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BIOLOGIA CELULAR E GENÉTICA GRASIELA DIAS DE CAMPOS SEVERI-AGUIAR 1 UNIDADE 14 BASES GENÉTICAS DO CÂNCER HEREDITÁRIO 1. GENERALIDADES DO CÂNCER O corpo humano é uma comunidade. Cada uma das trilhões de unidades vivas que formam essa comunidade, as células, desempenham funções específicas para o bom funcionamento e obedecem a regras que garantem o equilíbrio e o bem-estar geral. Todavia, como ocorre em toda comunidade, há individualidades que transgridem as regras, evadindo todos os mecanismos de manutenção da homeostase, como os que controlam a proliferação e a morte celular. Isso ocorre quando as células sofrem muta- ções em determinados genes que conferem vantagens a elas. Essas células se tornam capazes de sobreviver com mais facilidade e de proliferar mais rapidamente, formando um clone de si mesma. Elas escapam dos sinais para entrarem em senescência e em morte celular. Além disso, elas assumem características distintas daquelas das quais se originaram, vivendo às custas destas. Com o passar do tempo, com o aumento do número dessas células transformadas, os danos podem ser tão noci- vos a ponto de causar a falência da comunidade toda. Isso tudo acontece porque algumas células sofrem mutações que conferem a elas essas características e potencialidades. Podemos elencar três principais especificidades das células tumorais: a. Perda do controle da divisão celular. As mutações sofridas pela célula permitem que a célula se divida sem controle origi- nando neoplasias, que são novas formações de células, também conhecidas por tu- mores. Essas células deixam de responder ao controle normal do ciclo de duplicações e passam a se dividir descontroladamente. Quando as células desses tumores não apresentam mutações que permitem que as células invadam outros tecidos, os tumores são chamados de tumores benignos. C O M PE TÊ N C IA S Criar o raciocínio lógico para a consolidação do aprendizado Conteúdo programático 01. Generalidades do câncer 02. Oncogenes 03. Genes supressores de tumor 2 Biologia Celular e Genética U14 Bases Genéticas do Câncer Hereditário A partir do momento que mutações ocorrem e passam a conferir às células do tumor a capacidade de invadir outros tecidos, esse tumor passa a ser um tumor maligno ou câncer (Figura 01). Sendo assim, podemos afirmar que o câncer é uma doença genéti- ca, originada a partir de mutações em células normais. Figura 01. Etapas do desenvolvimento de tumores e do câncer Fonte: 123RF Célula normal Célula cancerosa Duplicação mudança genética Tumor maligno b. Capacidade de invasão tecidual As células malignas são capazes de se desprender do local onde estão, cair na corrente sanguínea ou em vasos linfáticos e penetrar em outros tecidos e órgãos, formando tumores secundários ou metástases (Figura 02). Elas se tornam invasivas e dificultam o controle da doença porque perdem uma característica das células normais, que é a de inibição por contato, não mais respondendo aos sinais das células vizinhas do local onde vivem. Figura 02. Ganho de capacidade de invasão das células tumorais Assim, por exemplo, células de um tumor maligno com origem no pulmão, podem che- gar até um outro órgão como o fígado, formando um ou vários tumores secundários nesse órgão, as chamadas metástases (Figura 03). Fo nt e: 1 23 R FCRESCIMENTO DO TUMOR MALIGNO Células normais Células cancerosas Membrana basal U14 3Biologia Celular e Genética Bases Genéticas do Câncer Hereditário Figura 03. Formação de metástases no fígado a partir de um tumor primário no pulmão c. Angiogênese e autossustentação Uma das vantagens conferidas pelas mutações sofridas pelas células tumorais é que elas passam a secretar citocinas, ou seja, substâncias indutoras, de tipos diferentes aos das células normais. É o caso dos indutores de