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Universidade de Brasília – Faculdade de Comunicação Matéria: Teorias da Comunicação 1 Fichamento Guy Rocher: Sociologia Geral Partimos do princípio do desejo por compreender melhor a sociedade moderna. Desde o início do século XIX observa-se uma transformação na vida dos homens: a organização social. Assim constrói-se a sociologia, visando entender e especificar essas modificações. A partir da comparação com outros tipos de sociedade, a sociologia se mostra comparada e evolucionista. É fácil reconhecer a herança das diferentes classificações, porém, as tipologias dicotômicas continuam a ter grande influência. As encontramos quase em sua totalidade na distinção e oposição estabelecida pela sociologia moderna entre o que denomina sociedade tradicional e sociedade moderna. Esses dois tipos de sociedade podem ser comparados em três aspectos: estrutura econômica, organização social e mentalidade. A estrutura econômica na sociedade tradicional é simples: utilizam diretamente os bens que a natureza lhes fornece, operando neles o mínimo de transformação. As atividades não são praticadas individualmente, diversas são praticadas ao mesmo tempo por mais de um indivíduo. Os etnólogos classificam essas sociedades segundo a sua atividade dominante: agricultores, pescadores, caçadores, pastores etc. A tecnologia é arcaica — denominada assim quando apresenta recurso à energia natural, força animal, ao vento, água etc — tornando a economia tradicional simples, pois sua base consiste na divisão de trabalho completamente elementar, repartindo tarefas entre os sexos e classes de idade, o que acarreta uma fraquíssima produtividade do trabalho humano. Essas sociedades produzem os bens que necessitam de imediato para a sua subsistência e defesa, acumulando o excedente da produção por períodos curtos. O comércio, quando existe, só é posto em prática com comunidades vizinhas, reduzindo o número de artigos, enquanto a moeda é praticamente não existente, e quando existe é pouco utilizada. Esse tipo de economia acarreta importantes implicações demográficas. Por contar apenas com os recursos naturais à disposição, a sociedade tradicional dispõe de um território vasto em relação à população, pois o crescimento demográfico não pode ser rápido, uma vez que o equilíbrio entre a população e os recursos custariam a se manter. São dois os pontos onde a sociedade tradicional repousa: o parentesco e os grupos de idade. O parentesco funda-se no reconhecimento dos laços de sangue e de aliança pelo casamento. Pela presença em um grupo de parentesco, os indivíduos se veem obrigados a manter certos sentimentos relativamente aos outros membros do grupo. O Parentesco confere a cada membro sua personalidade social , pelo lugar que ocupa no sistema de parentesco. Constitui uma vasta rede de interdependência e, presente em quase todas as sociedades tradicionais, torna-se o pilar das comunidades. Um aspecto importante nas categorias de idade, sublinhado por Varagne e Miner, é a observação da fusão entre o sobrenatural e o temporal. Essas sociedades estão sempre estreitamente ligadas ao sagrado e, a todos os níveis, o poder é simultaneamente religioso e político. Essa fusão confere um certo globalismo: o homem obedece a normas em nome do sagrado e em nome da sociedade. Cada membro da sociedade tradicional lhe pertence de uma maneira global e incondicional, ligado à sociedade mais de uma maneira difusa que específica. Há um forte preconceito que retardou os progressos da antropologia moderna: o de que existia uma mentalidade primitiva . Levy-Bruhl se opunha à mentalidade lógica da civilização oriental, à mentalidade pré-lógica do homem primitivo, mostrando que a última operava na base de princípios fundamentais que diferem da lógica racional. Hoje em dia essa teoria está completamente posta de parte, pois as diferenças passaram a ser exploradas por outras vias. Existe uma vasta gama de conhecimentos cientificamente válidos nas sociedades tradicionais mais primitivas , mas esses conhecimentos são essencialmente empíricos: falta-lhes o quadro e o fundamento teórico que formam a ciência moderna; portanto, são