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Geovana Sanches, TTXIV BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES INTRODUÇÃO Os quatro pilares da anestesia geral Por que usar o BNM? 1. Evitar complicações 2. Propiciar adequadas condições cirúrgicas 3. Fornecer melhor qualidade na assistência Antes da cirurgia Antes da cirurgia, o BNM é útil para facilitar a intubação orotraqueal. Sem ele, o posicionamento não é adequado e pode lesionar o paciente (lesão de glote, por exemplo). Sem BNM Com BNM Durante a cirurgia • Videolaraposcopia o Para acesso à cavidade abdominal, faz-se necessário relaxamento muscular • Neurocirurgia o Para clipagem de um aneurisma, por exemplo, o paciente deve estar 100% imóvel – utiliza-se o fixador de Manfield para tal, mas caso o paciente se move, há fratura de mandíbula • Cirurgia com tórax aberto o Caso o paciente faça movimentos para respirar, há fratura de costelas Depois da cirurgia • BNM promove redução de pressão de pneumoperitônio • Quanto menor a pressão de pneumoperitônio, menor a lesão isquemia-reperfusão. Assim, há menos inflamação e menos dor pós cirurgia FISIOLOGIA DA JUNÇÃO NEURO-MUSCULAR Sistema nervoso Sistema Nervoso Periférico • Eferente o Autônomo: responsável pela atividade involuntária § Simpático: luta e fuga § Parassimpático: descansar e digerir o Somático: responsável pela atividade voluntária • Aferente Sistema Nervoso Autônomo O sistema nervoso autônomo, tanto simpático, quanto parassimpático, são compostos por dois neurônios. • Simpático o Neurônio pré-ganglionar curto o Neurônio pós-ganglionar longo • Parassimpático o Neurônio pré-ganglionar longo o Neurônio pós-ganglionar próximo ao órgão efetor Receptores • Toda primeira sinapse que ocorre fora do SNC ocorre através de um receptor colinérgico do tipo nicotínico • A segunda sinapse, por sua vez, dependerá do sistema em questão o Simpático: receptores alfa e beta § Adrenalina § Noradrenalina o Parassimpático: receptores colinérgicos muscarínicos § Acetilcolina Geovana Sanches, TTXIV Sistema Nervoso Somático O sistema nervoso somático é composto por uma única fibra neuronal que faz sinapse com a musculatura esquelética. A junção dessas estruturas recebe o nome de junção neuromuscular, sendo este o sítio de ação dos bloqueadores neuromusculares. Mecanismo de ação dos BNM Através do neurônio periférico, as fibras Aα (responsáveis pelo sistema motor) transmitem um estímulo elétrico que chega até a fenda sináptica. A partir disso, aumenta-se a quantidade de cálcio local e libera-se acetilcolina. A acetilcolina, por sua vez, age sobre os receptores nicotínicos e ativa a bomba Na/K, levando a despolarização das células e contração da musculatura. Artificialmente, é possível injetar uma droga que, estando na corrente sanguínea, passa por osmose ou difusão até a fenda sináptica e se liga ao receptor nicotínico. Diante desse receptor, há duas possíveis ações: • (1) despolarização do receptor e permanência nele, impedindo que outra molécula se ligue • (2) conexão ao receptor sem nenhuma ação subsequente, apenas impedindo que outra molécula se ligue A partir desse mecanismo de ação, classificamos os BNM em dois grandes grupos: • Despolarizante o Succinilcolina: composta por duas moléculas unidas de acetilcolina o Metabolização ocorre em cerca de 15 minutos, tempo no qual o paciente ficará bloqueado • Adespolarizante o Todos os demais bloqueadores o “ônio”: Rocurônio, pancurônio, vecurônio o “úrio”: atracúrio, cisatracúrio SUCCINILCOLINA A succinilcolina apresenta uma série de contra-indicações, as quais serão discutidas a seguir. Apesar disso, ainda é muito utilizada na sequência rápida, tendo em vista que o tempo de latência é muito curto (40 segundos). Atualmente, esse é seu único uso, sendo necessário a substituição para um adespolarizante a seguir. Vale lembrar que o rocurônio, quando em dose dobrada, também pode ser usado na sequência rápida, de forma que a succinilcolina tem cada vez menos utilidade. Aumento da pressão intracraniana A succinilcolina, inicialmente, provoca fasciculações no paciente, as quais se assemelham a um quadro convulsivo. Elas são autolimitas, durando cerca de 40 segundos. Esse período inicial deve ser respeitado e, apenas com o seu fim, pode-se prosseguir com as demais condutas. Essa fasciculação aumenta