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Quadri-velocidade e Quadri-momento na Relatividade

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Aula 9: Mecânica relativ́ıstica II 9-1
Introdução à Relatividade e ao seu Ensino 2/2019
Aula 9: Mecânica relativ́ıstica II
Profa. Raissa F. P. Mendes
9.17 Quadri-velocidade e quadri-momento
De posse da noção de quadri-vetores, vamos usá-los para descrever o movimento de uma part́ıcula,
que traça uma curva no espaço-tempo. Essa curva pode ser descrita se determinarmos como as
três coordenadas, x, y e z, num certo referencial inercial, dependem de t. Uma forma equivalente
é darmos as quatro coordenadas xα como funções de um parâmetro real: xα(λ). Por exemplo,
podemos dizer como variam com relação ao tempo próprio, o tempo medido no referencial da
própria part́ıcula: xα(τ).
Definimos a quadri-velocidade da part́ıcula como o vetor ~u com componentes
uµ =
dxµ(τ)
dτ
. (9.14)
• A quadri-velocidade é de fato um quadri-vetor. Para verificarmos isso, é necessário considerar
como as suas componentes se transformam por uma mudança de referencial inercial. Num
referencial Ō, a linha de mundo da part́ıcula é descrita por xµ̄(τ) e as componentes da quadri-
velocidade são
uµ̄ =
dxµ̄
dτ
=
∂xµ̄
∂xν
dxν
dτ
= Λµ̄ν
dxν
dτ
= Λµ̄νu
ν . (9.15)
Na segunda igualdade, usamos a regra da cadeia e a terceira igualdade vem do fato que
xµ̄ = Λµ̄νxν . A expressão acima mostra que a quadri-velocidade de fato satisfaz a lei de
transformação esperada para quadri-vetores.
• A quadri-velocidade é tangente a cada ponto da trajetória. De fato, podemos escrever a
quadri-velocidade como
~u→O
(
d(ct)
dτ
,
dx
dτ
,
dy
dτ
,
dz
dτ
)
=
dt
dτ
(
c,
dx
dt
,
dy
dt
,
dz
dt
)
= γ(c, vx, vy, vz).
Na última igualdade, usamos a definição de tempo próprio: c2dτ2 = c2dt2 − dx2 − dy2 − dz2,
que implica que
dτ
dt
=
√
1− 1
c2
(
dx
dt
)2
− 1
c2
(
dy
dt
)2
− 1
c2
(
dz
dt
)2
=
√
1− v
2
x
c2
−
v2y
c2
− v
2
z
c2
=
√
1− v
2
c2
=
1
γ
.
No caso unidimensional, uµ = γc(1, v/c): convença-se de que esse vetor de fato aponta
tangencialmente a cada ponto da trajetória!
Vale também notar que, para velocidades pequenas, temos que γ ≈ 1, e a componente espacial
da quadrivelocidade se reduz a v.
Aula 9: Mecânica relativ́ıstica II 9-2
• A quadri-velocidade tem módulo ~u · ~u = −c2. Isso vem diretamente da expressão (9.15) e da
definição do produto escalar:
~u · ~u = −(u0)2 + (u1)2 + (u2)2 + (u3)2 = γ2(−c2 + v2x + v2y + v2z) = −c2.
• Geometricamente, podemos visualizar o vetor velocidade num evento A como o vetor c~e0 do
seu RIMC naquele ponto. De fato, se pensamos em uma part́ıcula em movimento uniforme,
temos que o vetor velocidade será simplesmente c~e0, no referencial em que a part́ıcula está em
repouso. Por outro lado, não existe um referencial inercial em que uma part́ıcula acelerada
esteja sempre em repouso. Existe, no entanto, um referencial inercial que momentaneamente
tem a mesma velocidade da part́ıcula. Como vimos, esse referencial é chamado de referencial
inercial momentaneamente comóvel (RIMC). A quadrivelocidade de uma part́ıcula acelerada
pode ser identificada com o vetor de base c~e0 do seu RIMC naquele evento.
