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INÊS249 sumario Doutrina Espírita 4 Contexto histórico e bases espíritas 11 Allan Kardec 18 Diferenciações 23 Jesus e o Espiritismo 28 Prática espírita 30 Mediunidade 37 Expoentes espíritas 44 Livros 46 Endereços úteis 49 Sites interessantes 50 PRESIDENTE: Paulo Roberto Houch prh@editoraonline.com.br REDAÇÃO Diretora de Redação: Andrea Calmon redacao@editoraonline.com.br Editora: Thaise Rodrigues Subeditora: Carolina Botelho Redatora: Fernanda Sciascio PROGRAMAÇÃO VISUAL Coordenação: Arlete Scantamburlo diagramacao@editoraonline.com.br Programação Visual: Débora Alves Pereira Colaborou nesta edição: Fábio Matos (ilustrações) Agradecimentos: Federação Espírita Brasileira (FEB) ESTÚDIO Coordenação Fotográfica: Arnaldo Bento estudio@editoraonline.com.br PUBLICIDADE Diretor de Publicidade: Isidro de Nobrega Gerente de Publicidade: Patrícia Massini Caldeira comercial@editoraonline.com.br Executivos de Conta: Antônio Demésio, Célia Candido, Graziella Vilela Fonseca, Jussara Baldini, Luciana Lemes Rodrigues Márcia Figueira, Rosana Franchi e Simonetta Lelo Assistente de Publicidade: Amanda Bezerra dos Santos MARKETING Coordenação de Marketing: Daniela Cardoso mkt@editoraonline.com.br Assistente de Marketing: Bianca Grasseschi CANAIS ALTERNATIVOS vendaavulsa@editoraonline.com.br Luciana Castropil Logarzo, Leandro Mileski Francisco, Mauro Garbellini e Ronie Emerson Miquelino Tel.: (0**11) 3393-7777 LOGÍSTICA Luiz Carlos Sarra ADMINISTRAÇÃO financeiro@editoraonline.com.br Gerente de Suprimentos: Jacy Regina Dalle Lucca Gerente Administrativa: Isabel Cristina Ferreira CRÉDITO E COBRANÇA Assistentes: Nanci de Souza Monteiro, Nanci de Araújo Nunes e Patricia Silva Souza cobranca@editoraonline.com.br Impresso por Prol Editora Gráfica Distribuido no Brasil por Fernando Chinaglia Embalagem e manuseio Riprell Ltda. Distribuição em Portugal Midesa S.A. Conhecer Fantástico é uma publicação do IBC Instituto Brasileiro de Cultura Ltda. - Cx. Postal 61085 - CEP 05001-970 - São Paulo - SP - Tel.: (0**11) 3393-7777. A reprodução total ou parcial desta obra é proibida sem a prévia autorização do editor. NÚMEROS ATRASADOS com o IBC ou por intermédio do seu jornaleiro ao preço da última edição acrescido das despesas de envio. Para adquirir com o IBC - Tel/Fax.: (0**11) 3393-7777 - Cartão de Crédito - Cheque nominal cruzado ao IBC - Instituto Brasileiro de Cultura - Depósito em conta corrente Banco do Brasil - Ag. 3320-0 - Conta 6592-7 enviando comprovante e dados para envio por fax. É necessário checar a disponibilidade do exemplar em nosso estoque com antecedência. online@editoraonline.com.br Pela internet: www.revistaonline.com.br A Arte Antiga Editora tem a revista que você procura! Confira algumas das nossas publicações e boa leitura. ARTESANATO LEVE: • Arte em EVA • Arte em Fuxico ARTESANATO LINHA: • Ponto Russo INTERESSE GERAL: • Conhecer Fantástico • Grandes Líderes da História DECORAÇÃO: • Paisagismo & Decoração FEMININA TEEN: • Top Girl Especial Testes GAMES: • Detonando • Play Games • Pro Games ESPORTE: • Guia de Fórmula 1 Aviso importante: A Arte Antiga Editora não se responsabiliza pelo conteúdo dos anúncios publicados nesta revista, nem garante que promessas divulgadas como publicidade serão cumpridas. Cabe ao leitor avaliar cada caso e buscar informações sobre produtos e serviços aqui anunciados. 4 DOUTRINA ESPÍRITA Entenda a fé que valoriza o conhecimento 11 CONTEXTO HISTÓRICO E BASES ESPÍRITAS Recapitule a origem francesa, os fenômenos e a comunicação dos espíritos 18 ALLAN KARDEC O codificador do Espiritismo era pedagogo e conhecia diversas ciências 23 DIFERENCIAÇÕES Compreenda o que o Espiritismo é e desmistifique alguns pontos 28 JESUS E O ESPIRITISMO O Evangelho como guia e a busca do bem A primeira vez que tive contato com o universo espírita, confesso, fiquei um tanto confusa. Influenciada pela bagagem católica familiar, tive dificuldade em entender certos conceitos, como reencarnação, mediunidade, livre-arbítrio e evolução dos espíritos. E, hoje, tenho certeza de que boa parte das pessoas (que são adep- tas, simpatizantes ou simplesmente se interessam em saber mais sobre a doutrina) também passou por isso. Afinal, esses princípios não são tão simples de serem compreendidos e merecem uma atenção mais aprofundada para que não sejam confundidos com algo espetacular, sobrenatural, fantasioso. Dessa forma, faz-se mais do que necessário nosso cuidado em trazer as informações de forma precisa, detalhada, tal qual consta da doutrina espírita, evitando quaisquer mal-entendidos. Agora, o que gostaríamos de deixar bem claro aqui é que entender e compreender não é o mesmo que acreditar. Assim, a proposta desta edição de Conhecer Fantástico não é convencer você, leitor, de que se deve crer ou não nos preceitos e ensinamentos do Espiritismo. O propósito aqui é trazer em detalhes boa parte do que envolve a doutrina que surgiu no século 19, na Europa, espalhou-se pelo mundo e já conta com um número bastante significativo de adeptos e simpatizantes no Brasil. A partir da próxima página, como resultado do sério e competente trabalho da redatora Fernanda Sciascio, você vai conferir um panorama dos princípios básicos da doutrina, de quem foi Allan Kardec e da prática espírita, além dos principais expoentes e da literatura sobre o tema. Aproveite para conhecer mais sobre a doutrina, que não exclui outras crenças e que se propõe a analisar os fenômenos, sejam eles materiais ou espirituais, sob a luz da ciência. Um grande abraço redacao@editoraonline.com.br 30 PRÁTICA ESPÍRITA Como é a rotina de quem segue a doutrina e o que eles pensam 37 MEDIUNIDADE Você sabia que todos somos médiuns? 44 EXPOENTES ESPÍRITAS Quem são as pessoas que dedicam suas vidas ao bem ao próximo 46 LIVROS Estudar é uma das premissas da doutrina. Conheça as principais obras 49 ENDEREÇOS ÚTEIS Em diferentes Estados e na internet, há muito o que conhecer SUMÁRIO INÊS249 Doutrina Espírita Doutrina Crer em reencarnação - a sobrevivência do espírito após a morte do corpo - é apenas uma das partes do Espiritismo. Amor, estudo e evolução são alguns pontos de partida da doutrina Por Fernanda Sciascio 4 INÊS249 spiritual, espiritualista, espiritualismo. Palavras similares com significados paralelos que, às vezes, acabam por se misturar com Espiritismo ou Doutrina Espírita. Mas vamos desfazer possíveis mal-entendidos. As premissas básicas são: espiritualismo é o oposto do materialismo e todo mundo que acredita que haja em si algo além de matéria é espiritualista. Já os espíritas, também chamados de espiritistas, crêem nas relações do mundo material com os espíritos ou seres do mundo invisível, entre outras coisas. Codificado pelo pedagogo francês Allan Kardec com o intuito de apoiar a fé na razão, na lógica e no bom senso, o Espiritismo traz conceitos sobre o homem e tudo o que o cerca. O conjunto de princípios aborda diversas áreas do conhecimento, das atividades e do com- portamento humano e diz abrir uma nova era para a regeneração da humanidade. O registro mais remoto de que se tem notícia é de Londres, no ano de 1744, quando Emmanuel Swedenborg divulgou em livro suas primeiras visões do mundo espiritual. Cerca de 60 anos mais tarde, nasceu em Lyon, na França, Hippolyte Léon Denizard Rivail que, mais tarde, sob o nome de Allan Kardec, codificaria o Espiritismo. A doutrina nasceu mesmo em meados do século 19, quando o fenômeno das mesas girantes, ou dança das mesas, agitou a Europa - tendo antes passado pela América. Nos salões elegantes, após os saraus, a alta sociedade reunia-se ao redor das mesas para “brincar”. Incrédulas no início, as pessoas começaram a se interessar pelo assunto devido à multiplici- dade das experiências. Naquelas situações, as pessoasfaziam simples e frívolas questões às mesas e estas se moviam, erguiam-se no ar e respondiam às perguntas por meio de batidas no chão. As questões eram “quantos filhos eu tenho?” ou “com quantos anos vou me casar?” e as batidas foram chamadas, mais tarde, de tiptologia. Com o tempo, foi sendo criado o “alfabeto das batidas”, de maneira que um toque significava “A”, dois toques “B”, e assim por diante. O fenômeno chamou a atenção de um pesquisador, discípulo do célebre estudioso Johann Pestalozzi: Hippolyte Leon Denizard Rivail. E 5 6 ESPIRITISMOESPIRITISMO “Toda a religião, toda a moral se acham encerradas nestes dois preceitos. Se fossem observados nesse mundo, todos seríeis felizes: não mais aí ódios, nem ressentimentos. Direi ainda: não mais pobreza, porquanto, do supérfluo da mesa de cada rico, muitos pobres se alimentariam e não mais veríeis, nos quarteirões sombrios onde habitei durante a minha última encarnação, pobres mulheres arrastando consigo miseráveis crianças a quem tudo faltava. Ricos! pensai nisto um pouco. Auxiliai os infelizes o melhor que puderdes. Dai, para que Deus, um dia, vos retribua o bem que houverdes feito, para que tenhais, ao sairdes do vosso invólucro terreno, um cortejo de Espíritos agradecidos, a receber-vos no limiar de um mundo mais ditoso. Se pudésseis saber da alegria que experimentei ao encontrar no Além aqueles a quem, na minha última existência, me fora dado servir! Amai, portanto, o vosso próximo; amai-o como a vós mesmos, pois já sabeis, agora, que, repelindo um desgraçado, estareis, quiçá, afastando de vós um irmão, um pai, um amigo vosso de outrora. Se assim for, de que desespero não vos sentireis presa, ao reconhecê-lo no mundo dos Espíritos! Desejo compreendais bem o que seja a caridade moral, que todos podem praticar, que nada custa, materialmente falando, porém, que é a mais difícil de se exercer. A caridade moral consiste em se suportarem umas às outras as criaturas e é As norte-americanas, irmãs