angiogênese, como o TAF (Fator de Angio- gênese Tumoral), que induzem a formação de novos vasos sanguíneos no local. Esses vasos aumentam o aporte de nutrientes e oxigênio nessa região, promovendo a nutrição e oxigenação dessas células, o que garante sua vitalidade, sustentação e replicação. Como mostrado na Figura 04, forma-se um ciclo em que quanto maior a demanda de oxigênio e nutrientes maior será o suprimento dessas moléculas. Dessa forma, elas conseguem se proliferar, possibilitando o aumento do tumor e o avanço da doença. Fo nt e: 1 23 R F Metástases Carcinoma de pulmão (tumor primário heterogênico) Célula cancerosa Vaso sanguíneo Célula vermelha do sangueMetástase Fígado 4 Biologia Celular e Genética U14 Bases Genéticas do Câncer Hereditário Com relação à nomenclatura dos tipos de câncer, geralmente considera-se os tipos celulares ou o tipo de tecido dos quais tiveram origem para que sejam nomeados. Os carcinomas, por exemplo, derivam de células epiteliais e são os mais frequentes (Figura 5). Aqueles que derivam de tecido conjuntivo e de células musculares são chamados de sarcomas e, os que derivam de leucócitos e células hematopoiéticas, são as leucemias e os linfomas. Figura 04. Indução de angiogênese pelas células tumorais Fo nt e: 1 23 R F CÉLULAS TUMORAIS Todas as células preci- sam de suplemento de sangue, carregando nu- trientes e oxigênio, mas o rápido crescimento das células tumorais precisa de mais sangue do que as células normais Células tumorais As células tumorais produzem uma substância chamada TAF (Fator de Angiogênese tumoral) que estimula o crescimento de vasos sanguíneos secundários no local do tumor O aumento de suprimento de nutrientes permite o cresci- mento das células tumorais muito mais rapidamente, disparando um círculo vicioso de demanda e suprimento Figura 05. Tipos de tumores de pele, carcinoma espinocelular, carcinoma basocelular e melanoma Fo nt e: 1 23 R FCarcinoma espinocelular Carcinoma basocelular Melanoma Epiderme Hipoderme Derme U14 5Biologia Celular e Genética Bases Genéticas do Câncer Hereditário Dentre os tumores de pele, o carcinoma basocelular é localmente agressivo, enquanto que o melanoma, o mais agressivo, pode invadir outros tecidos e metastizar no osso, no cérebro e no pulmão. Os adenomas são tumores benignos que têm origem epitelial com estrutura glandular e seu tipo maligno é o adenocarcinoma. Os tumores benignos de origem cartilaginosa são os condromas ou condriomas e os malignos são os condrossarcomas. 1.1. MUTAÇÃO, TUMORIGÊNESE E CARCINOGÊNESE Todos os tecidos do corpo possuem células que se dividem e promovem o crescimento des- se tecido e, também, a reposição de células que morrem. Essas células conservam um grau de potência, de se proliferam e diferenciarem, sendo pluripotentes. Já as células diferencia- das dos tecidos são nulipotentes, ou seja, elas não apresentam capacidade de proliferação e diferenciação, como acontece com as células que se conservam indiferenciadas. Conforme essas células se dividem elas podem sofrer mutações que são transmitidas para as células-filhas. Estas podem, por sua vez, sofrer novas mutações nas divisões celulares sucessivas, como já estudado anteriormente. Quando essas mutações afetam genes que alteram as propriedades supracitadas, ou que impedem o reparo do DNA, podem originar neoplasias. Por isso, o câncer é uma doença genética, decorrente de danos não reparados no material genético, no DNA das células, que se tornam células transformadas, com genótipo e fenótipo diferentes das células normais. Mas você deve estar se questionando se as taxas de mutação são muito altas, ou se as mutações ocorrem com muita frequência. E a resposta que nos é dada pela ciência é de que não, as mutações não são frequentes e ocorrem numa taxa de mutações espontâ- neas de 10-6 mutações por gene