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0 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DOUTORADO EM HISTÓRIA CAROLINA PAES BARRETO DA SILVA AUTORRETRATO E RETRATOS DE UM PUBLICISTA: ANTÔNIO BORGES DA FONSECA NAS TRAMAS DE DISCURSOS DA IMPRENSA PERNAMBUCANA E DA INSURREIÇÃO PRAIEIRA (1841-1852) NITERÓI 2021 1 CAROLINA PAES BARRETO DA SILVA AUTORRETRATO E RETRATOS DE UM PUBLICISTA: ANTÔNIO BORGES DA FONSECA NAS TRAMAS DE DISCURSOS DA IMPRENSA PERNAMBUCANA E DA INSURREIÇÃO PRAIEIRA (1841-1852) Tese de Doutorado apresentada à Banca Examinadora da Universidade Federal Fluminense, como exigência parcial para obtenção do título de doutor em História, junto ao Programa de Pós-Graduação em História. Orientadora: Profa. Dra. Gladys Sabina Ribeiro NITERÓI 2021 2 3 CAROLINA PAES BARRETO DA SILVA AUTORRETRATO E RETRATOS DE UM PUBLICISTA: ANTÔNIO BORGES DA FONSECA NAS TRAMAS DE DISCURSOS DA IMPRENSA PERNAMBUCANA E DA INSURREIÇÃO PRAIEIRA (1841-1852) Tese de Doutorado apresentada à Banca Examinadora da Universidade Federal Fluminense, como exigência parcial para obtenção do título de doutor em História, junto ao Programa de Pós-Graduação em História. BANCA EXAMINADORA __________________________________________________ Profa. Dra. Gladys Sabina Ribeiro (Orientadora) Universidade Federal Fluminense __________________________________________________ Profa. Dra. Izabel Andrade Marson Universidade Estadual de Campinas __________________________________________________ Prof. Dr. Marcello Otávio Neri de Campos Basile Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro __________________________________________________ Prof. Dr. Marcus Joaquim Maciel de Carvalho Universidade Federal de Pernambuco __________________________________________________ Profa. Dra. Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira Universidade Estadual do Rio de Janeiro 4 AGRADECIMENTOS Eu aprendi qual é o valor de um sonho alcançar. Eu entendi que no caminho pedras terá. Eu vi em campo aberto se erguer construção. E foi com muitas pedras, e foi com muitas mãos. Eu vi o meu limite vir diante de mim. Eu enfrentei batalhas que eu não venci. Mas o troféu não é de quem não fracassou. Eu tive muitas quedas, mas não fiquei no chão. E ao olhar pra trás, tudo que passou, venho agradecer quem comigo estava. Ergo minhas mãos pra reconhecer. E hoje eu sou quem eu sou, pois Sua mão me acompanhava. Mas eu sei, não é o fim, é só o começo da jornada. Eu abro o meu coração pra minha nova história...1 Não é tarefa simples para quem decide atuar na docência e na pesquisa. Desde os tempos da graduação, esses dois segmentos me fascinavam. Sentia tanto a necessidade de lecionar na Educação Básica, conhecer o cotidiano da escola pública, como o desejo de ampliar os meus conhecimentos na área de pesquisa histórica. A minha carreira profissional foi marcada por essas duas paixões. Porém, não imaginava que o meu propósito em trilhar nesses dois caminhos faria com que a minha vida passasse por tantas mudanças e provações. Os dilemas da realidade dos mundos da educação e da pesquisa vieram à baila durante os anos de elaboração desta tese. Estar em sala de aula todos os dias é um grande desafio para o professor. Conviver com questionamentos, ansiedade e insegurança, para o pesquisador, especialmente para o aluno de pós-graduação. Se não fosse a determinação e a persistência, não só de minha parte, mas também daqueles que estiveram ao meu lado, não conseguiria concluir essa etapa de minha trajetória acadêmica. Por esses motivos, quero expressar a minha gratidão a Deus. Em meio às dificuldades que surgiram ao longo dos anos dedicados a este trabalho, Ele me fez entender que os momentos de crise foram uma oportunidade para que eu aprendesse a permanecer firme em meus objetivos e a fortalecer a minha confiança. Manter-se resiliente em tempos de adversidade exige coragem. E a minha coragem veio do Senhor. Foi a Sua presença consoladora que me impulsionou a não me entregar e a prosseguir. À minha família, eu agradeço pelo apoio, paciência e compreensão. Cada um, à sua maneira, contribuiu para a realização do meu sonho, de ser doutora em História. O meu esposo, Geovani Pereira de Oliveira, sempre foi atento em ouvir as minhas preocupações, e respondia-me com palavras de amor e serenidade. A minha mãe, Elizabete Paes Barreto, é a minha maior incentivadora e torcedora. Em nenhum instante, por mais que as circunstâncias se apresentassem difíceis, ela deixou de acreditar em mim e nos meus projetos. O meu pai, Wilson Sabino da Silva, é o meu maior exemplo de honestidade e 1 Trecho da música “É só o começo”, do grupo Vocal Livre. Composição de Pedro Valença. 5 profissionalismo. A minha irmã, Marcelle Paes Barreto, proporcionou-me momentos de leveza e alegria, com seu humor inteligente e sua visão descontraída sobre a vida. Sinto-me honrada de ter sido orientanda, de longa data, da Profa. Dra. Gladys Sabina Ribeiro, a qual me deu a oportunidade de participar, como bolsista de iniciação científica, de seu projeto Nação e cidadania em alguns jornais cariocas: 1822-1834. Talvez, se eu não tivesse vivido essa experiência, não teria o privilégio de ingressar no mestrado. Depois de ter concluído o curso, dediquei-me exclusivamente ao magistério, durante cinco anos. Não satisfeita em apenas lecionar, nos Ensinos Fundamental e Médio, expressei à professora Gladys o meu interesse em dar continuidade aos meus estudos sobre Antônio Borges da Fonseca. E, prontamente, ela aceitou em me orientar, mesmo sabendo que eu havia ficado um bom tempo afastada do meio universitário. Mais do que orientadora, a professora Gladys demonstrou ser amiga, incentivando-me a não desistir; revelando-me que acreditava na minha capacidade em ser historiadora. Não poderia deixar de mencionar os professores que fizeram parte da Banca de Qualificação, cujas sugestões foram decisivas para o desenvolvimento deste estudo. Ao Prof. Dr. Marcello Otávio Neri de Campos Basile, agradeço pela leitura atenta e crítica de minha pesquisa. À Profa. Dra. Tania Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira, agradeço pela sua generosidade intelectual e por ter dado conselhos valiosos no intuito de agilizar o rumo de meu trabalho. No âmbito do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, tive a satisfação de cursar a disciplina Mídia e poder: elites intelectuais e imprensa no Brasil, ministrada pelo Prof. Dr. Humberto Fernandes Machado. Ao professor, agradeço pelas indicações de leitura e pelos debates construtivos, levantados em sala de aula. Sem dúvida, eles foram essenciais para a compreensão do meu objeto de pesquisa. Também agradeço à Comissão de Planejamento Acadêmico, por ter depositado confiança no meu trabalho e flexibilizado o prazo para a defesa desta tese. Agradeço aos funcionários da Biblioteca Nacional e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, por terem sido solícitos e atenciosos na minha busca pela documentação. Também agradeço aos funcionários do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano, que, por telefone e e-mail, procuraram, gentilmente, responder as minhas dúvidas sobre os jornais. Sem a colaboração dessas instituições, o andamento desta pesquisa seria inviável. Por fim, agradeço à Universidade Federal Fluminense, por ter contribuído para o crescimento de minha formação intelectual e profissional. 6 RESUMO O paraibano Antônio Borges da Fonseca (1808-1872) foi um longevo redatorque desempenhou uma ação combatente na imprensa brasileira do século XIX. Na Corte do Rio de Janeiro, em 1830 e 1831, tornou-se conhecido por meio de seu jornal O Repúblico e de sua participação nas agitações de rua que antecederam a Abdicação de D. Pedro I. Na província de Pernambuco, ao longo da década de 1840, destacou-se como um dos principais defensores da nacionalização do comércio a retalho e da convocação de uma Assembleia Constituinte, conquistando ampla simpatia dos segmentos populares recifenses. A sua personalidade fez-se ainda mais emblemática em 1848 e 1849, quando se envolveu na Insurreição Praieira e escreveu o Manifesto ao Mundo. Tido como exaltado e republicano, suscitou virulentas polêmicas na imprensa pernambucana: recebia, de um lado, críticas e ataques de seus opositores, e, de outro, elogios e louvores de seus seguidores. Partindo da premissa de que os redatores do Brasil Oitocentista utilizavam largamente o estilo retórico para desqualificar os seus oponentes, legitimar as suas ideias e criar uma imagem de si, a presente tese tem como principal objetivo analisar os discursos elaborados por Borges da Fonseca acerca de sua figura pública, bem como por seus adversários e correligionários, entre 1841 e 1852. Ao contrário das biografias que traçaram uma visão linear da vida e do pensamento político de Borges da Fonseca, este trabalho defende o pressuposto de que o ideário do publicista foi (re)construído no âmbito das tramas da política imperial e pernambucana e de sua aproximação com as camadas subalternas do Recife. Foi no palco das disputas políticas e eleitorais e dos protestos de rua da capital de Pernambuco que o jornalista apresentou para os seus contemporâneos os seus retratos. Portanto, através da investigação de seus argumentos retóricos, propagados por seus jornais e folhetos, faz-se oportuno conhecê-lo de forma mais inteligível, desnudando o personagem que foi ora depreciado, ora aclamado. Palavras-chave: Antônio Borges da Fonseca. Imprensa. Retórica. Imagem de si. Insurreição Praieira. 