Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DIREITO COLETIVO DO TRABALHO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Definir as possibilidades e os limites legais da negociação coletiva de trabalho. > Analisar a eficácia da negociação coletiva de trabalho. > Desenvolver uma negociação coletiva de trabalho. Introdução A negociação coletiva pelas entidades sindicais de empregados e empregadores é um avanço e uma tendência no Direito, pois esse tipo de solução costuma ser mais bem observado, justamente por ter sido construído pelas próprias partes. Entretanto a legislação impõe limites à negociação coletiva, uma vez que nem sempre os negociantes estão em igualdade de condições efetivas de negociação. Neste capítulo você estudará as possibilidades de negociação coletiva e os seus limites legais. Também lerá sobre a eficácia do conteúdo negociado entre as representações sindicais e, ao final, verá como desenvolver uma negociação coletiva. Aspectos especiais da negociação coletiva de trabalho Eduardo Zaffari Possibilidades e limites legais da negociação coletiva de trabalho Os sindicatos têm previsão constitucional, conforme consta no art. 8º da Constituição Federal de 1988 (CF), que prescreve a livre associação profissional ou sindical. A Carta Política brasileira ainda prescreve aos sindicatos o dever de “[…] defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”, assim como “é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho” (BRASIL, 1988, documento on-line). Os sindicatos podem ser analisados sob o ponto de vista jurídico, eco- nômico, político ou sociológico, pois constituem entes com poder de criar normas coletivas, além de serem importante fator de desenvolvimento humano e social. Nesse contexto, surge o chamado Direito Sindical, que pode ser conceituado como o “[...] ramo do Direito do Trabalho que tem por objeto o estudo das normas e das relações jurídicas que dão forma ao modelo sindical” (NASCIMENTO, 2015, p. 24). O Direito Sindical, que igualmente é denominado como Direito Coletivo, versará, ainda, sobre os tipos de organizações sindi- cais, as relações entre esses entes e as relações entre representações de trabalhadores e empregadores. Nem toda a relação entre um grupamento de empregados e em- pregadores terá, necessariamente, a intervenção de um sindicato. O Direito Sindical se divide em quatro grandes grupos de estudo, listados a seguir: � organização sindical; � ação e funções dos entes sindicais; � conflitos coletivos de trabalho e as suas formas de composição; � representação não sindical ou mista de trabalhadores em determinada empresa. Neste capítulo, tratamos, mais especificamente, dos conflitos coletivos e dos limites da negociação coletiva. Aspectos especiais da negociação coletiva de trabalho2 Os conflitos trabalhistas são aqueles surgidos entre empregados e empregadores, decorrentes de insatisfação com as circunstâncias fáticas, econômicas, jurídicas ou de outros vieses oriundos da relação de trabalho. O conflito, que exige uma reformulação da situação existente, poderá ser de natureza jurídica ou econômica, as quais poderão atingir certos grupos de trabalhadores e empregadores, tomadores de serviços, ou, até mesmo, categorias de determinadas e específicas empresas. Os conflitos de natureza jurídica se referem à interpretação sobre de- terminadas normas jurídicas e/ou contratuais. Isso leva à discussão, entre as categorias profissional e econômica, sobre a aplicação de tais normas. Já os conflitos de natureza econômica são aqueles em que as categorias divergem quanto às condições objetivas do ambiente laboral e aos contratos de trabalho. Afirma Delgado (2017, p. 1466) que, nos conflitos de natureza econômica, “[…] a divergência abrange reivindicações econômico-profissionais dos trabalhadores, ou pleitos empresariais perante aqueles, visando alterar condições existentes na respectiva empresa ou categoria”. A Reforma Trabalhista, Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, introduziu o art. 507-A na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943), prescrevendo a possibilidade de arbitragem para a solução dos conflitos individuais de trabalho: Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. (BRASIL, 1943, documento on-line). Surgido o conflito, diversas são as formas de solucioná-los, como a au- totutela e os meios heterocompositivos e autocompositivos. A autotutela se dá quando a própria parte resolve impor seu direito de forma unilateral à outra parte, ou seja, independentemente da vontade da outra parte. Exem- plos conhecidos no Direito são a legítima defesa e o estado de necessidade. Na esfera trabalhista, uma forma de autotutela conhecida é quando o em- pregado retém as ferramentas de trabalho até a efetivação do pagamento pelo empregador inadimplente. Aspectos especiais da negociação coletiva de trabalho 3 A heterocomposição ocorre quando um terceiro atua como um agente exterior ao conflito e auxilia ou decide a situação, que lhe é submetida pelas partes ou por apenas uma delas. Como exemplo, temos o procedimento judicial (dissídio coletivo, no caso dos conflitos coletivos), a arbitragem e a conciliação, que poderão