9.17.1 Quadri-aceleração
Vamos começar com um exemplo. Uma part́ıcula se move ao longo do eixo-x ao longo de uma linha
de mundo descrita parametricamente da forma:
t(λ) = a−1 sinhλ, x(λ) = a−1 coshλ,
onde a é uma constante com dimensão de inverso de distância e λ ∈ (−∞,∞). Qual é a linha
de mundo traçada por essa part́ıcula? É uma hipérbole! Note que x2 − t2 = a−2. Qual é a
quadri-velocidade dessa part́ıcula? Podemos primeiramente calcular o tempo próprio, encontrando
dτ = a−1dλ e escrever t(τ) = a−1 sinh(aτ), x(τ) = a−1 cosh(aτ). Derivando em relação ao tempo
próprio, obtemos
~u→O
dxµ
dτ
= (cosh(aτ), sinh(aτ))
Aula 9: Mecânica relativ́ıstica II 9-3
Qual é a tri-velocidade da part́ıcula? É
vx =
dx
dt
=
dx/dτ
dt/dτ
= tanh(aτ).
A velocidade nunca excede a velocidade da luz, mas se aproxima dela à medida que τ → ±∞.
O que seria a aceleração da part́ıcula? Podemos definir, analogamente ao caso Newtoniano,
~a =
d~u
dτ
.
Teŕıamos, no exemplo: ~a →O a(sinh(aτ), cosh(aτ)). Note que ~a · ~a = a2. O exemplo acima é a
descrição relativ́ıstica de um movimento uniformemente acelerado.
Note que, como d/dτ(~u · ~u) = 2~u · d~u/dτ , temos ~u ·~a = 0. Portanto, no RIMC, em que ~u→RIMC=
(1, 0, 0, 0), temos ~a→RIMC (0, a1, a2, a3). No referencial de repouso da part́ıcula, a quadri-aceleração
é um vetor puramente espacial.
9.17.2 Quadri-momento
Vamos definir o quadri-momento como
~p = m~u, (9.16)
onde m é a massa, ou “massa de repouso”, da part́ıcula. Da discussão anterior, temos que ~p →O
γ(mc,mv). As componentes espaciais do momento de fato tendem à noção pré-relativ́ıstica quando
a velocidade da part́ıcula é muito menor que c. Mas qual é o significado da componente temporal?
Note que, para velocidades baixas,
cp0 =
mc2√
1− v2/c2
≈ mc2 + 1
2
mv2 + · · · .
Aula 9: Mecânica relativ́ıstica II 9-4
Essa quantidade tem dimensão de energia e de fato, no limite de baixas velocidades, contém a
energia cinética Galileana mv2/2, além de um termo constante, a chamada “energia de repouso”
(mc2) e outras correções relativ́ısticas. De fato, diremos que E = p0c é a generalização da noção
de energia para a RE.
Por que a definição (9.16) é uma definição boa ou “correta” de energia e momento em Relatividade
Especial? Uma das principais virtudes da definição usual de momento e energia é que essas quanti-
dades são conservadas em certas condições. No entanto, a noção usual de momento, p = mv, não
é invariante por transformações de Lorentz. Em particular, isso significa que, se o momento total
é conservado num certo processo (digamos, uma colisão) num referencial O, ele não será conser-
vado em outro referencial inercial O′. Por outro lado, se o quadri-momento é conservado em um
referencial inercial, será conservado em qualquer outro. E de fato verifica-se experimentalmente
(e de forma rotineira, em aceleradores de part́ıculas) que a energia e momento assim definidos são
conservados em sistemas fechados (e não dissipativos).
Note que a condição ~U · ~U = −c2 implica que ~p · ~p = −E2/c2 + p2 = −m2c2. Note que a
massa de repouso está relacionada com a magnitude do vetor quadri-momento. Sendo assim, é
uma quantidade invariante, a mesma calculada por todos os observadores inerciais18. Podemos
reorganizar essa condição de normalização na famosa relação
E2 = p2c2 +m2c4.
9.17.3 Fótons
Para a luz, ds2 = 0. O tempo próprio não pode ser definido! Consequentemente, não conseguimos
definir uma quadrivelocidade como fizemos anteriormente. Fisicamente, isso está associado ao fato
de não existir um referencial inercial em que a luz esteja em repouso (ela se move com velocidade
c em todos os referenciais!). No entanto, ainda faz todo sentido falarmos em um vetor tangente à
linha de mundo do raio de luz, só não conseguimos exigir que esse vetor seja normalizado de acordo
com ~u · ~u = −c2 (uma vez que o módulo do vetor tangente à linha de mundo de um raio de luz é
sempre nulo).
