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A SerA SerA SerA SerA Serviço da Vidaviço da Vidaviço da Vidaviço da Vidaviço da Vida Uma revista a serviço do trabalhoUma revista a serviço do trabalhoUma revista a serviço do trabalhoUma revista a serviço do trabalhoUma revista a serviço do trabalho com as constelações sistêmicas segundocom as constelações sistêmicas segundocom as constelações sistêmicas segundocom as constelações sistêmicas segundocom as constelações sistêmicas segundo Bert HellingerBert HellingerBert HellingerBert HellingerBert Hellinger Fascículo 0Fascículo 0Fascículo 0Fascículo 0Fascículo 0 • Prefácio à primeira edição brasileira com três fascículos da revista Alemã. • Prefácio • Sobre a origem da revista Bert Hellinger • O que a revista Bert Hellinger oferece • Ajudar às crianças • Homem e mulher • Atualidades • Meditação Sumário Prefácio à primeira edição brasileira com três fascículos da revista Alemã. Em Agosto de 2005 tivemos a honra de recebermos em Belo Ho- rizonte a visita de Bert Hellinger, após um convite para o qual nos preparamos por um ano. Naquela ocasião, Bert nos pre- senteou com um rico workshop ba- seado no tema de relacionamento de casal, o lançamento do livro “Or- dens da Ajuda” e muitas conversas pessoais sobre diversos temas. Naquele momento comentamos com ele sobre sua nova revista, “A serviço da vida”, que havía- mos visto em Colônia em Maio daquele mesmo ano. Perguntamos a ele sobre sugestões para uma revista brasileira sobre o tema das constelações e se ele nos daria permissão para traduzir artigos de sua revista para o português. A resposta como sempre foi afirma- tiva, e ainda nos deu várias su- gestões sobre a inclusão de arti- gos de autores brasileiros. Recebemos então em Setembro uma nova surpresa, com um convi- te de Bert para um novo workshop no Brasil em 2006, desta vez com o tema “Saúde e Doença na Família - o que leva à doença e o que apóia a cura”. Aceitamos prontamente, e Prefácio Giordano Bruno foi considerado o maior criminoso e herético de to- dos os tempos e queimado vivo uma vez que afirmou que o mundo não era o centro do universo e que os planetas não giravam em torno do mundo e sim em torno do sol. Isto aconteceu há 500 anos atrás. Hoje em dia é diferente? Sim! Ninguém mais é queimado. Se alguém, porém, ousar apro- ximar-se do limite do limite do imaginável isto é sempre conside- rado uma pertinência e para mui- tos significa um desafio. Alguns nem mesmo o suportam. Bert Hellinger aproximou-se deste limite, ultrapassou-o e olhou para outra realidade, vivenciou-a, experimentou-a e nos apresentou- a em seus cursos. Não pode dá-la a ninguém, porém é , capaz de construir um campo em seus cur- sos, de maneira que outros tam- bém sejam capazes de ter uma no- ção do que pode ser esta realida- de. Isto, no entanto, requer uma determinada postura. Algu- mas pessoas vol- tam transformadas após a participação em um curso. Bert Hellinger teve a coragem de trazer algo de novo à luz. Algo que estava velado até então e que freqüentemente atua de maneira destrutiva. Para muitos isto signifi- ca um ganho importante, enquanto que, para outros representa uma grande inconveniência. Logo sur- ge um significativo campo de ten- sões. O novo, porém, apenas se apresenta, quando alguém ousa experimentá-lo. Lá, onde o novo não existe e tudo é regido pela ordem, logo se estabelece a mo- notonia. Bert Hellinger é um mestre da liberdade de valores, da adaptação e do centro, que se une ao seu entorno e utiliza-o, deixando-o, porém, intocado. Mesmo que nin- guém possa dar nada ao outro des- ta outra realidade, penso que Bert Hellinger deu-nos algo valoroso e que através dele podemos apren- der algo: de onde a vida vem, como concordar com ela e como encontrar a paz e o sucesso. nos pusemos a trabalhar com gran- de afinco para que tudo saísse a tempo do novo evento. Essa revista sai em sua primei- ra edição no formato eletrônico. Acreditamos que as edições poste- riores possam sair em formato du- plo — eletrônico e papel. A riqueza do material incluído nesses três fascículos e sua clareza nos surpreendem. Esperamos que esses textos sur- preendam o leitor da mesma for- ma que nos tocaram. Equipe Editorial – Editora Atman. Maria-Sophie Hellinger Ajudar às crianças A constelação familiar já passou por muitas mãos. Freqüentemente é utilizada de maneira positiva, outras vezes, porém, de forma negativa. Por exemplo, quando alguém faz referência ao meu nome e às minhas afirmações, mesmo estando muito longe do meu conhecimento e das ações que dele resultam. Portanto julgo ser pertinente posicionar-me para corrigir mal entendidos e falsificações. Mas principalmente pretendo oferecer um auxilio de vida para o dia a dia a um grande número pessoas, que vai além do campo da psicoterapia. Quero mostrar como o amor e a vida podem ser mais bem sucedidos com mais facilidade no dia a dia. Sobre a origem da revista Bert Hellinger 1. Algo para você pessoalmente: Orientação em: questões de relacionamento, de destino pessoal, e de sabedoria de vida. 2. Conselhos: ...como, por exemplo, se pode ajudar a crianças. ...o que pode renovar e aprofundar relacionamentos. ...como o passado pode ser útil para o futuro. 3. Respostas a questões palpitantes: Neste contexto trata-se sempre de apenas um ponto e uma questão – direcionados sempre às possibilidades imediatas. O que a revista Bert Hellinger oferece: Pais às vezes têm problemas porque seus filhos já mais velhos molham a cama durante a noite. Podemos contar histórias para tais crianças inserindo pequenas cenas, onde, por exemplo, fecha-se uma torneira de água ou con- certa-se uma calha. Chapeuzinho vermelho, por exemplo, chega à casa da avó, quer entrar pela porta e percebe que a ca- lha está pingando. Diz a si mesmo: “Antes vou concertar esta goteira”. Entra no galpão, busca um pouco de piche, pega uma escada, sobe, con- certa a goteira para que não molhe a entrada e depois desce para visitar a sua avó. Ou então no conto de branca de neve e os sete anões um pequeno anão queixa-se de manhã, que entrou chu- va pelo telhado durante a noite e que acordou totalmente molhado em sua cama. Branca de neve lhe diz: “Con- certarei o telhado imediatamente.” Enquanto os anões trabalham, bran- ca de neve sobe no telhado, vê que apenas uma telha tinha saído do lu- gar e coloca-a de volta. Quando o anão volta para casa de noite está tão cansado que esquece de perguntar sobre o telhado. Na manhã seguinte também se esquece, pois tudo está bem. Um pai cuja pequena filha molha- va a cama contou estas histórias para ela e registrou um efeito imediato. Na manhã seguinte a cama da menina es- tava seca. Neste contexto observou, porém, outra coisa peculiar. Antes, quando contava histórias para filha, esta sempre prestava atenção para que ele as contasse exatamente da mesma maneira sem acrescentar ou retirar algo. Tratando-se destas modificações, no entanto, não protes- tou e aceitou-as como se fizessem parte da história. Neste exemplo ve- mos que a sábia alma da criança alia- se ao narrador. A alma almeja a solu- ção sem que esta lhe seja dita aberta- mente, de modo que a criança sinta- se encorajada a colocar em prática o novo através do seu conhecimento. É evidente que a criança perce- beu o que o pai disse pois do contrá- rio a história não teria surtido efeito. Mas como o pai não falou diretamen- te sobre o problema e respeitou o sentimento de vergonha da criança, ela sentiu-se respeitada por ele ter tido tamanha delicadeza com ela e pôde reagir. A criança sabe que molha a cama. Isto não precisamos lhe contar. E sabe também que não deve molhar a cama. Isto também ninguém precisa lhe di- zer. Se lhe damos um conselho ou abordamos o seu problema sente-se inferior. Se a criança segue o conse- lho, a auto-estima dos pais aumenta enquanto que a sua auto-estima di- minui. A criança protege-se contra a perda de auto-estima recusando o conselho. Exatamente pelo fato de nós termos lhe dado um conselho, à criança precisa fazê-lo de forma dife- rentepara manter sua dignidade. A dignidade é o que existe de mais im- portante para cada pessoa. Também para uma criança. Apenas quando a criança sente um amor profundo no conselho pode segui-lo. A torneira está pingando 4 Resposta ao tema: Querida Maria-Sophie, Há meio ano atrás lhe procurei e parti- cipei de uma constelação familiar por- que meu filho de 14 anos ainda mo- lhava a cama. Havia experimentado tudo com o meu filho e o havia levado para diversos médicos, homeopatas e outros terapeutas. Tudo sem sucesso. Durante o seminário coloquei o que relatei a cima como sendo a minha questão na presença de todos os parti- cipantes. Você então me disse que não poderia ter falado isto na presença do meu filho e em frente de outras pes- soas. Logo me irritei. Como então o deveria ter feito? Sem mais comentári- os você posicionou o menino e me posicionou como representante de sua mãe e seu pai. Mostrou-se claramente que Manuel sentia-se atraído apenas por seu pai. Logo você me perguntou so- bre o seu pai. Eu disse que havíamos nos separado e que os dois filhos do primeiro casamento estavam comigo. Você falou que seria importante e ne- cessário para o menino que fique com o seu pai. Depois você simplesmente interrompeu a constelação. Eu fiquei in- dignada e com muita raiva de você. Não havia entendido nada. Até hoje não en- tendi nada. O resultado, porém, para mim é mais surpreendente: Desde esse dia Manuel nunca mais molhou a cama. Mes- mo sem entender como isso atuou, agra- deço-lhe de coração. O que deixa as crianças felizes? Quando os seus pais alegram-se com elas. Ambos os pais. Quando ambos os pais alegram-se com a criança? Se através da criança, respeitam e amam o parceiro – homem ou mulher - e alegram-se com ele. Falamos muito sobre o amor. Como, porém, o amor revela-se da maneira mais bonita? Quando me alegro com o outro da maneira como ele é. E quando alegramo-nos com a criança exatamente como ela é. Neste caso os pais de repente pas- sam a experimentar o poder que têm sobre as crianças como uma tarefa. Prin- cipalmente as mães experimentam este poder de maneira intensa, uma vez que, vivem em simbiose com a criança por tanto tempo. Logo não experimentam mais o poder como sendo um poder próprio e sim como um poder a serviço da criança por um determinado tempo. Um tempo atrás estive em um curso do qual participou, também, uma mu- lher com uma criança de cinco meses a qual ela segurava próxima ao peito. Ela estava sentada do meu lado. Eu lhe disse: “Olhe para além da criança, para algo bem distante que está por trás dela.” Ela olhou para além da criança. De re- pente a criança respirou aliviada e sor- riu para mim. Ficou feliz. Assim ambos tornam-se mais livres, tanto os pais quan- to as crianças. Ambos podem entregar- se mais facilmente as suas destinações e alegrar-se através delas e conseguem manter o desapego necessário em rela- ção ao outro. O que é aquilo - o distante - para onde a mulher olhou? É o destino, o seu des- tino e o da criança. E é algo que está ainda mais além do destino. É algo que permanece velado para nós. Diante dele permanecemos humildes. Homem e Mulher Quem pode dizê-lo? “Eu te amo.”? O que se passa na alma de alguém quando diz tal frase? O que se passa na alma do outro a quem essa frase é dita? A alma de quem a diz verdadeiramente treme. Nela acumula-se algo, cresce como uma onda e arrasta-o. Ele talvez se defenda contra ela por medo sobre onde pode estar levando-o, sobre qual será o seu destino. A outra ou o outro, a quem a frase é dita, também treme. Pressente o que mudará dentro deles, as responsabilidades que traz consigo e como determinará suas vidas para sempre. Eu te amo Aqui deparamo-nos tam- bém com o medo da dúvida se somos capazes de suportar tal fra- se e se concordamos com ela em toda sua extensão, se podemos abrir-nos para ela, independente se a dizemos ou se é dita a nós. Não existe, porém, frase mais bonita. Não existe frase que nos toca tão profundamente e nos liga tão intensamente a outra pessoa. È, também, uma frase humilde. Através dela tornamo-nos pequenos e grandes ao mesmo tempo. Tornamo-nos pro- fundamente humanos. 5 Atualidades Quando pessoas com anorexia melhoram freqüentemente tornam-se bulímicas. Isto significa que comem e posteri- ormente vomitam o que comeram. Aqui se revela uma luta interna entre a vontade de partir e a de ficar. Quan- do uma menina ou uma mulher ainda não conseguiu li- vrar-se totalmente da bulimia, então come. Assim diz in- ternamente: “Eu fico.” Depois, porém, vomita a comida e diz internamente: “Eu parto”. A solução para a menina ou a mulher, que sente vontade de vomitar a comida, é dizer ao pai: “Eu fico.” No caso da bulimia existem, também, outras dinâmicas. Quando a mãe diz aos filhos: “tudo que vem do pai de vocês, não presta. Devem aprender apenas de mim”, isto, por exemplo, pode levar à bulimia. Então a criança acei- ta a comida da mãe, em lealdade a ela e a vomita em lealdade ao pai. Essa forma de bulimia pode ser curada quando a criança aceita a comida de ambos os pais. Prin- cipalmente do pai. Anorexia Bulimia (Comer e vomitar)No caso da anorexia revela-se freqüentemente que a pessoa que tem anorexia diz interna- mente: “Prefiro ir em seu lu- gar”, no sentido de uma sal- vação. O motivo da anorexia freqüentemente é um senti- mento de solidariedade com uma pessoa excluída ou que es- teja retirando-se ou com alguém que esteja desaparecendo ou que seja culpado de algo. Freqüentemente esta pessoa é o pai. Situações em que isto pode ocorrer são: quando o pai está mais conectado com a sua família de origem ou se ele tende a movimen- tar-se para fora da família por outro motivo, por exemplo, por causa de outra mulher, mas também pelo desejo de morrer. O que pode ajudar a uma pessoa com anorexia? Se o pai lhe diz: “Eu fico e me tornarei feliz se você ficar entre nós.” De um modo geral uma pessoa com anorexia está mais segura perto de sua mãe. A mãe pode lhe dizer: “Se- guro-a para que fique”. Gostaria de dizer algo sobre o amor. Algo diferente do que vocês talvez estejam esperando. Às vezes ouvimos a frase “Permaneçam no amor!” O que significa isto? Permanecer no amor? Conhecemos o amor que vincula. Através de um amor especial estamos vinculados aos nossos pais, ao nosso parceiro e também aos nossos filhos. Como estamos ligados a estas pessoas desta maneira, estamos ao mesmo tempo, separados de outras. Permanecer no amor significa que tudo é amado da maneira com é, que tudo é acolhido na alma da maneira como é. Sig- nifica que concordamos com tudo da maneira como é e o amamos como é, exatamente como é. Significa também, que concordamos com toda a vida como ela é, exatamente como é: com a própria vida assim como é, com a vida dos ou- tros, como é, com a criação assim como é, exatamente da maneira como é. Do mesmo modo também a luta faz par- te dessa vida. A vida de cada indivíduo disputa o lugar com a vida dos outros. Se permanecermos no amor, amamos tam- bém os opostos, a luta, a vitória e a der- rota, viver e morrer, os vivos e os mor- tos, o passado da maneira como foi, o futuro da maneira como vem, exatamen- te como vem. Neste amor tornamo-nos amplos e entramos em sintonia e con- cordância com tudo. Este amor é a entrega para o todo. É a religião essencial. Neste amor somos re- pletos, serenos, podemos assistir a tudo como se desenvolve, entregamo-nos ao próprio destino e respeitamos o destino dos outros e o destino do mundo. Estar entregue ao todo deste modo significa permanecer no amor. Isto implica também em conseqüências para o nos- so dia a dia. Quem perma- nece no amor desta manei- ra pode assistir a tudo como é: à felicidade e ao desas- tre, à vida e à morte, ao emaranhamento e ao sofri- mento. Como ama o todo e está entre- gue ao todo, uma vez ou outra, atua den- tro deste fluxo de vida, porém, sem assoberbar-se permanecendo sempre em sintonia e na aceitação. Quem ajuda desse modo, permanece isento de preocupações. E é livre. Aqueles a quem ajudam também são livres. Todos possuem sempreo mes- mo tamanho e a mesma importância. No todo não há quem seja melhor ou pior. No todo existimos simplesmente. Permanecer no amor 4 Fechamos os olhos e recolhemos-nos ao nosso centro. Vemos-nos como crianças diante da nossa mãe e do nosso pai. Olhamo-los com a devoção com que as crianças pequenas olham para os seus pais, com os olhos bem abertos e com o amor mais profundo. A maior entrega que já presenciamos em toda nossa vida foi esse olhar para a nossa mãe e o nosso pai. Talvez, posteriormente algo o tenha interrompido, agora, porém, voltamos a este amor original. Olhamos para os pais e por detrás deles enxergamos os seus pais, e por detrás destes os pais destes pais, e assim em diante – no final um número infinito. Através dessas inúmeras gerações a vida flui até os nossos pais e através de- les nos alcança. É a mesma vida. Todos que a receberam e a passaram a diante o fizeram corretamente. Ninguém podia acrescentar algo, ninguém podia retirar algo. A vida flui em toda sua plenitude atravessando todas estas gerações. Para a nossa vida não faz diferença, como era cada um desses indivíduos, se foram pes- soas boas ou más, reconhecidas ou des- prezadas. No serviço à vida foram todas iguais. Dessa forma a vida também al- cançou o meu pai, a minha mãe e atra- vés do meu pai e da minha mãe chegou até mim. Agora abrimos o nosso coração e a nossa alma para a plenitude da vida como ela nos alcançou através da nossa mãe e do nosso pai. E dizemos: “Obrigado (a). Tomo-a de vocês. Tomo-a inteiramente, pelo preço que vocês tiveram que pa- Meditação O fluxo da vida gar e pelo preço que me custe. Seguro- a com firmeza e devoção e transmito-a em sua plenitude e nas condições em que possa e seja capaz de transmiti-la”. Depois apoiamos-nos em nossos pais dos quais tomamos a vida por inteiro. Olhamos para frente e repassamo-la como sempre: a filhos próprios, a netos próprios, a todas as inúmeras gerações que nos seguem. Ou, se não temos fi- lhos, repassamo-la de outra maneira, em serviço à vida. A vida nos atravessa e continua fluindo. Na medida em que nos atravessa estamos mais profundamente ligados a ela. Porque a vida, assim como o amor flui. A clareza A clareza é abrangente. Desvenda os contextos mais amplos, as circunstânci- as, as possibilidades, as conseqüências. E sempre é reconfortante. E também não precisa provar nada porque embora seja clara não tem ponto de vista. Podemos dizer também que justamente pelo fato de ser clara não possui ponto de vista uma vez que apenas o estreito necessita do ponto de vista para distinguir-se. A clareza por ser clara é, também, ampla. Como obtemos clareza? Primeiro na medida em que nos recolhemos para que aja espaço entre nós e a situação sobre a qual queremos adquirir clareza. Apenas assim ganhamos uma visão geral. Em segundo lugar na medida em que não transferimos nada do nosso co- nhecimento e dos nossos desejos que possuímos até então para a situação para assim caracterizá-la e sim abrindo-nos de forma desprovida de intenções para que tudo possa fazer efeito sobre nós com toda sua complexidade e suas supostas contradições. Permanecemos assim até que se estabeleça uma ordem dinâmica dentro dessa multiplicidade diante do nosso olhar interno para que o essencial, o próximo passo, o reconhecimento de- cisivo revelem-se. Portanto a clareza não é tanto obti- da. Ela é dada àquele que é capaz de esperar de forma distanciada, porém, envolvida. Nasce daquilo que vemos como massa caótica, às vezes aparece em forma de relâmpago que por um minuto clareia o entorno dentro do qual temos que movimentar-nos e seremos bem sucedidos. A clareza mantém-se enquanto agimos de acordo e muda na medida em que atuamos. Apenas quando atuamos torna- se totalmente clara. Por este motivo não se pode ensiná-la ou mesmo prová-la na teoria. É clara para aqueles que agem de acordo com ela e é clara principalmente para aqueles que agem conjuntamente e de acordo com ela. Aprimora-se e aprofunda-se através da ação. 7 Respostas a perguntas feitas por carta: A seguir encontram-se respostas a per- guntas que me foram apresentadas. Mui- tas das perguntas foram feitas por pes- soas que eu nem mesmo conhecia. As minhas respostas limitam-se à essência das perguntas e, portanto, são breves. São, porém, respostas que demonstram um posicionamento e oferecem soluções. Estas respostas podem ser lidas como pequenas histórias, uma vez que cada uma delas contém um destino velado. Para um casal que não conseguia decidir-se: Esta é uma história para vocês. Alguém ouviu dizer como é bom andar de carro, principalmente quando se está acompanhado. Ele decide primeiro olhar os diferentes modelos. Assim vai a diver- sas concessionárias, olha as ofertas e ve- rifica suas particularidades. É verdade que para quem quer andar todos os modelos servem, existe, porém, sempre algo a reclamar aqui e ali. E assim ele decide esperar mais um ano. No ano seguinte faz o mesmo e assim após três e quatro anos. No meio tempo até chegou a soli- citar férias mais longas para poder co- nhecer também os modelos de carros em outros países. Durante todos esses anos, porém, ainda andava a pé. Mas de re- pente perdeu a paciência. Neste momen- to precisava de um carro imediatamente mesmo que não fosse o melhor nem o mais novo modelo. Tinha tanta pressa em obtê-lo que atravessou um cruzamento