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2017 PAULO LÉPORE LEANDRO BORTOLETO 4.ª edição revista e atualizada Coleção TRIBUNAIS e MPU Coordenador HENRIQUE CORREIA Noções de DIREITO CONSTITUCIONAL e de DIREITO ADMINISTRATIVO PARA OS CONCURSOS DE TÉCNICO DOS TRIBUNAIS E MPU 27 CAPÍTULO I Sumário: 1. Conceito de Constituição e supremacia constitucional: 1.1. Constituição sociológica; 1.2. Constituição política; 1.3. Constituição jurídica; 1.4. Constituição culturalista; 1.5. Constituição aberta – 2. Poder constituinte: 2.1. Ideia ou teoria clássica de poder constituinte; 2.2. Espécies de poder constituinte: 2.2.1. Poder constituinte originário (também denominado como genuíno, primário ou de primeiro grau); 2.2.2. Poder constituinte derivado reformador (também denominado de reforma, secundário, de segundo grau, instituído ou constituído); 2.2.3. Poder constituinte derivado decorrente; Quanto à origem; 3.2. Quanto ao conteúdo; 3.3. Quanto à forma; 3.4. Quanto à estabilidade/muta elaboração; 3.8. Quanto à ideologia; 3.9. Quanto ao valor ou ontologia (Karl Loewestein); 4. Máximas do Brasil de 1988 – 6. Componentes e elementos da Constituição: 6.1. Componentes da Constituição: e aplicabilidade das normas constitucionais. 1. CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL norma suprema que rege a orga- nização de um Estado Nacional. tituição devem ser estudadas. 1.1. Constituição sociológica soma dos fatores reais de poder que rege determinada na Constituição real. 1.2. Constituição política corre de uma decisão política fundamental dos Poderes e na presença de um rol de direitos fundamentais. As normas que não mas meras leis constitucionais. 28 Parte I • NOÇÕES DE DIREITO CONSTITUCIONAL – Paulo Lépore de Constituição material da ordem política. 1.3. Constituição jurídica Fundada nas lições de Hans Kelsen, nos idos de 1934, Constituição jurídica é aquela que se constitui em norma hipotética fundamental pura se constituir no conjunto de normas com mais alto grau de validade, deve servir de pressuposto para a criação das demais normas que compõem o ordenamento da pirâmide normativa, servindo como paradigma máximo de validade para todas as demais normas do ordenamento jurídico. Em outras palavras: as leis e os atos válidos se não contrariarem as normas da Constituição. PIRÂMIDE NORMATIVA Constituição Leis Atos infralegais 1.4. Constituição culturalista representa o fato cultural, ou seja, que disciplina as relações e direitos fundamentais pertinentes à cultura, tais como a educação, o desporto e a cultura em sentido estrito. 1.5. Constituição aberta interpreta- da por todo o povo e em qualquer espaço, e não apenas pelos juristas nos bojos dos processos. 29 Cap. I • TEORIA DA CONSTITUIÇÃO 2. PODER CONSTITUINTE 2.1. Ideia ou teoria clássica de poder constituinte A mais famosa obra sobre o poder constituinte se intitula “Que é o terceiro Es- tado?” o povo é o verdadeiro titular e detentor do poder na sociedade. nação. O fato é que, apesar de titular do poder político, o a força ge- ral da nação1 fundamenta o povo a, no exercício do poder constituinte, criar uma Constituição exercido em uma determinada sociedade, notadamente por meio de instituições, órgãos e representantes políticos. energia ou forma política que se funda em si mesma, expressando a sublime vontade de um povo quanto à organização de um Estado.2 Ao legitimar e participar da criação de uma Constituição, o povo atribui parcelas (Executivo, Legislativo e Judiciário). Portanto, o poder constituinte é de titularidade do povo, mas é o Estado, por meio de seus órgãos especializados, que o exerce. Sobre o tema, é esclarecedora a redação do art. 1º, parágrafo único, da CF: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. 2.2. Espécies de poder constituinte Três são as espécies de poder constituinte: originário, derivado reformador e derivado decorrente. 2.2.1. Poder constituinte originário (também denominado como genuíno, pri- mário ou de primeiro grau) É aquele que cria a primeira ou a nova Constituição de um Estado. Para atingir seu objetivo, ele é inicial (não existe outro poder anterior ou su perior a ele) autônomo (o poder constituinte determina a estrutura da nova Cons tituição), ilimitado 1. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, Manual de direito constitucional. 4 ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 101. 30 Parte I • NOÇÕES DE DIREITO CONSTITUCIONAL – Paulo Lépore incondicionado (é dotado de liberdade quanto aos procedimentos adotados para a criação da Constituição, permanente (“[...] já que o poder constituinte originário não se esgota com a edição da nova Constituição, sobrevivendo a ela e fora dela como forma de expressão da liberdade 3). 