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41Hormônios pancreáticos e fármacos antidiabéticos E S T U D O D E C A S O Martha S. Nolte Kennedy, MD, e Umesh Masharani, MBBS, MRCP (UK) Uma mulher hispânica de 56 anos de idade procura um médico com queixas de fadiga, aumento da sede, micção frequente e intolerância ao exercício com falta de ar, com muitos meses de duração. Ela não procura assistência mé- dica regular e não tem conhecimento de nenhum problema clínico. A história familiar é signifi cativa pela ocorrência de obesidade, diabetes, pressão arterial elevada e doença arterial coronariana em ambos os pais e vários irmãos. Não utiliza nenhuma medicação. Cinco de seus seis fi lhos nas- ceram com peso acima de 4 kg. O exame físico revela IMC (índice de massa corporal) de 34, pressão arterial de 150/90 mmHg e evidências de neuropatia periférica discreta. Os exames laboratoriais revelam um nível de glicemia alea- tório de 261 mg/dL, confi rmado com a determinação da glicose plasmática em jejum de 192 mg/dL. O painel de lipídeos em jejum revela colesterol total de 264 mg/dL, tri- glicerídeos de 255 mg/dL, lipoproteínas de alta densidade de 43 mg/dL e de baixa densidade de 170 mg/dL. Que tipo de diabetes essa mulher tem? Que outras avaliações devem ser obtidas? Como você trataria esse caso de diabetes? � O PÂNCREAS ENDÓCRINO No indivíduo adulto, o pâncreas endócrino consiste em apro- ximadamente um milhão de ilhotas de Langerhans distribuí- das por toda a glândula. No interior das ilhotas, existem pelo menos cinco tipos de células produtoras de hormônios (Tabela 41-1). Os produtos hormonais incluem a insulina, o hormônio anabólico e de armazenamento do organismo; o polipeptídeo amiloide das ilhotas (IAPP ou amilina), que modula o apetite, o esvaziamento gástrico e a secreção de glucagon e insulina; o glucagon, o fator hiperglicemiante que mobiliza as reservas de glicogênio; a somatostatina, um inibidor universal das células secretoras; o peptídeo pancreático, uma pequena proteína que facilita os processos digestivos por um mecanismo que ainda não está bem esclarecido; e a grelina, um peptídeo que aumenta a liberação do hormônio de crescimento da hipófise. O diabetes melito é definido por níveis elevados de glice- mia associados a uma secreção pancreática de insulina inade- quada ou ausente, com ou sem comprometimento concomi- tante da ação da insulina. Na atualidade, os estados mórbidos subjacentes ao diagnóstico de diabetes melito são classificados em quatro categorias: diabetes melito tipo 1, tipo 2, outros tipos e diabetes melito gestacional. C A P Í T U L O Diabetes melito tipo 1 O diabetes tipo 1 caracteriza-se basicamente pela destruição seletiva das células beta (células B) e por deficiência grave ou absoluta de insulina. O diabetes tipo 1 é ainda subdividido em causas imune (tipo 1a) e idiopática (tipo 1b). A forma imune representa a forma mais comum de diabetes tipo 1. Embora os pacientes tenham, em sua maioria, menos de 30 anos por oca- sião do diagnóstico, o início da doença pode ocorrer em qual- quer idade. O diabetes tipo 1 é encontrado em todos os grupos étnicos, porém a sua maior incidência é observada em pessoas da Europa setentrional e da Sardenha. A suscetibilidade pare- ce envolver uma ligação genética multifatorial, porém apenas 10 a 15% dos pacientes apresentam história familiar positiva. Os pacientes com diabetes tipo 1 apresentam, em sua maioria, um ou mais anticorpos circulantes contra a ácido glutâmico descarboxilase 65 (GAD 65), autoanticorpo anti-insulina, tiro- sina fosfatase IA2 (ICA 512) e transportador de zinco 8 (ZnT8), por ocasião do diagnóstico. Esses anticorpos facilitam o diag- nóstico de diabetes tipo 1a e, também, podem ser usados para rastreamento de familiares com risco de desenvolver a doença. Nos indivíduos com diabetes tipo 1, a terapia de reposição com insulina é necessária para manutenção da vida. A insulina farmacológica é administrada por injeção no tecido subcutâneo, 724 SEÇÃO VII Fármacos endócrinos utilizando-se um dispositivo de injeção manual ou uma bom- ba de insulina que infunde continuamente insulina sob a pele. A interrupção da terapia de reposição com insulina pode com- portar risco de vida e resultar em cetoacidose diabética ou morte. A cetoacidose diabética é causada pela presença insu- ficiente ou ausência de insulina, resultando da liberação ex- cessiva de ácidos graxos, com formação subsequente de níveis tóxicos de cetoácidos. Alguns pacientes com diabetes tipo 1 apresentam um pro- cesso autoimune mais indolente e, inicialmente, mantém um grau suficiente de função das células beta para evitar a cetose. Podem ser tratados inicialmente com agentes hipoglicemiantes orais; todavia, em seguida, necessitam de insulina com o declínio da função das células beta. Estudos de anticorpos em pacientes da Europa Setentrional indicam que até 10 a 15% dos pacientes “tipo 2” podem na verdade apresentar essa forma mais leve de diabetes tipo 1 (diabetes autoimune latente do adulto; DALA). Diabetes melito tipo 2 O diabetes tipo 2 caracteriza-se por resistência dos tecidos à ação da insulina, com deficiência relativa na secreção do hor- mônio. O indivíduo pode apresentar maior resistência ou maior deficiência de células beta, e as anormalidades podem ser dis- cretas ou graves. Embora a insulina seja produzida pelas células beta nesses pacientes, o hormônio é inadequado para superar a resistência, e ocorre elevação do nível de glicemia. O compro- metimento da ação da insulina também afeta o metabolismo dos lipídeos, resultando em aumento do fluxo de ácidos graxos livres e do nível de triglicerídeo e, de modo recíproco, em bai- xos níveis de lipoproteínas de alta densidade (HDL). Os indivíduos portadores de diabetes tipo 2 talvez não ne- cessitem de insulina para sobreviver; entretanto, 30% ou mais beneficiam-se da insulinoterapia para controlar a glicemia. Em- bora pacientes com diabetes tipo 2 normalmente não desenvol- vam cetose, pode ocorrer cetoacidose em situações de estresse, como infecção ou uso de medicações que aumentam a resistên- cia, por exemplo, corticosteroides. Nos indivíduos com diabe- tes tipo 2 sem tratamento ou controlado de modo inadequado, a desidratação pode levar a uma condição potencialmente fatal, denominada coma hiperosmolar não cetótico. Nessa condi- ção, o nível de glicemia alcança de 6 a 20 vezes os valores de referência, e o indivíduo apresenta alteração do estado mental ou perda da consciência. Essa condição exige assistência médica urgente e reidratação. Outros tipos específicos de diabetes melito A designação “outro” refere-se a múltiplas outras causas espe- cíficas de elevação da glicemia: pancreatectomia, pancreatite, doenças não pancreáticas, terapia farmacológica, etc. Para uma lista detalhada, o leitor deve consultar a referência Expert Com- mittee, 2003. Diabetes melito gestational (DMG) O DMG é definido como qualquer anormalidade dos níveis de glicose observada pela primeira vez durante a gravidez. Nos Estados Unidos, o DMG é diagnosticado em cerca de 7% de to- das as gestações. Durante a gravidez, a placenta e os hormônios placentários criam uma resistência à insulina, que se torna mais pronunciada no último trimestre. Recomenda-se uma avalia- ção do risco de DM por ocasião da primeira visita pré-natal. As mulheres de alto risco devem ser imediatamente submeti- das à triagem. Nas mulheres que correm menor risco, a triagem pode ser adiada até as semanas 24 a 28 da gestação. � INSULINA Química A insulina é uma pequena proteína com peso molecular de 5.808 nos seres humanos. Contém 51 aminoácidos dispostos em duas cadeias (A e B) unidas por pontes de dissulfeto; existem TABELA 41-1 Células das ilhotas pancreáticas e seus produtos secretores Tipos de células1 Porcentagem aproximada de massa das ilhotas Produtos secretores Célula alfa (A) 20 Glucagon, proglucagon Célula beta (B) 75 Insulina, peptídeo C, proinsulina, amilina Célula delta(D) 3-5 Somatostatina Célula épsilon < 1 Grelina 1No interior dos lóbulos pancreáticos ricos em polipeptídeos das ilhotas do adulto, localizadas apenas na porção posterior da cabeça do pâncreas humanos, as células secretoras de glucagon são escassas (< 0,5%), já as células F compreendem até 80% das células. Cadeia A Cadeia B Peptídeo C 20 10 21 10 1 1 3 30 31 32 2928 S S S S S S FIGURA 41-1 Estrutura da proinsulina humana (peptídeo C mais cadeias A e B) e da insulina. A insulina é mostrada na forma de cadeias pep- tídicas sombreadas (cor de laranja), A e B. As diferenças nas cadeias A e B e as modificações de aminoácidos para os análogos da insulina de ação rápida (asparte, lispro e glulisina) e os análogos de insulina de ação longa (glargina e detemir) são discutidas no texto. (Adaptada, com autorização, de Gardner DG, Shoback D [editores]: Greenspan’s Basic & Clinical Endocrinology, 9th ed. McGraw-Hill, 2011. Copyright © The McGraw-Hill Companies, Inc.) CAPÍTULO 41 Hormônios pancreáticos e fármacos antidiabéticos 725 diferenças nos aminoácidos de ambas as cadeias de acordo com a espécie. A proinsulina, uma longa molécula proteica de ca- deia simples, é processada no interior do aparelho de Golgi das células beta e armazenada em grânulos, onde é hidrolisada em insulina e em um segmento de conexão residual denominado peptídeo C, por meio de remoção de quatro aminoácidos (Fi- gura 41-1). A insulina e o peptídeo C são secretados em quantidades equimolares em resposta a todos os secretagogos de insuli- na; ocorre também liberação de uma pequena quantidade de proinsulina não processada ou parcialmente hidrolisada. Enquanto a proinsulina exibe alguma ação hipoglicemiante discreta, o peptídeo C não desempenha nenhuma função fi- siológica conhecida. Os grânulos no interior das células beta armazenam a insulina nas formas de cristais que consistem em dois átomos de zinco e seis moléculas de insulina. O pâncreas humano contém até 8 mg