disney no Brasil. No ano seguinte, a EBAL, já então caminhando sozinha, colocou nas bancas brasileiras títulos como O Herói e Superman, ampliando seu catálogo de revistas em quadrinhos. Seleções Coloridas, a primera revista da EBAL A EBAL foi responsável pela popularização dos principais super-heróis norte- americanos no Brasil, os mais importantes personagens das editoras National/DC Comics, como Super-Homem (Superman), Batman, Mulher Maravilha (Wonder Woman) etc., e, posteriormente, pela introdução no Brasil dos personagens da Marvel Comics, como Capitão América (Captain America), Homem-Aranha (Spider-Man), Demolidor (Devil) etc. Álbum Gigante, revista que tinha a mesma proposta do título Edição Maravilhosa Adolfo Aizen, o diretor da empresa, era um emprendedor muito ativo e verdadeiro entusiasta dos quadrinhos, sempre preocupado com a aceitação dessa linguagem narrativa pelo povo brasileiro, principalmente pelos pais e professores, que, em sua opinião, representavam o público a ser cortejado e cativado em favor dos quadrinhos. Durante os mais de trinta anos de publicação profissional de sua empresa, ele se notabilizou por várias iniciativas que visavam ampliar a popularização das histórias em quadrinhos no País e, também, granjear apoio para a criação de personagens ou séries de quadrinhos genuinamente brasileiros. A EBAL publicou muitas revistas de histórias em quadrinhos feitas por artistas brasileiros. É importante destacar algumas delas: E DIÇÃO M ARAVILHOSA E Á LBUM G IGANTE : publicados durante os anos 1950 e 1960, esses dois títulos adaptaram à linguagem dos quadrinhos as obras mais importantes da literatura brasileira, como Iracema e O guarani , de José de Alencar (1829-1877); Mar morto , Jubiabá e Gabriela, cravo e canela , de Jorge Amado (1912-2001); Memórias de um sargento de milícias , de Manuel Antônio de Almeida (1830-1861); Menino de engenho e Doidinho , de José Lins do Rego (1901-1957); A muralha , de Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982), para citar apenas alguns dos autores mais conhecidos. Grandes Figuras em Quadrinhos, revista que trazia a biografia dos heróis da pátria brasileira A revista Edição Maravilhosa constituiu-se, inicialmente, na tradução para a língua portuguesa da revista em quadrinhos norte-americana Classics Illustrated. No entanto, percebendo o benefício potencial do título como elemento para maior popularização dos quadrinhos no Brasil, Adolfo Aizen foi pouco a pouco abrindo a série para a adaptação de grandes obras da literatura brasileira. Assim, já no início de 1950, com o número 24, quando a revista completava dois anos de publicação, ele apresentava em suas páginas uma história em quadrinhos derivada do título O guarani, de José de Alencar, ilustrado pelo desenhista haitiano radicado no Brasil André Le Blanc (1921-1998). As obras literárias brasileiras publicadas na Edição Maravilhosa e em Álbum Gigante eram realizadas por grandes artistas dos quadrinhos brasileiros, destacando-se, por sua qualidade, autores como Nilo Cardoso, Aylton Thomaz (1934-2009), Gutemberg Monteiro (1916-2012), Ramon Llampayas, José Geraldo Barreto Dias, Nico Rosso (1910-1981), José Antônio Rossin (1934- 1956) e Álvaro de Moya (Cirne, 1990, p. 32-33). Grande parte das capas dessa série era ilustrada à mão pelo artista Antonio Euzebio (1927-?). Durante a década de 1970, a EBAL colocou no mercado outra coleção, voltada à versão de obras clássicas da literatura brasileira em histórias em quadrinhos, dessa vez denominando a revista com o título de Clássicos Ilustrados da Literatura Brasileira. No entanto, a experiência não foi tão bem recebida quanto provavelmente se esperava, chegando a ser publicados somente pouco mais de uma dezena de números, todos constituindo reedições de obras anteriormente publicadas na Edição Maravilhosa ou na Álbum Gigante. G RANDES F IGURAS EM Q UADRINHOS , título que também foi publicado nas décadas de 1950-1960, apresentava na forma de histórias em quadrinhos as biografias de grandes personagens da história brasileira, como o presidente Getúlio Vargas (1882-1954), o poeta Castro Alves (1847-1871), o estadista Rui Barbosa (1849-1923), o empresário Irineu Evangelista de Sousa, o Visconde de Mauá (1813-1889), o imperador dom Pedro II (1825-1891), o conspirador e mártir da Independência brasileira Tiradentes (1746-1792), o escritor Monteiro Lobato (1882-1948) e vários outros. Entre os autores locais que ilustraram essas biografias, é importante destacaro trabalho do italiano Nico Rosso, inigualável na pesquisa de vestuários e