o retorno venoso e, consequentemente, o sangue que chega ao neuro-eixo. Há, assim, aumento do volume de sangue no cérebro e, tendo em vista que a calota craniana não expande, há aumento da PIC. O mesmo raciocínio é válido para pacientes com glaucoma, sendo a succinilcolina contra-indicada nesses casos. Outra condição são os pacientes com TCE prévio e hipertensão craniana. Nesses casos, a bomba venosa recruta sangue para a circulação central (neuro-eixo) e aumenta ainda mais a PIC. Dessa forma, o paciente pode evoluir com herniação. Hipercalemia Quando provoca a despolarização das células, ativa a bomba Na/K e provoca a liberação de grandes quantidades de potássio. Isso pode Geovana Sanches, TTXIV provocar o aumento de potássio plasmático de até 0,5 a 1 mEq. Para pacientes previamente hígidos, esse aumento não causa problemas. Todavia, devemos ter muito cuidado com pacientes portadores de hipercalemia prévia, como os que sofreram trauma ou renais crônicos. Pacientes acamados ou paraplégicos também não devem utilizar a succinilcolina. Isso pois, como não há utilização dos receptores nesses casos, há up regulation e aumento na quantidade de receptores, os quais podem inclusive evadir a área da junção neuromuscular. Assim, quando ocorre a despolarização, é possível que haja aumentos do potássio em até 4,5 mEq, fazendo com que o paciente evolua com parada cardiorrespiratória. ADESPOLARIZANTES Ao injetarmos os BNM adespolarizantes, a contração muscular cai rapidamente. Após um certo período, inicia-se a recuperação, sendo considerado que o paciente não possui mais bloqueio quando a contração está acima de 90% (cut-off). Sendo assim, está permitida a extubação do paciente somente quando ele atinge esse valor. Indicações e contra-indicações Os bloqueadores neuromusculares cuja nomenclatura se encerra em “úrio” (atracúrio, cisatracúrio) liberam histamina, não devendo ser utilizados em pacientes atópicos. Por outro lado, é metabolismo órgão- independente (metabolização plasmática), podendo ser utilizado em pacientes hepatopatas, por exemplo. CISATRACÚRIO • Isômero do atracúrio (15%) • ED95: 0,05 mg/kg • Dose de intubação: 0,15 a 0,2 mg/kg (3xDE95) o Tempo para intubação: 150 a 210s o Duração clínica: 55 a 60 min o Duração farmacológica: 80 min • Liberação de histamina o 5x menos liberação que o atracúrio § Atracúrio nunca deve ser utilizado em pacientes asmático § Incidência de reação anafilática é baixa, mas níveis altos de IgE associados com teste cutâneo positivo foram relacionados com síndrome de Kounis induzida pela medicação o 8x DE95 Metabolização • Metabolismo pela via de Hoffman o ¾ da droga o Via enzimática: depende de pH e temperatura adequados o Atenção com pacientes com metabolismo alterado, tais como paciente em UTI com dificuldade de VM (acidose respiratória) e no intra-operatório (hipotermia) • Metabolismo renal (25%) • Metabólitos ativos o Monoacrilato (hepat.) o Laudanosina (convuls.) ROCURÔNIO • Curto início de ação, ideal para sequência rápida (necessário utilizar dose dobrada – 1,2 mg/kg) • DE95: 0,3 mg/kg • Dose de intubação: 0,6 a 1,2 mg/kg (4x DE95) o Tempo para intubação: 2 a 3 min // 0,5 a 0,75 min o Duração clínica: 15 a 90 minutos • Metabolização para metabólitos não ativos Formas de administração • Bolus: 0,6 mg/kg de peso ideal • Manutenção: 0,075 a 0,15 mg/kg de pesoideal o 0,10 mg/kg à 20 a 25 min o 0,15 mg/kg à 30 min o 0,30 mg/kg à 45 min Geovana Sanches, TTXIV • Infusão contínua: 0,3 a 0,6 mg/kg/h // 5 a 10 mcg/kg/min o Iniciar 10 a 15 minutos após o bolus PROBLEMA: BLOQUEIO RESIDUAL O bloqueio residual ainda é um problema muito frequente, sendo uma grande preocupação com o uso de bloqueadores neuromusculares. Define-se pela presença de resquício da medicação pós-extubação, de forma que o paciente acordará e estará paralisado. Como parâmetro objetivo, é utilizado o cut-off de 90% de contração muscular, abaixo do qual o paciente está paralisado (ou bloqueado). Para identificar esse valor e diminuir os casos dessa complicação, é de suma importância a monitorização objetiva de todos os pacientes submetidos à anestesia geral com uso de bloqueador neuromuscular. MONITORIZAÇÃO NEUROMUSCULAR Como já mencionado, devemos garantir que a força do paciente esteja acima de 90% para indicar a extubação. Esse valor, entretanto, possui