Fox, revolucionaram sua época comunicando-se com os espíritos Os espíritas formam o terceiro maior grupo religioso do Brasil. São 2,3 milhões de adeptos e, estima-se, 30 milhões de simpatizantes o que menos fazeis nesse mundo inferior, onde vos achais, por agora, encarnados. Grande mérito há, crede-me, em um homem saber calar-se, deixando que fale outro mais tolo do que ele. É um gênero de caridade isso. Saber ser surdo quando uma palavra zombeteira se escapa de uma boca habituada a escarnecer; não ver o sorriso de desdém com que vos recebem pessoas que, muitas vezes erradamente, se supõem acima de vós, quando na vida espírita, a única real, estão, não raro, muito abaixo, constitui merecimento, não do ponto de vista da humildade, mas do da caridade, porquanto não dar atenção ao mau proceder de outrem é caridade moral. Essa caridade, no entanto, não deve obstar à outra. Tende, porém, cuidado, principalmente em não tratar com desprezo o vosso semelhante. Lembrai-vos de tudo o que já vos tenho dito: Tende presente sempre que, repelindo um pobre, talvez repilais um Espírito que vos foi caro e que, no momento, se encontra em posição inferior à vossa. Encontrei aqui um dos pobres da Terra, a quem, por felicidade, eu pudera auxiliar algumas vezes, e ao qual, a meu turno, tenho agora de implorar auxilio. Lembrai-vos de que Jesus disse que todos somos irmãos e pensai sempre nisso, antes de repelirdes o leproso ou o mendigo. Adeus: pensai nos que sofrem e orai.” Irmã Rosália (Paris, 1860) O amor é universal 6 Di vu lga çã o/ FE B 7 Na América e na Europa, as mesas girantes Rivail, pedagogo francês, fluente em diversos idiomas, autor de livros didáticos e adepto de um rigoroso método de investigação científica, não aceitou de imediato os fenômenos das mesas girantes, mas estudou-os atentamente. A conclusão das observações é que o que movia as mesas era uma força inteligente, a qual mais tarde ele concluiu e identificou como os “espíritos dos homens” que haviam morrido. Para obter essa conclusão, o pedagogo fez centenas de perguntas aos espíritos e, então, analisou as respostas, comparou-as e codificou-as, submetendo-as a uma análise detalhada e racional. O resultado da pesquisa foi a publicação de “O Livro dos Espíritos”, escrito pelo professor Rivail e assinado com o pseudônimo de Allan Kardec, para diferenciá-lo de suas obras científicas, até então publicadas. A experiência como investigador científico fez com que Rivail, hoje mais conhecido como Kardec, fixasse a aliança da ciência com a religião em suas condições preliminares. Em uma de suas obras, “A Gênese”, ele salienta: “O Espiritismo marchando com o progresso jamais será ultrapassado porque, se novas descobertas demonstrassem estar em erro sobre um certo ponto, ele se modificaria sobre esse ponto; se uma nova verdade se revelar, ele a aceitará”. 7 Os bons espíritos atraem para o bem e os imperfeitos induzem ao erro Brasil: um caldeirão de culturas Divulgado em praticamente toda a Europa no século 19, o Espiritismo chegou ao Brasil em 1865. Essencialmente católicos, os brasileiros são particularmente tolerantes a diferentes religiões e culturas e foi assim que o País acabou por reunir o maior número de espíritas em relação a nada menos que todo o mundo, além de a doutrina ter alcançado a posição de terceiro maior grupo religioso do País. São 2,3 milhões de adeptos, segundo o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Porém esse número é ainda maior, pois estima-se em 30 milhões o número de simpatizantes à doutrina. Outro dado de relevância: vinculadas à Federação Espírita Brasileira, há dez mil instituições ou centros. Por aqui, a imagem dos seguidores dos princípios está forte- mente associada à prática do bem, da caridade e do respeito aos praticantes de todas as religiões. Isso porque, em todos os Estados brasileiros, os centros espíritas mantêm instituições de auxílio, assistência e promoção social. Mas a essência é bem mais complexa do que isso... A primeira manifestação registrada oficialmente no Brasil aconteceu em 1845, no distrito de Mata de São João. Pouco mais tarde, em 31 de março de 1848, dessa vez em Hydesvylle/ Nova York (EUA), duas crianças receberam mensagem de um Nessa montagem, Jesus Cristo, Alan Kardec e Chico Xavier: ícones espíritas Ilu str aç ão : F áb io Ma tos 8 · Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas. É eterno, onipotente, soberanamente justo e bom; · Além do mundo corporal existe o espiritual, habitação dos espíritos desencarnados; . O homem é um espírito encarnado em um corpo material; · Os espíritos são os seres inteligentes da criação. Eles evol- uem, intelectual e moralmente, até a perfeição; · Cada espírito preserva sua individualidade, antes, durante e depois de cada encarnação; · O número de reencarnações varia de acordo com cada espírito, sendo quantas vezes forem necessárias ao aprimo- ramento. Há evolução sempre, podendo até estacionar, mas nunca regredir. A rapidez do progresso depende dos seus esforços; · As relações dos Espíritos com os homens são constantes Allan Kardec, o decodificador do Espiritismo, era respeitado ped- agogo, cientista, filósofo e tradutor. Falava seis idiomas 8 e sempre existiram; . Os bons Espíritos nos atraem para o bem. Os imperfeitos nos induzem ao erro; · Jesus é o guia e modelo para toda a humanidade. A doutrina que Ele ensinou e exemplificou é a expressão mais pura da lei de Deus; · O homem tem o livre-arbítrio para agir, mas responde pelas conseqüências de suas ações; · A vida futura reserva aos homens penas e alegrias de acordo com o procedimento de respeito ou não à lei de Deus; · A prece é um ato de adoração a Deus. Aquele que ora com fervor e confiança se faz mais forte contra as tentações do mal e Deus lheenvia bons espíritos para assisti-lo. Consultoria: Federação Espírita Brasileira (FEB) Princípios básicos do Espiritismo espírito. Elas marcaram a comunicação entre homens e espíritos e ficaram mundialmente conhecidas como as irmãs Fox. No ano de 1856, Rivail recebeu na França a revelação de sua missão na Terra como o codificador do Espiritismo. Foi ele, inclusive, que criou as palavras “espírita” e “Espiritismo” e, a partir de então, ficou mais conhecido como Allan Kardec. Segundo as palavras do estudioso: “Para coisas novas, nomes novos”. Os estudos eram ininterruptos e, após diversos testes e análises racionais, sob crivos filosófico, científico e religioso, Allan Kardec publicou em Paris, em 18 de abril de 1857, os primeiros exemplares de “O Livro dos Espíritos”. De volta ao Brasil, Luiz Olímpio Teles de Menezes fundou em Salvador, Bahia, o Grupo Familiar de Espiritismo, no ano de 1865. Desse momento em diante, surgiu também na Bahia uma revista específica sobre o assunto e um novo local de estudos espíritas foi inaugurado no Rio de Janeiro. Em 1º de janeiro de 1884, foi fundada a Federação Espírita Brasileira e em 2 de abril de 1910 nasceu, em Pedro Leopoldo (MG), o principal expoente espírita brasileiro: Francisco Cândido Xavier. Outro marco espírita no Brasil aconteceu em 1949, com a aprovação dos 18 itens do pacto áureo, um dos mais impor- tantes documentos do Espiritismo no País. Pouco mais de uma década depois, em 1860, a FEB (Federação Espírita Brasileira) foi declarada pelo Presidente Juscelino Kubitschek como “enti- dade de utilidade pública”. A doutrina espírita nada mais é que o conjunto de princípios e leis, revelado pelos espíritos superiores, contidos nas obras de Allan Kardec. Alguns dos ensinamentos fundamentais são: Di vu lga çã o/ FE B 9 Os princípios “O Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador prometido: conhecimento das coisas, fazendo com que o homem saiba de onde vem, para onde vai e por que está na Terra; atrai para os verdadeiros princípios da lei de Deus e consolação pela fé e pela esperança”, escreveu Allan Kardec em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. A sen- tença já é uma prévia dos ensinamentos que buscam nortear a todos os seus seguidores, independentemente da religião de cada um. Isso porque o Espiritismo não exclui outras fés, assim como o Budismo. E no que consiste o Espiritismo? A doutrina é o conjunto de princípios e leis revelados pelos espíritos superiores, contido nas obras de Allan Kardec que constituem a Codificação Espírita. Elas são cinco: “O Livro dos Espíritos”, “O Livro dos Médiuns”, “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, “O Céu e o Inferno” e “A Gênese”. Por meio dessas ferramentas, os espíritos mais evoluídos revelam conceitos aprofundados a respeito de Deus, do universo, dos homens, dos espíritos e das leis que regem a vida de maneira seqüencial, de modo que as pessoas que acreditam na doutrina (e a estudam) entendam melhor o objetivo da existência e a razão da dor e do sofrimento. Os ensinamentos começam salientando que Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas. Ele é eterno, imutável, imaterial, único, onipotente e soberanamente justo e bom. O universo é Sua criação e abrange todos os seres animados e inanimados, materiais e imateriais, e nele há outros mundos habitados, com seres de diferentes graus de evolução. Até então, há diretrizes muito comuns também em outras religiões. O que difere bastante e o que é uma das características mais marcantes do Espiritismo é a crença de que, além do mundo corporal, existe o mundo espiritual, no qual coabitam os espíritos desencarnados. Para isso ser possível, é preciso saber que os espíritos reencarnam (ou nascem de novo) quantas vezes forem necessárias ao seu aprimoramento. Em cada vida, há evolução ou, no mínimo, permanência de estado, nunca regressão. A rapidez de cada progresso depende dos esforços de cada um e as relações dos espíritos com os homens são constantes, sempre