com o sinal aberto. Um caminhão tentou frear, mas era tarde demais. Matou-o. Observação: O homem certo e a mulher certa raramente são encontrados. O bom homem e a boa mulher geralmente são suficientes. Para uma mulher que gostaria de ter um homem Como você pode encontrar um homem? Respeite os homens e um deles encon- trará você. O que deve ser levado em consi- deração na diferença de idade Aos 37 anos a diferença de idade ainda não é tamanha que chega a prejudicar um relacionamento. Você não vai querer escolher a mais nova de todas. A seguin- te orientação serve como regra: Se am- bos tem um futuro pela frente então existe uma base comum para eles. Quan- do, porém, um dos parceiros já viveu o que se chamaria de “seu futuro” e o ou- tro ainda não, então o conflito está pre- destinado. Um dos parceiros sente-se na posição de ter abdicado do seu futuro e se vingará por isto. Podemos observá-lo quando um homem mais velho que já foi casado e tem filhos relaciona-se com uma mulher mais nova. Ultimamente muitos se pronunciaram a meu respeito, freqüentemente sem me conhecer e sem conhecer o meu trabalho. Portanto... ...falarei a meu respeito pela primeira vez Começarei pelo o meu passado. Vivenciei o nacional-socialismo do início ao fim. Portanto sou uma das poucas testemu- nhas da época que estão vivas. Sei do que estou falando. Ainda me lembro exatamente quan- do uma noite meu pai entrou pela porta de casa após o trabalho e disse a minha mãe: “Hitler é Chanceler do Reich”. Es- tava muito apreensivo. Ele tinha uma noção do que isto significaria para nós. Pouco depois sentimos na própria pele o que significava. Morávamos em Colô- nia e num dia de domingo queríamos fazer um passeio para as montanhas. Fomos à missa matinal e quando saímos da igreja esperamos pelo bonde. Então um integrante da SA (Strumabteilung- tropa de assalto) aproximou-se do meu pai e fez um comentário desaforado. Meu pai também fez um comentário. Por con- seguinte o integrante da SA se pôs a gri- tar com o meu pai e queria prendê-lo. Neste momento o bonde chegou. Meus pais e nós – três crianças – entramos no bonde rapidamente. O condutor fechou a porta imediatamente e o bonde partiu. O integrante da SA, no entanto, subiu em sua bicicleta e aos berros seguiu o bon- de. O condutor do bonde não parou na estação seguinte e continuou até que ti- nha se livrado do homem que nos per- seguia. Os passageiros aplaudiram. Na- quela época isto ainda era possível em Colônia. Mais tarde, porém, não. Naque- la época eu tinha sete anos. 8 Com dez anos de idade entrei para um internato em Lohr am Main. Para fazer o segundo grau, porém, freqüentei o colégio da cidade. Um pequeno episó-dio mostrará como era o internato para onde eu tinha entrado. Após a adesão da Áustria à Alemanha houve um plebisci- to. Aparentemente alguns padres do in- ternato e algumas irmãs que trabalhavam na cozinha haviam votado “não”. Não era, porém, uma votação sigilosa. Os votos foram interceptados. A noite teve uma grande passeata da SA e em seguida um grupo de integrantes da SA posicionou- se em frente à casa que era o internato. Com letras maiúsculas rabiscaram nos muros: “Aqui moram traidores” e “vota- mos no não”. Depois quebraram cerca de 200 vidraças a pedrada. As pedras atingiram também o dormitório onde es- távamos dormindo. Na manhã seguinte dois padres foram submetidos à deten- ção cautelar e nós saímos de férias. Em 1941 este internato foi fechado. Eu fui a Kassel (Alemanha) para onde os meus pais haviam se mudado no meio tempo. Lá freqüentei o segundo grau. Aderi a um grupo pequeno do movimen- to da juventude católica que, porém, havia sido proibido muitos anos antes. Aparentemente éramos observados pela Gestapo (polícia secreta do Estado). Após a sétima série a turma inteira teve que entrar para o Arbeitsdienst (serviço de trabalho do Reich) e depois para a Wehrmacht (forças armadas). Bem no início da minha estadia no Arbeitsdienst, uma noite um dos supervisores entrou pela porta, veio diretamente em minha direção e envolveu-me em uma conver- sa. Era da Gestapo. Eu, porém, naquela época não o sabia. Envolveu-me numa conversa sobre Nietsche e Hegel. Natu- ralmente, com 17 anos de idade eu sabia apenas muito pouco a respeito. Porém, alguma coisa, eu sabia. Então, durante a conversa, ele disse: “Hegel previu o Es- tado como o temos hoje.” E eu disse: “Pelo meu conhecimento, Hegel odiava o Estado”. Então, subitamente, ele falou: “O senhor odeia o Estado”. Logo percebi que se tratava de um interrogatório da Gestapo. Um ano depois a nossa turma recebeu o certificado de conclusão do segundo grau por correio. Eu, neste meio tempo, já servia a Wehrmacht, e estava estacionado na França. O último ano do segundo grau nós foi dado, uma vez que, estávamos todos na Wehrmacht. Foi, porém, requisitado um certificado de conduta do Arbeitsdienst. A mim o certificado de conclusão do se- gundo grau foi negado uma vez que no meu certificado de conduta do Arbeitsdienst estava escrito: Trata-se de um sujeito anti-social, que potencialmen- te pode prejudicar o povo. Vocês podem imaginar o que isto significava naquela época? Significava: Ele está liberado para ser morto. Tudo que hoje em dia, às vezes, acontece comigo fatalmente me lembra essa situação. Quando a minha mãe soube do ocor- rido foi até o diretor do colégio e disse: “Meu filho está servindo na Wehrmacht. Está colocando sua vida em jogo e vocês o negam o certificado de conclusão do segundo grau?” O diretor envergonhou- se e entregou-lhe o meu certificado de conclusão de segundo grau. Minha mãe lutou por mim como uma leoa. Eu, então, estava na Wehrmacht, ativo na frente oeste. Muitos dos meus cama- radas morreram ou foram gravemente feridos. Eu mesmo, muitas vezes, esca- pei da morte por pouco. Por exemplo, quando tivemos que atravessar um cam- po minado por falta de outra saída. Quando chegamos a Aachen fui man- dado para um acampamento em Charleroi na Bélgica como prisioneiro de guerra dos Americanos. Éramos 1600 pri- sioneiros e trabalhávamos 10 horas por dia em um enorme depósito americano. A mando de Eisenhover, porém, só rece- bíamos a metade das calorias necessárias para este trabalho, o que servia de casti- go para os Alemães. Alguns de nós tiveram a coragem de fugir. Foram pegos e imediatamente posicionados contra a parede e mortos a tiros. Um ano depois eu também tentei a fuga e consegui. Pouco antes do meu aniversário de 20 anos estava, finalmen- te, livre. Meu irmão, porém, permane- ceu na guerra. Eu já não corria mais peri- go porque a Alemanha havia perdido a guerra. De modo contrário não estivaria seguro. O sofrimento decorrente dos da- nos psicológicos, no entanto, está pre- sente diariamente. Quantas pessoas que me agrediram não vivenciaram nada parecido na própria pele e tiveram que se defender contra um sistema totalitário sob perigo de vida? 9 O presente Agora quero voltar-me para o presen- te. Porque existem tais ataques e ca- lúnias contra a minha pessoa? A prin- cipal acusação é que eu reconheço, também, um agressor como ser huma- no assim como a mim mesmo. Esta é a maior inconveniência. Como cheguei a assumir tal postura? Em primeiro lugar porque me sin- to na sucessão de Jesus. Ele sentava- se à mesa com os pecadores. Por este motivo outros se incomodavam. Ele aboliu a diferenciação entre o bom e o mau. Por exemplo, quando disse: “Sejam misericordiosos como também o pai de vocês é misericordioso. Ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e in- justos.” Este é o amor em sua essên- cia que não exclui mais ninguém. Um segundo aspecto foi impor- tante pra mim. Eu pude ver através do meu trabalho que existe uma for- te ligação entre agressor e vítima. A primeira vez que o percebi foi duran- te um curso em Berna. Um homem havia posicionado sua família. De- pois disse: “Tenho que falar mais uma coisa. Eu sou judeu. Ninguém da mi- nha família, porém, morreu. Nós vi- víamos na Suíça.” Mas a sua mãe ha- via-se suicidado e ele também corria perigo de suicídio. Era possível ob- servar que ele e sua mãe no fundo da alma estavam intimamente ligados às vítimas judias. Depois eu simplesmente posicio- nei sete representantes para os judeus assassinados e atrás deles, há 2 metros de distância, sete representan- tes para os assassinos. Depois deixei que os representantes das vítimas se virassem para os agressores e não interferi mais. Surgiu um movimento do fundo da alma entre vítimas e agressores. Os agressores estavam tomados por uma dor imensa. Quan- do avistaram as vítimas estenderam as mãos em direção a elas e as abra- çaram. Um dos agressores disse: “Esta é apenas uma vítima. Há outras cen- tenas de vítimas que tenho que enca- rar.” De repente foi possível ver como vítima e agressor no fundo eram uma unidade ligados por um amor profun- do. Como isto era possível? Tanto os agressores como as vítimas puderam ver que estavam entregues a uma for- ça maior que atuava por detrás de- les. Um dos agressores disse: “Sinto- me como se fosse um dedo de uma mão poderosa que pertence a um poder ao qual estou totalmente en- tregue.” Esta foi a primeira experiência deste tipo. A partir desse momento eu não pude mais enfrentar os agressores como se fossem diferen- tes ou como se fossem inumanos ou como se não fossem, também, incen- tivados por uma força maior que atua por detrás deles. Apenas através do reconhecimen- to que vítimas e agressores são mu- tuamente atraídos fui capaz de servir à paz em diversos países. Primeiro em Israel. Fui convidado três vezes para cursos em Israel. Lá eu fiz exatamen- te o que descrevi aqui. Posicionei as vítimas e os agressores uns de frente para os outros. Também aqui foi pos- sível observar como precisavam se movimentar na direção dos outros. Não tinham como escapar deste mo- vimento. Uma grande experiência que fiz du- rante estas constelações foi que os mor- tos - as vítimas mortas e os agressores mortos - podem e querem encontrar-se a não ser que seus descendentes assu- mam a questão destes mortos e quei- ram repetir todo o drama novamente. Assim impedem a reconciliação. A mes- ma experiência fiz também na Turquia no conflito entre Turcos e Armênios. E no Japão quando posicionei vítimas e agressores de um grupo junto com as vítimas e os agressores do outro gru- po. Quando damos espaço aos movi- mentos da alma, vimos e sentimos que no fundo a alma deseja a reconcilia- ção. Quer unir o que estava, até então, separado. O que contraria este movimento? A petulância da consciência tranqüi- la. Todos estes atos graves, todos es- ses ataques partem de pessoas que estão convencidas de que possuem a 10 consciência tranqüila e de que são inocentes. Pensam que a sua boa consciênciadá-lhes o direito de agre- dir os outros e até aniquilá-los. Todos os grandes conflitos obtêm sua força da consciência tranqüila. O desejo de aniquilação de um grupo contra um outro se origina na consciência tran- qüila de cada um. Ambos os lados possuem uma consciência diferente que é, porém, sempre tranqüila. Desta maneira servi a paz em mui- tos países. Na Espanha, por exemplo, existia o mesmo movimento no con- flito entre Espanhóis e Bascos. O Basco que constelou este conflito es- tava aberto para esta reconciliação. Mas no dia seguinte alguém lhe pas- sou um bilhete escondido ameaçan- do-o de morte. Por quê? Porque ele queria superar a separação. Tive uma experiência parecida com os descendentes dos partidos da guerra civil na Espanha. Porque o conflito continua de forma velada e muitos esperam que finalmente se possa ter paz. Assim foi também em vários ou- tros países. Isto me dá força de conti- nuar andando por este caminho in- dependente do que os outros falam de mim. Unir o que estava separado é o processo essencial de cura den- tro das famílias como podemos ob- servar nas constelações familiares. E também entre grupos rivais. A Serviço da Vida Uma revista a serviço do trabalho com as constelações sistêmicas segundo Bert Hellinger Com artigos da revista alemã “HellingerZeit Schrift”- revista trimestral alemã de autoria de Bert Hellinger e Marie-Sophie Hellinger. Reprodução autorizada. Direitos autorais para o português da Editora Atman. Tradução: Filipa Richter Revisão: Tsuyuko Jinno-Spelter Diagramação: Virtual Edit Coord. Editorial: Décio Fábio de Oliveira Júnior Revista 0 – edição alemã em 05/2005 A SerA SerA SerA SerA Serviço da Vidaviço da Vidaviço da Vidaviço da Vidaviço da Vida Uma revista a serviço do trabalhoUma revista a serviço do trabalhoUma revista a serviço do trabalhoUma revista a serviço do trabalhoUma revista a serviço do trabalho com as constelações sistêmicas segundocom as constelações sistêmicas segundocom as constelações sistêmicas segundocom as constelações sistêmicas segundocom as constelações sistêmicas segundo Bert HellingerBert HellingerBert HellingerBert HellingerBert Hellinger Fascículo 1Fascículo 1Fascículo 1Fascículo 1Fascículo 1 • Prefácio • Ajudar às crianças • Homem e mulher • Crescimento Interior • Meditação • Atualidades • Entrevista • História Sumário Prezados leitores, O 5º congresso internacional de constelações sistêmicas 2005 em Colônia reuniu mais de mil participantes de 40 países. Mostrou de forma impressionante como a constelação familiar e as experiências novas adquiridas através desta vem sendo mundialmente reconhecidas. Através de diversas palestras e seminários vimos o nível de diversidade com o qual a cons- telação familiar evoluiu. Para muitas pessoas tornou-se um auxílio de vida e abriu diversas portas. A palestra com o título “Como o divino cresce em nós” proferida no último dia do congresso pelo Irmão David Steindl-Rast foi particularmente comovente. Irmão Steindl-Rast é beneditino e vive nos Estados Unidos. Sua palestra tocou os participantes de modo especial, demonstran- do que por trás de todo ato de ajuda procura realizar-se algo de essencial que transcende todos os limites impostos por nós, conectando-nos em um nível profundo. Há muito tempo os parti- cipantes esperavam por algo assim. Irmão David autorizou-me a publicar o artigo proferido em Colônia nesta revista. Lendo-o terão a possibilidade de compartilhar a comoção dos ouvintes da palestra. Em outubro do ano passado eu e meu amigo Ludwig Fischer visitamos Irmão David no mosteiro Mount Savior em Ithaka ao norte de Nova Iorque. Eu já o conhecia de palestras em Salzburg e através de seus livros. A organização do congresso em Colônia já o havia convidado muito antes para participar de um curso e de uma palestra em Colônia, mas Irmão David hesita- va, tendo em vista a longa viagem. Juntos, assistimos à missa no mosteiro e em seguida fize- mos uma longa caminhada. Falamos sobre “a nossa percepção de deus de hoje”. Concordamos que precisamos ter muita cautela ao interpretar ou definir nossas percepções internas. No final da caminhada Irmão David concordou em vir a Colônia e manter o contato comigo. Este é o contexto desta contribuição especial que encontrarão na revista. A palestra de Antjie Krog e a troca de experiências com a mesma durante o congresso foram similarmente comoventes. Antjie Krog falou sobre seu trabalho na Comissão da Verdade e Re- conciliação na África do Sul que tinha como objetivo reconciliar agressores e vítimas do regime de segregação racial. Diferente de muitos relatos na Europa, a Comissão de Verdade e Reconci- liação visava contribuir para a cura e o restabelecimento do aspecto humano danificado de ambas as partes. No final de sua palestra eu estava com os olhos cheios de água. Como também havia vivido na África do Sul durante muitos anos o seu relato tinha um significado especial pra mim. O trabalho da Comissão de Verdade e Reconciliação visava em primeiro lugar restabelecer a integridade da alma, tanto das vítimas como dos agressores. Esta é restabelecida na medida em que os agressores voltam a comportar-se humanamente e o demonstram em suas ações. Apenas nestas circunstancias vítima e agressor poderão reencontrar-se na condição de ser hu- mano, estando ambas as partes inteiras internamente. Pra mim este trabalho foi um exemplo de auxílio de vida do nosso tempo com um sentido muito profundo e que visa o futuro. No debate seguinte eu disse que de acordo com a minha experiência a paz somente se estabelece de forma duradoura se ambos, agressor e vítima são capazes de dizer um ao outro: “Eu reconheço que sou igual a você”. No final, auxílio de vida nos dias de hoje significa que se une o que estava separado. A revista é uma contribuição importante para este assunto. Os artigos revelam diferentes formas de como este movimento pode ser reconhecido, compartilhado e realizado em cada caso individual. Desejo-lhes que com ajuda da revista façam novas conquistas que os preencham tanto no campo pessoal como em seus relacionamentos. Bert Hellinger 4 Ajudar às crianças Muitas vezes crianças sabem internamente o que precisam, não querem, porém, que lhes seja dito. Deve partir de um reconhecimen- to interno próprio. Logo contamos determinadas histórias à criança que a ajudam a superar dificulda- des. Contamos a história de tal for- ma que nos aliamos, amorosamen- te, ao bom entendimento da crian- ça, como a um confidente. Estive com os negros na África do Sul, durante muitos anos. Um dia me aproximei de um chefe tribal e conver- samos. Apresentou-me também a sua mulher. Ele tinha quatro mulheres e mui- tos filhos com elas. Depois me falou de seus filhos, pois um deles, um menino, o preocupava. “Eu não sei o que ele tem. Às vezes ele fica tão triste.” Um dia o menino achou um amigo. Foram caminhar e encontraram mais um menino. Este era um pouco maior que eles. Disseram um ao outro: “Agora va- mos olhar o mundo.” Mas aquele meni- no disse: “Há algo muito importante que preciso fazer antes.” Ele havia perdido alguém; alguém que lhe era muito que- rido. Assim disse: “Antes eu tenho que ir até o seu túmulo.” Foram juntos até o Ajudar crianças com histórias Mais um ponto deve ser conside- rado. O inconsciente não conhece a negação. Quando por exemplo os pais falam ao seu filho “Tome cuida- do para não levar um tombo”, a alma ouve: “ Tome cuidado para levar um tombo.” O “não” não é ouvido na alma. Portanto é útil formular frases desses gênero de maneira afirmativa, ou seja, sem utilizar o “não”. Por exemplo :” Cuide bem de você”, “che- túmulo. Quando estavam diante do túmulo o menino disse:” Esperem mais um pouco, ainda tenho que colher algu- mas flores. Colheu as flores e depois foi até os outros que estavam diante do túmulo. De repente ele ficou triste. Fechou os olhos e pensou naquela pessoa queri- da. Depois sentou-se. E sentiu que essa pessoa querida estava perto dele. Real- mente a sentiu, assim comose alguém colocasse o braço em volta do seu om- bro e falasse: “Estou sempre perto de você” e então ele ficou feliz. Depois continuaram andando. Aque- le menino olhou em sua volta e de re- pente tudo estava mais bonito do que era antes. As flores eram mais bonitas. Ele ouvia os pássaros cantando e pen- sou: Nunca os ouvi cantar tão bonito”. Eles passaram por um pé de maçã. Ele colheu uma maçã e deu uma mordida. Nunca uma maçã tinha sido tão saborosa para ele. Assim, juntos, continuaram an- dando. À noite voltaram para casa. O chefe perguntou ao seu filho: “O que você fez? Você está totalmente mudado.” O meni- no disse: “Sim, estou. É que encontrei um tesouro que agora está sempre do meu lado.” História para um órfão gue bem na escola”, “tome cuida- do ao utilizar a faca”. Assim sen- do, é importante formular de ma- neira positiva as frases que uma criança diz em uma história. Vou dar um exemplo. O diretor de um orfanato par- ticipou de um de meus cursos em Moscou e trouxe um menino de 12 anos. O menino sentou-se do meu lado e eu lhe contei uma história. 