margem de segurança, tendo em vista que não há previsibilidade dos BNM (curva de Gauss). Até 40% dos pacientes que apresentam bloqueio residual cursam apenas com uma fraqueza muscular, a qual pode ser confundida como um efeito da cirurgia. Entretanto, ainda assim, isso está relacionado com complicações no pós-operatório, tais quais pneumonia e atelectasia. Por outro lado, há pacientes que evoluem efetivamente com a paralisia residual, situação na qual faz-se necessária rápida re-intubação, tendo em vista que o paciente estará acordado e não será capaz de respirar. Tipos de monitorização • Avaliação clínica o Teste da cabeceira: 5s de elevação da cabeça o Força de preensão o Testes de elevação da perna o NÃO é adequada, tendo em vista que os parâmetros utilizados não necessitam dos 90% de força indicados para extubação § Elevação da cabeça por 5s: 45 a 75% § Aperto de mão: 70% § Abrir e fechar os olhos: 70 a 75% § Tossir: 70% § Ausência de diplopia: 87% § Deglutição eficaz: 90% • Seria o único parâmetro eficaz, mas é impossível no momento da cirurgia • Avaliação qualitativa o PNSs o Estimula-se um nervo periférico e avalia resposta do paciente (visual e de força) • Avaliação quantitativa o Estimula-se o nervo e mede-se numericamente os resultados o É a maneira adequado de avaliação Monitor Os monitores neuromusculares atuam de acordo com a segunda lei de Newton (Força= massa x aceleração). Faz-se um estímulo elétrico no nervo ulnar e espera-se que haja adução do polegar. Tendo em vista que a massa é constante, ao medirmos a aceleração, teremos a força. Para obter um resultado mais fidedigno, o monitor liberará uma sequência de 4 estímulos elétricos (TOF – tren on four), comparando o último com o primeiro para identificar se há 90% de força. Essa monitorização pode ser realizada no nervo ulnar, nervo facial ou nervo tibial posterior. Quando não há mais movimento, não é possível comparar o primeiro e o último estímulo. Nesses casos, utiliza-se o fenômeno de Star-case Geovana Sanches, TTXIV (fenômeno da sensibilização de junção neuromuscular após estímulo elétrico). Nesse caso, ao invés de emitir 4 estímulos simples, faz-se um estímulo tetânico na junção neuromuscular, na qual há liberação de grandes quantidades de acetilcolina, seguido de diversos estímulos simples. Essa técnica recebe o nome de PTC (post tetanic countig) Profundidades clínicas do bloqueio • Bloqueio intenso o TOF e PTC 0 o Flacidez completa o Indicado, por exemplo, para neurocirurgias • Bloqueio profundo o TOF 0 e PTC > 1 o Aproxima-se da linha do zero • Bloqueio moderado o TOF entre 1 e 3 o Indicado, por exemplo, em cirurgia plástica • Bloqueio superficial o TOF > 4 o Paciente já consegue realizar movimentos, porém ainda tem fraqueza Conclusão • Utilizar o TOF e o PTC para monitorização do bloqueio neuromuscular o TOF quando acima da linha o PTC quando abaixo da linha • Indução: monitorizar o corrugador do supercílio • Manutenção o Procedimentos gerais: TOF de 2 a 3 o VLP: TOF 0 e PTC < 4 • Recuperação: monitorizar o adutor do polegar • T4/T1 normalizado: 90% o se não normalizado: 100% REVERSÃO DO BNM Neostigmina • Anti-colinesterásico o Inibe o inibidor da acetilcolina, “lavando” os receptores e os desbloqueando o Também utilizada no tratamento da miastenia gravis • Não tem efeito sobre o bloqueio intenso e profundo devido ao efeito teto o Ação sobre bloqueios moderados e superficiais • Reversão demorada (> 40 minutos) • Descobriu-se recentemente que quando injetada em pacientes que não apresentam bloqueio neuromuscular, atua diretamente no diafragma e m. genioglosso, responsável por manter a língua contraída e impedir obstrução de VAS. Assim, nesses casos, há chance importante de PCR, além de aumentar em 51% o risco de complicação no pós- operatório Sugammadex • Droga recentemente inserida no mercado • Atua encapsulando o bloqueador neuromuscular, revertendo o bloqueio em menos de 5 minutos • Reverte qualquer um dos 4 estágios de bloqueio • Problemas o Eficaz apenas para o Rocurônio e Vecurônio o Custo muito elevado o Interação hormonal: quando utilizado em associação com ACHO, é como se a paciente não tivesse ingerido uma dose da pílula § Imprescindível avisar a paciente sobre isso essa interação o Reação na coagulação sobre TTPa e protrombina § Raro e sem efeito clínico