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PSIC O LO G IA D A ED U C A Ç Ã O Irene C arm em P ico ni P restes / M aria d e Fátim a Jo aq uim M inetto Código Logístico 57561 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6459-5 9 788538 764595 Psicologia da Educação IESDE BRASIL S/A 2018 Irene Carmem Piconi Prestes Maria de Fátima Joaquim Minetto Irene Carmem Piconi Prestes Psicóloga. Psicanalista. Mestre em Educação (UFPR), na linha de Currículo e Conhecimento. Professora no ensino superior. Psicóloga escolar. Maria de Fátima Joaquim Minetto Psicóloga. Mestre em Educação (UFPR), na linha de Cognição e Aprendizagem. Terapeuta familiar sistêmica (Intercef). Professora no ensino superior. Psicóloga escolar. Sumário Apresentação 7 1. O encontro entre a Psicologia e a Educação 9 1.1 Distinções entre Psicologia e Psicanálise 10 1.2 Contribuições da dimensão “psi” para as práticas educativas 11 1.3 A sala de aula: o professor/aluno/conhecimento 16 2. O mundo moderno e as tecnologias 21 2.1 Tecnologia da imagem e do olhar 25 2.2 O uso da tecnologia na escola 31 3. Problemas dos pais: crescendo com o outro 35 3.1 A família dos dias de hoje 35 3.2 A responsabilidade social dos pais 37 3.3 O que é ser mamãe e papai? 43 3.4 A importância do laço família-escola 45 3.5 Níveis de crescimento 47 4. O bebê e o enfrentamento do educativo 51 4.1 Desenvolvimento emocional 52 4.2 O espaço educativo e o desenvolvimento emocional 56 4.3 Desenvolvimento cognitivo 57 4.4 O espaço educativo e o desenvolvimento cognitivo 63 4.5 A organização da escola enquanto espaço educativo 65 5. Sobre a educação da criança 67 5.1 A estruturação psíquica e o espaço educativo 69 5.2 O lugar social da criança 72 5.3 Tarefa educativa do adulto para com a criança 76 6. O fracasso escolar nos dias de hoje 81 6.1 O saber medicalizante e o fracasso escolar 83 6.2 Fracasso escolar e o contexto social 85 6.3 Fracasso e contexto escolar 87 6.4 A dimensão “psi” e as situações de fracasso escolar 90 7. Questões relativas à violência na vida em sociedade 95 8. O desafio da diferença 105 9. O campo transferencial 115 9.1 Aprender com o professor 118 9.2 O campo de transferência 121 10. O campo da ética e o mal-estar na educação 127 Gabarito 137 Referências 149 7 Apresentação Nossa preocupação na elaboração deste livro foi apresentar temas atuais, interessantes e inquietantes ao leitor. Nós nos referimos ao texto numa concepção ampla, quer dizer, como uma experiência ou perspectiva da consciência do sujeito. Esperamos que o leitor possa, após a leitura, ser capaz de desdobrar interpretações criativas e potencialmente inovado- ras à sua prática profissional. Os temas aqui apresentados foram surgindo de nosso pró- prio dia a dia: na prática docente, na clínica, nas palestras que ouvimos, nos livros que lemos, na conversa com outras pessoas. Os textos aqui abordados giram em torno do campo das questões psicológicas que envolvem a constituição subjetiva do ser humano e sua vida em sociedade; especificamente, da- mos destaque ao espaço relacional da escola. Iniciamos o texto com a reflexão sobre as questões espe- cíficas das áreas “psi”, e distinguimos Psicologia e Psicanálise. Abordamos questões relativas ao desenvolvimento humano. Especialmente no capítulo “O bebê e o enfrentamento do educativo”, contei com a colaboração da professora, e amiga, Fátima. Os textos aqui abordados discutem questões presentes no contexto escolar, como: o mundo moderno, a televisão, pais e filhos, o fracasso e a violência escolar, a educação da criança. Os textos finais exploram conceitos da teoria psicanalítica, como: o inconsciente, o desejo, a transferência e a ética. É com prazer, portanto, que lhes apresento este livro Psicologia da Educação. Uma boa leitura a você. 1 O encontro entre a Psicologia e a Educação Irene Carmem Piconi Prestes Assim como o espaço em branco é importante no poema, assim como a pausa organiza a música, o saber pode brotar do silêncio. O jorro contínuo de palavras pode ostentar apenas ansiedade. O conhecimento pode instalar-se no entreato. A. Sant’Anna Nosso intuito, neste capítulo, é fazer uma apresentação à luz de concepções psicológicas para o desenvolvimento e conhecimento humano, ou melhor, queremos saber como funcionam as conexões entre psicologia, psicanálise e educação. Para tanto, deixemos fluir as associações com muita paixão e busquemos, em cada uma delas, seus fundamentos, suas contribuições, para que tenhamos uma pro- dução com efeitos no âmbito educativo. Tais associações e contribuições permitirão a inserção dos aspec- tos psíquicos e a construção de um laço social entre essas áreas, em consonância com as circunstâncias sócio-históricas atuais, de modo a contribuir para a melhoria qualitativa do processo de ensinar e de aprender, já que entendemos que o rendimento intelectual, por vezes, é dependente do desenvolvimento afetivo. Segundo Nóvoa (1999, p. 191), “a clarificação dos mecanismos que estão em jogo nas situações concretas pode estimular a mudan- ça de relações e das práticas e incentivar o professor a investir no sentido da transformação da sua própria realidade”. 10 Psicologia da Educação Colocar os conhecimentos psicológicos a serviço da educação implica, para a prática docente, confrontar os conhecimentos teó- ricos, os métodos pedagógicos e os procedimentos de ensino, numa constante atitude reflexiva. Portanto, neste capítulo, busca-se criar situações de incertezas, de dúvidas, discutir suposições e, assim, criar um espaço para novas reflexões, outros paradigmas educacionais. 1.1 Distinções entre Psicologia e Psicanálise Vale um alerta inicial para não tomarmos Psicologia e Psicanálise como sinônimos. Um pon- to de distinção entre elas é a compreensão do que seja personalidade. Para a Psicologia, os compo- nentes da personalidade derivam do latim persona, que designa a máscara usada pelos atores de tea- tro, cujas expressões correspondiam a caracteres fixos e induziam o espectador à expectativa de um comportamento determinado. Decorre da noção do Direito que faz existir a pessoa civil, sujeita a direitos e deveres, com um Registro Geral, ou seja, a identidade civil do indivíduo. Porém, existe também a pessoa como consciência psicológica. A personalidade representaria a identidade psíquica do sujeito. O pensamento de Sigmund Freud alimentou essa visão de per- sonalidade; entretanto, o termo personalidade nunca foi utilizado na Psicanálise. Freud propôs dois modelos de aparelhos psíquicos. Em 1900, apresenta os três níveis psíquicos: o inconsciente, pré- -consciente e consciente. Nos anos 1920, recorre a uma nova distin- ção e apresenta as instâncias psíquicas: o id, o ego e o superego. Em seu texto “A interpretação dos sonhos” (1900), Freud mos- tra como os processos do sonho permitem compreender as forma- ções do inconsciente. Ainda que esse inconsciente esteja ligado à linguagem, à palavra, a uma representação simbólica, o ego é o lugar Vídeo O encontro entre a Psicologia e a Educação 11 da consciência e constrói-se para garantir o equilíbrio psíquico da pessoa, sustentar sua identidade. O id permanece como sendo o re- servatório da energia psíquica, pulsional, inconsciente. O superego é definido como a instância da lei, da crítica, da consciência moral. O conflito das forças inconscientes é sempre constante. Assim, o su- jeito freudiano é dividido, descentrado de si mesmo em consciente e inconsciente. Na Psicologia, há o caráter unificador da personali- dade, há possibilidade de resolução do conflito, de uma adaptação social plena. Essa área do conhecimento fixa como objetivo o es- tudo da personalidade e seus efeitos no comportamento humano. Embora não desconheçam o determinismo inconsciente, às vezes ignoram essa dimensão. A Psicologia interessa-se fundamentalmente pelo ego e a Psicanálise, pelo sujeito do inconsciente. Grande contribuição nos trouxe o psica- nalista Jacques Lacan,que ampliou a concepção do aparelho psíquico em que o inconsciente estrutura-se como uma linguagem. 1.2 Contribuições da dimensão “psi” para as práticas educativas A proposta de inserção do campo psicológico no espaço escolar tem por premissa focar as rela- ções dos agentes escolares no entorno das ques- tões do processo educativo. Mais especificamen- te, trabalha com o ensino enquanto ação criativa do educador na transmissão do conhecimento e com a aprendizagem enquanto ação do aluno na apreensão do conhecimento. Para tanto apresentamos um texto de Lopes (2002) para com- preender um modo de ensinar, importante quando se pensa em Vídeo 12 Psicologia da Educação práticas educativas transformadoras dos agentes escolares. Lopes (2002, p. 89) diz que: Ensinar pode ser qualquer coisa, a qualquer pessoa, até a si próprio. Talvez só não se ensine a ensinar. Ensinar vem do latim insignare e quer dizer, lá na sua origem, indicar, designar. Em designar, há signar, de signum, palavra. Desde seus primeiros empregos, há em signum um elemento que permite concluir pela existência de uma coisa ausente. Ou seja: ensinar é fazer conhecer através de um signo (o signo é o que permite concluir a existência de uma coisa ausente). Sob essa perspectiva entende-se que o ato de ensinar pressupõe a relação entre um ensinante e um aprendiz. Essa relação impõe uma interrogação: se alguém ensina é porque alguém está aprendendo. Mas será que o aluno sempre está aprendendo? E o professor, tam- bém aprende nesse encontro? Convidamos o leitor a refletir sobre isso. Vamos à consideração de Lopes (2002) buscar essa resposta. proponho pensar que ensinar é um ato de fé [...] em sua origem [...], no latim, era fides confiança, lealdade, fideli- dade [...] Estamos falando em fé como confiança, lealdade, que tem como valores fundamentais, engajamento e con- sentimento. O engajamento implica uma atitude humana solidária com as circunstâncias