de insulina, representando cerca de 200 unidades biológicas. Originalmente, a unidade era defi- nida com base na atividade hipoglicemiante da insulina em coelhos. Com o aprimoramento das técnicas de purificação, a unidade é hoje definida com base no peso, e os padrões atuais de insulina utilizados para fins de dosagem contêm 28 unida- des por miligrama. Secreção da insulina A insulina é liberada das células beta do pâncreas em baixa taxa no estado basal e em uma taxa estimulada muito mais alta em resposta a uma variedade de estímulos, em particular a glicose. São também conhecidos outros estimulantes, como outros açú- cares (p. ex., manose), aminoácidos (particularmente aminoáci- dos gliconeogênicos, p. ex., leucina, arginina), hormônios como o polipeptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1), polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP), glucagon, cole- cistocinina, altas concentrações de ácidos graxos e atividade simpática β-adrenérgica. Os fármacos estimulantes incluem as sulfonilureias, meglitinida e nateglinida, isoproterenol e acetil- colina. Os sinais inibitórios consistem em hormônios, inclusive a própria insulina e leptina, atividade simpática α-adrenérgica, elevação crônica da glicose e baixas concentrações de ácidos graxos. Os fármacos inibitórios incluem diazóxido, fenitoína, vimblastina e colchicina. A Figura 41-2 fornece um diagrama do mecanismo de libe- ração estimulada da insulina. Conforme ilustrado, a hiperglice- mia resulta em aumento dos níveis intracelulares de ATP, que fecham os canais de potássio dependentes de ATP. A diminui- ção do efluxo de potássio resulta de despolarização da célula beta e abertura dos canais de cálcio regulados por voltagem. O consequente aumento do cálcio intracelular desencadeia a secreção do hormônio. O grupo de fármacos secretagogos da insulina (sulfonilureias, meglitinidas e d-fenilalanina) explora certos aspectos desse mecanismo. Degradação da insulina O fígado e os rins são os dois principais órgãos que removem a insulina da circulação. Em geral, o fígado depura cerca de 60% da insulina circulante liberada pelo pâncreas, em virtude de sua localização como sítio terminal do fluxo sanguíneo da veia porta, ao passo que os rins removem 35 a 40% do hormô- nio endógeno. Entretanto, em diabéticos tratados com insulina, que recebem injeções subcutâneas do hormônio, essa relação é invertida, de modo que até 60% da insulina exógena são depu- rados pelo rim, já o fígado não remove mais do que 30 a 40%. A meia-vida da insulina circulante é de 3 a 5 minutos. Insulina circulante São encontrados níveis basais séricos de insulina de 5 a 15 µU/mL (30 a 90 pmol/L) nos indivíduos normais, com elevação máxima para 60 a 90 µU/mL (360 a 540 pmol/L) durante as refeições. +– – Insulina Insulina Exocitose Glicose Transportador de glicose Metabolismo GLUT2 ATP Canal de K+ Sulfonilureias (bloqueio, despolarização) Canal de Ca2+ (a despolarização abre o canal) Ca2+Ca2+ K+(Fechamento do canal, despolarização da célula) FIGURA 41-2 Modelo de controle da liberação de insulina da célula beta do pâncreas pela glicose e pelas sulfonilureias. Na célula em repouso com níveis normais (baixos) de ATP, o potássio sofre difusão ao longo de seu gradiente de concentração através dos canais de potássio regulados pelo ATP, mantendo o potencial intracelular em um nível negativo totalmente polarizado. A liberação da insulina é mínima. Se houver elevação dos níveis de glicose, a produção de ATP aumenta, ocorre fechamento dos canais de potássio, e as células sofrem despolarização. Conforme observado no músculo e no nervo, os canais de cálcio regulados por voltagem abrem-se em resposta à despolarização, possibilitando a entrada de mais cálcio dentro da célula. O aumento de cálcio intracelular resulta em secreção aumentada de insulina. Os secretagogos da insulina fecham os canais de potássio dependentes de ATP, com consequente despolarização da membrana e aumento da liberação de insulina por meio do mesmo mecanismo. 726 SEÇÃO VII Fármacos endócrinos Receptor de insulina Após a sua entrada na circulação, a insulina sofre difusão nos tecidos, onde se liga a receptores especializados presentes nas membranas da maioria dos tecidos. As respostas biológicas promovidas por esses complexos de insulina-receptor foram identificadas nos tecidos-alvo primários que regulam o meta- bolismo energético, isto é, no fígado, no músculo e no tecido adiposo. Os receptores ligam-se à insulina com alta especifici- dade e afinidade, em quantidades da ordem de picomolares. O receptor de insulina integral consiste em dois heterodímeros ligados de modo covalente, contendo, cada um deles, uma su- bunidade α, que é totalmente extracelular e que constitui o sítio de reconhecimento, e uma subunidade β, que se estende pela membrana (Figura 41-3). A subunidade β contém uma tirosi- na-cinase. A ligação de uma molécula de insulina às subuni- dades α na superfície externa da célula ativa o receptor e, por meio de uma mudança de conformação, determina a estreita aproximação das alças catalíticas das subunidades β citoplas- máticas opostas. Esse processo facilita a fosforilação mútua de resíduos de tirosina nas subunidades β e a atividade da tirosina- -cinase dirigida às proteínas citoplasmáticas. As primeiras proteínas a serem fosforiladas pelas tirosinas- -cinase ativadas do receptor incluem as de atracagem, os substra- tos do receptor de insulina (IRS). Após a fosforilação da tirosina em vários sítios críticos, as moléculas de IRS ligam-se a outras cinases ativas envolvidas no metabolismo energético – particu- larmente a fosfatidilinositol-3-cinase – resultando em mais fos- forilações. De modo alternativo, podem estimular uma via mi- togênica e ligar-se a uma proteína adaptadora, como a proteína de ligação do receptor de fatores de crescimento 2, que traduz o sinal da insulina em um fator de liberação de nucleotídeo de guanina, que finalmente ativa a proteína de ligaçãodo GTP, Ras, e o sistema de proteínas-cinase ativadas por mitógenos (MAPK). As tirosinas-cinase particulares fosforiladas por IRS apresentam especificidade de ligação a moléculas distais, com base em suas sequências de 4 a 5 aminoácidos circundantes ou modelos que reconhecem domínios específicos de homologia Src 2 (SH2) na outra proteína. Essa rede de fosforilações dentro da célula repre- senta o segundo mensageiro da insulina e resulta em múltiplos efeitos, inclusive translocação de transportadores da glicose (par- ticularmente GLUT4, Tabela 41-2) para a membrana celular, com consequente aumento da captação de glicose, aumento da atividade da glicogênio-sintase e da formação de glicogênio, múl- tiplos efeitos sobre a síntese de proteína, lipólise e lipogênese, e a ativação de fatores de transcrição, que aumentam a síntese de DNA e o crescimento e a divisão das células. Vários agentes hormonais (p. ex., glicocorticoides) dimi- nuem a afinidade dos receptores de insulina pelo hormônio; o Receptor Domínio da tirosina- -cinase Via da fosfatidilinositol- 3-cinase Via da MAP cinase ATP Subunidades β P P ADP Tyr – P IRS Tyr IRS Subunidades α Molécula de insulina Extracelular Citoplasma + + FIGURA 41-3 Diagrama esquemático do heterodímero do recep- tor de insulina no estado ativado. IRS, substrato do receptor de insu- lina; MAP, proteína ativada por mitógeno; P, fosfato; Tyr, tirosina. TABELA 41-2 Transportadores da glicose Transportador Tecidos Km da glicose (mmol/L) Função GLUT1 Todos os tecidos, particularmente os eritrócitos e o cérebro 1-2 Captação basal de glicose; transporte através da barreira hematencefálica GLUT2 Células beta do pâncreas; fígado; rins; intestino 15-20 Regulação da liberação de insulina, outros aspectos da homeostasia da glicose GLUT3 Cérebro, placenta < 1 Captação em neurônios, outros tecidos GLUT4 Músculo, tecido adiposo ≈ 5 Captação da glicose mediada pela insulina GLUT5 Intestino, rim 1-2 Absorção da frutose hormônio do crescimento em excesso aumenta um pouco essa afinidade. A fosforilação aberrante da serina e da treonina das subunidades β do receptor de insulina ou das moléculas de IRS pode resultar em resistência à insulina e infrarregulação do re- ceptor funcional. Efeitos da insulina sobre seus alvos A insulina promove o armazenamento de gordura e de glicose (am- bas fontes de energia) no interior das células-alvo especializadas CAPÍTULO 41 Hormônios pancreáticos e fármacos antidiabéticos 727 (Figura 41-4) e influencia o crescimento celular e as funções meta- bólicas de uma ampla variedade de tecidos (Tabela 41-3). Característica das preparações de insulina disponíveis As preparações de insulina comerciais diferem em diversos aspectos, como diferenças nas técnicas de produção por DNA recombinante, sequência de aminoácidos, concentração, solu- bilidade e tempo de início e duração de sua ação biológica. A. Principais tipos e duração de ação das preparações de insulina Há quatro tipos principais de insulina injetáveis: (1) de ação rápida, com início muito rápido e curta duração; (2) de ação curta, com rápido início de ação; (3) de ação intermediária; e (4) de ação longa, com início lento (Figura 41-5, Tabela 41-4). As insulinas de ação rápida e de ação curta injetáveis são apre- sentadas na forma de soluções transparentes em pH neutro e contêm pequenas quantidades de zinco para melhorar a sua estabilidade e o prazo de validade. As insulinas NPH de ação intermediária injetáveis foram modificadas para se obter uma ação prolongada e são apresentadas na forma de suspensão tur- va em pH neutro, com protamina em tampão de fosfato (in- sulina com protamina neutra Hagedorn [NPH]). A insulina glargina e a detemir são solúveis e transparentes de ação longa. A meta da insulinoterapia por via subcutânea consiste em reproduzir a secreção fisiológica normal de insulina e repor a insulina basal (noturna, em jejum e entre as refeições), bem como a insulina em bolo ou prandial (durante as refeições). Uma reprodução exata do perfil normal de glicemia não é tec- nicamente possível, em razão das limitações inerentes na admi- nistração subcutânea de insulina. Em geral, os esquemas atuais usam análogos de insulina, em virtude de sua ação mais previsí- vel. A terapia intensiva (“controle rigoroso”) procura restaurar os valores de glicemia a valores quase normais durante o dia e, ao mesmo tempo, minimizar o risco de hipoglicemia. Os esquemas intensivos envolvendo injeções diárias múl- tiplas (IDM) utilizam análogos da insulina de ação longa para proporcionar uma cobertura basal, ao passo que os análogos de insulina de ação rápida suprem as necessidades nas horas das refeições. Essas últimas insulinas são administradas como doses suplementares para corrigir a hiperglicemia transitória. O esquema mais aprimorado de insulina administra análo- gos de insulina de ação rápida por meio de um dispositivo de infusão contínua por via subcutânea. A terapia convencional consiste em injeções de misturas de insulinas de ação rápida ou curta e de ação intermediária em doses fracionadas. 