informações verdadeiras, úteis e práticas, mas não constituem uma ciência. Levi-Strauss, após uma análise profunda sobre a mentalidade tradicional, recorre a comparação entre o amador mecânico e o engenheiro. Enquanto o amador possui conhecimentos empíricos, o engenheiro, embora por vezes menos dotado que o amador para os trabalhos em casa, tem os conhecimentos teóricos e experimentais profundos que lhe permitem conceber e dirigir vastos trabalhos. Os conhecimentos do amador, não menos válidos que os do engenheiro, não são da mesma ordem nem nível. O conhecimento empírico é fruto de uma observação paciente e atenta do mundo ao redor, constrói-se a partir do acúmulo de informações detalhadas e fragmentadas. Sendo transmitido geracionalmente, desde os tempos imemoriais, esse conhecimento se mostra tradicional. O conservantismo que caracteriza a mentalidade tradicional é uma proteção contra tudo o que ameaça a tradição como base da ordem intelectual e da adaptação conseguida através da ordem natural. Existe uma grande diferença entre a mentalidade do mecânico amador e do primitivo: enquanto o primeiro sabe que existe uma ciência teórica que ele não reconhece, porém respeita, o segundo a ignora por completo, chegando a, caso a conheça, desprezá-la. A mitologia tem foros de ciência teórica: é o mito que liga os conhecimentos díspares e heteróclitos entre si, é onde esses esses conhecimentos adquirem significado e coerência. A mitologia ocupa simultaneamente o lugar da ciência natural, da história e da ciência social. Segundo Georges Friedmann, o meio natural é aquele em que o homem vive em contato direto com a natureza, enquanto o meio técnico interpõe entre o homem e a natureza uma série de máquinas: o homem deixa de depender da natureza; pelo contrário, tende a submetê-la às suas necessidades. A economia tecnológica é uma economia de produção , caracterizada pela produtividade do trabalho humano elevada. É uma economia que implica uma expansão contínua, contrariando a economia de subsistência, pois esta não pode ser estável, a menos que na decadência. A tecnologia não basta para explicar o aumento da produtividade, outros três fatores concorrem para este resultado. Primeiramente, o investimento de grandes capitais. A sociedade tecnológica requer um aparelho monetário complexo, baseado no crédito como na própria moeda — a revolução industrial como exemplo. Em segundo lugar vem a divisão do trabalho cada vez maior: a produtividade se multiplica quando o trabalho em cadeia substitui a confecção completa. Em terceiro lugar, temos o deslocamento da mão-de-obra do setor de produção a que se chama primário para os setores secundário e terciário. Enquanto o primário é o setor da exploração dos recursosnaturais, o secundário inclui todas as atividades de transformação da matéria prima em produtos trabalhados, e o terciário inclui todas as atividades do comércio, transporte, comunicação, os serviços profissionais e públicos, as profissões e, de uma maneira geral, os trabalhos não-manuais. Essa evolução da divisão do trabalho e da estrutura do emprego acarretou uma importante consequência: a ruptura entre o produtor e o consumidor. O trabalhador produz para o mercado que nem sequer conhece, o local de trabalho está separado do local de residência, a produção distinguindo-se radicalmente do repouso do lazer e do consumo. Como mostram Halbwachs e Chombart de Lauwe, as necessidades humanas não estão fixadas nem estabelecidas: evoluem com os ciclos econômicos. Por ocasião de um período de prosperidade econômica, necessidades tornam-se requintadas, voltando-se para vestuário, habitação, e ainda mais, a necessidade da televisão e do automóvel tornou-se quase tão elementar como a necessidade de alimentação. São novas ordens de necessidade: intelectuais, estéticas e espirituais. A publicidade e toda forma de promoção do produto tendem a aumentar a procura, elevando sempre o nível da necessidade dos consumidores. A sociedade tecnológica comporta um número incomparavelmente maior de elementos ou estruturas do que a sociedade tradicional. Seu caráter dominante é a sua complexidade, ainda difícil de ser descrita de forma integrada e coerente. Tal