5 Pais com filhos portadores de deficiência Pais com filhos portadores de deficiência e pais de criação que acolhem uma criança portadora de deficiência são solicitados de maneira peculiar pelo destino dessas crianças. Freqüentemente a constelação familiar revela-nos de modo comovente como o amor cresce diante de tal tarefa e destino. A constelação dessas famílias revela três aspectos: Em primeiro lugar o alívio que significa para os pais quando carregam tal destino com respeito e amor mútuo sem procurar em si ou em outros a culpa ou os motivos pela deficiência. Por outro lado, às vezes um deles ainda está envolvido nos destinos da pró- pria família de origem e gostaria de ir embora ou é incapaz de voltar-se inteiramente ao parceiro e à tarefa em comum. A gratifica- ção, porem, é grande quando este consegue libertar-se do emara- nhado familiar através da constelação. Em segundo lugar mostra que não existe saída de tal destino. Uma retirada isenta de conseqüências para a própria alma e vida é impossível. As conseqüências, neste caso, são mais graves para os pais do que quando se rendem solícitos a sua responsabilidade e a renúncia relacionada à mesma. Em terceiro lugar, a constelação familiar revela que pais biológi- cos e de criação podem, também, obter muita força e auxílio de suas famílias de origem quando, por exemplo, existem antepassa- dos com destinos parecidos. Lembrando-se deles com dignidade e reconhecimento podem obter força e proteção. Geralmente a defi- ciência é orgânica, logo muitas vezes não é possível alterá-la. Pode- se apenas abrandar as suas conseqüências. Existem, no entanto, exemplos que demonstram que uma deficiência pode, pelo menos em parte, estar fundamentada na história familiar. Por exemplo, tratando-se de autismo. Neste caso a constelação familiar revela soluções que podem ter um efeito libertador para a criança porta- dora de deficiência. Há um outro aspecto a ser considerado. A deficiência afeta o corpo e a mente, a alma, porém, permanece livre. É o olhar voltado para a alma da criança que sustenta e aprofunda o amor em seus pais biológicos e de criação. Crianças são fiéis aos seus pais Falei ao ajudante: “Não é uma tarefa bonita aju- dar a órfãos como você o faz?” É também uma tarefa difícil. Aparentemente difícil. Podemos deixar o sol brilhar sobre essas crianças, assim como são, e sob seus pais, assim como sempre foram. Neste instante as crianças sentem-se como crianças de sua família. O mais importante para a criança é que saiba: “Este é o meu pai e esta a minha mãe. Eu faço parte deles e eles de mim, mesmo que já estejam mortos ou que algo tenha sucedido”. Assim sentem-se em casa no orfanato e é simples lidar com elas. Se auxiliarmos demasiadamente uma criança ela fica zangada. Ajudamos com distância e ajudamos, principalmente, em nome dos pais. Logo é impor- tante que nos situemos abaixo dos pais. Se nos colo- carmos acima, como se fôssemos um pai ou uma mãe melhor do que os pais reais da criança, ela fica zangada. Manter-se em sintonia com os pais é a melhor maneira dos assistentes de ajudarem as crianças de um orfanato. Esta postura compreende também que se per- mita que as crianças a eles confiadas, venham a ser iguais a seus pais. Trata-se de um ponto muito im- portante uma vez que crianças querem ser iguais a seus pais. Se dissermos a uma criança “Só não fique como o seu pai” ela quer tornar-se exatamente igual ao pai por um sentimento de lealdade. Este é o efei- to de tais alertas na alma da criança. Se, porém, é permitido que a criança venha a ser como o seu pai e essa lhe diz na alma ”eu quero ser igual a você” então o pai a olha amorosamente e talvez lhe diga “Você também pode fazê-lo um pouco diferente de mim.” Através da aceitação de seus pais como eles são a criança fica livre para desenvolver-se diferen- temente, fora do campo de influência dos pais. Toda criança ama os seus pais independente de como eles são. Se a pessoa que quer ajudar a essas crianças ama e respeita os pais dentro delas, elas sentem-se segu- ras. Amam os ajudantes uma vez que estes estão internamente ligados aos seus pais e porque sabem que querendo, podem voltar internamente para os seus pais a qualquer momento. 6 Homem e Mulher Quando um ho- mem encontra a mu- lher pela qual se sen- te atraído de modo especial e quando uma mulher, ao en- contrar este homem, se sente atraída por ele de modo especial, os dois são atraves- sados por um sentimento de felicida- de, até então desconhecido, e por um desejo que deles se apossa totalmente. Sentem este sentimento de felicidade e este desejo como amor. Quando então o homem diz à mulher: “eu amo você” e se a mulher também disser ao homem: “eu amo você” eles se unem e se tor- nam um casal. Porém, será este primeiro amor, que sentem um pelo outro, que confessam um ao outro, suficientemente forte, para uma união duradoura? Mesmo se após um tempo, ficar claro que os caminhos di- versos que até então percorreram, os unem de forma tão intensa apenas por um tempo? Quem sabe até por um lon- go tempo, principalmente se não forem apenas um casal e sim se tornarem pais. E se estes caminhos, porventura, mais tarde apontarem para direções distintas, ainda assim os ligarão? Pois o que o ho- mem e a mulher realmente sabem um do outro na exaltação do primeiro amor? O que sabem da escuridão que envolve a sua origem, o seu destino e a sua de- signação especial? Quando aquilo que estava velado até então, vier à luz, a ques- tão é, o que os ajudará para que o seu amor persista e sobreviva a esta realida- de? Sentimos que esta primeira confis- são “Eu amo você” necessita ser complementada por algo mais. Algo que prepara um casal para este estado mais abrangente, que o conduz para tal amplidão e profundidade que o faz cres- cer para além deste primeiro amor. Uma frase que engloba esta dimensão maior e que os prepara para ela, seria: “Eu amo você e aquilo que guia a você e a mim”. O que sucede, quando o homem diz à mulher e a mulher diz ao homem esta frase: “Eu amo você e aquilo que guia a você e a mim”? De repente não olham apenas para si e para o seu desejo, olham para algo maior que está para além de- les. Mesmo que ainda não consigam com- preender o que esta frase exige deles de especial, e que destino aguarda cada um deles individualmente e juntos, tra- ta-se de uma frase que prepara e possi- bilita, após o amor à primeira vista, o amor à segunda vista. O segundo olhar Sexo A palavra sexo é uma palavra adver- sa para a alma, pois lhe falta a alma, a profundidade, a paixão repleta, a desco- berta do outro e o ato de reconhecer e encontrar a si mesmo no outro. Quanta força, porem, está inerente à antiga e hoje em dia mal vista palavra volúpia. Nela sentimos o movimento, o calor, a paixão, os corpos entrelaçados, o ato de segurar-se intensamente, o abra- ço insaciável, o impulso adiante, o auge e o relaxamento feliz. Em comparação a este calor sexo é frio — é como fastfoodao lado de uma refeição farta. Volúpia é vida, imponente em sua força e fértil em todos os sentidos. Dela resulta algo muito além do pessoal e do auto-referente. A volúpia, porém, é incontrolável, transbordante, pois guiada e sustentada por algo maior. Nela a alma se alegra. Devemos, portanto, introduzir nova- mente esta palavra? Não. É excessiva- mente frágil como algo sagrado. O me- lhor a se fazer, no entanto, é abolir a pa- lavra sexo. Com tudo que lhe atribuímos, de qualquer modo é uma palavra desco- nhecida para a alma. A constelação familiar não apenas revela o que estava, até então, velado. Mostra também caminhos para a solução. O ponto crucial da constelação familiar é mostrar saídas do emaranhado e guiar os as pessoas afetadas nesta jornada. Assim como o amor à primeira vista não pode durar quando não é se- guido pelo amor à segunda vista, a solu- ção na constelação familiar apenas terá êxito se as pessoas em questão se conectarem a algo maior. Ou seja, dei- xando algo do passado para trás, consci- entemente, e abrindo-se para algo novo, mesmo que no início lhes cause medo. O ato de saber e reconhecer, por si só, neste caso não ajuda muito. Necessita- se, além disso, de uma força especial. A fonte de tal força é por um lado a conexão com os pais e ancestrais e por outro o ato de inserir-se em algo maior. Quando nos rendemos a algo maior en- tramos em sintonia com o que finalmen- te nos conduzirá. Às vezes transporta- nos para além dos limites de um emara- nhado e nos liberta para um amor feliz e repleto. Mas nem sempre. Às vezes tes- temunhamos em nós mesmos ou outros que um limite não pode ser ultrapassa- do, ou seja, que nós ou o nosso parceiro somos incapazes de libertar-nos de um emaranhado temos que reconhecer este fato sem querer mover ou modificar algo. Num relacionamento entre casais tal fato é percebido como morrer. Até mesmo esse ato de morrer podemos enfrentar com amor se dizemos um ao outro: Eu me amo e eu amo você com tudo que nos guia.” Como amor e vida dão certo juntos 7 A constelação familiar revela muito do quanto as ligações de destino solici- tam de um casal e de seus filhos. Na cons- telação familiar o homem ou a mulher escolhe representantes para determina- dos membros de sua família a partir um grupo de participantes e coloca-os em relação dentro do espaço. No momento em que tomam o seu lugar os represen- tantes percebem que se sentem igual às pessoas que representam. Isso acontece sem que saibam algo sobre elas. Através dos representantes uma relação com um outro membro familiar, até então oculta, torna-se visível. Logo, a constelação fa- miliar revela que os representantes en- tram em um campo espiritual complexo que os liga aos membros familiares au- sentes. Não apenas externamente ou na superfície e sim em áreas onde uma for- ça que conduz a todos eles torna-se per- ceptível para os presentes. Chamo esta força de “grande alma”. O homem ou a mulher que estão constelando também são atravessados por esta força. No momento em que posicionam toda a família entram em contato com esta grande alma e posteri- ormente se surpreendem com o que ela revelou. Trago-lhes um exemplo. Um homem posicionou a sua família atual, ou seja, selecionou representantes para si mesmo, sua mulher e seus filhos. De repente percebeu que posicionou uma criança longe dos outros e com o olhar voltado para fora o que revela que esta criança aspira sair da família. O coorde- nador da constelação perguntou ao re- presentante da criança como se sentia neste lugar e ela respondeu que se sen- tia bem ali. Mas qual o motivo desta cri- ança querer ir embora ou talvez até mor- rer? Talvez uma outra pessoa da família almejasse partir e talvez até morrer. Logo o coordenador da constelação pediu à representante da mãe da criança que tro- casse de lugar com ela. Quando a per- guntou como se sentia naquele lugar ela também respondeu que se sentia bem. Tal fato revela que a pessoa que quer partir é a mãe, seja por qual motivo for, e que a criança está disposta a assumir o destino de sua mãe em seu lugar. Logo, um fato profundamente assustar e preocupante tanto para o homem quan- to para a mulher e a criança tornou-se visível através da constelação. A questão é: “Como isso é possível?” De onde vem o anseio da mulher de partir?” E se formos além, “ de onde vem o an- seio de morrer que sente no fundo da alma? ” este seria o verdadeiro significa- do se formos até as últimas conseqüên- cias. A resposta estava em um aconteci- mento na sua família de origem. Ela ti- nha uma irmã gêmea que faleceu logo após o nascimento. Quando uma repre- sentante da irmã gêmea foi posicionada diante da mulher na constelação, mos- trou-se claramente que sua vontade de partir era o anseio profundo de seguir sua irmã na morte para unir-se a ela. Este exemplo mostra o que significa quando falamos de emaranhados de destino e quais as conseqüências que podem acar- retar para a relação de um casal. São vín- culos de destino porque permanecem além da nossa vontade, dos nossos cui- dados e da nossa consciência. São liga- ções de destino porque tem uma influ- ência sobre as nossas vidas que não po- demos controlar, pelo menos em quanto não tomamos consciência delas. No caso relatado não apenas a mulher estava en- volvida num emaranhado de destino mas também o seu marido e a criança. A cri- ança porque queria assumir o destino de sua mãe no seu lugar sem sequer saber o motivo. O marido porque seria atingido pelo destino sem possibilidade alguma de tomar uma providência, caso a relação com a sua mulher fracassasse devido ao vínculo de destino da mesma. Vínculos de destino Amor que liga e amor que desvincula Quando um homem e uma mulher se encontram ambos percebem que lhes falta algo. Afinal, o que é um homem sem uma mulher e uma mulher sem um homem? O homem existe sempre em relação à mulher e a mulher existe sempre em relação ao homem. Conectando-se um ao outro recebem o que lhes falta. O homem recebe a mulher e a mulher o homem. É humilhante para ambos admitir que sentem falta um do outro. Não é fácil, pois reconhecem assim os seus limites. Alguns desejam fugir de tal reconhecimento, o homem, por exemplo, tentando desenvolver em si o feminino e a mulher tentando desenvolver em si o masculino. Deste modo o homem não precisa mais da mulher e a mulher não necessita mais do homem. Conseguem ser um sem o outro. 8 Uma relação entre um casal tem êxito quando ambos, o homem e a mulher, admitem que sentem falta do outro e que precisam um do outro para estarem plenos. Dando um ao outro aquilo que lhe falta tornam-se plenos e inteiros. Através da consumação do ato se- xual o amor entre homem e mulher encontra sua realização. A relação de um casal visa à consumação do ato sexual. É o ato de maior consumação de vida e supera em muito qualquer ou- tra realização, também a espiritual. Através dele estamos em sintonia com o essencial da vida. Pois, o que nos compromete mais com o essenci- al da vida e o que nos deixa crescer mais do que a consumação sexual e as suas conseqüências? Mais um ponto está relacionado a essa consumação. Através dela ori- gina-se um vínculo. Após a consuma- ção sexual o casal não se desvincula mais. Portanto não podemos tratá-la como se fosse algo aleatório. Traz consigo amplas conseqüências. O que um vinculo significa e qual a sua profundidade percebemos atra- vés da dor e do sentimento de culpa e de fracasso que um casal experi- menta no momento de uma separa- ção. Não é possível separa-se sem sentir e reconhecer o vínculo. Como isto se reflete em relacionamentos posteriores percebe-se através do fato de uma criança de um segundo rela- cionamento representar o parceiro do primeiro relacionamento. A criança tem os sentimentos deste parceiro e os exprime diante dos pais. Não se pode brincar com relacionamentos anteriores. Eles continuam atuando. Podemos observar também, que quando um casal se separa e, sepa- rados, os dois se relacionamcom outros parceiros e se separam nova- mente, nesta segunda separação a Amar e precisar Um relacionamento de casal rea- liza-se quando duas pessoas necessi- tam um do outro e quando recebem do outro o que precisam. Vejo a par- tir da sua carta que você ama o seu marido, porém, não precisa dele. Que obtém aquilo de que precisa de ou- tras fontes e que assim sendo não há base para um relacionamento sólido. Neste caso a terapia não pode ajudar. A conseqüência lógica seria o que seu marido receia e aspira. Obs.: Diante de fatos concretos não precisamos ter a consciência pesada. Partir com respeito Você às vezes comportou-se como se não precisasse de homens. Agora respeite-os e liberte-os inter- namente. Primeiro o seu marido, de- pois o seu pai e mais um ou outro homem possível. Espere para agir até que tudo se ajeite. Da maneira que está me parece que é necessário per- manecer sem ação. No entanto, fique atenta para que veja a lacuna que está se abrindo. A sintonia com o todo Não acho que seja possível redu- zir – de uma maneira adequada – a relação a um sim ou a um não. A sua vida continua inserida nas suas refe- rências e a vida dele continua inserida nas referências dele. Esses contextos podem e devem continuar válidos. São demasiadamente importantes para que sejam ignorados. O novo pode surgir. Seja qual for o novo, precisa, porém, mostrar-se antes, após uma espera paciente. As- sim como um jardineiro que olha e avalia antes de arrancar plantas. Logo o meu conselho é: Faça aquilo que você faria de qualquer maneira que lhe teria correspondido, e deixe que o novo a acompanhe de longe como uma música de fundo. Mantenha-se em sintonia com o todo durante este pro- cesso. Respostas a perguntas feitas por carta: Sobre o tema homem mulher dor e a culpa são menores em com- paração à primeira separação. Dian- te de uma terceira separação a dor e a culpa são ainda menores e após um tempo já não importam mais. Geral- mente em uma relação posterior os parceiros não têm a coragem de to- mar o companheiro novo da mesma maneira intensa como o primeiro. Existe uma solução para eles, se no momento de uma separação con- tinuarem respeitando e amando o parceiro antigo. Nem sempre os dois alcançam esse estado ao mesmo tem- po. Assim permanece algo doloroso para ambos. 9 Crescimento Interior A purificação Há um tempo queria descobrir o que significa “grandeza”. O que faz de alguém uma pessoa com grandeza? Obtive re- sultados peculiares. A maior grandeza de uma pessoa é aquilo que a iguala a todos os outros. Isto é o maior. Qualquer des- vio para cima ou para baixo retira algo. No decorrer do tempo a purificação tornou-se um conceito ou procedimento importante para mim. Necessitamos da purificação da alma para atingir a gran- deza que nos iguala a todos os outros. Uma purificação que nos deixa inteira- mente permeáveis para algo diferente sem que nenhum propósito próprio in- terfira – ou interfira apenas numa exten- são reduzida. Também não devemos exagerar. No misticismo cristão a purifi- cação tem um papel bastante importan- te em diversos aspectos. Fala-se primei- ramente da purificação dos sentidos que conduz a um recolhimento interior. Este seria um caminho. O outro seria a purifi- cação do espírito. Neste contexto purifi- cação significa afastar algo supérfluo para que permaneça o essencial e último. Na purificação espiritual abdicamos das nossas idéias, dos nossos conceitos e da nossa noção sobre o que é certo ou errado. De repente podemos nos expor exclusivamente àquilo que se apresen- ta. Se assim nos expusermos ao múlti- plo, da forma que se manifesta, de re- pente aparece algo que é essencial. De repente podemos captá-lo. Quando tra- balhamos com constelações familiares, por exemplo, ocorre o mesmo. Sem sa- ber nos expomos a algo. De repente mos- tra-se alguma coisa sem que tenhamos recorrido a imagens próprias. E sentimos “sim, é isso que importa.” Quando temos um problema ou nos preocupamos com algo experimentamos uma sensação pa- recida. Entregamo-nos ao problema como ele é sem medo e sem um propósito específico até que percebemos: é assim que continua. Então constatei: O que é a purifica- ção propriamente dita? Como se reali- za? Realiza-se na medida em que me igualo a todos. A todos. Talvez não ape- nas a todos os seres humanos e sim a todas as criaturas, sem qualquer preten- são. Insiro-me em um todo, sendo um entre muitos, absolutamente igual e equivalente. É claro que em tal procedimento a distinção entre o bem e o mal não existe. Ou a diferença entre agressor e vítima. O que um representante disse aqui sobre a dignidade do agressor é muito profundo. Quando damos espaço a tal movi- mento, quando nos abrimos e crescemos sentimos que proporcionamos, também a eles, a igualdade que lhes pertence. A purificação se dá quando as dife- renças dentro de mim se dissolvem; tam- bém estas entre vítima e agressor na me- dida em que eu as acolho na minha alma do mesmo modo e lhes dou um lugar. É impossível atingir purificação maior. É gratificante entregar-se a tal purifi- cação. Preenche-nos. Não nos tornamos menos. Ao contrário. Dentro desta igual- dade possuo tudo em mim, sem que eu queira. Tem-me e me carrega. O Ciúme Uma mulher de um grupo con- tou que torturava seu marido com seu ciúme e mesmo reconhecendo que não fazia sentido não conse- guia resistir a tal comportamento. Mostrei-lhe a solução. Eu disse: “A curto ou médio prazo você perde- rá o seu marido. Curta-o enquan- to isso!” A mulher riu e sentiu-se aliviada. Alguns dias depois o marido ligou e disse “agradeço-lhe pela minha mulher.” Há muitos anos atrás o marido havia participado de um dos meus cursos com sua namorada. Durante o curso falou diante de todos os par- ticipantes e sem levar em considera- ção a dor da sua namorada, que ti- nha uma outra namorada nova e mais jovem e iria separar-se da atual mes- mo já tendo vivido com ela durante 7 anos. Depois participou de outro cur- so, dessa vez com a nova companhei- ra. Durante o curso ela engravidou e pouco depois se casaram. Agora entendi o sentido do ciúme da mulher. Socialmente ela negava o vínculo de seu marido com a antiga namorada e através do seu ciúme reforçava seu direito de posse em relação ao marido publicamen- te. No fundo, porém, reconhecia o vínculo e também a sua culpa. Logo o seu ciúme não era prova de uma culpa do seu marido em relação a ela e sim uma admissão secreta de que não era digna de seu marido e que a separação provocada por ela seria a única possibilidade de reconhecer a li- gação ainda existente. Seria tam- bém uma prova de solidariedade com a antiga namorada do seu marido. Após alguns anos a reencontrei. Havia se separado de seu marido. Olhando de Perto 10 Como o divino cresce em nós Irmão David Steindl-Rast O.S.B Nota prévia: Irmão Steindl-Rast é um professor espiritual amplamente solicitado. Proferiu esta palestra no Congresso Internacional de Constelações Sistêmicas em maio de 2005 em Colônia e teve a gentileza de disponibilizá-la para esta revista. Irmão Steindl-Rast é de Viena, é membro da Ordem Beneditina e dedicou-se também, intensamente, a outras religiões. Vive retirado em um mosteiro nos Estados Unidos. Tratando-se do assunto “como o di- vino cresce em nós” talvez seja apropri- ado começar com um momento de si- lêncio onde vocês possam abrir-se para aquilo que entendem como “divino.” Para mim as palavras decisivas neste contexto são “em nós”. Falarei a vocês da minha própria experiência e me vol- tarei para as suas experiências pessoais. Apelo, por assim dizer, às suas experiên- cias, já que sobre um assunto como este só pode-se falar do ponto de vista da experiência. Logo espero que confiram o que direi aqui através de suas próprias percepções. Quero repassar o título, palavra por palavra. Falando de “divino” refiro-me àquilo que Dorothee Sölle denomina de Meditação A fonte da vida Imaginemos que nos dividi- mos ao meio. De um lado senti- mos o pai. Por detrás do pai sen- timos seus paise anterior a es- tes seus avós e se seguirmos em diante os seus bisavós. Abrimo- nos perante a força vital que nos alcança e penetra através de to- dos estes ancestrais. Sentimos a sua força. Podemos seguir ainda muito mais além. Todos estes an- cestrais preencheram a vida. To- maram-na e repassaram-na. Ago- ra estão atrás de nós. Sentimos o calor que nos atravessa acom- panhando a força e talvez perce- bamos a diferença em compara- ção ao outro lado, onde tal liga- ção ainda falta. Voltamo-nos para o outro lado e sentimos a mãe atrás de nós. Por detrás da mãe sentimos seus pais e depois os seus avós, bisavós e tataravós. Uma rede gigante amplamente ramificada repleta de força vital que vem de longe através destes ancestrais e nos atravessa. Agora sentimos como estes dois fluxos de vida, o do pai e o da mãe transformam-se em uma unidade nos nosso interior. Tra- ta-se de uma unidade inconfun- dível. Sentimos o calor e a força. Talvez sintamos, também, como essa força se acumula e almeja fluir em diante, atravessando- nos, alcançando os nossos pró- prios filhos e tarefas a serviço da vida. Quiçá colocamos também uma doença neste fluxo, seja ela qual for. Ela nos mostra que algo está interrompido. Quer que su- peremos este abismo. Se formos capazes de restabelecer esta li- gação sob a pressão da doença esta cumpriu sua função. “mais”. Mais é sempre mais. Mais em to- das as dimensões. As palavras deus e di- vino tem tamanha conotação que deve- ríamos achar outras. ”Mais” cabe exce- lentemente. “Mais” não apenas no mes- mo nível, e sim, sempre, em novos pla- nos e dimensões. Como seres humanos estamos condicionados a este “mais”. Queremos encontrar um sentido e so- mente envolvendo-nos com este “mais” podemos achá-lo. O que quero dizer com o “divino”? Tanto dentro de nós pessoalmente como no mundo como um todo – mesmo que sem a mesma intensidade – estamos, neste momento, ultrapassando a frontei- ra para um novo entendimento deste “mais”, nos diversos níveis. Algo de to- talmente novo está rompendo caminho. Aqui também falaremos, em parte, so- bre isto. Com relação ao crescimento em nós, como este “mais” poderá crescer “em nós”? Através da nossa consciência sobre este “mais”, ou seja, conscientizando-nos dele e relacionando-nos com ele o que significa que nos envolvemos com ele. Logo, trata- se de dois pontos importantes: a conscientização e o ato de envolver-se. O primeiro aspecto, o da conscien- tização, pertence mais à espiritualidade. O ato de envolver-se, por sua vez, per- tence mais à área da religião. Os dois as- pectos são inseparáveis, uma vez que, a conscientização e o ato de abrir-se para a mesma estão estreitamente ligados um ao outro. Espiritualidade e religião, porém, podem ser diferenciados um do outro. Não podemos separá-los, no entanto, é possível distingui-los. Deste fato resulta, também, o nosso procedimento. Atualidades Tratarei do tema da espiritualidade sobre 4 aspectos: 1.) O que é espiritualidade? 