ser intermediadas por qualquer órgão da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho ou pelo Ministério Público do Trabalho. Na autocomposição, os próprios envolvidos se responsabilizarão pela solu- ção do conflito, sem a intervenção de um terceiro. Nesta terceira modalidade de resolução de conflito, encontram-se três possibilidades. Veja a seguir. � Renúncia: quando alguém abre mão de algo, unilateralmente, em favor de outrem. � Aceitação/resignação: quando alguém se submete ao interesse do outro. � Transação: quando as partes fazem concessões recíprocas. Maurício Godinho Delgado afirma que “[...] a negociação coletiva enquadra- -se, como citado, no grupo das fórmulas autocompositivas. Contudo, é fórmula autocompositiva essencialmente democrática, gerindo interesses profissio- nais e econômicos de significativa relevância social” (DELGADO, 2017, p. 1557). Será na negociação coletiva, como fórmula autocompositiva de direitos, que empregados e empregadores solucionarão seus conflitos coletivos. A resolução dos conflitos pelos meios alternativos, como a auto- composição, é uma tendência do Direito moderno, sendo estimulada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), conforme Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010. O art. 611 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prescreve que os sindicatos das categorias profissionais e econômicas estipularão condições de trabalho aplicáveis às relações de trabalho de suas respectivas repre- sentações em convenções coletivas de trabalho, que são instrumentos que exteriorizam o fruto de uma negociação coletiva. A convenção coletiva de trabalho é uma alteração recente da CLT, decorrente da Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), que incluiu o art. 611-A na CLT, o qual dispõe o seguinte: Aspectos especiais da negociação coletiva de trabalho4 Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II – banco de horas anual; III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei nº 13.189, de 19 de novembro de 2015; V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bemcomo identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI – regulamento empresarial; VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empre- gado, e remuneração por desempenho individual; X – modalidade de registro de jornada de trabalho; XI – troca do dia de feriado; XII – enquadramento do grau de insalubridade; XII – enquadramento do grau de insalubridade e prorrogação de jornada em locais insalubres, incluída a possibilidade de contratação de perícia, afastada a licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho, desde que res- peitadas, na integralidade, as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho; XII – enquadramento do grau de insalubridade; XIII – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; XIII – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; XV – participação nos lucros ou resultados da empresa (BRASIL, 1943, documento on-line). Desses conteúdos passíveis de negociação, dois pontos têm sido con- testados por entidades profissionais que são a possibilidade de pactuação de intervalos intrajornadas com tempo inferior a uma hora para refeições e a possibilidade de enquadramento do grau de insalubridade, haja vista a possibilidade de prejuízo à saúde dos trabalhadores. O art. 611-B, igualmente incluído na CLT pela Reforma Trabalhista, impõe limites a essas negociações. Isso significa que, algumas matérias, seja em razão da saúde, seja em razão da dignidade do trabalhador, não poderão ser negociadas pelos sindicatos, mesmo que haja a disposição nesse sentido. As seguintes matérias não poderão ser negociadas em acordo ou convenção coletiva: Aspectos especiais da negociação coletiva de trabalho 5 Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: I – normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social; II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III – valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); IV – salário-mínimo; V – valor nominal do décimo terceiro salário; VI – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; VII – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; VIII – salário-família; IX – repouso semanal remunerado; X – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal; XI – número de dias de férias devidas ao empregado; XII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XIII – licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias; XIV – licença-paternidade nos termos fixados em lei; XV – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XVI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XVII – normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho; XVIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou pe- rigosas; XIX – aposentadoria; XX – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador; XXI – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; XXII – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência; XXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; XXIV – medidas de proteção legal de crianças e adolescentes; XXV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício perma- nente e o trabalhador avulso; XXVI – liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho; XXVII – direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender; XXVIII – definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve; Aspectos especiais da negociação coletiva de trabalho6 XXIX – tributos e outros créditos de terceiros; XXX – as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação. (BRASIL, 1943, documento on-line). Eficácia da negociação coletiva de trabalho A negociação coletiva, que se exteriorizará na convenção ou acordo coletivo, terá diversas funções, conforme leciona Carlos Henrique Bezerra Leite. Vejamos quais são elas (LEITE, 2017, p. 738): � Função normativa: estabelece normas e condições aplicáveis aos con- tratos individuais de trabalho dos representados pelos sujeitos dos instrumentos coletivos de trabalho. � Função obrigacional: estabelece deveres para os próprios sindicatos participantes da negociação (como o dever de pagamento de despesas havidas por algum dos sindicatos em favor da negociação, como o aluguel de um local de reuniões). � Função compositiva: é a solução do conflito coletivo pela autocomposi- ção, em que os entes negociantes negociarão, necessariamente, antes de recorrerem ao Poder Judiciário ou outra forma heterocompositiva. � Função política: determina que as negociações coletivas são uma forma democrática e participativa de resolução do conflito, o que possibilita uma responsabilização maior pelos participantes e uma chance mais efetiva de aderência aos termos do pactuado. � Função econômica: está presente posto que os sindicatos usam as negociações para a distribuição de riqueza, pois suas cláusulas terão conteúdo econômico (além de social). � Função social: esta função da negociação coletiva resta clara pela participação dos empregados no desenvolvimento das empresas, pactuando regras para as mesmas e, por sua vez, responsabilizando-se pelo desenvolvimento da indústria e comércio nacionais. � Função ambiental: negociação de cláusulas sobre o ambiente de traba- lho dos empregados, em que se preserva a saúde dos trabalhadores. As regras de higiene, proteção e saúde dos trabalhadores são relacio- nadas ao meio ambiente do trabalho. � Função pedagógica: as negociações coletivas de trabalho apresentam uma função pedagógica porque as categorias econômicas e profissio- nais vão aperfeiçoando a forma de negociação e consideração da outra parte como meio de construção da relação de trabalho. Aspectos especiais da negociação coletiva de trabalho 7 A participação em negociações coletivas devem ter o auxílio de pro- fissionais experientes, mas se pode acompanhar junto aos Sindicatos Profissionais a negociação coletiva. A convenção ou acordo coletivo estabelecerá normas sociais e econômicas que regerão os contratos de trabalho das categorias profissionais e econômi- cas representadas pelos participantes coletivos das negociações coletivas. O art. 614 da CLT prescreve a vigência do conteúdo negociado. Conforme o § 1º desse artigo, o instrumento normativo deverá ser depositado juntoà autoridade pública competente (atualmente a Secretaria Especial da Previ- dência e Trabalho), passando a vigorar três dias após seu depósito. Embora Mauricio Godinho Delgado afirme a desnecessidade de depósito para a vigência e eficácia das normas coletivas, reconhece a tendência jurisprudencial de considerar o depósito administrativo como requisito de validade das normas coletivas (DELGADO, 2017). As normas coletivas negociadas terão a duração máxima de até dois anos, conforme prescreve o § 3º do art. 614. Não obstante, a prática tem demonstrado que os entes coletivos têm limitado os termos da negociação ao prazo máximo de um ano, pois, entre as cláusulas usualmente negociadas, sempre se pactuam os índices de correção monetária aplicáveis aos salários da categoria profissional. A prorrogação, revisão, denúncia, revogação ou extensão da negociação coletiva vêm prevista no art. 615 da CLT, em que consta que “[...] o processo de prorrogação, revisão, denúncia ou revogação total ou parcial de Convenção ou Acordo ficará subordinado, em qualquer caso, à aprovação de Assembléia Geral dos Sindicatos convenentes ou partes acordantes” (BRASIL, 1943, docu- mento on-line). Isso significa que os sindicatos não poderão alterar o prazo ou conteúdo da norma coletiva sem a realização de todo o trâmite da negociação coletiva inicialmente celebrada. Não obstante o limite máximo de dois anos de vigência da norma coletiva, se esta foi pactuada pelo prazo de 12 meses, em seu termo final, os sindicatos deverão realizar nova negociação coletiva, mesmo que com o conteúdo anteriormente vigente. Aspectos especiais da negociação coletiva de trabalho8 O direito coletivo do trabalho tem uma série de princípios norteado- res, como o Princípio da Interveniência Sindicalna na normatização Coletiva, Princípio da Equivalência dos Contratantes Coletivos e Princípio da Lealdade e Transparência na Negociação Coletiva. Em relação aos efeitos da norma coletiva, três aspectos são importantes de serem considerados quanto aos efeitos da norma: a hierarquia entre as normas coletivas negociadas