existiram. Logicamente, os bons espíritos atraem para o bem e os imperfeitos induzem ao erro. O guia e modelo para toda a humanidade é Jesus, tido como o Espírito Perfeito, e a doutrina que Ele ensinou e exemplificou é a expressão mais pura da Lei de Deus. A moral do Cristo é o roteiro para a evolução segura de todos os homens. Cada ser humano tem o livre-arbítrio para agir, mas responde pelas conseqüências de suas ações, sendo por isso que a vida futura reserva aos homens penas e alegrias, de acordo com o procedimento de respeito ou não à Lei de Deus. Para quem acredita na doutrina, a prece é um excelente caminho para se fortalecer contra as tentações do mal. “O Livro dos Espíritos” foi a primeira obra espírita de Kardec Congresso comemora bicentenário de Kardec Espíritas de todas as partes do mundo participarão do IV Congresso Espírita Mundial, promovido pelo Conselho Espírita Internacional e realizado pela União Espírita Francesa e Francofônica. Programado para realizar-se na Maison de la Mutualité, em Paris, França, no período de 2 a 5 de outubro de 2004, o evento vai homenagear Allan Kardec em seu bicentenário de nascimento, no país em que a Doutrina Espírita surgiu e tem o objetivo de divulgar os princípios espíritas. Para mais informações, acesse o site da FEB: www.febnet.org.br. 9 Divulgação/ FEB 10 ESPIRITISMOESPIRITISMO Espíritos na pré-escola Assim como os bebês, segundo a doutrina, os espíritos nada sabem ao serem criados e precisam passar por um processo de aprendizagem, que acontece durante as encarnações. Antes disso, é interessante entender que, para os espíritas, o homem é um espírito encarnado em um corpo material e o perispírito é o corpo semi-material que une o espírito ao corpo material. Os espíritos são os seres inteligentes da criação e eles pré- existem e sobrevivem a tudo. Assim, cada um deles (ou de nós) evolue intelectual e moralmente e passa de uma ordem inferior para outra mais elevada, até a perfeição, estágio em que goza de inalterável felicidade. Cada espírito é único e preserva sua individualidade antes, durante e depois de cada encarnação. Há os espíritos puros, que atingiram a perfeição máxima; os bons espíritos, nos quais o desejo do bem é o que predomina; e os espíritos imperfeitos, caracterizados pela ignorância, pelo desejo do mal e pelas paixões inferiores. “Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sem cessar, tal é a lei” Frase esculpida no monumento druida do cemitério Père-Lachaise O que você sente? O ideal é que todo espírita cultive bons pensamentos e ações de maneira a elevar-se e aproximar-se da perfeição e, conseqüentemente, da felicidade eterna. Assim, alguns sentimentos são trabalhados e buscados com freqüência durante todas as etapas evolutivas dos espíritos. Um deles é a misericórdia. A definição dada pelos estudiosos do tema é que ela é o complemento da brandura, uma vez que aquele que não for misericordioso não poderá ser brando e pacífico. A misericórdia consiste no esquecimento e no perdão das ofensas, lembrando que o ódio e o rancor denotam alma sem elevação ou grandeza. A base está nos ensinamentos do evangelho, segundo os relatos das palavras de Jesus Cristo. “Ama o próximo como a ti mesmo”, ou, faça pelos outros o que gostaria que eles fizessem por você. Essa é a expressão mais completa da caridade, porque resume todos os deveres do homem para com o próximo e, de uma maneira bastante natural, tende a destruir o egoísmo. Numa intensidade maior e, no caminho do progresso evolutivo, a lei do amor é primordial. Ela está inserida em todos os ensinamentos deixados por Jesus por ser a excelência de todos os sentimentos positivos. Cabe lembrar que, em sua origem, o homem só tem instintos e, quando mais avançado e corrompido, só tem sensações. Mais para frente, quando instruído e depurado, tem sentimentos e o ponto mais delicado do sentimento é o amor, no sentidomais amplo da palavra. A lei de amor, assim, substitui a personalidade pela fusão dos seres e, por meio dela, manifestam-se a caridade e a humildade espontânea e sincera. E é nesse momento que todas as premissas se fundem e criam o amor incondicional. “E aqui está o segundo mandamento que é semelhante ao primeiro, isto é, que não se pode verdadeiramente amar a Deus sem amar ao próximo, nem amar o próximo sem amar a Deus. Logo, tudo o que se faça contra o próximo, o mesmo é que fazê-lo contra Deus. Não podendo amar a Deus sem praticar a caridade para com o próximo, todos os deveres do homem se resumem nesta máxima”. 10 Nos saraus europeus do início do século 19, era comum a “brincadeira” das mesas girantes Ilustração: Fábio Matos 11 Contexto histórico e bases espíritas uis Deus que a nova revelação chegasse aos ho- mens por mais rápido caminho e mais autêntico. Incumbiu, pois, os Espíritos de levá-la de um pólo a outro, manifestando-se por toda a parte, sem con- ferir a ninguém o privilégio de lhes ouvir a palavra. Um homem pode ser ludibriado, pode enganar-se a si mesmo; já não será assim, quando milhões de criaturas vêem e ouvem a mesma coisa. Constitui isso uma garantia para cada um e para todos. Aos demais, pode fazer-se que desapareça um homem; mas não se pode fazer que desapareçam as coletividades; podem queimar-se os livros, mas não se podem queimar os Espíritos”. A mensagem está em “O Livro dos Espíritos” e explica uma das bases filosóficas do Espiritismo, chamada universalidade. A essência é que todos os ensinos da doutrina foram transmitidos a diversos médiuns, em locais e tempos diferentes, ao redor de todo o mundo. E isso lhe garante veracidade e credibilidade. O Espiritismo moderno começou na França, em plena era do Iluminismo. “Para os espíritas, o século 18 foi uma época na qual espíritos elevados, de alto saber na ciência e na filosofia, começaram a reencarnar em solo gaulês para combater os erros da sociedade e da política em contraposição ao jugo da Igreja”, explica o psicólogo e historiador espírita Eduardo Carvalho Monteiro. O fato é que a genialidade dos pensamentos e obras levou o mundo ocidental a rediscutir a sociedade e o homem e, a partir da “Enciclopédia ou Dicionário Racional das A doutrina espírita foi codificada no século 19 e fundamentada com experimentos práticos, analisados sob critérios filosóficos e científicos “Q Contexto histórico 11 12 Ciências, das Artes e dos Ofícios”, lançado em 35 volumes com desenhos, ilustrações e mapas, de Denis Diderot e Jean lê Rond D’Alembert, a sociedade francesa não foi mais a mesma. O absolutismo monárquico começou a ser com- batido, a nobreza e o clero com seus privilégios não foram mais aceitos sem contestações e os pilares que sustentavam as estruturas, até então vigentes, começam a ser derrubados. A Revolução Francesa e o Espiritismo A transformação almejada é reforçada por livros como “O Espírito das Leis”, de Montesquieu (1748); “O Contrato Social”, de Rousseau (1762); “Cartas Filosóficas”, de Voltaire (1773); “A Ordem Natural e Essencial das Sociedades Políticas”, de La Riviére (1767), que acreditavam em mudanças do mundo por meio de uma reciclagem de seu pensamento e ampliação das perspectivas do conhecimento, devolvendo ao homem a consciência de si mesmo. Assim, a partir de 1780, o clamor popular das reivin- dicações e o colapso da administração real forçaram o rei a criar uma Assembléia Nacional na França que ajudou na ascensão de líderes carismáticos, como Danton, Robespierre, Desmoulins, Marat, Tocqueville, Mirabeau e outros, os quais se tornariam os artífices da Revolução Francesa de 1789. Dela, destaca-se a síntese das idéias revolucionárias e o símbolo político-social de uma organização ideal nos 17 artigos da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, atual até os dias de hoje, consagrando as idéias iluministas. O desenrolar histórico da transformação do homem e do mundo prosseguiu com muitas dificuldades e turbulências políticas por intermédio de Napoleão Bonaparte que, apesar das atitudes totalitárias que cometeu, concretizou o grande sonho iluminista: o Código Civil. Em meados do século 19, apropriadamente denominado “das Luzes”, os espíritas acreditavam que as forças equilibrantes do universo haviam oferecido à humanidade uma revelação e transformação religiosa em contrapartida ao Positivismo materialista nascente na França e na Alemanha. Esse equilíbrio era o Espiritismo. Os precursores da doutrina A crença espírita diz que “nenhum campo pode oferecer boa plantação se não tiver o solo sido convenientemente preparado e semeado”. Assim, muitos espíritos missionários reencarnaram para favorecer o surgimento do Espiritismo. O vidente sueco Emanuel Swedenborg (1668-1772), grande autoridade em física e astronomia, fazia prodígios em estados alterados de consciência e dizia que “todas as afirmações em matéria de teologia são, como sempre foram, arraigadas no cérebro e dificilmente podem ser removidas; e enquanto aí estiverem, a verdade genuína não encontrará lugar”. Outra história interessante é a de Edward Irving (1792-1834), ministro presbiteriano, também de grande interesse para o Espiritismo. Irving, pertencente à classe de trabalhadores braçais escoceses, pregava curas espirituais e o dom de falar línguas estranhas em sua igreja. Na mesma época, grupos shakers (refugiados religiosos da Inglaterra) se estabeleceram em comunidades nos Estados Unidos onde cultivavam o mediunismo, que chegou a se manifestar em forma de transes coletivos durante sete anos consecutivos, após os quais os entes manifestantes, que se diziam espíritos, retiraram-se afirmando que retornariam em breve e invadiriam o mundo, entrando tanto nas choupanas quanto nos palácios. Essas experiências foram descritas em inúmeros livros e artigos da época. Andrew Jackson Davis (1826-1910), grande