por divisão celular. Considerando isso e que o câncer não resulta de apenas uma mutação, mas do acúmulo de várias mutações, podemos entender o porquê que o câncer não é uma doença tão frequente. Um exemplo que nos permite entender a relação das mutaçõescom o desenvolvimento do câncer, é o do câncer colorretal. Há um tipo que tem início com mutações que for- mam pólipos, que são tumores benignos. As células tumorais desses pólipos podem sofrer mutações adicionais, com o passar do tempo, fenômeno conhecido como pro- gressão tumoral, e originar um câncer intestinal ou retal, dependendo da localização. Os exames preventivos, como a colonoscopia e o exame de sangue oculto nas fezes, podem detectar precocemente a presença dos pólipos, que são excisados, impedindo a sua malignização e, consequentemente, a carcinogênese. 1.2. CÂNCER ESPORÁDICO E HEREDITÁRIO Quando o câncer tem origem em mutações que acontecem de forma esporádica, ao longo da vida do indivíduo, esse tipo de câncer não é hereditário ou familial, como por exemplo o câncer de pele. Ao contrário, existem aqueles que são transmitidos ao longo das gerações, acometendo vários indivíduos de uma mesma família, que são hereditá- rios ou familiais, como o câncer de mama. No que um difere do outro? 6 Biologia Celular e Genética U14 Bases Genéticas do Câncer Hereditário A linhagem de células de que tem origem. Se as mutações responsáveis pelo desenvol- vimento do câncer ocorrem em células somáticas, sendo transmitidas apenas às célu- las de que delas se originam, configura-se um câncer esporádico. Em geral, ele surge mais tarde na vida do indivíduo, porque é necessário um certo período de tempo para que as mutações aconteçam e se acumulem. Usando como exemplo o câncer de pele, que geralmente é causado pela exposição à luz solar excessiva, muitos anos são necessários para que o câncer apareça. As mutações ocorrem e se acumulam nas células durante várias gerações celulares que formam o tumor e, depois, malignizam. Além dos agentes físicos, como a radiação ultravioleta e o raio X, os cânceres espo- rádicos podem ser induzidos por agentes químicos, como agroquímicos, drogas, entre outros, e agentes biológicos como alguns vírus. Esses agentes que induzem mutações causadoras de câncer são chamados carcinógenos. Alguns vírus são atualmente associados a diversos tipos de cânceres. É o caso do vírus Epstein Barr (EPV), conhecido como o “vírus do beijo” por ser transmitido pela saliva, e que é relacionado ao câncer de boca e nasofaringe. Algumas linhagens do vírus do Pa- piloma Humano (HPV), transmitido nas relações sexuais, é causador de câncer de colo uterino e de pênis. Ele penetra o endométrio uterino e se utiliza de suas células para fazer inúmeras cópias de si mesmo para infectar outras células uterinas (Figura 06). Figura 06. O ciclo de vida do HPV Fo nt e: 1 23 R F Células escamosas Zona mediana do epitélio uterino Células basais Membrana basal Epitélio normal 1- O vírus invade as camadas epiteliais 3- HPV nas células epiteliais 4- Replicação viral2- célula basal infectada Epitélio infectado pelo HPV 1 4 3 2 Ví ru s d o p apiloma humano U14 7Biologia Celular e Genética Bases Genéticas do Câncer Hereditário A presença do HPV no colo ou cérvix uterina é detectada pelo exame de colpocitologia oncótica mundialmente conhecido como exame de Papanicolau, em que as células do epitélio do endométrio uterino são coletadas, distendidas numa lâmina e observadas ao microscópio (Figura 07). De acordo com o tipo de células encontradas pode-se graduar o nível de infecção viral e de comprometimento do endométrio do colo uterino. Fo nt e: 1 23 R F Figura 07. Morfologia das células epiteliais e do epitélio do colo uterino na presença do HPV Atualmente, encontra-se disponível a vacina contra o HPV, que é oferecida na rede pública de