1. Insulina de ação rápida – Dispõe-se, comercialmente, de três análogos de insulina de ação rápida injetáveis – insulina lispro, insulina asparte e insulina glulisina. As insulinas de ação rápida permitem uma reposição prandial mais fisiológica de insulina, em virtude de seu rápido início de ação e ação má- xima precoce, que simulam melhor a secreção prandial normal de insulina endógena do que a insulina regular. Além disso, têm o benefício adicional de permitir a administração de insulina imediatamente antes da refeição, sem sacrificar o controle da glicose. Sua ação raramente passa de 4 a 5 horas, o que dimi- nui o risco de hipoglicemia pós-prandial. As insulinas de ação rápida injetáveis exibem a menor variabilidade de absorção (cerca de 5%) de todas as insulinas comerciais disponíveis (em comparação com 25% para a insulina regular e de 25 a mais de 50% para as formulações do análogo de ação longa e insulina Pâncreas Nervo vago Gordura Fígado Músculo Intestino + + Substrato Insulina Hormônios beta-citotrópicos FIGURA 41-4 A insulina promove a síntese (a partir de nutrientes circulantes) e o armazenamento de glicogênio, triglicerídeos e pro- teínas em seus principais tecidos-alvo: o fígado, o tecido adiposo e o músculo. A liberação de insulina pelo pâncreas é estimulada por níveis aumentados de insulina, incretina e estimulação nervosa vagal e outros fatores (ver o texto). TABELA 41-3 Efeitos endócrinos da insulina Efeito sobre o fígado: Reversão das características catabólicas da deficiência de insulina Inibe a glicogenólise Inibe a conversão dos ácidos graxos e aminoácidos em cetoácidos Inibe a conversão dos aminoácidos em glicose Ação anabólica Promove o armazenamento da glicose na forma de glicogênio (induz a glicocinase e a glicogênio-sintase, inibe a fosforilase) Aumenta a síntese de triglicerídeos e a formação de lipoproteínas de densidade muito baixa Efeitos sobre o músculo: Aumento da síntese de proteínas Aumenta o transporte de aminoácidos Aumenta a síntese ribossômica de proteínas Aumento da síntese de glicogênio Aumenta o transporte de glicose Induz a glicogênio-sintase e inibe a fosforilase Efeitos sobre o tecido adiposo: Aumento do armazenamento de triglicerídeos A lipoproteína lipase é induzida e ativada pela insulina, hidrolisando triglicerídeos a partir de lipoproteínas O transporte de glicose para dentro da célula fornece fosfato de glicerol, possibilitando a esterificação de ácidos graxos supridos pelo transporte de lipoproteínas A lipase intracelular é inibida pela insulina 728 SEÇÃO VII Fármacos endócrinos intermediária, respectivamente). Elas constituem as insulinas preferidas para uso em dispositivos de infusão contínua de in- sulina subcutânea. A insulina lispro, o primeiro análogo de insulina monomé- rica comercializado, é produzida por tecnologiarecombinante, em que dois aminoácidos situados próximo da extremidade carboxiterminal da cadeia B tiveram a sua posição invertida: a prolina na posição B28 passou para a posição B29, ao passo que a lisina na posição B29 foi deslocada para a posição B28 (Figu- ra 41-1). A inversão desses dois aminoácidos não interfere de modo algum na ligação da lispro ao receptor de insulina, na sua meia-vida circulante ou na sua imunogenicidade, que se asse- melham às da insulina regular humana. Todavia, a vantagem desse análogo reside na sua tendência muito baixa – em contras- te com a insulina humana – de se autoassociar de modo antipa- ralelo, formando dímeros. Para aumentar o prazo de validade da insulina em frascos, a lispro é estabilizada em hexâmeros, por um conservante de cresol. Quando injetada por via subcutânea, a lispro dissocia-se com rapidez em monômeros e sofre rápi- da absorção, com início de ação em 5 a 15 minutos e atividade máxima em apenas 1 hora. O tempo levado para exercer a ação máxima é relativamente constante, não dependendo da dose. 8 7 6 5 4 3 2 1 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 Tempo (h) Ta xa d e in fu sã o de g lic os e (m g/ kg /m in ) Lispro, asparte, glulisina Regular NPH GlarginaDetemir FIGURA 41-5 Extensão e duração de ação de vários tipos de insulina, conforme indicado pelas taxas de infusão de glicose (mg/kg/min) ne- cessárias para se manter uma concentração constante de glicose. As ações duram o indicado para uma dose média de 0,2 a 0,3 U/kg. A duração da insulina regular e da NPH aumenta consideravelmente quando se aumenta a dose. TABELA 41-4 Algumas preparações de insulina disponíveis nos Estados Unidos1 Preparação Espécie de origem Concentração Insulinas de ação rápida Insulina lispro, Humalog (Lilly) Análoga humana 100 U Insulina asparte, Novolog (Novo Nordisk) Análoga humana 100 U Insulina glulisina, Apidra (Aventis) Análoga humana 100 U Insulinas de ação curta Regular Novolin R (Novo Nordisk) Humana 100 U Regular Humulin R (Lilly) Humana 100 U, 500 U Insulinas de ação intermediária NPH Humulin N (Lilly) Humana 100 U NPH Novolin N (Novo Nordisk) Humana 100 U Insulinas pré-misturadas Novolin 70 NPH/30 regular (Novo Nordisk) Humana 100 U Humulin 70 NPH/30 regular (Lilly) Humana 100 U 75/25 NPL Lispro (Lilly) Análoga humana 100 U 70/30 NPA, Asparte (Novo Nordisk) Análoga humana 100 U Insulinas de ação longa Insulina detemir, Levemir (Novo Nordisk) Análoga humana 100 U Insulina glargina, Lantus (Aventis/Hoechst Marion Roussiel) Análoga humana 100 U 1Esses agentes (à exceção da lispro, da asparte, da detemir, da glargina, da glulisina e da Humulin regular 500U) estão disponíveis sem prescrição. Todas as insulinas são atualmente produzidas por tecnologia recombinante; devem ser refrigeradas e levadas à temperatura ambiente imediatamente antes de sua injeção. NPL, protamina lispro neutra; NPA, protamina asparte neutra. CAPÍTULO 41 Hormônios pancreáticos e fármacos antidiabéticos 729 A insulina asparte foi criada pela substituição da prolina na posição B28 por um ácido aspártico de carga negativa (Figura 41-1). Essa modificação reduz a interação normal entre monô- meros de ProB28 e GlyB23, inibindo, assim, a autoagregação da insulina. Sua absorção e perfil de atividade assemelham-se aos da lispro; além disso, exibe maior reprodutibilidade do que a insulina regular, porém apresenta propriedades de ligação, ca- racterísticas de atividade e mitogenicidade semelhantes às da insulina regular, além de uma imunogenicidade equivalente. A glulisina é formulada pela substituição da asparagina por lisina na posição B3 e de lisina pelo ácido glutâmico na posição B29. Sua absorção, ação e características imunológicas asseme- lham-se àquelas de outras insulinas de ação rápida injetáveis. Após a interação de altas doses de glulisina com o receptor de insulina, observam-se diferenças distais na ativação da via IRS2 em comparação com a insulina humana. A importância clínica dessas diferenças não está bem esclarecida. 2. Insulina de ação curta – A insulina regular é uma insulina zíncica cristalina solúvel, de ação curta, atualmente obtida por técnicas de DNA recombinante para produzir uma molécu- la idêntica à da insulina humana. Seu efeito aparece dentro de 30 minutos após injeção subcutânea, atinge um pico entre 2 e 3 horas e, em geral, dura 5 a 8 horas. Em altas concentrações, por exemplo, no frasco, as moléculas de insulina regular sofrem auto- agregação antiparalela, formando dímeros que se estabilizam ao redor de íons de zinco, produzindo hexâmeros de insulina. A na- tureza hexamérica da insulina regular determina um início tardio de ação e prolonga o tempo levado para alcançar a ação máxima. Após uma injeção subcutânea, os hexâmeros de insulina são de- masiado grandes e volumosos para que sejam transportados pelo endotélio vascular até a corrente sanguínea. À medida que a insu- lina de depósito é diluída pelo líquido intersticial, e a concentra- ção começa a diminuir, os hexâmeros sofrem decomposição em dímeros e, por fim, em monômeros. Esse processo resulta em três taxas de absorção da insulina injetada, com captação mais rápida da fase monomérica final a partir do local de injeção. A consequência clínica, quando a insulina regular é admi- nistrada nas horas das refeições, consiste em uma elevação mais rápida do nível de glicemia do que de insulina, com consequen- te hiperglicemia pós-prandial precoce e risco aumentado de gli- cemia pós-prandial tardia. Por conseguinte, a insulina regular deve ser injetada 30 a 45 minutos ou mais antes das refeições para minimizar o desequilíbrio. A exemplo de todas as formu- lações de insulina mais antigas, tanto a duração de ação como o tempo de início e a intensidade de ação máxima aumentam com o tamanho da dose. Do ponto de vista clínico, isso representa um problema crítico, visto que a farmacocinética e a farmaco- dinâmica de pequenas doses de insulina regular e insulina NPH diferem muito daquelas de grandes doses. A absorção tardia, a duração da ação dependente da dose e a variabilidade de absor- ção (cerca de 25%) da insulina humana regular com frequência resultam em um desequilíbrio entre a disponibilidade de insu- lina e sua necessidade, de modo que o seu uso está diminuindo. Todavia, a insulina solúvel regular de ação curta constitui o único tipo de insulina passível de administração por via intra- venosa, visto que a diluição determina a dissociação imediata da insulina hexamérica em seus monômeros. Mostra-se parti- cularmente útil na terapia intravenosa no tratamento da ceto- acidose diabética, bem como em casos nos quais a necessidade de insulina modifica-se rapidamente, como após cirurgia ou durante infecções agudas. 