2.2.2. Poder constituinte derivado reformador (também denominado de re- forma, secundário, de segundo grau, instituído ou constituído) É o responsável pela reforma da Constituição, que no Brasil se dá via emenda constitucional (art. 60 da CF) ou por meio da incorporação de tratados internacionais Vale notar que a CF de 1988 não prevê expressamente o poder constituinte derivado, mas este se encontra implícito e se extrai, por exemplo, da norma cons titucional que prevê a edição de emendas à Constituição (art. 60 da CF). 2.2.3. Poder constituinte derivado decorrente construção das Constituições Es- taduais, consoante art. 25 da CF. dos, mas que sempre está limitada pelo dever de respeito às normas contidas na Constituição Federal. Encerrando a disciplina das espécies de poder constituinte, destacamos que Municípios, pois estes têm sua estruturação jurídica dada por meio de Lei orgânica, não de Constituição (art. 29 da CF). 2.3. Limitações ao poder constituinte derivado reformador O poder constituinte derivado reformador é o que merece ser estudado com mais gerando vasta produção doutrinária e inúmeras manifestações judiciais sobre o tema. Um dos tópicos mais importantes é aquele referente às limitações ao poder constituinte derivado reformador. Segundo a doutrina, as limitações se subdividem em: 1. temporais; 2. circunstanciais; 3. formais; 4. Materiais e 5. Implícitas. 1. Temporais: são as que impedem a alteração da Constituição por um determi 2. Circunstanciais: são aquelas que impedem a alteração da Constituição em momentos de extrema gravidade, nos quais a livre manifestação do poder 3. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 186. 31 Cap. I • TEORIA DA CONSTITUIÇÃO reformador possa estar ameaçada, o que se dá, por exemplo, na intervenção CUIDADO! Não confunda as limitações circunstancias com as temporais! 3. Formais/processuais/procedimentais: podem ser de duas espécies: subjetiva ou objetiva 3.1. Formal subjetiva: propositura de emendas constitucionais, consoante art. 60, caput, da CF. 3.2. Formal objetiva: quintos, em dois turnos, em cada Casa do Congresso Nacional, com pro mulgação pelas mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, 4. Materiais/substanciais: versam sobre matérias que não podem ser objeto de emenda, o que a doutrina denomina de cláusulas pétreas. forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais. Não será objeto de Vale ressaltar que o STF entende que os direitos e garantias individuais consi derados cláusulas pétreas não se restringem àqueles expressos no elenco do art. 5º da CF, ou seja, estão presentes também em outros dispositivos constitucionais. Isso porque o Supremo Tribunal Federal admitiu interpretação extensiva para direitos análogos e garantias individuais mesmo estando fora do art. 5º da CF, o que restou claro na Ademais, o STF considera que os limites materiais ao poder constituinte de reforma Constituição originária, mas sim a proteção do núcleo essencialdos princípios e institutos protegidos pelas cláusulas pétreas, consoante ADI 2.024, julgada em 2007 e relatada pelo Ministro Sepúlveda Pertence. 5. Implícitas: são aquelas que se referem à vedação para alteração das regras se pode alterar a titularidade do poder constituinte (art. 1º, parágrafo único, c.c. art. 60, caput, ambos da CF) e nem revogar o dispositivo constitucional 32 Parte I • NOÇÕES DE DIREITO CONSTITUCIONAL – Paulo Lépore LIMITAÇÕES AO PODER CONSTITUINTE DERIVADO 1. Temporais 2. Circunstanciais 3. Formais Formal subjetiva Formal objetiva 4. Materiais 5. Implícitas ATENÇÃO! A Esaf diferente. Para essa banca examinadora existem limitações explícitas (que englobam as circunstanciais e as materiais) e implícitas (que se confundem com as formais/processu ais/procedimentais). 3. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES das Constituições. Estudaremos cada critério separadamente e depois faremos a 3.1. Quanto à origem Quanto à origem, a Constituição pode ser: a) democrática ou promulgada ou popular; b) outorgada; ou c) cesarista, bonapartista, plebiscitária ou referendária. a) Democrática, promulgada, popular ou votada: elaborada por legítimos repre Constituinte. b) Outorgada: é aquela elaborada sem a presença de legítimos representan constituinte originário. c) Cesarista, bonapartista, plebiscitária ou referendária: é aquela criada por um ditador ou imperador e posteriormente submetida à aprovação popular por plebiscito ou referendo. d) Pactuada ou dualista: formada a partir de um acordo de vontades entre 33 Cap. I • TEORIA DA CONSTITUIÇÃO algumas Constituições da Idade Média, em que, diante de disputas de poder um texto constitucional, de modo a restarem atendidos os interesses de todos os grupos socialmente privilegiados, com a vantagem de se manter uma aparente estabilidade política.4 3.2. Quanto ao conteúdo Quanto ao conteúdo a Constituição pode ser: a) formal/procedimental; ou b) material/substancial. a) Formal/procedimental: independentemente do conteúdo. b) Material/substancial: suas normas são aquelas essencialmente constitucionais, mas que podem ser escritas ou costumeiras, pois a forma tem importância secundária. - ATENÇÃO! As Constituições formais normalmente estão repletas de normas materialmente consti em que os títulos I (princípios fundamentais), II (direitos e garantias fundamentais), III constitucionais. 3.3. Quanto à forma Quanto à forma, a Constituição pode ser: a) Escrita/Instrumental; ou b) Não escrita. a) Escrita/instrumental: formada por um texto. a.i) Escrita legal: formada por texto oriundo de documentos esparsos ou fragmentados. 4. BULOS, Uadi Lammêgo. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 114. 5. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 44. 34 Parte I • NOÇÕES DE DIREITO CONSTITUCIONAL – Paulo Lépore formada por texto inscrito em documento único. b) Não escrita/costumeira/consuetudinária: formada pela reunião dos costu mes, da jurisprudência predominante e até mesmo por documentos escritos Constituição inglesa, por exemplo, compreende importantes textos escritos, mas esparsos no tempo e no espaço, como a Magna Carta (1215), o Petition outros”.6 3.4. Quanto à estabilidade/mutabilidade/alterabilidade Quanto à estabilidade/mutabilidade/alterabilidade, a Constituição pode ser: a) mista. a) Imutável: b) Fixa: só pode ser alterada pelo poder constituinte originário, “[...] circuns tância que implica, não em alteração, mas em elaboração, propriamente, de uma nova ordem constitucional [...]”.8 c) Super-rígida: aquela que conta com uma parte imutável e outra parte rígida. Curso de direito constitucional. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 120. Op. Cit. p. 122. Op. Cit., 329 CAPÍTULO I Sumário • 1. Introdução; 2. Princípios da Administração Pública; 2.1. Regime jurídico administrativo; 2.1.1. Princípio da supremacia do interesse público; 2.1.2. Princípio da indisponibilidade do interesse público; 2.1.3. Princípio da legalidade; 2.1.4. Princípio da impessoalidade; 2.1.5. Princípio da moralidade; 2.1.6. 2.1.9. Princípio da autotutela; 2.1.10. Princípio da tutela ou do controle; 2.1.11. Princípio da especialidade; 2.1.12. Princípio da presunção de legitimidade; 2.1.13. Princípio do controle judicial dos atos administrativos; 2.1.14 2.1.15. Princípio da motivação; 1. INTRODUÇÃO O estudo dos princípios da Administração Pública é indispensável para a devida compreensão do Direito Administrativo, mas antes de se adentrar ao tema é neces sária a abordagem de conceitos introdutórios. De início, já que os princípios da Administração Pública têm relação com o Direito Administrativo, não pode pairar dúvida sobre o conceito desse ramo do direito. Direito Administrativo é o ramo do direito que, em essência, é compreendido como o “conjunto de normas e princípios que regem a Administração Pública”1. Por outro lado, também não pode restar dúvida quanto ao sentido que deve ser dado à expressão Administração Pública, já que ela é o objeto de regulação do Direito Administrativo e, para tanto, é necessário, de maneira preliminar, que se compreenda a amplitude da expressão função administrativa. Isso é importante porque é errada a concepção que atrela, exclusivamente, o sividade deste. Na verdade, a função administrativa é realizada, de forma típica pelo Poder Executivo, mas, de maneira atípica, é exercida pelo Poder Legislativo e pelo Poder Judiciário. Esses dois poderes têm como tarefa principal a execução de suas atividades típicas, próprias, e, dessa forma, o Poder Legislativo deve legislar e 1. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 36. Original sem destaque. 330 Parte II • NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO – Leandro Bortoleto dores de serviço e, para tanto, necessitam praticar atos administrativos e celebrar contratos administrativos, por exemplo. Em consequência, é indevido considerar Administração Pública como expressão sinônima de Poder Executivo, exclusivamente. A Administração Pública é o “conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado”, que consiste na “atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve, sob regime jurídico total ou parcialmente público, para a consecução dos interesses coletivos”2. 2. PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Os princípios constitucionais da Administração Pública são normas e, assim, dizem o que deve ser. Isso implica que a interpretação jurídica deve ser feita a partir dos princípios constitucionais para os demais atos normativos. Dessa maneira, da compatibilidade de determinada lei. Conforme a síntese de Paulo Bonavides, os princípios são a “norma das nor- mas”, a “fonte das fontes” e o “penhor da constitucionalidade das regras de uma Constituição”3. Qual a aplicação dessa normatividade dos princípios constitucionais no direito administrativo? Se os princípios constitucionais são normas, a consequência direta é que a Ad- ministração Pública direta e indireta deve obedecer a eles os princípios constitucionais vinculam a atuação administrativa “nepotismo não depende de lei formal para coibir a prática. Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal”. dentemente disso, o nepotismo continua proibido em decorrência dos princípios constitucionais – em especial, os princípios da moralidade e da impessoalidade – e a Súmula Vinculante nº 13 consagra essa vedação. 2.1. Regime jurídico administrativo O direito administrativo é movido por dois opostos. De um lado, tem como função a tutela dos direitos fundamentais, impondo restrições à atuação administrativa e, Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 57. 3. BONAVIDES. Paulo. Curso de direito constitucional 331 Cap. I • PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA de outro lado,tem como missão a concretização do interesse público e, para tanto, possui a autoridade para tornar essa tarefa possível. A Administração Pública, portanto, tem força, prerrogativas, autoridade para sujeições em suas atividades. São dois polos opostos, que se contrapõem e interagem, conferindo a sustentação ao direito administrativo. Por isso, o uso das expressões bipolaridade do direito administrativo4 ou binômio5 do direito administrativo. Nesse sentido, o regime jurídico administrativo é o conjunto de princípios que atribuem à Administração Pública, em um extremo, prerrogativas e, no outro, sujeições. Deve ser ressaltado que a Administração Pública só pode exercer a autoridade que possui na busca do interesse público e nada mais. Isto é, só pode usar suas pedras angulares ou pedras de toque6 do direito administrativo, quais sejam, o princípio da supremacia do interesse público privado – e o princípio da indisponibilidade do interesse público atividade administrativa nunca deve se afastar do interesse público. Desses dois prin cípios decorrem todos os demais que integram o regime jurídico administrativo. São supraprincípios ou superprincípios do direito administrativo7. Além desses princípios de maior relevo para o regime jurídico administrativo – supremacia e indisponibilidade –, existem outros princípios que determinam a moldura dentro da qual deve se dar a atuação administrativa. Nem todos os princípios da Administração Pública estão expressos na Constitui princípios implícitos) e, nem por isso, podem ser desrespeitados, dos quais são exemplos o princípio da supremacia do interes se público e o princípio da indisponibilidade do interesse público. Ao revés, estão expressamente consagrados no art. 37, caput, da Constituição Federal, os princípios (princípios explícitos). Em relação à legislação infraconstitucional, pode ser apontada a Lei nº 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal), que, em seu art. 2º, de maneira expressa, determina a observância dos seguintes princípios: legalidade, Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 61. 5. Fernando Garrido Fala apud Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo. 27. 6. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo p. 55 e 57. 7. MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 71. 