sociais e históricas em que vive, e procura, pois, ter consciência das suas consequên- cias [...] Engajamento e consentimento no ato de ensinar são parte de uma atitude subjetiva na qual estão presentes sujeitos [...] que é ter confiança em fazer e fé em. No sujeito. No sujeito que é o ensinante; no sujeito que é o aprendiz. (LOPES, 2002, p. 91). Nessas considerações, Lopes (2002) explicita que ensinar consis- te em reconhecer o lugar subjetivo de sujeito, se tomarmos a dimen- são “psi” pela via psicanalítica, entendemos que o ensinar se sustenta num discurso, no que fala e no que é falado, ou seja, circunscrito na linguagem, na palavra, no diálogo imerso num espaço, num ponto. A linguagem, como representação simbólica, é instrumento psi- cológico, no dizer vygotskyano, de mediação das relações essencial- mente humanas. Desse modo, também é possível destacar a relação O encontro entre a Psicologia e a Educação 13 entre a dimensão psicológica e as práticas educativas presentes no engajamento, comprometimento do sujeito que ensina e daquele que aprende. Compreendemos, então, que o educar significa envolver o ser humano no seu contexto sociocultural, construí-lo e esperar dele participação, no exercício da sua cidadania. Sob essa perspectiva, a Psicologia do desenvolvimento nos apon- ta uma visão de evolução enquanto processo de apropriação da ex- periência histórico-social pelo ser humano. Destacando o papel da interação de aspectos internos e externos para o desenvolvimento humano, Davis (1994, p. 29) relata: “dados mais recentes da em- briologia indicam que o ambiente interno tem um papel central no desenvolvimento do embrião, assim como o ambiente externo é fun- damental para o desenvolvimento pós-natal”. Sob o ponto de vista da dimensão “psi“ de orientação interacio- nista, o conhecimento é construído por meio das interações que o sujeito mantém com seu ambiente, que tem uma função importante no desenvolvimento humano. Nesse processo interativo, participam fatores internos e externos, formando uma rede complexa de combi- nações entre o organismo e o ambiente. Vale destacar, aqui, as con- tribuições de Jean Piaget e Lev Vygotsky às práticas pedagógicas que se voltam para o planejamento do ensino (para a organização das condições de aprendizagem), de modo que o processo de ensinar ocorra satisfatoriamente. Nessa mesma direção, as contribuições do campo “psi” à tarefa educativa nos remetem aos aspectos interativos entre os agentes escolares e a dimensão psíquica (afetivo-emocional). Lopes (2002) e Almeida (2002) afirmam que se encontram, na escola, o profes- sor e o aluno, remetendo-nos a pensar a educação como um ato de responsabilidade, de paixão, de solidariedade. É também um encontro do homem com a cultura. Cabe ao educador, na atividade 14 Psicologia da Educação educativa, a responsabilidade por construir e transmitir o mundo da convivência humana em que seu aluno está ou vai estar inserido. Essa é a tarefa daquele que quer educar, humanizar o mundo e, de alguma maneira, implicar os sujeitos que o habitam. Vale lembrar, aqui, que esse educador pode ser tanto o professor, quanto os pais. Por meio da Psicanálise, vamos entender que o sujeito é um ser singular, único, dotado de um psiquismo regido por uma lógica específica. É também um indivíduo que participa das relações interpessoais e ocupa um lugar, estabelecendo laços com o contexto social no qual está incluído. O sujeito subjetivo é movimento, é paixão, é desejo. É construído na relação com o outro sujeito, com o outro ser humano que lhe fornece os elementos necessários para que se insira no campo da cultura. Assim, processa-se a humanização e a subjetivação que constrói o significado e o sentido do viver para cada sujeito. Dessa maneira, entende-se que toda a relação de mim para comigo mesmo passa pela minha relação com o outro. Abrindo a possibilidade para a transformação do mundo inter e intrapessoal. Isso caracteriza a condição humana e o campo relacional do homem o qual está, essencialmente, ligado ao outro. Na poesia de Carlos Drummond de Andrade, podemos exercitar isso que em cada um de nós não se explica, mas fala de nós, fala de si mesmo, que é o desejo inconsciente. O outro Como decifrar pictogramas de há dez mil anos se nem sei decifrar minha escrita interior? Interrogo signos dúbios E suas variações calidoscópicas A cada segundo de observação. A verdade essencial É o desconhecido que me habita. (ANDRADE, 1997, p. 29) O encontro entre a Psicologia e a Educação 15 Outro aspecto importante nessa reflexão remete-nos a outras intersecções entre trabalho, ciência e cultura, as quais impõem, his- toricamente, a construção de um outro paradigma educativo que atenda às mudanças socioculturais e tecnológicas da sociedade. O rápido avanço tecnológico e as mudanças no contexto sociocul- tural exigem outros modos de relacionar-se com o humano numa construção coletiva e com seus desdobramentos à qualificação do profissional da educação. Segundo Gozo (2000, p. 179), faz-se, portanto, necessário que a escola adquira mobilida- de, flexibilidade e identidade própria que decidam formas educativas, curriculares e pedagógicas. A escola não deve ser vista como fábrica ou oficina, como sugere a tradição funcionalista, mas o locus da preparação do sujeito social para a vida, o que implica no desenvolvimento das subjeti- vidades e da personalidade humana livre. Assim, vivemos um processo de passagem para uma ativida- de educativa voltada aos princípios democráticos e de cidadania. Trata-se, de inserir a escola em um fazer pedagógico, curricular, funcionando numa dinâmica entre a liberdade e o engajamento, permitindo o desenvolvimento de políticas educativas voltadas às diversidades sociais, à autonomia, à equiparação de oportunidades e, também, à diversidade no contexto escolar, no cotidiano das salas de aula. Seguindo o pensamento de Carvalho (2000), pode-se dizer que a educação é um processo demorado e não temos a certeza de queto- dos (os profissionais) que se colocarem nessa situação construirão o perfil almejado, hoje tão necessário em um mundo de rápidas trans- formações, em que se espera do profissional em educação dinamis- mo, criatividade, flexibilidade, autonomia e qualidades diferenciadas, como conhecimento das tecnologias da computação, além de boa comunicação. Esse parece ser o perfil esperado do profissional em educação nos dias atuais. 16 Psicologia da Educação 1.3 A sala de aula: o professor/aluno/ conhecimento Tendo por referência a consideração da psicolo- gia aplicada à educação compreendemos a sala de aula como campo relacional de ensino e de apren- dizagem, como espaço de possibilidades interativas, de trocas interpessoais, onde a ação educativa deixa de exercer o controle e passa a ser uma atividade que conduz ao crescimento e à flexibilidade para as mudanças dos agentes escolares. O desenho abaixo ilustra, caricaturalmente, o que o olhar e a palavra do professor, da escola tradicional despertavam no aluno: apenas o sentimento de temor, na desconsideração da sub- jetividade, dos aspectos afetivos que envolvem o sujeito aprendiz. Figura 2– Autoritarismo pedagógico. Fonte: Adaptado de HARPER, 2003, p. 46. Já a proposta para os dias de hoje é que o educador tenha um olhar crítico-dialético. Entende-se a educação como uma visão de mundo a ser compartilhada com a comunidade escolar, como um processo de construção no qual os procedimentos sociais, políticos e culturais são desencadeados. O novo paradigma educativo visa constituir uma rede de interdependências pessoais, para realizar as diversas atividades pedagógicas. A experiência escolar é também Vídeo O encontro entre a Psicologia e a Educação 17 uma relação consigo mesmo, uma relação com os outros agentes escolares e, finalmente, é uma relação com o conhecimento. No processo de ensinar e de aprender, temos uma relação de três elementos: o professor, o aluno e o conhecimento. No campo relacional de ensino e aprendizagem, que caracteriza a aquisição do conhecimento por meio das atividades escolares, podemos destacar as funções, conforme Almeida (2002), do campo imaginário, que remetem ao campo transferencial, campo do encontro entre profes- sor/aluno, da posição subjetiva dos sujeitos, porque ensinar depende do educador, mas aprender depende do aluno. Souza (2002, p. 107) relata: “É do aluno colocar-se ou não em movimento em direção ao saber”. Outro campo que se nos afigura é o do simbólico, ou seja, o conhecimento presente na cultura, na linguagem, no contexto só- cio-histórico. E, finalmente, há o campo do real, que se apresenta sem garantias, sem certezas de sucesso ou de fracasso escolar para o professor e para o aluno. Educar é um constante desafio, não é uma missão fácil para o educador. São múltiplas as variáveis que interferem na atividade docente, como a formação e a atualização profissional, as condi- ções salariais, as jornadas de trabalho, os recursos didáticos, entre outras, que decorrem das contingências do contexto social e das políticas educacionais. Como nos confirma Nóvoa (1999, p. 179): a mediocridade das condições de trabalho, os efeitos frus- trantes da rotina e da normalização impostas [...] associam- -se aos problemas resultantes do baixo nível remunerativo, às múltiplas solicitações exteriores, e levam o professor a responder às suas necessidades de afirmação e de expansão fora da escola. Dessa forma, não se pode questionar apenas as transformações no educar e no ensinar, uma vez que essas são inseparáveis das transformações sociais mais amplas. 