3. Insulinas de ação intermediária e de ação longa a. Insulina NPH (protamina neutra Hagedorn ou isófana) – A insulina NPH tem ação intermediária, com absorção e início de ação retardados pela combinação de quantidades apropriadas de insulina e protamina, de modo que nenhum dos componen- tes está presente em uma forma não complexada (“isófana”). Após injeção subcutânea, as enzimas teciduais proteolíticas de- gradam a protamina, possibilitando sua absorção. A insulina NPH tem início de ação de cerca de 2 a 5 horas e duração de 4 a 12 horas (Figura 41-5); em geral, é misturada com insulina regular, lispro, asparte ou glulisina e administrada 2 a 4 vezes ao dia para reposição do hormônio. A dose regula o perfil de ação; especificamente, pequenas doses apresentam picos mais baixos e mais precoces e curta duração, observando-se o inverso com o uso de grandes doses. A ação da insulina NPH é imprevisível, e a variabilidade de absorção é de mais de 50%. O uso clínico da NPH está declinando, em virtude de sua farmacocinética ad- versa combinada com a disponibilidade de análogos de insulina de ação longa que apresentam ação mais previsível e fisiológica. b. Insulina glargina – Aglargina é um análogo de insulina de ação longa, solúvel e “sem pico” (i.e., exibe um amplo platô de concentração plasmática). Esse produto foi desenvolvido para proporcionar uma produção de insulina basal reproduzível e conveniente. A fixação de duas moléculas de arginina à extremi- dade carboxiterminal da cadeia B e a substituição da asparagina por glicina na posição A21 criaram um análogo que é solúvel em solução ácida, mas que precipita no pH mais neutro do corpo após injeção subcutânea. As moléculas individuais de insulina dissolvem-se lentamente do depósito cristalino e produzem bai- xos níveis contínuos de insulina circulante. A glargina apresenta início de ação lento (1 a 1,5 hora) e alcança um efeito máximo depois de 4 a 6 horas. Essa atividade máxima é mantida por 11 a 24 horas ou mais. Em geral, a glargina é administrada uma vez ao dia; todavia, alguns indivíduos muito sensíveis à insulina ou resistentes a ela beneficiam-se de doses fracionadas (2 vezes ao dia). Para manter a solubilidade, a formulação é extremamente ácida (pH de 4), e a glargina não deve ser misturada com outra insulina. É preciso utilizar seringas separadas para minimizar o risco de contaminação e perda subsequente da eficácia. O pa- drão de absorção da glargina parece não depender do local ana- tômico de injeção, e esse fármaco está associado a menor imu- nogenicidade do que a insulina humana em estudos realizados em animais. A interação da glargina com o receptor de insulina assemelha-se ao da insulina nativa e não apresenta nenhum au- mento de atividade mitogênica in vitro. Sua ligação é 6 a 7 vezes maior do que a da insulina nativa ao receptor do fator de cres- cimento semelhante à insulina 1 (IGF-1), porém o significado clínico disso ainda não está bem esclarecido. c. Insulina detemir – Trata-se do análogo de insulina de ação longa mais recentemente desenvolvido. A treonina terminal é suprimida da posição B30, e o ácido mirístico (cadeia de ácidos graxos C-14) é fixado à lisina na posição B29 terminal. Essas modificações prolongam a disponibilidade do análogo injeta- do, aumentando tanto a autoagregação no tecido subcutâneo como a ligação reversível à albumina. A detemir é a que tem o efeito mais reproduzível entre as insulinas de ação intermediá- ria e de ação longa, e o seu uso está associado ao menor grau de hipoglicemia do que a NPH. A detemir tem um início de ação dependente da dose de 1 a 2 horas, com duração de ação de mais de 12 horas. É administrada duas vezes ao dia para obten- ção de um nível basal uniforme de insulina. 730 SEÇÃO VII Fármacos endócrinos 4. Misturas de insulinas – Como as insulinas NPH de ação intermediária necessitam de várias horas para alcançar níveis terapêuticos adequados, seu uso em pacientes diabéticos ge- ralmente exige suplementos de insulina de ação rápida ou de ação curta antes das refeições. Para maior conveniência, essas insulinas são, com frequência, misturadas na mesma seringa antes da injeção. As insulinas lispro, asparte e glulisina podem ser misturadas de forma aguda (i.e., imediatamente antes de sua injeção) com insulina NPH, sem afetar a sua absorção rápida. Entretanto, as preparações pré-misturadas têm sido até hoje instáveis. Para remediar esse problema, foram desenvolvidas insulinas intermediárias compostas de complexos isófanos de protamina com lispro e asparte. Essas insulinas intermediárias foram denominadas “NPL” (protamina lispro neutra) e “NPA” (protamina asparte neutra), e sua ação dura o mesmo que a da insulina NPH. Elas têm a vantagem de permitir associações pré-misturadas de lispro e NPL e de NPA e asparte, as quais de- monstraram ser seguras e efetivas em estudos clínicos. A FDA aprovou as formulações pré-misturadas de 75/25% de NPL/ insulina lispro e 70/30% de NPA/insulina asparte. Existem formulações com outras relações disponíveis fora dos Estados Unidos. A glargina e a detemir precisam ser administradas em injeções separadas. Não podem ser misturadas, nem adminis- tradas em uma preparação pré-misturada com qualquer outra formulação de insulina. Formulações pré-misturadas de 70/30% de insulina NPH/ regular continuam disponíveis. Todas essas preparações apre- sentam as limitações da insulina regular, ou seja, perfis de far- macocinética e farmacodinâmica altamente dependentes da dose e variabilidade na sua absorção. B. Produção de insulina A produção em massa de insulina humana e dos análogos de insulina por técnicas de DNA recombinante é efetuada ao se inserir o gene da proinsulina humana ou o gene da proinsuli- na humana modificado dentro de Escherichia coli ou em uma levedura e ao tratar a proinsulina extraída para que forme as moléculas de insulina ou de análogos. C. Concentração Todas as insulinas nos Estados Unidos e no Canadá estão dis- poníveis em uma concentração de 100 U/mL (100 U). Dispõe- -se de um suprimento limitado de insulina humana regular de 500 U para uso em raros casos de grave resistência à insulina, quando são necessárias doses maiores do hormônio. Sistemas de administração de insulina A. Administração-padrão O modo padrão de insulinoterapia consiste em sua injeção sub- cutânea com agulhas e seringas convencionais descartáveis. B. Injetores portáteis do tipo caneta Para facilitar as múltiplas injeções subcutâneas de insulina, parti- cularmente durante a insulinoterapia intensiva, foram desenvol- vidos injetores portáteis do tamanho de uma caneta. Esses injeto- res contêm cartuchos de insulina e agulha substituíveis. Dispõe-se também de injetores descartáveis de insulina para formulações selecionadas. Incluem insulina regular, lispro, as- parte, glulisina, glargina, detemir e várias misturas de NPH com insulina regular, lispro ou asparte (Tabela 41-4). Esses in- jetores foram bem aceitos pelos pacientes, visto que eliminam a necessidade de transportar seringas e frascos de insulina para o trabalho e durante viagens. C. Dispositivos de infusão subcutânea contínua de insulina (ISCI, bombas de insulina) Os dispositivos de infusão subcutânea contínua de insulina consistem em bombas externas de alça aberta para a adminis- tração de insulina. Os dispositivos apresentam uma bomba programável pelo usuário, que fornece doses de reposição ba- sais individualizadas e em bolo de insulina, com base nos resul- tados de automonitoração do nível de glicemia. De modo geral, as taxas basais de 24 horas são pré-progra- madas e relativamente constantes de um dia para outro, em- bora possa ocorrer superposição de taxas temporariamente alteradas para ajuste de uma mudança em curto prazo nas ne- cessidades. Por exemplo, talvez haja necessidade de diminuir a taxa de suprimento basal por várias horas, devido ao aumento da sensibilidade à insulina associada a uma atividade intensa. As doses na forma de bolo são usadas para corrigir níveis ele- vados de glicemia e para atender às necessidades de insulina nas refeições, com base no conteúdo de carboidratos dos alimentos e na atividade concomitante. As quantidades para administração em bolo são dinamicamente programadas ou usam algoritmos pré-programados. Quando os bolos são dinamicamente pro- gramados, o usuário calcula a dose com base na quantidade de carboidrato consumida e no nível de glicemia atual. De modo alternativo, o algoritmo para doses nas refeições ou lanches (gra- mas de carboidratos cobertos por uma unidade de insulina) e o fator de correção para sensibilidade à insulina ou nível de gli- cemia (queda do nível de glicemia em resposta a uma unidade de insulina) podem ser pré-programados na bomba. Quando o usuário registra o conteúdo de carboidrato do alimento e o valor atual do nível de glicemia, a bomba de insulina calcula a dose mais apropriada do hormônio. As modernas bombas de insuli- na também dispõem de um “quadro de insulina” que ajusta uma dose de correção de um elevado nível de glicemia para corrigir a atividade residual de doses em bolo anteriores. A bomba tradicional – que contém um reservatóriode in- sulina, o chip do programa, o