saúde, que deve ser aplicada nas crianças, a partir dos nove anos, antes de terem tido a primeira relação sexual, buscando minimizar a disseminação do vírus e o desenvolvimento desses tipos de câncer. Por outro lado, existem cânceres que derivam de mutações que ocorrem nas células da linhagem germinativa e que são passados para os descendentes, caso esteja presente no gameta que formará o zigoto, constituindo os cânceres hereditários ou familiais. Nes- se caso, o indivíduo herda uma mutação de um de seus progenitores (pais), ou seja, a pessoa já nasce com uma mutação em um gene associado ao desenvolvimento de um determinado tipo de câncer. Alguns tipos de câncer, como o de mama, são classificados como hereditários. As muta- ções que ocorrem nesses tipos de cânceres são rearranjos cromossômicos que ocorrem durante a meiose, formando gametas com variantes genéticas (rever esses conceitos). São exemplos as translocações e deleções envolvendo genes relacionados com o câncer. Em casos recorrentes de um determinado tipo de câncer na família é possível fazer um teste genético para saber se o indivíduo, ou qualquer outro membro da sua família, é portador da mutação responsável pelo desenvolvimento do câncer. Foi exatamente isso que fez a atriz Angelina Jolie no ano de 2013. Sua avó e sua mãe morreram ainda jovens em decorrência do câncer de mama. Sabendo, pelo resultado do teste, que era Neoplasia Intraepitelial Cervical – (CIN) Células cervicais na distensão Células escamosas Células basais Normal CIN1 CIN2 CIN3 8 Biologia Celular e Genética U14 Bases Genéticas do Câncer Hereditário portadora da mutação no gene BRCA1, envolvido no desenvolvimento do câncer de mama e de ovário e, portanto, apresentando um risco maior de desenvolver esses tipos de câncer, ela decidiu se adiantar e fazer a prevenção. Ela optou pela mastectomia pro- filática bilateral com a retirada da glândula mamária e a colocação de prótese bilateral. Dois anos depois, ela retirou também os ovários e as tubas uterinas. Há que se considerar aqui um fato muito importante: a presença da mutação não garan- te que o portador desenvolverá a doença. Portar a mutação significa ter risco aumen- tado de desenvolver o câncer em fase ainda precoce da vida, mas não atesta que isso irá acontecer. Na verdade, portar a mutação indica uma predisposição aumentada de vir a desenvol- ver certo tipo de câncer. O tipo de vida do portador é que poderá ou não ativar essa predisposição para a o desenvolvimento da doença. Hábitos alimentares, tabagismo, etilismo, estresse, entre outros, são fatores ativadores da predisposição. No caso da atriz Angelina Jolie, embora portadora da mutação predisponente ao câncer de mama e ovário, existia a chance de ela não ter o câncer. Todavia, por ter experien- ciado o sofrimento da mãe e da avó materna e ter recursos financeiros para a realização do teste genético, que é ainda muito custoso financeiramente, ela optou por fazê-lo e, depois, pela intervenção preventiva. Tanto em cânceres esporádicos como nos hereditários, os genes envolvidos são cha- mados genes críticos para o câncer, que são aqueles cujas alterações estão relacio- nadas com a origem ou a progressão do câncer. Eles representam apenas 1% do nosso genoma. Os rearranjos envolvendo esses genes farão com que eles ganhem ou percam função e, como consequência, advirão alterações funcionais e morfológicas nas células portadoras, que culminarão na formação de neoplasias e câncer. Os oncogenes são os genes mutantes de genes normais chamados protoncoge- nes. Os protoncogenes são genes que existem no nosso genoma e que se mantêm silenciosos. Quando mutados, eles ganham a função que estava reprimida, que leva à promoção do desenvolvimento do câncer, como a da ativação da proliferação celular, e passam assim a serem chamados de oncogenes. A