18 Psicologia da Educação A fim de concluir, tem-se que na via da dimensão “psi” a subjeti- vidade integra a atividade educativa, desse modo, nos sugere que se deve criar um espaço na escola em que o professor seja ouvido sobre sua experiência de educar, sobre as dúvidas que cercam a atividade educacional, e sobre a solidão e as incertezas que giram em torno das práticas pedagógicas. Segundo Almeida (2002, p. 105), “só é capaz de educar e de ensinar aquele que suportar o fracasso constitutivo do ato educativo”. Dessa maneira, essa é uma ação escolar que fortalece a atividade docente, quando o professor pode usar da palavra, do diálogo, da fala visando a significação, a construção de um sentido para sua existência como educador-desejante, ainda, como pessoa afetiva aberta para aprender sempre. Por um momento, endossaríamos as palavras de Souza (2002, p. 114) sobre o professor e o movimento de educar, que deveria ser de: religar os professores à tradição que se encontra na raiz po- lítica de sua vocação. [...] é aquele que professa e ensina uma ciência, uma arte, uma técnica, uma disciplina. É um mestre e é um perito. É também aquele que professa publicamente sua crença numa verdade. Remeter os professores ao seu nome significa afirmar, acima de tudo, o direito à trans- missão, com todas as suas exigências internas, é certo, mas com todos os seus efeitos imponderáveis, contra todas as manobras que colocam o futuro do aluno como prefixado e num limite pré-indexado seu desejo. Queremos finalmente dizer que, na atividade do professor, com- parece a subjetividade. Esse campo subjetivo nutre-se da interação interpessoal, da afetividade, dos sentimentos, da maneira de per- ceber o real e a significação que ocorre em uma ou outra situação. Essas parecem variar sensivelmente, dependendo do grupo étni- co, religioso ou socioeconômico ao qual o sujeito pertence. Assim brevemente aproximamos as áreas do conhecimento psicológico, O encontro entre a Psicologia e a Educação 19 psicanalítico e educativo e justificamos a importância da conexão entre o “psi” e o educativo para o pleno desenvolvimento do ser humano. Dica de estudo • DAVIS, Cláudia. Psicologia na Educação. São Paulo: Cortez, 1994. p. 104-105. Procure aplicar o projeto 04 desse livro, onde a autora trata de uma observação do cotidiano de uma sala de aula. Desenvolver a capacidade de observação é um exercício que favorece o au- toconhecimento, a descoberta das potencialidades e limites pessoais. Favorece a convivência, a solidariedade com o outro. Ainda, abre a possibilidade de transformar e criar atitudes que sejam educativas e que possam ir ao encontro da satisfação, da realização pessoal e profissional e da afetividade. Atividades 1. Explique, com as suas palavras, como podemos compreen- der a sala de aula tendo por referência as contribuições da dimensão “psi“ para a educação. 2. Analise o trecho do texto “Triângulo do conhecimento”. Levante três pontos interessantes do texto e discuta-os com seus colegas. O triângulo do conhecimento procura traduzir a existên- cia de três grandes tipos de saberes: o saber da experiência (professores); o saber da pedagogia (especialistas em ciên- cias da educação); e o saber das disciplinas (especialistas dos diferentes domínios do conhecimento). Nos períodos de inovação educacional, há uma certa ten- dência a valorizar a ligação dos professores aos especia- listas pedagógicos. Nos momentos mais conservadores, 2 O mundo moderno e as tecnologias Irene Carmem Piconi Prestes Como ninguém pode ao mesmo tempo deter um grande renome e uma grande quietude, que cada um tire vantagens do seu tempo onde lhe é dado viver sem precisar denegrir o tempo dos outros. Tácito Na consideração da complexidade das questões do mundo mo- derno e da sociedade, neste texto, busca-se salientar os aspectos afetivos e emocionais presentes nas relações entre as pessoas nos dias de hoje. Destaca-se a direção das páginas a seguir sob a óti- ca psicológica, da dimensão subjetiva. Ainda, as contribuições dá Psicologia e da Psicanálise ao espaço relacional escolar. Como re- trata Antonio Nóvoa (1999), quando discorre sobre a passagem dos anos e os efeitos nas relações cotidianas e a identidade profissional de professor: “vivemos um tempo de fascínio pela imagem, pelo espetáculo que parece captar-nos,envolver-nos no movimento, no efêmero, esvaziando memórias, quebrando o sentido das coisas que garantiam estabilidade e segurança” (NÓVOA, 1999, p.179). Nessa direção pode-se dizer que o mundo atual se revela como reconhecedor dos problemas e detentor da solução para os problemas humanos. A sociedade na dinâmica da organização e das relações sociais, propõe regras a serem seguidas para se ter sucesso profis- sional, sucesso financeiro, sucesso no amor, realização dos sonhos, e não faltam receitas de como consegui-los. A sociedade, desse modo, 22 Psicologia da Educação reconhece que todos têm direitos e deveres iguais, não há diferenças entre: crianças, adolescentes, adultos, idosos, homens ou mulheres. Dessa maneira, o que o nosso tempo parece produzir é aquilo de que a pessoa precisa, antes mesmo de ela saber do que precisa, pa- recendo, assim, antecipar-se à dimensão subjetiva do sujeito, às suas escolhas e à sua dúvida, à sua incerteza e ao seu sofrimento. Sob essa ótica, compreende-se que a dinâmica das relações sociais, por estar- mos vivendo numa democracia capitalista, valoriza sobremaneira os objetos que estão aí para serem livremente produzidos, descartados e consumidos. O que significa dizer que as relações pessoais são aná- logas às relações cotidianas com os objetos e sua posse. No poema a seguir, Carlos Drummond de Andrade descreve o perfil social do indivíduo nos dias de hoje; leia com atenção: Eu, etiqueta Em minha calça está grudado um nome que não é meu de batismo ou de cartório, um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro que não fumo, até hoje não fumei. [...] Estou, estou na moda [...] (ANDRADE, 1997, p. 85) Hoje, parece que o que importa é estar na moda, atender aos proclamas da moda, aos logotipos do mercado, à etiqueta, ou seja, a supervalorização está nos objetos de consumo. Vive-se num mundo do “descartável”, onde tudo e todos podem ser trocados a qualquer hora, por qualquer motivo. O que a vida de hoje impõe é uma ética voltada ao individual, ao prazer imediato e instantâneo, muito adequada ao modo das rela- ções do capital, de produção de lucratividade e de competitividade. E há infinitas possibilidades de ter os objetos de consumo, desde “pagamentos parcelados, a perder de vista” ou “a primeira prestação O mundo moderno e as tecnologias 23 só daqui a noventa dias”, entre outras, bastante tentadoras (SODRÉ, 1987). Desse modo, no contexto social atual, em que as referências de base (regras e leis) para a organização social não fornecem uma efetiva regulação (moral e ética), as relações se caracterizam como sendo mais impessoais e, por consequência, vê-se um afrouxamento dos laços sociais e familiais. Um lembrete importante, o contexto social interfere também no significado social da família. Os objetos determinam como a pessoa deve ser, tal como escreve Carlos Drummond de Andrade (1997, p. 85-86) no texto a seguir: “[...] hoje sou costurado, sou tecido sou gravado de forma universal, saio da estamparia, não de casa, da vitrina me tiram, recolocam, objeto pulsante mas objeto [...]” Vive-se em meio a mudanças contínuas, nas quais o sujeito vale mais pelo que ele tem, pelo que possui, do que por si mesmo. Convive-se numa sociedade do universal, da integração mundial com a globalização, com as tecnologias avançadas, com os satélites de comunicação e a comunicação virtual, que convoca o sujeito a uma unificação, a uma unicidade, a uma só voz, uma só língua para o homem. O Mercosul e o Mercado Comum Europeu apontam para um mundo sem fronteiras e sem limites para as relações humanas, num apagamento das diferenças culturais e da história individual. O movimento do pensamento contemporâneo tende, desse modo, a negar a existência do sujeito do inconsciente, do desejo de cada pessoa, valorizando os processos da consciência, do Eu. O mo- mento atual exige mudanças rápidas e, rapidamente, as coisas estão sendo superadas. Por exemplo, vejamos o que são os manuais dos utilitários (notebook, câmeras digitais, MP3, GPS), quando terminarmos de lê-los, já serão obsoletos. Ah! Isso só se aplica aos adultos, pois as crianças mexem e remexem e os fazem funcionar sem que para isso 24 Psicologia da Educação tenham que ler os manuais. Parece que não temem o novo, o desco- nhecido, vão tentando e fazendo descobertas. Com certeza, as crianças de hoje são muito mais habilidosas e talentosas do que as de 30 anos atrás. Nossos alunos também o são. Por que elas conseguem e nós, adultos, não? Talvez a resposta esteja no fato de que, para elas, a tecnologia é um dado da sua cultura, da cultura à qual elas pertencem. Ao adulto, só resta estar pronto para aprender as novas tecnologias. E o que dizer da tecnologia nuclear? Sodré (1987) diz que os conflitos de guerra têm sido adiados devido ao poder de destruição das armas nucleares, pois seu uso destruiria os dois lados do com- bate, e só haveria perdedores. A ficção cinematográfica tem mate- rializado, com belíssimas imagens, os efeitos das guerras atômicas. Desse modo, as políticas internacionais exigem diplomacia e uma convivência internacional harmoniosa que, se não chega a ser coo- perativa, assume uma postura de aceitação pacífica e de tolerância. Como nos relata Arendt (1993, p. 303), vivemos um momento de passagem do conflito entre ge- rações para um conflito de acomodação de espaço entre as gerações. Antes, o olhar social era vertical, havia o certo, ou seja, a virgindade, a honestidade, o trabalho, a religiosidade e o errado. Hoje, é mais horizontal, sabemos melhor que a hipocrisia de nada adianta, não se julga, compara-se. Menos ética, mais estética, ou talvez mais etiqueta. Mais uma vez, Carlos Drummond de Andrade (1997, p. 85-86) convida-nos a refletir sobre isso no poema “Eu, Etiqueta” que, de certo modo, vai ao encontro do pensamento de Arendt . [...] Eu é que mimosamente pago para anunciar, para vender em bares festas praias pérgulas piscinas, e bem à vista exibo esta etiqueta [...] O mundo moderno e as tecnologias 25 O poema “Corpo” (ANDRADE, 1997, p. 85) nos convida a uma atitude reflexiva sobre os modismos importados e a relação com a identidade pessoal: [...] É doce estar na moda, ainda que a moda seja negar minha identidade, trocá-la por mil, açambarcando todas as marcas registradas, todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me de ser eu que antes era e me sabia tão diverso de outros, tão mim-mesmo, ser pensante, sentinte e solidário com outros seres diversos e conscientes de sua humana, invencível condição. Agora sou anúncio, ora vulgar ora bizarro, [...] Assim, o poeta nos convoca a pensar sobre a atual condição humana, sobre o mundo em que estamos imersos, onde a realidade e o virtual, o ser e o ter, o sujeito e o objeto, o imaginário e o real se (con)fundem. 