e as leis estatais; a hierarquia entre as regras das convenções coletivas e acordos coletivos; e a relação entre as regras coletivas pactuadas e os contratos individuais de trabalho. A hierarquia entre as regras legais estatais e as normas coletivas pactuadas recebeu tratamento diferenciado na Reforma Trabalhista, com a inclusão do art. 611-A na CLT, em que se permitiu a prevalência da norma coletiva sobre a lei em certas e determinadas matérias. Segundo a recente alteração, a norma coletiva poderá dispor diferente da lei, mesmo em contrariedade à mesma, naquelas matérias taxativamente elencadas no art. 611-A da CLT, que vimos anteriormente. Nesse aspecto, devem-se ressaltar as teorias da acumulação e a teoria do conglobamento, usadas no Direito Coletivo do Trabalho para a interpretação dos efeitos da norma coletiva. A teoria da acumulação (ou teoria da atomiza- ção) prescreve que, no procedimento de seleção, análise e classificação das normas legais a serem aplicadas ao contrato de trabalho, deve-se fracionar o conteúdo dos textos normativos, retirando-se e escolhendo das normas (leis e normas coletivas) os preceitos e institutos que sejam mais favoráveis ao trabalhador. Em outras palavras, será escolhido o conteúdo mais benéfico ao trabalhador, buscando-se na lei e nas normas coletivas o que for mais favorável, mesmo de diferentes normas. A teoria do conglobamento, por sua vez, prescreve que cada norma (coletiva e legal) deve ser interpretada sistematicamente, ou seja, não se pode fracionar as normas e escolher aquelas mais favoráveis, mas se deve comparar a norma coletiva e a lei estatal sistemática e globalmente. Assim, mesmo que haja conteúdo eventualmente não tão interessante em determinada norma coletiva, se o conjunto for mais favorável do que a lei estatal, será a norma coletiva a ser aplicável. Aspectos especiais da negociação coletiva de trabalho 9 Maurício Godinho Delgado afirma que a legislação nacional optou pela teoria do conglobamento, como exemplifica com a aplicação da Lei nº 7.064, de 6 de dezembro de 1982 (lei que versa sobre brasileiros contratados para trabalhar no exterior). Aplica-se, no ordenamento pátrio, a norma considerada como um todo; entre a lei estatal e a norma coletiva, terá eficácia aquela considerada mais favorável ao trabalhador, considerando-se a norma como um todo (mesmo que existam alguns direitos que não sejam tão favoráveis). Até a Reforma Trabalhista, a hierarquia entre convenções coletivas e acor- dos coletivos tinha expressa previsão no art. 620 da CLT, em que as normas mais favoráveis constantes na convenção prevaleceria sobre as regras do acordo, naquilo em que fosse mais favorável. A redação antiga prescrevia o seguinte: “Art. 620. As condições estabelecidas em Convenção quando mais favoráveis, prevalecerão sôbre as estipuladas em Acôrdo.” (BRASIL, 1943, documento on-line). Após a Reforma Trabalhista, restou alterada a norma, passando a prevalecer o acordo individual em detrimento da convenção coletiva, conforma a atual redação, em que agora consta o seguinte: “Art. 620. As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.” (BRASIL, 1943, documento on-line). No que se refere à incorporação das normas coletivas aos contratos de trabalho da respectiva categoria profissional, adotou-se no Brasil a teoria da aderência limitada por revogação (ultratividade relativa), em que normas coletivas aderem ao contrato de trabalho de cada empregado até que nova norma disponha contrariamente, expressa ou tacitamente. Assim, negociado coletivamente determinado benefício, o empregado terá direito incorporado ao seu contrato de trabalho até a sua revogação por outra norma coletiva. Desenvolvimento de uma negociação coletiva de trabalho A negociação coletiva de trabalho poderá envolver diferentes aspectos da relação de trabalho, desde condições ambientais de trabalho até aspectos financeiros remuneratórios dos trabalhadores. O art. 613 da CLT prescreve requisitos mínimos a serem observados nas convenções e acordos coletivos, os quais valem transcrever: Aspectos especiais da negociação coletiva de trabalho10 Art. 613. As Convenções e os Acordos deverão conter obrigatoriamente: I – designação dos Sindicatos convenentes ou dos Sindicatos e emprêsas acordantes; II – prazo de vigência; III – categorias ou classes de trabalhadores abrangidas pelos respectivos dispo- sitivos; IV – condições ajustadas para reger as relações individuais de trabalho durante sua vigência; V – normas para a conciliação das divergências sugeridas entre os convenentes por motivos da aplicação de seus dispositivos; VI – disposições sôbre o processo de sua prorrogação e de revisão total ou parcial de seus dispositivos; VII – direitos e deveres dos empregados e emprêsas; VIII – penalidades para os Sindicatos convenentes, os empregados e as emprêsas em caso de violação de seus dispositivos. Conforme parágrafo único do mesmo artigo, as convenções e os acordos serão celebrados por escrito, sem emendas nem rasuras, em tantas vias quantos forem os sindicatos convenentes ou as empresas acordantes, além de uma destinada a registro. Em verdade, existindo os requisitos mínimos para que possam identificar