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2 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA) Reitor Dr. Carlos Edilson de Almeida Maneschy Vice-Reitor Dr. Horacio Schneider Pró-Reitor de Extensão Dr. Fernando Arthur de Freitas Neves Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Dr. Emmanuel Zagury Tourinho Diretor do Instituto de Ciências da Arte – ICA Dr. Celson Henrique Sousa Gomes Diretora Adjunta do Instituto de Ciências da Arte Dra. Bene Martins Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Artes Dr. José Afonso Medeiros de Souza Diretora da Escola de Música – EMUFPA Dra. Adriana Valente Azulay Coordenador do Curso de Licenciatura Plena em Música Ms. Thaís Cristina Santana Carneiro COMISSÃO ORGANIZADORA DO V ENABET Diretoria da ABET Dra. Maria Elizabeth Lucas (UFRGS) - Presidente Dr. Anthony Seeger (UCLA) - Vice-Presidente Dra. Luciana Prass (UFRGS) - 1a Secretaria Ms. Jorgete Lago (UEPA) - 2a Secretaria Dr. Luis Fernando Hering Coelho (UNIVALI) - 1º Tesoureiro Dra. Marília Raquel Albornoz Stein (UFRGS) – 2ª Tesoureira Dra. Deise Lucy Oliveira Montardo (UFAM) - Editora Cientiica Dr. Reginaldo Braga (UFRGS) - Editor Assistente Coordenação do Comitê Local Dra. Sonia Chada (UFPA) Dra. Líliam Cristina da Silva Barros (UFPA) Dr. Paulo Murilo Guerreiro do Amaral (UEPA) Ms. Jorgete Maria Portal Lago (UEPA) Dra. Deise Lucy Oliveira Montardo (UFAM) Membros acadêmicos do Comitê Local Ms. Lívia Alexandra Negrão (UEPA) Ms. Mavilda Aliverti Raiol (UFPA) Ana Paula Brasil de Almeida (UEPA) Argentino Campos de Melo Neto (SEDUC/PA) Denize do Socorro Carvalho (UFPA) Gláucia Mello (UFPA/PNPD) Irlana Pantoja Santos (UFPA) Júnior César Sousa de Lima (UEPA) Letícia Silva e Silva (UFPA) Lohana Gomes (UFPA) Luiz Viana da Silva Junior (UEPA) Mariana Gabbay (UFPA) Nazaré Nery (UFPA) Onelma Lobato Lima (UFPA) Rafael Noleto (UFPA) Tainá Maria Magalhães Façanha (UEPA) Tirza Lais de Oliveira Gonçalves (UEPA) Colaboradores CTIC/UFPA – Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação CUMA /UEPA – Culturas e Memórias Amazônicas GEMAM/UEPA – Grupo de Estudos Musicais da Amazônia GPMIA/UFPA – Grupo de Pesquisa Música e Identidade na Amazônia COMITÊ CIENTÍFICO V ENABET Dra. Elizabeth Travassos (UNIRIO) (Presidenta) Dr. Acácio Tadeu de Camargo Piedade (UDESC) Dr. Alberto Tsuyoshi Ikeda (UNESP) Dr. Anthony Seeger (UCLA - EUA) Dra. Glaura Lucas (UFMG) Dr. José Alberto Salgado e Silva (UFRJ) Dr. José Roberto Zan (UNICAMP) Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz (UFPB) Dra. Martha Ulhoa (UFRJ) Dr. Miguel Angel Garcia (UBA – Argentina) Dr. Rafael José de Menezes Bastos (UFSC) Dr. Samuel Mello de Araújo Jr. (UFRJ) Dra. Santuza Naves (PUC/RJ) Dra. Suzel Reily (Queens University Belfast-Irlanda) Edição dos Anais Dra. Deise Lucy Oliveira Montardo (UFAM) Dr. Reginaldo Gil Braga (UFRGS) Apoio Projeto Procad NF (Programas de Pós-Graduação em Antropologia Social das Universidades UFRN, UFAM, UFSC) / CAPES “A antropologia contemporânea em diálogo com os grupos estudados”. Editora do Caderno de Resumos Ms. Jorgete Maria Portal Lago (UEPA) Coordenação Artística Dra. Líliam Cristina da Silva Barros (UFPA) Dra. Sonia Maria Chada Garcia (UFPA) Dr. Paulo Murilo Guerreiro do Amaral (UEPA) Ms. Jorgete Maria Portal Lago (UEPA) Locais do evento: Pré-conferência dias 24 e 25 maio 2011: Museu Paraense Emilio Goeldi Av. Magalhães Barata, 376. Abertura oicial dia 25 maio 2011: Auditório Benedito Nunes – Campus da UFPA Sessões dias 26, 27 e 28 maio 2011: Hotel Sagres Avenida Governador José Malcher, 2927. Arte do V ENABET Fábio Bastos Diagramação (Arte e Caderno de Resumos) Davi Almeida Diagramação (Anais) Klaiton Alves da Silva Webmaster Marcos Salame Assessoria em informática Jane Maria Klusener Claudionei Diego Fritch 3 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 E56a Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia (5. : 2011 : Belém, PA) Anais do V Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia, 21-29 maio, 2011, Belém, Pará / organizadores : Deise Lucy Oliveira Montardo e Reginaldo Gil Braga. – Belém : UFPA, 2011. 1 CDROM. Tema: Etnomusicologia – modos de pensar, modos de fazer. ISSN 2236-0980 1. Música : Eventos 2. Etnomusicologia. I. Montardo, Deise Lucy Oliveira, org. II. Braga, Reginaldo Gil, org. III. Associação Brasileira de Etnomusicologia. IV. Título. CDU 78 : 061.3 Catalogação na fonte: Mara R. B. Machado, CRB10/1885 4 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 Apresentação O V ENABET (Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia), realizado em Belém, entre os dias 24 e 27 de maio de 2011, teve como objetivo principal dinamizar as discussões em torno da pluralidade de perspectivas teóricas e de métodos que vêm caracterizando o incremento da produção cientíica da área de música no Brasil e em outros centros acadêmicos. Procurou-se, idealmente, com os eixos temáticos escolhidos, incentivar a busca de um melhor aproveitamento de temas/problemas historicamente tratados na literatura etnomusicológica internacional e o seu confronto, quer seja à luz de novos objetos empíricos, quer seja de questões conceituais emergentes nas redes disciplinares nas quais a Etnomusicologia se insere. Congregar diferentes gerações, saberes e práticas acadêmicas em torno de marcos relexivos que impulsionem o desenvolvimento da área, foi o compromisso que o V ENABET desejou cumprir. Desse modo, solicitou-se que as comunicações priorizassem a discussão de problemas de natureza teórica/epistemológica, em uma das quatro áreas temáticas abaixo elencadas, ou que expussessem pesquisas recentes ou em andamento relevantes para a consolidação do campo da Etnomusicologia no Brasil. Tema 1: Modos de pensar: a Etnomusicologia e a construção de saberes, em perspectiva histórica e/ou contemporânea Tema 2: Modos de fazer: métodos de pesquisa de campo, em arquivos, coleções fonográicas, audiovisuais e/ou espaços virtuais Tema 3: Modos de agir: políticas públicas, propriedade intelectual e conduta ética na pesquisa Tema 4: Modos de sentir: sensibilidades e corporalidades Tema 5: Pesquisas recentes Os Anais do V ENABET reúnem 73 (setenta e três) comunicações selecionadas pelo Comitê Cientíico do V ENABET e que atenderam as normas editoriais do evento. Os mesmos estão apresentados seguindo a ordem alfabética pelo nome dos autores. Ressaltamos que os autores são inteiramente responsáveis pelas versões inais de seus textos. Os Editores 5 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 Sumário Comunicações Diálogo, conhecimento e ação: relexões a partir de uma pesquisa de base censitária no bairro da Maré, Rio de Janeiro 11 Adriana Bezerra do Nascimento Pinheiro, Alexandre Dias da Silva, Bárbara Macedo Men- donça, Caroline dos Santos Maia, Dayana Lima da Silva, Diogo Bezerra do Nascimento, Elizabeth Moura de Oliveira, Elza Maria Cristina Laurentino de Carvalho, Fábio Monteiro de Melo, Jefferson Silva de Paulo, Julia Mendes Selles, Kleber Merlim Moreira, Mariluci Correia do Nascimento, Re- beca Cardoso Luciano, Renata Alves Gomes, Schneider F. R. Souza e Suelen Alexandre da Silva. Apontamentos para um esboço da história do cavalo na Paraíba 19 Agostinho Jorge de Lima Música e projetos sociais na favela da Maré: relexões sobre estudo de caso sobre a prática musical das ONGs que atuam na Maré 29 Alexandre Dias da Silva Sotaque carioca nos gêneros populares eletrônicos globais: inluências locais na obra de Donatinho 39 Alexei Figueiredo MichailowskiAté que ponto a Bossa Nova era nova? Notas para a historiograia de um gênero musical 49 Allan de Paula Oliveira Música popular: Uma marginal na academia musical brasileira 61 Alvaro Simões Corrêa Nader POPXOP: os cantos do macaco espirito 71 Ana Carolina Estrela da Costa O papel dos mitos modernos na etnomusicologia 81 Angela Lühning Almirante e o pessoal da velha guarda: preservando a memória da música popular no Rio de Janeiro 91 Anna Paes Tradicionalidade e suas controvérsias no Maracatu de baque virado 101 Carlos Sandroni A música em cento e quarenta caracteres: dois estudos de caso entre relações musicais e twitwer 108 Caroliona Borges Ferreira Aspectos da coleção Luiz Heitor Corrêa de Azevedo: o convênio da Escola de Música com a biblioteca 117 Cecilia de Mendonça Festivais de música no Rio Grande do Sul, Brasil: padrões de identidade regional 128 Clarissa Figueiró Ferreira Uma compreensão da gênese e desenvlovimento social do forró 138 Climério de Oliveira Satos Pelo mar do Caribe eu velejei: a guitarrada, mobilidade e a poética da beirada em Belém do Pará 148 Darien Lamen 6 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 Música no ponto: Etnomusicologia e a política pública 158 Edilberto José de Macedo Fonseca Alguns aspectos do sitema musical-ritual dos Ticuna 169 Edson Tosta Matarezio Filho Axé! Corpos e música na performance de legados expressivos afro-brasileiros 178 Érica Giesbrecht O rísível em tessituras vocais 188 Érica Onzi Patori O tempo de Mestre Jove: memórias do coco de Forte Velho 198 Eurides de Souza Santos O gênero