teclado e o monitor – tem apro- ximadamente o tamanho de um pager. Em geral, é colocado no cinto ou em uma bolsa, sendo a insulina infundida por meio de um tubo de plástico fino, conectado ao equipamento de in- fusão inserido por via subcutânea. O abdome constitui o local preferido do equipamento de infusão, embora o flanco e a coxa também sejam utilizados. O reservatório de insulina, o tubo e o equipamento de infusão precisam ser trocados, utilizando-se uma técnica estéril, a cada 2 ou 3 dias. Na atualidade, apenas uma bomba não necessita de tubo. Nesse modelo, a bomba está fixada de forma direta ao equipamento de infusão. A progra- mação é feita por uma unidade manual que se comunica sem fio com a bomba. O sistema de ISCI é considerado o método mais fisiológico de reposição da insulina. O uso desses dispositivos de infusão contínua é incentivado em casos de indivíduos incapazes de obter o controle necessário com esquemas de múltiplas injeções ou em circunstâncias nas quais se deseja um controle excelente do nível de glicemia, como durante a gravidez. O uso ideal desses dispositivos requer parti- cipação e compromisso do paciente. As insulinas asparte, lispro e glulisina foram especificamente aprovadas para uso em bombas e constituem as preferidas para esse tipo de aplicação, visto que as suas características farmacocinéticas favoráveis possibilitam um controle da glicemia sem aumentar o risco de hipoglicemia. CAPÍTULO 41 Hormônios pancreáticos e fármacos antidiabéticos 731 D. Insulina inalada Atualmente, uma formulação em pó seco de insulina regular re- combinante (insulina de tecnologia tecnosfera) foi aprovada para uso em adultos com diabetes. Após a sua inalação, a partir de um pequeno aparelho de uso individual, os níveis máximos são al- cançados em 12 a 15 minutos e declinam para valores basais em 3 horas, com início significativamente mais rápido e duração mais curta do que a insulina subcutânea. Nos ensaios clínicos reali- zados, a insulina inalada combinada com insulina basal injetada foi tão efetiva para reduzir a glicose quanto a insulina de ação rápida injetada combinada com insulina basal. O efeito adver- so mais comum da insulina inalada consistiu em tosse, afetando 27% dos pacientes no ensaio clínico, de modo que a função pul- monar deve ser monitorada. O fármaco está contraindicado para fumantes e pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica. Tratamento com insulina A classificação atual do diabetes melito identifica um grupo de pacientes que praticamente não apresenta nenhuma secreção de insulina, e cuja sobrevida depende da administração de in- sulina exógena. Esse grupo dependente de insulina (tipo 1) re- presenta 5 a 10% da população diabética nos Estados Unidos. A maioria dos pacientes com diabetes tipo 2 não necessita de insulina exógena para a sua sobrevida, porém muitos exigem uma suplementação exógena da secreção endógena para obten- ção de um estado de saúde ideal. Benefício do controle glicêmico no diabetes melito O consenso da American Diabetes Association é o de que o controle intensivo da glicemia e a meta de obter um controle normal ou quase normal da glicose associado a um treinamento abrangente de autoadministração devem constituir a terapia-pa- drão nos pacientes diabéticos (ver Quadro “Benefícios do con- trole rigoroso da glicemia no diabetes”). As exceções incluem pacientes com doença renal avançada e indivíduos idosos, visto que, nesses grupos, os riscos de hipoglicemia podem superar o benefício de um controle normal ou quase normal da glicemia. Em crianças com menos de 7 anos, a extrema suscetibilidade do cérebro em desenvolvimento à lesão por hipoglicemia contrain- dica qualquer tentativa de controle glicêmico intensivo. Esquemas de insulina A. Insulinoterapia intensiva São prescritos esquemas intensivos de insulina para quase to- dos os indivíduos com diabetes tipo 1 – associado à deficiência grave ou à ausência de produção endógena de insulina –, bem como para muitos pacientes com diabetes tipo 2. Em geral, a necessidade diária total de insulina em unidades é igual ao peso em libras dividido por quatro, ou 0,55 vezes o peso da pessoa em quilogramas. Aproximadamente metade da dose diária total de insulina fornece uma cobertura para as ne- cessidades basais do hormônio, ao passo que o restante fornece uma cobertura para as necessidades durante refeições e lanches, e correção dos níveis elevados de glicemia. Trata-se de um cál- culo aproximado, que deve ser individualizado. Exemplos de necessidade reduzida de insulina incluem indivíduos recém diagnosticados e aqueles com produção contínua de insulina endógena, diabetes de longa duração com sensibilidade à in- sulina, insuficiência renal significativa ou outras deficiências endócrinas. De modo geral, ocorre aumento das necessidades de insulina na obesidade, durante a adolescência, no último tri- mestre de gravidez e em indivíduos com diabetes tipo 2. Nos esquemas de insulina intensivos, os bolos para as refei- ções ou lanches e para correção dos níveis elevados de glicemia são prescritos por fórmulas. O paciente utiliza as fórmulas para calcular a dose de bolo de insulina de ação rápida ou conside- rar a quantidade de carboidrato consumida na refeição ou no lanche, o nível plasmático atual de glicose e o nível-alvo de gli- cose. A fórmula para o bolo administrado nas refeições ou nos lanches é expressa como a razão entre insulina e carboidrato, que se refere à quantidade de carboidratos em gramas que será processada por 1 unidade de insulina de ação rápida. A fórmula para a correção do nível elevado de glicemia é expressa como queda prevista da glicose plasmática (em mg/dL), após a admi- nistração de 1 unidade de insulina de ação rápida. As variações diurnas na sensibilidade à insulina podem ser ajustadas pela prescrição de diferentes taxas basais e doses de insulina em bolo durante o dia. Os dispositivos de infusão subcutânea contínua de insulina fornecem a reposição mais aprimorada e fisiológica de insulina. B. Insulinoterapia convencional A insulinoterapia convencional é prescrita apenas para certos indivíduos com diabetes tipo 2 que não obtêm nenhum benefí- cio com o controle intensivo da glicose. O esquema de insulina varia de uma a muitas injeções diárias, utilizando a insulina de ação intermediária ou longa, isoladamente, ou com insulina de ação curta ou rápida ou insulinas pré-misturadas. Designados como esquemas em escala móvel, os esquemas de insulina con- vencionais normalmente fixam a dose de insulina de ação in- termediária ou longa, porém variam a insulina de ação curta ou rápida, com base nos níveis plasmáticos de glicose, antes da inje- ção. O esquema de reposição de insulina pressupõe um esquema diário e um conteúdo de carboidratos nas refeições semelhantes. Tratamento de situações especiais com insulina A. Cetoacidose diabética A cetoacidose diabética (CAD) é uma emergência médica poten- cialmente fatal, causada por reposição inadequada ou ausente de insulina em indivíduos com diabetes tipo 1 e, raras vezes, naque- les com diabetes tipo 2. Surge tipicamente em pacientes recém- -diagnosticados com diabetes tipo 1 ou naqueles que tentaram interromper a reposição de insulina e, raramente, em pacientes com diabetes tipo 2 que apresentam condições concomitantes estressantes, como sepse ou pancreatite, ou que estão recebendo esteroidoterapia em altas doses. Os sinais e sintomas consistem em náuseas, vômitos, dor abdominal, respiração profunda e len- ta (Kussmaul), alteração do estado mental, elevação dos níveis sanguíneos e urinários de cetonas e glicose, pH arterial inferior a 7,3 e baixo nível de bicarbonato (< 15 mmol/L). O tratamento fundamental para a CAD consiste em hidra- tação intravenosa agressiva e insulinoterapia, além de manu- tenção dos níveis de potássio e de outros eletrólitos. A hidrata- ção e a insulinoterapia baseiam-se nas necessidades individuaisde cada paciente e exigem reavaliação e modificação frequentes. É preciso dispensar uma cuidadosa atenção à hidratação, ao es- tado renal, aos níveis de sódio e potássio e à taxa de correção da glicose e da osmolalidade plasmáticas. Em geral, a hidratação começa com soro fisiológico normal. A insulina humana regu- lar deve ser administrada por via intravenosa, com uma dose inicial habitual de cerca de 0,1 U/kg/h. 732 SEÇÃO VII Fármacos endócrinos B. Síndrome hiperosmolar hiperglicêmica A síndrome hiperosmolar hiperglicêmica (SHH) é diagnos- ticada em indivíduos com diabetes tipo 2 e caracteriza-se por hiperglicemia profunda e desidratação. A SHH está associada a hidratação oral inadequada, particularmente em pacientes ido- sos; a outras doenças; e ao uso de medicamentos que causam elevação do nível de glicemia ou desidratação, como fenitoína, esteroides, diuréticos e β-bloqueadores, e diálise peritonial e hemodiálise. As características diagnósticas consistem em de- clínio do estado mental e até mesmo crises convulsivas, nível plasmático de glicose acima de 600 mg/dL e osmolalidade sérica calculada de mais de 320 mmol/L. Os indivíduos com SHH não apresentam acidose, a não ser que ocorra também CAD. O tratamento da SHH consiste em reidratação agressiva e restauração da glicose e dos eletrólitos; a taxa de correção dessas variáveis precisa ser monitorada rigorosamente. Pode haver necessidade de insulinoterapia em baixas doses. Complicações da insulinoterapia A. Hipoglicemia 1. Mecanismos e diagnóstico – As reações hipoglicêmicas constituem a complicação mais comum da insulinoterapia. Em geral, resultam de um consumo inadequado de carboidratos, de esforço físico incomum ou de uma dose de insulina demasia- damente alta. O rápido desenvolvimento de hipoglicemia em indivíduos com integridade do mecanismo de percepção da hipoglice- mia provoca sinais de hiperatividade autônoma – simpáticos (taquicardia, palpitações, sudorese, tremor) e parassimpáticos (náuseas, fome) –, podendo