2.1 Tecnologia da imagem e do olhar A tecnologia nos traz outra questão e esta se refere à imagem e ao olhar. Segundo Sodré (1987), trata-se do “efeito de vitrina”, que se tem dissemi- nado, nos dias de hoje, desde os projetos arquitetô- nicos gráficos, que constroem “casas paradisíacas”, “casas de vidro“, com uma riqueza de detalhes in- críveis da realidade virtual, mostrando-se quase reais. Até na de- coração do ambiente interno das casas destaca-se e valoriza-se a imagem visual. Outra situação, muito difundida, é o uso das lâminas escuras nos vidros dos carros, que faz ver sem ser visto, comerciali- zadas como acessório de segurança. Ainda, por outro lado, a tecnologia avançada dos computadores nos mostra o que não poderia ser visto de qualquer outro modo, tal Vídeo 26 Psicologia da Educação como uma célula viva se multiplicando, a formação e a atividade vulcânica, mostradas por meio de animação científica, e o interior do corpo humano vivo, mostrado por radioscopia. O que temos, de um lado, é a extraordinária capacidade criati- va do homem; do outro,sua completa disponibilidade, a absorção. No aspecto do perfil social que compõe o leitor, ou o receptor, o es- pectador ou o ouvinte, podemos entender que se parte de um perfil abstrato, bizarro, sem identidade pessoal. Pensa-se na contradição entre a capacidade criativa, sensível e inovadora e a impotência, a insensibilidade e a apatia do homem atual. É o que nos relata Sodré (1987, p. 27): aquele que agora não se deixa ver é o mesmo que detém o poder, as regras de organização disciplinar daqueles que são vistos. Esta dicotomia entre ver e ser visto é correlata à outra, fundadora da função individualizante moderna: a separação radical, por parte do indivíduo, entre si mesmo e seu papel social. O mundo moderno parece viver a chamada realidade virtual. Estamos na era da imagem. E ela nos fascina, é encantadora e unificadora dos campos imaginário e real. A era da imagem resulta numa forma de relacionamento social e impõe um outro modo de comportamento, uma outra forma de organização social. Novamente, recorremos à poesia de Carlos Drummond de Andrade (1997, p. 85-86) para explicar o perfil social do homem atual: [...] meu isso, meu aquilo, desde a cabeça ao bico dos sapatos, São mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência, costume, hábito, premência, indispensabilidade, e fazem de mim homem-anúncio itinerante, escravo da matéria anunciada. [...] O mundo moderno e as tecnologias 27 Mas falar de imagem, da irresistível fascinação que nos cau- sa, é discorrer sobre a comunicação veiculada por meio dela, que está presente na vida do homem, desde muito tempo, na mitologia. Na Pré-História, a imagem nos pictogramas e nos grafismos tinha uma função mágica, que representava a impotência do homem fren- te à soberania da mãe natureza. A comunicação visual que primeiro se manifesta na história tem uma função complexa, em que, muitas vezes, são superpostas intenções utilitárias, técnicas, narrativas, ar- tísticas ou religiosas. Isso quer nos dizer que o olhar comunica, tem um significa- do, uma direção e está presente na história da evolução do homem. Na era da imagem, vem a importância do olhar, do ver e do ser visto. O olhar é um meio de possuir ou de ser possuído. O olhar é tido como suscetível de evocar sentimentos de temor, mistério e amor. O olhar interfere no desenvolvimento social-afetivo do bebê e está presente na constituição subjetiva do sujeito. Vamos recordar o que nos diz Cunha (2002, p. 378): Uma mulher consegue interagir olho a olho com seu filho quando deixa de olhar seu bebê internalizado. E o bebê real consegue sentir-se em segurança e organizar seus ritmos quando seu olhar se alinha ao da mãe. Ao se observar na prática, não é exagerado afirmar que, quando os olhares se encontram, estará garantida a comunicação intersubjetiva e empática que livra o recém-nascido da sensação de desam- paro e concede à mãe a individualidade do seu bebê e de quais limites ele necessita. Então, essa troca interativa pelo olhar está presente, desde o nascimento, no processo de constituição da subjetividade, na estruturação psíquica do sujeito. Assim, o olhar-se mutuamente faz-se essencial nas relações interpessoais (mãe/bebê, homem/mu- lher, professor/aluno, eu/outro) durante a vida. Os autores Lebovici (1987) e Winnicott (1999) também desta- cam como fundamental para o desenvolvimento social-afetivo do 28 Psicologia da Educação bebê a interação pela via do olhar entre a mãe e o bebê. Por meio do olhar a mãe transmite seus sentimentos e emoções e essa vivência refletirá nos sentimentos do bebê, favorecendo a constituição da imagem de si mesmo, o sentimento de bem-estar, de confiança, se- gurança no ambiente. Citamos agora um exemplo do cotidiano relacional. Por vezes, desconfiamos das pessoas que quando falam não dirigem o olhar ao seu interlocutor. Ainda, a experiência do olhar, a troca de olhares com o outro, remete, por vezes, à cumplicidade entre os pares, entre os casais: “nós nos entendemos por um simples olhar”. É um impor- tante elemento para o fundamento emocional e sua manifestação no campo social. Recordemos a narrativa mitológica que valoriza a importância do olhar. Trata-se de Eros e Psiquê, filha de rei, e dotada de uma beleza excepcional, objeto de grande admiração e também de medo: ninguém quis se casar com ela. O rei, seguindo a indicação do orá- culo, levou a filha ao alto de um rochedo. Psiquê adormece e, quan- do acorda, está no jardim de um palácio magnífico. Foi acolhida por vozes que a guiaram e se puseram ao seu serviço. À noite, veio vê-la seu marido que, sem lhe revelar o nome, advertiu-a de que jamais deveria olhar para ele. Psiquê viveu feliz dessa forma até que, um dia, cedeu à tentação e voltou o seu olhar para o rosto do marido, Eros, deus do amor. Eros a abandona como punição por ter violado o tabu (HAMILTON, 1983). O que podemos inferir é que Eros queria ver sem ser visto, o que aponta para as relações amorosas no aspecto importante do olhar, da imagem. Temos, atualmente os programas de reality show, os sites on-line de encontros para casais, que buscam pelo par ideal. Os interessados cadastram-se e o sistema de computação ocupa-se de apresentar o par ideal, a partir do perfil indicado pelos candida- tos, aquele que virtualmente é o par perfeito, aquele que suposta- mente atende às necessidades do interessado. É, dessa maneira, uma O mundo moderno e as tecnologias 29 relação entre “espelhos sociais” (SODRÉ, 1987), em que cada um dos parceiros extrai do outro a imagem de si mesmo, ou seja, suas iden- tidades sociais, seus perfis sociais. É interessante pensarmos que a proposta de casamento ideal, do par perfeito, nega aquilo que Sodré (1987, p. 16-17) discute: a relação entre ambos precisa da diferença para existir, mas também da experiência de não deixar que a imagem con- tinue sendo apenas uma imagem, ou seja, precisa também de se aventurar no real. Assim, na identificação imaginá- ria, homem-mulher, primeiro aparece a diferença, mas para logo ser abolida. O prazer e o gozo residem na abolição da diferença, na morte dos termos de sujeito e objeto: homem e mulher reafirmam o poder de se assemelhar, de buscar o duplo imaginário de si mesmos. Assim, temos que homem e mulher atraem-se pelas diferenças e, equivocadamente, permanecem juntos pelas suas semelhanças, por aquilo em que acreditam que “se combinam”; esquecem-se do que os atraiu, a sedução, o mistério, a inquietação pelo outro, a falta. Segundo Freud, a escolha do objeto de amor faz-se por oposição do objeto sexual, pela diferença. Para os candidatos ao par ideal, o objeto é eleito conforme a pró- pria imagem, que busca a si mesmo como objeto erótico narcísico. Assim, parecem trocar a sedução causada pelo olhar do outro, que lhe põe em falta consigo mesmo, por uma fascinação, uma adoração pelo outro como completude de si mesmo, partindo do campo da realidade, das diferenças (de gênero, crença, cultura, etnia), das im- perfeições, para um campo do imaginário (da ilusão da perfeição, da não contradição, da fascinação). Como pensar, atualmente, os efeitos da imagem da televisão na vida humana? É fato que a televisão ocupa um lugar importante no cotidiano das pessoas, pois, muitas vezes, ela é uma parceira. De olho na telinha, o indivíduo, independentemente da idade, aprende comportamentos aceitos socialmente. 