ambientação das diferentes épocas, além de possuir um traço excepcional, com características bastante específicas. Rosso foi um trabalhador incansável e iria posteriormente dedicar-se à elaboração de quadrinhos de terror para diversas editoras da cidade de São Paulo, com uma produção variada e de alta qualidade. S ÉRIE S AGRADA . No Brasil, os títulos de revistas em quadrinhos de conteúdo religioso publicados por editoras comerciais parecem ter inicialmente surgido mais como uma forma de granjear respeito e simpatia para os produtos da Nona Arte do que propriamente como uma necessidade específica do mercado. Esse parece ter sido o caso da Série Sagrada, publicada de 1953 a 1959 pela EBAL, com uma segunda edição a partir de 1969, com biografias dos santos da Igreja Católica (Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos, 1970). Ela se constituiu na tentativa mais eficiente do editor Adolfo Aizen – que, por sinal, era judeu – de cair nas graças da Santa Madre Igreja. A revista Série Sagrada concentrava-se, principalmente, na vida dos santos da Igreja Católica, mas Aizen também produziu álbuns com a quadrinização da Bíblia A coleção trazia a história de vida dos santos e personalidades de destaque da Igreja, mostrando detalhes de sua criação, as batalhas ou experiências que eles haviam vivenciado no seu caminho para a divulgação da fé e os milagres que haviam protagonizado. Grande parte das histórias foi produzida originalmente na Itália, ocorrendo no Brasil apenas a tradução para o português. Com o tempo, no entanto, os materiais importados começaram a rarear e o editor brasileiro passou a encomendar a elaboração das biografias quadrinizadas a artistas locais, ainda que nem sempre lhes tenha dado crédito na autoria das histórias da revista. Eram meados do século XX, o que hoje se denominaria tempos pré-internet, quando a informação não estava tão facilmente disponível como agora, obrigando os autores dos quadrinhos a buscas em bibliotecas e enciclopédias, que nem sempre lhes eram acessíveis. Dos santos mais conhecidos, pululavam informações; dos “menores”, o que se tinha era muito pouco, no máximo locais e datas de nascimento e morte, além do relato de alguns poucos milagres. Assim, os autores nacionais tiveram muitas vezes que improvisar nas biografias, floreando detalhes da vida dos santos, inventando feitos milagrosos e romantizando sua jornada terrena. É interessante, nesse sentido, salientar que toda essa liberdade criativa recebia uma espécie de aval eclesiástico antes da publicação, pois a coleção era editada sob a orientação de um representante da Igreja, o cônego Antônio de Paula Dutra, como pode ser comprovado na contracapa de vários fascículos. Em algumas revistas, além da assinatura e aprovação do cônego, vinha também o aval do bispo de Niterói, que, dessa forma, dava a aprovação oficial da Igreja ao conteúdo quadrinizado. Além dessa revista periódica, a editora de Aizen também publicou edições especiais de caráter religioso, como as versões em quadrinhos da Bíblia (Antigo e Novo Testamento) e a História de Jesus, todas cortejando a Igreja Católica e muitas delas também trazendo a aprovação eclesiástica quanto a seu conteúdo. A única concessão que o editor parece ter feito à sua origem judaica talvez tenha sido o álbum em quadrinhos com a biografia de Theodor Herzl (1860-1904), fundador do sionismo político. H ISTÓRIA DO B RASIL EM Q UADRINHOS , com arte de Ivan Wasth Rodrigues (1927-2007) e texto de Gustavo Barroso (1888-1959), membro da Academia Brasileira de Letras, e A Independência do Brasil , com desenhos de Eugênio Colonnese, ofereciam aos jovens brasileiros uma versão mais interessante da história do País do que aquela que recebiam em livros de textos escolares, ainda que, substancialmente, não houvesse grande diferença entre elas, pois apresentavam a mesma visão sobre um fato histórico específico, variando apenas o formato utilizado. História do Brasil em Quadrinhos: a linguagem dos quadrinhos a serviço da pátria Tudo leva a crer que, também dessa vez, tratava-se de outra estratégia de convencimento do editor brasileiro. De fato, muitas obras da editora carioca, que também possuíam orientação histórica e didática, foram publicadas ao longo de duas décadas de atuação na edição de revistas e álbuns de quadrinhos, provavelmente com o intuito principal de ajudar a diminuir os preconceitos que pais e professores tinham em relação aos quadrinhos. O quanto eles realmente chegaram a ajudar nesse sentido, todavia, é algo de difícil avaliação. Aliada à publicação das