médium vidente, clarividente, audiente, de xenoglossia, psicógrafo e psicofônico, ditou mais de 30 livros em estado de transe que tiveram grande impacto nos Estados Unidos. Impressionavam o público com suas profecias e chegaram a adiantar, antes de 1856, o episódio de Hydesville, além de detalhes do automóvel e da máquina de escrever que só seriam inventados muito posteriormente. Os fenômenos mediúnicos produzidos em 1840, na Alemanha, pelo médium inconsciente Gottlieben Dittus; as belas comunicações espirituais obtidas pela médium sonâmbula Adèle Marginot sob a orientação de Alphonse Cahaganet, que editou, em 1847, “Os Arcanos da Vida Futura Revelados”; as notáveis comunicações mediúnicas da vidente de Prevost, Frédérique Hauffer, registradas pelo dr. Justinus Kerner em 1829 são exemplos de pessoas que an- teciparam e prepararam a chegada do Espiritismo. Hydesville e as irmãs Fox A noite de 31 de março de 1848 marcou para sempre a história e inaugurou a era das pesquisas científicas psíquicas “Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da humanidade” Allan Kardec em “O Evangelho Segundo o Espiritismo” 12 13 e mediúnicas. Segundo o criador de Sherlock Holmes, Arthur Conan Doyle, em Hydesville, 31 de março de 1848, teve início o marco inicial do que se convencionou chamar “Espiritualismo Moderno”. Uma ocorrência numa pequena cabana em Hydesville, Estado de Nova York, que deveria ser corriqueira, transformou-se em caso internacional e sua repercussão deflagrou o início do maior movimento espiritualista que a Terra já vivenciou. Em dezembro de 1847, a família Fox composta pelo senhor John Fox, sua esposa Margareth e três filhas, Margareth, Katharine e Ana Leah, mudou-se para Hydesville indo residir numa casa de madeira que tinha a fama de ser mal-assombrada. Apesar de sempre ouvirem pequenos ruídos e batidas, os Fox já se estavam acostumando com a casa, mas naquela noite os barulhos intensificaram-see acordaram a todos. As meninas, em sua ingenuidade juvenil, logo perceberam que as batidas, denominadas posteriormente de raps, respondiam a seus estalos de dedos e palmas, procurando com isso estabelecer um contato entre o mundo visível e o invisível que desconheciam. “Senhor Pé-rachado, faça o que eu faço” (...) e seguiu-se o mesmo número de raps ao das palmas batidas por Margareth. Em seguida, repicou: “Agora faça exatamente como eu. Conte um, dois, três, quatro” e bateu palmas, sendo imitada nos sons pelo misterioso ser invisível. O termo “pé-rachado” deve-se à maneira que os norte-americanos se referiam ao demônio ou “cabra”. A senhora Fox também quis testar a produção das batidas e pediu a quem ali estivesse que desse a idade de todos os seus sete filhos. Fazendo uma pausa entre um e outro filho, por meio do número de batidas o ser invisível acertou a idade de todos, inclusive do mais novo que morrera com três anos. Aquela era uma resposta inteligente que tão somente a família recém- mudada poderia saber. E o diálogo por intermédio das batidas pôde prosseguir para espanto da mãe, Margareth Fox. Esse modo de intercâmbio entre os dois mundos recebeu o nome de tiptologia. Por esse método, a senhora Fox conseguiu saber que aquele espírito, como ele próprio se definira, havia vivido na Terra, fora assassinado naquela casa e seu corpo en- terrado na parede da adega. Identificou-se como Charles Bryan Rosma, deu detalhes de sua família e se prontificou a continuar se comunicando por meio das batidas para que houvesse out- ras testemunhas. Primeiramente os vizinhos, depois os curiosos que vinham de longe e, posteriormente, grupos de cientistas estudaram os fenômenos e os confirmaram. Elder Evans e outro shaker foram visitar as irmãs Fox e tão logo tomaram conhecimen- to das manifestações espíritas ocorridas com elas, tendo sido sau- dados entusiasticamente pelas forças invisíveis que diziam ser aqueles “O Livro dos Espíritos” foi lançado, na livraria Dentu, em Paris, no século 19 13 Divulgação/ FEB 14 ESPIRITISMOESPIRITISMO fenômenos resultado do que fora predi- to aos shakers quatro anos antes. Parte dos ossos de Rosma foi encontrada onde o espírito havia revelado, poucos dias depois, e outra parte, 56 anos mais tarde, no jardim, mostrando que os assassinos, receosos de serem descobertos, transferiram sua sepultura, deixando vestígios e ossos nos dois locais. A casa de madeira de John Fox envelheceu e desmoronou em parte e, em 1916, Benjamin F. Bartlett adquiriu os restos do antigo barracão e providencialmente re- construiu-o na cidade de Lily Dale (NY), na sede da Lily Dale Spiritualist Camp, onde é conservado até hoje como testemu- nha do grande acontecimento espiritual de 31 de março de 1848, em Hydesville. Grandes nomes passam a acreditar As irmãs Fox e suas comunicações com os espíritos ficaram conhecidas em diversas regiões do mundo e a reprodução dos fenômenos passou a acontecer em várias regiões dos Estados Unidos. Tanto que, em janeiro de 1851, um conceituado ju- rista chamado John Worth Edmonds, ex-senador, ex-juiz da Supremo Tribunal de Nova York e um dos homens mais con- ceituados do país, materialista convicto, converteu-se à crença da existência dos espíritos após presenciar diversos fenômenos de efeitos físicos e intelectuais produzidos sob o mais rigoro- so controle. E outros homens de prestígio testemunharam os fenômenos e passaram a acreditar em suas veracidades. Entre eles, o ex-Governador de Wiscousin e Senador N. P. Tallmadge e os professores da Universidade de Harvard W. Briant, B. K. Bliss, W. Edwards e David A. Wells, que public- aram um manifesto em apoio à autenticidade do fenômeno da levitação das mesas Máximas da Doutrina Espírita * Fora da caridade não há salvação; * Fé inabalável é aquela que pode encarar a razão face a face em todas as épocas da humanidade; * Nascer, morrer, renascer ainda e viver sempre, tal é a lei; * Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que faz para dominar suas más inclinações; * Todo efeito tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. O poder da causa inteligente está na razão da grandeza do efeito. Comunicar-se era preciso Foi em fins de 1850 que os es- píritos indicaram uma nova maneira de se comunicar: por meio de mesas comuns. No princípio, elas só gira- vam. Várias pessoas em torno de uma mesa colocavam as mãos sobre ela e o móvel começava a girar. Via-se, então, um corpo mais pesado que o ar flutuar sem ser tocado por ninguém. Eram os fluidos de uma ou mais pessoas do gru- po que proporcionavam as condições para que isso acontecesse. Quando o efeito começava a se produzir, geralmente se ouvia um pequeno estalido na mesa que era o prelúdio do movimento. Alguns móveis dançavam ou subiam até o teto. Mas não bastava. Os espíritos também queriam falar através das mesas. Levantando um dos pés, enquanto se recitava o alfabeto, os espíritos davam uma pancada com ela no chão toda vez que se proferisse a letra que servisse ao que eles quisessem dizer. Esse processo lento, mas eficaz, produziu resultados ex- celentes e provou tanto a curiosos quanto a homens céticos a realidade da vida além-túmulo. Para se ter uma idéia mais palpável sobre a que ponto essas manifestações penetraram no cotidiano dos norte-americanos, em 1853 foi feita uma petição por 15.000 cidadãos, entregue ao Congresso em Washington, solicitando a formação de uma comissão especial para o estudo dos “espíritos batedores e das mesas girantes”. Outra evidência de como os fenômenos at- raíam curiosos é que, após os acontecimentos de Hydesville, uma seita chamada “Espiritualista” agregou 500.000 crentes e 30.000 médiuns. Não tardou para que essa “mania” atravessasse o Atlântico e virasse “moda” nos salões dos intelectuais, em Paris. O inter- 14 15 esse deles era apenas a diversão, uma vez que ter o poder de levantar e girar mesas parecia instigante, tanto que há desenhos da época que revelam ele- gantes senhores e senhoras em volta de uma mesa, fazendo-a rodopiar no ar. Para melhorar a comunicação entre os espíritos e os homens, outras formas foram sendo criadas. Uma delas era uma cesta com cerca de 15 a 20 centímetros de diâmetro, na qual se amarrava um lá- pis com a ponta para fora e para baixo. Mantida a cesta em equilíbrio sobre uma folha de papel, o médium encostava o seu dedo nela e a cesta se colocava em movimento, manipulada pelo espírito que escrevia sobre o papel. Estudar os fenômenos, eis a questão Rivail, que mais tarde ficaria consagrado como Allan Kardec, o codificador do Espiritismo, teve seu primeiro contato com os fenômenos em 1854. Nessa data, o pesquisador ouviu pela primeira vez falar das mesas girantes, segundo ele próprio relataria mais tarde em “Obras Póstumas”. “Encontrei um dia o senhor Fortier, a quem eu conhecia des- de muito tempo e que me disse: Já sabe da singular propriedade que se acaba de descobrir no magnetismo? Parece que já não somente as pessoas que se podem magnetizar, mas ,também, as mesas conseguindo-se que elas girem e caminhem à vontade. – É, com efeito, muito singular, respondi, mas a rigor, isso não me parece radicalmente impossível. O fluido magnético, que é uma espécie de eletricidade, pode perfeitamente atuar sobre os corpos inertes e fazer com que eles se movam. Algum tempo depois, encontrei-me novamente com o senhor Fortier, que me disse: Temos uma coisa muito mais extraordinária; não só se Oscinco princípios da base do Espiritismo I ) Crença em um Deus único e perfeito, criador de todas as coisas; II) Crença na sobrevivência do espírito; III) Comunicabilidade dos espíritos desencarnados; IV) Pluralidade dos mundos habitados; V) Reencarnação (lei de causa e efeito). consegue que uma mesa se mova, magnetizando-a, como também quefale. Interrogada, ela responde. – Isto agora, repliquei-lhe, é outra questão. Só acreditarei quando o vir e quando me provarem que uma mesa tem cére- bro para pensar, nervos para sentir e que possa tornar-se sonâmbula. Até lá, permita que eu não veja no caso mais do que um conto para fazer-nos dormir em pé”. A resposta de Rivail foi dada de acordo com sua formação racionalista e científica. E ele preferiu investigar antes para depois tirar suas conclusões. Assim, o próximo passo da trajetória do profes- sor foi observar os fenômenos das mesas girantes. Porém, ele acrescentou às suas experimentações sérias e criteriosas, deduções filosóficas e morais que continham explicações para as perguntas que mais incomodavam o homem no correr das eras, como: “De onde vim? Para onde vou? Quem sou eu?”