332 Parte II • NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO – Leandro Bortoleto 2.1.1. Princípio da supremacia do interesse público e o administrador, pois deve ser observado tanto “no momento da elaboração da lei como no momento de sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação”8. prevalecer. É o princípio que confere autoridade à Administração Pública. Um ponto de grande relevo é a divisão entre interesse público primário e interesse público secundário. O interesse público primário é o interesse público propriamente dito; é o interesse da coletividade; está estabelecido na Constituição Federal. O interesse público secundário é o interesse do ente estatal (União, Estados, etc.); é o interesse individual do Estado, como pessoa jurídica9. É o interesse público primário que - ca restringindo um interesse particular e não o secundário, pois este só pode ser perseguido na atividade administrativa se for coincidente com o interesse primário. de um Estado da Federação exigir em licitação, para a aquisição de veículo, que a Outra situação ilustrativa pode ser vista em uma desapropriação em que o que o Município está agindo em prol do interesse público, pois, por exemplo, irá patrimonial do ente político e não o verdadeiro interesse público – o primário – que está estabelecido no texto constitucional, o qual, no caso, determina que o valor da São exemplos de manifestação do princípio da supremacia do interesse público: inter- venção na propriedade privada (desapropriação, tombamento, requisição administrativa, etc.), cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos, atos de polícia administrativa (interdição de estabelecimento, embargo de obra, apreensão de mercadoria, etc.). 2.1.2. Princípio da indisponibilidade do interesse público Este princípio é o que impõe limites à atuação administrativa. Estabelece as sujeições a que se submete o administrador público e representa a proibição da renúncia ao interesse público, a impossibilidade de se dispor do interesse público. Isso é o que acontece na gestão pública, porque o administrador tem o dever de 9. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo 333 Cap. I • PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA e não seus interesses pessoais ou de terceiros. Nesse sentido, é incompatível com esse princípio, por exemplo, a renúncia a uma multa, sem a respectiva previsão legal ou, ainda, a alienação de imóvel público sem a observância da legislação e, em regra, licitação). Na Lei nº 9.784/99, o art. 2º, parágrafo único, estabelece que um dos critérios interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, obediência ao interesse público, que deve sempre prevalecer, sendo vedada, inclu sive, sua renúncia, demonstrando a correlação com os princípios da supremacia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público. 2.1.3. Princípio da legalidade O princípio da legalidade não apresenta conteúdo idêntico para o particular e permitido; vigora a autonomia da vontade. Ao contrário, na seara pública, a atuação administrativa deve se dar em conformidade com a lei, com o direito. Ao adminis trador somente é permitido agir de acordo com a lei, não vigorando a autonomia Esses são os dois principais aspectos do princípio da legalidade: seguir a lei e reserva legal” e da “supremacia da lei expressões “nada sem lei” e “nada contra a lei”10. É o princípio que, de maneira mais íntima, representa o Estado de Direito, reve forma de tutela dos direitos fundamentais. Está previsto, expressamente, na Constituição Federal e, também, pode ser encontrado na Lei nº 9.784/99, pois a atuação conforme a lei e o direito é um dos critérios a serem observados (art. 2º, parágrafo único). 2.1.4. Princípio da impessoalidade Esse princípio pode ser visto sob dois aspectos: em relação aos administrados e em relação à própria Administração11. 10. RIBEIRO, Carlos Vinicius Alves (coord.). Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. p. 232. 11. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 67. 334 Parte II • NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO – Leandro Bortoleto Em relação aos administrados a atuação administrativa deve ser Assim, por exemplo, é possível remover, de ofício, um servidor público federal, desde de destino. Por outro lado, se essa remoção é feita, apenas, porque a autoridade administrativa é inimiga do servidor, ocorrerá violação ao princípio da impessoalidade. É importante frisar que o princípio da impessoalidade, no aspecto em análise, 12. O sentido é que a atuação admi nistrativa não pode se dar de forma a privilegiar ou prejudicar ninguém em espe de efetivação, também, do princípio da isonomia, já que, nas mesmas condições, todos terão o mesmo tratamento. concursos públicos, nas licitações, na proibição, em relação aos precatórios, de designação de pessoas ou casos nas dotações orçamentárias (art. 100, caput, CF), bem como na proibição de dar nome de pessoa viva a bem público (art. 1º, Lei nº 6.454/77) ou, ainda, conforme