obras, Aizen também promovia visitas de escolas e de autoridades educacionais à sede da editora, as quais ele divulgava com destaque nas contracapas de suas publicações. Entre as obras de caráter histórico e/ou patriótico publicadas pela EBAL podem ser destacados títulos como A libertação dos escravos em quadrinhos (1970), com arte de Eugênio Colonnese; A viagem da família real em quadrinhos (1965), com arte de Ramón Llampayas; Brasília: coração do Brasil, edição especial da revista Epopeia (1959), com texto de Nair da Rocha Miranda e desenhos de Llampayas; Cartilha do petróleo em quadrinhos (1974), com desenhos de Eugênio Colonnese; Dos balões de Santos Dumont à viagem à Lua (1973), de F. Sampaio e Monteiro Filho; e A Independência do Brasil em quadrinhos, este último com texto de Pedro Anísio e desenhos de Colonnese. C ASA-GRANDE & SENZALA EM QUADRINHOS (1981), a obra-prima do sociólogo e antropólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987), que narrava as origens da cultura brasileira, adaptada para a linguagem das histórias em quadrinhos pela pena magistral de Ivan Wasth Rodrigues (1927-2007). A obra foi várias vezes reeditada pela própria EBAL e, no início de 2000, em comemoração ao centenário de nascimento de Gilberto Freyre, foi publicada em cores pela Abegraph/Editora Letras & Expressões, de São Paulo, mais uma evidência de sua atualidade e qualidade artística. A EBAL também tentou desenvolver personagens brasileiros em revistas em quadrinhos e chegou mesmo a apostar forte, no final da década de 1960 e início de 1970, no título O Judoka, que mostrava as aventuras do herói que utilizava seus conhecimentos de artes marciais para combater os delinquentes, em geral meliantes de segunda categoria. O personagem, criado por Pedro Anísio e Eduardo Baron, chegou a atingir um relativo sucesso, sendo publicado até 1973 e tendo até mesmo uma versão cinematográfica nesse mesmo ano, protagonizada pelo ator Pedro Aguinaga. Casa-grande & senzala em quadrinhos, versão quadrinizada do estudo sociológico de Gilberto Freyre Infelizmente, dificuldades econômicas nas décadas de 1970 e 1980 terminaram por levar a EBAL a abandonar o mercado de histórias em quadrinhos depois de mais de quarenta anos de um importante trabalho por esse meio de comunicação de massa no Brasil. A importância dessa contribuição foi expressa com muita propriedade pelo estudioso Ezequiel de Azevedo (2007, p.38), em obra que elaborou para homenagear a editora: Pela Ebal [sic] tivemos, aproximadamente, dez mil revistas em quadrinhos publicadas, além de mil e setecentos livros infantis, o que fez a alegria de gerações e gerações de leitores, juntamente com o desespero de muitos colecionadores. A Ebal [sic] conseguiu ser a maior editora de quadrinhos e também a maior editora de livros infantis. Tal volume de revistas servia para aplacar a insaciável sede de leitura dos milhões de leitores. O quadrinho, que era considerado pernicioso nos anos quarenta e cinquenta, ganhou, graças a Adolfo Aizen, o status de arte. […] A Ebal [sic] fazia quadrinhos para todos os gostos, todas as idades, foram quase trezentas revistas de série publicadas. RGE (RIO GRÁFICA E EDITORA)/GLOBO Essa editora representava, na realidade, o setor de histórias em quadrinhos das organizações O Globo, já à época um conglomerado de meios de comunicação, responsável por jornais, estações derádio, diferentes e variadas publicações de entretenimento e, posteriormente, pela mais potente rede de televisão do País. Ela foi, desde seu começo, um competidor direto da EBAL. Enquanto esta publicava os super-heróis norte-americanos da National/DC Comics e depois os da Marvel Comics, a RGE era praticamente a única editora dos personagens do King Features Syndicate, entre os quais se destacavam o Fantasma (The Phantom), Mandrake, Ferdinando (Li´l Abner), Popeye etc., além de personagens de editoras norte-americanas menores, como a Fawcett, que publicava os quadrinhos do Capitão Marvel. Aparentemente, a RGE jamais teve uma política ostensiva de prioridade para as histórias em quadrinhos produzidas por autores brasileiros, guiando-se muito mais pelas necessidades de mercado e pelas oportunidades que algumas vezes vislumbrava. Ainda assim, não hesitou, em diversas ocasiões, em utilizar autores nacionais para elaborar histórias de personagens norte-americanos, quando aquelas que recebiam do produtor não davam conta de atender às necessidades ou preferências dos leitores brasileiros. Existem várias histórias pitorescas, facilmente comprovadas por publicações disponíveis no