mutação em apenas um alelo no protoncogene é suficiente para a expressão da função, apresentando dominância (Figura 8). Os genes supressores de tumor, como o próprio nome indica, apresentam a fun- ção de impedir a formação de tumores e geralmente estão relacionados com o reparo do DNA, evitando o estabelecimento das mutações. Porém, quando esses genes são mutados, eles perdem a sua função, deixando de evitar o desenvolvimento do câncer. Frequentemente, ambos os alelos sofrem mutação para que o câncer se desenvolva,apresentando recessividade (Figura 08). U14 9Biologia Celular e Genética Bases Genéticas do Câncer Hereditário Nos itens a seguir entenderemos melhor os dois grupos de genes críticos para o câncer: os oncogenes e os genes supressores de tumor. 2. ONCOGENES A descoberta dos oncogenes partiu de estudos com um tipo de câncer animal que acomete galinhas – o sarcoma de Rous. Ele é um tipo de câncer causado por um re- trovírus, ou seja, um vírus que contém RNA. Esse vírus penetra nas células do tecido conjuntivo, induz essas células a produzirem DNA a partir do seu RNA e, quando o seu DNA é inserido no DNA das células hospedeiras, ele é passado para as células-filhas que são formadas. Essa inserção ocorre em um protoncogene, causando o ganho de função desse gene, que passa a agir como oncogene, induzido a proliferação celular e a neoplasia. Esse oncogene recebeu o nome de c-src. Muitos são os eventos que podem ativar um pro- toncogene, levando-o à condição de oncogene (Figura 09). Figura 08. Mutação de ganho e perda de função em genes críticos para o câncer Fonte: Alberts et al. (2017, p.1105) (A) Mutação de superatividade (ganho de função) (B) Mutação de diminuição de atividade (perda de função) Célula normal Células em rota para o câncer Evento de mutação Inativa um gene supressor tumoral Mutação sem efeito em uma cópia do gene Segundo evento de mutação Inativa a segunda cópia do gene Duas mutações de inativação eliminam funcionalmente o gene supressor de tumor, promovendo a transformação celular Célula normal Um único evento de mutação Mutação de ativação permite que os oncogenes promovam a transformação celular Cria um oncogene 10 Biologia Celular e Genética U14 Bases Genéticas do Câncer Hereditário Fonte: Alberts et al. (2017, p. 1106) Atualmente, são conhecidos muitos oncogenes: os da família ras e myc, o abl, entre outros. O gene myc codifica a proteína MYC que é um fator de transcrição que ativa genes necessários para a proliferação celular. Já é bastante conhecida a associação desse oncogene com o Linfoma de Burkitt. Um exemplo bastante conhecido envolvendo oncogenes é o da Leucemia Mielóide Crô- nica (LMC), que é um câncer que afeta os leucócitos. Na LMC estão envolvidos dois oncogenes: o abl e o bcr1. O abl codifica uma proteína cinase (quinase) que participa de uma via de ativação de proliferação celular. Quando ocorre a translocação entre esses genes, o gene abl fica permanentemente ativo, não ocorrendo a interrupção do processo de proliferação celular, originando o câncer. O protoncogene abl está localizado no braço longo (q) do cromossomo 9 e o bcr1 no braço longo (q) do cromossomo 22. Para o surgimento da LMC esses cromossomos so- frem quebras envolvendo os segmentos em que estão presentes esses protoncogenes e os fragmentos são translocados. O fragmento maior do cromossomo 22 se funde com o 9, e um fragmento menor do 9 se funde com o 22. Assim, é gerado um cromossomo 9 menor que seu homólogo e um cromossomo 22 maior que seu homólogo, que recebeu o nome de cromossomo Filadélfia (Figura 10). O cromossomo Filadélfia, representa- do pela translocação t(9;22)(q34;q11), possui um oncogene híbrido de abl e bcr1, com um fragmento de cada um deles, que expressa a proteína BCR-ABL anormal. Figura 09. Tipos de acidentes que podem transformar um protoncogene