. Segundo relatos de Allan Kardec, o primeiro contato aconteceu da seguinte maneira: “Passado algum tempo, pelo mês de maio de 1855, fui à casa da sonâmbula sra. Roger, em companhia do sr. Fortier, seu magnetizador. Lá encontrei 15 “Para se designarem coisas novas são precisos termos novos” Allan Kardec, em “O Livro dos Espíritos”, em alusão à criação das palavras “espírita” e “Espiritismo” 16 ESPIRITISMOESPIRITISMO 16 Victor Hugo e o Espiritismo Victor Hugo, a maior expressão do romantismo francês, auto-exilado na Ilha de Jersey, recebeu em 6 de setembro de 1853 a histórica visita de Madame Girardin, inspirada poetisa, romancista e teatróloga, precocemente celebrizada aos 16 anos por sua talen- tosa obra intelectual. Nos dez dias em que permane- ceu na Ilha, Madame Girardin conviveu na intimidade com Hugo e seu grande amigo, o poeta e dramaturgo Auguste Vacquerie. Girardin falou-lhes, então, da grande mania dos salões de intelectuais franceses: as mesas girantes. Posteriormente, Vacquerie escreveria sobre o assunto: “Quando se falava das mesas girantes, nós duvidávamos. Havíamos feito experiências com elas, mas sem êxito certo. Víamos, sobretudo, na atenção que em todas as partes se dedicava a estes fenômenos uma armadilha da polícia francesa para distrair o público das vergonhas do governo”. Madame Girardin revelou-lhes que as mesas, além de flutuarem, comunicavam-se e, então, não precisou muita argumentação para que os anfitriões cedessem ao convite dela para que procedessem às experiências com as mesas em Marine-Terrace, como Hugo chamava sua residência em Jersey. Nos primeiros dias, as tentativas foram em vão, mas no último dia da visita de Madame Girardin à ilha eles se manifestaram e, a partir daí, Victor Hugo, sua família e Vacquerie não passavam um dia sequer sem estabelecer contato com os espíritos. Memoráveis diálogos se travaram então entre Victor Hugo e Moliére, Sheakspeare, Ésquilo, Dante e outros espíritos de grande projeção intelectual na vida terrena. Assim, Hugo e a família, que tinha Carlos, o pri- mogênito como médium principal, reuniam-se todas as noites depois do jantar para a rotina dos intercâmbios es- pirituais. E foi por intermédio da mesa que Leopoldine, filha de Victor Hugo, em emocionante episódio, voltou para lhes falar que não morrera e continuava presente no ambiente familiar. Vacquerie era o encarregado do registro das reuniões, perenizando assim a vivência espírita do grande romancista francês Victor Hugo. o sr. Pâtier e a sra. Plainemaison, que daqueles fenômenos me falaram no mesmo sentido em que o sr. Carlotti se pronunciara, mas em tom muito diverso. O sr. Pâtier era funcionário público, já de certa idade, muito instruído, de caráter grave, frio e calmo; sua linguagem pausada, isenta de todo entusiasmo, produziu em mim viva impressão e, quando me convidou a assistir às experiências que se realizavam na casa da sra. Plainemaison, na Rua Grange-Batelière, 18, aceitei imediatamente. A reunião foi marcada para uma terça-feira de maio às 20 h. Foi aí que, pela primeira vez, presenciei o fenômeno das mesas que giravam, saltavam e corriam em condições tais que não deixavam lugar para qualquer dúvida. Assisti, então, a alguns ensaios, muito imperfeitos, de escrita mediúnica numa ardósia, com o auxílio de uma cesta. Minhas idéias estavam longe de precisar-se, mas havia ali um fato que necessariamente decorria de uma causa.” Experimentos e descobertas Numa das reuniões da sra. Plainemaison, o então professor Rivail conheceu o senhor Baudin e este o convidou a assistir às sessões que se realizavam em sua casa. Rivail logo se tornou assíduo desses encontros, que contavam com muitos freqüen- tadores e tinham como médiuns as duas senhoritas Baudin, que escreviam numa ardósia com o auxílio de uma cesta chamada carrapeta e que se encontra descrita no “Livro dos Médiuns”. Esse processo, que exige a participação de duas pessoas, ex- clui toda possibilidade de intromissão das idéias do médium e, justamente por isso, dava ainda maior credibilidade. Àquela altura, Allan Kardec percebeu que os fenômenos aos quais observava escapavam às possibilidades do magnetis- mo. Envolvido pelo plano espiritual, reconhecia a presença de uma força superior e a atuação de inteligências extra-corpóreas nos fenômenos, mas repelindo por seu espírito racional as revelações, apenas aceitava o que observava pela via lógica das deduções. Assim, ele procedeu em todos os seus trabalhos, desde os 15 ou 16 anos. Após ter constatado a impossibilidade de fraudes por parte dos médiuns que, a exemplo das adoles- centes irmãs Baudin, não teriam condições de formular respostas tão pertinentes para as complexas questões propostas, Kardec entregou-se ao estudo racional e experimental do Espiritismo que findaria na edição de “O Livro dos Espíritos”. Para testar os médiuns, Rivail fazia questões dos problemas que lhe interessa- vam, sobre filosofia, psicologia e da natureza do mundo invisível. Levava para cada sessão uma série de questões preparadas e metodicamente dispostas e elas eram sempre respondidas com precisão, profundeza e lógica. 17 “Eu, a princípio, cuidara apenas de instruir-me. Mais tarde, quando vi que aquilo constituía um todo e ganhava as propor- ções de uma doutrina, tive a idéia de publicar os ensinos rece- bidos para instrução de toda a gente. Foram aquelas mesmas questões que, sucessivamente desenvolvidas e complementa- das, constituíram a base do “Livro dos Espíritos”, informou mais tarde Rivail. As provas da existência dos espíritos e que eles interferiam na vida material Rivail já tinha. O resultado dessas experiências iniciais foi que, embora com uma outra visão da vida por não possuírem mais o corpo da matéria, os espíritos desencarna- dos eram suscetíveis a falhas e não possuíam a plena sabedoria devido a essa condição. A codificação Numa noite, em reunião com as médiuns Baudin, o espíri- to protetor daquela família, conhecido como Zéfiro, fez uma revelação que provocou forte emoção no professor Rivail. O função, assim como toda a obra da codificação, é a transforma- ção do homem. E para transformar é preciso educar. Na edição definitiva do livro, há 1.118 perguntas feitas por Allan Kardec aos espíritos codificadores coordenados por um espírito evoluído de bastante discernimento. Vale destacar que a primeira edição preparada continha apenas 501 perguntas. A Introdução do livro básico da codificação contém 17 itens nos quais Kardec expõe a situação dos fenômenos espíritas em sua época, analisa a competência dos cientistas no julgamento da doutrina, define vocábulos, apresenta métodos de pesquisa nas sessões espíritas, examina a literatura de combate à codifica- ção, resume a “Doutrina dos Espíritos”, estuda o problema das mistificações, focaliza a opinião das pessoas sobre Espiritismo, levando em consideração sua cultura e, por fim, considera o ceticismo face aos fenômenos mediúnicos. Estudo constante No ano seguinte ao lançamento de “O Livro dos espírito lhe contou que já o conhecia de outra existência,ao tempo da civilização druida, tendo sido ele um grão-sacerdote de nome Allan Kardec. A partir de então, Rivail assumiu seu nome druida, principalmente para distinguir sua obra didáti- co-pedagógica da futura Codificação Espírita que se iniciaria com o “Livro dos Espíritos”. Nesse tempo ele descobriu que tinha sido o escolhido para revelar ao mundo as leis naturais que ainda não eram compreendidas pela maior parte dos homens. Em 18 de abril de 1857 foi lançado “O Livro dos Espíritos”. Aproveitando seus recursos intelectuais e experiência no magis- tério, Allan Kardec resolveu dar ao livro básico da codificação uma metodologia didática, a qual se revelou altamente indicada para as circunstâncias de implantação da nova doutrina. O mé- todo escolhido foi o de perguntas e respostas por parte dos espíritos, divididas em quatro grupos bem definidos de idéias, recebendo, cada um, o nome de parte ou “livro”. Sua principal “A liberdade da alma explica a sua imortalidade. A morte não é, portanto, o fim de tudo. Ela não é senão o fim de uma coisa e o começo de outra” Vitor Hugo Espíritos”, Allan Kardec sentiu a necessidade de lançar uma publicação mensal que o mantivesse em contato com os praticantes da nova doutrina. Por meio da médium Ermance Dufaux, Kardec consultou os espíritos em 15 de novem- bro de 1857 para orientar-se e prosseguiu na iniciativa. O primeiro circulou em 1º de janeiro de 1858, sem haver dito nada a quem quer que fosse e sem ter nenhum assistente ou patrocinador. A partir daquela data, os números se sucederam sem interrupção e a “Revista Espírita” e o “Jornal de Estudos Psicológicos” tinham por conteúdo o relato das manifestações materiais e inteligentes dos espíritos e todas as notícias relacio- nadas ao Espiritismo. A publicação foi dirigida por Kardec até a sua morte, em 1869, e circula até hoje em português, francês e espanhol, ed- itada pelo Conselho Espírita Internacional, apesar de ter sofrido algumas interrupções. 