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SANEAMENTO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE AULA 3 Profª Ana Lizete Farias 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, vamos entender o saneamento em sua perspectiva histórica, ou seja, como ocorreu a evolução do que hoje é uma das políticas de Estado mais importantes do ponto de vista dos governos de países em desenvolvimento. Nesse mesmo sentido também vamos olhar elementos relacionados à sua gestão, incluindo a situação brasileira. Com base nisso, poderemos começar a entender os aspectos relacionados aos principais processos de poluição e contaminação dos recursos hídricos que afetam os níveis aceitáveis de qualidade de água. Também aprenderemos sobre os fenômenos de eutrofização e autodepuração dos corpos da água na sua relação com as descargas de poluentes. Ainda sob esse panorama veremos os conceitos de esgoto e resíduos para entendermos sobre a necessidade em relação à gestão do saneamento. Em nossa prática, vamos nos debruçar sobre uma situação verídica e infelizmente bastante comum no Brasil para tentarmos responder a uma questão importante: por que, afinal, o Rio Tietê ainda continua poluído mesmo sendo um importante rio de um dos estados brasileiros mais ricos e desenvolvidos? Com base no que veremos nesta aula, poderemos compreender isso. TEMA 1 – PERSPECTIVA HISTÓRICA DO SANEAMENTO Ao nos depararmos com os primórdios acerca da origem do saneamento, voltamos a milhares de anos, quando os primeiros homens perceberam a relação entre a água suja, o acúmulo de lixo e as doenças. Aqui já é possível perceber a relação com a palavra sanear, que no latim significa “tornar saudável, higienizar e limpar”. Nesse registro histórico que demarca a preocupação com os resíduos ao longo do desenvolvimento da nossa civilização aparecem alguns marcos interessantes. Por exemplo: o mais antigo aterro sanitário na ilha de Creta, no Mar Mediterrâneo, antiga cultura a cerca de 3.000 a.C., onde o lixo era colocado em grandes covas, acondicionado em sucessivas camadas, cobertas por terra (De Feo, 2014). Centenas de anos mais tarde, tem-se como referência Atenas, em 500 a.C., como a primeira cidade europeia a construir um aterro sanitário planejado 3 e possuindo leis específicas que determinavam que todo o lixo fosse removido para pelo menos dois quilômetros além dos portões da cidade (De Feo, 2014). Muitos fatos importantes aconteceram que foram assinalando a importância do saneamento, dentre os quais o mais significativo foi a Peste Negra, transmitida por meio da pulga de ratos, que infectou metade da população e dizimou cerca de 1/3 da população europeia entre o período de 1346 e 1353. Na China e na Índia, o panorama não foi diferente: mais de 23 milhões de pessoas foram levadas a óbito em menos de 12 anos (BBC, 2017). A partir do século XVI, o gerenciamento do resíduo urbano passa a ser uma preocupação cada vez maior para as administrações públicas. O marco do moderno gerenciamento de resíduos foi estabelecido na Inglaterra, em 1842 quando Edwin Chadwick publica seu estudo “Relatório a respeito da pesquisa sobre a condição sanitária da população trabalhadora na Grã Bretanha” (Report of an Inquiry into the Sanitary Condition of the Labouring Population of Great Britain), o qual marcou o vínculo entre o aparecimento de certas doenças e as péssimas condições de saneamento das cidades, principalmente nos bairros mais pobres (Funasa, 2010). No Brasil, as ações para implantar uma cultura de natureza sanitária foram variáveis ao longo de seu território e nos séculos XIX e XX caracterizavam-se por comportamentos particulares em cada região. O enfrentamento e a prevenção das doenças endêmicas e epidêmicas que assolavam o país existiam, portanto, mas, pela falta de unidade de ações, resultaram no abandono e na marginalização das populações carentes, como se verifica ainda hoje (Rubinger, 2008). Por outro lado, ainda segundo Rubinger (2008), houve um despertar das elites para a consciência da interdependência sanitária segundo a qual todos os homens estavam ligados por um elo representado pelo agente causador da doença. É com base nessa compreensão que se daria o estabelecimento das principais características do saneamento no Brasil, principalmente na década de 1970, por meio da implementação, pelo governo militar, do Plano Nacional de Saneamento Básico (Planasa). O Planasa iniciou em 1971, significando uma evolução dos serviços de água e esgoto no Brasil, com maior nível de atuação na região Sul e Sudeste, onde a questão demográfica urbana era mais agravante (Funasa, 2015). 