mercado, sobre histórias de personagens consagrados como Fantasma, Águia Negra, Rocky Lane, Recruta Zero, entre outros, com roteiros e/ou desenhos elaborados por artistas nacionais, como Walmir Amaral e Primaggio Mantovi. Geralmente, os artistas não eram creditados, uma vez que, presumivelmente, o desenvolvimento dessas histórias não havia sido autorizado pelo detentor dos direitos originais de publicação do personagem norte-americano. Mesmo que não tenha adotado propriamente uma política específica quanto aos autores nacionais, a RGE, em determinados momentos, propiciou o aparecimento de personagens criados localmente, em geral com alguma ligação com o mundo do entretenimento. Foi dessa forma que alguns autores brasileiros conseguiram ter materiais publicados pela RGE. Entre esses autores podem ser destacados os nomes de Edmundo Rodrigues (1935-2012), responsável pela versão quadrinizada das peripécias de Jerônimo, o Herói do Sertão, uma história de aventura ambientada no interior do Brasil, grande sucesso do rádio nos anos 1950, e por 22-2000 Cidade Aberta, série policial originalmente criada, em 1965-1966, para a televisão e Flavio Colin (1930-2002), depois substituído por Getúlio Delphim, com o detetive O Anjo, igualmente criado como produção radiofônica. 22-2000, Cidade Aberta, e Jerônimo, ambos de Edmundo Rodrigues Um fato interessante a se destacar sobre a RGE é que ela pubicou no Brasil uma revista com o super-herói Capitão Marvel (Captain Marvel), durante muitos anos, permanecendo com o personagem nas bancas mesmo depois que a editora original, a Fawcett Comics, firmou um acordo com os editores do Super-Homem (que a acusavam de plágio de seu personagem mais famoso) para deixar de publicar as aventuras do Mortal mais Poderoso da Terra nos Estados Unidos. Aparentemente, a DC Comics não era tão zelosa da publicação do personagem em outros países, pois não há relatos sobre dificuldades da editora carioca com a publicação da revista, que também chegou a incluir as histórias de um herói semelhante produzidas no Reino Unido, posteriormente denominado Miracleman. Durante os anos 1980, a RGE mudou seu nome para Editora Globo, uma denominação que antes lhe estava proibida devido a questões de registro de marcas no País, e passou sua sede para a cidade de São Paulo (antes estava no Rio de Janeiro). A segunda metade dessa década e o começo da de 1990 representaram tempos áureos para a editora, que ampliou seu catálogo de revistas distribuídas em bancas, com o acréscimo dos títulos produzidos pela empresa Mauricio de Sousa Produções Artísticas, em 1987 e a publicação de minisséries e personagens de quadrinhos destinados ao público adulto, como V de Vingança, de Alan Moore e David Lloyd; Sandman, de Neil Gaiman; e Akira, de Katsuhiro Otomo. No entanto, pode-se afirmar que esse período de ousadia da Editora Globo foi bastante breve. Já em meados da década de 1990 ela dava sinais de mudança de rumos. Foi reduzindo de maneira gradual sua participação no mercado de histórias em quadrinhos, mantendo-se durante os anos seguintes apenas com os títulos infantis de Mauricio de Sousa e um ou outro título passageiro, em geral ligado a personagens do mundo da televisão ou dos esportes. Em 2007, com o afastamento de Mauricio da Editora Globo, ela ficou com poucas publicações regulares no mercado, destacando-se O Menino Maluquinho, Julieta e Junim, de Ziraldo Alves Pinto; O Sítio do Pica-Pau Amarelo, Emília e Cuca, inspirados nos livros e personagens criados por Monteiro Lobato; e Cocoricó, revista baseada em um programa infantil da TV Cultura, emissora educativa do governo do Estado de São Paulo. Cocoricó, personagens de um programa de TV que se tornaram revista em quadrinhos O Menino Maluquinho, baseado em um livro infantil, que também se transformou em filmes de longa-metragem, peça de teatro e série de TV No início de 2008, a então Editora Globo resolveu descontinuar seus títulos de revistas de histórias em quadrinhos, optando por produzir materiais em quadrinhos para um público, digamos assim, mais elitizado, ou seja, concentrando sua produção na publicação de álbuns e graphic novels de maior qualidade gráfica, destinados à distribuição exclusiva em livrarias. Continua ainda no mercado, seguindo fielmente essa política de publicação de histórias em quadrinhos, podendo-se dizer que a aplica de forma bastante prudente, para não dizer relativamente tímida. EDITORA O CRUZEIRO Localizada na cidade do Rio de Janeiro, essa editora se tornou famosa pela publicação de O Cruzeiro, a mais importante revista de