musical guarânia - luta simbólica, comparações e conexões históricas 208 Evandro Rodriguês Higa Chanteuses e Cabarés: a performance musical como mediadora do discurso de gênero 223 Fabiane Behling Luckow Eicácia e entretenimento na perforamnce musical 232 Fábio Henrique Ribeiro Pesquisando em um acervo etnográico musical. Apontamentos teóricos e metodológicos sobre um estudo etnográico feito no arquivo de Luiz Heitor Corrêa de Azevedo 242 Felipe Barros Música híbrida na América Latina - relexões para a interpretação contextualizda 253 Félix Eid Etnograias do Chamamé no Brasil e na Argentina: Uma relexão sobre trabalho de campo e comparatismo 264 Fernanda Marcon Transe e Trânsito Musical na Capoeira Angola 274 Flávia Diniz. Siginiicados inerentes e delineados em um concurso de sambas-enrredo 284 Frederico Bezerra A representação do índio brasileiro na música erudita dos séculos XIX e XX: a manifestação sonora das idéias acerca do indígena pela elite brasileira do Segundo Reinado e República 291 Gabriel Ferrão Moreira Escuta e signiicação musical em diálogo com realidade social: juventude urbana e mainstream 299 Gabriel Murilo Resende “O Sole mio!” Memória e nomadismo na música da “terra da garoa” (a canção italo-brasileira) 310 Heloísa de Araújo Duarte Valente Relações de Gênero: um estudo etnográfco sobre mulheres percussionistas nas oicinas do monobloco 319 Jonathan Gregory Discussão e utilização da paisagem sonora na oicina de música 328 Juliana Carla Bastos 7 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 O pagode romântico na escola: interfaces entre a etnomusicologia e a educação musical 338 Júlio César Silva Erthal Música Jê Meridional: preliminares para um estudo comparativo 349 Paola Andrade Gibram e Kaio Domingues Hoffmann Etnicidade Judaica e Cânticos do Shabat em Recife/PE 360 Keila Souza Fernandes da Cunha Prática musicais da cidade. A Praça Onze do Rio de Janeiro entre mitos, memórias e urbanidades 369 Laura Jouve-Villard Identidades musicais no Curso de Música da Universidade do Estado do Pará 378 Lívia Negrão A mediação da escuta na modernidade: relexões sobre o cenário sonoro - musical de Porto Alegre no início do século XX 387 Luana Zambiazzi dos Santos Siba e a fuloresta: das festas da mata norte pernanbucana aos festivais de world music na Europa 396 Lucia Campos A relevância dos pressupostos de Adorno à luz da Etnomusicologia 407 Murilo Mendes e Luis Fernando Hering Coelho (Re)pensando a ética na pesquisa em Etnomusicologia 415 Luis Ricardo Silva Queiroz O “Som da Aura” ou o “Cantar Natural” das pessoas: uma análise etnomusicológica da composição Tiruliruli (1984), de Osmar Santos em parceria com Hermeto Pascoal 424 Luiz Costa-Lima Neto A rede de sociabilidade em projetos sociais e processo pedagógico musica 437 Magali Oliveira Kleber Novidades musicais e processos sociais nas folias de reis em Juiz de Fora - MG 446 Marcelo de Castro Considerações iniciais sobre um estudo etnográico do carnaval de rua do Rio de Janeiro 455 Marcelo Rubião A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste do Norte de Minas Gerais 465 Marco Antônio Caldeira Neves Dos signos musicais aos de identidade: uma abordagem semiótica do processo de construção de identidades 476 Marcus Straubel Wolff Músicas, trânsitos e regionalidade no Rio da Prata 487 María Eugênia Domínguez Do Alto Rio Negro para o Pará: Etnograia e Ahãdeakü 495 Mariana Gabbay M. Braga A música do oprimido: saberes, poderes, práticas e processos no protagonismo juvenil 503 Mário Lima Brasil 8 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 Uma etnograia em Porto Alegre entre músicos suingueiros da velha e da nova geração 511 Mateus Berger Kuschick Música popular brasileira e violência urbana: interferências e transforamções 520 Maurilio Andrade Rocha O encontro de subjetividades: uma relexão sobre as tensões na dinâmica do trabalho de ampo 533 Nivea Lazaro Pesquisas histórica e etnomusicológica: interações metodológicas possíveis 543 Paulo Veríssimo O cavalo-marinho em Condado: música, reprodução cultural e politicas públicas para a cultura popular 553 Paulo Henrique Lopes de Alcântara Ãdjuürôná: percursos simbólicos da trompa Karajá 563 Pedro Paulo Salles A capoeira e duas relações de parcerias: Berimbau e Caxixi, uma parceria entre instrumentos; políticas públicas e capoeira, uma parceria em debate 576 Priscila Maria Gallo Meu nome é Gal: um grito feminino no Tropicalismo 587 Rafael da Silva Noleto A pesquisa sobre Nivaldo Maciel ( 1920-2009): herança musical no norte de Minas Gerais 597 Raiana Alves Maciel Leal do Carmo Jackson do Pandeiro: música e migração 607 Regina Coele Queiroz Fraga/Deribaldo Santos Missão de pesquisa folclórica de Luiz Heitor Corrêa de Azevedo ao Rio Grande do Sul (1946): motivações, tratativas e negociações institucionais e individuais 617 Reginaldo Gil Braga Jorge Ben Jor e as tradições afro-brasileiras 631 Renato Santoro Rezende Improviso Decorado 640 Ricardo Indig Teprman Siginiicados e identidade negra na música e arte dos grupos Arautos do Gueto e Filhos de Zambi 652 Ruben de Oliveira Aredes O “neo-choro”: os grupos de choro dos anos 90 no Rio de Janeiro e suas re-leituras dos grandes clássicos do gênero662 Sheila Zagury Relexões sobre a historiograia da música popular: para além do acrônimo MPB 680 Silvano Fernandes Baia Memória musical enquanto acontecimento: categorizando uma fala sobre o sonoro 689 Sinésio Jefferson A. Silva 9 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 Sobre a constituição de um saber antropológico sobre música: a análise de partituras como trabalho de campo 695 Tatyana de Alencar Jacques Ivan Lins: linguagem musical e trajetória 706 Thaís Lima Nicodemo e Antônio Rafael Carvalho do Santos Questões sobre a relação entre estruturalismo, análise musical e Etnomusicologia 717 Thiago Ferreira de Aquino Impactos e processos de negociação na construção e desenvolvimento do grupo Capoeira Angola Comunidade 727 Wênia Xavier de Medeiros Vozes de Sta Lucia do Caribe Oriental: encruzilhada de culturas 742 Yukio Agerkop 10 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 Diálogo, conhecimento e ação: relexões a partir de uma pesquisa de base censitária no bairro Maré, RJ Adriana Bezerra do Nascimento Pinheiro drika.bnp@gmail.com UFRJ Alexandre Dias da Silva diasocialistas@gmail.com UFRJ Bárbara Macedo Mendonça babimmendonca@yahoo.com.br UFRJ Caroline dos Santos Maia carolmaia_santos@yahoo.com.br UFRJ Dayana Lima da Silva dayanald@gmail.com UFRJ Diogo Bezerra do Nascimento cabecadesino@gmail.com UFRJ Elizabeth Moura de Oliveira elizabtmo@gmail.com UFRJ Elza Maria Cristina Laurentino de Carvalho elza.algoz@gmail.com UFRJ Fábio Monteiro de Melo pazebem_rj@yahoo.com.br UFRJ Jefferson Silva de Paulo je_de_paulo@yahoo.com.br UFRJ Julia Mendes Selles juliamendesselles@yahoo.com.br UFRJ Kleber Merlim Moreira krebs_51@hotmail.com UFRJ 11 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 Mariluci Correia do Nascimento mariluci.nascimento@gmail.com UFRJ Rebeca Cardoso Luciano rebeca_luciano@yahoo.com.br UFRJ Renata Alves Gomes renata_sublime@yahoo.com.br UFRJ Schneider F. R. Souza schneidersouza@gmail.com UFRJ Suelen Alexandre da Silva suelen_alexandre.silvaa@yahoo.com.br UFRJ Resumo Este trabalho relete sobre as implicações de uma abordagem dialógica e participativa, seguindo princípios pedagógicos de Paulo Freire, na condução de uma pesquisa quantitativa sobre gosto musical e acesso à música na Maré, Rio de Janeiro. Concebida, aplicada e analisada por um grupo de moradores, em diálogo com acadêmicos das áreas de etnomusicologia de estatística, tal pesquisa teve como meta a produção de indicadores para relexões acerca do local em que foram produzidas e, particularmente, da dinâmica das relações sociais expressas nas respostas aos 931 questionários aplicados. Os resultados aqui debatidos apontam não somente para uma crítica ao instrumento de produção de dados, mas também à necessidade de pesquisas qualita- tivas posteriores. Palavras-chave: música, pesquisa participativa, métodos quantitativos Abstract This paper relects upon the implications of a dialogic and participatory approach, following Paulo Freire’s pedagogical principles, in carrying a quantitative research on musical taste and access to music at Maré, Rio de Janeiro. Conceived, applied and analyzed by a group of resi- dents, in dialogue with academics in ethnomusicology and statistics, this research has as goal the productions of data to foster further relection on the place in which they were produced and, in particular, the dynamics of social relations expressed in the answers to the applied 931 questionnaires. The results here discussed point at not only a critique of the data collection instrument, but also to the necessity of further qualitative research. Keywords: music, participatory research, quantitative methods Buscamos, através desta comunicação, apresentar uma relexão mais aprofundada sobre uma pesquisa quantitativa de base censitária, no bairro Maré, Rio de Janeiro. 