2.) Qual o relacionamento da espiritualidade com a religião? 3.) O que impede ou inibe o cresci- mento do “mais” em nós, ou seja, do divino em nós? 4.) Como podemos incentivar tal crescimento? O que podemos fazer conscientemente para in- centivar este crescimento den- tro de nós? Voltando ao primeiro ponto: O que é espiritualidade? Sugiro que partamos da palavra propriamente dita – espiritua- lidade – que remonta a palavra “spiritus” do latim. Traduzimo-la com a palavra “espírito”. Neste contexto espírito signi- fica espírito no sentido de “respiração vital”. Originalmente “spiritus” significa- va sopro de vento, respiração vital. As- sim como a palavra grega “pneuma” ou a hebraica “ruach” que ambas a antece- dem. Todas significam “respiração vital” e no sentido figurado, vivacidade. Logo, vejo espiritualidade como vi- vacidade intensificada em todas as áreas da nossa vida. É uma amplificação da extensão de nossa vivacidade. Não vivemos sempre com a mesma intensidade. A maioria de nós está menos disposta de manhã do que à noi- te. Existem também aqueles que já de manhã tem muita energia e desesperam os outros com tamanha disposição. O nosso grau de vivacidade varia bastante. Dependendo também da fase da vida em que estamos. Quando vivemos plena- mente em todos os sentidos – e existem momentos em nossas vidas onde estamos inteiramente vivos – temos uma noção do que possivelmente significa viver ple- namente a espiritualidade. Estes momen- tos ocorrem em situações diversas e sem- pre nos surpreendem. Podemos nos pre- parar para eles, porém, permanecerão imprevisíveis. Neste ponto preciso falar de Abraham Maslow, conhecido pela maioria de nós pela sua hierarquia de valores. Fez uma descoberta muito mais importante. Ele a Espiritualidade denomina e descreve como “peakexperiences” o que seria “experiência de pico ou de ponta”. Vale a pena falar um pouco mais sobre como Maslow fez tal descoberta em meados do século XX. Colocou-se a questão: O que faz com que algumas pessoas tenham tamanha viva- cidade? O que faz com que tenham ta- manha criatividade, tanta saúde? O que faz delas pessoas de verdade, assim como gostaríamos que as pessoas fossem? Ele diz: Nada na minha formação de psicolo- gia preparou-me para responder tal per- gunta. Preocupava-se sempre com do- enças da mente, porém nunca se per- guntou: o que faz de uma pessoa alguém tão saudável. Levou anos voltando-se para esta questão e chegou a um resultado que o surpreendeu. Há um fato comum a todas as pessoas com tamanha vivaci- dade, às vivas e às mortas que conhecia apenas através de documentos escritos: todas têm experiências místicas. Esta descrição não foi muito bem vista na li- teratura da psicologia. Logo rapidamen- te mudou a expressão para “peak experiences”. Durante toda sua vida, no entanto, insistiu que não havia diferen- cia alguma entre “peak experiences” e a experiên- cia mística. São a mesma coisa. Qual o ponto crucial em uma experiência de pico? Que todos a fazemos. Durante suas pesquisas Maslow constatou que tais experiências não estão limi- tadas a pessoas extraordinárias e que – na medida em que é possí- vel fazer generalizações no campo da psicologia – todos as pessoas as fazem. Percebeu, porém, que a maioria das pessoas reprime-as. Algumas pessoas que perguntou sobre as expe- riências de pico disseram-lhe que jamais haviam falado sobre isto a alguém porque achavam que se trata- va de um momento de delírio. Maslow disse: “este talvez tenha sido o único mo- mento de lucidez destas pessoas”. Peço-lhes, agora, que lembrem de uma experiência de pico própria. O pico não precisa ser especialmente alto. De- pende da altura do planalto de onde par- tem. O que importa é que tenham um ponto de referência em suas próprias vidas. Citarei quatro pontos que deveriam coincidir tratando-se de uma experiên- cia de pico. Não se preocupem, porém, se não verifiquem tais pontos em sua experiência de pico, uma vez que ser- vem em primeiro lugar de referência. Primeiro ponto: o tempo está para- do. Isto pode significar que passou uma hora e eu tenho a sensação de que se passaram apenas alguns minutos. Ou então que passaram somente alguns se- gundos, mas que algo aconteceu que parece ter levado horas. É como se a noção de tempo estivesse desligada. O ponto decisivo é: Estamos no aqui e ago- ra, voltados inteiramente para o presen- te. Este é um aspecto importante das experiências de pico. O segundo ponto é que temos um sentimento infinito de fazer parte de algo. Não apenas em relação às pessoas, mas também em relação aos animais e plantas, às pedras, às estrelas, o mar. Quando temos tal experiência na natu- reza nos tornamos uma unidade com as árvores e as nuvens. Somos um com a natureza. Nos sentimos unidos a tudo. 11 Os estreitos limites do “eu” foram rom- pidos, apagados ou desfeitos. O terceiro ponto é que neste deter- minado momento dizemos “sim” a algu- ma coisa sem qualquer restrição. Dizemos sim a tudo que é, como é. Não julgamos, simplesmente dizemos sim. Olhamos para o que normalmente denominamosde bom e que normalmente denominamos de ruim. Temos a capacidade de olhar para tudo da maneira como é. Permane- ce bom, permanece ruim, mas nós pode- mos dizer “sim” a isto, assim como é. Di- zemos sim a tudo o que é. Finalmente estamos repletos de um sentimento máximo de alegria. Mais do que alegria. Para nós alegria significa que algo bom está acontecendo. Na experi- ência de pico a sensação de alegria independe do ocorrido. Às vezes temos tal sensação no decorrer de situações ter- ríveis. Durante um atentado de bombas ou no caso da morte de alguém. Trata-se de um sentimento de alegria que não possuiu, praticamente, relação com o que normalmente chamaríamos de alegria, uma vez que a transcende amplamente. Estes são os quatro pontos, sem or- dem obrigatória: 1.) O tempo está parado. Estamos no agora. 2.) O sentimento infinito de fazer parte. 3.) Dizemos sim a tudo que é, como é, sem julgamento. 4.) Uma sensação máxima de alegria. Segundo Maslow estes elementos também são típicos tratando-se da ex- perimentação mística. Não precisam, porém, preocupar-se agora e dizer: Não sou místico. O místico não é uma pessoa especial, ao contrário, cada pessoa é um místico especial. Como então os grandes místicos distinguem-se da massa? Deixando que esta vivência penetre em tudo que fa- zem. Outros esquecem tais acontecimen- tos ou reprimem as lembranças deles. Se cuidarmos do místico e o deixamos entrar nas nossas vidas, ele lhes dá for- ma. Este é o significado pleno de espiritualidade. Na medida em que dei- xamos que esta experiência, a experi- ência da totalidade, entre nas nossas vi- das, estamos verdadeiramente vivos, fe- lizes e presentes. 12 Religião Como passamos desta vivacidade – da vivacidade da espiritualidade que nos deixa repletos de felicidade – para a re- ligião muitas vezes aflitiva e tão menos gratificante? Da espiritualidade inevitavel- mente passamos para a religião. Não digo, porem: para esta ou aque- la religião. Não me referia às religiões diversas. Refiro-me “à” religião. Todo ser humano possui esta religião. Farei a tentativa de demonstrar-lhes novamente através de um apelo às suas experiências próprias como se faz a pas- sagem da experiência mística à religião e da lá, talvez, às religiões. Partimos da palavra religião. A pala- vra latina para religião é “religo” e signi- fica reconexão. Reconectar-se com a realidade mís- tica. A experiência mística cria a religião. Agora voltamos o olhar para sua ex- perimentação mística pessoal – a expe- riência de pico. O que acontece no ins- tante após essa experiência? Durante a experiência de pico propriamente dita estamos simplesmente presentes. Não pensamos em nada, não queremos nada. Sentimos tal felicidade e estamos presen- tes. No instante seguinte, no entanto, já se manifesta o nosso intelecto e pergun- ta: O que era aquilo? É inevitável que façamos tal pergunta. É impossível im- pedir. Damos uma resposta que é místi- ca em sua origem. Respondemos com uma imagem, ao contrário da teologia que busca uma resposta racionalmente coe- rente. O mito vai muito além da teolo- gia. Porém, de uma forma ou de outra reagimos à pergunta sobre o que acon- teceu. E mesmo se a religião não nos in- teressa respondemos de algum modo a tal acontecimento. O nosso intelecto nos cobra uma resposta sobre aquilo que vivenciamos. Este processo é, portanto, inevitável. A partir dessa resposta desenvolve- se o ensinamento. O mito em si já com- preende ensinamentos, em sua maioria mais ricos que na teologia. Vejo a relação entre mito e teologia como a relação entre poesia e crítica literária. Sabemos todos, que os críticos literários após al- gum tempo interessam-se mais por ou- tros críticos literários do que pela poesia propriamente dita. O decisivo para vocês, no entanto, continua sendo o fato que – mesmo possuindo apenas uma religião Moral Temos que considerar mais um fato. Após o intelecto, manifesta-se também a vontade de cada um e cobra: sim, é o que quero. Estar conectado a tudo dessa maneira e sentir-me tão feliz. Quero tal sentimento de fazer parte de algo que todos ansiamos tanto. Porque é assim que temos que viver. É assim que quero vi- ver. Com tal desejo entramos no campo da moral. Aqui já começa a ética. Freqüentemente dizemos que cada um dos diversos povos do mundo tem sua própria moral, o que mostra que a moral é algo construído e fabricado por nós. Se olharmos cuidadosamente, porém, per- cebemos que se trata sempre e em to- dos os lugares da mesma moral, seja ela primitiva ou refinada. Comportamos-nos de maneira moralmente correta perante o grupo de pessoas do qual fazemos par- te e do qual gostaríamos de fazer parte. Os diferentes sistemas morais defi- nem quem pode pertencer a um deter- minado grupo. A moral determina quem pertence ao grupo. Inicia-se através de um grupo pequeno, uma família peque- na ou uma família grande. Em vários idi- omas e culturas a denominação do gru- po ao qual pertencemos é idêntica à palavra ser humano. Perante estes seres humanos comportamo-nos de maneira moralmente correta porque fazem parte de nós, dêem oposição a outros, estra- nhos, que não fazem parte. Ultrapassamos hoje uma barreira após a qual não podemos mais traçar o limite que define quem faz parte. Hoje faze- mos parte infinitamente. Portanto, todo limite que estabelecemos para definir quem faz parte é imoral. Nem mesmo os animais podem ser excluídos. O cos- mo inteiro deve ser incluído. Apenas di- ante deste conceito uma moral é justificada e pode nos ajudar. Resumindo: O intelecto interpreta. O desejo compromete-nos internamente. Nós nos comprometemos alegremente: Quero viver assim para fazer parte. pessoal – precisam processar intelectu- almente a experiência mística tendo as- sim, um ponto de partida daquilo que posteriormente torna-se um ensinamento na religião. Ritual Em terceiro lugar entram os senti- mentos. Os sentimentos desejam feste- jar a vivência mística e nos conduzem ao ritual. Mesmo que vocês prefiram per- manecer no contexto de suas religiões pessoais, festejam suas experiências mís- ticas. Suponhamos que tiveram uma ex- periência mística no cume de uma mon- tanha específica; tiveram uma experiên- cia de pico. É bem possível que repeti- damente voltem a esta montanha quan- do possuem algum motivo para festejar. Sentem o desejo de vivenciar novamen- te tal experiência. Talvez não possam vivenciá-la da mesma maneira, porém, fazem um peregrinação para aquele lu- gar para viver mais uma vez tal experi- ência. Ou então lembram-se daquele dia em que subiram a montanha e começará assim a estabelecer uma agenda de ritu- ais, mesmo que seja apenas um início. Toda religião inicia-se um com uma experimentação mística de seu cri- ador. Em alguns casos, como nos de Moisés, Jesus Cristo, Buda, e de Maomé, é possível apontar claramente para a experiência mística crucial. Em outros casos não é possível determiná-la com tamanha precisão, mas sabemos que toda religião parte de uma experiência místi- ca de seu criador ou criadores e posteri- ormente transforma-se em ensinamentos, éticas, morais e rituais. O coração de toda religião é a religião do coração Após a morte destes criadores tal experimentação é transferida e susten- tada por uma comunidade. Sem comuni- dade não há religião, uma vez que o que vivenciamos é a beleza e o conforto de pertencer a esta comunidade. No decor- rer do tempo a comunidade muda o sen- tido original. A passagem da experiência mística à comunidade religiosa compara- se a uma fonte de água borbulhante que jorra do interior de uma rocha e após al- gum tempo congela no inverno dos há- bitos. O ensinamento estremece-se e transforma-se em dogmatismos, a moral ou ética por sua vez transforma-se em moralismo, o ritual vem a ser um ritualis- mo. Diante da transferência todas as reli- giões correm o perigo de estremecer após algum tempo. Podemos agir contra tal processo de enrijecimento? Sim. Sempre temos a pos- sibilidade de voltar à nossa própria ex- periência mística interna – ao calor que sentimosno peito durante tal experiên- cia – e assim descongelar as estruturas congeladas de dentro para fora. A estru- tura, porém, não é apenas um obstáculo. Pode dar-nos muito conforto. Entendo perfeitamente se alguém sente o desejo de rejeitar e deixar para trás as religiões da maneira que se apresentam hoje em dia. Através da minha própria experiên- cia, porém, tenho que dizer que estas estruturas também podem nos enrique- cer muito, dando-nos, por exemplo, apoio, estabilidade, força, ligação com o passado e guiando-nos na juventude e infância. É difícil substituir tais tradições. Mas temos que renová-las, revitalizá-las e esquentá-las sempre, partindo do co- ração. O coração de toda religião é a re- ligião do coração. Não podemos, portanto, esperar das religiões que sejam como um trem, onde subimos e que por si só nos levará a al- gum destino almejado. Ao invés de ser- mos movimentados temos que movi- mentar-nos por conta própria. Concepções de deus O que impede que o divino cresça em nós? Freqüentemente é a imagem de deus ou a concepção de deus que nos é imposta por uma determinada reli- gião ou que é transmitida por nossa reli- gião. A religião deveria apoiar a espiritualidade, muitas vezes, porém, lhe obstrui o caminho. A nossa visão do mun- do e a nossa concepção de deus são com- postas por diversas suposições desordenadas e não questionadas, mas mesmo assim ambas são decisivas para a nossa vida, tanto no contexto daquilo que aceitamos como no que rejeitamos. Hoje em dia a nossa concepção de deus é marcada pela imaginação de que deus está separado de nós. Experiências místicas acrescentam e religiões ensinam. No ensinamento inter- pretamos o “mais” que encontramos nas nossas experiências místicas. Este “mais” freqüentemente foi interpretado e utili- zado como poder. Encontramos na ex- periência mística algo poderoso algo que possui um poder superior. As religiões freqüentemente interpretaram tal poder no sentido de “ter poder sobre alguma coisa”. Nesta interpretação deus é al- guém totalmente diferente de nós, al- guém que reina sobre nós e está separa- do de nós. Neste contexto devemos também olhar para o nosso entendimento do pe- cado. Originalmente pecado significava desvio e segregação. A palavra pecado e a palavra segregação em sua origem são ligadas uma a outra. O pecado nos separa do nosso próprio e verdadeiro eu e do “mais” vivenciado. Nos ensina- mentos religiosos o pecado foi interpre- tado cada vez mais no sentido jurídico, como se tivesse alguém lá em cima a quem pertencesse o poder. Assim o po- der transforma-se na culpa e precisa ser castigado. Mas também podemos olhar para o pecado do ponto de vista históri- co, como se fosse algo que no nosso pró- prio desenvolvimento ainda não teve êxito. Através do pecado, origina-se, en- tão, o estimulo de buscar o que ainda não deu certo em nossas vidas e realizá-lo. A imaginação de deus como alguém acima de nós e a quem pertence o po- der também nos distancia do conteúdo original dos rituais. Distancia-nos do ser- viço religioso como serviço à vida atra- vés da celebração e do trabalho. Logo o culto às vezes se iguala a uma cerimônia de corteN R. A falsificação da concepção de deus nos impede de compreender mais profundamente o “mais”, de realizá- lo com maior força de vontade e celebrá- lo com mais alegria e criatividade. Vida com gratidão A questão agora é: como podemos estimular o nosso crescimento espiritual? A resposta é evidente. Renovando e ajus- tando, sempre, a nossa concepção de deus através da experimentação viva de deus. Possuímos tal experimentação de 13 14 deus. Possuímos a experiência do “mais”. Ela está sempre a nossa disposição, pre- cisamos apenas cultivá-la. Como vivenciamos este “mais”? Lerei algumas frases dos Sonetos a Orfeu de Rainer Maria Rilke: Mas para nós o existir ainda é encantado. Fontes, ainda, em cem lugares. Jogo de puras forças e aquele que as toca se ajoelha admirado. Estas frases aplicam-se aos dias de hoje embora o poema comece com as pala- vras: A máquina ameaça a toda conquista... Mesmo assim vale: Em vários pontos o existir ainda é encantado, ainda é fonte, um jogo de puras forças e aquele que as toca se ajoelha admirado. Podemos abrir-nos para estas forças. Existe um caminho espiritual neste sen- tido com que eu pessoalmente me iden- tifico mais. Denomino-o de “vida com gratidão”. Simplesmente viver com gra- tidão. Conscientizamo-nos de que este “mais” é a essência de tudo, a fonte de tudo que existe. Dizemos sempre: Exis- te isto e existo aquilo. Tudo que existe, existe. A essência por si só não é algo. É o nada de onde vem tudo. É a fonte divina, a fonte maternal, o fundamento maternal de tudo que existe. É o segre- do de onde viemos e para onde retornamos. Diante desta fonte nós mes- mos nos percebemos como dádiva. Afi- nal, também possuímos algo que existe. Somos presenteados a nós mesmos. Não nos compramos ou negociamos. Nos momentos mais difíceis possivelmente nem nos queremos. Querendo-nos ou não, recebemos a nós mesmos de pre- sente. Diante deste presente existe ape- nas uma resposta correta e que faça sen- tido: a gratidão. Nesta gratidão encontra- mos sempre novamente o que existe: a vida, o amor, tudo o que aprendemos, a alegria, a música. Temos que tomá-los assim, isto é a nossa gratidão. Nossa gra- tidão retorna ao nada que é a essência que dá tudo. Como manter viva essa corrente den- tro de nós? Através da gratidão, simples- mente, e vivendo no momento. Conscientizando-se, por exemplo, do presente que é abrir uma torneira de água. Ou considerando o presente que recebemos ao ligarmos a luz. Se uma vez ou outra vivemos em lugares onde não há água de boa qualidade ou luz elétrica, realmente tomamos consciência destes presentes. Ver os outros e a natureza como dádiva, com esta consciência, isto significa viver com gratidão. Agora lerei mais uma poesia curta de Rilke para vocês, porque começa com a palavra “silêncio” e termina com a pala- vra “gratidão”. Aponta para o fato de que podemos apenas encontrar essa vida com gratidão, se nos envolvemos com o si- lêncio. Oração Na oração unem-se três aspectos. No início está o silêncio. A oração do silên- cio sobre a qual não podemos dizer nada. Podemos apenas embarcar neste silên- cio para encontrar o “mais” em seu inte- rior. Quanto mais profundamente entra- mos neste silêncio, sempre mais profun- damente, mais profundamente perce- bemo-nos neste “mais”. Todos nós pos- suímos a capacidade para esta oração. No ocidente o segundo aspecto da oração nos é mais familiar. Podemos descrevê-lo como “viver da palavra de deus”. Dizemos, assim, que tudo que existe é palavra. Se existe, fala. O nada expressa-se em tudo que existe. Portan- to, tudo que existe é palavra divina. Podemos nos envolver com esta palavra de diversas formas. Seja onde for, sempre que nos envolvermos com a palavra, com algo que existe, e o trata- mos com respeito, respondemos com sim à palavra e pronunciamos este sim sem restrições. Sim, aqui estou. Então esta pa- lavra nos nutre. Toda palavra pode nutrir- nos se respondemos desta maneira. POESIA Se fosse totalmente silencioso apenas uma vez... Se fosse totalmente silencioso apenas uma vez Se o fortuito e o acaso emudecesse e o riso vizinho, Se o ruído, que fazem o meus sentidos não me impedisse tanto no despertar. Então poderia em mil pensamentos pensar em você até o seu limite e possuir você ( apenas o instante de um sorriso) e presentear você em tudo que vive como um agradecimento. Rainer Maria Rilke, 22.9.1899, Berlin-Schmargendorf Esta é uma poesia para o “mais”, uma oração para o “mais”. O terceiro aspecto que é desconhe- cido a muitos de nós, mesmo que viva- mos dentro dele permanentemente, cha- ma-se meditatio in actione: encontrar deus no agir. No agir permanentemente encontramos deus. Pensem nas mães, pensem nos professores. Permanente- mente achamos o “mais” no agir. O agir é um mundo de orações - um mundo de orações pelo qual zelamos há séculos. Ou seja, achar o “mais” no agir. Neste contextorevela-se o poder de cura do envolvimento com este “mais”. O poder de cura que está inerente ao desejo de tentar entender este “mais”, sempre mais profundamente, de realizá- lo com maior força de vontade, celebrá- lo sempre com maior alegria e criatividade – uma celebração da qual participam o mundo inteiro e todas as religiões. 