evoluir para convulsões e coma se o paciente não for tratado. Em indivíduos expostos a frequentes episódios de hipoglice- mia durante o controle rigoroso da glicemia, os sinais autônomos de alerta da hipoglicemia são menos comuns ou até mesmo au- sentes. Essa perigosa condição adquirida é denominada “incons- ciência hipoglicêmica”. Quando o paciente carece dos sinais de alerta precoces de baixos níveis de glicemia, podem não se tomar as medidas corretivas no momento necessário. Em pacientes com hipoglicemia não tratada e persistente, podem surgir as manifes- tações de excesso de insulina – confusão, fraqueza, comporta- mento bizarro, coma, convulsões –, quando não são mais capazes de procurar ou de consumir com segurança alimentos contendo glicose. A percepção de hipoglicemia pode ser restaurada ao se evitar a ocorrência frequente de episódios hipoglicêmicos. Todo Benefícios do controle rigoroso da glicemia no diabetes Um estudo prospectivo randomizado de longo prazo, envolven- do 1.441 pacientes com diabetes tipo 1, em 29 centros médicos, relatou, em 1993, que “a quase normalização” do nível de glice- mia resultou em retardo no aparecimento e em acentuada re- dução da progressão das complicações microvasculares e neu- ropáticas do diabetes durante períodos de acompanhamento de até 10 anos (Diabetes Control and Complications Trial [DCCT] Research Group, 1993). No grupo de tratamento intensivo, fo- ram obtidos níveis médios de hemoglobina glicada (HbA1c) de 7,2% (normal < 6%) e níveis médios de glicemia de 155 mg/dL, ao passo que, no grupo que recebeu tratamento convencional, o nível de HbA1c alcançou, em média, 8,9%, com nível médio de glicemia de 225 mg/dL. No decorrer do período de estudo, que se estendeu por 7 anos, foi observada uma redução de cerca de 60% no risco de retinopatia, nefropatia e neuropatia diabéticas no grupo de controle rigoroso, em comparação com o grupo de controle convencional. Além disso, o estudo DCCT introduziu o conceito de memó- ria glicêmica, que compreende os benefícios em longo prazo de qualquer período significativo de controle glicêmico. Durante um período de acompanhamento de 6 anos, ambos os grupos de acompanhamento, isto é, intensivo e convencional, apresen- taram níveis semelhantes de controle glicêmico, e ambos apre- sentaram progressão na espessura da íntima-média da carótida. Todavia, no grupo de tratamento intensivo, a progressão da es- pessura da íntima foi significativamente menor. O United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS) con- sistiu em um estudo prospectivo randomizado de grande porte, conduzido com o objetivo de pesquisar os efeitos do controle intensivo da glicemia em vários tipos de terapias, bem como os efeitos do controle da pressão arterial em pacientes portadores de diabetes tipo 2. Ao todo, foram estudados 3.867 pacientes com diagnóstico recente de diabetes tipo 2, em um período de 10 anos. Uma fração significativa desses pacientes apresentava sobrepeso e hipertensão. Os pacientes receberam tratamento dietético apenas ou terapia intensiva com insulina, clorpropami- da, glibenclamida ou glipizida. A metformina foi uma opção para pacientes que tiveram resposta inadequada a outras terapias. O controle rígido da pressão arterial foi acrescentado como variá- vel, com disponibilidade de um inibidor da enzima conversora de angiotensina, um β-bloqueador ou, em alguns casos, um bloque- ador dos canais de cálcio para esse propósito. Foi constatado que o controle rigoroso do diabetes, com re- dução dos níveis de HbA1c de 9,1% para 7%, diminuiu o risco geral de complicações microvasculares em comparação com a terapia convencional (principalmente com dieta apenas, que diminuiu os níveis de HbA1c para 7,9%). Não foram observadas quaisquer complicações cardiovasculares com qualquer tipo de terapia em particular; o tratamento com metformina de forma isolada redu- ziu o risco de doença macrovascular (infarto do miocárdio, aci- dente vascular encefálico). A análise epidemiológica do estudo sugeriu que, para cada redução de 1% nos níveis de HbA1c, havia uma redução estimada de risco de 37% para complicações micro- vasculares, 21% para qualquer parâmetro final relacionado com diabetes e morte por diabetes e 14% para infarto do miocárdio. O controle rigoroso da hipertensão também teve um efeito surpreendentemente significativo sobre a doença microvascu- lar (bem como sobre as sequelas mais convencionais relaciona- das com a hipertensão) nesses pacientes diabéticos. A análise epidemiológica dos resultados sugeriu que cada redução de 10 mmHg na pressão sistólica produziu uma redução estimada de risco de 13% de complicações microvasculares diabéticas, 12% de qualquer complicação relacionada com o diabetes, 15% de morte por diabetes e 11% de infarto do miocárdio. A monitoração pós-estudo mostrou que, 5 anos depois da conclusão do UKPDS, os benefícios do tratamento intensivo so- bre os parâmetros diabéticos finais foram mantidos, e a redução do risco de infarto do miocárdio tornou-se significativa. Os be- nefícios da terapia com metformina foram mantidos. Esses estudos mostram que o controle rigoroso da glice- mia beneficia os pacientes portadores tanto do diabetes tipo 1 como de diabetes tipo 2. CAPÍTULO 41 Hormônios pancreáticos e fármacos antidiabéticos 733 diabético em uso de fármacos hipoglicemiantes deve ter uma pulseira, um colar ou um cartão de identificação na carteira ou na bolsa, bem como alguma glicose de absorção rápida. 2. Tratamento da hipoglicemia – Todas as manifestações da hipoglicemia são aliviadas com a administração de glicose. Para acelerar a absorção, deve-se administrar açúcar simples ou gli- cose, de preferência na forma líquida. Para tratar a hipoglicemia leve em um paciente consciente e capaz de deglutir, podem-se fornecer comprimidos de glicose, gel de glicose ou qualquer lí- quido ou alimento contendo açúcar. Se a ocorrência de hipo- glicemia mais grave produzirperda da consciência ou torpor, o tratamento de escolha consiste na administração de 20 a 50 mL de solução de glicose a 50% por infusão intravenosa, durante um período de 2 a 3 minutos. Se não houver disponibilidade de tera- pia intravenosa, a injeção de 1 mg de glucagon por via subcutâ- nea ou intramuscular pode restabelecer a consciência em 15 mi- nutos, permitindo a ingestão de açúcar. Se o paciente estiver em um estado torporoso e não houver possibilidade de glucagon, pequenas quantidades de mel ou de xarope podem ser introdu- zidas na cavidade bucal. Todavia, em geral, a alimentação oral está contraindicada para pacientes inconscientes. Os serviços médicos de emergência devem ser procurados de imediato, para todos os episódios de grave comprometimento da consciência. B. Imunopatologia da insulinoterapia Durante a insulinoterapia, o paciente diabético pode produzir pelo menos cinco classes moleculares de anticorpos anti-insuli- na: IgA, IgD, IgE, IgG e IgM. Nesses pacientes, são observados dois tipos principais de distúrbios imunes: 1. Alergia à insulina – A alergia à insulina, que constitui uma reação de hipersensibilidade de tipo imediato, é uma condição rara, em que a urticária local ou sistêmica resulta da liberação de histamina por mastócitos teciduais sensibilizados por anti- corpos IgE anti-insulina. Nos casos graves, ocorre anafilaxia. Como a sensibilidade resulta, frequentemente, de contaminan- tes proteicos não insulínicos, as insulinas humanas e análogas reduziram bastante a incidência de alergia à insulina, em parti- cular nas reações locais. 2. Resistência imune à insulina – Na maioria dos pacientes tratados com insulina, observa-se o desenvolvimento de baixos títulos de anticorpos IgG anti-insulina circulantes, que neutra- lizam, em grau insignificante, a ação da insulina. Raramente, os títulos de anticorpos anti-insulina resultam em resistência à in- sulina e podem estar associados a outros processos autoimunes sistêmicos, como lúpus eritematoso. C. Lipodistrofia nos locais de injeção A injeção de preparações de insulina animal algumas vezes resultou em atrofia do tecido adiposo subcutâneo no local da injeção. Desde o desenvolvimento de preparações de insulinas humana e análogas com pH neutro, esse tipo de complicação imune quase nunca é observado. A injeção dessas preparações mais novas diretamente na área atrófica com frequência resulta em restauração dos contornos normais. A hipertrofia do tecido adiposo subcutâneo continua sendo um problema se a insulina for injetada repetidamente no mes- mo local. Todavia, esse problema pode ser corrigido ao se evitar um local específico de injeção ou com lipoaspiração. D. Risco aumentado de câncer Foi relatado um risco aumentado de câncer atribuído à re- sistência à insulina e à hiperinsulinemia em indivíduos com resistência à insulina, pré-diabetes e diabetes tipo 2. O trata- mento com insulina e sulfonilureias, as quais aumentam os ní- veis circulantes de insulina, mas não com metformina, possivel- mente exacerba esse risco. Essas observações epidemiológicas são preliminares e não modificaram as diretrizes de prescrição. � AGENTES ANTIDIABÉTICOS ORAIS Atualmente, dispõe-se nos Estados Unidos de várias categorias de agentes antidiabéticos orais para o tratamento de indivíduos com diabetes tipo 2: (1) agentes que se ligam ao receptor de sulfonilureias e que estimulam a secreção de insulina (sulfoni- lureias, meglitinidas, derivados da d-fenilalanina); (2) agentes que reduzem os níveis de glicose em virtude de suas ações sobre o fígado, o músculo e o tecido adiposo (biguanidas, tiazolidine- dionas); (3) agentes que retardam principalmente a absorção intestinal da glicose (inibidores da α-glucosidase); (4) agentes que simulam o efeito da incretina ou que prolongam a sua ação (agonistas do receptor de peptídeo semelhante ao glucagon 1 [GLP-1], inibidores da dipeptidil peptidase-4 [DPP-4]), (5) agentes que inibem a reabsorção de glicose no rim (inibidores do cotransportador de sódio-glicose [SGLT]), e (6) agentes que atuam por outros mecanismos ou mecanismos pouco definidos (pranlintida, bromocriptina, colesevelam). FÁRMACOS QUE ESTIMULAM PRINCIPALMENTE A LIBERAÇÃO DE INSULINA POR MEIO DE SUA LIGAÇÃO AO RECEPTOR DE SULFONILUREIAS SULFONILUREIAS Mecanismo de ação A principal ação das sulfonilureias consiste em aumentar a li- beração de insulina do pâncreas (Tabela 41-5). Elas ligam-se a TABELA 41-5 Regulação da liberação de insulina em seres humanos Estimulantes da liberação de insulina Humorais: glicose, manose, leucina, arginina, outros aminoácidos, ácidos graxos (em altas concentrações) Hormonais: glucagon, peptídeo semelhante ao glucagon 1(7 a 37), polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose, colecistocinina, gastrina Neurais: estimulação β-adrenérgica, estimulação vagal Fármacos: sulfonilureias, meglitinida, nateglitinida, isoproterenol, acetilcolina Inibidores da liberação da insulina Hormonais: somatostatina, insulina, leptina Neurais: efeito α-simpatomimético das catecolaminas Fármacos: diazóxido, fenitoína, vimblastina, colchicina Adaptada, com autorização, de Greenspan FS, Gardner DG [editors]: Basic & Clinical Endocrinology, 6th ed. McGraw-Hill, 2001. Copyright © The McGraw-Hill Companies, Inc. 734 SEÇÃO VII Fármacos endócrinos um receptor de sulfonilureia de alta afinidade de 140-kDa que está associado a um canal de potássio sensível ao ATP retifi- cador interno da célula beta (Figura 41-2). A ligação de uma sulfonilureia inibe o efluxo de íons de potássio através do canal, com consequente despolarização. A despolarização abre um ca- nal de cálcio regulado por voltagem, resultando em influxo de cálcio e liberação de insulina pré-formada. Eficácia e segurança das sulfonilureias As sulfonilureias são metabolizadas pelo fígado e, com a exce- ção da acetoexamida, os metabólitos são fracamente ativos ou inativos. Os metabólitos são excretados pelos rins e, no caso das sulfonilureias de segunda geração, excretados em parte na bile. As reações idiossincrásicas são raras, ocorrendo erupções cutâneas ou toxicidade hematológica (leucopenia, trombocito- penia) em menos de 0,1% dos casos. As sulfonilureias de segun- da geração exibem maior afinidade pelo seu receptor, em com- paração com os agentes de primeira geração. As doses efetivas e os níveis plasmáticos correspondentemente mais baixos dos agentes de segunda geração reduzem, portanto, o risco de inte- rações medicamentosas com base na competição pelos locais de ligação plasmáticos ou pela ação das enzimas hepáticas. Em 1970, o University Group Diabetes Program (UGDP), nos Estados Unidos, relatou que o número de mortes causa- das por doença cardiovascular em pacientes diabéticos trata- dos com tolbutamida foi excessivo, em comparação com pa- cientes tratados com insulina ou com placebo. Devido a falhas de planejamento, esse estudo e suas conclusões não foram, de modo geral, aceitos. No Reino Unido, o UKPDS não identificou qualquer efeito cardiovascular adverso associado ao uso das sulfonilureias no seu grande estudo em longo prazo. As sulfo- nilureias continuam sendo amplamente prescritas, e seis estão disponíveis no Estados Unidos (Tabela 41-6). SULFONILUREIAS DE PRIMEIRA GERAÇÃO A tolbutamida é bem absorvida, porém metabolizada no fíga- do com rapidez. A duração do efeito é relativamente curta (6 a 10 horas), com meia-vida de eliminação de 4 a 5 horas, sendo mais bem administrada em doses fracionadas (p. ex., 500 mg antes de cada refeição). Alguns pacientes necessitam apenas de um ou dois comprimidos ao dia. A dose máxima é de 3.000 mg ao dia. Em virtude de sua meia-vida e inativação pelo fígado, a tolbutamida é relativamente segura para uso no idoso e em pa- cientes com comprometimento renal. Raras vezes, foi relatada a ocorrência de hipoglicemia prolongada, principalmente em pacientes em uso de certas sulfonamidas antibacterianas (sul- fisoxazol), fenilbutazona paraartralgias ou antifúngicos azois orais para o tratamento da candidíase. Esses fármacos inibem o metabolismo da tolbutamida no fígado e aumentam seus níveis circulantes. A clorpropamida, cuja meia-vida é de 32 horas, é meta- bolizada de forma lenta no fígado a produtos que conservam TABELA 41-6 Sulfonilureias Sulfonilureias Estrutura química Dose diária Duração de ação (horas) Tolbutamida O CNH NHH3 C SO2 (CH2 )3 CH3 0,5-2 g em doses fracionadas 6-12 Tolazamida N O CNH NHH3C SO2 0,1-1 g em dose única ou em doses fracionadas 10-14 Clorpropamida O CNH NHCl SO2 (CH2 )2 CH3 0,1-0,5 g em dose única Até 60 Glibenclamida (gliburida1) O CNH NHSO2 O Cl C NH (CH2 )2 OCH3 1,25-20 mg 10-24 Glipizida (glidiazinamida) H3 C O CNH NHSO2NH (CH2 )2 O C N N 5-30 mg (20 mg em preparação de liberação prolongada) 10-242 Glimepirida N CONHCH2CH2 SO2NHCONH CH3 O H3C H5C2 1-4 mg 12-24 1Nos Estados Unidos. 2Meia-vida de eliminação consideravelmente mais curta (ver o texto). CAPÍTULO 41 Hormônios pancreáticos e fármacos antidiabéticos 735 alguma atividade biológica. Cerca de 20 a 30% são excretados em sua forma inalterada na urina. A dose de manutenção média é de 250 mg ao dia, administrados em dose única pela manhã. As reações hipoglicêmicas prolongadas são mais comuns em pacientes idosos, de modo que o fármaco está contraindicado para esse grupo etário. Outros efeitos colaterais incluem rubor hiperêmico após o consumo de álcool, em pacientes genetica- mente predispostos, e hiponatremia, em virtude de seu efeito sobre a secreção e a ação da vasopressina. A tolazamida é comparável à clorpropamida na sua potên- cia, porém apresenta ação mais curta. A tolazamida é absorvi- da mais lentamente do que as outras sulfonilureias, e seu efeito sobre a glicemia só aparece depois de várias horas. A meia-vida do fármaco é de cerca de 7 horas. A tolazamida é metabolizada a vários compostos que conservam os efeitos hipoglicemiantes. Se houver necessidade de mais de 500 mg/dia, a dose deve ser fracionada e administrada duas vezes ao dia. A acetoexamida não está mais disponível nos Estados Unidos. A sua meia-vida é de apenas cerca de 1 hora, porém o seu metabólito mais ativo, a hidroxi-hexamida, apresenta uma meia-vida de 4 a 6 horas; por conseguinte, a duração de ação do fármaco é de 8 a 24 horas. Nos locais onde é disponível, a sua dosagem é de 0,25 a 1,5 g/dia em dose única ou em duas doses fracionadas. Hoje em dia, a clorpropamida, a tolazamida e a acetoexami- da são raramente usadas na prática clínica. SULFONILUREIAS DE SEGUNDA GERAÇÃO A glibenclamida (gliburida), a glipizida, a gliclazida e a glime- pirida são 100 a 200 vezes mais potentes do que a tolbutamida. Devem ser usadas com cautela em pacientes com doença car- diovascular ou idosos, nos quais a hipoglicemia seria particu- larmente perigosa. A glibenclamida é metabolizada no fígado a produtos com atividade hipoglicemiante muito baixa. A dose inicial habitual é de 2,5 mg/dia ou menos, com dose de manutenção média de 5 a 10 mg/dia, administrada uma única vez pela manhã. Não se recomenda o uso de dose de manutenção acima de 20 mg/dia. Dispõe-se de uma formulação de glibenclamida “micronizada” em comprimidos de diversas concentrações. Todavia, há dúvidas quanto a sua bioequivalência em relação às formulações não mi- cronizadas, de modo que a FDA recomenda uma cuidadosa mo- nitorização para retitulação da dose quando se efetua mudança das doses-padrão de glibenclamida ou de outras sulfonilureias. A glibenclamida tem poucos efeitos colaterais, além de seu potencial em causar hipoglicemia. Raramente, foi relatada a ocorrência de rubor após a ingestão de etanol, e o composto aumenta um pouco a depuração de água livre. A glibenclamida está contraindicada na presença de comprometimento hepáti- co, bem como em pacientes com insuficiência renal. A glipizida é a que possui meia-vida mais curta (2 a 4 horas) entre os agentes mais potentes. Para obter um efeito máximo na redução da hiperglicemia pós-prandial, esse fármaco deve ser ingerido 30 minutos antes do desjejum, visto que sua ab- sorção é retardada quando ingerido com alimentos. A dose ini- cial recomendada é de 5 mg/dia, com administração de até 15 mg/dia em dose única. Quando há necessidade de doses diárias mais altas, elas devem ser fracionadas e administradas antes das refeições. A dose total máxima diária recomendada pelo fabri- cante é de 40 mg/dia, embora alguns estudos indiquem que o efeito terapêutico máximo é obtido com 15 a 20 mg do fármaco. Uma preparação com liberação prolongada proporciona ação de 24 horas após a administração diária de uma dose única pela manhã (máximo de 20 mg/dia). Todavia, essa formulação pare- ce ter sacrificado a sua menor tendência a causar hipoglicemia grave em comparação com a glibenclamida de ação mais longa, sem demonstrar qualquer vantagem terapêutica visível sobre esta última (que pode ser obtida como medicamento genéri- co). Pelo menos 90% da glipizida é metabolizada no fígado a produtos inativos, ao passo que o restante é excretado em sua forma inalterada na urina. Por conseguinte, a terapia com glipi- zida está contraindicada para pacientes com comprometimento hepático significativo. Em virtude de sua menor potência e du- ração de ação mais curta, é preferível à glibenclamida no idoso. A glimepirida foi aprovada para uso em dose única diária como monoterapia em associação à insulina. A glimepirida consegue reduzir o nível de glicemia com a menor dose de to- das as sulfonilureias. Foi constatado que uma dose diária úni- ca de 1 mg é eficaz, e a dose máxima diária recomendada é de 8 mg. A meia-vida do fármaco com múltiplas doses é de 5 a 9 horas. A glimepirida é totalmente metabolizada pelo fígado a metabólitos com atividade fraca ou sem atividade. A glicazida (não disponível nos Estados Unidos) tem meia- -vida de 10 horas. A dose inicial recomendada é de 40 a 80 mg ao dia, com dose máxima de 320 mg ao dia. Doses mais altas são geralmente