12 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 Discutiremos também a metodologia utilizada neste processo, ressaltando a importância do papel do pesquisador nativo, considerando ser esta uma proposta alternativa de construção do conhecimento. Iniciaremos o trabalho com uma contextualização do bairro, passando a uma apresentação do grupo de pesquisa, destacando a questão do pesquisador nativo, seguida de uma discussão sobre a metodologia, com a consideração de seus potenciais e desaios. O bairro Maré é localizado próximo às principais vias de acesso à cidade do Rio de Janeiro, já que se situa entre a Av. Brasil, principal porta de entrada da cidade, a Linha Vermelha, via expressa que liga o Aeroporto Internacional Tom Jobim à Zona Sul, onde localizam-se, por exemplo, os bairros de Copacabana, Leblon, Ipanema, entre outros; a Linha Amarela, que liga o subúrbio à Zona Oeste, mais especiicamente à Barra da Tijuca, bairro que aglomera boa parte da elite emergente no município. A Maré é formada por cerca de 132 mil habitantes divididos em 38 mil domicílios e 16 favelas, segundo dados do Censo Maré 20001, atualmente é composta por aproximadamente 19 favelas, que apesar de possuírem formação histórica e sócio-cultural diferentes, foram reunidas em um único bairro através da Lei Municipal nº. 2.119 de 19 de janeiro de 1994. Segundo Francisco Marcelo da Silva (2009): até hoje ainda traz consigo a denominação pejorativa e preconceituosa de Complexo da Maré. Denominação essa que é fortalecida e reproduzida pelas instituições públicas que teimam em não reconhecerem o decreto municipal de 1994 que elevou a Maré ao status de bairro. Conforme dados fornecidos pelo acervo do Museu da Maré2 (2010) a ocupação do espaço onde hoje se localiza o bairro dar-se-á por volta da década de 40, em virtude do crescimento do centro urbano do Rio de Janeiro e a retirada dos pobres dessas regiões centrais da cidade e dos bairros mais valorizados, principalmente nos anos 60 durante o governo estadual de Carlos Lacerda (1961-1965) que forçou essa migração. Neste contexto, as áreas suburbanas de antigas chácaras e locais alagadiços como mangues, são ocupados por trabalhadores pobres do Rio de Janeiro e outras regiões do país como norte, nordeste e do restante da região sudeste. Essa composição multicultural proporciona uma grande diversidade na produção artística e principalmente musical. Tal multiculturalismo é o foco de trabalho do grupo Musicultura que se propõe a investigar através da etnomusicologia o universo musical como ponto de partida para o estudo mais amplo da sociedade. O grupo Musicultura é um grupo de estudo e pesquisa em etnomusicologia situado em uma das favelas que compõem o bairro Maré, interessado, principalmente, na música da própria 1 Este Censo, publicado em 2002, foi realizado pela Organização Não Governamental Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM) em parceria com o Instituto Brasileiro de Geograia e Estatística (IBGE), a Prefeitura do Rio de Janeiro, o Instituto Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) e a Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE). 2 Fundado em 2006, surgiu a partir do desejo dos moradores de terem o seu lugar de memória e relexão sobre as referências dessa comunidade, das suas condições e identidades, de sua diversidade cultural e territorial. O Museu da Maré é um conjunto de ações voltadas para o registro, preservação e divulgação da história das comunidades da Maré, em seus diversos aspectos, sejam eles culturais, sociais ou econômicos. 13 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 comunidade. Ele surgiu através de uma parceria entre o Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré – CEASM, ONGformada por moradores locais, e o Laboratório de Etnomusicologia da Escola de Música da UFRJ, a partir do projeto “Samba e Coexistência”. É formado por estudantes de nível médio provenientes de escolas públicas e alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, de graduação em diversas áreas3 e de pós-graduação, apoiados pelo CNPq e Faperj. Inicialmente, o referido projeto foi estruturado em três fases: 1- formação, 2- pesquisa e 3- montagem do acervo. Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, entretanto, o grupo decidiu que o samba não seria o único objeto de estudo, por ser evidente a importância de sua relação com outros estilos, e optou por abranger em sua pesquisa outras práticas musicais locais. O projeto foi então reformulado e adotou o título de Música Memória e Sociabilidade na Maré, com o grupo se auto-intitulando Musicultura. Outra modiicação do plano original, também determinada pelo curso da pesquisa, foi o fato de as três fases descritas não serem desenvolvidas numa ordem cronológica, e sim de forma simultânea. O projeto tem identiicado, documentado e reletido sobre diferentes estilos e gostos musicais, capacitando os jovens participantes em leitura e discussão de textos acadêmicos com base na pedagogia de Paulo Freire onde a educação envolve um ato político (Freire, 1970) portanto um trabalho coletivo, que reeduca todos os sujeitos e atores envolvidos. Esta perspectiva paulofreireana de educação permite que os indivíduos tornem-se participantes e sujeitos atuantes no seu processo de aprendizagem, potencializando as habilidades de cada um. Ao mesmo tempo em que constroem o conhecimento coletivo, através de ferramentas como a autonomia e o diálogo, apropriam-se do conhecimento que trazem usando-o a seu favor e nos diferenwtes lugares, pois acima de tudo o que se propõe é uma formação social. O formato de pesquisa que utilizamos traz consigo algumas diiculdades vivenciadas pelo grupo, as quais nos direcionam constantemente a novas relexões e reformulações da nossa prática educativa, o que torna o nosso processo de construção de conhecimento maior em demanda de tempo e dedicação, porém, com maior aprofundamento e assimilação diferenciando-nos de outras propostas e ideias que encontramos hoje em projetos de pesquisa e extensão universitária. O trabalho colaborativo não tem a dimensão de levar conhecimento ou apenas estender-se à comunidade, mas sim construir junto com ela, contribuindo para a sociedade acadêmica e local. O grupo desenvolve atividades de pesquisa em uma área estigmatizada pelo desemprego, tráico de drogas e pela violência associada à repressão policial. Dentro deste contexto, o grupo propõe a discussão e relexão desses temas a partir dos principais participantes desta história – os moradores do bairro Maré. É propósito do projeto realizar um mapeamento das práticas musicais locais e incentivar a relexão acerca das mesmas, organizando um acervo que sirva a seus residentes através de consultas no local, exposições itinerantes e em eventos comunitários especíicos. A partir do mapeamento dos costumes musicais locais e de registros variados (entrevistas, gravações em áudio, audiovisual, recortes de jornais e revistas, textos diversos, sem esgotar a lista) um 3 Em 2010, música, fonoaudiologia, história, pedagogia, física, biologia, ciências sociais, dança e serviço social. 14 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 banco de dados foi elaborado e é continuamente atualizado. Nele constam informações sobre compra e venda de música em diferentes suportes, projetos de educação artística, músicos da comunidade, plateias, além de materiais doados espontaneamente pelos moradores do bairro. Uma vasta literatura do campo das ciências sociais e outras indicam4 que a relexividade envolvida no processo etnográico deixou de ser exclusividade do etnógrafo. Isso informa que a velha fórmula de distinção entre nativo e etnógrafo deve ser reavaliada, inclusive, sinalizando um possível abandono dos termos. O reconhecimento da posição de subalternidade dos “nativos” (ou de “opressão”, nos termos de Paulo Freire) levou ao desenvolvimento, por parte de estudiosos do Terceiro Mundo, de diversas formas de pesquisa participativa que prevêem o trabalho em conjunto de pesquisadores “proissionais” e de pessoas das comunidades “pesquisadas”. Juntos, eles deinem as questões a serem abordadas, os conceitos mais adequados para sua análise, colhem informações e buscam soluções para os problemas que originaram a pesquisa. Nesse tipo de pesquisa, a participação é tanto aquela das pessoas dos grupos “pesquisados” quanto aquela dos pesquisadores. Uma pesquisa assim concebida, que compreende uma importante dimensão política, de ação, não tem por objeto o “outro” (que estaria também na posição de “sujeito” da pesquisa) e sim a realidade em que ambos (pesquisador e comunidade) interagem (e dialogam) e que, nos termos de Freire, os “mediatiza”. (CAMBRIA, 2008: p.203) Deinitivamente, o etnógrafo não é o único capaz de estabelecer relações de sentido. De maneira direta, como bem colocou Eduardo Viveiros de Castro (2002, p. 116), “O conhecimento do sujeito não signiica o desconhecimento do objeto”. É nesse sentido que muitos antropólogos defendem a inversão dos procedimentos subentendidos na noção de observação participante. Nessa, a observação do “outro” é o foco central, sendo a participação apenas um meio para se alcançar o objetivo principal. Na participação observante, ao contrário, o foco não é o “outro”, mas as relações desenvolvidas entre o pesquisador e esse “outro”, isto é, o primado é da participação e não da observação. (Lassiter, 2005). Dessa forma, no grupo Musicultura, a relação entre músico, morador e pesquisador é estreita, pois alguns dos pesquisadores do grupo desempenham pelo menos mais de um dos demais peris listados, sendo que outros, em menor número, atendem a todos eles. Uma preocupação freqüente nas discussões do grupo é a relexão sobre questões colocadas pelo senso comum como verdades sobre as favelas, qual seja: “favelado só gosta ou só ouve funk e pagode”; “favela é lugar de marginal”; “favelados são potenciais artistas que precisam apenas ser lapidados”; também a frase proferida por Sergio Cabral, governador do Estado do Rio de Janeiro em entrevista ao portal G1, da Rede Globo, em 2007: “Você pega o número de ilhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal” (Portal G1, 2010). “Esses e outros ingredientes fazem com que a Maré seja, muitas vezes, assimilada a partir de estereótipos. Sendo assim, freqüentemente, os moradores são tratados como potenciais ameaças, repetindo a velha fórmula que associa pobreza à periculosidade. Outras vezes, pelo 4 Por exemplo, cf. ARAUJO, S. et al., 2006b. 15 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 contrário, há uma tentativa de assimilar os favelados a partir de determinadas qualidades exóticas, como se elas lhes fossem inatas como, por exemplo, uma natural aptidão para a música ou futebol”. (Silva, 2009) Essas são apenas algumas imagens estereotipadas criadas em torno dos territórios favelizados da cidade que vão muitas vezes de um extremo ao outro, ora tratando o favelado como ameaça, ora como vítima. A partir dessas relexões encontramos motivação para começar a dialogar com as práticas musicais do bairro usando aspectos quantitativos e, assim, complementando as observações feitas até então pelo grupo, quando se valia principalmente de observações participantes. As pesquisas que vínhamos produzindo até o ano de 2006/2007 não estavam preocupadas em responder perguntas tais como: qual é ou quais são as músicas que estão mais presentes na Maré? Entretanto,em várias oportunidades, após apresentarmos nossos trabalhos em fóruns acadêmicos ou não-acadêmicos, essas e outras perguntas de teor mais quantitativo apareciam e, quase sempre, não sabíamos responder com precisão. Diante disso, começamos a desenhar uma nova pesquisa que pudesse responder essas e outras perguntas sobre as preferências de gosto e consumo musical dos moradores. Esse trabalho seria, portanto, uma oportunidade de complementar nossos olhares sobre a música mareense e ser, simultaneamente, uma nova fase em nossa formação. Durante a etapa de formação – cerca de seis encontros realizados de março a junho de 2006 – com o apoio de Dalcio Marinho, professor de geograia e estatística da Universidade Federal Fluminense, discutimos acerca da metodologia de pesquisa utilizada pelo IBGE, como se dá a construção de uma amostra, como se dá a seleção de entrevistados (que critérios usar), as margens de erro, a diferença entre uma amostra probabilística e uma não probabilística, diferenças entre amostra e censo, a importância da aleatoriedade na pesquisa, diferença entre pesquisa em população inita e ininita, qual seria a cobertura de nossa pesquisa e como seria a abordagem ao entrevistado, etapa importante no diálogo com a comunidade. Decidimos pela pesquisa amostral, deinindo cotas relativas a gênero (quantidade de homens e mulheres proporcional à população local) e idade (estratiicados a partir de 15 anos) de acordo com o Censo Maré 2000. Logo em seguida, escolhemos Nova Holanda e Baixa do Sapateiro como os lugares a se pesquisar, em função de termos sobre os mesmos uma quantidade maior de anotações de pesquisa etnográica. Em um segundo momento, através de discussões e decisões coletivas foram elaboradas as 24 perguntas presentes no questionário, 17 referentes ao gosto musical e outras 7 sobre o peril dos entrevistados. De junho a agosto de 2006, foram aplicados todos os 931 questionários. Para isso, foram necessárias em média duas idas a campo por comunidade para cada entrevistador. A equipe foi dividida em ruas estratégicas, com a presença de três pesquisadores em cada uma delas. Em cada comunidade havia nove ruas 16 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 sendo cobertas. No total, eram 27 entrevistadores em campo. Durante os meses de setembro e outubro de 2006, nos detivemos à revisão geral dos questionários. Nesta fase, os questionários foram recontados e separados em cotas. Alguns entrevistadores tiveram que retornar ao campo, para completar suas entrevistas. Fizemos também uma revisão de erros simples, como falhas na numeração das questões, e descartamos eventuais questionários que não estavam corretos, por exemplo, alguns além do limite estipulado por faixa etária. Na fase de revisão crítica, relemos questão a questão, nos atendo aos detalhes e, coletivamente, deinimos que tipo de correção poderia ser feita no questionário, para facilitar na fase posterior, a digitação. Por exemplo, o nome do cantor é Zeca Baleino, como registrado na resposta, ou Zeca Baleiro, artista conhecido? O grupo, a partir disso, debateu se corrigiria ou deixaria do jeito que estava escrito; optando por manter os dois nomes seria necessário criar um novo código, pois se tratava de admitir a existência de dois artistas diferentes. Esta fase gerou bastante discussão no grupo. E, como foi construída coletivamente, levou um tempo próprio de execução, diferente da pesquisa tradicional, geralmente coordenada por um só pesquisador, que assumirá individualmente a responsabilidade pelos resultados. Não podemos deixar de mencionar que uma das maiores diiculdades que encontramos nesse formato de pesquisa que nos propomos a realizar, é a relação tempo/ produtividade/ adaptação de cada membro com o grupo, ou seja, por ser um trabalho de construção coletiva, demanda um tempo superior aos prazos que normalmente nos é exigido, pois existe uma diiculdade, que muitas das vezes está relacionada à inserção de novos integrantes no grupo e na desconstrução do pensamento individualista construído pela atual sociedade que valoriza muito mais o produto inal sem se preocupar com o processo. Juntamente a isto, temos que ter a preocupação constante de desconstruir as iguras de opressor/oprimido que cada integrante traz consigo, e que constantemente é reforçada nos meios sociais além do grupo em que vivemos. Essas diiculdades são estendidas aos diversos desdobramentos que a pesquisa abrange, incluindo nesse caso a conclusão e divulgação das análises dos dados. No primeiro semestre de 2010 concluímos dois momentos importantes da pesquisa, a fase de codiicação dos questionários (feita também de modo coletivo) e a digitação dos mesmos. Durante esse período estivemos concentrados no processo de análise dos dados obtidos, processo esse que, inevitavelmente, foi simultâneo ao momento da codiicação. Selecionamos dois dados entre os que mais se sobressaíram. O pagode é sempre o mais citado nas faixas etárias até os 50 anos. De 50 a 59, o tipo mais citado é a música romântica e, acima de 60, é o samba. Portanto, o gosto pelo pagode, cuja popularidade é mais recente, aparece com menos freqüência à medida que a idade dos entrevistados avança. 17 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 Outra situação ocorreu diante das perguntas: “Que tipo de música ou artista você acha que as pessoas mais ouvem na Maré?” e “Que tipo de música você mais gosta?”