variedades do Brasil durante a primeira metade do século XX. Na década de 1940, ela começou também a publicar revistas em quadrinhos, principalmente com personagens dirigidos a crianças pequenas, como Luluzinha (Little Lulu), Bolinha (Tubbie), Gasparzinho (Casper), Manda-Chuva (Top Cat), Zé Colmeia (Yogi Bear) e outros. Zé Colmeia,um entre muitos títulos de revistas em quadrinhos publicados pela Editora O Cruzeiro Em 1959, com o objetivo de se preparar para a eventualidade de promulgação de uma lei que obrigaria as editoras brasileiras de quadrinhos a reservar 50% de sua produção para histórias produzidas no Brasil, a Editora O Cruzeiro iniciou a publicação de uma revista chamada Pererê, que trazia histórias de um grupo de personagens organizados ao redor do saci Pererê, um personagem do folclore brasileiro que foi representado nas histórias como um menino. Era de autoria de Ziraldo Alves Pinto, que posteriormente se converteu em um dos mais conhecidos artistas do País, criando o já mencionado personagem Menino Maluquinho e produzindo muitos livros infantis, sátiras, charges, cartuns em jornais etc. Apesar de a revista Pererê ter sido publicada por somente quatro anos, tendo sido descontinuada em março de 1964, não seria um despropósito considerá-la como a mais importante e genuína contribuição brasileira à indústria das histórias em quadrinhos, já que os temas ressaltados nas histórias do Pererê tinham abordagem muito regional e, principalmente, tratavam aspectos bastante peculiares da herança cultural brasileira (Vergueiro, 1990). A revista se transformou em publicação cult nas décadas seguintes, sendo até hoje reconhecida como uma das mais características criações do panorama da história em quadrinhos brasileira. Pererê, o mito transformado em histórias em quadrinhos por meio da genialidade de Ziraldo Alves Pinto Infelizmente, esse título não conseguiu incentivar o aparecimento de outras produções nacionais na Editora O Cruzeiro, que só publicou mais uma revista de um personagem nativo, o Dr. Macarra, criado pelo cartunista Carlos Estêvão (1921-1972), pois a lei anteriormente mencionada jamais chegou a ser colocada em prática devido à interrupção dos governos civis pelo golpe militar de março de 1964e à oposição das grandes editoras de quadrinhos. A Editora O Cruzeiro finalizou suas atividades durante a década de 1970. Já era, então, somente uma sombra do que havia sido anteriormente. EDITORA ABRIL Criada em 1950, na cidade de São Paulo, essa editora foi, desde então, responsável pela publicação das histórias em quadrinhos Disney no Brasil. Seu início, até mesmo, apresenta uma relação umbilical com a publicação de quadrinhos: depois de uma ou outra publicação não muito expressiva na área editorial, ela começou a deslanchar empresarialmente a partir da publicação da revista O Pato Donald (Donald Duck), trazendo basicamente as histórias desse personagem. Com o número 479, no entanto, uma mudança radical ocorreria: na capa da publicação, em vez do logotipo da revista do pato, estava a expressão “O Pato Donald apresenta” e, em tamanho maior, o que se tornaria o logotipo quinzenal da publicação – Zé Carioca. Assim, desde essa edição, a revista passou a ser denominada Zé Carioca nos números ímpares e a concentrar em suas páginas histórias especialmente criadas para o papagaio brasileiro bon vivant, criado pelos Estúdios Disney para o filme Alô, Amigos! (1942), enquanto as edições pares continuavam com o título e o personagem originais (Santos, 2002). Zé Carioca, o papagaio brasileiro criado para a política de boa vizinhança dos Estados Unidos, recebe um título próprio no Brasil Devido à aceitação do público, a revista O Pato Donald foi seguida por outras de quadrinhos Disney, como Mickey, em 1952, e Tio Patinhas (Uncle Scrooge), que continuam a ser publicadas até hoje no Brasil, e muitas outras do universo Disney que deixaram de ser publicadas por um motivo ou outro, como Almanaque Disney, Margarida (Daisy) e Pateta (Goofy). Primeiro número da revista Mônica, início do império do quadrinista Mauricio de Sousa Em 1970, a Editora Abril, buscando aumentar sua participação no mercado de histórias em quadrinhos, iniciou a publicação do título Mônica, que trazia as histórias de um grupo de crianças brasileiras, com situações que giravam em torno dessa personagem, uma menina de força excepcional e grande personalidade, que dominava todos os demais. Criada pelo quadrinista Mauricio de Sousa, a personagem e seus amigos, posteriormente conhecidos nacionalmente como A Turma da Mônica, logo se revelaram