as pactuantes e o conteúdo pactuado, terá valor o seu conteúdo. Não há o que se falar em invalidade da norma coletiva pela ausência de previsão de penalidades, por exemplo. Nas negociações coletivas, os representantes dos trabalhadores devem ser, preferencialmente, representantes sindicais com esta- bilidade, na forma do art. 543, 3º, da CLT, como garantia para que não sofram represálias de seus empregadores. A negociação coletiva inicia pela convocação de assembleia específica pelo sindicato de seus afiliados ou trabalhadores da empresa (no caso de acordocoletivo), o que deverá ser feito na forma prevista nos estatutos sindicais. O quórum para a autorização de negociação coletiva vem previsto no art. 612 da CLT, em que consta que, em primeira convocação, deverão estar presentes 2/3 (dois terços) dos associados da entidade (em de convenção) e dos interessados (em caso de acordo), e, em segunda convocação, 1/3 (um terço) dos mesmos. O quórum de comparecimento e votação será de 1/8 (um oitavo) dos associados em segunda convocação, nas entidades sindicais que tenham mais de 5.000 associados. Aspectos especiais da negociação coletiva de trabalho 11 Definida a extensão da matéria a ser negociada, o sindicato convocará a entidade sindical econômica (ou empresa, no caso de acordo coletivo) para dar início à negociação coletiva, o que deve ser feito por correspondência e com prazo assinalado para dar início. A legislação não prescreve um prazo certo ou forma de convite, mas se entende que deve ser feita por escrito e protocolada com a outra parte negociante. Usualmente, o ideal consiste no estabelecimento de um local para a primeira reunião entre os negociantes, com prazo razoável para a resposta sobre o início da negociação, e a pauta a ser tratada e negociada. A entidade sindical ou empresa notificada para par- ticipar da negociação coletiva deverá responder sobre o início da negociação. A negativa de participação na negociação coletiva pelo notificado poderá consistir em prática antissindical, pois a CF prescreve, expressamente, em seu art. 8º, que os sindicatos deverão representar o interesse de seus repre- sentados e participar das negociações coletivas, acompanhe: “[…] III — ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; […] VI – é obri- gatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; […].” (BRASIL, 1988, documento on-line). A prática de lockout (ou locaute), que é a paralização das ativida- des pelas empresas como forma de frustrar a negociação coletiva, é vedada pelo art. 17 da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989 (Lei de Greve). Trata-se de prática antissindical, que poderá ser alvo de ação judicial pelo Ministério Público do Trabalho. Encontrando-se para a negociação, os representantes dos empregados e dos empregadores negociarão, observando os princípios da boa-fé, da lealdade e da transparência, deixando claros os seus objetivos, agindo e formulando propostas razoáveis e eficazes. Não há prazo certo de negociação, tampouco as formas e estratégias que cada negociante utilizará (sempre dentro dos padrões éticos esperados). É natural que, na negociação, surjam impasses, retrocessos e momentos de evolução, mas os negociantes deverão se em- penhar ao máximo na identificação dos pontos comuns e os inconciliáveis, cedendo naquilo que for possível. Surgido um impasse ou resistência indevida pelos representantes patronais, os empregados poderão estabelecer estado Aspectos especiais da negociação coletiva de trabalho12 de greve, conforme prescreve o art. 9º da CF e a Lei nº 7.783/1989, servindo como instrumento de pressão legítimo da classe trabalhadora. Pactuados os termos, ou seja, se a negociação coletiva for bem-sucedida, os seus termos deverão ser formalizados conforme art. 613 da CLT e deposi- tados na autoridade pública competente do local, que atualmente é ligada à Secretaria Especial da Previdência e Trabalho. Acompanhe na Figura 1 um exemplo de um acordo coletivo realizado e vigente durante o ano de 2015. Figura 1. Acordo coletivo realizado e vigente em 2015. Referências BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19 nov. 2020. BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452 de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília: Presidência da República, 1943. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 19 nov. 2020. DELGADO, M. G. Curso de direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: LTR, 2017. LEITE, C. H. B. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2017. NASCIMENTO, A. M. Iniciação ao direito do trabalho. 40. ed. São Paulo: LTr, 2015. Aspectos especiais da negociação coletiva de trabalho 13 Leituras recomendadas NASCIMENTO, A. M. Compêndio do direito sindical. 6. ed. São Paulo: LTr, 2009. SUSSEKIND, A. Curso de direito do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. TEIXEIRA FILHO, M. A. O processo do trabalho e a reforma trabalhista: as alterações introduzidas no processo do trabalho pela Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os edito- res declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Aspectos especiais da negociação coletiva de trabalho14
Compartilhar