. À primeira pergunta, 61,82% das pessoas responderam funk (ou funk junto a outro estilo) e 23,53% responderam pagode (ou pagode junto a outro estilo). Já quando perguntadas sobre que tipo de música elas mais gostam, as mesmas pessoas responderam: 24,94% pagode; 12,68% gospel e evangélica; 12,25% MPB, e a lista segue até chegar ao funk com 6,61%. Ao analisar esses dados, temos então uma aparente contradição entre o que as pessoas dizem ouvir, e o que acham que a maioria das pessoas ouve. A maioria respondeu que o que mais se ouvia na comunidade era funk, mas nem tantos assim o citaram como música de sua preferência. Apresentaremos então duas possíveis leituras sobre essa discrepância: um fator que poderia ter inluenciado a resposta das pessoas é o “estigma” atribuído à favela, como sendo um local da desordem, realidade que deveria ser extinta. Desta forma, são socialmente criados externa e internamente estereótipos em relação à música que representa a favela, como acontecido anteriormente com o samba e hoje com o funk. Portanto, muda-se o estereótipo, permanece o estigma. É importante lembrar também que este estigma tem a ver com a visibilidade que estes gêneros musicais recebem quando ganham proporção para além das favelas. Em outras palavras, poucos “assumem” gostar de funk, airmando: “Todo mundo gosta de funk, mas eu não”. Outra explicação pode ser a diferença entre escuta “pessoal” e “o que se ouve nas ruas”. A pergunta “o que mais se ouve na Maré?” pode ser interpretada alternativa ou simultaneamente como: “o que mais se ouve nas ruas da Maré?” pois, geralmente ouve-se funk em volume muito alto. Um trabalho como esse, uma pesquisa quantitativa sobre gosto e acesso à música, concebida pelos moradores do espaço pesquisado, possui, ao que nos consta, um caráter inédito em pesquisa musical. Dessa forma, acreditamos que essa é uma experiência que tanto a academia como órgãos de gestão cultural poderiam usar como referência para produção de indicadores. Esse trabalho também permitiu a continuação do diálogo do grupo Musicultura com o ambiente acadêmico. O processo de análise dos dados codiicados foi feito junto a um estatístico do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, Ronir Raggio, que ministrou uma formação em um software apropriado para a tarefa. Além disso, recentemente fomos convidados para escreverum artigo em um livro sobre economia da música organizado pelo professor da Escola de Comunicação da UFRJ, Micael Herschmann. O diálogo com a comunidade também rendeu novas situações. As informações recolhidas sobre o funk nos estimularam a complementar nosso olhar sobre essa prática com mais pesquisas etnográicas, o que na prática signiica que abrimos um canal de interlocução com funkeiros locais. 18 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAUJO, Samuel et al. A violência como conceito na pesquisa musical: relexões sobre uma experiência dialógica na Maré. Revista Transcultural de Música, Barcelona, n. 10, dez. 2006. Disponível em http://www.sibetrans.com/trans/trans10/indice10.htm. (Último acesso: 23/22/2010) ARAUJO, Samuel. From neutrality to praxis: the shifting politics of ethnomusicology in the contemporary world. 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Objetivamos com isso demonstrar as localidades e re- giões onde havia e há a brincadeira; pontuar sua mobilidade geográica no curso da história e fornecer dados que permitem o vislumbre da brincadeira como uma construção de agentes culturais, brincantes e simpatizantes, em determinadas circunstâncias. Para isso, nos apoiamos em registros realizados ao longo da história por alguns estudiosos e, principalmente, nos de- poimentos de brincantes idosos e experientes que vivenciaram momentos importantes dessa história – depoimentos colhidos através de entrevistas semi-estruturadas e examinado a partir de contribuições metodológicas da história oral, como apontadas por Meihy (1998). Observou- -se que no passado a brincadeira do boi era presente em todo o Estado, mas gradativamente foi se desaparecendo no interior e se ixando, quase que exclusivamente, na região metropolitana de João Pessoa. Há dois momentos importantes nesse decurso: a intensa migração da brinca- deira de localidades do Litoral e do Agreste para Bayeux e o distrito de Várzea Nova, entre as décadas de 1950 e 1960, locais onde ocorreu uma intensa atividade de grupos desse folguedo; e a mudança na denominação da brincadeira, de boi-de-reis para cavalo-marinho, na década de 1980. O esboço desse panorama histórico – que comporta alguns de seus momentos signiica- tivos e seus principais agentes, do passado e do presente – pode ser importante para análise e compreensão da brincadeira do boi na atualidade. Palavras-chave: brincadeira do boi, história, Paraíba. Abstract In this communication we present an outline of the history of the ox play in Paraíba, of the early twentieth century until the present. We aim to demonstrate that the localities and regions where there was and there is the ox play; to punctuate their geographic mobility in the course of history and provide data that allow a glimpse of the ox play as a cultural construct by cultural agents , revelers and supporters in certain circumstances. For this, we rely on records taken throughout history by some scholars, and especially in the statements of old and experienced revelers who experienced important moments in this history - testimonials collected through semi-structured examined from the methodological contributions of oral history, as pointed out by Meihy (1998). In the past the ox play was present in throughout the state, but it was gradu- ally disappearing in interior and settling almost exclusively in metropolitan area of João Pes- soa. There are two important moments in this course: the heavy migration of ox play to coastal towns and to the Agreste, Bayeux and the District of Várzea Nova, between the decades of 1950 and 1960, places where an intense activity occurred of groups of merriment, and the change in name of joke, boi-de-reis to Cavalo-Marinho in 1980s. The outline of the historical view - which includes some of his signiicant moments and their key players from past and present - can be important for analyzing and understanding the brincadeira de boi today. Keywords: Ox play, history, Paraíba. 20 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 A brincadeira do boi parece existir desde séculos passados, embora não existam registros escritos sobre isso, como existem sobre a brincadeira em Pernambuco. O primeiro escrito e os primeiros registros sonoros feitos dessa brincadeira no início do século XX indicam a longevidade da mesma. Na busca de composição de um esboço da história dessa brincadeira, registros sonoros e escritos tiveram muita importância. Mas, foram são os depoimentos orais de pessoas envolvidas com a brincadeira que possibilitam uma maior coleta de dados. Assim, a orientação metodológica da história oral, como pontua Ferreira (2002) foi valorosa para a pesquisa, dado que é muito do que aqui se encontra é parte da história de pessoas e inscrita apenas em suas memórias. Como maneira de se aferir alguns dados como anos, décadas, locais, pessoas, acontecimentos importantes da vivência cultural das pessoas – como o trabalho com determinado mestre, a participação em determinado grupo, etc – citados em determinados depoimentos, consideramos os diversos depoimentos de um mesmo entrevistado e contrastamos com as informações de outros brincantes, sobre o mesmo assunto, por exemplo. Contrastamos com outros eventos citados pelos mesmos e com acontecimentos cujas datas marcam mais vivamente a memória das pessoas, seja casamento, mudança de uma localidade, morte ou nascimento de algum familiar, etc. Discorrendo acerca da brincadeira há muitas décadas atrás, Antonio Feliciano, nascido em 1932, comenta que conheceu a brincadeira do boi na zona rural do município de Guarabira, no Agreste Paraibano: Eu tinha de nove pra dez ano. Era um pessoal dum sítio perto da gente, naqueles interior de Guarabira, né? O povo, gente assim! [em grande quantidade], icava em redor dos dançarino e era aquela correria quando o boi se soltava. Faz tempo... é bom ver de novo... naqueles tempo tinha mais. (Antonio Feliciano, 2007 – Entrevista). E o rabequeiro José Hermínio, nascido em 1929, comenta sobre a idade que conheceu a brincadeira, a localidade, mestres e a denominação boi-de-reis: Boi de reze foi dêrnade pequeno. Primeiramente foi em Lagoa do Padre, abaixode Cajá (...). Eu tinha idade de uma faixa de quinze ano por aí. Eu brinquei a primeira vez foi boi de rezes, cavalo-marinho eu não brinquei não (...). O mestre era Luiz Benedito. Era chamado Luiz Pintado. Era nos sítio de roça, naquela época. O povo das casa é que mandava chamar. Mas dava gente! (José Hermínio, 2007 – Entrevista). Mestre Zequinha, José Francisco Mendes, nascido em 1948, menciona que começou a brincar cedo, na década de 1950: Comecei brincar boi-de-reze com idade de dez ano. Brincava em Curral de Cima ali perto de Mamanguape, abaixo de Jacaraú. A gente morava no sítio. Apareceu um senhor brincando boi-de-reze lá, aí meu pai levou eu e meus irmão... aí, cheguei lá eu muito pequenenin, né? Ele disse: tem uma vaguinha pra você, você quer brincar de dama ou quer brincar de galante? Comecei brincar de dama. (Mestre Zequinha, 2007 – Entrevista). 