ótima iniciativa em prol do quadrinho nacional, caindo no gosto dos leitores brasileiros. Em pouco tempo, a Editora Abril entendeu ser viável publicar mais títulos desse autor. Assim, em 1973, surgiu a revista Cebolinha, seguida, alguns anos depois, em 1982, por Cascão e Chico Bento, este último um personagem do ambiente rural brasileiro, que se afastava do modelo de criança vivendo em um ambiente urbano de características universais, o espaço em que os personagens das outras revistas protagonizavam suas histórias. Todos esses títulos tiveram êxito contínuo nas mãos da Editora Abril, processo que se concluiu ao final de 1986, quando Mauricio de Sousa encerrou seu contrato com a editora e passou a publicar seus personagens pela Editora Globo, onde permaneceu até o final de 2006. Em 1974, a Editora Abril fez outra tentativa no sentido de publicar mais quadrinhos de autores brasileiros. Lançou uma revista com material variado, exclusivamente com autores nacionais, a Crás!. Originalmente criada para abrigar apenas autores externos à editora, de forma a desestimular qualquer comentário sobre privilégio aos autores da casa, a editora, no entanto, teve muita dificuldade para manter a periodicidade da revista. Segundo Primaggio Mantovi, à época trabalhando na editora, isso ocorreu devido, principalmente, a dificuldades para receber os materiais dos autores, que muitas vezes entregavam as histórias com pouco tempo para a preparação da edição, principalmente “por desconhecerem a própria capacidade de produção” e “por nunca terem trabalhado para uma editora de grande porte”. O artista relembra, ainda, que para o nº 1 ir pra gráfica, o Claudio de Souza teve de “quebrar” sua proposta inicial e pedir socorro ao pessoal da casa: criar (a toque de caixa!) as páginas que faltavam pra fechar a edição, caso contrário a revista não estaria “presente” no dia do seu lançamento! Dessa forma, infelizmente, o título durou apenas seis números, ainda que trouxesse trabalhos magistrais de autores como Jayme Cortez (1926-1987), José Lanzellotti (1926-1992), Renato Canini (1936-2013), Ruy Perotti (1936-2005), Ciça, do próprio Primaggio Mantovi e de Waldyr Igayara de Souza (1934-2002), entre outros. De Igayara partiu outra iniciativa da Editora Abril para valorização do artista nacional, o “Projeto Tiras”. Lançado em 1978, tinha a coordenação do jornalista Wagner Augusto e a direção do cartunista Ruy Perotti, contando inicialmente com onze autores nacionais, entre os quais Izomar Camargo, Henrique Farias, Claudino, Paulo Paiva, Renato Canini, Paulo José, os irmãos Airon e Marcelo “Verde” Lacerda, Jorge Kato, Clóvis Vieira, Guy Lebrun, Primaggio Mantovi e Carlos Avalone. Com essa proposta, a editora visava criar um sistema de distribuição de tiras diárias para os jornais brasileiros, semelhante aos que existiam no mercado norte-americano. O projeto durou alguns poucos anos e ajudou a divulgar o trabalho de vários artistas nacionais. Em 1979, a Editora Abril assumiu a publicação das histórias em quadrinhos de super-heróis da Marvel Comics no Brasil e, alguns anos depois, em 1984, também os personagens da outra gigante norte-americana, a DC Comics. Com essa absorção, a empresa ficou responsável pelas duas maiores editoras norte- americanas até o final de 2001, dominando, nesse período, o mercado brasileiro de histórias em quadrinhos. Revista Crás!, tentativa de publicação de variados autores e personagens brasileiros Atualmente, depois de haver desistido de publicar super-heróis, a Editora Abril, além de alguns poucos personagens esparsos, praticamente permanece apenas com as revistas dos personagens Disney, aos quais, a partir de 2003, vem dando atenção especial, incluindo o nome dos autores originais nas histórias – uma prática que até então havia se recusado a adotar –, bem como privilegiando o lançamento de diversas publicações especiais, de alta qualidade. OUTRAS EDITORAS Uma vasta gama de pequenas editoras de revistas de histórias em quadrinhos surgiu e desapareceu no Brasil desde 1934. Muitas delas estiveram em atividade por apenas alguns poucos anos, publicando títulos esparsos e desaparecendo do mercado quando as condições econômicas se tornavam desfavoráveis. A cidade de São Paulo, durante as décadas de 1950 e 1960, foi o lugar onde se estabeleceram várias dessas pequenas editoras, que produziram uma variedade de títulos de quadrinhos, muitos deles escritos e desenhados totalmente no Brasil. Pode-se dizer que, nesse período, guardadas as devidas proporções, viveu-se nessa grande metrópole o mesmo espírito que guiou