em oncogene Proto-oncogene DELEÇÃO OU MUTAÇÃO PONTUAL NA SEQUÊNCIA CODIFICADORA Proteína hiperativa produzida em quantidades normais Proteína normal superproduzida Sequências reguladoras de DNA vizinhas causam a superprodução de proteína normal Fusão a gene ativamente transcrito produz proteína de fusão hiperativa Proteína normal superproduzida MUTAÇÃO REGULADORA AMPLIFICAÇAO DO GENE REARRANJO CROMOSSÔMICO DNADNA ou RNA RNA U14 11Biologia Celular e Genética Bases Genéticas do Câncer Hereditário Figura 10. Translocação entre o cromossomo 9 e 22 com a formação do cromossomo Filadélfia A LMC tem como sintomas anemia profunda, esplenomegalia (aumento do baço), can- saço, entre outros. A determinação da presença do cromossomo Filadélfia através de exames citogenéticos auxilia no prognóstico e no tratamento da doença. Fonte: Alberts et al. (2017, p. 1094) Cromossomo Filadélfia 9 22 9q+ 22q- SA IB A M A IS SOBRE LMC E FILADÉLFIA.... Vídeo 1: FORMAÇÃO DO CROMOSSOMO FILADELFIA. Acesse o link: https://www. youtube.com/watch?v=_ImmQXhIui0. Acesso 30 maio 2022. Vídeo 2: O que é a LMC? Acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=vQpe- ap_JJMU. Acesso 30 maio 2022. 3. GENES SUPRESSORES DE TUMOR A identificação desses genes, os supressores de tumor, ocorreu a partir do estudo de síndro- mes cancerosas raras. Foi o que aconteceu com o estudo de um caso raro de tumor humano que afeta crianças, o retinoblastoma. Esse tipo de câncer pode ser esporádico ou hereditário e resulta de mutações em células precursoras neurais presentes na retina ainda imatura. Com o estudo do cariótipo dos portadores de retinoblastoma foi identificada uma de- leção em uma das bandas do cromossomo 13. Essa banda foi isolada e identificado o gene, denominado de rb. Foi verificado que os portadores do tipo esporádico apresen- tam apenas um dos alelos de rb mutado, enquanto no tipo hereditário, ambas os alelos são mutados. https://www.youtube.com/watch?v=_ImmQXhIui0 https://www.youtube.com/watch?v=_ImmQXhIui0 https://www.youtube.com/watch?v=vQpeap_JJMU https://www.youtube.com/watch?v=vQpeap_JJMU 12 Biologia Celular e Genética U14 Bases Genéticas do Câncer Hereditário O gene rb codifica a proteína Rb presentes em quase todas as células e que é contro- ladora do ciclo celular, interrompendo a divisão celular. Quando perdida, em virtude da mutação, ocorre a perda de controle da proliferação celular. Quando o indivíduo já nasce com um dos alelos mutados, a segunda mutação, que pode ocorrer por diferentes vias (Figura 11) fica mais fácil de ocorrer e o tumor aparecer logo nos primeiros anos de vida. Figura 11. Formas possíveis de ocorrência da segunda mutação no gene rb para a formação do retinoblastoma Fonte: Alberts et al. (2017, p. 1109) Dois outros genes, o bcra1 (Breast Cancer gene 1) e o bcra2 (Breast Cancer gene 2) são genes que codificam proteínas que ajudam a reparar danos do DNA, sendo classi- ficados também como genes supressores de tumor, evitando assim o desenvolvimento de câncer. Todos temos duas cópias desses genes, uma herdada da mãe e outra do pai. O bcra1 fica localizado no cromossomo 17 e o bcra2 no cromossomo 13 (Figura 12). O indivíduo que herda uma variante, portadora de uma mutação patológica, tem maior probabilidade de desenvolver a doença de forma mais grave em fases mais precoces da vida. Esse era o caso de Angelina Jolie, cuja mãe e avó morreram ainda jovens devido ao câncer de mama. CÉLULA SADIA COM APENAS UMA CÓPIA NORMAL DO GENE Rb POSSÍVEIS MANEIRAS DE ELIMINAÇÃO DO GENE Rb NORMAL Mutação no lócus Rb no cromossomo materno Não disjunção causa perda do cromossomo Perda do cromossomo, e então duplicação cromossômica Conversão do gene durante a recombinação mitótica Deleção Mutação pontual Evento de recombinação mitótica Gene Rb normal no cromossomo paterno U14 13Biologia