4 Com a crise econômica, no início dos anos 80, e a promulgação da Constituição de 1988, o poder sobre as políticas de saneamento saem gradativamente da União, passando a se concentrar em nível de município. Dessa forma, organismos de investimento como o Banco Nacional da Habitação, que estavam à frente dos investimentos em saneamento no Brasil, perdem a força e, com a extinção do BNH, é o prenúncio do Planasa em 1986 (Juntos pela Água, 2018). Em 1997, surge a Política Nacional de Recursos Hídricos – PNRH, sancionada pela Lei n. 9.433/97, estabelecendo, por conseguinte, o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. A PNRH define a água como um bem de domínio público, de disponibilidade limitada e dotada de valor econômico, cuja gestão deve ser descentralizada e participativa, priorizando os usos múltiplos (Brasil, 1997). A partir da criação da Política Nacional de Recursos Hídricos, a gestão dos recursos hídricos passou a ser responsabilidade não só da esfera federal, mas também dos 26 estados e do Distrito Federal. Atualmente também é responsável pelos mais de 200 comitês de bacia hidrográfica espalhados pelo território nacional (OCDE, 2015). No ano de 2000 foi criada a Agência Nacional de Águas, para fazer cumprir os objetivos e diretrizes da PNRH por meio da regulação do acesso e do uso dos recursos hídricos de domínio da união através das outorgas, monitoramento dos rios do Brasil em conjunto com os Estados, coordenação da implantação da PNRH e elaboração /participação em estudos estratégicos em nível municipal, estadual e federal (Brasil, 2000). Em 2007 é promulgada a Lei 11.445/07, mais conhecida como a Lei de Saneamento, estabelecendo, então, as diretrizes para todo o setor, tendo como diretrizes a universalização ao acesso aos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos; segurança, qualidade e regularidade destes serviços; articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja fator determinante; adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais; eficiência e sustentabilidade econômica, incentivando a utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento dos 5 usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas; adoção de medidas de fomento ao uso racional do consumo de água; controle social e transparência; e integração das infraestruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos (Brasil, 2007). A lei atribui ao Governo Federal, por meio do Ministério das Cidades, a responsabilidade pela elaboração do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), instituindo também a universalização como meta. TEMA 2 – SITUAÇÃO BRASILEIRA A história da implantação do saneamento no Brasil mostra fatores que dificultaram o progresso ao longo dos anos bem como impediram (e ainda impedem) o desenvolvimento dessa área, que, por isso, não atingiu crescimento expressivo duranteesse período. Dentre esses, podemos citar a falta de planejamento adequado, o volume insuficiente de investimentos, a deficiência na gestão das companhias de saneamento, a baixa qualidade técnica dos projetos além das dificuldade para obter financiamentos e licenças para as obras (Juntos pela Água, 2018). Dessa forma, em pleno século XXI, a situação do saneamento no Brasil ainda requer maior estabilidade institucional além de uma articulação mais efetiva com as áreas da saúde pública, gestão de recursos hídricos e planejamento urbano (Heller, 2007). Mas, por outro lado, não é possível negar que a aprovação da Lei Nacional de Saneamento, como vimos no tema anterior, inaugurou um novo ciclo do saneamento no Brasil, que passa a cobrir uma histórica lacuna na legislação desse setor após aproximadamente 30 anos de debates. Além da aprovação dessa lei, outros fatos também demarcaram uma aparente nova fase do setor como a criação do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), pelo governo federal, o qual estabeleceu a destinação de 40 bilhões de reais, entre 2007 e 2010, para alcançar o atendimento, até 2010, de 86% das residências brasileiras com abastecimento de água, 55% com redes coletoras de esgoto e 47% com disposição adequada de resíduos sólidos; e o estabelecimento da gestão de serviços públicos por meio da contratação de consórcios públicos (Brasil, 2007; WSP-LAC, 2007 citado por Rubinger, 2008). Mesmo assim, dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2018) que se referem ao 6 ano de 2016 e divulgados apenas em 2018 revelam que o saneamento tem avançado no país nos últimos anos, mas pouco, conforme mostram os números: Em 2016, 83,3% da população era abastecida com água potável e 35 milhões de brasileiros (16,7% dos brasileiros) ainda não tinham acesso ao