os pioneiros dos comic books norte-americanos na década de 1940. Revista Capitão Estrela, da Editora Continental, de São Paulo O trabalho de empresas como as editoras Outubro, Continental, Trieste, Edrel, La Selva e outras foi muito importante para o desenvolvimento das histórias em quadrinhos nacionais, uma vez que elas possibilitaram que vários artistas brasileiros pudessem se sustentar e a suas famílias com a produção de histórias em quadrinhos e, ao mesmo tempo, tornaram possível que os leitores brasileiros tivessem acesso a histórias que tratavam de temas mais próximos à nossa cultura e realidade. Nas páginas das revistas produzidas por essas pequenas editoras, as histórias em quadrinhos do gênero terror se disseminaram no País durante algumas décadas, bem como aquelas dirigidas à produção de super-heróis brasileiros, como se verá adiante. Nos anos 1970, no Estado do Rio de Janeiro, a Editora Vecchi, que até então se destacava principalmente pela edição de fotonovelas, passou também a publicar revistas de histórias em quadrinhos. Entre os títulos da editora se destacou aqueleencabeçado por um personagem do velho oeste, Tex, um dos maiores êxitos do escritor e editor italiano Gianluigi Bonelli (1908-2001), que continua até hoje a ser publicado aqui. Essa editora publicou histórias em quadrinhos até sua falência, em meados da década de oitenta. Ken Parker e Mad, o fumetto italiano e a sátira norte-americana publicados pela Editora Vecchi Revista Spektro, da Editora Vecchi, terror norte-americano mesclado com terror brasileiro e Maria Erótica, da Grafipar, heroína de forte apelo sexual, criada pelo artista Claudio Seto Durante esse período, a Editora Vecchi se responsabilizou pela introdução de diferentes personagens dos fumetti italianos no País, entre os quais se destacaram Zagor, de Guido Nolitta, pseudônimo do escritor e editor Sergio Bonelli (1932-2011), e o trapper Ken Parker, de Giancarlo Berardi e Ivo Milazzo, bem como a versão brasileira da revista norte-americana Mad, que ainda continua muito popular no País. A publicação mais famosa da Editora Vecchi, no entanto, talvez tenha sido a revista Spektro, que teve 27 edições entre 1977 e 1982, trazendo ao País personagens de terror originalmente publicados pelas editoras norte-americanas Gold Key, Fawcett e Charlton, além de apresentar histórias em quadrinhos elaboradas por autores nacionais, entre os quais se destacam Watson Portela, Mano, Flavio Colin, Julio Shimamoto, Manoel Ferreira, Itamar, Lobo e Eugênio Colonnese. Depois da falência da Vecchi, os principais personagens por ela publicados passaram para outras editoras, com maior ou menor sorte. Também no final dos anos 1970 uma pequena editora, a Grafipar, despontou rapidamente na cidade de Curitiba, no sul do País, com uma proposta diferente para a produção de histórias em quadrinhos. Basicamente, ela se concentrou em personagens de terror e em histórias para o público adulto. A editora priorizava a produção de autores brasileiros, com um importante trabalho de incentivo a histórias nacionais, até mesmo com a organização de oficinas, exposições de originais e cursos sobre arte gráfica sequencial, concentrados em torno da então recém-fundada Gibiteca de Curitiba, a primeira biblioteca especializada em histórias em quadrinhos no Brasil. Entre as revistas publicadas pela Editora Grafipar podem ser citados os títulos Maria Erótica e Katy Apache, de Claudio Seto (1944-2008), bem como As Fêmeas, Sexo em Quadrinhos, Especial de Quadrinhos e Quadrinhos Eróticos, produzidas por vários autores. Infelizmente, por motivos econômicos, a Grafipar foi obrigada a abandonar o mercado de histórias em quadrinhos em meados da década de 1980, deixando um espaço que até hoje ainda não foi preenchido. HISTÓRIAS EM QUADRINHOS BRASILEIRAS: PRINCIPAIS AUTORES E PERSONAGENS É evidente, pela leitura das páginas anteriores, que o Brasil conta com grande tradição de publicação e leitura de histórias em quadrinhos. A Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos, realizada em nosso País, mostrou a arte original dos autores mais importantes de seu tempo. Ela foi organizada na cidade de São Paulo, em 1951, por um grupo de idealistas e jovens autores (Moya, 1970, 2001), representando um destaque inédito no mundo para os produtos da Nona Arte, que à época eram considerados de forma negativa por camadas significativas da sociedade. Aline, de Adão Iturrusgarai No entanto, apesar da popularidade das histórias em quadrinhos no País, é importante ressaltar que o predomínio de produtos oriundos da