30 Psicologia da Educação A televisão, enquanto veículo transmissor de informações, acaba com a divisão hierárquica de classes, propõe novas relações sociais, pois todos têm o direito de ver a mesma programação, no mesmo horário. Portanto, a mensagem veiculada pelos meios de comunica- ção é única, como também é único o interesse de quem a transmite e tem o controle da mensagem que será transmitida. Na era da imagem, a comunicação passa de uma característica de circulação restrita para a circulação da massa. A comunicação de massa deve ser dirigida a um receptorgenérico, de idade variável entre 8 a 80 anos, de condição social média, de interesses e neces- sidades genéricos, enfim, alguém que não existe pois seu perfil é abstrato e sem identidade pessoal, é um resultado estatístico. Isso é o que nos indicam os índices de circulação e de audiência. A imagem que é transmitida pelos meios de comunicação carre- ga um significado e um sentido predeterminado que lhe é próprio. A imagem opera mudanças na estrutura psíquica e nos modos de percepção do indivíduo contemporâneo. Esses veículos de comu- nicação estão articulados com todas as instâncias sociais de uma economia de mercado. Para Brandão (1994, p. 187), a capacidade que uma câmera tem de ampliar um objeto e penetrar onde nosso olhar não pode penetrar nos leva a um arrebatamento, ao encantamento das imagens. Esse encan- tamento proveniente do imediatismo como representação do mundo e dos seres vai produzir um choque direto na nossa afetividade e na nossa sensibilidade. A expectativa é que o telespectador, o admirador, fique fas- cinado, satisfeito, feliz e motivado ao consumir a mensagem. Vale, aqui, destacar o crescimento dos programas interativos com a participação do telespectador, como aquele que “decide”, que tem o poder decisório, onde “a vontade da opinião pública é sagrada”. O telespectador vota e determina sobre o desenlace que quer de uma dada situação, decide sobre o fim, o que vale é a sua vontade. O mundo moderno e as tecnologias 31 O telespectador vota sem sair de casa, na segurança do lar. Na can- ção de Oswaldo Montenegro, “Mistérios do mundo”, de 2001, é rela- tada a sensação do autor em participar dos mistérios do mundo, por meio da televisão: “[...] Eu gosto dos mistérios do mundo De olhar o mundo pela televisão Fechar os olhos num segundo Mistério profundo esse da escuridão eu te amo todo imundo [...]” Vemos que o telespectador ameniza a solidão que os tempos atuais lhe impõem, estando ligado à imagem da televisão, que demanda: “fique ligado na telinha”. Muitos serviços de comércio eletrônico têm-se propagado, como serviço de supermercado, domésticos, e outros, que se podem obter conectado à internet. Isso faz com que a pessoa não precise mais sair de casa para viver socialmente, compartilhar experiências, afetar-se com a presença do outro e emocionar-se com a convivência com o outro. Constatamos, também, a crescente busca por profissões que aju- dam na manutenção desse novo paradigma sociocultural, como: a informática, a comunicação social, o jornalismo, a publicidade e a propaganda. 2.2 O uso da tecnologia na escola A educação, como importante segmento da vida social, não poderia deixar de refletir as tendências de comportamento e de interação social das tecnologias. Portanto, se a escola não usar as tecnologias, será vista pelos agentes escolares (aluno, professor, pais) como estando em descompasso com o mundo de hoje, distanciando-se do emocionante e vibrante mundo das comunicações modernas. Vídeo 32 Psicologia da Educação O uso da tecnologia coloca a escola em sintonia com a era da imagem que nos cerca e os resultados motivacionais em sala de aula são marcantes. Os recursos educacionais da era da eletrônica podem apresentar-se como poderosos instrumentos para o novo paradigma educativo, como incorporar outra linguagem, a audiovisual, na me- diação do conhecimento. A inserção tecnológica na sala de aula deverá ser feita com plane- jamento, já que não se desenvolve desarticulada de outras mediações educativas. O importante é que o ambiente escolar, onde se usa estes instrumentos (DVDs, televisão, computador), possibilite assistir às formas de ver e de ouvir, para exercitar e desenvolver as diferentes maneiras de interpretação. As tecnologias são sofisticados instru- mentos educacionais de suporte ao trabalho do professor, e de nada valem sem a sua mediação. O professor encontrará as melhores condições ao se posicionar como interlocutor nas diferentes interpretações apresentadas pelos alunos para, em seguida, relacionar, comparar ou aproximar os con- teúdos e objetivos propostos à aula. “Portanto trabalhar didaticamente com as novas tecnologias im- plica uma série de conhecimentos necessários, que permitem que o professor atue “em estéreo”, em duas vias constantes, diferenciadas e complementares” (VITKOWSKI, 2000, p.152). Isso significa que, quando o professor reclama que não obteve o resultado esperado com o uso do recurso tecnológico, é porque está usando-o inade- quadamente com certa regularidade e sem definir previamente o objetivo da atividade escolar, apenas para preencher um espaço no tempo escolar ou para estar em dia com o tempo atual. O meio eletrônico, quando bem utilizado, pode dinamizar e faci- litar o desenvolvimento de qualquer proposta escolar, visto que aju- da a recriar situações comuns à linguagem dos alunos, a estimular O mundo moderno e as tecnologias 33 o processo da alfabetização e o hábito pela leitura, como também a desenvolver a capacidade crítica contra os efeitos “alienantes“ da televisão. Por exemplo, o aluno, após participar de uma atividade escolar em que um vídeo foi bem utilizado, certamente, em casa, ao assistir à televisão, começará a exercitar o processo de percepção audiovisual, de atitude crítico-reflexiva, obtendo como resultado os valores educativos que a televisão pode desempenhar. Essas considerações são confirmadas no relato de Sodré (1987, p. 33): o problema não se localiza nos conteúdos específicos dos meios de informação, que seriam hegemonicamente im- postos de cima para baixo. A verdadeira questão está na articulação dos conteúdos e formas produtivas da indústria cultural com as formações ideológicas e práticas institucio- nais da sociedade civil. Ou seja, é na articulação das condições socioambientais da es- cola com as condições socioprofissionais do educador que se veri- fica a possibilidade da realização de atividades educacionais com uso das tecnologias. Empregar a tecnologia como instrumento educativo permite ao aluno aprender através dele, sendo o professor um mediador, um elemento ativo, envolvido em um aprendizado conjunto; seu próprio aprendizado é, então, o desafio maior. Desse modo, os educadores escolares precisam dominar um saber sobre produção social de comunicação cultural e um saber ser comunicador escolar com mídias. Isso am- plia enormemente as condições e saberes necessários para a utilização das novas tecnologias, que não ocorre sem um trabalho de sensibilização e formação. (VITKOWSKI, 2000, p. 155) Estender os contatos presenciais, levando-os ao aprendizado a dis- tância, permite diminuir o distanciamento entre o professor e o aluno, circunscrito hoje à sala de aula. Permite ao professor, sem abandonar 34 Psicologia da Educação seus afazeres, atualizar-se e trocar ideias com outros educadores, apri- morando sua formação profissional. Ensinar é, também, aprender. Dica de estudo • O filme Eu, Robô, do diretor Alex Proyas, de 2004. Esse filme é um convite para o educador refletir crítica- -interpretativamente sobre as possibilidades de convivência social do humano com as tecnologias, o uso que se pode fazer das tecnologias. Considerando que se trata de uma situação ficcional, que coloca em questão os limites dos paradigmas, que precisam ser revistos e atualizados. Finalmente, espera- -se que o educador possa refletir sobre novas concepções de homem, natureza, sociedade, tecnologias e que surjam novas práticas educativas que atendam ao aprendiz. Atividades 1. Construa um parecer sobre a integração das novas tecnologia no espaço escolar. 2. Discorra sobre a seguinte afirmação de Merleau-Ponty (no li- vro Fenomenologia da Percepção. Rio de Janeiro: Freitas Bas- tos, 1971. p. 59.): “Não há determinismo ou escolha absoluta: jamais sou coisa, jamais sou consciência nua”. 3 Problemas dos pais: crescendo com o outro Irene Carmem Piconi Prestes Você me diz que seus pais não entendem Masvocê não entende seus pais Você culpa seus pais por tudo Isso é absurdo São crianças como você O que você vai ser quando você crescer? Renato Russo 3.1 A família dos dias de hoje Tem-se discutido muito sobre a relação pais/filhos e a tarefa dos pais em educar filhos em diferentes cam- pos do saber: pedagogia, direito, medicina, sociologia, psicologia, psicanálise entre outros. Neste texto, pro- põe-se olhar essa relação a partir da dimensão psíqui- ca, quer dizer, voltada à subjetividade, à afetividade, aos significados e sentidos que pais e filhos dão, consciente e inconscien- temente, a esse encontro que se mostra difícil, para ambos, nos dias hoje. Trata-se então de refletir sobre os impasses, ambiguidades e contradições vividas por eles. Do lado dos filhos, estes se mostram atônitos, paralisados quando confrontados com a multiplicidade de opções e liberdade de escolhas sobre seus afazeres. Do lado dos pais, a angústia revelada na impossibilidade de dizer “não” e de sustentar seus efeitos diante do filho, sem esmorecer, vacilar ou ceder. Vídeo 36 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental Nessa perspectiva observam-se pais com pouca implicação e dis- ponibilidade em estar com os filhos. Para suprir a ausência, equivo- cadamente, presenteiam os filhos com excesso de objetos, de coisas, de consumismos, de descartáveis; são presentes embrulhados em angústia, que podem aumentar a ansiedade no estabelecimento dos laços pessoais. E, por vezes, esses embrulhos despertam a culpa nos filhos por verem seus pais fazendo tantos sacrifícios para lhes dar tudo, até aquilo que não têm. Assinalando as mudanças ocorridas na organização familiar, en- quanto estrutura de sustentação do sujeito, percebe-se que a edu- cação dos filhos assume um caráter de maior permissividade junto aos pais, permitindo uma antecipação à liberdade e