decidido pelo STJ, no Resp 615432, viola o princípio da impessoalidade o relacionamento afetivo entre a sócia da empresa contratada e o Prefeito do Município licitante. No outro sentido, a Administração Pública deve ser impessoal em relação a ela mesma Assim, quando um ato é praticado por um agente público, na verdade, quem o faz é a pessoa jurídica, à qual pertence o órgão em que o servidor está lotado. Porque se refere aos atos praticados por funcionário de fato teoria da imputação. Funcionário de fato é aquele servidor que está irregularmente investido no cargo ele praticou diversos atos. Todos devem ser anulados? Na verdade, pela teoria da imputação, os atos praticados pelo servidor público são imputáveis, atribuídos, à pessoa jurídica que ele integra. Dessa forma, no exem princípio da aparência, já que o funcionário aparentava ser um servidor regularmente investido, não serão 12. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. 335 Cap. I • PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA prejudicados. Os atos por ele praticados devem ser imputados à pessoa jurídica de que ele fazia parte e, assim, devem ser considerados válidos. Outra anotação relevante relacionada à imputação dos atos praticados pelo servidor à pessoa jurídica é a proibição Federal – de que ocorra menção a nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal prédios públicos com as cores do partido do Prefeito, divulgar outdoor com a foto O administrador deixará o cargo, e a Administração Pública continuará. As obras pois, na verdade, é seu dever como administrador. Na Lei nº 9.784/99, os artigos 18 a 20 podem ser apontados como exemplos de dispositivos legais destinados à tutela do princípio da impessoalidade, pois regulam Em síntese, pelo princípio da impessoalidade , a atuação da Administração Pública deve ser dirigida a todos, sem discriminação, quando atua, quem, na verdade, pratica o ato é a própria Administração Pública . 2.1.5. Princípio da moralidade A atuação administrativa além de ser legal tem que ser moral. Tem que estar de acordo com a boa-fé, com a moral, com a ética, com a honestidade, com a le- aldade, com a probidade. Mesmo que determinada situação seja respaldada pelo ordenamento jurídico, o ato pode ser considerado viciado por afrontar o princípio da moralidade. De acordo com o art. 2º, parágrafo único, IV, da Lei nº 9.784/99, a atuação da Ad A moralidade representa o respeito aos padrões morais e éticos que predominam na sociedade. dade é a vedação ao nepotismo parentes para cargos comissionados na Administração Pública. Entretanto, essa prática Nesse sentido, o STF aprovou a Súmula Vinculante nº 1313 e, por ela, está proibida a nomeação para cargo em comissão do cônjuge ou companheiro e dos parentes, em 13. Súmula Vinculante nº 13 336 Parte II • NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO – Leandro Bortoleto ou de servidor que já é ocupante de cargo em comissão na mesma pessoa jurídica. Assim, não podem ser nomeados o cônjuge/companheiro(a) e os seguintes pa rentes: a) em linha reta: b) em linha colateral: sogro(a), genro/ . Por outro lado, por exemplo, podem ser nomeados: juridicamente, não é parente). De acordo com a súmula em análise, as referências são a autoridade nomeante – que é quem nomeia – e, também, o servidor que já ocupa cargo em comissão ou de Saúde – cargo em comissão – não pode ser nomeado para cargo comissionado no Município, pois seu irmão já é ocupante de cargo de direção. ocu- pantes de cargo em comissão, não atingindo o ingresso por concurso público, investido no cargo. a vedação não se estende aos agentes políticos, sendo restrita a cargos administrativos. Portanto, por exemplo, o Presidente da República pode nomear sua esposa como Ministra, o Governador irmão como Secretário Municipal. Entretanto, é importante registrar que o próprio STF, posteriormente a essa decisão, vem se posicionando no sentido de que tal exceção não é absoluta, ou seja, o entendimento de que a Súmula Vinculante nº 13 política não se aplica no caso de nomeação de parente para o cargo em comissão de nomeação decorrente de “comprovada troca de favores ou de evidente inaptidão do nomeado para seu exercício”, conforme decidido no RE 825.86214. indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com preendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”. 14 Nesse julgado, inclusive, são apontados outros processos em que as decisões foram proferidas no mesmo sentido, quais sejam, Rcl 7.590 e Rcl 18.644.
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