21 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 O falecido Mestre Gasosa, José Raimundo da Silva, nascido em 1930 na cidade de Borborema, Brejo paraibano, diz que: Eu vi essa brincadeira do boi com um tio meu. Ele mestrava um grupo, lá onde a gente morava. Eu devia ter de oito pra nove ano de idade. Me alembro daqueles aboio que ele dava quando eu ia assistir as apresentação. (Mestre Gasosa, 2000 – Entrevista). Mestre Zequinha refere-se a um mestre que conheceu na adolescência com um grupo de boi no município de Mamanguape, Mata Norte da Paraíba: Rapaz, esse grupo que eu conheci foi em Zá lagoa... É município de Mamanguape também. Agora já é outro sítio. Conheci com Mestre Zé Maico de Belém de Caiçara [Agreste paraibano]. Que brincava lá, saía brincando pelos sítio. (Mestre Zequinha, 2007 – Entrevista). Ele diz que por volta dos quinze anos de idade, na década de 1960, entrou no grupo de boi-de-reis do Mestre Bernardo e cita os sítios de Itapesserica, Zá Lagoa, Laranjeira, Torrão, Curral de Cima e Campina de Neco Anjo, como locais da circunvizinhança de Mamanguape onde havia grupos de boi. Em Curral de Cima ele brincou com o Mestre Manoel Paulo. Mestre Zequinha casou-se em 1967, aos 19 anos, e foi morar no sítio Moreno, no município de Sapé, onde conheceu os grupos dos mestres Severino Rosa, Zé Biu e Cazuza, de comunidades rurais próximas, e o Mestre Luiz Gonzaga, em Araçagi, no Agreste paraibano. Esses depoimentos, que se reportam às décadas de 1940, 1950 e 1960, apresentam uma geração importante de mestres e grupos que constituíram a história desse folguedo no interior da Paraíba. Os municípios citados são da mesorregião do Agreste, microrregiões do Brejo e Guarabira, e do litoral Norte da Paraíba, onde havia uma intensa atividade de grupos de boi. Sendo, principalmente, dessas regiões que mestres e grupo migram para a região metropolitana de João Pessoa. *** A menção escrita mais antiga à brincadeira do boi na Paraíba é de 1902, do cronista José Rodrigues de Carvalho. Ele observa que o folguedo era chamado “bumba-meu-boi” ou “bailes” e que sua origem “primitiva” é a zona rural, mas que existia nas cidades, o que incluía a capital do Estado. Ele comenta que: Durante a primeira quinzena de janeiro aquela grosseira e insulsa pagodeira traz o povoléu, a massa anônima da canalha abandonada, fora da monotonia rude da luta pela vida, disposta a rir, a rir ingenuamente. Pelas cidades o boi perde a sua graça primitiva; na roça, porém, a coisa toma proporções de acontecimento notável. (Carvalho, 1995, p. 53). Outro livro é o “Boi da Paraíba”, de Rafael de Carvalho. Nele há ilustrações de personagens da brincadeira e um relato da vida do Mestre José Felix, que viveu entre os 22 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 municípios de Belém, Pirpirituba e Guarabira, em décadas anteriores a 1970. Mestre José Felix aprendeu a brincar com Severino Dondon, um lendário mestre de boi-de-reis1. Outros mestres citados são João Henrique, de Guarabira; Manoel Moreira, de Pirpirituba e Luiz Coruja, da cidade de Belém (Carvalho, 197?). Mário de Andrade, entre 1928 e 1929, registrou melodias do folguedo do boi no Nordeste, principalmente no Rio Grande do Norte e em Pernambuco. Na Paraíba ele registrou aboios, toadas com aboio e cocos que fazem referência ao boi. Umas poucas músicas do livro “As melodias do boi e outras peças”, como “Boi Valeroso” e “Vitalina e Juvenal” (Andrade, 2002, p. 84), parecem ser da brincadeira, pois partes delas são encontradas em outros registros feitos ao longo da história. No entanto, não há menção das cidades e folguedos onde essas melodias foram recolhidas. No terceiro tomo de “Danças dramáticas do Brasil” (Andrade, 1982), ele apresenta um amplo registro da brincadeira do boi em Pernambuco e Rio Grande do Norte. Nas músicas recolhidas no Rio Grande do Norte, observa-se a maior semelhança com as músicas encontradas na Paraíba, no passado e atualmente, o que indica a possibilidade de que nestes dois Estados ocorreram mais trocas e a base de criação do folguedo pode ter sido a mesma. Em 1938 a “Missão de Pesquisas Folclóricas” esteve no Estado da Paraíba, e registrou músicas da brincadeira do boi em cidades como Patos, onde foram registradas melodias de um bumba-meu-boi; em Souza e Coremas, onde foram feitos registros de um bumba-meu-boi e de um reisado, respectivamente, e Pombal, no Sertão. Nos municípios de Areia, no Brejo paraibano, foram registradas músicas de um bumba-meu-boi (Andrade, 2006). Esse registro feito pela missão coordenada por Mário de Andrade é importante, pois demonstra que a brincadeira existia no Sertão da Paraíba. Mas, atualmente, não há mais registros dessa brincadeira nessa região. É provável que muitos brincantes tenham vindo para a região metropolitana de João Pessoa a partir da década 1960, migrados da zona rural dos municípios de Sapé, Mari e Pilar; Itapororoca, Mamanguape, Jacaraú e Rio Tinto na Mata Norte; e Guarabira, Belém e Araçagi, da microrregião de Guarabira. Sendo no município de Bayeux e na localidade de Várzea Nova, onde a maioria dos brincantes se ixou, isto pela possibilidade de trabalho na cana-de-açucar, na pesca ou na agricultura familiar. Nos registros realizados pela Missão de Pesquisas folclóricas em 1938 e por Oswaldo Travassos na década de 1970 há músicas do personagem “Cavalo-marinho”, mas todos os brincantes entrevistados dizem que o folguedo era denominado como boi-de-reis e não cavalo- marinho. Alguns mestres que brincaram nas cidades do interior foram: - Mestre Paizinho, do Município de Rio Tinto. - Mestre Manoel Paulo, do município de Curral de Cima, Zona da Mata Norte. - Mestres José Felix e Luiz Coruja, do município de Belém. - Mestre Luiz Benedito, da zona rural do município de Cajá. - Mestres Severino Dondon e João Henrique da microrregião de Guarabira. 1 Na brincadeira há a música da boneca Margarida. Nela há um verso que se repete obstinadamente “Ô Iaiá, Dondon” que é, provavelmente, uma referência ao mestre Severino Dondon. 23 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 - Mestres Severino Rosa, Zé Biu e Cazuza, do município de Sapé. - Mestre Manoel Moreira, do município de Pirpirituba. - Mestre Zé Marco, do município de Belém de Caiçara, Brejo paraibano. - Mestre Bernardo do município de Mamanguape, Litoral Norte da Paraíba. - Mestre Manuel Luca, do município de Itapororoca. - Mestre Augusto Herculano, do município de São Miguel de Taipu, Litoral sul da Paraíba. - Mestre Luiz Gonzaga, do município de Araçagi. Não há mais a brincadeira do boi nas cidades anteriormente citadas, nas quais a atividade de grupos era muito intensa. O rabequeiro Artur Hermínio comenta que “... Num sei se hoje tem. Acho que se aparecer uma brincadeira dessa no interior, vai dar tanta da gente que é capaz de morrer agarrado, porque lá não tem mais disso”. (Artur Hermínio,2000 – Entrevista). Depoimentos dos brincantes indicam que era intensa a atividade de grupos de boi em Bayeux e que os brincantes participavam de mais de um grupo, o que concorria para a consolidação do folguedo. Isso contribuía para a criação de novos grupos e a disseminação da brincadeira. Os brincantes mais experientes criavam seus grupos, como o izeram Paizinho e Rosendo, por exemplo. José Hermínio cita alguns mestres importantes que brincaram em Bayeux e Várzea Nova: Ta vendo Mestre Paizinho? Eu brinquei com ele de primeiro galante, de contramestre, depois fui tocar rabeca que o tocador dele morreu. Eu tava com a idade de vinte e poucos ano. Brinquei oito ano. Toquei com Mané Luca, de Várzea Nova. Toquei com Zé do Boi, que o povo chamava de Zé Barragrande. Toquei com Zé Florindo, lá do Varjão. Toquei com um bocado de mestre. Toquei com Rosendo que já foi contramestre de Raul. Aí, foi o tempo que eles se desgostaram e eu não sei o que houve. Rosendo fez o grupo dele. Naquele tempo tinha muita gente pra brincar e num era difícil de fazer um grupo. Agora era reis de espada, né? Num era cavalo- marinho não. (José Hermínio, 2007 – Entrevista). Mestre Zequinha diz que desde 1969 morava em Várzea Nova e lá conheceu o grupo de boi-de-reis do Mestre Manuel Lucas, que “era lá do Timbó, de Jacaraú abaixo, ali de Mamanguape pra cima” (Mestre Zequinha, 2008 – Entrevista). Manuel Lucas nasceu em 1922 no município de Itapororoca e conforme Zequinha brincava pela região da Mata Norte, antes de migrar para Várzea Nova. O trabalho desse mestre foi registrado na década de 1970 pelos pesquisadores Oswaldo Trigueiro e Dalvanira Gadelha, em “Danças e folguedos da Paraíba” (Fontes, 1982). Altimar Pimentel registrou uma apresentação do grupo desse mestre no seu livro “Boi de reis” (Pimentel, 2004). No boi-de-reis do Mestre Manuel Lucas quem fazia o papel de Mateus era o atual Mestre Zequinha que trabalhou de cinco a seis anos com Manuel Lucas, na década de 1970. Em 1977, Oswaldo Trigueiro e Altimar Pimentel registram músicas do grupo de Manuel Lucas e nelas se escuta a voz de Zequinha (Trigueiro, 1977). Sobre a denominação cavalo-marinho o pandeirista Antonio Bita diz que “Depois 24 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 do boi-de-rezes inventaro o cavalo-marinho, em Bayeux. Inventaro, aprendero com Raul que brincava de cavalo-marinho”. (Antonio Bita, 2007 – Entrevista). No inal da década de 1970, Zequinha conheceu o grupo de cavalo-marinho de Mestre Raul, com o qual brincou até o início da seguinte. Ele diz: Aí foi o tempo queu comecei a brincar com o mestre Raul, ali em Várzea Nova. Ele tava com a brincadeira de cavalo-marinho lá em Várzea Nova e eu perguntei a ele de onde era a brincadeira. Ele dixe que era de Bayeux. (Mestre Zequinha: 2007 – Entrevista). Mestre Raul foi o primeiro a criar um grupo denominado Cavalo-marinho, e isso ocorreu em Bayeux. A denominação cavalo-marinho, para a brincadeira, era encontrada apenas em Pernambuco. Conforme os escritos de Lopes da Gama, citado em Cascudo (1986), e Borba Filho (1982) a denominação era Bumba-meu-boi e cavalo-marinho era apenas um personagem na brincadeira do boi. Mestre Raul trouxe essa