à autonomia dos filhos; eles esquecem que os filhos necessitam do apoio, do suporte, do balizamento, do amparo dos pais para um crescimento saudável. Nessa dinâmica familiar, temos visto a crescente “crise de gerações”, a dificuldade no relacionamento pais/filhos, a fragilidade nos laços familiais. Observa Ariès (1981, p. 238): “O sentimento da família não se desenvolve quando a casa está muito aberta para o exterior: ele exige um mínimo de segredo”. De outro modo, a família é vista como lugar de referência social capaz de produzir através de sua interferência efeitos no comportamento social do filho. Ao lado disso tem-se o educar e, como muito bem nos diz Charlot (2000, p. 53), a educação é uma produção de si por si mesmo, mas essa autoprodução só é possível pela mediação do outro e com a sua ajuda [...] Toda a educação supõe o desejo, como força propulsionadora que alimenta o processo. Mas só há força de propulsão porque há força de atração: o desejo sempre é “desejo de”, a criança só pode construir-se porque o outro e o mundo são humanos e, portanto, desejáveis. Se recorrermos a história da educação das crianças e seu contexto familiar, temos que a preocupação com a educação instala-se no seio da sociedade com as mudanças sociopolítico-culturais ocorridas Problemas dos pais: crescendo com o outro 37 durante o século XX. As pessoas foram aprendendo a respeitar, a dar lugar, a dar voz às crianças, mas essa atitude não foi sempre vigente nas relações educativas com o infante. 3.2 A responsabilidade social dos pais Um primeiro ponto sobre a questão da respon- sabilização parental trata da decisão de ter filhos, que está atrelada ao desejo de dar continuidade à existência familiar, dar conta de uma “expectativa” afetiva e de um ideal parental. Essa escolha confron- ta os pais sobre o modo como conduzem e condu- zirão a própria vida, também lhes possibilita uma permanente atua- lização de si mesmos, de suas crenças, dos seus sentimentos, da sua história pessoal, nos encontros com o filho. Do ponto de vista social, os pais funcionam como grupo de refe- rência aos filhos. Uma vez que o bebê ao nascer apresenta uma “de- pendência absoluta do adulto” (WINNICOTT, 1999), a natureza da responsabilidade dos pais é ética na tarefa de educar os filhos. Vale aqui lembrar que compreendemos por ética o espaço relacional bali- zado por normas, regras que viabilizam as relações dos homens uns com os outros e têm por princípio o respeito às diferenças individuais como único meio de se atingir a igualdade social. A ética da responsa- bilidade, do reconhecimento e do pertencimento do outro na cultura. Acerca do traço de “desamparo humano”, a psicanalista Brunetto discorre sobre o desamparo primordial humano ao nascer verificado na incapacidade do seu organismo em sobreviver; esse traço acompa- nhará o homem nos laços sociais, o “desamparo inicial criará a neces- sidade de ser amado que acompanhará por toda a vida” (BRUNETTO, 2008, p. 23) o que quer dizer que damos pouco valor à vida para a hu- manidade, à necessidade de ser acolhido, amado e educado em todo o seu viver, já que para sobreviver necessitamos do outro. Vídeo 38 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental Um segundo ponto, no mundo atual está cada vez mais difícil encontrarmos um denominador comum sobre o que é certo ou erra- do, entre aquilo que é o tradicional e o moderno, entre o desconhe- cido e o conhecido. Os pais questionam como impor limites, como educar, sem ser severos demais, sem tomar posições extremas. O que podemos afirmar é que, com diálogo, amor e confiança mútuas entre pais e filhos, a tarefa de “educar” terá maior sucesso. E é nesse sentido que procuramos encontrar subsídios para auxiliá-los no processo de educar filhos. A seguir, o leitor verá um quadro proposto por Erick Erikson (apud DELDIME, 1999) para o desenvolvimento psicossocial. Esse autor concebe a construção da identidade pessoal como um pro- cesso decorrente da interação da criança no seu ambiente relacional, quer dizer, dependente da mediação que os pais estabelecem com ela no contexto sociocultural. Cada etapa do desenvolvimento psicosso- cial tem suas características específicas. Desse modo, em cada um dos momentos de sua vida, o filho necessita de uma atitude diferente dos pais. Observe o quadro abaixo e acompanhe o percurso do desenvol- vimento psicossocial do ser humano, apresentado por Erik Erikson. Tabela 1 – Desenvolvimento psicossocial proposto por Erick Erikson Estágios psicos-sexuais de Freud Idades aproximativas Crises psicossociais de Erikson Abrangência das relações significativas Modalidades psicossociais Virtudes de Erikson e qualidades dominantes Oral-respiratório cinestésico (incorporativo) 0-1 Confiança X desconfiança Mãe ou substituto materno Receber, dar em troca Esperança: a fim e convicção de que desejos podem ser acolhidos a despeito das “sombrias neces- sidades e das raivas que marcam o início da existência“. Problemas dos pais: crescendo com o outro 39 Estágios psicos-sexuais de Freud Idades aproximativas Crises psicossociais de Erikson Abrangência das relações significativas Modalidades psicossociais Virtudes de Erikson e qualidades dominantes Anal-uretral, muscular (retentivo, eliminador) 2-3 Autonomia X vergonha, dúvida Pais Reter, deixar ir Vontade: a determi- nação de exercer ao mesmo tempo a livre escolha e a restrição pessoal a despeito da vergonha e da dúvida experimentadas du- rante a infância. Genital infantil, locomotor, (intrusivo, inclusivo) 3-6 Iniciativa X culpabilidade Família base Terminar as coisas, colocá-las junto Finalidade: “a coragem de encarar e de perse- guir objetivos válidos sem ser inibido pela derrota das fantasias infantis, pela culpa e pelo medo inerente da punição“. Latência 7-12 aprox. Trabalho X inferioridade Vizinhos ou colegas de escola Assumir res- ponsabilidades Competência: o livre uso da habilidade e da inteligênciapara efetuar tarefas “sem ser limitado pela infe- rioridade infantil“. Puberdade e adolescência 12-18 aprox. Identidade X difusão Grupos de pares e grupos exteriores; modelos de liderança Ser ou não ser; partilha de si mesmo Fidelidade: livre apoio às lealdades asumidas a despeito das contra- dições nos sistemas de valores. Maturidade genital 20-30 aprox. Intimidade e solidariedade X isolamento Associações de amizade, sexo, competição, cooperação Perder-se e reencontrar-se no outro Amor: devoção mútua – sempre ultrapassam os antagonismos ine- rentes, em uma função partilhada. 30-50 aprox. “Generatividade“ X interiorização Trabalho dividido com pessoas da casa Realizar, cuidar para Desvelo: cuidado das obrigações geradas pelo amor, necessida- de ou acidente. além de 50 Integridade X desespero Humanidade: minha espécie Ser, depois de ter sido; aceitar não ser mais Sabedoria: atitude desprendida em rela- ção à vida e em face da morte. Fonte: Elaborada pela autora com base em Deldime, 1999, p. 169. 40 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental Encaminhando a questão do lado dos filhos assinala-se que estes ficam à espera de afetividade, da possibilidade de compartilhar e, quando isso não acontece, acabam por querer chamar a atenção de alguma forma, às vezes negativa, exibindo problemas de aprendi- zagem, inibições e fracasso escolar. Podem também, quando não estão na escola, estar nas ruas, recebendo influências de padrões de conduta inadequados, conturbando suas relações sociais e a maneira como vêem e significam o mundo. Considera-se que a criança pro- cura um modelo de comportamento e, na ausência dos pais, absorve os padrões de atitude das pessoas que a cercam. Do lugar de pais, sabemos que educar filhos não é uma tarefa fá- cil ou isenta de culpa. No entanto, alguns, pais ainda optam por criar filhos obedientes, conformados, alienados na organização social, talvez para não se comprometerem mais tarde. Esses filhos, quando adultos, poderão apresentar atitudes de inibição e não saberão dar opiniões, sugestões, nem defender suas convicções. E o mundo atual tem outras formas de sociabilidade que exigem iniciativa, criativi- dade, autonomia, independência de ideias e atitudes das pessoas. Destarte atrela-se o futuro dos filhos à educação que receberam dos pais. Assim, dependendo da educação, do modo como significou e o sentido que deu a sua vivência de filho, quando adulto, poderá demonstrar muitas qualidades, cabendo-lhes a capacidade de gerir com responsabilidade e segurança a sua própria vida. Em um texto de Shinyashiki (1992, p. 40-41), encontramos al- guns indicadores que talvez possam subsidiar pais angustiados na tarefa de educar filhos: Educar é estimular a criança a agir por si própria. É dar orientações para ajudá-la a desenvolver a autono- mia e a responsabilidade. É deixar que ela experimente a vida mesmo que tenha de se arriscar um pouco. Problemas dos pais: crescendo com o outro 41 É deixá-la viver, experimentar suas emoções, valorizar cada conquista. É ajudá-la a superar desafios sem substituí-la nessa luta. É conversar e conversar e conversar. É escutar e escutar e escutar. Educar é ver o filho aprender a subir a escada resistindo à tentação de levá-lo ao colo. Educar é desenvolver nos filhos o senso crítico para saber o que é realmente importante para eles e, a partir daí, aprimo- rar a capacidade de realizar seus objetivos. A partir do exposto até o momento, salientamos que para educar filhos, os pais (educadores) precisam ter certeza de que educar é im- portante. É preciso acreditar que transmitir limites, valores, desejos ao filho é iniciar o processo de compreensão do outro e de convivên- cia com o outro. Os pais precisam compreender que as crianças só respeitarão seus semelhantes se aprenderem quais são seus limites (corporal e psíquico). E isso só será viável se os pais alicerçarem a tarefa de educar filhos na