17 18 ESPIRITISMOESPIRITISMO Allan Kardec O codificador do Espiritismo teve durante toda sua vida condutas retilíneas e em prol do próximo. Culto, organizado e bem- intencionado, Kardec deixou como legado milhões de adeptos aos princípios por ele transcritos Allan Kardec 18 Segundo os adeptos, Allan Kardec foi um espírito preparado em diversas gerações para ter a lucidez necessária para decodificar o Espiritismo Divulgação/ FEB rimeiro, professor Rivail; mais tarde Allan Kardec. O francês oitocentista mudou definitivamente a história do mundo espiritual e sua tragetória de vida é um exemplo de dedicação a um propósito. Neste ano de 2004, os espíritas comemoram o bicentenário de seu nascimento e, também por isso, vale conhecer mais detalhes da vida notável do codificador da doutrina espírita. Vocação para educador Hippolyte Léon Denizard Rivail nasceu em Lyon, na França, em 3 de outubro de 1804. Filho de Jean-Baptiste Antoine Rivail, homem de leis e juiz, e de Jeanne Louise Duhamel, o menino teve, a partir dos 11 anos, o mestre Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) como educador. Bastante conceituado, Pestalozzi era mentor do Instituto de Yverdun, na Suíça, e foi chamado de “Educador da Humanidade” por sua influência na reforma do sistema educacional na França e na Alemanha. O professor da Unicamp Silvio Seno Chibeni salienta sobre a escola: “Os alunos recebiam ali educação integral esmerada, segundo inovador método pedagógico do famoso professor, baseado na convicção de que o amor é o eterno fundamento da educação”. A convivência com o mestre foi determinante na formação do caráter e da habilitação profissional de Denizard Rivail, pois a sólida base cultural e intelectual, além do amor pela educação, fez com que o jovem enveredasse pelos mes- mos caminhos de seu mestre e viesse a se tornar um dos pro- fessores e pedagogos mais solicitados de Paris, autor de mais de 20 obras didáticas e pedagógicas, e, na época, várias foram parte do ensino oficial da França. Desde cedo, Rivail preocupou-se com a questão religiosa da humanidade e tornou-se um estudioso do magnetismo animal, proposto por Franz Anton Mesmer, aplicando para isso seu espírito racionalista. Em 1831, casou-se com Amélie-Gabrielle Boudet (1795–1883), nove anos mais velha, professora de letras e belas-artes. Ela foi sua companheira e principal colabora- dora em todas suas realizações. Assim, o casal fundou, em Paris, um estabelecimento semelhante ao de Yverdun, onde Rivail escreveu gramáticas, aritméticas e estudos pedagógicos superiores e ainda traduziu obras inglesas e alemãs, além de trechos de autores clássicos franceses para o alemão. Isso porque também foi um lingüista insigne e falava alemão, inglês, italiano, espanhol e holandês. E mais: organizava, em sua casa, cursos gratuitos de química, física, astronomia e anatomia comparada. Membro de várias sociedades sábias, notadamente da Academia Real de Arras, foi premiado, por concurso, em 1831, com a monografia “Qual o sistema de estudo mais em harmonia com as necessidades da época?”. Dentre as suas obras, destacam-se: “Plano apresentado para o melhoramento da instrução pública” (1828); “Curso prático e teórico de aritmé- tica” (1829), segundo o método de Pestalozzi, e “Gramática francesa clássica” (1831). Espíritos em comunicação No ano de 1854, Rivail ficou sabendo por meio de outro magnetizador, conhecido como senhor Fortier, do fenômeno das “mesas girantes”, que era moda recente nos saraus dos grandes salões franceses. Fortier explicou-lhe também que as mesas não só giravam, mas também respondiam a perguntas por meio de batidas. Cético em princípio, Rivail não acreditou que as mesas pudessem responder às questões e começou a investigar, valendo-se da metodologia científica que aplicava para suas obras literárias, acreditando ter uma explicação magnética para o caso. Impressionado com o que testemunhou, Rivail logo deduziu a importância do fenômeno, que não poderia ser aplicado apenas para servir de diversão para os salões de intelectuais parisienses. Em se tratando de um acontecimento inteligente, teria que ter uma causa inteligente por trás dele, pois, seguindo o raciocínio de Rivail, uma mesa, que não tem cérebro para pensar, músculos e nervos para se movimentar, não teria condições de dançar e responder variadas perguntas se não houvesse uma inteligência a movimentando e raciocinando por ela. Após diversos testes com perguntas específicas elaboradas com base em seus estudos filosóficos e também em respostas de diferentes “mesas” (locais e datas distintos), Rivail concluiu que quem respondia eram os espíritos. Como esses seres in- P 19 Para divulgar a doutrina, Kardec elaborou e lançou a Revue Spirit ou “Revista Espírita” Divulgação/ FEB ESPIRITISMOESPIRITISMO visíveis nada mais eram do que homens em outras dimensões, eles estavam passíveis de erros e era preciso checar se as res- postas vinham de espíritos evoluídos e se eram confirmadas por outros espíritos do mesmo grau de elevação. Segundo a crença dos espíritas, diversas foram as razões para que Denizard Rivail fosse escolhido para ser o codificador. A principal delas é que ele não recebera o preparo apenas na vida do corpo carnal de Rivail, mas teve seu caráter e cultura de espírito imortal formados ao longo de inúmeras existências terrenas, com o intuito de desempenhar a missão de reforma- dor religioso. Assim, a descoberta do Espiritismo não operou grandes transformações em seu espírito, mas foi apenas uma continuação de sua jornada milenar em prol da evolução es- piritual planetária. A doutrina também não lhe deu qualidades que não possuía e sim colaborou na lapidação de seu próprio patrimônio espiritual. Kardec, o codificador O pesquisador Rivail procurava sempre a razão e a lógica dos fatos e, justamente por isso, interrogou os espíritos, anotou e ordenou os dados que obteve. Assim é chamado codifica- dor do Espiritismo,uma vez que os autores da doutrina são os espíritos superiores. E vale destacar que, a princípio, Rivail obje- tivava apenas sua própria instrução. Foi no ano de 1856, em 30 de abril e pela mediunidade da senhorita Japhet que Rivail teve a primeira notícia de sua missão, em linguagem bastante alegóri- ca. Mais tarde, quando viu que as anotações formavam um conjunto que tomava as proporções de uma doutrina, decidiu publicar um livro, para instrução de todos. Assim, lançou “O Livro dos Espíritos”, em 18 de abril de 1857, em Paris, e adotou o pseudônimo Allan Kardec a fim de diferenciar a obra espírita da produção pedagógica anteriormente publicada. Em janeiro de 1858, Kardec lançou a “Revue Spirite” (Revista Espírita) e fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Em seguida, publicou “O que é o Espiritismo” (1859), “O Livro dos Médiuns” (1861), “O Evangelho se- gundo o Espiritismo” (1864), “O Céu e o Inferno” (1865) e “A Gênese” (1868). O legado O professor Silvio Seno Chibeni, em seu trabalho sobre a cronologia do Espiritismo e de Allan Kardec, afirma que Kardec faleceu em Paris, em 31 de março de 1869, aos 64 anos, provavelmente em razão da ruptura de um aneurisma. Seu corpo está enterrado no cemitério Père Lachaise, na capital francesa, e seus amigos reuniram textos inéditos e anotações de Kardec no livro “Obras Póstumas”, que foi lançado em 1890. No dia seguinte à morte de Kardec, ele deveria desocupar o imóvel, indo para a casa da Villa Ségur. A partir de então, os es- critórios da Revue iriam para a Rue de Lille, Librairie Spirite, que sediaria também a Société Parisienne des Études Spirites (SPES). O corpo foi sepultado ao meio-dia de 2 de abril, no cemitério de Montmartre. Estima-se que mais de mil pessoas acompanharam o cortejo, que seguiu pelas ruas de Grammont, Laffitte, Notre-Dame- de-Lorette, Fontaine e pelo Boulevard de Clichy. Na primeira reunião da SPES após o fato, os membros pre- sentes lançaram a idéia de se levantar um monumento ao mes- tre, que logo recebeu adesão de espíritas de muitas cidades. Foi assim que se fez construir o famoso dólmen do cemitério Père-Lachaise, para onde os restos mortais de Kardec foram trans- ladados em 29 de março de 1870. O monumento druida está, desde então, no famoso cemitério que também é considerado um museu, por ter sido ali sepultados diversos grandes vultos franceses e mesmo de outros países. O de Kardec é o túmulo mais vis- itado e o mais florido de todos. Quando inaugurado, o dólmen não registrava a célebre fra- se “Nascer, morrer, renascer ainda e progredir continuamente, Saberes druidas Lyon, a segunda maior cidade francesa de- pois de Paris e o berço de Rivail, já foi a antiga Lugdunum, local de povoação celta-druida. A referência é importante porque os espíritas acreditam que Hypolite Leon Denizard Rivail é a reencarnação do druida Allan Kardec, tendo ele – inclusive reassumido a antiga per- sonalidade. 