Celular e Genética Bases Genéticas do Câncer Hereditário SA IB A M A IS Existe também, a possibilidade de a mulher não herdar a mutação nos genes bcra, mas sofrer uma mutação nova, chamada de novo, ao longo de sua vida e vir a desenvolver o câncer esporádico. Nesse caso, a doença aparece mais tardiamente e de forma menos agressiva. Mulheres com histórico familial de câncer de mama podem procurar um serviço de aconselhamento genético para o encaminhamento correto e, se quiserem e puderem, podem fazer o teste genético para detecção de mutação nesses genes. Esse teste é realizado pela análise do DNA das células do sangue ou da saliva e tem alto custo, não sendo acessível para todas. Todavia, o acompanhamentoginecológico regular, com a realização de exames preven- tivos, como a mamografia e o ultrassom das mamas, permite o diagnóstico precoce da doença e a intervenção mais eficaz. Figura 12. Locus gênico dos cromossomos 13 e 17 mostrando a localização dos genes bcra1 e 2 Cromossomo 17 Cromossomo 13 BRCA Gene 1 BRCA Gene 2 Fonte: https://www.cancer.gov/news-events/cancer-currents-blog/2017/brca-mutation-cancer- risk Acesso 27 maio 2022 SOBRE OS GENES BCRA.... Vídeo 1: O que é o teste genético BRCA 1 e BRCA 2? Acesse o link: https://www. youtube.com/watch?v=y-I6hmfU4lk. Acesso 1 junho 2022. Vídeo 2: BRCA e a síndrome de câncer de mama e câncer de ovário hereditário. Acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=cmekpO1cS2M Acesso 1 junho 2022. Muitos outros genes supressores de tumor já foram descritos entre eles o p53 e o APC e sua associação com determinados tipos de câncer já está estabelecida. Mutações em protoncogenes e genes supressores de tumor são utilizadas como marcadores tumo- rais e auxiliam na condução do tratamento e no prognóstico da doença. https://www.cancer.gov/news-events/cancer-currents-blog/2017/brca-mutation-cancer-risk https://www.cancer.gov/news-events/cancer-currents-blog/2017/brca-mutation-cancer-risk https://www.youtube.com/watch?v=y-I6hmfU4lk https://www.youtube.com/watch?v=y-I6hmfU4lk https://www.youtube.com/watch?v=cmekpO1cS2M 14 Biologia Celular e Genética U14 Bases Genéticas do Câncer Hereditário Uma senhora de 62 anos foi diagnosticada com câncer de ovário. Foi realizada cirurgia gine- cológica e a biópsia revelou após a avaliação anatomopatológica tratar de câncer de ovário epitelial (COE) em estágio III. Foi submetida à quimioterapia intravenosa, mas devido ao agravamento dos sintomas, foi administrado o quimioterápico carboplatina por via intraperito- neal. Dois anos depois, após várias internações, a paciente veio a óbito. O COE é um dos tipos de câncer ginecológico mais comuns. As formas mais agressivas da doença estão associadas a mutações no gene p53. A proteína P53 é um fator transcricional nuclear que participa de vários processos, como a ativação do reparo do DNA, a parada do ciclo celular e da proliferação celular, diferenciação, senescência e apoptose. Quando muta- do, o gene p53 perde sua função, contribuindo, assim, para a origem e progressão do câncer. Com relação ao gene p53, são feitas abaixo duas afirmativas: I. O gene p53 é um gene supressor de tumor pois que a sua perda de função é que contri- bui para a carcinogênese. II. A mutação no gene p53 gera a produção de proteínas que induzem a proliferação celular e a formação de tumor. Assinale a alternativa correta. a. A afirmativa I é verdadeira, e a II é falsa. b. A afirmativa II é verdadeira, e a I é falsa. c. As duas afirmativas são falsas. d. As duas afirmativas são verdadeiras. e. A afirmativa II justifica a afirmativa I. Atividade 1. Atividade 2. 