denominação do Litoral Sul da Paraíba, vizinho à Zona da Mata Norte de Pernambuco onde a brincadeira é denominada cavalo-marinho. Em entrevista a Josane Moreno, Mestre Augusto Herculano, do município de São Miguel de Taipu, e mestre Neco Cirandeiro, da cidade de Pilar, ambas localizadas no Litoral Sul da Paraíba, dizem que foi com Mestre Raul que participaram de um grupo de cavalo-marinho pela primeira vez. (Moreno, 1998, p. 8). Essa tendência à mudança de nomenclatura encontra-se na postura de Mestre Gasosa. Quando ele veio morar em Bayeux brincou no cavalo-marinho de Mestre Raul e depois foi contramestre no boi-de-reis de Mestre Messias, que atuou em Bayeux nas décadas de 1970 e 1980. A toadeira Eliete Mendes diz que “... Aí, foi o tempo que Mestre Messias não pôde brincar mais e entregou a brincadeira pra ele. E ele fez um cavalo-marinho”. (Eliete Mendes, 2009 – Entrevista). A brincadeira do boi existe na maioria dos Estados brasileiros, mas as diferenças na estrutura e no repertório musical podem ser grandes, como ocorrem nas brincadeiras na região Nordeste e na região Norte do país. Nos Estados da Paraíba e Rio Grande do Norte a organização formal da brincadeira, as músicas, cenas, personagens são bem semelhantes, como demonstra Lima (2008) e a denominação comum é boi-de-reis. Já em Pernambuco, Estado vizinho, a denominação mais usual é cavalo-marinho e, por exemplo, muitas músicas são diferentes ou têm ritmo-melódico mais acelerado; também as partes da brincadeira são diferentes, como demonstra Murphy (1994). Os brincantes mais antigos denominavam o boi-de-reis como “reis de espadas” ou “boi-de-espadas”, devido à dança das espadas realizada durante a apresentação, onde mestre e contramestre lutam com espadas. Os depoimentos dos brincantes indicam que havia uma diferença: no boi-de-reis tinha a “dança das espadas”, com suas respectivas músicas, e no cavalo-marinho tinha a “dança dos arcos”, com suas respectivas músicas. Mestre João diz que 25 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 : ... O boi-de-reis puro só tem a dança de espadas. É uma do mestre e uma do contramestre. Não tem arco. Não tem aquela dança do arco. Agora o cavalo-marinho tem a dança do arco. É fulô, é fulô, é fulo, ai meu bem é fulô. Essa pertence ao cavalo-marinho. (Mestre João do boi, 2006 – Entrevista). Tem-se que com a mudança de nomenclatura ocorreu a esse período uma mudança na dança e na música da brincadeira. No entanto, a música da dança dos arcos não veio da brincadeira em Pernambuco. Ela tem o peril rítmico-melódico das músicas encontradas na Paraíba e no Rio Grande do Norte. Até certo tempo depois da criação do cavalo-marinho na Paraíba, os grupos denominados como boi-de-reis e cavalo-marinho eram tidos como diferentes, mas com o passar do tempo foram se misturando. Mestre João observa que: Tão misturando cavalo-marinho com boi-de-reis, boi-de-reis com cavalo-marinho. Ta um abacaxi no mei do mundo que ninguém sabe o que é. Ninguém sabe mais o que é cavalo-marinho, nem boi-de-reis, nem nada. (Mestre João do boi, 2006 – Entrevista). A partir de então é instaurada a tradição do cavalo-marinho na Paraíba, mas mantendo- se o formato e os conteúdos do boi-de-reis. Nesse caso não há a invenção de uma nova tradição, mas a intervenção em uma tradição que “... implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com o passado histórico apropriado. (Hobsbawn, 1997, p. 9). Os mestres que atuaram em Bayeux e Santa Rita, entre as décadas de 1950 a 2000, foram: - Mestre Paizinho, décadas de 1950 a 1960. (Bayeux) - Mestre Raul, décadas de 1960 a 1980. (Bayeux) - Mestre Rosendo, décadas de 1960 a 1970. (Bayeux) - Mestre Manuel Lucas, décadas de 1960 a 1970. (Várzea Nova, Santa Rita) - Mestre Zé do boi, décadas de 1960 a 1970 (em João Pessoa). - Mestre Messias, décadas de 1970 a 1980. (Bayeux). - Mestre Gasosa, décadas de 1970 a 2000. (Bayeux). - Mestre Neco Cirandeiro, década de 1990. (Várzea Nova, Santa Rita). Em 1992 Zequinha cria um grupo de cavalo-marinho em Várzea Nova, junto com Neco Cirandeiro, Manoel Francisco do Nascimento, natural de Pilar, Zona da Mata da Paraíba. Nascido em 1940, Seu Neco conheceu a brincadeira do cavalo-marinho com o Mestre Augusto Herculano, da cidade vizinha de São Miguel de Taipu. Sobre a criação desse grupo, Zequinha diz: Comecei um boi-de-reis, mas vi que não dava certo porque os menino num dançava bem as dança que eu tinha pra butar, aí eu iquei dançando cavalo-marinho, porque era três trupé só. Aí, tinha um cabra láque se chamava Neco Cirandeiro, aí começou a brincar mais eu e dixe que era mestre também de cavalo-marinho, ele morava em Várzea Nova. O grupo era meu, aí ele começou brincar mais eu, aí eu dava pra ele 26 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 mestrar também. (...) Aí, foi um tempo que houve um descontrole lá das pessoa e eu vi que num dava pra ir pra frente mais, aí eu fui e acabei. (Mestre Zequinha, 2007 – Entrevista). Nesse depoimento Mestre Zequinha airma que as danças do boi-de-reis são mais variadas que as do cavalo-marinho. Boa parte dos brincantes era de Bayeux, como Antonio Soares, que diz: Eu brincava com mano, com Zequinha. Aqui e em Várzea Nova. Eu era o Mateus... O mestre era Zequinha. A gente tinha tudo. Aí, a gente levemo os bicho, cavalo, margarida, bode, porque na casa dele num tinha lugar pra icar. Aí, levemo pra Várzea Nova, pra casa do Birico que brincava nóis. Aí, lá ele deixou na chuva e acabou os bicho tudo e aí num deu mais pra brincar. (...) Aí, a gente viemo brincar com Gasosa, ele era o Mateu e eu era o Birico. (Antonio Soares, 2008 – Entrevista). *** Bayeux foi a “porta de entrada” para a vida urbana de muitos migrantes da zona rural; cidade para onde eles trouxeram seus costumes, vivências e experiências culturais. Mestre Vavá, Edvaldo Paulino da Costa, airma que: Antigamente, aqui em Bayeux, tinha muita coisa, mas foi se acabando quase tudo. Tinha mais tribo indígena e mais cavalo-marinho. Lapinha tinha muito. A lapinha de seu Bernardo, de Zé de Souto. Mana tinha uma lapinha. Tinha o pastoril de Mestre Fuzarca. Tinha coco de roda com João do Mangue ali naqueles sítio de Imaculada. Hoje tem a ciranda de Jagunço, Eurides e Zequinha, mas quando morrer acaba. (Mestre Vavá, 2009 – entrevista). O grupo de cavalo-marinho de Mestre Zequinha foi criado em 2004, com muitas diiculdades. Tem vinte e quatro brincantes e muitos deles participam em mais de um folguedo, como na Barca, na tribo indígena, na ciranda, em grupos de quadrilha junina, de capoeira e de teatro de mamulengo. Os seis músicos e os que fazem o papel de Mateus, Birico e Catirina têm acima de cinqüenta anos, são os mais experientes e alguns vieram da zona rural. Todos são da religião católica. Seis mulheres participam do grupo: duas cantando, duas dançando como damas e duas como galantes. No passado, dançar de galante era coisa apenas para homens, mas isso mudou. A maioria dos adultos do sexo masculino é de trabalhadores, alguns da construção civil. Dalvanira Gadelha, discorrendo sobre o passado dos grupos da cidade de Bayeux, diz que “... os dançarinos são pescadores e agricultores” (Fontes, 1982, p. 170). Isso indica que houve uma mudança nas atividades proissionais e de subsistência dos brincantes desse folguedo. Atualmente na região metropolitana de João Pessoa há o grupo de cavalo-marinho do Mestre Zequinha, em Bayeux; o Cavalo-marinho Infantil de Mestre João do Boi e o Boi-de-reis Estrela do Norte, de Mestre Pirralhinho, em João Pessoa. Nesses grupos apenas a dança dos arcos é apresentada e não mais a dança das espadas. No município de Pedras de Fogo, vizinho ao Estado de Pernambuco, há um grupo de cavalo-marinho. Este grupo é igual a todos os 27 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 grupos de cavalo-marinho de Pernambuco, na estrutura e nas músicas, e bastante diferente dos anteriormente citados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Mário de. 