17 A imagem conjunta de deus Cada um de nós que tem uma noção do Budismo, por menor que seja, sabe o quão central são o silêncio e o ato de manter-se calado no Budismo. Quando eu estudava o Budismo, às vezes achava que havia entendido algo na conversa com o meu professor. Perguntava-o: “É assim mesmo?” Em seguida, ele sempre começava a rir e respondia: é absoluta- mente correto, mas que pena que você o pronunciou.” No Cristianismo temos que dizê-lo. Pertencemos às tradições da “aprovação”, ao Judaísmo, a Cristianismo, ao Islamismo. Pertencemos àqueles que são em refe- rência à palavra. A palavra nos pertence. A palavra também é um espaço de en- contro com o “mais”. Este é o nosso es- paço. O terceiro aspecto é o da compre- ensão. Esta é a área do Hinduismo. No Hinduismo a palavra e o silêncio não es- tão em primeiro lugar. O mais importan- te é o ato de compreender. Yoga signifi- ca conexão. Yoga significa compreensão. A prática hindu une a palavra e o silên- cio no compreender. O que significa com- preender neste contexto? Que nos en- treguemos à palavra originada no si- lêncio, de tal modo, que nos conduza ao lugar de onde veio: ao silêncio. Se nos entregamos à palavra e deixamos que nos guie para o silêncio, então compre- endemos. Nas nossas experiências de pico, em nossas experiências místicas – voltando mais uma vez ao assunto – di- zemos: É isso. É isto que estávamos aguar- dando. Como se tivéssemos esperado por isto a vida inteira. Agora é isto. Enfatizamos o “isto”. Isto é. Isto é a pala- vra. Seja o que for: É isto. Os Budistas dizem: isto o é. E isto também o é . É isto também. Está tudo compreendido no silêncio, no nada, de onde vem tudo. Os Hinduístas dizem: Porque estão brigando. É isto. Apenas assim o com- preendemos. Logo posso imaginar as religiões como uma dança de roda - e é com esta imagem que gostaria de concluir - onde dançamos todos. “É isto” independente de como o enfatizamos, os hinduístas, os budistas, os cristãos, os judeus, os muçul- manos, todos, inclusive as religiões liga- das à natureza. Dançamos todos a mes- ma dança. Do exterior não podemos perceber o sentido dessa dança. Olhan- do de fora vemos que os movimentos vão para direções distintas. Se, porém, seguramos-nos pelas mãos e entramos na dança, sentimos a unidade nesta dan- ça. Necessitamos, hoje, desta dança con- junta no mundo. Nela deus não está mais separado de nós. Nela experimentamos deus em nós e nós em deus. Esta con- cepção de deus nos une a todos. Observação: Mais informações sobre o Irmão Steindl- Rast veja no site www.gratefulness.org Neste site Irmão Steindl-Rast oferece con- duta espiritual em vários idiomas, entre outros, em alemão. Há pouco tempo a Editora Herder publicou seu livro “Achtsamkeit des Herzen” ISBN 3-451-05604-6 Crianças: sobre o amor Um grupo de especialistas entrevistou crianças entre quatro e oito anos sobre o amor. Encontrei as respostas no meu e-mail há pouco. Quando minha avó adoeceu de artrites não podia mais se abaixar e pintar suas unhas do pé. Desde então o meu avô o faz para ela, mesmo também sofrendo de artrites nas mãos. Isto é amor. (Rebekka, 8 anos) Quando alguém te ama, pronuncia seu nome de modo diferente. Então você sabe que seu nome está seguro na boca de quem te ama. (Billy, 4 anos) O amor deixa você sorrir quando está cansado. (Terri, 4 anos) Amor é quando a mamãe faz café para o papai e antes experimenta para saber se está gostoso. (Danny, 7 anos) Amor é aquilo que está no quarto com você no natal quando você para de abrir presentes e apenas ouve. (Bobby, 7 anos) Se quiser aprender a amar melhor, comece com o amigo que rejeita. (Nikka, 6 anos) Minha mãe me ama mais que todo mundo. Além dela não existe ninguém que à noite me beija até que eu durma. (Clara, seis anos) Amor é quando seu cachorrinho lhe lambe o rosto, mesmo que você o tenha deixado sozinho o dia inteiro. (Mary Ann, quatro anos) Quando você ama alguém os seus cílios abrem-se e fecham-se e pequenas estrelas brilham de dentro de você. (Karen, 7 anos) Aqui mais uma história de um menino de 4 anos. Morreu a esposa de um homem idoso da vizinhança. O menino pequeno o viu chorando. Foi ao seu encontro no pátio, sentou-se no seu colo e permaneceu perto dele. Quando a mãe chegou e o perguntou o que havia dito ao homem idoso, respondeu:”Nada. Ajudei-o a chorar.” Frases para reflexão Ordem e plenitude Ordem é a maneira como fatores distintos interagem. Possui, portanto, diversidade e plenitude. Encontra-se na troca, une o disperso, e recolhe-o na consumação Possui, portanto, movimento. Remete o transitório a uma forma, que promete continuidade Possui, portanto, duração. Mas como uma árvore, que antes de se abater, libera o fruto que a ela sobrevive, também a ordem se movimenta com o tempo. Possui, portanto, renovação e mudança. Vibram e desdobram-se, as ordens que vivem, estimulam-nos e nos retêm pela saudade e pelo medo. Sabedoria para viagem A palavra Originalmente a palavra é falada. É dita. Através dela comunica-se algo, denomi- na-se e descreve-se alguma coisa. A pa- lavra serve à troca, é dar e receber. Re- vela algo ao outro, até então velado. Deixa-o compartilhar um assunto pesso- al e cria conexão e confiança. Não im- porta apenas o que é dito e sim como é dito: o tom, a expressão, o olhar, o gesto. Somente através destes aspectos a pala- vra não é apenas ouvida, mas também é vista. Algumas palavras têm uma expres- sividade maior, um peso. Nelas um pro- cesso se condensa, um acontecimento, uma realidade estendia por muito tempo. Como, por exemplo, nas palavras pai, mãe ou filho. A palavra de peso move algo no interior da alma, toca-a, movi- menta alguma coisa. Como no caso da exclamação “socorro” ou das simples palavras “por favor” e “obrigada”. Mas também as palavras “vida” ou “morte” ou “despedida” e “lar” tocam-nos e esti- mulam algo. Tem palavras que nos penetram e na medida em que são proferidas inte- gram-nos no processo que descrevem. Por exemplo, a palavra “sopro”. Ou, tam- bém, tratando-se da palavra “árvore”. Quando a falamos, fazemos um movi- mento interno – instintivamente – que corresponde à copa de uma árvore em forma de gesto. A palavra falada possui uma vibra- ção que falta à palavra escrita. Logo a palavra falada necessita de tempo. Apensa assim aquilo que foi dito pode atuar. No caso da palavra escrita, pode- mos ter pressa ao lê-la. Às vezes aconte- ce que pulamos uma ou outra palavra. Neste caso, talvez, absorvamos apenas a sua informação, não o seu conteúdo in- teiro. Para compreender o conteúdo da palavra temos que pronunciá-la enquan- to a lemos e conceder-lhe o tempo que damos à palavra falada. Por exemplo, quando lemos uma poesia. Quando di- zemos algo com peso, freqüentemente temos que dar ao outro o tempo neces- sário para que o falado possa ecoar den- tro dele, o tempo para que o ouvinte possa repetir internamente o que foi dito. Apenas assim o falado atinge a alma, é saboreado e começa a agir. Nós, porém, somente conseguimos falar deste modo, se anteriormente a palavra agiu dentro de nós; se no instante em que a pronun- ciamos é um eco daquilo que soou den- tro de nós. Falando por si só, tais palavras são pou- cas, simples, imediatas, dirigidas, e um presente para os outros. Contextos O caminho fenomenológico do conhecimento 16 Entrevista com Bert Hellinger 16.06.1995 Percepção e intuição Pergunta: Gostaria de falar com você sobre os contextos de sua terapia e sobre o que significa perceber fenomenologicamente. Freqüen- temente você intui um segredo que provoca mudanças fundamentais, sem que ele possa ser definido com exati- dão. Como descreveria tal processo? Bert Hellinger: Selhe entendi bem você se refere à descrição do proces- so de conhecimento. O primeiro ponto é que não po- demos capturá-lo com os conceitos da intuição ou a experiência. Para mim é muito mais. Pra mim a intuição é um compreender instantâneo de como e por onde algo continua. É direcionada para o futuro. Ela acontece no momen- to sem que eu acrescente algo. Denomino o meu processo de conhecimento de percepção. É algo totalmente diferente. Percepção sig- nifica que me exponho a um contex- to, por exemplo, que observo o que acontece, quando pessoas se referem a sua consciência ou quando dizem que agem com consciência. Trata-se de um fenômeno complexo que du- rante muito tempo não havia desven- dado.Logo, durante anos, simplesmen- te deixei que agisse sobre mim e ob- servei-o com atenção concentrada, até que de repente percebi o que “cons- ciência” significa essencialmente. A consciência é um órgão sistêmico de equilíbrio através do qual percebe- mos imediatamente se nos encontra- mos em harmonia com o sistema ou não. Se estamos fazendo algo que nos assegura o estado de fazer parte ou se estamos colocando o mesma em risco ou anulado-o. Revelou-se, portanto, que estar com a consciência tranqüila significa: ainda posso fazer parte. A consciência pesada signifi- ca: Devo recear que não tenho mais o direito de pertencer a um grupo. Logo, diante de uma série de fenômenos, de repente foi absorvido o essencial. Isto é o que denomino de procedimento fenomenológico. Não tem relação algu- ma com conceitos predefinidos ou com o propósito de forçar algo, como, por exemplo, manter uma idéia ou tradição. É um processo simples e concentrado. Sem propósito e sem medo. O conhecimento como processo de vida Pergunta: Muitos terapeutas sistêmicos de família têm um entendimento diferen- te sobre o que é terapia. Na visão deles a invenção de verdades – denominam-nas de histórias - têm um papel fundamen- tal, uma vez que são da opinião que é impossível encontrar uma verdade “ob- jetiva”, por assim dizer. O trabalho feito aqui demonstra que talvez a palavra “achar” seja mais apropriada do que a palavra “inventar”, por exemplo, na me- dida em que constelamos e vemos que naquele momento alguma coisa simples- mente está presente. Bert Hellinger: A partir do momento em que nos dirigimos a algo absoluto duran- te o processo de conhecimento estamos no caminho errado. O conhecimento é um processo de vida, ele serve à vida. O conhecimento origina-se através da interação com alguma coisa que não pre- ciso compreender como tal. Absorvo o resultado da interação. E neste contexto, por exemplo, posso ver que quando duas pessoas se expõem ao mesmo fenôme- no com o objetivo de atingir algo em relação a este fenômeno, uma alcança mais que a outra. Se aquilo que reconhe- cemos fosse apenas algo construído, não seria possível distinguir se o resultado foi maior ou menor. Existe, portanto, uma orientação em alguma coisa, que vai além da constru- ção. Na constelação familiar, por exem- plo, observamos, que os participantes tem a capacidade de perceber algo que está inerente a um sistema que nem co- nhecem. Com conceitos construtivistas não é possível captar tal processo. É, no entanto, inegável que existe algo de ver- dadeiro na teoria do construtivismo, no sentido em que podemos ver que algo é apenas construído e mesmo assim mui- tas pessoas tomam-no como verdadeiro como no caso de ideologias, por exem- plo. A solução e o objetivo, porém, con- sistem justamente na possibilidade de nos desvincularmos das construções e nos permitirmos de perceber mais uma vez com precisão o que existe ali. Ordem e efeito Pergunta: O que exatamente faz o efeito na sua forma de terapia? O que se modi- fica com relação ao sistema, ao individuo, a sua doença e a sua cura? Bert Hellinger: Primeiramente falarei so- bre o meu entendimento de ordem, uma vez que o efeito se dá na medida em que achamos uma ordem. Quando en- contrarmos uma ordem, a ordem correta – usarei este termo extremo – isto pro- voca algo dentro de um sistema que cura e traz solução. A ordem é algo predefinido. Uma árvore, por exemplo, desdobra-se de acordo com uma ordem. Esta ordem é predefinida. Não pode sair dessa ordem porque não seria mais uma árvore. Da mesma maneira o ser humano também se desenvolve seguindo uma ordem. E sistemas humanos desenvolvem-se de acordo com uma ordem. Estas ordens são predefinidas. Alguns, porém, dizem: A ordem deve ser diferente da encontrada porque de- sejam algo diferente. Reformadores do mundo, por exemplo, desejam uma or- dem diferente da que encontram. Logo constroem uma ordem que corresponde aos seus desejos e não consideram o que é a ordem predefinida. A ordem preestabelecida é algo oculto, não posso encontrá-la sem um esforço maior, mui- to menos inventá-la. Para mim o processo de achar a or- dem ocorre na medida em que me reco- lho dentro de mim, mantendo em vista, porém, o que está na minha frente. Faço- o de tal modo que eu não tenha nenhum propósito e sem medo das conseqüênci- as. Quando me encontro recolhido em mim dessa forma, tenho uma ligação com algo maior. Não posso definí-lo. Às vezes denomino-o de alma ou grande alma; é algo secreto de onde vem força. Conectado a isto reconheço estruturas que ajudam ou prejudicam. Com relação à ordem eu parto do princípio que: a ordem se revela naquilo que une por um lado e que, por outro, possibilita desenvolvimento, os dois. No caso de uma família onde todos se sen- tem mal quando constelamos, parto do pressuposto que ela esteja em desordem. Logo procuro a ordem que cura, que so- luciona. Ao encontrar esta ordem, vejo que se trata de uma ordem que une a todos e possibilita o desenvolvimento de cada um. É possível reconhecer tais ordens em um nível mais superficial e trabalhar com elas, ou então em um nível mais profun- do. Quando, por exemplo, encontramos ordens que causam doenças e outras que curam, uma pessoa pode trabalhar com estas ordens em um nível relativamente superficial, porque as conhece. Neste caso, porém, a pessoa não trabalha par- tindo de um reconhecimento imediato da ordem e sim recorrendo àquilo que ouviu sobre a ordem ou a algo anterior- mente reconhecido. Aplica o seu conhe- cimento. Esta é uma forma de trabalhar com o conhecimento em torno de or- dens. Assim, no entanto, permaneço li- mitado na minha efetividade. Se, ao contrário, quiser atingir algo em um nível mais profundo, tenho que me recolher muito mais profundamente. Este recolhimento dirige-se a um centro vazio. Assim encontro-me conectado a algo que cura e que não posso explicar. Mostra-se, porém, no efeito. Ao transmi- tir o que reconheci de tal forma, vejo ime- diatamente através do efeito, se estava realmente conectado ou não. Se, por exemplo, dá inicio a um movimento den- tro do outro ou se apenas provoca curio- sidade ou objeções e perguntas. Pode- mos, portanto, distinguir entre diferen- tes níveis. 17 Concordar com o mundo como ele é Pergunta: Volto a falar da ordem. Tenho a impressão que este é o ponto princi- pal onde seu trabalho é mal-compreen- dido e onde dizem que você é dogmático. Eu pessoalmente não compartilho essa opinião. Para mim você é um empirista confiável porque você procede de forma fenomenológica. Porém, vejo também, que este trabalho exige uma postura de sensibilidade e apreço. Surpreende-me com quanta calma e recolhimento inter- no você suporta este trabalho. Também aqui, neste seminário, o notei. Em alguns momentos surgem situações de peso – o que se percebe também através do pú- blico. Onde você busca a força para tal postura? Como se mantêm nessa postu- ra de recolhimento interno e clareza de percepção? Bert Hellinger: A calma assim como a percepção derivam da aceitação do mun- do como ele é, ou seja, sem o propósito de querer mudá-lo. Em princípio esta é uma postura religiosa, pois, encaixa-se em uma totalidade maior, sem a pretensão de saber fazê-lo melhor ou poder atingir saída melhor, do que a que as forças pro- fundas visam por sua parte. Logo, para mim o ponto de partidaé concordar com tudo da maneira como é. Quando vejo algo belo, isto para mim faz parte do mundo com o qual concordo. E quando vejo algo trágico, também concordo. Concordo com ambos. É isto que deno- mino de humildade: a aceitação do mun- do como se apresenta. Apenas a aceita- ção permite-me perceber com exatidão. Caso contrário as minhas construções – usarei esta palavra – ou as minhas inten- ções ou ideologias prejudicam o meu processo de percepção. Temos que considerar também o fato de que a ordem não se mostra com clari- dade e aparece de forma diferente a cada instante. Inerente a ela está uma diversi- dade, uma plenitude. Revela-se apenas em partes. Este é o motivo pelo qual uma constelação difere-se de uma outra, mesmo que tenham situações de base parecidas. O que, então, eu percebo nes- te determinado instante, eu digo. E en- tão alguns acham que se trata de uma afirmação geral ou uma verdade geral. Ao contrário – não é isto. Trata-se da percepção de algo que veio a luz desta maneira neste determinado instante. Esta percepção é valida para o instante e é totalmente transparente neste instante. Ao separar isto da percepção daquele momento transformo-o em um ensinamento, e torna-se dogmático. Percepção integral Pergunta: Quando se dá tanto e recebe- se tanto como é possível delimitar o seu espaço como pessoa? Bert Hellinger: O terapeuta é capaz de fazê-lo deslocando-se para um nível su- perior durante o trabalho – poderíamos também dizer nível inferior, não faz dife- rença. A imagem, porém, do nível mais elevado é mais bonita. Quando estou no cume de uma montanha e olho em mi- nha volta não tenho a necessidade de delimitar o meu espaço em relação a nada. Vejo o que está diante de mim, sou parte de um todo e não preciso estabele- cer um limite em relação a alguma coisa. Diante da plenitude não precisamos deli- mitar o nosso espaço. Quando, porém, aproximo-me demasiadamente de algu- ma coisa ou assumo algo alheio, não per- maneço na posição do mero espectador. Neste caso é difícil delimitar o espaço. Pergunta: Após ter visto o seu trabalho, pergunto-me quantos sentidos você pos- sui. E pergunto-me especialmente: o que você pode passar para os outros para treinar os seus sentidos de modo pare- cido? Bert Hellinger: Neste trabalho os órgãos de percepção precisam estar abertos de qualquer modo. Mas, para além disso, existe algo como uma percepção inte- gral. A percepção integral torna-se pos- sível na medida em que atribuo um lu- gar a tudo, ou seja, não excluo nada. Na constelação dou um lugar a cada um no meu coração, também àqueles que es- tão na posição do mal ou do agressor ou diante dos quais os outros sentem asco ou medo. Dou um lugar também a eles. Logo estou conectado a uma totalidade, percebo-o como totalidade. Também sempre olho para um ser humano como sendo parte de uma tota- lidade maior. E quando trabalho com um ser humano, na função de terapeuta, na verdade, não me dirijo a sua pessoa ou ao seu “eu”, falo, porém, a sua alma, lá onde ele está conectado a algo maior. O efeito é muito maior do que se me res- trinjo ao primeiro plano. Como podemos treinar a percepção? Treina-se a percepção integral. A partir desta percepção o resto dá-se facilmente. O limite máximo Pergunta: Gostaria de retornar à per- gunta sobre o que faz efeito. Notei que você exige muito do paciente e o leva até um limite máximo. E percebi também que em um determinado ponto você pára, para que possa fazer efeito, desdobrar- se, para que a força possa agir. Você po- deria explicar mais precisamente por que o faz e como o faz? Bert Hellinger: Sim. Com um paciente ou cliente meu, eu percorro todo o cam- po de conseqüências provenientes do seu comportamento ou dos destinos em sua família. Não me limito a algo alegre ou fácil, olho também para o lado difícil, principalmente para o lado difícil. E ca- minho com ele até o limite onde ele e o seu sistema correm perigo. Acompanho- o até lá, com coragem e sem medo. No final isto significa, que eu também me deparo com a possibilidade dele morrer ou de algo trágico acontecer. Isto eu percorro com o paciente em todas as di- reções. Assim abranjo todo a verdade deste sistema. Uma vez percorrido este campo, sei onde estão os limites do que é possí- vel ou impossível dentro deste campo. Se o paciente conhece o limite existe a possibilidade de mudança para ele. So- mente assim percebe o que é possível, tanto no lado trágico como no lado bom, e isto lhe dá força. Com esta força, en- tão, procura-se a solução viável e me- lhor para todos. Às vezes a solução signi- fica aceitar, significa que diante do limite máximo é necessário, também, aceitar o fim e que não existe solução diferente ou mais fácil. Na maioria dos casos, po- rém, existe outra solução. Posso atingi-la muito mais facilmente após ter caminha- do com o cliente até o limite do que te- ria sido possível antes. Agora ele vê as suas possibilidades e os seus limites e pode achar o caminho apropriado com mais facilidade. 