indústria de quadrinhos norte-americana acabou se constituindo, de várias formas, em grande obstáculo para a subsistência tanto da arte como dos próprios autores de quadrinhos no Brasil. Isso ocorreu, fundamentalmente, porque as histórias em quadrinhos norte-americanas, ao tratar de temas globalizados, encontram muito pouca resistência para sua aceitação em outros países, devido ao esquema de comunicação e divulgação que as envolve. No Brasil não foi diferente. Além disso, os fatores econômicos também favoreceram a preponderância dos comics norte-americanos, uma vez que eles aqui chegaram com seus custos já parcialmente pagos em seu país de origem e, com frequência, beneficiados com esquemas de promoção e divulgação que incluíam filmes, desenhos animados para a televisão, camisetas, brinquedos de todos os tipos e uma boa variedade de artefatos criados e distribuídos com o intuito de que seus personagens já fossem familiares ao público brasileiro, em muitos casos bem antes que a revista em quadrinhos propriamente dita chegasse às bancas de jornal (Vergueiro, 1999). Ainda assim, a fascinação da linguagem das histórias em quadrinhos sempre foi muito forte entre os artistas gráficos brasileiros. De certa forma, isso é facilmente compreensível: tendo contato direto com os quadrinhos desde a infância, muitos leitores ficam fascinados por esse meio e cultivam o sonho de um dia, quando adultos, se dedicar à produção de quadrinhos. Por outro lado, deve-se reconhecer que o predomínio de produtos estrangeiros no mercado dificultou e continua a dificultar a realização desses sonhos, e muitos jovens artistas buscam outras artes, dirigindo-se para carreiras em publicidade, na televisão, no teatro ou no cinema. Assim, a história dos artistas brasileiros que se dedicaram aos quadrinhos é muitas vezes a descrição de quixotescas batalhas contra moinhos de vento, com muitas derrotas e relativamente poucas vitórias. Felizmente, apesar das condições pouco promissoras, as histórias em quadrinhos no Brasil contam com muitos artistas que persistiram em seu empenho de se dedicar profissionalmente à Nona Arte e que conseguiram ser reconhecidos por seus pares e por seu público leitor, realizando uma forma específica de arte gráfica sequencial que, por méritos próprios, recebeu o respeito dos críticos e aclamação dos entusiastas dos quadrinhos. Podem ser encontrados em todos os gêneros, do terror ao underground, daquele dirigido ao público infantil ao criado para um grupo de leitores mais adulto. Com o objetivo de atingir uma compreensão geral desse aspecto das histórias em quadrinhos brasileiras, apresenta-se em seguida um breve panorama de suas principais características em cada gênero, buscando-se ressaltar os personagens mais importantes e seus autores que se destacaram em cada um deles. Combo Rangers, de Fábio Yabu, uma história em quadrinhos que iniciou sua publicação na rede internet Revista Mazzaropi, em quadrinhos, reproduzindo o personagem criado para o cinema pelo comediante Amácio Mazzaropi QUADRINHOS INFANTIS Essa é provavelmente a área em que as histórias em quadrinhos apresentaram maior desenvolvimento no Brasil. Desde seu início, no começo do século XX, quando eram publicadas na revista O Tico-Tico, as séries de histórias em quadrinhos já estavam entre as mais populares atrações da revista. Nessa época, era quase consenso no entendimento geral sobre os produtos da Nona Arte que esses eram elaborados estritamente para o público infantil e muitos personagens foram criados pensando exatamente nesse tipo de leitor. Além dos personagens já relacionados no início deste livro e publicados na revista O Tico-Tico, é importante também recordar muitos daqueles personagens relacionados com o mundo do entretenimento e criados por artistas brasileiros na década de 1950, como a dupla de palhaços Arrelia e Pimentinha, artistas muito populares na televisão, que então se iniciava no País. Eram desenhadas por artistas brasileiros. Utilizar artistas das várias artes populares como personagens de histórias em quadrinhos ocorria com muita frequência nas décadas de 1950 e 1960, não apenas no Brasil. Aqui, essa prática contribuiu para o surgimento de diversas revistas em quadrinhos, como Oscarito e Grande Otelo e Mazzaropi, baseadas em comediantes muito populares do cinema brasileiro que estrelaram dezenas de filmes. E, a partir da década de 1970, esse papel preponderante foi assumido pelo grupo de comediantes conhecido como Os Trapalhões, que teve uma longa vida nas páginas
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