7 ABSTRACT The paraibano Antônio Borges da Fonseca (1808-1872) was a long-lived writer who played a fighting role in the 19th century Brazilian press. At the Court of Rio de Janeiro, in 1830 and 1831, he became known through his newspaper O Republico and his participation in the street unrest that preceded the abdication of D. Pedro I. In the province of Pernambuco, throughout the 1840s, he stood out as one of the main defenders of the nationalization of retail trade and of the convening of a Constituent Assembly, winning wide sympathy from the popular segments of Recife. His personality became even more emblematic in 1848 and 1849, when he became involved in the Praieira Insurrection and wrote the Manifesto to the World. Considered as exalted and republican, it provoked virulent polemics in the Pernambuco press: on the one hand, he received criticism and attacks from his opponents, and, on the other, praise from his followers. Starting from the premise that the writers of 19th century Brazil largely used the rhetorical style to disqualify their opponents, legitimize their ideas and create an image of themselves, the present thesis has as main objective to analyze the speeches elaborated by Borges da Fonseca about his a public figure, as well as by his opponents and supporters, between 1841 and 1852. Contrary to the biographies that traced a linear vision of Borges da Fonseca's life and political thought, this work defends the assumption that the publicist's idea was (re) built within the framework of imperial and Pernambuco politics and its approximation with the subordinate layers of Recife. It was on the stage of political and electoral disputes and street protests in the capital of Pernambuco that the journalist presented his portraits to his contemporaries. Therefore, through the investigation of his rhetorical arguments, propagated by his newspapers and pamphlets, it is opportune to get to know him in a more intelligible way, stripping the character who was sometimes disparaged, now acclaimed. Key words: Antônio Borges da Fonseca. Press. Rhetoric. Self-image. Praieira Insurrection 8 LISTA DE FIGURAS Figura 01 ....................................................................................................................... 129 Figura 02 ....................................................................................................................... 167 Figura 03 ....................................................................................................................... 185 Figura 04 ....................................................................................................................... 232 Figura 05 ....................................................................................................................... 237 Figura 06 ....................................................................................................................... 294 Figura 07 ....................................................................................................................... 301 Figura 08 ....................................................................................................................... 302 Figura 09 ....................................................................................................................... 309 Figura 10 ....................................................................................................................... 336 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12 PRIMEIRA PARTE. ANTÔNIO BORGES DA FONSECA: DO AUTORRETRATO PARA OS RETRATOS ............................................................. 32 CAPÍTULO I. As anotações de um publicista: a trajetória e o autorretrato de Antônio Borges da Fonseca no Manifesto Político de 1867 ........................................ 33 1.1. As experiências políticas e a carreira jornalística de Antônio Borges da Fonseca no final do Primeiro Reinado e nas Regências (1828-1840) ................................................ 35 1.2. A ação política e panfletária de Antônio Borges da Fonseca em Pernambuco durante o movimento praieiro (1842-1849) ................................................................................. 50 1.3. A vida e as estratégias políticas de Antônio Borges da Fonseca após o movimento praieiro (1850-1867) ....................................................................................................... 65 CAPÍTULO II. Os retratos de Antônio Borges da Fonseca: dos relatos dos contemporâneos da Insurreição Praieira à historiografia recente ............................ 75 2.1. Os relatos dos repressores da Insurreição Praieira e suas repercussões nos trabalhos do final do século XIX .................................................................................................... 76 2.2. Os trabalhos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) entre o final do século XIX e início do XX ............................................................................................. 89 2.3. A Conferência do Centenário da Insurreição Praieira em 1948 ............................ 100 2.4. Os trabalhos de perspectiva marxista e a historiografia da imprensa brasileira na década de 1960 ............................................................................................................. 105 2.5. As biografias na década de 1990 ............................................................................ 117 2.6. A recente historiografia da Insurreição Praieira ...................................................119 SEGUNDA PARTE. A AÇÃO PANFLETÁRIA DE ANTÔNIO BORGES DA FONSECA NA IMPRENSA PERNAMBUCANA: AS NUANCES DO AUTORRETRATO E DOS RETRATOS (1841-1847) ............................................ 125 CAPÍTULO III. A “Abelha” e o “Repúblico” de volta a Pernambuco .................... 126 10 3.1. Os discursos e os combates políticos de Antônio Borges da Fonseca n’O Correio de Norte (1841-1842) ........................................................................................................ 127 3.1.1. Os embates d’O Correio do Norte com A Ordem e o Diário de Pernambuco sobre a reforma do Código do Processo Criminal ................................................................... 132 3.1.2. O discurso antilusitano d’O Correio do Norte ..................................................... 148 3.2. O Nazareno e O Verdadeiro Regenerador nos jornais defensores e opositores a Antônio Borges da Fonseca (1843-1847) ..................................................................... 158 3.2.1. Antônio Borges da Fonseca na política oposicionista ao lado dos praieiros ....... 158 3.2.2. Antônio Borges da Fonseca na política oposicionista ao lado dos guabirus ....... 173 CAPÍTULO IV. O julgamento do “Nazareno” ......................................................... 188 4.1. Leis, liberdade e delito de imprensa na primeira metade do Brasil Oitocentista .... 189 4.1.1. O “Lidador” em defesa do “Nazareno”, de abril a junho de 1847 ...................... 200 4.2. O “injuriador” do Imperador e “separatista” no Tribunal do Júri de Pernambuco, em 9 de agosto de 1847 ....................................................................................................... 204 4.2.1. A acusação ao “Nazareno” .................................................................................. 204 4.2.2. A defesa do “Nazareno” ...................................................................................... 210 4.2.3. Os significados de “soberania” e “constituição” nos discursos contra e a favor do “Nazareno” ................................................................................................................... 220 4.2.4. A condenação e o fim do “Nazareno” ................................................................. 230 TERCEIRA PARTE. A AÇÃO COMBATENTE DE ANTÔNIO BORGES DA FONSECA NO MOVIMENTO PRAIEIRO: A EXPRESSIVIDADE DO AUTORRETRATO E DOS RETRATOS (1847-1852) ............................................ 235 CAPÍTULO V. O “Tribuno” no cárcere ................................................................... 236 5.1. Os discursos de Antônio Borges da Fonseca contra a polícia, a imprensa e os deputados praieiros nas eleições de 1847 ...................................................................... 241 5.2. O público-alvo de Antônio Borges da Fonseca em 1847: os homens livres e libertos ...................................................................................................................................... 259 5.3. A liderança de Antônio Borges da Fonseca no “partido democrata” ou “popular” no final de 1847 e início de 1848: reivindicações, alianças políticas e protestos republicanos ...................................................................................................................................... 275 11 CAPÍTULO VI. O “mártir da liberdade” e o “chefe” dos republicanos nos mata- marinheiros de 26 e 27 de junho de 1848 e na Insurreição Praieira ......................... 295 6.1. Afonso de Albuquerque Melo em defesa do “mártir da liberdade” ........................ 296 6.2. “Incitador” ou “moralizador” da “populaça”? Os relatos sobre a participação de Antônio Borges da Fonseca nos mata-marinheiros de 26 e 27 de junho de 1848 ......... 310 6.3. O “precursor” da Assembleia Constituinte nos escritos de Afonso de Albuquerque Melo antes e depois da Insurreição Praieira ................................................................ 