18 Ordem e amor Pergunta: Gostaria de fazer uma pergun- ta sobre o “amor”. Durante o seminário você também disse que quando perde- mos amor, o sistema entra em desordem e quando reconhecemos o amor e o re- cuperamos o sistema pode voltar a sua ordem. O que acontece neste contexto? Bert Hellinger: Antes de entrar mais detalhadamente nesta pergunta, gosta- ria de voltar mais uma vez ao assunto da ordem. O que nos denominamos de va- lores ou de sentido é algo que serve à ordem, ou seja, àquilo que serve a uni- dade e ao desenvolvimento. Por este motivo a ordem sempre está em primei- ro lugar. Todo o restante está a serviço desta ordem. Portanto não posso desejar modificar a ordem através de valores, dizendo: este é o valor máximo, logo a ordem deve adequar-se a ele. Não, é o contrário. O valor segue a ordem. Tam- bém o amor segue a ordem. Está a servi- ço da ordem. A maior expressão de amor é quan- do afirmo a um outro que ele faz parte, ou mais precisamente, quando reconhe- ço , que possuiu o mesmo direito de fa- zer parte de algo do que eu. Assim exijo dele que reconheça o fato de que eu tam- bém recorro ao mesmo direito de fazer parte do que ele. Através desta aprova- ção mútua resulta um sentimento pro- fundo de união. Este é, então, o amor que desvincula. Neste contexto existem outras for- mas de amor que atuam, por exemplo, o amor que vincula. O amor que resulta do vinculo, faz com que uma criança que ainda não compreende os contextos mais amplos, agarre-se a sua mãe ou ao seu pai e queira permanecer junto deles a qualquer preço, mesmo que já estejam mortos. Desta postura resulta a dinâmi- ca: “sigo você na morte”. Esta, porém, é uma dinâmica que prejudica o sistema porque assim, quando um vai, mais um vai, ao invés de ao menos este ficar. Se, no entanto, a criança for capaz de reco- nhecer, que o pai continua vivo dentro dela, mesmo que já tenha morrido, ou seja, que reconheça que mesmo assim está conectado a ela e ela a ele, então o pai é reconhecido em seu direito de fa- zer parte, mesmo estando morto. Logo a criança pode exigir do pai com amor que reconheça o direito dela de fazer parte e lhe pedir: Seja amável se eu ficar, ou algo parecido, dependo da frase em cada caso particular. Liberdade Pergunto mais uma vez sobre a efetividade do seu trabalho. Ultimamen- te tem se tornado muito conhecido, po- deria dizer também, que entrou para o centro de atenções da psicoterapia. Na medida em que isto acontece aumenta a necessidade de avaliação do que você faz. Em conversas com colegas da área sur- gem, repetidamente, dúvidas e questões sobre a efetividade do seu trabalho. Ouve- se comentários como: sim, é impressio- nante; é profundo; é de certa forma como uma ação psicoterápica imediata, porém, a sua efetividade é totalmente desconhe- cida. O que também está acontecendo com o seu trabalho neste momento é que está sendo incluído, em parte, em um outro grande sistema. A questão é, se este outro sistema lhe convém. Mesmo assim, após um ou dois anos, surge também em mim, a necessidadede conferir este tra- balho para saber como atua. Existe esta possibilidade ou seria uma petulância, ou será que na verdade não estamos a altura de fazê-lo? É parecido com a hipnoterapia onde modificamos ima- gens internas, ou tentamos modificá-las e depois deixamos que o processo se desenvolva no subconsciente, mas em certo ponto nos perguntamos: Faz efei- to? Ou não faz efeito? Bert Hellinger: Considero legítima a ne- cessidade de se querer saber qual o efei- to deste trabalho. Por outro lado, para avaliar este trabalho a pessoa tem que ter feito o trabalho. Quem faz o trabalho já recebe uma informação no decorrer do trabalho e assim pode avaliar depois o que ajuda e o que não ajuda. A infor- mação mais importante obtém-se no momento da constelação. Neste momen- to vemos imediatamente o que mudou, no sentimento, no olhar, no ambiente, na força de fazer algo. Como a pessoa de- pois utiliza a informação que recebeu, o terapeuta não pode determinar. Logo, a avaliação do trabalho após um tempo não é realmente confiável, uma vez que, to- dos os outros fatores que têm influência, não podem ser considerados. Se, por exemplo, a lealdade de uma criança di- ante dos seus pais manifesta-se mais uma vez e o paciente prefere morrer a acei- tar a solução, se poderia concluir que a terapia não tenha sido eficiente. Isto, porém, não é verdade. O paciente per- manece livre e pode tomar a decisão que quiser, independente da terapia. Humildade Pergunta: Qual o papel da humildade para você e de certas posturas corpo- rais que expressam a humildade? Como a descobriu? Porque é evidente que existem certas posturas que expressam humildade, também nas religiões como, por exem- plo, o ato de ajoelhar-se ou de inclinar- se profundamente. Bert Hellinger: Observei estas posturas em situações concretas, sem referência a alguma religião. Primeiro observei que uma ligeira inclinação da cabeça para frente, estimula um fluxo de energia que sobe pela coluna, ou seja, que a postura de olhar para cima bloqueia o fluxo energético. Se inclinamos a cabeça ligei- ramente para frente a energia flui e as- sim temos maior contato com a terra. Se alguém faz isto diante dos seus pais, e inclina-se profundamente, então faz valer a ordem antiga onde os pais são grandes e ele é pequeno. Na reve- rência mais profunda a pessoa inclina-se até o chão e a frase que acompanha a reverência é: “dou lhe a honra”. Uma in- clinação de tamanha profundidade geral- mente acontece diante de pai e mãe, talvez diante dos avós, raramente, po- rém, diante de outra pessoa. Ela significa humildade em sua extensão máxima. Um fato peculiar é que no instante em que alguém se expõe a tal reverência profunda é capaz de, logo em seguida, colocar-se na mesma altura dos pais, sem petulância alguma. As perguntas foram feitas por Wolfgang Lenk, Johannes Schmidt e Brigitte Zawieja. 19 O chapéu sobre o espantalho Um grupo de correligionários, que se jul- gavam no início da sua jornada, encon- trou-se para falar sobre os seus planos para um futuro melhor. Todos concordaram que o fariam de modo diferente. O comum e corriqueiro tanto quanto este ciclo contí- nuo parecia-lhes demasiadamente limita- do. Procuravam o único, o amplo e espe- ravam encontrar a si mesmos como nin- guém antes. Em pensamentos já se viam alcançando o objetivo, imaginavam como seria e decidiram agir. “Primeiro” disseram “temos que procurar o grande mestre; por- que é assim que tudo começa”. Depois iniciaram a sua jornada. O mestre vivia em um outro país e pertencia a um povo des- conhecido. Ouviam-se boatos estranhos sobre ele, ninguém, porém, nunca tinha certeza sobre aquilo que se falava. Do cor- riqueiro conseguiram escapar rapidamen- te, pois aqui tudo era diferente: os costu- mes, a paisagem, o idioma, os caminhos, o objetivo. Às vezes chegavam a um lugar do qual se dizia que o mestre estava lá. Mas quando queriam saber um pouco mais, ouviam que ele tinha acabado de partir novamente e que ninguém sabia em qual direção tinha ido. Depois, porém, num belo dia, o acharam. Trabalhava nas terras de um campo- nês. Assim ganhava seu sustento e tinha um lugar para dormir. Primeiro não queri- am acreditar que este homem seria o mes- tre pelo qual procuravam há tanto tempo. O camponês também se mostrava surpre- so pelo fato de acharem que esse homem que trabalhava no campo com ele fosse alguém tão especial. Ele, porém, disse “Sim eu sou um mestre. Se quiserem aprender algo de mim, fiquem aqui por mais uma semana. Então os ensinarei”. Os correligi- onários aceitaram trabalhar para o mesmo camponês e receberam comida, bebida e alojamento. No oitavo dia ao escurecer o mestre chamou-os, sentou-se sob uma ár- vore e contou-lhes uma história. “Há muito tempo atrás um jovem ra- paz refletiu sobre o que fazer de sua vida. Era de boa família, não sofria necessidades e sentia-se comprometido com algo maior e de mais valor. Assim deixou pai e mãe, seguiu os ascetas durante três anos e tam- bém os deixou. Depois encontrou Buda em pessoa e logo sabia que nem isto bastava”. Ambicionava subir mais alto. Queria che- gar lá onde o ar é rarefeito e a respiração difícil: onde ninguém antes dele havia ja- mais chegado. Quando alcançou este lu- gar o jovem rapaz se deteve. Era o final daquele caminho e ele viu que se tratava de um caminho equivocado. Logo queria tomar a outra direção. Desceu, chegou a uma cidade, conquis- tou a mais bela das concubinas, tornou-se sócio de um comerciante abastado e logo se transformou em um homem rico e prestigiado. Não havia, porém, descido até o ponto mais baixo do vale. Permanecia apenas na camada superior. Faltava-lhe a coragem para o desempenho máximo. Havia uma amante não havia, porém, uma mulher. Teve um filho, no entanto, não era pai. Havia aprendido a arte do amor e da vida, porém, não o amor e a vida propria- mente ditos. Aquilo que não aceitava ele desprezava até que não o interessava mais e assim o deixava de lado.“ Neste ponto o mestre fez um intervalo. Ele disse: “Talvez reconheçam a história e sa- bem, também, como terminou. Diz-se que o homem tornou-se humilde e sábio no final e voltou-se para o comum. Mas do que isto adianta se antes já se havia perdi- do tanto. Quem tem fé na vida não procu- ra conquistar o distante que almeja secretamente. Ele enfrenta primeiro o comum. Caso con- trário também o que é incomum para ele – se é que isto existe – é apenas como o chapéu sobre um espantalho.“ Todos per- maneceram em silêncio. Também o mes- tre que, depois, levantou-se sem dizer nada e partiu. Na manhã seguinte não era possível encontrá-lo. Ainda durante a noite havia ido embora sem dizer para onde. Agora os correligionários estavam por conta própria novamente. Alguns entre eles não queriam acreditar que o mestre os ha- via deixado e partiram em sua procura no- vamente. Outros já quase não sabiam mais distinguir entre seus medos e desejos e pro- curavam por qualquer caminho que fosse. Um, no entanto, caiu em si. Retornou mais uma vez até a árvore, sentou-se e direcionou o seu olhar para bem longe até que alcançou o silêncio interno. Buscou dentro de si tudo aquilo que o afligia e colocou-o diante de si como alguém que após uma longa caminhada tira a mochila das costas antes de descansar. Sentiu-se leve e livre. Ali estavam, diante dele: seus dese- jos, seus medos, seus objetivos e sua ver- dadeira necessidade. Sem olhar mais pre- cisamente e sem determinação específica, mais na posição de alguém que se entrega ao desconhecido, esperava que aconteces- se por si só – esperava que tudo se aco- modasse no lugar que lhe convinha no con- texto do todo, de acordo com a sua im- portância e o seu peso. Não demorou muito e o jovem percebeu que do lado de fora a quantidade de questões posicionadas di- ante dele diminuía. Como se algumas saís- sem de fininho como ladrões desmascara- dos em fuga. E ele realizou que tudo aqui- lo que identificava como seus próprios dese- jos, seus próprios medos e seus próprios objetivos nunca lhe havia pertencido. Vi- nham de um lugar totalmentediferente e apenas haviam se estabelecido ali. Agora, porém, o seu tempo havia terminado. Parecia entrar movimento naquilo que restava, ali, diante dele. O que realmente lhe pertencia retornou a ele e ocupou o lu- gar que lhe correspondia. No seu centro acumulou-se força e logo reconheceu o que era seu, reconheceu o seu objetivo adequa- do. Esperou mais um pouco até que teve certeza. Depois se levantou e partiu. História 20 A Serviço da Vida Uma revista a serviço do trabalho com as constelações sistêmicas segundo Bert Hellinger Com artigos da revista alemã “HellingerZeit Schrift”- revista trimestral alemã de autoria de Bert Hellinger e Marie-Sophie Hellinger. Reprodução autorizada. Direitos autorais para o português da Editora Atman. Tradução: Filipa Richter Revisão: Tsuyuko Jinno-Spelter Diagramação: Virtual Edit Coord. Editorial: Décio Fábio de Oliveira Júnior Revista 1 – edição alemã em 09/2006 A SerA SerA SerA SerA Serviço da Vidaviço da Vidaviço da Vidaviço da Vidaviço da Vida Uma revista a serviço do trabalhoUma revista a serviço do trabalhoUma revista a serviço do trabalhoUma revista a serviço do trabalhoUma revista a serviço do trabalho com as constelações sistêmicas segundocom as constelações sistêmicas segundocom as constelações sistêmicas segundocom as constelações sistêmicas segundocom as constelações sistêmicas segundo Bert HellingerBert HellingerBert HellingerBert HellingerBert Hellinger Fascículo 2Fascículo 2Fascículo 2Fascículo 2Fascículo 2 • Prefácio • O que faz feliz • Homem e mulher • Círculo de Amigos • Ajudar às crianças Sumário A primavera está de volta. A terra é uma criança plena de poesias; tantas... Pelo esforço que encerra o longo estudo, um prêmio lhe cabia. Assim Rilke dá as boas vin- das à terra - que se desperta após um longo inverno - em seus Sonetos a Orfeu. A nossa alma também segue as estações, permanece, porém, igual em suas profundezas e em sua essência. Suporta o inver- no, alegra-se na primavera, transpira no verão e colhe no outono. Não apenas a própria alma, mas também, a alma das pesso- as com quem estamos intima- mente ligadas. Às vezes, no en- tanto, elas já podem estar no verão enquanto nós ainda per- manecemos no inverno. Ou en- tão celebram a primavera en- quanto nós já estamos na co- lheita. E vice versa. Mas todas as estações co- nhecem umas às outras. Perten- cem ao mesmo círculo, ao mes- mo movimento em torno de um centro comum. Complementam-se em nossos re- lacionamentos. Acrescentam ao peso a esperança, ao calor o si- lêncio, à colheita a gratidão e à alegria a celebração pelo tempo que durar. Desse modo, os artigos e as histórias dessa revista levam- nos pelo ciclo anual da alma e das nossas relações. Permanecem relacionados uns aos outros e também a uma essência. Estimu- lam e criam espaço. A base de todos, porém, continua sendo a alegria. Mesmo que o mundo mude velozmente, como nuvens num mosaico, tudo o que é perfeito tende de volta ao arcaico. Sobre a mudança e o andar, ampla e livre, inda perdura tua voz que vibra no ar, ó Deus da lira pura! Nem a dor aqui se encerra, nem do amor sabemos a sorte; nem o temor do exílio da morte, nada disso está desvendado. Somente o canto na terra será santo e celebrado. Assim canta Rilke em um de seus Sonetos a Orfeu. Assim canta também a terra no poema sobre a primavera. Minha mulher Ma- ria Sophie e eu e todos os nos- sos colaboradores desejamos- lhes muita alegria com esta re- vista. Bert Hellinger Desejo-lhes as boas vindas 4 Extratos do seminário “Auxílio de vida” Germering, 09.07.2005 Esta é a questão. Quem é mais feliz? Quando fomos mais felizes? Mais feliz, é uma criança no seio da mãe. Existe felicidade maior do que esta ligação íntima? Isto também é valido para nós, hoje em dia. A nossa maior felicidade é a ligação com a nossa mãe e depois com o nosso pai. No decorrer da vida, talvez, algo tenha interferido que nos distanciou da nossa mãe. Então ficamos vazios. Sem mãe somos pessoas vazias. Então algo está faltando. O sentimento de base Há muitos anos atrás estive em Chicago a convite de um casal de terapeutas na função de terapeuta visitante. Eram pes- soas maravilhosas. Seu sobrenome era Haimowitz. Uma vez o homem disse em um grupo que toda pessoa possuía um sentimento de base. Que retorna sem- pre para este sentimento de base, pois este é o lugar onde sente o menor stress. Cada um de nós pode perceber imedia- tamente como está o seu próprio senti- mento de base. Imaginamos, por exem- plo, um escala de menos 100 a mais 100. O homem disse que nunca podemos mudar o sentimento de base e que sem- pre retornamos ao nosso sentimento de base. Agora confiram em vocês mesmos: Onde se situam nesta escala de menos 100 a mais 100? Se é na parte abaixo de zero, e onde lá, ou se estão na parte su- perior a zero, e onde lá. Isto cada um de nós sabe imediatamente. Quando olho para uma pessoa também o sei imediatamen- te. Reconhecemos imediatamente onde O que faz feliz O que deixa as pessoas felizes? uma pessoa situa-se nessa escala. Este homem, então, afirmou que não era possível mudar o sentimento de base. Uma das minhas descobertas decisivas, porém, foi que era possível mudá-lo sim. O modifiquei em mim mesmo e foi as- sim que percebi que era possível. Uma vez participei de um curso. O terapeuta trabalhou comigo pessoalmen- te. Até hoje sou agradecido a ele. Cha- mava-se Lês Kadis. Com a sua ajuda, de repente vi o que minha mãe havia feito por mim. Fiquei muito abalado ao ver, de repente, tudo que a minha mãe havia feito por mim. Era presente sempre. E foi uma mulher corajosa. No contexto do Nacional-Socialismo ninguém conse- guia seduzi-la para nada. Quando me foi negado o meu certificado de conclusão escolar sobre o pretexto de que eu era um sujeito anti-social ela foi até o colé- gio e lutou por mim como uma leoa. Então recebi o certificado. Nesta época já estava no exército há um ano. Bem, de repente percebi este fato e percebi em mim como o meu sentimen- to de base elevou-se por 75 pontos. 75 pontos, podem imaginá-lo? Ou seja, a li- gação com a mãe traz felicidade. É, en- tão, um dos fatores que deixam as pes- soas felizes. 5 A felicidade no relacionamento entre casais Onde a maioria sonha encontrar a felicidade? No relacionamento a dois, evidentemente. Neste contexto fiz mais uma descoberta decisiva. Devo contá-la a vocês? Quando am- bos os parceiros estão em conexão com as suas respectivas mães, então se tornam felizes. Algumas pessoas são solitárias. Algumas mulheres são solitárias, al- guns homens são solitários. Resumi a minha descoberta em uma frase: “Sem mãe não há parceiro”. Algumas pessoas dizem: “Finalmente quero ter um homem”. Não funciona assim. Primeiro temos que ter a mãe para depois acharmos um homem. Sem mãe não há homem. Evidentemente isto também se aplica ao homem: Sem mãe não há mulher. Mas aqui tenho as minhas dúvidas que algumas mu- lheres querem ocupar o lugar da mãe e assim fazer o homem feliz. Nós sa- bemos qual o resultado disso. Este então é o primeiro caminho para a felicidade; permanecer em con- tato com as raízes e de lá expandir-se e ser feliz. Obstáculos na busca da felicidade Evidentemente há muitos fatores que contrariam a felicidade e que es- tão relacionados à nossa história fa- miliar, aos acontecimentos na famí- lia. A constelação familiar e a manei- ra como ofereço este trabalho, mos- tram como possivelmente podemos superar tais obstáculos do amor e da felicidade. Muitas pessoas que são felizes têm a necessidade de afirmar o contrá- rio. Por quê? Porque acham que as- sim protegem a felicidade. Muitos têm a fantasia de que devem pagar pela felicidade. É evidente que quan- to mais pagamos pela felicidade, menos temos. Isto é também uma idéia religiosa. Exemplo Eu sou feliz Mulher: Três irmãos do meu pai fale- ceram quando crianças. O pai do meu pai faleceu cedo e o meu pai também. Morreu de câncer com 49 anos. Hellinger: Quando acontece algo as- sim em uma família, então, o amor perante a família freqüentementecobra que compartilhemos tal destino. Para mulher: Feche os olhos. Agora imagine to- dos esses mortos. Pri- meiro o seu pai e o pai do seu pai e os irmãos mortos do seu pai. Diga a eles: “Vejo vocês. Carrego-os no meu coração. Eu amo vocês.” Depois olhe para além deles, para bem longe, para o destino deles. Enquanto você dirige o olhar para além deles, para o destino deles, eles também se voltam para o seu destino – com amor. E também o desti- no olha para eles com amor. Depois dão as costas a você e viram-se apenas para o destino deles. Junto com o des- tino lhe dão as costas novamente e voltam-se para algo por detrás do des- tino, algo grande de onde tudo vem e para onde tudo retorna. Lá está guar- dado. Se agora você falasse a um deles: ”Em breve irei ao encontro de vocês por- que os amo”, eles a ouvem? Depois você olha para o seu próprio destino junto com os seus filhos. E você diz a este destino: “Sim”. O seu destino também lhe dá as costas e volta o seu olhar para outro lugar, para algo maior. Agora você se volta para os seus fi- lhos e diz a eles: “Podem confiar em mim. Eu fico.” E para o seu marido você diz o mesmo. Ele ficará feliz se dizer isto a ele. Olhe em seus olhos e diga: “Eu sou feliz.” Para o grupo: Agora o marido e os filhos estão bem. Para a mulher: E como você está? Mais livre, mais solta. 