sociedade impõe aos seus membros um grande número de relações, em todos os aspectos de suas vidas. O homem dessa sociedade deve ser um produtor, não só no domínio industrial, mas na ordem intelectual, artística, política e até religiosa, enquanto na sociedade tradicional não existe sequer um universo de trabalho organizado, estruturado e dominante. Do ponto de vista sociológico, por ser uma sociedade de produção, a sociedade tecnológica é uma sociedade profissionalizada e, embora numerosas e diversificadas, as ocupações nessa sociedade não deixam de ser hierárquicas: há a chamada escala de prestígio das ocupações. Além disso, o mundo do trabalho nessa sociedade é extremamente burocrático. A burocracia não nasceu no século passado, ela sempre existiu, sociedades antigas como a do antigo Egito são prova disso. Mas na sociedade moderna, a multiplicação das ocupações e desenvolvimento das grandes empresas tornaram-na mais necessária do que nunca. Se o poder político separa-se do poder religioso, é para aproximar-se do poder econômico, afinal, os homens políticos não podem ignorar os que detêm grande poder econômico. O dinheiro torna-se uma medida precisa, cuja existência é essencial para toda a organização atual do trabalho. Também é medida de prestígio, autoridade, deveres e responsabilidades ligados a uma posição. A qualidade da pessoa deixa de estar na causa: é o lugar que comanda o salário. As classes sociais representam uma realidade sócio-econômica de primeira importância: como Marx mostrou, suas raízes mergulham nas relações de produção e no acesso diferencial aos meios de produção, são o produto direto de uma sociedade de produção e trabalho. Observa-se muitas vezes divergências de interesses entre diferentes grupos de trabalhadores, mas a concentração desses indivíduos permitiu uma tomada de consciência coletiva dos interesses comuns a todos os membros de uma mesma categoria, ou grupo econômico. É fato que, só no meio industrial e urbano, poderia institui-se a classe social no sentido estrito, assim como uma verdadeira consciência e, consequentemente, luta de classes. A mentalidade da sociedade tecnológica é profundamente desmistificada, embora não seja difícil descobrir-lhe muitas marcas do pensamento mágico e místico. A racionalidade funda-se na convicção de que as coisas encontram a sua explicação nelas próprias, não no mito ou tradição. Uma verdade é aceita e reconhecida porque é demonstrável logicamente ou experimentalmente, de maneira objetiva. A racionalidade liga-se com a fé na ciência, fundamento principal e traço mais característico da mentalidade tecnológica. A ciência é sempre aceita como sendo sempre móvel, em estado de progresso contínuo, portanto, a fé na ciência liga-se à fé no progresso e no progresso indefinido: a mentalidade tecnológica valoriza a mudança porque valoriza o progresso. É normal que a valorização da instrução ande a par com a racionalidade e fé na ciência, entretanto há uma certa ambivalência: embora considerada útil e essencial, desconfia-se do homem demasiadamente instruído nas ideias abstratas e a quem falta realismo. A expressão “os intelectuais” é por vezes empregada com sentido pejorativo. Na brassagem de ideias, o clima de liberdade e discussão supõe uma mentalidade que aceite a mudança e a inovação. Quanto mais a sociedade tecnológica se desenvolve e generaliza a instrução, pontos de espírito crítico nascem, com aspirações à liberdade de pensamento e expressão, criando, consequentemente, conflitos de valores Um último aspecto da mentalidade tecnológica é o seu grande sentimento de superioridade quanto à sociedade tradicional. A cultura tecnológica e urbana é de natureza invasora para com as sociedades tradicionais, e o inverso é muito raro. Existe um rico folclore urbano para caricaturar o camponês, ao qual julga-se rústico e atrasado. Porém, tal sentimento, pode estar misturado à uma espécie de inveja direcionada ao indivíduo que vive com a natureza, que é dono e senhor do seu mundo. No homem urbano, permanece uma nostalgia romântica e idealizada pela vida natural, uma vez que só a conhece superficialmente.
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