fracionadas e administradas duas vezes ao dia. A glicazida é totalmente metabolizada pelo fígado a metabólitos inativos. ANÁLOGOS DA MEGLITINIDA A repaglinida é o primeiro membro do grupo de meglitinidas de secretagogos da insulina (Tabela 41-7). Esses fármacos mo- dulam a regulação da insulina pelas células beta controlando o efluxo de potássio pelos correspondentes canais anteriormente discutidos. Observa-se uma superposição com as sulfonilureias no que concerne aos sítios moleculares de ação, visto que as metiglinidas apresentam dois sítios de ligação em comum com as sulfonilureias e um único sítio próprio de ligação. A repaglinida apresenta um início de ação muito rápido, com concentração máxima e efeito máximo de aproximada- mente 1 hora após a sua ingestão. Todavia, a duração de ação é de 4 a 7 horas. É depurada pela CYP3A4 hepática, com meia- -vida plasmática de 1 hora. Em virtude de seu rápido início de ação, a repaglinida está indicada para uso no controle das ex- cursões de glicose pós-prandiais. O fármaco deve ser tomado imediatamente antes de cada refeição, em doses de 0,25 a 4 mg (dose máxima de 16 mg/dia). Existe o risco de hipoglicemia se a refeição for adiada ou omitida, ou se o seu conteúdo de carboidratos for inadequado. A repaglinida pode ser usada em pacientes com comprometimento renal e no indivíduo idoso. A repaglinida foi aprovada como monoterapia ou em associação com biguanidas. Não existe enxofre na sua estrutura, de modo que o fármaco pode ser utilizado em indivíduos com diabetes tipo 2 que apresentam alergia ao enxofre ou às sulfonilureias. A mitiglinida (não disponível nos Estados Unidos) é um derivado do ácido benzilsuccínico, que se liga ao receptor de sulfonilureias e que se assemelha à repaglinida nos seus efeitos clínicos. Foi aprovada para uso no Japão. 736 SEÇÃO VII Fármacos endócrinos DERIVADO DA D-FENILALANINA A nateglinida, um derivado da d-fenilalanina, estimulaa libe- ração rápida e transitória de insulina das células beta por meio do fechamento dos canais de K+ sensíveis ao ATP. É absorvida dentro de 20 minutos após a sua administração oral, alcançan- do uma concentração máxima em menos de 1 hora. É metaboli- zada no fígado pela CYP2C9 e CYP3A4, com meia-vida de cer- ca de 1 hora. A duração global de sua ação é de cerca de 4 horas. É ingerida antes das refeições e diminui a elevação pós-prandial dos níveis de glicemia. É disponível em comprimidos de 60 e 120 mg. Utiliza-se a dose menor em pacientes com elevações discretas da HbA1c. A nateglinida mostra-se eficaz quando ad- ministrada de forma isolada ou em associação com fármacos orais não secretagogos (como a metformina). A hipoglicemia constitui o principal efeito colateral. A nateglinida pode ser usa- da em pacientes com comprometimento renal e no idoso. FÁRMACOS QUE REDUZEM PRINCIPALMENTE OS NÍVEIS DE GLICOSE POR MEIO DE SUAS AÇÕES SOBRE O FÍGADO, O MÚSCULO E O TECIDO ADIPOSO BIGUANIDAS A estrutura da metformina é mostrada adiante. A fenformina (uma biguanida mais antiga) foi retirada do mercado nos Es- tados Unidos, em virtude de sua associação à acidose láctica. A metformina é a única biguanida atualmente disponível nos Estados Unidos. Metformina NH NC C N CH3 CH3 H2N H2N Mecanismos de ação Uma explicação completa do mecanismo de ação das bigua- nidas continua sendo evasiva, porém o seu principal efeito consiste em ativar a enzima proteína-cinase ativada pelo AMP (AMPK) e reduzir a produção hepática de glicose. Os pacien- tes com diabetes tipo 2 apresentam consideravelmente menos hiperglicemia em jejum, bem como menor hiperglicemia pós- -prandial após a administração de biguanidas; todavia, a hi- poglicemia durante a terapia com esses fármacos é rara. Por conseguinte, as biguanidas são mais bem denominadas como agentes “euglicemiantes”. Metabolismo e excreção A metformina, cuja meia-vida é de 1,5 a 3 horas, não se liga às pro- teínas plasmáticas, não é metabolizada e é excretada pelos rins na forma do composto ativo. Em consequência do bloqueio da gli- coneogênese pela metformina, o fármaco pode comprometer o metabolismo hepático do ácido láctico. Em pacientes com insufi- ciência renal, as biguanidas acumulam-se e, portanto, aumentam o risco de acidose láctica, que parece constituir uma complicação relacionada com a dose. Nos Estados Unidos, o uso da metfor- mina não é recomendado com níveis séricos de creatinina de 1,4 mg/dL ou mais em mulheres e de 1,5 mg/dL nos homens. No Reino Unido, recomenda-se uma reavaliação de seu uso se o nível sérico de creatinina ultrapassar 1,5 mg/dL (taxa de filtração glomerular [TFG] estimada de < 45 mL/min/1,73 m2), com in- terrupção do fármaco se a creatinina sérica ultrapassar 1,7 mg/dL (TFG estimada de < 30 mL/min/1,73 m2). Uso clínico As biguanidas são recomendadas como terapia de primeira li- nha para diabetes tipo 2. Como é um agente poupador de in- sulina, que não aumenta o peso corporal nem provoca hipogli- cemia, a metformina oferece vantagens óbvias sobre a insulina e sobre as sulfonilureias no tratamento da hipoglicemia nesses indivíduos. O UKPDS relatou que a terapia com metformina diminui o risco de doença macrovascular, bem como microvas- cular; isso contrasta com as outras terapias, que apenas modi- ficam a morbidade microvascular. As biguanidas também são indicadas para uso em associação a secretagogos da insulina ou tiazolidinedionas em pacientes portadores de diabetes tipo 2, nos quais a monoterapia oral é inadequada. A metformina mostra-se útil na prevenção do diabetes tipo 2; o Diabetes Pre- vention Program, usado como referência, concluiu que a me- tformina é eficaz na prevenção de início recente do diabetes TABELA 41-7 Outros secretagogos da insulina Fármaco Estrutura química Dose oral t1/2 Duração de ação (horas) Repaglinida O H3C CH3 N N H O OH O CH3 0,25-4 mg antes das refeições 1 hora 4-7 Nateglinida O OHO CH3 CH3NH 60-120 mg antes das refeições 1 hora 4 CAPÍTULO 41 Hormônios pancreáticos e fármacos antidiabéticos 737 tipo 2 em indivíduos obesos de meia-idade, com comprometi- mento da tolerância à glicose e hiperglicemia em jejum. É inte- ressante assinalar que a metformina não impede o desenvolvi- mento de diabetes em indivíduos pré-diabéticos mais magros e de idade mais avançada. Embora a dose máxima recomendada seja de 2,55 g ao dia, observa-se pouco benefício acima de uma dose total de 2.000 mg ao dia. O tratamento é iniciado com 500 mg com uma refeição e aumentado gradualmente em doses fracionadas. Os esque- mas comuns consistem em 500 mg, uma ou duas vezes ao dia, com aumento para 1.000 mg, duas vezes ao dia. A dose máxi- ma é de 850 mg, três vezes ao dia. Os estudos epidemiológicos sugerem que o uso da metformina pode reduzir o risco de al- guns cânceres. Esses dados ainda são preliminares, e o supos- to mecanismo de ação consiste em uma redução dos níveis de insulina (que também atua como fator de crescimento), bem como efeitos celulares diretos mediados pela AMPK. Outros estudos sugerem uma redução da mortalidade cardiovascular em seres humanos e um aumento de longevidade em camun- dongos (ver Capítulo 60). Toxicidades Os efeitos tóxicos mais comuns da metformina são gastrintesti- nais (anorexia, náuseas, vômito, desconforto abdominal e diar- reia) e ocorrem em até 20% dos pacientes. Esses efeitos estão relacionados com a dose, tendem a ocorrer no início da terapia e, com frequência, são transitórios. Entretanto, pode ser neces- sário suspender a metformina em 3 a 5% dos pacientes devido à ocorrência de diarreia persistente. A metformina interfere na absorção dependente de cálcio do complexo vitamina B12-fator intrínseco no íleo terminal, e pode ocorrer deficiência de vitamina B12 depois de muitos anos de uso do fármaco. Deve-se considerar uma triagem periódica para deficiência de vitamina B12, particularmente em pacientes com neuropatia periférica ou anemia macrocítica. Um aumen- to no aporte de cálcio pode evitar a má absorção de vitamina B12 induzida pela metformina. Algumas vezes, pode ocorrer acidose láctica durante a tera- pia com metformina. É mais provável que ocorra em condições de hipoxia tecidual, quando há produção aumentada de ácido láctico, e na insuficiência renal, quando ocorre depuração di- minuída da metformina. Quase todos os casos relatados envol- veram pacientes com fatores de risco associados que deveriam ter contraindicado o seu uso (insuficiência renal, hepática ou cardiorrespiratória; alcoolismo). A administração de meios de contraste radiológicos pode causar insuficiência renal aguda em pacientes com diabetes e nefropatia incipiente. Por conse- guinte, a terapia com metformina deve ser temporariamente interrompida no dia de administração do meio de contraste radiológico e retomada dentro de um ou dois dias após confir- mação de ausência de deterioração da função renal. TIAZOLIDINEDIONAS As tiazolidinedionas atuam ao diminuir a resistência à insuli- na. As tiazolidinedionas são ligantes do receptor gama ativa- do por proliferador peroxissômico (PPAR-γ), que pertence à superfamília de receptores nucleares de esteroides e hormô- nios tireoidianos. Esses receptores PPAR são encontrados no músculo, no tecido adiposo e no fígado. Os receptores PPAR-γ modulam a expressão dos genes envolvidos no metabolismo dos lipídeos e da glicose, na transdução de sinais de insulina e na diferenciação dos adipócitos e de outros tecidos. Os efei- tos observados das tiazolidinedionas consistem em aumento da expressão do transportador de glicose (GLUT1 e GLUT4), diminuição dos níveis de ácidos graxos livres, diminuição do débito hepático de glicose, aumento da adiponectina, liberação diminuída de resistina dos adipócitos e diferenciação aumen- tada dos pré-adipócitos em adipócitos. Foi também constata- do que as tiazolidinedionas diminuem os níveis do inibidor do ativador do plasminogênio tipo 1, da metaloproteinase-9
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