6 Felicidade através da benevolência para todos O que faz com que as pessoas sejam felizes? O que me faz feliz? Como me torno feliz? Voltando-me para todas as pessoas de maneira similar. Voltar-me para elas não significa amar todas elas emocionalmente. Significa que me volto para elas com respeito e amor espiritual. Que me volto para elas ao andar com um movimento criativo que atua por detrás de tudo e que dirige-se a tudo da mesma forma. Não é possível imaginá-lo de modo diferente. Quando deixo de voltar-me para alguém perco a minha felicidade. Como uma pessoa exclui uma outra? Sentindo-se melhor. Quando se sente melhor. Todos que se sentem melhor excluem alguém. Todos que avaliam alguém de forma negativa ou julgam-no, excluem-no. Essa superioridade resulta da moral. Se refle- tirmos um pouco, notamos que esta su- perioridade estende-se a tal ponto que os outros – supostamente superiores em função da moral – digam: “Este pode vi- ver e este não”. Não é incrível, tal petu- lância, por detrás da moral? Felizes, po- rém, estas pessoas moralistas não são. Seguramente não. A felicidade resulta do ato de voltar-se para todos. Este ato de voltar-se para to- dos é uma realização e uma tarefa para a vida inteira. É a realização essencial da nossa vida. Em princípio não é diferente da benevolência para todos. Quero bem a todos os seres humanos. Sintam o que se passa no interior de vocês ao exerci- tarem esta postura. Existe, talvez, uma ou outra pessoa com a qual estejam abor- recidos. Agora vocês a olham e dizem: “Lhe quero bem em todos os sentidos.” Vejo através de algumas expressões que já estão mais felizes. A benevolên- cia traz felicidade. Querer mal a alguém, ao contrário, traz a infelicidade. Não ape- nas a do outro e sim a nossa própria. É possível verificar a benevolência dentro de nós e renová-la. Freqüentemente confiro a minha pró- pria benevolência. Percebi que quando fico inquieto ou ansioso não permaneço conectado com a minha alma e o meu coração. Isto vocês também percebem imediatamente. Então, à noite, sento-me – se não tiver tempo à noite o faço na manhã seguinte o mais tardar – e me per- gunto: “A quem neguei a minha benevo- lência?” De repente estas pessoas apare- cem diante de mim, no meu interior. Tor- no a voltar-me para elas com benevolên- cia. Com benevolência, simplesmente, sem julgamento e com benevolência. Então fico calmo novamente. Esta é uma outra maneira de ser feliz, simplesmente, através da benevolência. O instante Quero, agora, falar mais um pouco sobre a felicidade. Qual o segredo da felicida- de? Onde se realiza a felicidade? No ins- tante. Toda a felicidade reside no instan- te. O que contraria a felicidade? O des- vio do instante. O olhar para trás ou o olhar para a frente. Então, esquece-se o instante. Com o instante esquecemos tam- bém, a felicidade do instante. Permane- cer no instante é uma tarefa difícil que, podemos treinar. Fechem os olhos. Toda a vida acontece no instante. Apenas no instante. Manifes- ta-se no instante com toda a sua força. No instante – agora – a vida é repleta. Então abrimos o coração para este mo- mento, alegramo-nos com este momen- to, agradecemos por este momento. No instante não há lamento, também não há medo. Todo medo concentra-se no futuro, todo lamento reside no passa- do. No instante vivemos sem lamento e sem medo. Porque as crianças freqüentemente são tão felizes? Por que permanecem, apenas, no instante. Quero fazer mais um comentário so- bre o instante. Viver de instante para ins- tante, significa também, morrer de ins- tante para instante. Deixamos o antigo para trás. Isto é a despedida. O exercício de viver no instante significa que domi- no a arte de esquecer tudo. Ainda não o aprendi, às vezes, porém, imagino o que significa esquecer tudo. Don Juan nos livros de Carlos Castaneda aconselha-nos de esquecer a sua história, esquecê-la totalmente. Se conseguirmos fazê-lo, isto significaria fe- licidade. 7 Trabalho Homem: Trata-se do assunto tra- balho. Hellinger:O problema “trabalho” pode ser resolvido facilmente. Hellinger posiciona primeiramente o homem e depois uma representante para o trabalho de frente para ele. A representante para o trabalho da um passo para trás e vira-se. Hellinger: Não me admira você não ter trabalho. Ele não gosta de você. O trabalho não gosta de você. Está aborrecido com você porque você não o respeita. O trabalho foge de você. Isto, porém não é culpa do trabalho. Mas, quem era o trabalho? Homem: Era algo que está muito distante de mim. Não era um mo- vimento de aproximação. Hellinger: Quem era isto aqui, o tra- balho? Era a sua mãe. Sem mãe não há trabalho. O que você fez a ela? Homem: No momento sinto que está de costas pra mim. Hellinger:Minha pergunta foi bem concreta. Homem: Eu fui embora. Hellinger: O que isso quer dizer? Homem: Tenho pouco contato com ela. Virei-lhe as costas. Hellinger: O que você fez a ela? Homem: Dei lhe as costas. Hellinger para o grupo: Acho que vai permanecer desempregado. Não há nada que se possa fazer. Sem mãe não há trabalho. Quem dá as costas para mãe dá as costas para o trabalho – e o trabalho lhe dá as costas também. Tomar os pais inteiramente Hellinger para o grupo: Gostaria de dizer mais uma coisa neste contexto. Às vezes olhamos para a nossa mãe e o nosso pai e pensamos: algo não estava certo. Eles não eram perfeitos. Temos umas exigências bastante peculia- res em relação aos nossos pais, como se tivessem que ser iguais a deus. Não exatamente iguais, um pouco melhor ainda, evidentemente. É assustador o que causamos aos nossos pais com tamanhas expec- tativas. E depois ainda nos sentimos no direito de tomar satisfação deles já que não foram iguais a deus. Porque foram comuns, com erros; quase os mesmos erros que nós temos e assim nós crescemos e nos tornamos capazes de enfrentar a vida. Apenas por- que os pais eram comuns e cometiam erros nós nos tornamos capazes de enfrentar a vida. Eu fiz uma experiência peculiar. Eu, comigo mesmo. Contei-lhes anteriormente como o meu sentimento de base cres- ceu. Acolhi a minha mãe no meu coração, por intei- ro. O estranho era: Tudo aquilo do que eu achava que pudesse reclamar e que eu achava que poderia ter sido melhor, permaneceu do lado de fora. Muito estranho. Quando tomamos o nosso pai e a nossa mãe para dentro do nosso coração, assim como eles são, eles permanecem inteiramente no nosso cora- ção e sem aquilo que criticávamos. É uma experiên- cia bonita. E também ajuda quando a conto assim. Para o homem: Você fez algo a ela que a machucou. Feche os olhos. O homem coloca as mãos em frente do rosto e começa a soluçar. Hellinger após um tempo: A sua mãe ainda é viva? Homem: Sim. O meupai já faleceu. Hellinger: Então você ainda tem uma chance. Agora você entrou em contato com ela. Bom, muito bom. Vou lhe fazer algumas sugestões concretas. Você escreve uma carta para ela. Depois percorre a sua in- fância desde o seu nascimento e olha para tudo que a sua mãe fez por você, o tempo todo. Isto você escreve para ela e que você vai guardar tudo no seu coração. Tudo que ela lhe deu você guarda no seu coração. O homem faz um movimento afirmativo com a cabeça. Hellinger: Exatamente. Depois, no final você escreve mais uma coisa: Sempre que você precisar de mim, pode contar comigo. O homem está muito emocionado. Hellinger: Agora, em breve você encontrará trabalho. Os dois começam a rir alto. Hellinger para o grupo: ele ficou feliz. Muito bom. As mães nos fa- zem felizes, sem dúvida. Para o homem: está bom, vamos deixar aqui. 8 A reconciliação Esta reflexão precedeu a constelação familiar de um homem cujo avô acompanhou um transporte de detidos de um campo de concentração no final da guerra e morreu neste trem durante um atentado a bomba. Agressores só encontram a paz ao lado das vítimas. Podem apenas aproximar- se das vítimas se estas lhes dão um lugar. Aqui pudemos observar como isto foi difícil para as vítimas. Uma das vítimas permitiu o contato com agressor. Após esse contato os dois ficaram em paz. A representante desta vítima olhou para as outras vítimas que ainda não estavam em paz, convidando-as a fazerem o mesmo. Elas não podiam dar um lugar ao agressor. A quem isto prejudica? Prejudica as vítimas quando se negam a fazer este movimento. Então posicionei um representante para a Alemanha. Existe mais um aspec- to que obstrui o caminho de reconcilia- ção entre vítima e agressor: a Alemanha ou mais especificamente, os alemães. Neste contexto gostaria de fazer um pe- queno exercício com vocês. Fechem os olhos e imaginem que ine- vitavelmente fazem parte da Alema- nha, que pertencem a este campo es- piritual. Todos fazem parte desse cam- po espiritual, os agressores, as víti- mas, todos os entusiasmados,N R to- dos fazem parte deste campo da mes- ma maneira. Expomos-nos a eles, a todos eles, aos entusiasmados, tam- bém àqueles que falaram que não sabiam de nada ou àqueles que se distanciam como se não pertencessem a este campo. E nos expomos aos agressores e a todos os soldados e vítimas em todos os lados. Expomos- nos amplamente, por inteiro e total- mente abertos. E compartilhamos com eles também o sentimento. Dizemos a eles: “Eu reconheço, sou como vocês, sou igual. Presto-lhes uma re- verência em minha alma, a todos vocês, com humildade e amor. No meu coração unem-se o sofrimento e a culpa, tudo, da maneira como foi.” Depois olhamos para além deles em direção a algo maior que está além de tudo e a que todos pertencem da mes- ma forma e estavam igualmente entre- gues – onde todos são igualmente aco- lhidos. Diante deste poder paramos, sem movimento, com devoção e sem perguntas, ficamos ali, simplesmente. A partir do momento em que alguém do presente deixa em paz os que per- tencem ao passado, quando não ad- quire mais nada dessas pessoas e elas, por sua vez, podem seguir seu próprio caminho, então encontram a paz. Portanto é grave quando algu- mas pessoas acham que ainda preci- sam fazer algo para os mortos. Vin- gar-se, por exemplo, ou assumir algum problema no seu lugar ou compensar alguma coisa. Então, envolvem-se em algo que não lhes diz respeito. Este é um dos motivos que levam à infelici- dade e ao desastre. Talvez deva expli- car um pouco mais precisamente o que atua por detrás disto. Um dos meus reconhecimentos mais decisivos foi a respeito do funciona- mento da consciência. Trouxe-a, por assim dizer, do céu para a terra. Per- cebi, de repente, que a consciência é um instinto, e não algo espiritual. Um cachorro também possui uma consci- ência. Perceberam que um cachorro de vez em quando também tem uma consciência pesada? Ou seja, a cons- ciência é algo instintivo. Encontramo- la somente em grupos ou rebanhos. Se um membro do rebanho fez algo que o pudesse excluir do rebanho, fica com a consciência pesada. Logo muda o seu comportamento para fa- zer parte novamente. Transferindo isto para o ser hu- mano funciona assim: a nossa cons- ciência nos vincula ao grupo impor- tante para a nossa sobrevivência. Vin- cula-nos especialmente a este grupo, mas também, a todos os outros gru- pos com os quais queremos manter uma ligação. A consciência é um órgão instin- tivo de percepção. Podemos compa- rar a consciência ao sentido respon- sável pelo equilíbrio. O sentido res- ponsável pelo equilíbrio também é um órgão instintivo de percepção. Atra- vés dele sabemos imediatamente se estamos em equilíbrio ou não. De forma parecida podemos perceber através da nossa consciência se ain- da podemos fazer parte ou não. As- sim que fizermos algo que possivel- mente nos exclua temos a consciên- cia pesada. Logo mudamos o nosso comportamento para podermos fazer parte novamente. Quando podemos fazer parte nos sentimos felizes e ino- centes. Este é, em principio, o anseio mais profundo de todo ser humano: fazer parte. Não existe, portanto, mal maior do que ser excluído. Como punimos os criminosos? Através da exclusão evidentemente. Nós os mandamos para a prisão ou os matamos. A exclusão é o pior que existe. O maior bem é fazer parte. Sabemos então, através da consciên- cia o que é bom para nós e o grupo e o que é ruim para nós e o grupo. Eu reconheço que sou igual a você NR com o nazismo 9 Uma outra percepção decisiva que fiz é que existem duas consciências, uma em primeiro plano e uma outra em segunda plano, escondida. Na nossa cultura não percebemos a existência desta outra consciência. É uma consciência arcaica. É a consciência mais antiga, precede a consciência moral que sentimos. Esta consciência é uma consciência de gru- po. Empenha-se para que determinadas regras dentro do grupo sejam respeita- das. A primeira regra é: esta consciência não permite a exclusão. Com a consci- ência moral excluímos os outros na me- dida em que nos sentimos melhores do que eles. Nesta outra consciência isto não existe. Todos aqueles que fazem parte têm o mesmo direito de pertencer. Esta é uma lei fundamental desta consciência. Imaginem agora os bandos, as pes- soas que viviam em bandos. Alguém podia excluí-las? Isso era imaginável? A consciência os manteve unidos. Ninguém podia ser excluído. Seria a pior coisa para o bando. Nem cogitavam tal hipótese. Todos faziam parte. E o que se fazia com A felicidade cega Quero explicá-lo mais detalhadamente. Uma criança faz tudo para poder fazer parte. O fato de fazer parte lhe é mais importante que a própria felicidade e a própria vida. Muitas pessoas sacrificam a própria vida para fazerem parte, por exemplo, soldados e outras pessoas que lutam por alguém. Nós dizemos que são capazes de sacrificar a sua vida para a comunidade. Trata-se, porém, do desejo de fazer parte. Em que circunstâncias uma pessoa é especialmente honrada? Se ti- ver arriscado a sua vida para fazer algo em favor do grupo ao qual pertence. Para fazer parte, às vezes, uma pes- soa diz determinadas frases interiormen- te: Por exemplo, diz a sua mãe falecida ou ao seu pai falecido ou ao seu irmão falecido: “sigo-lhe”. Por detrás desta afir- mação atua um amor profundo. É um amor, porém, que leva para a morte. Ou quando uma criança percebe que sua mãe ou o seu pai deseja morrer, então diz in- ternamente: “Eu vou no seu lugar” E de- pois talvez morra ou fique doente. Po- demos observá-lo, por exemplo, no caso da anorexia. A pessoa anoréxica diz em seu coração: “Prefiro que eu vá no seu lugar,querido papai.” Normalmente é isto que diz. Na maioria das vezes o faz para o pai. Isto é amor e esse amor origina-se na consciência. Se estas crianças ou estes adultos depois morrem, todos eles têm a consci- ência tranqüila. Sentem-se inocentes e ainda ficam felizes. Meu deus, que felici- dade! E que tragédia para a pessoa a que dizem: ”Melhor eu do que você!” Como A felicidade é mais do que um sentimentode inocência os assassinos? Se tivessem sido cristãos teriam matado-os ou mandado-os para o deserto. Ainda existem, porém, grupos pri- mitivos. Através deles revela-se do que esta consciência original é capaz. Ano passado conversei com um cacique indí- gena no Canadá. Falou-me que em sua língua não existe palavra para “justiça”. Não possuem uma consciência como nós a conhecemos. Com esta consciência estariam imediatamente gritando por jus- tiça. Encontram-se em sintonia com a consciência original. Perguntei ao cacique: ” O que fazem então com um assassi- no?” Ele respondeu:” Este é adotado pela família da vítima. “ Portanto aqui não existe exclusão. Nesta cultura não existe exclusão. Vivem em sintonia com a cons- ciência arcaica. Esta consciência também atua em nós, porém, de forma que não a perce- bemos. Como atua? Quando excluo al- guém do meu coração fico como esta pessoa. Igual. E mais, posteriormente al- guém do grupo terá que representar o excluído através de identificação, sem saber. Este é o emaranhado. Resulta da consciência arcaica. Esta consciência arcaica segue um segundo princípio que diz: Todos aque- les que chegaram depois, chegaram de- pois em todos os sentidos. Isto significa que todos aqueles que vieram antes tem prioridade sobre os que vieram depois. Por este motivo ninguém que chegou posteriormente pode assumir algo para uma pessoa que já estava lá antes. Toda se sente o pai se a filha lhe diz interna- mente: ”Morro no seu lugar”? Torna-se feliz com tal afirmação? Esta agora é a dinâmica que vem da consciência que por um lado faz com que nos sintamos felizes e inocentes e pelo outro é contra a vida. Ela, porém, não está em sintonia com a vida. A felicidade verdadeira esta em sintonia com a vida. 10 violação desta regra é punida com um desastre. A violação desta regra leva ao desastre. Quando alguém diz: “Sigo-lhe” está violando a regra. Quando alguém diz: ”Assumo esta responsabilidade em seu lugar” está violando a regra. Mas viola a regra de consciência tranqüila. O pecu- liar é que as duas consciências se con- trariam. Como atingimos a felicidade? Dando preferência à consciência arcaica. Isto sig- nifica a renúncia da inocência diante da consciência moral. A consciência arcaica exige mais. Logo estamos conectados a muito mais pessoas. Tragédias, todas as tragédias e todas as tragédias familiares resultam do fato de uma pessoa que nasceu depois assu- mir de consciência tranqüila uma respon- sabilidade de uma pessoa que nasceu antes. Por exemplo, vingando-a ou atra- vés do desejo de assumir algo no lugar de um antecessor. Todas as tragédias ter- minam com a derrota do herói mesmo que este tenha agido de consciência tran- qüila e por amor. Logo, a felicidade é mais que o sen- timento de inocência. Muito mais. E é uma realização. Uma realização da alma através do reconhecimento. A grande felicidade É evidente que os moralistas ficam enraivecidos quando relato estas minhas conclusões e falo sobre as suas conseqüências diretas. Isto re- vela mais um aspecto da outra cons- ciência. Esta consciência que nos liga ao nosso grupo também nos separa dos outros grupos. Ainda mais: cria hostilidade entre nós e os outros gru- pos. Todas estas hostilidades origi- nam-se da consciência tranqüila. O desejo de destruição que se mani- festa em alguns de vocês é suporta- do pela consciência tranqüila. Feli- zes, porém, vocês não são. Mas tal- vez reconheçamos melhor o que sig- nifica a grande felicidade. A plenitude Quando um homem e uma mu- lher encontram-se pela primeira vez, sentem-se atraídos um pelo outro, freqüentemente de modo irresistível. En- xergam-se como indivíduos, eu e você. Por detrás do homem, porém, estão tam- bém sua mãe e seu pai, seus avôs e seus irmãos e tudo que aconteceu nesta famí- lia. Um sistema completo. Tenho a ima- gem de que o sistema inteiro que se si- tua por detrás do homem espera pela mulher. Não apenas o homem. O mes- mo aplica-se à mulher. Quando ele vê a mulher precisa saber que por detrás dela estão o seu pai, a sua mãe, seus avôs e seus irmãos, um sistema inteiro. Este sis- tema aguarda o homem. Ambos os siste- mas esperam talvez poder finalizar algo que permaneceu sem solução no passa- do. Neste contexto o sistema do homem não olha apenas para a mulher. Olha tam- bém para o seu sistema. Os dois sistemas ingressam em uma comunhão de desti- nos e talvez queiram solucionar algo es- Separação com amor Um casal pode permanecer unido, se os parceiros admitem mutuamente o próprio caminho e quando os seus cami- nhos não são muito distintos. Quando as direções divergem de tal modo que a comunhão no futuro é ques- tionada, a separação pode tornar-se ne- cessária em favor da lealdade consigo mesmo e com o próprio destino. E nin- guém precisa sentir-se culpado. Neste caso leva-se aquilo que se tomou de bom do parceiro para o próprio futuro e per- mite ao parceiro que ele leve para o seu futuro o que recebeu de bom de nós. E se rende à dor que toda separação de um parceiro importante traz. Confiar na percepção Da maneira que você escreve, uma ins- tância importante no seu interior parece perceber que o relacionamento não tem pecial dentro desta comunhão, finalmen- te solucioná-lo. Portanto não existe relacionamento a dois como muitas vezes o imaginamos. O relacionamento a dois é um sonho. Estamos todos inseridos em um campo, em uma família maior. Se alguém foi ex- cluído na família da mulher ou na família do homem, como por exemplo, antigos parceiros ou uma criança abortada ou dada ou uma criança portadora de defici- ência ou então alguém da família de quem se sentia vergonha, então o mem- bro familiar excluído está presente na re- lação nova e na família nova. Por este motivo, os dois, homem e mulher, preci- sam incluir o membro excluído na famí- lia nova. Somente assim os dois estarão livres para o seu relacionamento. Respostas por carta Tema: Relacionamento de casal em crise futuro enquanto uma outra instância ten- ta convencer a primeira instância de que sua percepção é equivocada. Isto é tudo que ouso dizer. Dar e receber Existem diferentes possibilidades para solucionar o problema sobre o qual fa- lou. Uma seria você assumir o seu mari- do como sendo o homem da sua vida e deixar outros relacionamentos para trás. Por exemplo, a relação com os pais. Uma outra possibilidade seria você não ape- nas perguntar-se o que deseja para você, mas também o que quer dar a ele. Te- mos que levar em consideração, porém, que a gravidez é um período excepcio- nal onde a mulher e suas necessidades estão em primeiro plano de maneira que vocês precisam reorientar-se apenas após a gravidez. 