324 6.4. As cartas de um “revolucionário”: as considerações de Antônio Borges da Fonseca sobre a República, a Monarquia e a Assembleia Constituinte ....................................... 337 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 344 FONTES E BIBLIOGRAFIA .................................................................................... 351 12 INTRODUÇÃO [...] Para a mais amarga das ironias, não foi somente no momento do processo da “Rebelião” que Borges prestou utilidade a Nabuco e a Figueira de Mello, e atente-se para os múltiplos ideais e personagens que ele podia personificar. Lá em 1849, o protótipo da desordem e da anarquia: um ano antes (quase exatamente) o símbolo do sistema constitucional. Tudo é possível no imaginário político inerente à luta burguesa: todos os papéis se equivalem, já que pessoas e ideias não são percebidas pelo que são, mas pelo que possam vir a representar.1 O paraibano Antônio Borges da Fonseca (1808-1872) foi um redator que exerceu uma marcante atividade jornalística no Império brasileiro. Podemos dizer que o seu itinerário se entrelaçou com a história da imprensa do Brasil Oitocentista: no final do Primeiro Reinado, em 1828 a 1831, fundou A Gazeta Paraibana, em sua província natal; A Abelha Pernambucana, em Pernambuco; e O Repúblico, no Rio de Janeiro. Na Regência, em 1832, deu continuidade à redação deste último jornal, em Pernambuco e na Paraíba; e, em 1834 e 1837, no Rio de Janeiro. No Segundo Reinado, em 1841 a 1852, publicou várias folhas, como O Correio do Norte, O Nazareno, O Verdadeiro Regenerador, O Eleitor, O Tribuno e A Revolusão de Novembro, e adquiriu a sua própria oficina gráfica, a Typographia Social Nazarena, em Pernambuco. Em 1853 a 1855, redigiu novamente O Repúblico, no Rio de Janeiro. E, por fim, em 1867 e 1869, voltou a escrever O Tribuno, em Pernambuco.2 As atividades de Borges da Fonseca não ficaram circunscritas à imprensa. O redator também atuou em movimentos políticos e sociais: participou ativamente dos episódios das Noites das Garrafadas e do Sete de Abril, em 1831, e da Insurreição Praieira, em 1848 e 1849. Borges era uma figura multifacetada, que procurava atender tudo o que pretendia desempenhar: foi jornalista, publicista, panfletário, tipógrafo, combatente militar e um expressivo político liberal. Este breve resumo da trajetória política de Borges da Fonseca leva-nos a pensar que o perfil do redator paraibano é bastante atípico e instigante. Diferentemente de outros jornalistas que, em sua maioria, seguiam a carreira de bacharéis, ocupavam cargos políticos ou públicos e ascendiam dentro do aparato do Estado imperial, Borges operou, de maneira ativa e contínua, na imprensa periódica. É de fascinar a um historiador da 1 MARSON, Izabel Andrade. O Império do Progresso: a Revolução Praieira em Pernambuco (1842-1855). São Paulo: Editora Brasiliense, 1987, p. 357. 2 CARVALHO, Alfredo. Annaes da imprensa periódica pernambucana de 1821 a 1908. Recife, Tipografia do Jornal do Recife, 1908; VIANA, Hélio. Contribuição à história da imprensa: 1812-1869. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945. NASCIMENTO, Luís do. História da imprensa de Pernambuco (1821-1954). Recife: Imprensa Universitária / Universidade Federal de Pernambuco, 1966. (Diários do Recife: 1829- 1900, v. 2). Idem. Op. cit. 1969. (Periódicos do Recife:1821-1850, v. 4). 13 primeira metade do século XIX brasileiro as constantes publicações e mobilidades que um homem daquele tempo conseguiu realizar em três províncias do Império. As idas e vindas de Borges entre Paraíba, Pernambuco e Rio de Janeiro eram um meio de ele estabelecer relações entre as instituições locais ecentrais, interligar os debates políticos por essas regiões e, sobretudo, atrair leitores e simpatizantes. A sua atividade política, desse modo, não se limitou aos lugares em que seus escritos foram publicados, ultrapassou os limites provinciais, contribuindo para o alargamento daquilo que Marco Morel denominou de “espaços públicos”.3 Borges se destacou politicamente por conta de sua atuação na imprensa, em um espaço público que, durante o século XIX, se fortaleceu como extensão dos trabalhos no Parlamento e como lugar de luta política. Todavia, a ação do redator, para além de se desenrolar na imprensa, se efetivou em manifestações e protestos de rua, em um outro espaço que também se tornou “locus privilegiado de se fazer política” para diferentes atores políticos e sociais.4 Borges da Fonseca apareceu no cenário público do Império brasileiro em um contexto de crise política, que desembocou na Abdicação de D. Pedro I. Segundo Morel e Mariana Barros, tal conjuntura contribuiu para “uma verdadeira explosão da palavra pública”.5 A discussão política atingiu um tom mais alto. Difundiam-se na Corte do Rio de Janeiro e nas províncias associações legais, maçônicas, filantrópicas e patrióticas. Proliferavam folhas volantes, cartazes, manuscritos, brochuras, manifestos, proclamações e denúncias. Foi dentro desses espaços públicos que começou a se afirmar como hegemônico o conceito moderno de “opinião pública”.6 Na época da Independência, o termo era entendido como a “Rainha do mundo”; a soberana no reino da sabedoria, da 3 Marco Morel, ao estudar as transformações dos espaços públicos no período da Independência e no início da construção do Estado nacional brasileiro, tomou como uma de suas principais referências teóricas o conceito de esfera pública do filósofo alemão Jürgen Habermas. Fundamentando-se nas ideias deste autor, Morel esclareceu que a expressão espaço público em seu trabalho teria três conotações: 1) “cena ou esfera pública, onde interagem diferentes atores, e que não se confunde com o Estado”; 2) “esfera literária e cultural, que não é isolada do restante da sociedade e resulta da expressão letrada ou oral de agentes históricos diversificados”; e 3) “espaços físicos ou locais onde se configuram estas cenas e esferas”. Ver: MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial (1820-1840). Rio de Janeiro: Revan/Faperj, 2005; HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. 4 MOREL, Marco. “A política nas ruas: os espaços públicos na cidade imperial do Rio de Janeiro”. Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v. XXIV, n. 1, junho 1998, p. 73. 5 MOREL, Marco; BARROS, Mariana Monteiro de. Palavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 30. 6 Ibidem, p. 21-22. Para Morel e Barros, o conceito de “opinião pública” trata-se de palavras, de um poderoso instrumento de combate, de um recurso para legitimação de práticas políticas; remete a uma expressão que desempenhou papel de destaque na constituição dos espaços públicos e de uma nova legitimidade política nas sociedades ocidentais a partir de meados do século XVIII. 14 prudência e da razão; um saber político que competia somente àqueles que desempenhavam elevados cargos na administração e na burocracia estatal. No entanto, em 1831, passou a ser mais relacionado à ideia de “Tribunal”. Tratava-se, agora, da expressão da vontade da maioria dos membros de uma sociedade; da adequada participação política praticada pelos cidadãos, para que a informação sobre as coisas públicas circulasse o mais livremente possível. Os porta-vozes dessa opinião pretendiam utilizá-la como instrumento para intervenção direta na vida pública, nas instituições, atuando de maneira normativa junto às autoridades.7 Não obstante, conforme Morel e Barros, a opinião pública estava longe de ser homogênea, posto que existiam diversas motivações que levavam os homens de letras – conhecidos como redatores, gazeteiros ou panfletários – a procurar diferentes perfis de leitores. Havia aqueles que priorizavam uma espécie de diálogo com um público ilustrado e poderoso, formado por homens instruídos e ricos proprietários, e outros que, imbuídos pela crença de que estariam em uma missão pedagógica e civilizadora, ou de propagar as “novas ideias liberais”, buscavam um público considerado rude, iletrado, pobre e sem instrução.8 Em virtude de Borges da Fonseca ter se aproximado deste último tipo de público e ter usado a imprensa como um mecanismo de mobilização política, foram atribuídas a ele várias representações. Aqui, vale a pena destacar o conceito de “representações coletivas” proposto por Roger Chartier.9 Francismar Alex L. de Carvalho, procurando demonstrar as potencialidades e os limites das abordagens teórico-metodológicas elaboradas pelo historiador francês, apontou que Chartier entende que as representações se constituem através de várias determinações sociais para, em seguida, tornarem-se matrizes de classificação e ordenação do próprio real. Elas são categorias e divisões que organizam a apreensão do mundo social.10 Dessa forma, o conceito de “representações”, formulado por Chartier, permite o pesquisador avaliar o ser-percebido que um indivíduo ou um grupo constrói e propõe para si mesmo e para os outros. Esses indivíduos ou grupos, ao se colocarem no campo da luta simbólica, tentam determinar a sua concepção de mundo social. Daí as representações não serem discursos neutros, uma vez que elas são produzidas por estratégias e práticas tendentes a impor uma autoridade, um apreço ou a 7 Ibidem, p. 28-31. 8 Ibidem, p. 31-44. 9 CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difusão Editora, 1988; Idem. CHARTIER, Roger. “O mundo como representação”. Estudos Avançados. Campinas: Unicamp. 11(5), 1991. p. 173-191. 10 CARVALHO, Francismar Alex Lopes de. “O conceito de representação coletivas segundo Roger Chartier”. Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 9, n. 1, 2005, p. 151. 15 legitimar escolhas. Entretanto, a imposição de uma representação não significa que a sua aceitação seja unívoca: pode existir uma pluralidade de leituras. Entre a representação proposta e o sentido construído, as discordâncias são possíveis. Embora as representações aspirem à universalidade, elas são variáveis conforme as disposições dos grupos sociais.11 Partindo das considerações de Chartier, podemos afirmar que as representações de Borges da Fonseca continham interpretações e significados diferentes. Isso dependia das intenções de quem as forjavam. Se os meios de comunicação do século XXI fazem uso de diversos recursos audiovisuais para polemizar as atitudes de figuras públicas e políticas, os escritores de jornais, folhetos e panfletos da primeira metade do século XIX lançavam mão das palavras. Nas ruas, por sua vez, principalmente nas do Rio de Janeiro e do Recife, elas eram bradadas e vociferadas pelas camadas subalternas, conhecidas como “povo”, “plebe” ou “populaça”. Foram as palavras que delinearam as representações – ou os retratos, as imagens – de Borges da Fonseca. Dependendo de quem as escrevia ou esbravejava, o redator podia ser taxado tanto de “anarquista”, “demagogo” e “agitador” como de “mártir da liberdade”, “republicano” e “defensor do povo”. Para tanto, tais epítetos negativos ou positivos podiam ser anunciados por uma mesma pessoa, como apontou Izabel Marson, no trecho destacado da primeira página desta Introdução. Em 1848, o mesmo José Thomaz Nabuco de Araújo que, enquanto jornalista, havia defendido Borges em nome da liberdade de imprensa,em 1849, na posição de juiz, o condenou como “rebelde”. Percebe-se, então, que as palavras estavam entrelaçadas em complexas tramas e tessituras políticas. A presente tese tem como tema a construção da imagem de si e das imagens de Antônio Borges da Fonseca na imprensa pernambucana, nos anos anteriores e posteriores à Insurreição Praieira, entre 1841 e 1852. 1841 foi delimitado como marco inicial, por ser tratar de um ano em que Borges da Fonseca reapareceu na cena pública da província de Pernambuco, escrevendo O Correio do Norte. E, como marco final, 1852, ano em que o publicista recebeu anistia do crime de “rebelião” e passou a dirigir A Revolusão de Novembro. Uma das principais hipóteses deste trabalho é a de que as imagens de Borges da Fonseca – elaboradas em textos por si mesmo, pelos seus defensores e pelos seus adversários – foram cristalizadas ao longo da década de 1840, na província de Pernambuco. Tais representações foram fixadas na memória historiográfica brasileira: nas obras dos historiadores que se debruçaram nos relatos dos repressores da “rebelião 11 Ibidem, p. 152-155. 16 praieira”, a exemplo de Alfredo de Carvalho12 e Hélio Viana13, o redator apareceu como um frenético “panfletário”, no sentido negativo do termo, que não possuía uma coerência em suas propostas políticas. Já nas biografias que tentaram resgatar a vida política do paraibano, como a de Mário Márcio de Almeida Santos14 e Maria Lúcia Ricci15, ao se embasarem nos próprios discursos de Borges, sem perceber que o jornalista tinha uma intenção de criar uma autoimagem, o apresentaram como o grande paladino da causa republicana e democrática. De fato, Borges definiu um estilo político mais veemente, inflamado, contestador e panfletário na década de 1840. No entanto, não foi em todos os contextos políticos que pregou o fim da Monarquia e tampouco uma transformação profunda da sociedade brasileira. É preciso, dessa forma, iluminar as outras facetas do redator e os outros fragmentos de sua trajetória política. Tendo em mente que Borges da Fonseca estava imerso em uma batalha de palavras, onde cada publicista, ao escrever o seu texto, desejava traçar para si e para outros uma imagem, e para isso se valia de variadas estratégias linguísticas, esta pesquisa fundamenta-se nos trabalhos sobre a retórica. Quem nos forneceu significativos caminhos para a análise do discurso retórico nos jornais do século XIX foi José Murilo de Carvalho.16 Ao indicar a possibilidade de usar a retórica como ferramenta de análise na prática da História Intelectual, Carvalho destacou a recente preocupação de estudos da área da filosofia e da crítica literária em recuperar a dimensão da retórica no discurso. Segundo este historiador, Chaïm Perelman foi um dos principais precursores em demonstrar que a retórica está “dentro do domínio da lógica na medida em que recorre a argumentos que vão além da estrita racionalidade”.17 Ela não procura apenas convencer, “operação que se faz mediante a raciocínios lógicos”, mas também persuadir e conduzir à ação.18 Apoiando-se nas ideias de Perelman, Carvalho destacou três importantes características da retórica que podem ser profícuas para os pesquisadores que estudam textos do século XIX. A primeira é a estreita ligação entre os argumentos e a pessoa do orador. Um dos mais consideráveis elementos de convicção é a autoridade do orador, que 12 CARVALHO, Alfredo. Op. cit. 13 VIANA, Hélio. Op. cit. 14 SANTOS, Mário Márcio de Almeida. Um homem contra o Império: Antônio Borges da Fonseca. Paraíba: Ed. A União / Conselho Estadual de Cultura, 1994. 15 RICCI, Maria Lúcia de Souza Rangel. A atuação política de um publicita: Antônio Borges da Fonseca. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 1995. 16 CARVALHO, José Murilo de. “História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura”. Topoi, n. 1, Rio de Janeiro, setembro de 2000. 17 PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação. A nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996 apud ibidem, p. 137. 18 Ibidem, p. 137. 17 deve ser marcada pela competência, prestígio e honestidade. Se a autoridade do orador não for o suficiente para sustentar os seus argumentos, ele pode recorrer a de outros. A segunda refere-se ao campo de argumentação. Se na lógica ele é fechado dentro de um sistema, na retórica é sempre aberto. Por isso, a necessidade de o orador persuadir o seu auditório fazendo uso, por exemplo, de repetições, redundâncias e figuras de linguagens. E a terceira diz respeito ao auditório. Para que a persuasão do orador seja eficaz, é preciso que ele conheça o seu público, a fim de que utilize os argumentos e estilos adequados.19 Buscando as raízes históricas do estilo retórico nos escritos brasileiros do século XIX, Carvalho apontou que muitos membros da elite política e intelectual brasileira estudaram em duas instituições portuguesas que receberam uma grande influência da tradição escolástica jesuítica: a Universidade de Coimbra e o Colégio de Artes. Em ambas as instituições, a retórica era uma matéria obrigatória, além do estudo da Bíblia e da ortodoxia: Santo Tomás e Aristóteles. A dominação jesuítica no ensino português durou até 1759, quando o marquês de Pombal expulsou a ordem religiosa do país e buscou efetivar uma renovação no método de estudo, introduzindo novas disciplinas, como a matemática e a filosofia, na Universidade de Coimbra. No entanto, mesmo que esta instituição tivesse passado por uma reforma, a retórica não foi excluída de seus cursos: o que se pretendia era modificar o seu conteúdo e ampliar o seu alcance. Baseada na obra do frade oratoriano Luís Antônio Verney – Verdadeiro Método de Estudar –, a nova concepção da retórica era, na verdade, um ataque ao mau gosto da oratória portuguesa, do excesso de citações de frases, de autores e das repetições, da exibição da erudição e da imperícia na elocução. A retórica só seria útil se fosse aplicada em todas as circunstâncias da vida como a arte de persuadir.20 Carvalho também assinalou que a tradição da retórica lusitana se revelou ainda mais importante no Brasil após a chegada da Corte de D. João VI, em 1808. Um dos principais conselheiros do príncipe regente, Silvestre Pinheiro Ferreira, abriu na Colônia um curso de filosofia e de teórica do discurso e da linguagem, além de ter escrito um compêndio, publicado entre 1813 e 1820, sob o título de Preleções Philosophicas. Neste livro reforçava a ideia de que a arte de pensar não poderia estar separada da arte de falar com clareza: a retórica não devia ser enfeite, e sim instrumento de argumentação e persuasão. Ligado à tradição romana da retórica cívica, Silvestre Pinheiro pôs em evidência a necessidade da virtude, da bondade e da prudência do orador. Se os costumes do orador 19 Ibidem, p. 137-138. 20 Ibidem, p. 130-133. 