serviço. Em 2011, o índice de atendimento era de 82,4%. E, portanto, em cinco anos a evolução foi de 0,9 pontos percentuais. Em relação à coleta de esgoto, 51,9% da população tinha acesso ao serviço em 2016, mas, por outro lado, mais de 100 milhões de pessoas (48,1%,) utilizavam medidas alternativas para lidar com os dejetos – seja utilizando uma fossa, seja jogando o esgoto diretamente em rios. Nesse caso, em 2011, o percentual de atendimento era de 48,1% e constata-se um avanço de 3,8 pontos percentuais. Em 2016, 44,9% do esgoto gerado no país era tratado. Em 2011, o índice era de 37,5% — uma evolução de 7,4 pontos percentuais. O que se percebe então é que os números de esgoto são piores que os de água no país, principalmente como já vimos pela falta de prioridade nas políticas públicas bem como o maior custo de investimento e de dificuldade nas obras, dentre tantos motivos. Dessa maneira, mesmo apresentando maior alta entre os indicadores, o acesso ao tratamento no país continua baixo, implicando o aumento crescente de problemas ambientais e sanitários. TEMA 3 – PRINCIPAIS FENÔMENOS DE POLUIÇÃO Os corpos d´água sofrem todos os impactos das atividades antropogênicas ao longo da bacia, da qual recebem materiais, sedimento e poluentes, refletindo os usos e ocupação do solo nas áreas vizinhas (Tundisi; Shaskraba, 1999). Para que possamos compreender melhor o que são esses impactos e quais suas consequências, antes precisamos entender os seguintes conceitos, de acordo com Feitosa (2008): Quadro 1 – Conceitos relacionados aos impactos sobre as águas CONCEITOS RELACIONADOS AOS IMPACTOS SOBRE AS ÁGUAS ÁGUA SUBTERRÂNEA Solução diluída de inúmeros elementos e compostos sólidos, líquidos ou gasosos em proporções diversas, provenientes do ar (durante o processo de condensação e precipitação), dos solos e das rochas (nas quais circula ou é armazenada) e do contato com as atividades humanas. 7 POLUIR (LATIM POLLUERE = SUJAR) Alteração artificial da qualidade físico-química da água, suficiente para superar os limites ou padrões preestabelecidos para determinado fim. POLUENTE Toda e qualquer substância que ameaça a saúde, a segurança e o bem-estar (questões econômicas) traz prejuízo para a vida aquática, altera as características de águas receptoras para determinados fins ou modifica normas de qualidade preestabelecidas. ÁGUA POLUÍDA Conceito que depende do ponto de vista do qual se encara o problema, ou seja, uma água pode ser considerada poluída para um determinado fim e não para outro. ÁGUA CONTAMINADA Possui organismos patogênicos, substâncias tóxicas e/ou radioativas, em teores prejudiciais à saúde do homem. Assim, toda água contaminada é poluída, mas nem toda água poluída (desde que não afete a saúde do homem) é contaminada. Fonte: Feitosa, 2008. Então, com base nesse quadro, podemos ver que, em relação à distribuição espacial, a poluição e a contaminação que pode originar podem ser: Pontual – quando a fonte está concentrada numa pequena superfície; Difusa – quando a fonte de contaminação se estende, mesmo com baixa concentração, sobre uma grande superfície, como é o caso de áreas de irrigação ou áreas urbanas, ou do transporte por via atmosférica; Linear – quando a fonte de contaminação é um rio ou canal. A poluição ainda pode ter origem química, física ou biológica, sendo que em geral a adição de um tipo desses poluentes altera também as outras características da água e, por isso, o conhecimento das interações entre essas interações é de extrema importância para que se possa lidar da melhor forma possível com as fontes de poluição. As águas são poluídas, basicamente, por dois tipos de resíduos: os orgânicos, formados por cadeias de carbono ligadas a moléculas de oxigênio, hidrogênio e nitrogênio, e os inorgânicos, que têm composições diferentes. Os resíduos orgânicos normalmente têm origem animal ou vegetal e provêm dos esgotos domésticos e de diversos processos industriais ou agropecuários, são biodegradáveis e, portanto, destruídos naturalmente por microrganismos. Já os resíduos inorgânicos vêm de indústrias – principalmente as químicas e petroquímicas – e não podem ser decompostos naturalmente. Destes, os mais comuns são o chumbo, o cádmio e o mercúrio. 