2. ATIVIDADES PROPOSTAS Quimioterápicos são compostos utilizados para o tratamento de muitos cânceres. Eles po- dem ser de vários tipos e administrados por diversas vias. Embora sejam utilizados para controlar o avanço da doença e, em muitos casos, a obtenção da cura, os quimioterápicos causam a morte das células cancerosas e, também, de muitas células saudáveis. Como con- sequência da quimioterapia, surgem vários efeitos adversos como queda de cabelo, diarreia, gengivites, dermatites, anemia, redução de plaquetas, entre outros. Podemos afirmar que esses efeitos acontecem porque: a. Eles agem mais diretamente nas células epiteliais e nas do sangue, causando mutações que induzem a morte dessas células. b. São substâncias radioativas que causam quebras no DNA, matando as células. U14 15Biologia Celular e Genética Bases Genéticas do Câncer Hereditário Atividade 3. c. Eles agem interrompendo o ciclo celular, bloqueando a divisão celular e a proliferação, matando todas as células que estão se dividindo, inclusive as saudáveis. d. Essas substâncias impedem que oxigênio e nutrientes cheguem até as células cancero- sas fazendo com que elas morram por falta dessas moléculas. e. Eles induzem a diferenciação das células cancerosas nesses tipos de células, como da pele, folículo piloso, medula óssea, fazendo com que estas substituam as células saudá- veis nesses tecidos. Paciente masculino, de 52 anos, chega ao consultório com queixa de obstrução intestinal aguda. Após procedimento para investigação de obstrução intestinal é realizada tomografia que detecta a presença de tumor de 5 cm de diâmetro no sigmóide, a presença de muitos pólipos colorretais e vários nódulos hepáticos. Foram solicitados vários exames séricos e realizada cirurgia para retirada do tumor e a colostomia. A biópsia revelou tratar de um adenocarcinoma invasivo. O pa- ciente foi submetido à quimioterapia e radioterapia. Depois de dois anos foi realizada a reversão da colonoscopia e o paciente se encontra estável com acompanhamento de rotina. Muitos casos de câncer colorretal têm origem a partir de polipose adenomatosa familiar (PAF) que é uma síndrome hereditária autossômica dominante em que ocorre a formação de múltiplos póli- pos adenomatosos colorretais, que podem malignizar com o passar do tempo e originar o câncer. Mutação no gene k-ras tem sido associada ao câncer colorretal e pacientes com essa muta- ção não respondem à terapia inibidora com fator de crescimento epitelial, sendo necessária e utilização de outro quimioterápico. Sendo assim, a mutação funciona como um marcador para a condução do tratamento e prognóstico da doença. Ela acomete éxon 12 ou 13 e gera a troca do aminoácido glicina por ácido aspártico na proteína mutada, que ganha a função de favorecer a proliferação, o crescimento e a sobrevivência do tumor. Com base nas informações acima é possível afirmar que: a. Todo câncer colorretal deriva de mutação no gene k-ras. b. Se o paciente apresentar a mutação no gene k-ras ele não vai sobreviver. c. Os pólipos sempre originarão um câncer. d. O gene k-ras é um supressor de tumor. e. O gene k-ras é um oncogene. 16 Biologia Celular e Genética U14 Bases Genéticas do Câncer Hereditário REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBERTS, B., JOHNSON, A., LEWIS, J., MORGAN, D., RAFF, M., ROBERTS, K., WALTER, P., WILSON, J., HUNT, T. Molecular biology of the cell,.6. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. Pags. 1091-1127. GRIFFITHS, A. J. F., WESSLER, S. R., CARROLL, S. B., DOEBLEY, J. Introdução à Genética. 11.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016, p. 1409-1416. SNUSTAD, Peter D.; SIMMONS, Michael J. Fundamentos de Genética. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017, p. 1498-1502. https://www.cancer.gov/news-events/cancer-currents-blog/2017/brca-mutation-cancer-risk Acesso 27 maio 2022 https://www.cancer.gov/news-events/cancer-currents-blog/2017/brca-mutation-cancer-risk EDUCANDO PARA A PAZ
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