20 Amélie - Gabrielle Boudet foi a grande com- panheira de Kardec Ilu str aç ão : F áb io Ma tos 21 Rivail teve, a partir dos 11 anos, aulas com o mestre Johann Heinrich Pestalozzi, conhecido depois como “o Educador da Humanidade” Bases da educação pestaloziana “A intuição é o fundamento da instrução”; “A linguagem deve estar ligada à intuição”; “A época de ensinar não é a de julgar e criticar”; “O ensino deve seguir a via do desenvolvi- mento e jamais a da exposição dogmática”; “A individualidade do aluno deve ser sagra- da para o educador”; “ As relações entre mestre e aluno, sobretudo no que concerne à disciplina, devem ser fundadas no amor e por ele governadas”. Allan Kardec por Anna Blackwell Ana Blackwell, que conheceu de perto Allan Kardec, cujas obras fundamentais traduziu para a língua inglesa, descreveu da seguinte maneira o codificador: “Allan Kardec era de estatura meã. Robusto, cabeça ampla, redonda, firme, com feições bem pronunciadas e olhos pardo-claros, mais parecia alemão que francês. Era ativo e tenaz, mas de temperamento calmo, precavido e realista até quase à frieza, cético por natureza e por edu- cação, argumentador lógico e preciso, e eminente prático em suas idéias e ações, distanciado assim do misticismo que do entusiasmo. Ponderado, lento no falar, sem afetação, com inegável digni- dade, resultante da seriedade e da honestidade, traços definitivos de caráter, nunca provocando qualquer comentário a respeito do assunto a que consagrava sua vida, recebia amavelmente os nu- merosos visitantes que acorriam de todas as par- tes do mundo para conversar com ele a respeito das idéias de que era o mais autorizado expoente, respondendo às consultas e às objeções, resolven- do dificuldades, e dando informações a todos os investigadores sérios, com os quais falava franca e animadamente. Em algumas ocasiões apresentava fisionomia radiante com um sorriso agradável e prazenteiro, se bem que, por causa da sobriedade do seu todo, jamais o viram rir. Entre os milhares de visitantes, encontravam-se pessoas de alto nível no mundo social, literário, artístico e científico. O imperador Napoleão III, cujo interesse pelos fenômenos es- píritas não era nenhum segredo, mandou chamá-lo várias vezes, e com ele manteve longas palestras, nas Tulherias, acerca das doutrinas expostas no O Livro dos Espíritos”. tal é a lei”, que foi esculpida ainda em 1870. Ao contrário do que muitas vezes se afirma, essa frase não se deve textualmente ao próprio Kardec, não obstante represente corretamente o pensamento espírita. No ano de 1883, mais precisamente em 21 de janeiro, morreu Madame Allan Kardec, como ficou conhecida a esposa do codificador espírita. Dois dias após, seu corpo foi sepultado junto ao do esposo, no Père-Lachaise, saindo o cortejo de sua casa na Villa Ségur. Pestalozzi, o educador da humanidade A formação do jovem Denisard Rivail junto a Johann Heinrich Pestalozzi, educador suíço, antecipou as bases de uma pedagogia do espírito pelo qual trabalhou Allan Kardec em sua missão de codificador do Espiritismo. A obra de Pestalozzi, reunida em 40 volumes, trata de temas políticos, sociais, religiosos, literários e filosóficos, demonstrando preocupação com a educação integral do homem. Sua obra não se fez restrita a teorias, mas consumou-se na ação, tendo ele fundado várias escolas onde aplicou suas idéias, mostrando-se um educador lúcido e apaixonado de crianças pobres e ricas, de órfãos e integrantes da aristocracia européia. O mestre da educação teorizava a partir da prática, mas também sabia agir tendo como base a teoria, valorizando a razão sem dogmatizar. Seu método pressupunha uma educação integral da criança, privilegiando a autonomia desta, na qual o diálogo e a iniciativa individual dominassem o relacionamento entre mestre e aluno. Pestalozzi era adepto de uma educação ativa, em que a criança aprende observando e operando, não apenas escutando. Essas propostas básicas foram aplicadas em suas escolas e discutidas em suas obras. O caráter amoroso e de dedicação ao próximo de Pestalozzi levou-o a formular em seu método de ensino uma base afetiva da educação. Um processo pedagógico eficaz, se- gundo ele, nasce a partir de um elo afetivo que se cria entre educador e educando, baseado na dedicação sincera e integral do primeiro. O pensamento pestaloziano se faz presente na formação de Kardec e reflete-se na base hu- manista com que foi concebida a Doutrina Espírita. Até atingir a maturidade, Kardec lutou pela educação de uma forma geral e para sua pátria, a França, mas ao assumir sua personalidade druida, essa missão ampliou-se para que toda a humanidade pudesse beneficiar-se com os caminhos que conduzissem à educação do Espírito Imortal através do Espiritismo. Por meio da reencarnação, cada indivíduo trabalha sua evolução com o uso do livre-arbítrio 22 Ilus tra çã o: Fá bioM ato s Diferenciações É muito comum a confusão da doutrina com mediunidade ou com cultos afro-brasileiros. Entenda os principais pontos da base espírita Diferenciações 23 Di vu lga çã o/ FE B história e a antropologia revelam que as manifestações religiosas (do latim religione = “culto aos deuses”) do homem são tão antigas quanto o próprio ser humano no planeta. Os adeptos do Espiritismo crêem, inclusive, que nunca houve na Terra um povo ateu, baseados em “O Livro dos Espíritos”. E as manifestações do homem bus- car a Deus são também tão variadas quanto os graus de cultura social, de entendimento moral e intelectual, de pontos de vista individuais, de interesses pertinentes a cada época e a cada lugar. Assim, nessa gama imensa de formas de buscar o auto-entendimen- to e a aproximação do Criador, diversas “religiões” foram constituí- das e, em diversas delas, destaca-se o componente medianímico (mediúnico e anímico — ou relativo à alma). O Espiritismo não criou a mediunidade, visto que esta foi regis- trada nas mais longínquas épocas da humanidade, por diversas civi- lizações e povos da Antigüidade. Pode-se, inclusive, dizer que são assuntos distintos e que a parte científica do Espiritismo se propõe a estudar o fenômeno mediúnico; e o seu aspecto evangélico visa discipliná-lo, canalizando-o para o bem. Famosos que estudaram o Espiritismo Além do poeta francês Victor Hugo, Arthur Conan Doyle (o criador do personagem Sherlock Holmes) e o renomado sir William Crookes (que mediu, pesou e fez diversos experimentos científicos com o espírito materializado Katie King) estudaram a fundo doutrina. No caso de Hugo, o escritor de “Os Miseráveis” e “O Corcunda de Notre Dame” manteve diálogos memo- ráveis com personagens importantes como Byron, Lutero, Walter Scott e, principalmente, um espírito que se autodenominava apenas de “Sombra do Sepulcro”. Hugo, no início bastante cético, jamais deixou de se fascinar com o rico conteúdo das comunicações, sugerindo, em setembro de 1854, que os transcritos das sessões espíritas se tornariam as bíblias do futuro. Já sir William Crookes pode ser considerado um dos mais proeminentes físicos do século 19 e, no campo das pesquisas científicas, é conhecido, entre outras descobertas, como o identificador do elemento químico de número atômico 81, o Tálio. Na ocasião em que William Crookes passou a interessar-se pelos fenômenos paranormais, houve uma grande expectativa, pois seu nome era bastante conhecido nos meios científicos e o veredicto seria, naturalmente, aceito como decisivo julgamento do movimento, então chamado Spiritualism, semelhante ao hoje conhecido com Espiritismo, mas ainda não codificado. Entre 1869 e 1875, Crookes levou a efeito um número enorme de sessões com os mais variados médiuns - as de maior importância ocorreram no seu próprio laboratório pessoal. São cinco os seus principais grupos de experiências com os médiuns mais qualificados e por ordem cronológica: Daniel Dunglas Home, Kate Fox, Charles Edward Williams, Florence Cook e Annie Eva Fay. Ele revolucionou a metapsíquica, hoje parapsicologia e seus relatórios convictos mudaram a visão dos fenômenos mediúnicos. Diferenças e semelhanças É bastante comum encontrar idéias distorcidas sobre o Espiritismo, às vezes confundido com a Umbanda e com outros cultos afro-brasileiros. Para entender as diferenças, é funda- mental lembrar que, com referência ao conteúdo doutrinário, sabemos que o Espiritismo se baseia em postulados científicos, filosóficos e éticos, o que não se dá na Umbanda, Candomblé ou outros cultos de prática mediúnica, que não têm doutrina codificada, embora seus adeptos aceitem a imortalidade da alma, a reencar- nação e a lei de ação e reação (por eles chamada de “carma”), como fazem os espíritas. Outra diferença é que no Espiritismo não há rituais ou cerimônias litúrgicas. O Candomblé é a manifestação mais pura do Africanismo, já que nasceu e se formou dentro das comunidades africanas, tendo várias manifestações diferentes. Porém, é importante entender que Africanismo é não só a fundamentação africana pura, mas também as influências nas culturas e nas religiões em que estabeleceu a base fundamental. A Umbanda, por exem- plo, é originalmente brasileira, no entanto, foi influenciada dire- A 24 Os adeptos do Espiritismo crêem que nunca houve na Terra um povo ateu 25 Franz Anton Mesmer foi o criador da filosofia do mesmerismo e é consid- erado o pai do magnetismo animal. Ele construiu a técnica terapêutica de fixação dos olhos e passes com as mãos para restauração do equilíbrio. Ilu str aç ão : F áb io Ma tos 26 tamente pelos africanos escravos, formando o sincretismo. Ainda assim, não há relação alguma com o Espiritismo. As semelhanças não vão além do uso de mediunidade, passes, água fluidificada, a crença em Deus, na imortalidade da alma, na reencarnação e na Lei de Causa e Efeito; mesmo que de formas e enfoques diferentes. Vale aqui duas aspas para ressaltar que “diferenciar é con- hecer” e “segregar é ignorar”. Assim, o que é interessante é realmente entender mais a fundo o posicionamento da doutrina espírita. E o Espiritismo não é uma evolução de religião ou pensamento, é, sim, um conjunto de princípios codificado por orientação dos espíritos superiores, por Allan Kardec, por isso não faz sentido sua comparação com qualquer outra religião. Nomenclaturas errôneas Em 1943 foi criada no Brasil a portaria n.