Note que a definição de momento ainda faz sentido e o fato de que ~p · ~p = 0 só reflete o fato de
fótons terem massa nula. Para um fóton, E = pc.
9.18 Mecânica relativ́ıstica
Vale a pena parar um pouco para lembrar o nosso objetivo. Nós partimos do postulado da relativi-
dade, que diz que as leis da f́ısica são as mesmas em todos os referenciais inerciais, e do postulado
da invariância da velocidade da luz. Como consequência, descobrimos que a lei de transformação
entre referenciais inerciais não é a transformação de Galileu, mas a de Lorentz. Mas as leis da
Mecânica Newtoniana não são invariantes sob essas transformações, e precisam ser alteradas!
18Repare a distinção entre quantidades invariantes e quantidades conservadas: a massa de repouso é invariante,
mas não é uma quantidade conservada; a energia é conservada mas não é uma quantidade invariante.
Aula 9:Mecânica relativ́ıstica II 9-5
Em particular, a primeira Lei de Newton será que, na ausência de forças, um corpo permanece em
repouso ou se move com velocidade constante: para ele, d~p/dτ = 0. Uma outra forma de formular
essa lei é que, na ausência de forças, a part́ıcula se move ao longo de uma curva que extremiza
(maximiza) o tempo próprio (vimos que o tempo próprio entre dois eventos é maximizado para a
linha de mundo de um observador inercial que atravessa os dois eventos).
O objetivo da “mecânica relativ́ıstica” é introduzir a generalização da segunda lei de Newton,
F = ma. Essa nova lei deve: (a) satisfazer o prinćıpio da relatividade (ter a mesma forma em todos
os referenciais inerciais); (b) se reduzir a d~p/dτ = 0 quando a força é nula; (c) se reduzir a F = ma
em qualquer referencial inercial se a velocidade da part́ıcula é muito menor que a velocidade da
luz. A escolha natural é
~f =
d~p
dτ
.
Aqui, ~f é a quadri-força. A exigência (a) é satisfeita porque é uma equação vetorial; (b) é imedi-
atamente satisfeita e (c) depende de uma escolha apropriada de ~f . Essa expressão, assim como a
forma não-relativ́ıstica da segunda lei de Newton, não é derivável de hipóteses mais fundamentais,
mas postulada, e precisa ser testada experimentalmente.
Note que as quatro equações impĺıcitas na expressão acima (para as quatro componentes num dado
referencial) não são todas independentes, devido à condição de normalização da quadri-velocidade:
~f · ~p = 0. A componente temporal da quadri-força está relacionada à potência: f0 = (1/c)dE/dτ .
A condição de ortogonalidade entre ~f e ~p implica que dE/dτ = f · v, que generaliza a expressão
conhecida para a potência.
Exemplo: Limite de GZK: Um exemplo interessante é dado pelo limite GZK, que se relaciona
com a passagem de um raio cósmico de alt́ıssima energia pelo espaço interestelar. O espaço inte-
restelar é permeado por radiação na faixa de microondas, a chamada radiação cósmica de fundo
(RCF). Uma das interações entre um raio cósmico (digamos, um próton) e um fóton da RCF é
p+ γ → n+ π+.
A pergunta é: qual é a energia mı́nima que o próton precisa possuir (no referencial da RCF)
para que esse processo seja posśıvel? Essa pergunta é importante porque, se esse processo for
posśıvel, prótons com energia maior do que essa não poderão nos alcançar, pois a probabilidade
de interagirem com um fóton da RCF será alt́ıssima. O nosso input é a energia dos fótons no
referencial da RCF: ERCFγ ≈ 6× 10−4eV 19, além das massas de todas as part́ıculas envolvidas!
Para mais detalhes: Ver Box 5.1 na página 94 do Hartle ou http://www.hep.shef.ac.uk/edaw/
PHY206/Site/2012_course_files/phy206rlec5.pdf.
19Essa energia é da ordem de kBT , onde a temperatura dos fótons do CMB é de aproximadamente 3K.
http://www.hep.shef.ac.uk/edaw/PHY206/Site/2012_course_files/phy206rlec5.pdf
http://www.hep.shef.ac.uk/edaw/PHY206/Site/2012_course_files/phy206rlec5.pdf
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