8 TEMA 4 – EUTROFIZAÇÃO Conforme encontramos em Wetzel (1993), a eutrofização é um dos estados da sucessão natural dos ecossistemas aquáticos, por meio do qual, à medida que o tempo passa e os nutrientes vão se acumulando, ocorre um desenvolvimento cada vez maior das populações de fitoplâncton, observando- se com frequência o florescimento de algas. De uma maneira mais simples, a eutrofização é o excesso de nutrientes no ambiente aquático e que, na maior parte das vezes, é causada pelo homem gerando consequências negativas sobre a qualidade da água. A eutrofização pode acontecer de forma natural e ser bastante lenta, em processos que podem durar dezenas de anos para se estabelecer. Entretanto, quando esse processo é acelerado, há um aumento desordenado na produção de biomassa, impossibilitando a sua incorporação pelo sistema aquático com a mesma velocidade e provocando, assim, um desequilíbrio ecológico. Denomina- se esse processo de eutrofização cultural (Souza, 1993). Tundisi (1986) ensina que a eutrofização não natural é causada principalmente pelas seguintes atividades: despejos de esgotos domésticos, despejos de atividades agrícolas, poluição do ar e queda do material da atmosfera (sob a forma de partículas junto com a água de chuva), vegetação remanescente em represas não desmatadas antes do fechamento. As principais consequências sobre os sistemas aquáticos estão relacionados ao aumento da biomassa e da produção primária do fitoplâncton, à diminuição de diversidade de espécies, à diminuição da concentração de oxigênio dissolvido, à diminuição na concentração de íons, ao aumento do fósforo total no sedimento e ao aumento da frequência de florações decianobactérias (Tundisi, 1986). 9 Figura 1 – Detalhe de uma lagoa poluída que mostra a eutrofização. A biomassa de algas e as cianobactérias estão em meio a pontas de cigarro e outros resíduos. Créditos: Mary O’Neill/Shutterstock. TEMA 5 – ESGOTO E RESÍDUOS Após a utilização da água para os mais diversos fins, há consequentemente a alteração das suas características naturais, incorporando inúmeras substâncias cuja constituição é vinculada à finalidade para a qual foi empregada. Como temos visto ao longo da nossa aula, a devolução direta ao meio ambiente, especialmente em corpos de água, causa problemas ambientais e problemas relacionados à saúde das pessoas e animais, pela transmissão de doenças causadas por germes patogênicos presentes nos dejetos humanos. Os despejos provenientes das diversas modalidades de uso da água são chamados, então, de esgotos, águas servidas ou águas residuárias. Costumam ser classificados de acordo com a sua origem em dois grupos principais: esgotos domésticos e esgotos industriais, como mostra o quadro a seguir: Quadro 2 – Grupos de esgoto GRUPOS DE ESGOTO DOMÉSTICOS INDUSTRIAIS Composição essencialmente orgânica, compreendendo as águas que contêm a matéria originada pelos dejetos humanos no esgotamento de peças sanitárias e as águas servidas provenientes das atividades domésticas, tais como banho, lavagens de pisos, utensílios, roupas. Incluem também os efluentes das instalações sanitárias Composição pode variar de orgânica a mineral, geralmente mais rica em sólidos dissolvidos minerais do que os esgotos domésticos. Compreendem os resíduos orgânicos de indústria de alimentos, matadouros, e outras com predominância da agroindústria; as águas residuárias procedentes de indústrias de metais, 10 de estabelecimentos comerciais, de empresas e instituições. químicas e outras; as águas residuárias procedentes de indústrias de cerâmica, água de refrigeração e de tantos outros ramos da indústria. Nos efluentes industriais há uma fração, associada às instalações sanitárias dos funcionários e aos refeitórios, usualmente com características similares aos dos esgotos domésticos. Águas negras Águas cinza proveniente das instalações sanitárias, contendo fezes e urina proveniente de banhos, lavagens e demais usos domésticos Fonte: Elaborado pela autora. Os resíduos sólidos, segundo Funasa (2015), são um conjunto heterogêneo de materiais, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam, para isso, soluções técnicas ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível. Por conter em sua constituição grande quantidade de matéria orgânica, os resíduos sólidos servem de abrigo e alimento para diversos organismos vivos, o que possibilita, ainda, a proliferação de mosquitos que se desenvolvem em água acumulada em latas, vidros e outros recipientes abertos. Existe a possibilidade de contaminação do homem pelo contato direto com os resíduos sólidos ou por meio da massa de água poluída, por serem fontes contínuas de micro-organismos patogênicos. As consequências imediatas dos despejos de esgotos e resíduos em corpos d´água se relacionam às Doenças Relacionadas a um Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI), que atingem as populações vulneráveis e de baixa renda, em que se destacam as diarreias (Funasa, 2010). Estas doenças representam mais de 90% das hospitalizações por DRSAI, tendo, portanto, o mais importante impacto na ocupação da rede hospitalar, entretanto outros grupos aumentaram a proporção de internações no período: malária, dengue, leishmanioses e leptospirose, embora com comportamento diferente entre as regiões do país, demandando procedimentos e atenção especializadas (Funasa, 2010). NA PRÁTICA Saiba mais Por que São Paulo ainda não conseguiu despoluir o rio Tietê? 