18 não fossem recomendáveis, ele não passaria de um rábula e não convenceria ninguém. Ou seja, na retórica, a qualidade moral do orador valia tanto quanto a de seus argumentos.21 Daí se explica a tentativa de muitos jornalistas brasileiros do século XIX em desqualificar moralmente os seus opositores. Apesar de alguns deles não terem cursado as aulas régias ou o ensino superior em Coimbra, adquiriam noções de retórica, pois estas eram essenciais nos embates políticos travados nos jornais. Os homens que atuavam na imprensa, além de discutirem questões que abrangiam valores e princípios, também debatiam a sua própria ação política e a ação política de seus oponentes.22 Assim, ao analisar o modo retórico de argumentar dos escritores brasileiros, Carvalho trouxe-nos uma nova explicação sobre o fenômeno da violência dalinguagem nos jornais do século XIX. O autor elucidou que a interpretação partilhada pela maioria dos analistas para esse fenômeno seria a falta de experiência dos redatores em matéria de debate político democrático. As práticas do debate privado eram frequentemente transferidas para o debate público, em forma de ataques pessoais. Contudo, para ele, embora essa exposição seja plausível, não é totalmente satisfatória, posto que, se observarmos o fenômeno da violência verbal pelo prisma da retórica, a imagem negativa dos ataques pessoais, exposta como imaturidade, falta de educação e incivilidade, pode ser matizada. Na concepção adotada pela reforma pombalina, tributária da tradição cívica romana, o argumento retórico não se separava da autoridade do orador; a virtude do orador era uma exigência para garantia da capacidade persuasiva do argumento.23 A agressão pessoal direta, dessa maneira, pode ser tratada como indicadora de um estilo específico de argumentação. Basta que os historiadores desloquem seu exame para o interior dos textos com o intuito de investigar em que medida as regras do argumento retórico se fazem presentes. A atenção deve ser dirigida, sobretudo, para a elocução, isto é, para o modo de dizer, o estilo. É na elocução que se encontram os instrumentos de persuasão, como o uso das figuras de linguagem: a paródia, a ironia, o sarcasmo, a antífrase, a hipérbole, entre outras.24 A utilização da retórica como instrumento de análise de textos do século XIX não se esgota nos aspectos apresentados por Carvalho. Ruth Amossy, especialista em análise do discurso, demonstrou que os novos estudos da teoria da argumentação, convocando a 21 Ibidem, p. 133-135. 22 Ibidem, p. 135. 23 Ibidem, p. 140. 24 Ibidem, p. 145-146. 19 Retórica de Aristóteles, têm privilegiado a noção de lugar-comum e de ethos para examinar a força persuasiva do discurso.25 Assim como Carvalho, Amossy também ressaltou que a retórica, na Antiguidade, era uma teoria da fala eficaz e uma aprendizagem da arte de persuadir. Com o passar do tempo, entretanto, tornou-se, progressivamente, uma arte do bem dizer, reduzindo-se a um arsenal de figuras. Voltada para os ornamentos do discurso, esqueceu-se de sua vocação primeira: imprimir ao verbo a capacidade de provocar a convicção.26 Fruto da polis grega, da cidade livre, onde as decisões públicas convocavam o debate, a retórica permitia o bom andamento da justiça (por meio do manuseio da controvérsia) e da democracia (pela prática da palavra pública). Por isso que tinha como alvo tanto o judiciário e o deliberativo – o político no sentido amplo, que abrangia tudo aquilo que demandava uma decisão para o futuro – quanto o epidíctico – o discurso pronunciado em cerimônias. Com essa tripla dimensão, ela foi conceitualizada, formalizada e regulamentada por Aristóteles. Na concepção advinda do filósofo grego, a retórica estava presente em todos os domínios humanos em que era preciso adotar uma opinião, tomar uma decisão, não com base em uma verdade absoluta, ou por meio de vias coercitivas, mas se fundamentando no que parecia plausível e razoável de crer e fazer. Tal ponto de vista explica a centralidade, na teoria aristotélica, das noções de lugar- comum – a disposição do auditório – e de ethos – a imagem que o orador projeta de si mesmo em seu discurso e que contribui fortemente para assegurar sua credibilidade e sua autoridade.27 De acordo com Amossy, Chäim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, ao retomarem as perspectivas aristotélicas sobre a importância dos lugares-comuns no discurso, deram uma importante contribuição para a nova retórica. Os dois autores revelaram a concepção de que o orador e o auditório exercem uma influência mútua um sobre o outro. O orador seria tanto aquele que pronuncia o discurso quanto aquele que o escreve. E o auditório “o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação”.28 Dentro desta perspectiva, o auditório é uma entidade variável: pode ser formado por uma única pessoa ou por uma numerosa assembleia, determinado ou indeterminado, presente ou ausente, pois é o orador que o constrói. Por outro lado, o orador tem a necessidade de adaptar-se 25 AMOSSY, Ruth. A argumentação no discurso. São Paulo: Contexto, 2020. 26 Ibidem, p. 7. 27 Ibidem, p. 15-18. 28 PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Traité de l’argumentation. La nouvelle rhétorique. Bruxelles: Éditions de l’Université de Bruxelles, 1970, p. 22 apud AMOSSY, Ruth. Op. cit., p. 52. 20 às crenças e valores de seu auditório. O orador só conquistará a adesão se basear o seu discurso em premissas já aprovadas por seu público. Desse modo, ele deve conhecer o nível de educação de seus interlocutores, o meio social do qual fazem parte e as funções que assumem na sociedade. É somente quando consegue ter uma ideia de seu auditório que pode tentar aproximá-lo de seus próprios pontos de vista e levá-lo à ação.29 Amossy ainda enfatizou que as novas abordagens da retórica, ao resgatarem o ethos aristotélico, também têm indicado a importância da imagem de si que orador constrói em seu discurso.30 Aquele que toma a palavra ou a pena, para exercer influência, procura ter uma ideia da maneira como o seu auditório o percebe. Neste sentido, para legitimar o seu dizer, o orador apoia-se em quatro elementos preexistentes: 1) a sua reputação, a imagem prévia que o seu auditório tem de si; 2) o seu status, o prestígio devido às suas funções ou a seu nascimento; 3) as suas qualidades próprias, a sua personalidade; e 4) o seu modo de vida, o exemplo que dá por seu comportamento. Enquanto os dois primeiros aspectos tangem à questão de status social e institucional, os dois últimos relacionam-se à questão de moral. De um lado, estima-se que a autoridade depende do que o orador representa na sociedade em que vive e no interior da qual exerce sua influência. De outro, enfatiza-se a ética, fazendo com que a eficácia retórica dependa da moral e das práticas de vida daquele que quer persuadir. Assim, o ethos é elaborado tanto com base no papel que o orador exerce no espaço social como na representação coletiva que circula sobre sua pessoa. O orador deixa no discurso traços tangíveis de sua imagem de si, que podem ser identificadas, ora nas marcas linguísticas, ora na situação de enunciação.31 Amparando-nos nas considerações de Carvalho e Amossy, asseveramos que Borges da Fonseca tinha conhecimento de retórica. A sua procedência familiar e intelectual revela esta asserção. Segundo alguns de seus primeiros biógrafos, como Sacramento Blake e Hélio Viana, Borges era descendente de ilustres servidores da Coroa portuguesa. Muitos de sua ascendência conquistaram posição destacada na atividade política e intelectual do nordeste brasileiro: um de seus antepassados, igualmente de nome Antônio Borges da Fonseca, governou a Paraíba entre 1745 e 1753. Um outro ancestral, Antônio José 29 AMOSSY, Ruth. Op. cit., p. 52-58. 30 Entre os trabalhos que estudaram o ethos aristotélico, Ruth Amossy citou, principalmente, os de BENVENISTE, Émille. Problemas de linguística geral I. São Paulo: Nacional/Edusp, 1976; Idem. Problemas de linguística geral II. Campinas: Pontes, 1989; MAINGUENEAU, Dominique. Pragmática para o discurso literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Idem. Termos-chave da análise do discurso; Belo Horizonte: Ed. UGMG, 1998; GOFFMAN. Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1975; e BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Edusp, 2008. 31 AMOSSY, Ruth. Op. cit., p. 89-92. 21 Vitoriano Borges da Fonseca, governou o Ceará entre 1765 e 1781, e foi autor da Nobiliarquia Pernambucana,um manual que pontificava as árvores genealógicas mais notáveis da região. Um terceiro, de mesmo nome do precedente, comandou o destacamento revolucionário de Alagoas em 1817, e fez parte do Governo Provisório de Pernambuco em 1821, criado em consequência da deposição de Luís do Rego Barreto.32 Então, parece-nos que a origem familiar de Borges favoreceu que ele vivesse em um ambiente político e ilustrado. Blake e Viana também apontaram que Borges da Fonseca estudara no Seminário Episcopal de Olinda, instituição de formação liberal e a mais importante de ensino em Pernambuco.33 Todavia, Santos enfatizou que este dado foi um dos mitos que se construiu em torno do jornalista. Era bem possível que este projeto tivesse existido, mas a ideia não se concretizara, uma vez que a mãe do paraibano era uma índia e o Direito Eclesiástico era contra o ingresso de filhos ilegítimos em escolas de formação sacerdotal.34 Já Ricci registrou que Borges teria ingressado, aos 12 anos de idade, no Liceu Pernambucano, estabelecimento educacional que havia sofrido uma reforma de direção no início dos anos de 1820. O novo diretor do Liceu, o padre Laurentino Antônio Moreira de Carvalho, era membro da Congregação do Oratório de São Felipe Nery: instituição religiosa que esteve intimamente ligada à luta contra às concepções filosóficas e pedagógicas dos jesuítas. Os professores que passaram a fazer parte do novo corpo docente da escola eram destacados nomes não só do magistério, como também do meio político e literário de Pernambuco. Borges teria se formado em 1826. Dois anos depois, em 1828, teria se tornado mestre de primeiras letras na Paraíba.35 Ainda sobre a formação intelectual de Borges da Fonseca, Santos destacou que o redator, em torno de seus 45 anos de idade, acalentava o desejo de ter um título de bacharel ou de doutor em Direito. Como não queria cursar na Academia de Olinda, foi para a Europa em busca de um certificado, em 1857. Ao pesquisar várias cartas escritas por Borges, publicadas n’O Povo, Santos salientou que, quando o publicista esteve na França, os seus amigos, de uma pequena colônia luso-brasileira de Paris, o aconselharam ir para a Alemanha para obter o título, pois o país ainda não era unificado e na maioria de 32 BLAKE, Augusto Vitorino A. Sacramento. Diccionário Bibliográphico Brazileiro. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura, 1970 (ed. Fac-similar da original de 1883-1902), v. 1, p. 6-23; VIANA, Hélio. Op. cit., p. 535-536. 33 BLAKE, Augusto Vitorino A. Sacramento. Op. cit., p. 6-23; VIANA, Hélio. Op. cit., p. 535-536. 34 SANTOS, Mário Márcio de Almeida. Op. cit., p. 23-24. 35 RICCI, Maria Lúcia de Souza Rangel. Op. cit., p. 87. 22 seus reinos e principados existia uma universidade. Teria sido, então, dessa maneira que Borges pode ter conquistado o certificado de Doutor em Direito.36 O Povo, ao saber da notícia, logo escreveu uma nota dizendo que ele cursara Direito na Universidade de Rostock, no Mecklemburg, e que a razão determinante da concessão do título teria sido “a apresentação feita pelo Sr. Borges da Fonseca de uma dissertação”, para uma congregação, com “um primor de lógica e erudição”.37 Os correligionários do redator prestaram-lhe homenagens, porém os seus adversários mencionaram que ele não passava de um “rábula”.38 Segundo Santos, Borges usara de todos os meios para que acreditassem na autenticidade do título que recebera. Um doutoramento na Alemanha lhe daria mais respeitabilidade e seria mais impressionante do que um bacharelado pela Academia de Olinda.39 No entanto, é difícil imaginar uma pessoa que não sabia falar e escrever alemão ter defendido uma dissertação com “primor de lógica e erudição”. Dissertação esta que nunca foi publicada pelo paraibano. Aliás, Borges da Fonseca não fazia uso da erudição em seus jornais. A sua escrita valorizava mais a forma como as pessoas falavam no cotidiano do que em um conjunto de regras ortográficas. No primeiro número d’O Repúblico, por exemplo, publicado em 2 de outubro de 1830, no Rio de Janeiro, ele afirmou que não seguiria “a ortografia filosófica ou da pronunciação” e que, naquela ocasião, desprezaria o “sedilho”.40 Ora, a marca que o redator paraibano desejava imprimir era esta: a ideia de que a sua linguagem era simples, própria, popular, para que a gente comum pudesse compreendê-la. E à medida que a sua posição de jornalista foi se afirmando, ele foi dando mais vigor a seu estilo retórico: a sua particularidade na imprensa seria manifestada pela entonação calorosa e severa de seus argumentos. A partir do início da década de 1840, Borges passou a projetar, veementemente, em seus discursos a imagem de um jornalista íntegro e de um tribuno por excelência, que possuía o prestígio capaz de garantir a audiência das camadas mais pobres da população recifense. Com frequência, apresentava-se para os seus 36 SANTOS, Mário Márcio de Almeida. Op. cit., p. 270-273. 37 O Povo, 05/09/1858 apud ibidem, p. 273-274. 38 Santos destacou o seguinte trecho d’O Imparcial, jornal opositor a Borges da Fonseca: “Consta que anda por esta cidade o antigo rábula Borges da Fonseca especulando com a credulidade deste bom povo, a fim de ver se consegue uma nova pescaria, que lhe farte a fome canina! É um gosto vê-lo na roda-viva em que se acha de Escada para esta cidade, ora para Igarassu, ora para Olinda, etc., a catar de inexperientes que levando-se por suas lábias, caem na corriola de lhe entregar uma outra questãozinha, pois que as grandes ninguém ainda renunciou ao bom senso para ir entregar ao rábula pedante, que vive a empanzinar a gente com um título de Dr. que comprou na Europa, e que em vez de lhe dar ciência, aumentou-lhe a insolência e impostura”. O Imparcial, 06/08/1859 apud ibidem, p. 274. 39 Ibidem, p. 271-275. 40 O Repúblico, nº 01, 02/10/1830. 23 contemporâneos como um legítimo porta-voz dos ideais republicanos e democráticos. Tal mito acabou por ser consagrado na Insurreição Praieira, fazendo com que os seus biógrafos o reputassem como um eterno radical e republicano, desconsiderando a percepção de que o seu pensamento político foi construído a partir de suas experiências vividas em diferentes contextos políticos do Império brasileiro. Em dissertação de mestrado, estudando as ideias políticas de Borges da Fonseca no final do Primeiro Reinado e no início da Regência, por meio da análise da primeira, segunda e quarta fases d’O Repúblico (1830-1831; 1831-1832; 1837), desvelamos que o jornalista paraibano seguia as dinâmicas das lutas políticas de sua época.41 Em fins de 1830, ele se colocou em aberta oposição a D. Pedro I, defendendo a Constituição e o reforço do Poder Legislativo frente à atuação do poder monárquico. Demonstrava o receio de que o Imperador se tornasse um tirano e limitasse a representatividade da Assembleia Legislativa. Declarava-se a favor de um regime representativo que garantisse uma maior autonomia das províncias do Império, especialmente as do Norte. Para tanto, as suas propostas de autonomia provincial não se confundiam necessariamente com projetos de República. O sistema federalista seria vantajoso para a Monarquia constitucional brasileira, se esta adotasse, a partir da reforma da Constituição, o modelo norte- americano, no que tange à federação, sem colocar em risco a unidade nacional. Mesmo proferindo discursos inflamados alguns dias antes e depois do Sete de Abril, o publicista ressaltava que o Brasil ainda não estava preparado para receber o sistema republicano, pois, ao seu ver, o país, até aquele momento, vivia sob uma ineficiente educação política.42 Neste sentido, no final de 1831 e início de 1832, o grande foco da atenção de Borges ainda era discutir as questões relativas às reformas constitucionais,porém estas deveriam ser realizadas com o objetivo de sustentar a Monarquia e conservar a ordem social.43 Contudo, em 1837, às vésperas do Regresso Conservador, Borges anunciou que as reformas tão pretendidas para a ampliação da autonomia provincial seriam revertidas. Ao entender que a “revolução”, iniciada em 7 de abril de 1831, não se completaria no Brasil, declarou abertamente que preferia a República.44 41 SILVA, Carolina Paes Barreto da. A trajetória d’O Repúblico nas Regências: os discursos impressos de Antônio Borges da Fonseca sobre a política imperial (1830-1837). Dissertação (Mestrado), Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010. 42 Ibidem, Capítulo 2. 43 Ibidem, Capítulo 3. 44 Ibidem, p. 152-157. 24 A partir dessas ponderações, constatamos que o essencial nos estudos sobre Borges da Fonseca não se concentra em desvendar se ele era monarquista ou republicano, e sim em privilegiar as suas percepções e lógicas diante das tensões políticas e sociais ocorridas no Império brasileiro. Com base nessa premissa, o conceito de “cultura política” tornou- se primordial para este trabalho, pois possibilita o entendimento dos sentidos que um determinado indivíduo ou grupo atribui a uma dada realidade social. Segundo Serge Berstein, a cultura política procura “compreender as motivações dos atos dos homens em um determinado momento da história, por referência ao sistema de valores, de normas, de crenças que partilham, em função da sua leitura do passado, das suas aspirações para o futuro, das suas representações da sociedade”.45 O interesse na identificação de uma cultura política é duplo para o historiador, porque permite descobrir, pelo discurso, as raízes e as filiações dos indivíduos, reconstituir a coerência dos seus comportamentos pela descoberta de suas motivações, e entender a coesão de grupos organizados à volta de uma cultura (ideias, crenças, gestos, símbolos, mitos, ideologias, vocabulário etc.).46 Nesse sentido, para a compreensão da trajetória e das ideias políticas de Borges da Fonseca faz-se necessário vinculá-las ao processo de formação do Estado nacional brasileiro. Vale lembrar que, segundo Gladys Sabina Ribeiro, os Estados nacionais e os nacionalismos são construções históricas.47 Ao estudar a constituição de uma identidade nacional no Brasil, a autora revelou que a nacionalidade brasileira não era ainda um tema amadurecido no Sete de Setembro, nem mesmo inteiramente delimitado no Sete de Abril. Nas primeiras décadas do país recém-criado, tentou-se forjar uma “consciência nacional”, bem como construir um Estado amplo, que abrangeria todo o seu território e as suas diversidades regionais, delineado a partir de elementos jurídicos e da definição dos poderes e da cidadania.48 No decorrer do processo de criação de mecanismos legais para o Brasil, foram discutidas questões concernentes ao papel do Estado: se este seria fruto da encarnação da soberania da nação ou do espaço da manifestação da soberania do povo. Tais concepções sobre a fonte de poder foram interpretadas tanto pelas classes 45 SERGE, Berstein. “A cultura política”. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI Jean-François (org.). Para uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1998, p. 363. 46 Ibidem, p. 362. 47 Ribeiro fundamentou-se nos pressupostos teóricos de Eric Hobsbawm e Benedict Anderson. O primeiro autor ressaltou que a Nação é uma entidade social apenas quando relacionada a uma certa forma de Estado territorial moderno, e não faz sentido discuti-la fora desta relação. Já o segundo indicou que a Nação é uma abstração, uma “comunidade política imaginada”. Ver: HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismos desde 1870 – programa mito e verdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 17; ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Editora Ática, 1989, p. 14. 