responsabilização, na tomada de iniciativa e na coerência. Por responsabilização entende-se que o sujeito deve interrogar-se sobre o que é preciso ser realizado, entendendo que é autor de suas ações e escolhas (ainda que inconsciente). A tomada de iniciativa significa a condição de lidar com o erro de maneira assertiva. É preciso aprender a redirecionar o curso da vida, a partir das experiências, dos acertos e desacertos. E, finalmente, a coerên- cia, é preciso que o pai reflita sobre se o seu comportamento traduz os traços que quer ver no seu filho. E são os pais que fornecem à criança os significantes primordiais, os traços fundamentais sobre os quais o sujeito psíquico vai mon- tar sua história de significados e sentidos. Segundo Prestes (2001, p. 186), “[...] o homem constrói conceitos que não traduzem um conhecimento da realidade, e sim, uma articulação significante para o homem lidar com a realidade”. Pais e filhos precisam aprender que, para satisfazer seus desejos, têm que articulá-lo ao direito do outro, 42 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental em outras palavras, seus desejos é o desejo do outro. Ainda, o ato humano prevê a responsabilização do homem, uns com os outros. Portanto, o encontro pais/filhos significa crescer com o outro, numa relação de permanente troca, de construção de novos significados e sentidos, para um viver harmônico. Ilustramos com este belíssimo poema de Carlos Drummond de Andrade, que nos convida a refletir sobre os laços essencial- mente humanos. Verdade “[...] Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade. E sua segunda metade Voltava igualmente com meio perfil. E os meios perfis não coincidiam [...] Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era totalmente bela. E carecia optar. Cada um optou conforme Seu capricho, sua ilusão, sua miopia”. (ANDRADE, 1997, p. 41) Um último ponto para concluir este momento é lembrar que o ser humano, ao nascer, não tem ainda uma ética definida. E são os pais que têm essa tarefa fundamental e espetacular. Segundo o psica- nalista Françoise Dolto (1999, p. 30), “o ser humano é marcado pelos contatos verdadeiros que manteve com o consciente e o inconsciente das pessoas que viviam à sua volta, a mãe em primeiro lugar, o pai, e as primeiras pessoas que faziam o papel do outro de sua mãe”. Somos marcados pelas relações que nos afetam, que nos possibilitam cons- truir um sentido para nossa existência. Sendo assim, o que a autora destaca é que a primeira marca transmitida na relação parental do bebê é o nome próprio, que se re- cebe da família, ao nascer. Desse modo, o bebê tem existência reco- nhecida na sua família, a nível biológico e simbólico, pois carrega no seu nome toda a descendência, a história familiar, transmitindo para as novas gerações essas marcas, heranças culturais, tão importantes, Problemas dos pais: crescendo com o outro 43 que conferem ao homem sua humanidade. Somente depois de obter o reconhecimento familiar é que a pessoa buscará o seu lugar social, na escola, no início, e depois na carreira profissional. Sabemos que não existem regras que se adaptem a todas as rea- lidades familiares, não existe uma receita, mas indicações de como alcançar os objetivos propostos. Figura 1 – Onde é o mundo? Fonte: Tonucci, 1988, p. 27 3.3 O que é ser mamãe e papai? Nas páginas anteriores enfocamos as contri- buições do campo “psi” para a tarefa dos pais de educar filhos, discorremos sobre a responsabili- dade dos pais ao construir laços sociais com os Vídeo 44 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental filhos e, ainda, a importância da relação pais/filhos para a estru- turação da subjetividade, da personalidade do sujeito. Neste mo- mento vamos nos deter na posição, no lugar subjetivo de mãe e de pai para com filho. Talvez devêssemos iniciar trabalhando com as palavras mamãee papai. Desse modo, quando falamos em termos psíquicos, essas pala- vras designam funções psíquicas a serem cumpridas pelos pais na relação que têm com o bebê, com o filho; essas funções são necessá- rias para o desenvolvimento psíquico (afetivo e emocional) saudável da criança. A função de pai designa um papel, uma posição discursiva na re- lação com o outro que não se aplica de forma alguma à realidade, legal ou genética. Há pais (homens) que cuidam de seu filho porque ficam em casa enquanto a mãe (mulher) sai para trabalhar; há pais que são babás de seus filhos porque estão desempregados, responsabilizando- -se pelos serviços domésticos e pelos cuidados com os filhos. Na atualidade, multiplicam-se as situações de investigação de paternidade, por meio dos testes de DNA que visam descobrir quem é o pai biológico. E o que dizer dos casos de inseminação artificial? Como fica, de fato, a paternidade? Quem é o pai? A psicanalista infantil Dolto (1999, p. 103) discorre sobre essas funções psíquicas: função materna e função paterna. É um papel: mam-mã quer dizer que vem em mim para me fazer eu. É mole, ma-mã é o alimento, isso passa no tubo digestivo, é maleável, ao passo que pa-pa é a dureza da partida, e a tristeza pelo fato de que essa pessoa se vá e volte; é algo duro, a partida, e isso em todas as línguas. A palavra “papai” quer dizer a pessoa a quem se ama e que vai, que volta (há uma ruptura), ao passo que “mamãe” é o continuum. Mas o pai de nascimento é um homem, a mãe de nascimento é uma mulher, e nem sempre é uma mamãe. Muitas mães de nascimento não são mamães, e muitas mamães são mais maternais que as mães de nascimento. Elas assumem a função de mamãe, porque cuidam da criança. Problemas dos pais: crescendo com o outro 45 Dessa maneira, entendemos que essas duas funções são de- sempenhadas pelos pais na relação com o filho e contribuem na inscrição dos primeiros traços psíquicos, e estarão presen- tes inconscientemente nas relações interpessoais, nos laços sociais do sujeito. A função maternal é entendida como aquela que provê o bebê com segurança, confiabilidade, acolhimento, afeto e proteção. Inclui também a construção da rotina cotidiana. Já a função paterna des- taca-se por cumprir um papel de corte, de inscrição dos limites, da lei psíquica, quer dizer, o superego. Ou, ainda, a consciência moral de cada sujeito, permitindo, desse modo, uma convivência social harmoniosa, produtiva e saudável. Bernardino (1995, p. 15) diz que: Cada um tem que percorrer um caminho para responder a esta pergunta. E, neste percurso, é um lugar para si que acaba encontrando, é o “quem sou eu”? que se decifra. É na certeza de ser filho desta mulher que me ama, me olha, me fala e me diz ser minha mãe que encontro uma trilha a se- guir – é assim que tenho que ser [...] para ela. Mas é na dúvi- da sobre este que ela nomeia como meu pai que vou buscar meu reconhecimento próprio. [...] ponho-me na busca de um novo lugar – não mais para a mamãe, mas para mim. Ou seja: o pai aponta para um lugar além do desejo da mãe. Assim constitui-se a dimensão psíquica do sujeito e o modo como ele significa subjetivamente as funções: materna e paterna e, responde à questão de “quem eu sou?” Demonstra-se assim o ho- mem como um sujeito afetivo que não é desvinculado do intelectual. 3.4 A importância do laço família-escola Neste momento do texto destacamos a impor- tância dos laços familiares com a escola. Pode-se dizer que o laço família-escola é importante à arti- culação do afetivo e do intelectual. Vídeo 46 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental A escola deve cumprir sua função social para o sujeito trabalhar os valores mais gerais, envolvendo situações problemáticas atuais e urgentes, visando à emancipação do aluno, do cidadão, no processo de escolarização. Dessa maneira, a integração da família com a es- cola proporciona a formação do cidadão para além da de aluno, o sujeito é integrante de uma comunidade relacional e tem responsa- bilidade com o seu ambiente participando solidariamente. 3.4.1 Laços família-escola Buscando o laço família-escola temos que as ideias apresentadas nos PCNs também devem servir de alicerces à família na educação dos filhos, por exemplo, o diálogo, que é um recurso essencial à in- serção na cultura. O diálogo, como destacam os PCNs, é uma arte a ser ensinada e cultivada, acontece quando se dá lugar à criança para opinar, refletir quando os pais têm voz ativa, enquanto adulto/edu- cadores. Ainda, o diálogo supõe considerar o que o outro tem a dizer sem que se busque unicamente impor visões de mundo. É na família que a criança, inicialmente, vivencia valores humanos como: justiça, solidariedade, respeito mútuo, que terão continuidade nas relações escolares. A atitude solidária deve permear as relações afetivas de pais/filhos, e, ainda, a oportunidade de vivenciar a justiça no funcio- namento familiar é um aprendizado que terá seus desdobramentos no ambiente escolar. Dessa maneira, a direção que o homem dá à sua vida é o resultado de premissas construídas, inicialmente, na família, e mantidas e/ou atualizadas no ambiente escolar para uma atitude solidária na comunidade. Um autor interessante para pensarmos o laço família-escola é Vygotsky que liga o desenvolvimento do sujeito à sua relação com o ambiente sociocultural. O que significa dizer que todas as rela- ções significativas contribuem para o desenvolvimento da pessoa nos espaços da família e da escola. Para Vygotsky (1998), um dos principais defeitos da prática educativa é a separação dos aspectos intelectuais de um lado, e os afetivos de outro, pois o funcionamento Problemas dos pais: crescendo com o outro 47 psicológico tipicamente humano, segundo ele, é o intelectual e o afe- tivo. Daí decorre a importância dos laços familiares e que antecedem os laços escolares. Figura 2 – Níveis de crescimento da psicologia desenvolvimentista da educação vygotskyana 0-1 ano Atividades perceptuais e de apreensão Contato intuitivo e emocional entre criança e adulto. 