11 Com 56 metros de largura e 26 km de leito canalizado dentro de São Paulo, o rio Tietê é uma das primeiras paisagens a cumprimentar quem chega à cidade pelo aeroporto de Guarulhos ou pelas rodovias Anhanguera e Bandeirantes. E não é uma paisagem agradável: o cheiro de esgoto, o aspecto sujo e a falta de vida aquática tornam evidente que o maior rio do Estado está morto no trecho em que passa pela região metropolitana. A mancha de poluição – onde a oxigenação é praticamente 0% – ocupa hoje 130 km, entre as cidades de Itaquaquecetuba, a leste da capital, e Cabreúva, a noroeste. Os dados são do monitoramento da ONG SOS Mata Atlântica. É preciso ter, no mínimo, 5% de oxigenação para que haja peixes em um rio. O ideal é em torno de 7%. A tentativa do governo do Estado de limpar o curso d'água começou há 25 anos, em 1992, após uma ampla campanha popular feita pela SOS Mata Atlântica e pela Rádio Eldorado, em que foram colhidas 1,2 milhão de assinaturas. O Projeto Tietê foi então lançado com financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O governador à época, Antônio Fleury Filho, chegou a dizer que beberia água do rio ao fim da iniciativa. Em 1993, a gestão prometeu publicamente limpar o rio até 2005. Mas 25 anos e US$ 2,7 bilhões (R$ 8,8 bilhões) depois, ele está longe de ser despoluído. Afinal, o que deu errado? Fonte: Mori, 2017. O cenário do Rio Tietê é um dos retratos acerca das dificuldades da implantação do saneamento no Brasil: falta de planejamento adequado; a deficiência na gestão das companhias de saneamento, a baixa qualidade técnica dos projetos, necessidade de maior estabilidade institucional, além de uma articulação mais efetiva com as áreas da saúde pública, gestão de recursos hídricos e planejamento urbano. Um rio e seu ecossistema em lenta agonia pela poluição. 12 FINALIZANDO Ao final da nossa aula, observamos que a origem do saneamento remonta a milhares de anos. Também compreendemos as dificuldades para implantar uma cultura de natureza sanitária e os principais marcos e leis ao longo da história. Na situação brasileira, olhamos para um cenário de uma realidade complexa cujos números de esgoto são piores que os de água no país, implicando o aumento crescente de problemas ambientais e sanitários. Também aprendemos que os principais fenômenos de poluição que estão relacionados à água estão relacionados aos resíduos orgânicos e inorgânicos, o fenômeno da eutrofização (excesso de nutrientes no ambiente aquático) e os conceitos de esgoto e resíduos e as consequências dentro do amplo sistema de gestão do saneamento. Em nossa prática, com base no caso emblemático do Rio Tietê, podemos refletir sobre os conceitos vistos em aula acerca das dificuldades da implantação do saneamento no Brasil: falta de planejamento adequado, deficiência na gestão das companhias de saneamento, baixa qualidade técnica dos projetos, necessidade de maior estabilidade institucional, além de uma articulação mais efetiva com as áreas da saúde pública, gestão de recursos hídricos e planejamento urbano. O texto também mostrou os aspectos de poluição que conduzem o rio a uma lenta agonia em toda a sua imensa bacia hidrográfica. 13 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 9.433 de 8 de janeiro de 1997. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 9 jan. 1997. _____. Lei n. 9.984, de 17 de julho de 2000. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 18 jul. 2000. _____. Lei n. 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 8 jan. 2007. DEFEO, G. et al. The Historical Development of Sewers Worldwide. Sustainability, v. 6. n. 6, 2014 Disponível em: <https://www.mdpi.com/2071- 1050/6/6/3936/htm>. Acesso em: 22 jan. 2019. FEITOSA, F. A. C. Hidrogeologia: conceitos e aplicações. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: CPRM: LABHID, 2008. FUNASA – Fundação Nacional de Saúde. Impactos na saúde e no sistema único de saúde decorrente de agravos relacionados a um saneamento ambiental inadequado. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2010. _____. Manual de Saneamento. 4. ed. Brasília: Funasa, 2015. HELLER, L. Basic sanitation in Brazil: lessons from the past, opportunities from the present, challenges for the future. 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