48 RIBEIRO, Gladys Sabina. A liberdade em construção: identidade nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 19-20. 25 dominantes, na cena política mais formal, quanto pelas populares, em manifestações de rua. Nestas manifestações, ocorridas no Rio de Janeiro, ao longo dos anos de 1822 a 1834, o antilusitanismo surgiu com força, exteriorizando as disputas de nacionalidades em formação e as divergências de conteúdo político mais amplo, que traziam em si não só propostas de liberdade como também questões relacionadas ao mercado de trabalho, marcadas pela aguda disputa entre homens livres e libertos e portugueses.49 Alguns autores atribuíram a Borges da Fonseca a liderança da “populaça” nos conflitos de rua que antecederam a Abdicação de D. Pedro I.50 Todavia, para Ribeiro, os homens ditos “exaltados” não dariam conta das insatisfações reveladas nas Noites das Garrafadas e no Sete de Abril: os populares tinham ideias próprias, construídas a partir de suas vivências e de suas leituras de liberdade. A retomada, na Regência, de problemas não resolvidos na época da Independência deu margem para que uma grande quantidade de mulatos, pretos e pardos e de homens livres pobres reivindicassem pela ampliação de seus direitos civis.51 Dessa forma, os exaltados discutiam em seus jornais ideias que há muito estavam sendo gestadas nas ruas, onde os indivíduos aprendiam princípios liberais, com a experiência política do Primeiro Reinado, divulgados desde a Revolução do Porto. Mais do que guiar o “povo”, os exaltados aproveitavam momentos de reivindicações múltiplas e de crises políticas para propagarem os seus projetos de Brasil. Assim, “a sua radicalidade era a mesma que era vivenciada nas ruas; era a radicalidade das ruas”.52 As considerações de Ribeiro nos propiciaram um interessante caminho para entender as ideias políticas de Borges da Fonseca nos primeiros anos do Segundo Reinado: o jornalista incorporou em seus discursos as principais demandas dos trabalhadores urbanos do Recife, os quais enfrentavam uma intensa concorrência com os portugueses por um espaço no mercado de trabalho. É pertinente sublinhar que Borges viveu em uma província onde o sentimento antilusitano era demasiadamente flagrante. Procurando observar algumas facetas do antilusitanismo em Pernambuco, entre os anos de 1830 e 1870, Bruno Câmara afirmou que esse sentimento era recorrente na região e 49 Ibidem, p. 243-247. 50 VIANA, Hélio. Op. cit.; SOUSA, Octávio Tarquínio de. História dos fundadores do Império do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988, v. 9; SANTOS, Mário Márcio de Almeida. Op. cit.; RICCI, Maria Lúcia de Souza Rangel. Op. cit. 51 RIBEIRO, Gladys Sabina. “A radicalidade dos exaltados em questão: jornais e panfletos no período de 1831 a 1834”. In: RIBEIRO, Gladys Sabina; FERREIRA, Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz (org.). Linguagens e práticas da cidadania no século XIX. São Paulo: Alameda: 2010, p. 83-88. 52 Ibidem, p. 89-90. 26 que ganhou mais proporção em determinados momentos de convulsão social e política.53 O antilusitanismo manifestou-se em violentos conflitos de rua conduzidos pelo povo comum e pela imprensa ligada às facções políticas em disputa pelo poder, cujas pautas, de ampla popularidade, visavam o projeto da nacionalização do comércio a retalho. Também esteve relacionado à construção de uma identidade local, fazendo com que o nacionalismo se desenvolvesse na província de maneira distinta das outras do Império. O passado pernambucano constituiu um elemento central na gestão dessa identidade histórica, que foi aproveitada pelos liberais na luta contra os portugueses.54 Borges da Fonseca foi um dos principais redatores a desempenhar uma atividade destacada na imprensapernambucana, nos anos de 1840, difundindo os princípios da cultura política do constitucionalismo liberal. Todavia, é importante ressaltar que o redator também estava imerso na cultura política das camadas subalternas. Segundo Iara Lis Schiavinatto, esta cultura política se expressava no cotidiano imediato, em uma ação mais urgente, porque os populares procuravam preservar práticas que assegurassem trabalhos e combatessem o desemprego para os brasileiros.55 Na falta de recursos materiais para garantir algumas condições de vida, e devido às restrições constitucionais para embrenhar no jogo da representação e do sistema eleitoral, parte dos trabalhadores urbanos da província de Pernambuco – como caixeiros, soldados, pequenos negociantes e homens de ofício – deparava-se na circunstância de negociar suas reivindicações. E estas apareciam nos jornais de Borges.56 Em O Nazareno, O Verdadeiro Regenerador e O Tribuno, o jornalista postulava que os homens livres e libertos tivessem o direito ao trabalho, de votar livremente, de expressar a sua opinião, de ter instrução primária gratuita, de exercer a sua própria religião, de não ser preso sem julgamento. No entanto, embora defendesse um alargamento dos direitos civis e políticos desses segmentos sociais, as suas propostas não significavam necessariamente que eles fossem incluídos na condução da política. Em O Tempo Saquarema, Ilmar Rohloff de Mattos levantou algumas observações a respeito dos liberais exaltados.57 Segundo o autor, eles eram adeptos a uma liberdade 53 CÂMARA, Bruno Augusto Dornelas. O “retalho do comércio: a política partidária, a comunidade portuguesa e a nacionalização do comércio a retalho, Pernambuco (1830-1870). Tese (Doutorado) – Departamento de História, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2012, p. 22-23. 54 Ibidem, p. 23-31. 55 SCHIAVINATTO, Iara Lis. “Entre história e historiografia: alguns apontamentos sobre a cultura política, 1820-1840. Almanack Brasiliense. São Paulo, n. 8, nov. 2008, p. 44. 56 Idem. 57 MATTOS, Ilmar Rohloff. O Tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec, 1987, p. 116-154. 27 antiga. Com os olhos voltados na Europa, retomaram a reconstrução que os revolucionários de 1789 haviam feito do passado romano: a recuperação do modelo de uma República que afirmava encontrar no povo o princípio político ou legislador. Este modelo de República implicava a existência de um conjunto de dispositivos institucionais e legais que garantisse à plebe a expressão de suas reivindicações sem que ela própria assumisse a direção política e o Poder Judiciário.58 Assim como os moderados, os exaltados também sustentavam como premissa da liberdade a prevalência da representação nacional, permanentemente ameaçada pela presença do elemento português, visto como absolutista e recolonizador. A liberdade só seria garantida se a Coroa e o Poder Executivo se subordinassem à representação nacional. Era nessa questão que eles julgavam encontrar sua força, porque a Câmara dos Deputados, enquanto representação nacional, aparecia como a expressão do “contrato social”, conforme formulado por Jean-Jacques Rousseau. Contudo, aí também residia uma das razões de sua fraqueza: a sua concepção de liberdade não deixava de pressupor uma igualdade, conduzindo ao aniquilamento das diferenças que deveriam distinguir o interior do “mundo do governo”, segundo os próprios reconheciam. A presença da plebe desunia, então, os exaltados, uma vez que a associação entre a liberdade e a igualdade tornava tênues os limites entre a revolução de cunho republicano e a “desordem”.59 Borges da Fonseca pretendeu evidenciar, na imprensa pernambucana, a imagem de que sempre tinha sido um implacável defensor da República democrática. No entanto, o seu ideário republicano não estava pronto e definido desde a época em que escreveu O Repúblico, na Corte do Rio de Janeiro, em 1830, tampouco quando retornou para Pernambuco, fundando O Correio do Norte, em 1841. Como um homem que tinha os olhos para o seu contexto político, Borges reverberava e tirava partido do que via nas províncias do Norte e no Império. Mudava conforme as suas conveniências ou convicções políticas. As suas propostas políticas eram elásticas: oscilavam entre o reformismo, em momentos em que defendia uma remodelação nas instituições monárquicas, e o radicalismo, quando se aproximava das camadas subalternas e desejava a República como forma de governo. Portanto, os seus discursos eram atos políticos: eram recriados e adaptados em diferentes situações ou circunstâncias políticas. Seguindo esse ponto de vista, o presente trabalho se inspira tanto na História das Linguagens Políticas de Quentin Skinner quanto na História Conceitual de Reinhart 58 Ibidem, p. 136. 59 Ibidem, p. 140-141. 