1-3 anos Atividades de manipulação de objetos Pensamento visual e per- ceptivo, competência para linguajar. 3-7 anos Atividades de jogos Funções simbólicas, imaginação criadora, coordenação social. 7-11 anos Atividades de aprendizagem Operações mentais intencionais, esquemas mentais para solução de problemas, pensamento reflexivo. 11-15 anos Atividades de comunicação social Resolução de problemas da vida cotidiana, compreensão do ponto de vista de outrem, submissão às regras sociais. 15-17 anos Atividades de aprendizagem vocacional Interesses cognitivos e vocacionais novos, compreensão dos elementos do trabalho de pesquisa, elaboração de projetos de vida. Fonte: Elaborada pela autora com base em Vygotsky, 1998, p161 3.5 Níveis de crescimento Pelas razões anteriormente descritas, com- preende-se que, para o indivíduo se desenvolver, é preciso que a afetividade esteja equilibrada com as ações ambientais e as interações sociais, no âmbito Vídeo 48 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental escolar. O grande pilar afetivo é a família, as experiências e as vivên- cias que traz consigo para o ambiente escolar. Outro autor, Henry Wallon (apud La Taille, 1992), descreve que a origem da vida afetiva da pessoa está no funcionamento fisiológico, marcado, por exemplo, na atividade alimentar, que apresenta três tipos de reações: 1. de natureza interoceptiva – funções de nutrição (estímulos do trato digestivo). 2. de natureza proprioceptiva – funções ligadas ao equilíbrio e aos movimentos (estímulos a nível muscular, tocar, segurar no colo). 3. de natureza exteroceptiva – funções da rotina cotidiana (es- tímulos nas atividades de banho, trocar as fraldas, o olhar frente a frente mãe/bebê). “As sensibilidades intero e proprioceptivas determinam as nuan- ces agradável e desagradável, introspecção da vida afetiva; quanto à sensibilidade exteroceptiva,ela está voltada para o conhecimento do mundo exterior” (DELDIME, 1999, p. 54). A proposta walloniana considera o desenvolvimento intelectual dentro de uma cultura humanizada. A abordagem é sempre a de con- siderar a pessoa como um todo. Elementos como afetividade, emo- ções, movimento e espaço físico encontram-se num mesmo plano. A partir desse referencial, observamos a importância do papel da família, da posição dos pais, da incrição das funções maternas e paternas para o desenvolvimento global da criança. Após essas considerações, pressupõe-se que os pais precisam re- fletir sobre o seu lugar, a sua função no processo de educar filhos. Partindo da premissa de que as circunstâncias, as necessidades e as escolhas impõem às pessoas funções, posições e papéis particulares, os pais, na parceria com os filhos, têm o desafio de transformar essa Problemas dos pais: crescendo com o outro 49 experiência em momentos de crescimento para todos, visando ao for- talecimento dos laços familiares, à circulação do afeto e do o amor. É nesse contexto que precisamos olhar atentamente e observar a família e as relações parentais nos dias de hoje. Há uma indefinição em relação ao que se pode esperar dos pares, gerando, por vezes, um sentimento de isolamento, insatisfação e solidão. Dessa maneira, para um novo olhar é preciso manter uma atitude reflexiva cons- tante, por meio da compreensão, da solidariedade e da aceitação incondicional do outro. Finalmente, esta proposta sugere que a educação deve desenvol- ver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de con- fiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseve- rança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania. Dica de estudo • SALINGER, J. D. O Apanhador no Campo de Centeio. São Paulo: Editora do autor, 1951. Essa obra lança questões a fim de compreender a adoles- cência, na medida em que apresenta o pensamento-jovem distinto do infantil, com significados e sentidos particula- res. Retrata os conflitos vividos pelo personagem Holden Caufied, de 16 anos, filho de uma família rica, que estudava num internato e retorna para casa. Nesse percurso, Caufield faz reflexões sobre sua vida e trava conversas com outros personagens significativos afetivamente para ele: professor, ex-namorada e sua irmã. Nos diálogos, as contradições, as ambiguidades e os conflitos vividos por Caufield retratam os paradoxos internos desse jovem adolescente e que nos pare- cem atuais e pertinentes à leitura dos pais para um encontro ético e moral com os filhos. 50 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental Atividades 1. Construa uma explicação que justifique a frase: Pais e filhos – impasses de um encontro de gerações. 2. No texto complementar: “O ‘filho do homem’: obrigado a aprender para ser” o autor apresenta a afirmação: nascer é estar submetido à obrigação de aprender. Explique com suas palavras o significado dessa afirmação. 4 O bebê e o enfrentamento do educativo Maria de Fátima Joaquim Minetto Irene Carmem Piconi Prestes Quanto menor é a criança, maior sua sensibilidade para a organização do espaço à sua volta[...] C. Weinsteins e T. David Atendendo à amplitude das concepções atuais relacionadas à Psicologia da Educação, buscamos salientar neste capítulo os aspec- tos relacionados à criança pequena que não devem ser negligencia- dos, quando o intuito é entender e melhorar o processo educativo. Há um grande esforço de psicólogos e educadores direcionado à compreensão da criança maior, suas condições de aprendizagem e desenvolvimento, além das dificuldades que vão aparecendo nesse processo que mescla aspectos psicológicos e educacionais. No entan- to, não podemos esquecer que os primeiros anos de vida concentram um conjunto grande de aquisições que vão embasar o desenvolvi- mento futuro. A escola (creches, berçários e escolas de educação in- fantil) que acolhe a criança pequena (entre 0 e 3 anos) é muito mais do que um “espaço cuidador”. Houve um tempo em que os cuidados básicos ligados à alimen- tação, higiene e recreação eram considerados suficientes para que as crianças fossem devidamente assistidas em suas necessidades e pudessem crescer sadias. Essa concepção foi mudando e estenden- do-se à medida que os conhecimentos foram sendo aperfeiçoa- dos e foi-se esclarecendo, cada vez mais, o processo de evolução 52 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental infantil. Sabemos, hoje, que o ser humano, desde o princípio de sua vida, é uma totalidade biopsicossocial e que não é possível separar ou privilegiar apenas um aspecto do seu desenvolvimento, sem comprometer os demais. Os cuidados oferecidos às crianças pelos pais e pelas creches, escolas e serviços médicos foram sofrendo transformações na in- tenção de privilegiar o desenvolvimento harmonioso da criança em todos os seus aspectos. É preciso investir em todas as possibilidades humanas de crescimento físico, social, intelectual e afetivo por meio da busca de um ambiente mais favorável para esse fim. Nesse sentido, as páginas que se seguem vão apresentar parti- cularidades do desenvolvimento emocional e cognitivo da criança pequena, procurando estabelecer uma relação entre eles e a organi- zação do espaço educativo que vai recebê-los. 4.1 Desenvolvimento emocional As primeiras relações afetivas da criança in- fluenciam muito sua futura estruturação psíquica. Isso inclui os primeiros anos de vida. Assim, tanto as relações familiares quanto as demais (como as do espaço escolar) são determinantes. No desenvolvimento psíquico e emocional do indivíduo, um as- pecto é defendido por diversos estudiosos como de fundamental importância: é a interação mãe-bebê. A relação entre a mãe e seu filho, as influências entre ambos refletem diretamente no desenvol- vimento infantil e na sua personalidade posterior. Quando a mãe vincula-se ao filho, ela estabelece com ele um compromisso emocional, o qual irá estimulá-la a exercer a função materna. Sem esse compromisso, a vinculação se compromete, ge- rando perturbações que podem constituir-se em ocasiões que levam a criança a ser negligenciada e a não investir na promoção do seu Vídeo O bebê e o enfrentamento do educativo 53 desenvolvimento. O afeto materno gera um clima emocional favo- rável para todos os aspectos do desenvolvimento infantil. A afeição que a mãe sente pelo bebê o torna um objeto de contínuo interesse para ela, fazendo com que ofereça à criança uma rica e variada gama de estímulos e experiências vitais. Assim, os afetos e atitudes ma- ternais orientam os afetos do filho e conferem qualidade de vida à experiência dele. Winnicott (1999) concluiu que a saúde mental do indivíduo é construída por um ambiente facilitador fornecido por uma “mãe suficientemente boa”, isto é, por uma mãe que reconhece a dependência inicial do filho e se adapta ativamente às suas necessidades. Para isso, a mãe desenvolve uma identificação projetiva com o bebê, que também estabelece uma identificação com a mãe. Essa mãe suficientemente boa irá fornecer o contexto no qual a criança tem a oportunidade de se tornar um indivíduo, permitindo que o bebê comece a existir, a ter experiências, a construir um ego pessoal, a dominar seus impulsos e a enfrentar as dificuldades inerentes à vida. Isso torna a criança capaz de desenvolver um self (eu) verdadeiro e forte. Ainda para Winnicott (2001), as funções essenciais da mãe sufi- cientemente boa, resumidamente, são: • o holding – que está relacionado com a capacidade da mãe de se identificar com o seu bebê, refere-se ao como a mãe segura ou carrega o bebê, como o toma para si, como seu; • o manipular – são os cuidados da mãe com o bebê, contri- buindo para a formação do sentido do real para a criança; • a apresentação de objetos – como a mãe apresenta o mundo dos objetos ao bebê, dando ao filho capacidade de se relacio- nar com os objetos e fenômenos
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