º 10.194, que proscrevia a prática do mediunismo, visando a proibição de toda e qualquer forma de manifestação mediúnica. Ainda nessa época, foi proposto excluir o Espiritismo do quadro das religiões no censo demográfico, mas a doutrina permaneceu. O que a amparou, naquela época, foi um dispositivo constitucional que consistia na livre adoção religiosa. Foi preciso que, em 1945, os presidentes da Federação Espírita Brasileira e da Federação Espírita do Rio Grande do Sul apresentassem defesa, demonstrando que a prática mediúnica realizada pelos Centros Espíritas não fazia mal a ninguém, ressaltando a rotina de caridade e assistência social. Devido a esses fatos, os cultos religiosos com prática mediúnica passaram a ser denominados espíritas, razão pela qual ainda hoje vemos denominações impróprias como “es- piritismo de mesa branca”, “kardecismo”, “baixo espiritismo” e “espiritismo de terreiro”. A designação popular de “mesa branca”, por exemplo, pode ter advindo do fato de que as re- uniões mediúnicas espíritas ocorrem, para simples acomodação, com os participantes dispostos ao redor de uma mesa, algumas vezes, com uma toalha branca recoberta sobre ela, o que é ab- solutamente dispensável. Como tais reuniões têm caráter íntimo e privado, disciplinado e beneficente, o termo “mesa branca” surgiu para diferenciar o Espiritismo de outros cultos, sendo uti- lizado popularmente também como sinônimo de kardecista. O equívoco é generalizado, uma vez que só há um Espiritismo (termo criado por Allan Kardec) e este não adota práticas exte- riores para ser diferenciado. Segundo os espíritas, tudo o que fugir do bom senso, con- trariar a lógica, desdizer a fraternidade, impor condições, efetuar cobrança pelos serviços prestados, combater outras religiões, forçar adesões, usar práticas misteriosas ou místicas, prometer curas ou solução de problemas materiais, fazer previsões, pre- cisar acontecimentos futuros ou revelar o passado foge da prática da doutrina espírita. Afinal, ela apóia-se no Evangelho e, portanto, busca a fraternidade, o amor e seu objetivo é orientar e ajudar o homem; jamais explorá-lo. Doutrina dos espíritos No livro “Religião dos Espíritos”, o espírito Emmanuel relata por meio do médium Francisco Cândido Xavier a mensagem conhecida como “Doutrina Espírita”, extraída do livro Religião dos Espíritos. “... Porque a Doutrina Espírita é em si a liberdade e o enten- dimento, há quem julgue seja ela obrigadaa misturar-se com to- das as aventuras marginais e com todos os exotismos, sob pena de fugir aos impositivos da fraternidade que veicula. Dignifica, assim, a Doutrina que te consola e liberta, vigiando-lhe a pureza e a simplicidade, para que não colabores, sem perceber, nos ví- Experimentos com o magnetismo viriam a solidificar algumas bases espíritas O magnetismo teria preparado o caminho do Espiritismo Ilustração: Fábio Matos Ilustração: Fábio Matos cios da ignorância e nos crimes do pensamento. ‘Espírita’ deve ser o teu caráter, ainda mesmo te sintas em reajuste, depois da queda. ‘Espírita’ deve ser a tua conduta, ainda mesmo que estejas em duras experiências. ‘Espírita’ deve ser o nome de teu nome, ainda mesmo respires em aflitivos combates contigo mesmo. ‘Espírita’ deve ser o claro adjetivo de tua instituição, ainda mesmo que, por isso, te faltem as passageiras subvenções e honrarias terrestres. Doutrina Espírita quer dizer Doutrina do Cristo. E a Doutrina do Cristo é a doutrina do aperfeiçoamento moral em todos os mundos. Guarda-a, pois, na existência, como sendo a tua responsabilidade mais alta, porque dia virá que serás naturalmente convidado a prestar-lhe contas.” 27 O Espiritismo se baseia em postulados científicos, filosóficos e éticos Di vu lga çã o/ FE B Jesus e o Espiritismo o codificador continua sua explanação: “Por que, pois, declaramos que o Espiritismo não é uma religião? Pela razão de que não há senão uma palavra para expressar duas idéias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; que ela desperta exclusivamente uma idéia de forma, e que o Espiritismo não a tem. Se o Espiritismo se dissesse religião, o público não veria nele senão uma nova edição, uma variante, querendo-se, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com um cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; não o separaria das idéias de misticismo, e dos abusos contra os quais a opinião freqüentemente é levantada. O Espiritismo, não tendo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual da palavra, não se poderia, nem deveria se ornar de um título sobre o valor do qual, inevitavelmente, seria desprezado; eis porque ele se diz simplesmente: doutrina filosófica e moral”. Deus e os espíritos Para os espíritas, a concepção de Deus é de um ser eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom. Criou o universo, que abrange todos os seres materiais — do mundo corpóreo — e imateriais — também conhecidos como do mundo espírita. Outro ponto importante é que a moral do Cristo, contida no Evangelho, é entendida como roteiro para a evolução segura de todos os homens, e a sua prática é a solução para todos os problemas humanos e o objetivo a ser atingido pela humanidade. Segundo a doutrina, a obediência e a resignação são duas virtudes companheiras da doçura e muito ativas. É bastante comum os homens “(...) dir-se-á, o Espiritismo é, pois, uma religião? Pois bem, sim! Sem dúvida, Senhores; no sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e disto nos glorificamos, porque é a doutrina que fundamenta os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre as bases mais sólidas: as próprias leis da Natureza”, Kardec Jesus Cristo e o Espiritismo as confundirem, erroneamente, com a negação do sentimento e da vontade, porém os espíritas acreditam que a obediência é o consentimento da razão e a resignação é o consentimento do coração, ambas forças ativas, porquanto carregam o fardo das provações que a revolta insensata deixa cair. Dessa forma, Jesus foi a encarnação dessas virtudes que a antigüidade material desprezava e Ele veio no momento em que a sociedade romana estava repleta de corrupção. O exemplo Dele foi mostrar os triunfos do sacrifício e da renúncia, válidos mesmo nos dias de hoje, uma vez que cada época é marcada por diferentes virtudes e vícios. Os adeptos da doutrina espírita afirmam que a grande qualidade da geração atual é a atividade intelectual e, em contrapartida, o maior defeito é a indiferença moral. Para o Espiritismo e, em parte, para a doutrina judaica, a morte seria apenas uma etapa da evolução do espírito, que voltaria à Terra em um novo corpo quantas vezes fossem necessárias até tornar-se um espírito puro ou, conforme os judeus, cumprir sua missão. Os espíritas não acreditam que Cristo tenha ressuscitado e, sim, reaparecido em espírito ou, em outras palavras, materializado-se. Essa teria sido uma forma de provar aos apóstolos e aos demais adeptos que a vida continuava após a morte do corpo físico. Bons sentimentos “Amar o próximo como a si mesmo” é a expressão mais completa da caridade e, ao colocá-la em prática, os espíritas acreditam que a tendência é a destruição do egoísmo. Assim, a caridade e a humildade são condições iniciais para a evolução espiritual e moral e tudo o que se faça contra o próximo é o mesmo que fazê-lo contra Deus. E 28 29 Tela de Onil de Melo Prática espírita Prática Espírita 30 Ilu str aç ão : F áb io Ma tos No dia-a-dia de um espírita, estão presentes o estudo e a caridade. A compreensão de que a vida continua após a morte do corpo físico incentiva a busca por algo além do material 31 gualdade, liberdade e fraternidade. Os ideais do pensa- mento francês, consagrados na Revolução Francesa de 1789, também são bases do pensamento espírita. Isso porque não há hierarquias, como papas ou bispos, e sim, apenas um dirigente de trabalho que conduz a sessão. A doutrina também não tem imagens e, no Brasil, tornou-se mais acentuadamente religioso (no sentido filosófico) por con- seqüência da produção mediúnica que destacou o aspecto moral e a mensagem de Jesus. Mas isso não faz com que em outros países o Espiritismo não tenha o aspecto moral destaca- do. Afinal, uma das obras básicas da codificação espírita é o “Evangelho Segundo o Espiritismo”, feito de comentários sobre os ensinamentos de Jesus. E essa obra é aceita e estudada em todos os países que têm movimento espírita, sem exceção. No Brasil, foram os médicos homeopatas que trouxeram a I 32 filosofia para cá. Como no século 19 houve perseguições de associações médicas, que acusavam os espíritas de exercerem ilegalmente a cura, a saída veio por meio da Constituição da Primeira República (1889-1930). A lei de liberdade de culto permite, até os dias de hoje, a prática de qualquer re- ligião e foi assim que a doutrina adquiriu este conceito. É desse período que provém o termo “mesa branca”, que diferencia os espíritas dos espiritualistas adeptos dos cultos afro- brasileiros. A expressão não é apropriada, mas vale a menção de que o Espiritismo realmente começou em mesas, lembra-se? Outra menção importante é feita por Irinéia Terra, volun- tária no Centro Espírita Nosso Lar — Casas André Luiz há 34 anos. Hoje ela atua na diretoria administrativa, além de exercer outras atividades no centro, como ministrar aulas dia- riamente e cerca de três palestras semanais, mais as tarefas na Os estudos espíritas geralmente acontecem ao redor de uma mesa Ilu str aç ão : F áb io Ma tos parte espiritual. Ela explica um pouco mais sobre o amplo conceito da doutrina. “O Espiritismo é baseado em três aspectos: ciência, filosofia e religião. A filosofia faz as pessoas refletirem e compreenderem os fatos do processo evolutivo; e a ciência os constata. Assim, à medida que acon- tece a aceitação consciente das leis divinas, o indivíduo passa a respeitar a natureza e as ligações divinas como um todo, construindo a religião. É importante ressaltar que o Espiritismo não é uma fé dogmática, mas uma consciência religiosa”. Dia-a-dia espírita Toda a prática espírita é gratuita, de acordo com o princípio moral do Evangelho: “Dai de graça o que de graça recebestes”. A doutrina também
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