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Entrevistado em novembro de 2000. Bayeux/PB. Gravação em MD. ANTONIO SOARES. Entrevistado em julho de 2008. Bayeux/PB. Gravação em MD. ELIETE MENDES. Entrevistado em abril de 2009. Bayeux/PB. Gravação em MD. 28 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 JOSÉ HERMÍNIO. Entrevistado em junho de 2007. Bayeux/PB. Gravação em MD. MESTRE GASOSA (José Raimundo da Silva). Entrevistado em março de 2000. Bayeux/PB. Gravação em MD. MESTRE JOÃO DO BOI (João Antonio do Nascimento). Entrevistado em novembro de 2006. João Pessoa/PB. Gravação em MD. MESTRE VAVÁ (Edvaldo Paulino). Entrevistado em agosto de 2009. Bayeux/PB. Gravação em MD. MESTRE ZEQUINHA (José Francisco Mendes). Entrevistado em junho de 2007. Bayeux/PB. Gravação em MD. 29 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 MÚSICA E PROJETOS SOCIAIS NA FAVELA DA MARÉ: REFLEXÕES PARA ESTUDO DE CASO SOBRE A PRÁTICA MU- SICAL DAS ONGS QUE ATUAM NA MARÉ Alexandre Dias alexandrediassilva@yahoo.com.br UFRJ Resumo O presente trabalho consiste em debater, através de paradigmas da etnomusicologia, as questões de identidade cultural e desenvolvimento da cidadania em projetos e programas ligados as práticas e a formação musical desenvolvidas no chamado “terceiro setor”, já que muitos projetos sociais para as favelas, formulados e executados por organizações não-governamentais, concentram seu foco de ação em atividades artísticas, com destaque para os programas em torno da música. Adoto como referência o bairro Maré formado por um conjunto de favelas, onde se evidencia a carência de equipamentos públicos básicos, o que coloca o mesmo entre os cinco piores IDHs do Rio de Janeiro, segundo a Orga- nização das Nações Unidas. A presente pesquisa consiste em perceber os motivos que levam grande parte dos projetos sociais formulados e executados por Organizações Não- -Governamentais, a concentrarem seu foco de ação em atividades artísticas. Qual seria a relação direta entre arte (em especial a música), com a cidadania? Como e quando a mú- sica recebeu a atribuição de formação para a cidadania nas favelas? Porque grande parte das organizações oferece as mesmas oicinas de violão, lauta doce, música de orques- tra e canto coral? Quais práticas musicais são consideradas formadoras de cidadania?As diiculdades relativas às várias questões que envolvem a pesquisaem etnomusicologia numa favela como a Maré, devem se reletir a partir do diálogo e interlocução entre os vários agentes, pesquisadores e pesquisados, em um contexto dinâmico de negociações e conlitos, e a partir de cuidados epistemológicos e paradigmáticos, sem perder de vista as questões sócio-econômicas. O etnomusicólogo deve reconhecer, não só as demandas culturais do espaço, como também as demandas sociais, e, desse modo, interagir para a solução de questões locais. Palavras-chave: Práticas Musicais, Terceiro Setor e Favela. Abstract The present work is to discuss, through paradigms of ethnomusicology, the issues of cul- tural identity and citizenship development projects and programs related practices and training in music developed called “third sector”, as many social projects to the slums, made and implemented by nongovernmental organizations concentrate their focus of ac- tion in artistic activities, especially for programs around the track. I adopt the neigh- borhood as a reference tide formed by a set of slums, which evidences the lack of basic public facilities, which puts it among the ive worst HDI in Rio de Janeiro, according to the United Nations. The present research is to understand the reasons why much of the social projects formulated and implemented by non-governmental organizations, to con- centrate its focus on action art activities. What would be the direct relationship between art (especially music), to citizenship? How and when the music received the award of citizenship training in the slums? Because most organizations offer the same workshops 30 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 in guitar, lute, orchestral music and choral singing? Musical practices which are con- sidered forming citizenship? The dificulties concerning the various issues surrounding research in ethnomusicology in a slum as the Tide should be relected from the dialogue and communication among the various actors, researchers and research in a dynamic context of negotiations and conlicts, and from care and epistemological paradigm, wi- thout losing sight of the socio-economic issues. The ethnomusicologist must recognize not only the cultural demands of space, but also the social demands, and thus interact to solve local issues. Keywords: Musical Practices, Third Sector and Favela. O presente trabalho pretende debater os paradigmas etnomusicológicos para a análise de projetos e programas ligados à prática e à formação musical, desenvolvidos por organizações não-governamentais sem ins lucrativos (ONGs), e suas perspectivas e objetivos junto aos espaços favelizados. Adoto como referência o bairro Maré, formado por um conjunto de favelas onde se evidencia a carência de equipamentos públicos sócio- -culturais. A Maré localiza-se entre a Linha Vermelha, Linha Amarela e Avenida Brasil, prin- cipais vias de entrada e saída da cidade do Rio de Janeiro. A região tornou-se bairro em 19 de janeiro de 1994, através da lei número 2.119 de autoria do vereador José de Moraes C. Neto, na XXX Região Administrativa do Rio de Janeiro, sancionada pelo então prefeito César Maia, entrando em vigor a partir de 24 de janeiro de 1994, momento de sua publi- cação em Diário Oicial. Apesar do decreto que criou o bairro de modo formal e institucional, o chamado complexo de favelas da Maré constitui-se através de uma história de conlitos de posse e ações públicas de remoção e urbanização para a cidade do Rio de Janeiro, iniciando-se na década de 40 após as ocupações, nas margens, e sobre as águas da Baia de Guanabara, das favelas denominadas Morro do Timbau e Baixa do Sapateiro. Com o passar dos anos e com as constantes intervenções individuais e públicas, o bairro Maré tornou-se o maior complexo de favelas do Rio de Janeiro, formado por mais de 16 comunidades e com po- pulação acima de 132.000 pessoas abrigadas em cerca de 38.000 domicílios, de acordo com os dados do CENSO MARÉ 2000 (2003). Para se ter uma idéia de sua dimensão para a cidade, o chamado Complexo de Favelas do Alemão, seu concorrente mais próximo, possui cerca de 65.000 habitantes, essa proporção, signiica que a população do bairro Maré representa aproximadamente 2,5% da população da Cidade e 1% dos habitantes do Estado, superior a de municípios como Cabo Frio, Barra do Piraí, Resende ou Angra dos Reis no Estado do Rio. 31 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o bairro Maré encon- tra-se entre os cinco piores Índices de Desenvolvimento Humano (instrumento que mede as condições de vida da população a partir de três dimensões: educação, renda e saúde) do Rio de Janeiro. Quase todas as morfologias urbanas e tipologias arquitetônicas referentes a habitações populares têm ou tiveram um exemplar na Maré: da favela labiríntica de morro ao mais cartesiano conjunto habitacional modernista, passando por palaitas em áreas alagadas e conjuntos habitacionais favelizados. Vai-se do padrão mais informal ao mais formal, que acaba se informalizando também. (JACQUES, 2002, p.19) Devemos observar na institucionalização do bairro, que essa iniciativa constitui-se em mais uma intervenção arbitrária do Estado na vida do habitante da região, pois a partir desse momento, sua relação com a cidade torna-se muito mais complexa, já que esse indivíduo será obrigado a airmar-se enquanto morador de um local claramente discriminado e estigmatizado pela carência e violência, além de marginalizado enquanto um problema para a Cidade do Rio de Janeiro. Para Cecília Maria Bouças Coimbra (1998), as ações da mídia em geral constroem a “estrita e deinitiva relação entre pobreza e classes perigosas”, na qual o morador de favela é quase que “determinantemente propenso à vida do crime”. Esse determinismo geográico, for- talecido e apropriado por boa parte da mídia, torna ainda mais difícil a integração do favelizado nas relações sociais formais de cidadania e acesso a bens materiais e culturais, o que acaba por justiicar, de certa forma, a constante descrição do carente, numa analogia ao “pobre-coitado” – do criminoso, numa relação com o selvagem – e do inculto, numa identiicação com o bárba- ro, essas são algumas das principais adjetivações da favela e do favelizado para o restante da cidade. Alguns projetos sociais para as favelas, formulados e executados no denominado “Ter- ceiro Setor”, concentram seu foco de ação em atividades artísticas, e dentro dessa perspectiva, os programas em torno da música merecem destaque. No caso da Maré, um levantamento pre- liminar sobre a atuação dessas instituições, nos dá a dimensão de que a metade, ou oito, num total de dezesseis organizações levantadas, oferecem oicinas ou atividades culturais ligadas a práticas musicais. Essas oicinas possuem, em grade parte dos casos, o objetivo de “reforçar identidades”, “recuperar a auto-estima”, “construir cidadania” e/ou “retirar as pessoas da cri- minalidade”, no entanto, quando os inevitáveis conlitos de classe se acirram, tais oicinas se revelam, muitas vezes, como formas de cooptação e controle social. A presente pesquisa, consiste em perceber os motivos que levam grande parte dos proje- tos sociais formulados e executados por organizações não-governamentais, a concentrarem seu 32 V ENABET - Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia Belém - 2011 - ISSN: 2236-0980 foco de ação em atividades artísticas. Qual seria a relação direta entre arte, e em especial a mú- sica, com a cidadania? Como e quando a música recebeu a atribuição de formação para a cida- dania nas favelas? Porque grande parte das organizações oferece oicinas e cursos de percussão, violão, lauta, música clássica entre outras, com o objetivo de reforçar identidades e recuperar a auto-estima, quais práticas musicais
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