28 Koselleck. A abordagem teórico-metodológica de Skinner enfatiza que o significado de um texto não pode ser interpretado fora do contexto histórico no qual foi produzido, visto que o autor, ao elaborar o seu discurso, está realizando uma ação ou engajado em alguma atividade.60 Já a de Koselleck destaca que os conceitos são modificados pelos homens que deles usufruem e expressam as tensões sociais e políticas de um certo período.61 Usando esses referenciais teórico-metodológicos, investigamos o uso que Borges da Fonseca fez dos conceitos de constituição, povo, liberdade, soberania, república e revolução, observando se estes termos receberam ou não alterações de significados entre os anos que antecederam e sucederam à Insurreição Praieira. Também procuramos verificar se estas noções sofreram mudança para o próprio Borges. Partimos da premissa de que as experiências vividas pelo jornalista fizeram com que ele apreendesse e produzisse novas formas de pensamento político, uma vez que as palavras se transformam em conceitos no tempo e os agentes sociais bebem de uma ou mais culturas políticas. Os impactos dos acontecimentos ou das disputas políticas nas quais Borges esteve inserido produziram mudanças nos sentidos dos termos que ele utilizava ou geraram uma associação de conteúdos diversos, visto que os conceitos são sempre polissêmicos, podem ter vários sentidos e usos distintos em um mesmo contexto. Por fim, esta pesquisa se enquadra na perspectiva da História Política Renovada, ao chamar a atenção para as novas reflexões sobre a biografia. É importante frisar que, a partir das décadas de 1970 e 1980, os estudos das trajetórias individuais têm buscado captar a realidade dos problemas sociais através do concreto de uma vida. Dois estudiosos levantaram discussões teórico-metodológicas importantes para se pensar nas relações entre biografia e escrita da História. O primeiro foi o sociólogo Pierre Bourdieu. Para este autor, os pesquisadores, ao escreverem biografias, devem estar atentos aos perigos de formatar os seus personagens e de apresentar uma vida marcada por regularidades, repetições e permanências. Para fugir de um relato coerente, de uma sequência de acontecimentos com significado e direção – a “ilusão biográfica” –, é preciso reconstituir o contexto, a “superfície social” sobre a qual age o indivíduo.62 O segundo foi o 60 SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Cia das Letras, 1996; KUNHAVALIK, Pedro. “Retórica e história do pensamento político em Quentin Skinner”. Diálogos, n. 33, dez./2016, p. 127-139. 61 KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos modernos. Rio de Janeiro: Contraponto/Editora PUC-Rio, 2006; Idem. Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro: Editora UERJ/Contraponto, 1999. 62 BOURDIEU, Pierre. “A ilusão biográfica”. In: AMADO, J. e FERREIRA,M. (org.). Usos & abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1996. 29 historiador Giovanni Levi, cujo trabalho pontuou abordagens significativas para analisar a ação dos sujeitos históricos em sociedade. Conforme Levi, a biografia pode apresentar algumas vantagens que permitem ao pesquisador observar o processo histórico a partir de um ângulo privilegiado. Ela é um importante mecanismo de entendimento das liberdades de escolhas individuais, das liberdades de ação, mesmo que restritas, incertas e instáveis, dentro de um contexto normativo, que não é absoluto, mas sim contraditório, abrindo, assim, uma brecha para as estratégias de ação dos agentes históricos.63 Através das reflexões desses dois autores, a trajetória de Borges da Fonseca foi utilizada para a compreensão do desenvolvimento da imprensa brasileira no século XIX. A presente tese está dividida em três partes. Cada parte contém dois capítulos. Na Primeira Parte – Antônio Borges da Fonseca: do autorretrato para os retratos –, composta pelo Capítulo I – As anotações de um publicista: a trajetória e o autorretrato de Antônio Borges da Fonseca no Manifesto Político de 1867 – e pelo Capítulo II – Os retratos de Antônio Borges da Fonseca: dos relatos dos contemporâneos da Insurreição Praieira à historiografia recente –, demonstramos como a imagem de si do redator foi construída em seu escrito autobiográfico e reproduzida, mais tarde, pelos estudiosos que se debruçaram em examinar a sua trajetória e ideias políticas. Também procuramos analisar que os retratos criados pelos contemporâneos de Borges foram aproveitados em alguns trabalhos historiográficos que não levaram em consideração as razões pelas quais eles foram elaborados na época. Portanto, encontra-se, de um lado, versões que tenderam desqualificar o jornalista, considerando-o como um “agitador” e “desordeiro”, e, de outro, interpretações que o aclamaram como um verdadeiro herói republicano e popular, e até mesmo socialista. Na Segunda Parte – A ação panfletária de Antônio Borges da Fonseca na imprensa pernambucana: as nuances do autorretrato e dos retratos (1841-1847) –, buscamos analisar como as imagens de Borges foram delineadas por meio dos debates travados entre os jornais. No Capítulo III – A “Abelha” e o “Repúblico” de volta a Pernambuco –, investigamos as principais propostas políticas do publicista no início do Segundo Reinado: tentamos compreender o seu posicionamento sobre a reforma do Código do Processo Criminal, o governo de D. Pedro II e a política provincial de Pernambuco, bem como a sua apreciação acerca das denúncias que levantaram a seu respeito: o incitamento de desmembração do Império, de formação de Repúblicas e de 63 LEVI, Giovanni. “Usos da biografia”. In: AMADO, J. e FERREIRA, M. (org.). Op. cit. 30 lusofobia. Também procuramos observar o papel exercido por ele dentro das disputas partidárias da província e os perfis que praieiros e guabirus traçaram sobre a sua figura pública. Já no Capítulo IV – O julgamento do “Nazareno” –, refletimos como se deu o desenvolvimento da legislação da imprensa brasileira no século XIX, por intermédio do caso de Borges, da sua condenação por crime de imprensa. Em seguida, examinamos as principais impressões do jornalista em torno dos termos de liberdade, constituição e soberania. Por fim, na Terceira Parte – A ação combatente de Antônio Borges da Fonseca no movimento praieiro: a expressividade do autorretrato e dos retratos (1847-1852) –, procuramos observar como a figura pública de Borges ganhou mais notoriedade no cenário pernambucano. No Capítulo V – O “Tribuno” no cárcere –, demonstramos que o redator, mesmo estando na prisão, utilizou de seus argumentos retóricos para fazer oposição às lideranças praieiras, estabelecer alianças políticas e traçar interseções com o seu público-alvo (os homens livres e libertos do Recife), no contexto das eleições gerais de 1847. Por último, no Capítulo VI – O “mártir” e o “chefe” dos republicanos nos mata-marinheiros de 26 e 27 de junho de 1848 e na Insurreição Praieira – examinamos, a partir dos relatos do amigo e correligionário de Borges, Afonso de Albuquerque Melo, as diversas versões que surgiram a respeito da ação do paraibano em um dos maiores conflitos antilusitanos ocorridos na província. Além disso, buscamos perceber o entendimento que Borges tinha a respeito da Assembleia Constituinte, uma das principais marcas de suas reivindicações, bem como a sua compreensão dos conceitos de república e revolução, após à resistência armada, no início dos anos de 1850. Com relação às fontes primárias, priorizamos consultar as folhas escritas por Borges da Fonseca, como O Correio do Norte (1841-1842), O Nazareno (1843-1848), O Verdadeiro Regenerador (1844-1845), O Eleitor (1846), a primeira fase d’O Tribuno (1847-1848) e A Revolusão de Novembro (1852). Entretanto, a maioria das edições desses jornais não está disponível para pesquisa. Encontramos apenas um número d’O Nazareno e d’A Revolusão de Novembro. Não existe nenhuma edição acessível para manuseio d’O Verdadeiro Regenerador. A primeira fase d’O Tribuno também está incompleta. Além dos jornais de Borges e de seu escrito autobiográfico – Manifesto Político. Apontamentos de minha vida política e da vida política do Dr. Urbano Sabino Pessoa de Mello –, pesquisamos o Diário de Pernambuco (1841;1844;1848), A Ordem (1841), O Artilheiro (1843), O Paisano (1843), o Diário Novo (1843-1846), O Regenerador Brasileiro (1844), O Cometa (1844), O Guararapes (1844), O Azorrague (1845), O Arara (1845), A 31 Carranca (1845), O Lidador (1847), A Mentira (1848), O Advogado do Povo (1848) e A Revolução de Novembro (1850-1851). Como não tivemos acesso ao Nazareno, recorremos à transcrição do folheto Alegações em Acusação e Defesa do Nazareno em Sessão dos Jurados de 10 de agosto de 1847, escrito pelo próprio Borges. Uma parte dessas fontes está localizada na Seção de Obras Raras da Biblioteca Nacional (BN), a outra no Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano de Pernambuco (APEJE). Também acrescentamos para pesquisa a Coleção das Leis do Império. Sobre as citações desses documentos, foram atualizadas a grafia, porém mantidas a pontuação, a concordância e as palavras escritas em letras maiúsculas ou em itálico. 32 PRIMEIRA PARTE ANTÔNIO BORGES DA FONSECA: DO AUTORRETRATO PARA OS RETRATOS 33 CAPÍTULO I AS ANOTAÇÕES DE UM PUBLICISTA: A TRAJETÓRIA E O AUTORRETRATO DE ANTÔNIO BORGES DA FONSECA NO MANIFESTO POLÍTICO DE 1867 Em 20 de fevereiro de 1867, saiu a lume, no Recife, o Manifesto Político: apontamentos de minha vida política e da vida política do dr. Urbano Sabino Pessoa de Mello, escrito pelo redator Antônio Borges da Fonseca. Este pequeno livro, com pouco menos de quarenta páginas, era uma espécie de autobiografia, de caráter político. O propósito de Borges da Fonseca, por meio deste registro, foi reconstruir a sua experiência política usando episódios nos quais foi ator e testemunha. Todavia, ao longo de sua narrativa, para além de evidenciar a sua trajetória política, percebe-se uma outra intenção: a tentativa do autor criar uma versão de si mesmo, de avivar de maneira intensa a sua imagem. Observa-se o seu grande esforço em difundir e cristalizar uma identidade de si. Assim, no Manifesto Político, Borges buscou mostrar que, entre os anos de 1830 e 1860, se projetou como tribuno, advogado, revolucionário, republicano e líder popular. Em seu relato autobiográfico, Borges da Fonseca revelou que as suas esperanças em se candidatar deputado geral se renovariam em 1867, uma vez que, nesse ano, haveria novas
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