11 Vibrando juntos Às vezes podemos ajudar a alguém com uma única frase. Como podemos fazê- lo? Vou explicá-lo agora e vocês podem sentir quais são os caminhos de ajuda neste contexto. Utilizarei uma imagem. Imaginem que trabalhe com um casal. Aqui está o homem e ali está a mulher. Ambos vibram em uma tonalidade pró- pria. A sua tonalidade. Todos temos a nossa própria tonalidade. Embora soem diferente vibram juntos. Isto é uma rela- ção em sintonia. Neste contexto, porém, ocorre algo a mais na alma. Se permane- cerem apenas nesta tonalidade não é suficiente. Ambos expandem-se ao mes- mo tempo para os tons mais agudos de sua tonalidade. Quanto mais se expan- dem, mais se assemelham. Este seria então um plano espiritual onde podem vibrar juntos. Vocês conseguiram acom- panhar? Quando tiverem filhos podem proceder do mesmo modo. Toda criança tem uma tonalidade própria. Vocês vibram com suas tonalidades e com os tons mais agu- dos de suas tonalidades. De repente vi- bram juntos nos tons agudos. Tem outro fator, porém, a ser considera- do. Existem também tons mais graves que estão direcionados para o fundo. Isto não pode ser conferido matematicamente. É apenas uma imagem. A alma, porém, o sente. Também na profundeza é possí- vel vibrar junto. Porque contei isto? Em primeiro lugar porque nos faz felizes quando podemos sentir essa imagem e vibrarmos junto. Mas quandoalguém me procura pedindo aju- da também me sintonizo com a sua to- nalidade para vibrar com ele. Não me sin- tonizo, porém, com exatamente o mes- mo tom e sim com os tons mais agudos onde de repente vibramos juntos. Então entra um componente espiritual. Atra- vés dessa vibração às vezes percebo imediatamente o que importa na resolu- ção do problema. Freqüentemente é apenas uma frase, às vezes até apenas uma palavra. É tudo o que é necessário. Esta forma de ajuda e de auxílio de vida é a maior intensificação deste trabalho. É repleta de dedicação e respeito sem que se desenvolva uma relação. Cada um permanece no seu campo individualmen- te e mesmo assim durante pouco tempo os dois vibraram juntos. Depois posso me recolher. Isto pode apenas ocorrer atra- vés da benevolência. Então funciona. O passado brilha Hellinger para o grupo: Do meu lado estão sentadas duas irmãs. Uma me fa- lou que o avô morreu porque foi intoxi- cado com gás. Estava internado em uma clínica neurológica e aparentemente morreu no programa de eutanásia. Para as irmãs: Fechem os olhos. Ima- ginem o seu avô. Quando me sintonizo com este contexto imagino que existe uma força que o envolve com muito amor, com um amor especial e que seu rosto brilha. Quando também a expressão no rosto das irmãs muda: Exatamente. Agora preciso continuar mais um pouco. Do seu lado estão os seus assassinos. Todos que participaram, também envol- tos pelo mesmo amor. E os seus rostos também brilham. Para uma das irmãs que luta com seus sentimentos: E quando o seu rosto brilha? Após um tempo: Finalmente ponha de lado esta clava em que está escrito “avô”. Novamente após um tempo: Depois você vira as costas para todo o passado e fica pequena. Para o grupo: Através deste passado ele- vou-se e ergueu-se. Para esta irmã: Você não precisa disto. A felicidade permanece do lado dos pe- quenos. Quando também o seu rosto começa a brilhar: Acho que posso deixar isso aqui. Está bem? As irmãs fazem um movimento afirma- tivo com a cabeça. Como o avô vai ficar feliz! Tudo de bom para vocês. Para o grupo: O que fiz agora? Entrei em sintonia com a tonalidade do avô. Como deve sentir-se quando elas se com- portam dessa forma? Pobre avô. Um fato torna-se explícito neste exemplo. Enquan- to olhamos apenas para estas relações: eu e você e para a nossa família não ob- temos o essencial. Temos que olhar para além disso, para algo maior para que por detrás de tudo o essencial possa atuar. E lá ninguém está mal. E ninguém está melhor ou pior que o outro. Como é possível? Neste campo as nossas distin- ções morais de culpa e inocência não têm importância. Por quê? Tudo que ocorre, o bom e o mal originam-se no mesmo movimento. De onde mais poderiam vir? É inimaginável. Neste movimento tudo é correto e importante exatamente como foi. Ninguém era melhor ou pior. Nenhum destino foi mais fácil ou mais difícil. To- dos iguais. Esta é uma postura religiosa. Não é uma crença. É apenas uma postu- ra repleta de respeito diante de algo in- compreensível. Apenas ali obtemos a força de finalizar algo dessa maneira e servir à vida que ainda resta. 12 A criança ferida Hellinger para o grupo: Hoje de ma- nhã falei algo sobre o sentimento de base. Para um homem que está sentado do seu lado: Onde se situa o seu senti- mento de base? Em menos 50. Você é capaz de sentir como é no momento? Isto não são julgamentos. É apenas um indício. Faltam muitos em sua alma que não acharam lugar ali. Fe- che os olhos. O rosto do homem transforma-se no rosto de uma criança pequena deses- perada. Para este homem: Permaneça como você está. Para o grupo: Quando olhamos para o seu rosto vemos o rosto de uma criança que deve ter em torno de 4 anos. Nesta idade aconteceu algo trá- gico com a criança. A criança estava completamente desesperada. Para o homem: Permaneça exatamen- te assim. Para o grupo: Farei um exercício com ele e vocês podem participar do exer- cício. Contarei uma história. Alguém pensa: que bom, finalmente o fim de semana chegou e está fazen- do um dia bonito. Hoje me farei um presente. Algo bonito. Sai de casa e sente o ar fresco. O sol brilha e ela vai para fora. Passeia por campos verdes saturados, atravessa uma pon- te, continua andando e chega a uma floresta. Entra no escuro da floresta, abre um caminho pela mata densa e alcança uma clareira. Deita-se na gra- ma, olha para o céu, vê as árvores no balanço do vento, ouve os pássaros cantando e o murmurar de um riacho por perto. Depois fecha os olhos e adormece. Ele sonha. No sonho volta a sua infância, vê-se como criança peque- na, vê tudo que aconteceu com esta criança e tem compaixão com ela. Assim dorme e sonha durante muito tempo. Depois acorda, esfrega os olhos, senta-se olha para frente e vê uma criança pequena a alguma dis- tância dele. Quando chega mais perto vê que é ele mesmo quando era pequeno. Esta criança tem medo dele. Não tem coragem de aproximar-se mais. Ele es- pera com cuidado e sem se mexer para que a criança tome confiança. Após um tempo a criança aproxima- se lentamente. Ele a olha e vê que a criança está ferida gravemente. Espe- ra mais um pouco e chora com a cri- ança. A criança agora tomou confian- ça. Ele a toma em seus braços delica- damente e olha em seus olhos. Aca- ricia as suas feridas, leva-a até o ria- cho e lava as ferida na água transpa- rente. Isto faz bem à criança. Ele a suspende novamente, a segura e vol- ta até a clareira com ela. De repente a criança começa a falar com ele. Diz a ele o que quer dar a ele, equivalente ao fruto de todo seu sofrimento. Ele toma tudo que a criança lhe dá – tudo – o pequeno e também o grande. Depois vê que a criança fica can- sada. Ele a deita na grama delicada- mente. A criança fecha os olhos. Per- cebe que agora a criança deseja mor- rer. Ele espera acontecer, olha para ela mais uma vez com amor e lhe diz: ” Obrigado por tudo. Guardo-o no meu coração e farei algo bonito com o que você me deu, em lembrança à você.” Lentamente vira de costas e dei- xa a criança para trás, em paz. Abre novamente um caminho pela mata, sai da floresta, continua andando e chega a uma encruzilhada. Sente qual é a direção e dá o próximo passo. Após um tempo para o homem: Ago- ra a criança sorri para você. Vou deixá-lo aqui. Isto poderá atuar por muito tempo em sua alma. 13 Para que o relacionamento a dois dêem certo três aspectos são necessários. Cada um é importante por si só e nenhum pode substituir o outro. A relação sexual O primeiro aspecto é a relação sexual. É imprescindível para o relacionamento a dois que ela dê certo uma vez que o re- lacionamento entre um casal direciona- se para a união sexual. Ela é o que im- porta essencialmente, porque apenas através da relação sexual a vida conti- nua. Na relação sexual o amor e a vida condensam-se. Ela é o auge do nosso desenvolvimento. Na relação sexual, no amor que se expressa através dela e evi- dentemente no instinto que nos conduz Homem e Mulher à relação sexual atua a força de maior potência que conhecemos. Toda a vida visa à continuidade. Está destinada à con- tinuidade e torna-se plena quando alcan- ça a continuidade. Por este motivo a for- ça que atua por detrás é a força vital es- sencial. E evidentemente é também a maior força espiritual, uma força supre- ma – usarei uma imagem para descrevê- la – a força que mais se assemelha a Deus. Nela manifesta-se o que existe de maior no mundo – o divino – da maneira mais concreta possível. Justamente pelo fato de estarmos entregues a esta força através do nosso instinto ela revela-se como algo que independe de nós e nos transcende. Logo o primeiro aspecto do relacionamento entre um casal é que o amor sexual dê certo. O amor do coração Existe um segundo aspecto. É o amor do coração. O amor sexual é mais bem su- cedido quando se origina no amor que parte do coração, quando é uma realiza- Como o nosso relacionamento a dois dá certo ção do amor do coração. O amor prove- niente do coração é uma realização pró- pria. A sexualidade existe também sem este amor e este freqüentementeexiste sem a sexualidade. Ambos são realiza- ções próprias, o amor sexual e o amor proveniente do coração. A vida conjunta Agora entra um terceiro aspecto que é a vida conjunta. A vida conjunta pode exis- tir sem a sexualidade. Às vezes pode existir também sem o amor. Às vezes vemos casais que permanecem juntos, embora não se amem verdadeiramente e de coração. A vida conjunta, porém, é um bem precioso. É também preciso especialmente aprendê-la e realizá-la. Quando estes três aspectos se jun- tam, o amor sexual, o amor que parte do coração e também a vida conjunta com tudo que faz parte – a troca, a ajuda mútua, o apoio – então a vida em casal tem êxito. Então crescemos no relacio- namento a dois. 14 Amor que perdura O amor que tem êxito é algo humano e quase comum. Ele reconhece que precisamos de outras pessoas e que definhamos sem elas. Quando reco- nhecemos isto mutuamente damos algo ao outro e recebemos algo dele. Alegramo-nos por estar recebendo algo e alegramo-nos por poder dar algo a alguém. Na medida em que continuamos dando e recebendo com respeito mútuo, com benevolência e com o desejo que tanto o outro como nós mesmos estejamos bem, compre- endemos o que significa amar huma- namente. Este amor inicia-se com o relacio- namento entre homem e mulher. To- dos os relacionamentos posteriores provêm desse amor. Ele é a base de todas as relações humanas e nós so- mos conduzidos a ele, irresistivelmen- te. Porque o homem precisa da mu- lher para estar inteiro e a mulher pre- cisa do homem para estar inteira. É um forte desejo que os leva um ao outro. Este desejo às vezes denomi- nado pejorativamente de “instinto” é o movimento mais potente que a vida possui. Ele leva a vida para diante. Por este motivo, este desejo e este an- seio são as forças mais profundamente ligadas à essência original da vida. Reconhecendo este fato tornamo-nos uma unidade com a essência original da vida dentro deste amor. Este amor e esta atração conectam-nos com a abundância da vida. Quem se abre para este amor é solicitado. Tanto a maior felicidade quanto o maior so- frimento partem desse anseio e des- se amor. Nele crescemos. Quem se envolveu com este amor, transborda após um tempo. Esse amor transcende amplamente o relacionamento a dois, por exemplo, quando esse amor traz filhos. Então este amor continua através do amor dos pais em relação aos seus filhos. E o amor que as crianças experimen- tam retorna para os pais. Assim as crianças crescem até que elas mesmas procurem um homem ou uma mulher e o fluxo da vida continua fluindo através deles. Logo, onde o amor se inicia, com o passar do tempo ele engloba cada vez mais. Abrange tam- bém outras pessoas. Mas apenas após termos experimentado-o interiormen- te como algo humano e dito “sim” a ele. Neste sentido o grande amor é algo comum. Este amor possuiu for- ça e perdura. A felicidade plena Meu tema era: o que faz as pessoas feli- zes? O que acontece, porém, com tudo de pesado que as pessoas vivenciam? Nos Sonetos a Orfeu de Rilke existe um poema sobre o lamento. È assim: Só no espaço do louvor, o lamento pode soar, ninfa da fonte do medo, pairando sobre nosso tormento; lágrima clara no mesmo rochedo que suportas altares e portais. Vê: sustenta nos ombros potentes a certeza de que ela seria a mais jovem dentre as irmãs no sentimento. Júbilo professa, saudade confessa; só a queixa ainda aprende. Sem pressa, desvela, noites a fio, o mal atroz. De repente, inexperiente e curva, ergue a constelação de nossa voz para os céus que seu sopro não turva. De repente a queixa estava feliz. Isso lhes parece conhecido, essa história da queixa ou da acusação? Ou a questão das cobranças, desvelar noites a fio o mal atroz? Evidentemente esta é a receita para a infelicidade. Quero falar mais precisamente sobre este aspecto, exercitar como se abre ca- minho para a grande felicidade. A felicidade está relacionada ao cres- cimento. Crescimento interno. Quanto mais crescemos internamente mais reali- zados ficamos. Existe uma felicidade leve que é alegre e jovial. Uma felicidade bonita. E existe uma felicidade silencio- sa. Que simplesmente encontra-se em sintonia. Esta felicidade possui força e nunca acaba. Não é ameaçada. O ponto principal é: crescimento necessita de dois componentes. De um lado de nutrição e do outro de resistên- cia. Todo crescimento impõe-se contra a resistência. A árvore mais antiga do mun- do está na Califórnia no topo de uma montanha, totalmente desgrenhada com uma aparência assustadora. Ela tem 3500 anos de idade. Qual das árvores felizes 15 pode aproximar-se dela em termos de força? A imaginação geral da nossa cultu- ra do bem-estar é que somos alimenta- dos, alimentados, alimentados. Recebe- mos, recebemos e recebemos e assim tornamo-nos felizes. Depois existem os conceitos sobre o que seria uma infância feliz. Quais seri- am os bons pais? Eles dão e dão e dão. Este são os bons pais. Esta é a imagem ideal. E imaginem se eles não tivessem dado suficientemente. Seria o motivo dos meus problemas. A culpa é deles. E de- pois canto um cântico de lamento sobre os meus pais a vida toda. O que acontece neste instante? Tudo que acontece, da maneira como aconteceu, foi uma chance para a força e o crescimento – se eu concordar. A partir do momento em que eu concor- do com algo aquilo se torna algo bom. Através do ato de concordar torna-se algo bom e transforma-se em força. Se recu- sar a aceitá-lo ou me lamentar eu o per- co. Perco qualquer pessoa sobre a qual me queixo. Se me queixar em relação aos meus pais perco-os. Que vida mise- rável seria esta, vida miserável. Fechem os olhos. Este é um exercí- cio para ficarmos felizes. Agora olhem para sua mãe e o seu pai, como são, exa- tamente como são. Alegram-se com eles exatamente como são. E vocês dizem “sim” a eles como são e “obrigado” por tudo. Algumas coisas foram diferentes da- quilo que talvez desejávamos. Olhem para aquilo que foi doloroso ou pesado e digam: “Sim, da maneira como foi tomo- o no meu coração. Farei algo disso. Cres- ci através desses acontecimentos. Obri- gado.” Assim percorremos a nossa vida, co- meçando na infância e olhamos para tudo aquilo de que queremos livrar-nos. Por exemplo, uma doença ou uma pessoa e dizemos: “Eu acolho você no meu cora- ção assim como é. Cresço através de você. Você me mostrou e me deu algo importante.” Depois olhamos para nós mesmos, por exemplo, para uma culpa e dizemos: ”Sim você faz parte de mim. Através de você recebo uma força e uma suavidade especial. Você pode permanecer comigo.” De repente, inexperiente e curva, ergue a constelação de nossa voz para os céus que seu sopro não turva Muitas pessoas querem ser perfeitas como deus. Almejam ser como deus. Uma vez um anjo realmente desejava ser igual a deus. Sabem em que se transfor- mou? Em um diabo. Amor e ordem O que é maior e o que é mais importante, o amor ou a ordem? O que vem antes? Muitos acham que amando suficientemente tudo entra na ordem correta. Muitos pais, por exemplo, pensam que amando os filhos suficientemente, estes se desenvolvem da maneira como os pais o desejam. Muitas vezes, porém, os pais são decepcionados apesar do seu amor. Aparentemente o amor por si só não basta. 16 O amor precisa encaixar-se em uma ordem. A ordem é predetermi- nada em relação ao amor. É assim também nas outras áreas da nature- za: Uma árvore desenvolve-se segun- do uma ordem interna. Não é possí- vel modificá-la. Apenas seguindo esta ordem ela poderá desdobrar-se. As- sim é também com o amor e os rela- cionamentos com o próximo: podem apenas desenvolver-se no contexto de uma ordem. Esta ordem é predeter- minada. Se soubermos algo sobre as ordens do amor, o nosso amor e os nossos relacionamentos terão mais possibilidades de realizar-se plena- mente. A primeira ordem do amor em uma relação a dois é que o homem e a mulher são equivalentes embora sejam distintos. Se reconhecerem este fato o amor terá uma chance maior. A segunda ordem diz que os mo- vimentos de dar e receber precisam estar equilibrados.Se um precisar dar mais que o outro a relação está dese- quilibrada. Ela necessita deste equi- líbrio. Se a necessidade de compen- sação entre o que se dá e o que se recebe une-se ao amor, ambos os parceiros retribuem com um pouco mais ao outro do que receberam para lhe compensar. Assim a troca entre eles cresce e com ela a felicidade con- junta. Esta necessidade por compensa- ção existe também no lado negativo da relação. Quando um parceiro cau- sa algum mal ao outro, este tem a ne- cessidade de fazer o mesmo. Sente- se machucado. Portanto, acredita ter o direito de machucar, também, o outro. Esta necessidade é irresistível. Muitos que sofreram uma injusti- ça sentem-se no direito de também causar algum mal a outro. Logo, acrescenta-se mais um aspecto à ne- cessidade de compensação: a sensa- ção de que através da injustiça que me foi causada obtenho direitos es- peciais. Logo, não causamos ao ou- tro apenas o mesmo mal que ele nos causou e sim um pouco mais. Mas como foi causado um mal maior ao outro este por sua vez também se sen- te no direito de retribuir esse mal no- vamente e como se sente neste direi- to retribui com um mal um pouco maior ainda. Assim a troca negativa intensifica-se em um relacionamento. No lugar da felicidade cresce a in- felicidade neste tipo de relacionamen- to. Podemos reconhecer a qualidade de um relacionamento verificando se a troca entre o dar e receber realiza-se principalmente pelo bem ou pelo mal. A questão é: Qual seria a solu- ção? Existe uma solução? A solução seria mudar da troca na área do mal para a troca na área do bem. Como, porém, isto pode funcionar? Existe um segredo: Vingamo-nos do outro com amor. Isto significa que também lhe causamos um mal, po- rém, um mal um pouco menor. Logo a troca no campo do mal termina e ambos podem começar a dar e rece- ber algo bom novamente. Este é um aspecto importante da ordem do amor. Se o conhecemos e agimos se- guindo-o é possível mudar muitas coisas para o bem dentro de uma fa- mília. Mais uma outra ordem do amor precisa ser considerada uma vez que ignorada terá amplas conseqüências. Uma mulher que se julga ser me- lhor que sua mãe não tem respeito pelos homens. Ela não compreende os homens e em princípio não preci- sa deles. Uma vez que acha que é melhor que sua mãe isto geralmente significa: Sou a melhor mulher para o papai”. Logo já possui o seu ho- mem e não precisa de outro. Como uma menina torna-se capaz de se transformar numa mulher e de respeitar e ter um homem? Posi- cionando-se ao lado de sua mãe como sendo a menor. O contrário também é valido para os homens: um homem que não res- peita o seu pai e se julga melhor para sua mãe do que o seu pai não tem respeito pelas mulheres. Já tem uma mulher e não precisa de outra. Como se torna capaz de ser um homem e de respeitar e ter uma mu- lher? Posicionando-se ao lado do seu pai como sendo o menor. Logo o homem aprende a respei- tar a mulher através do pai e a mu- lher aprende a respeitar o homem através da mãe. O que acontece, no entanto, se um homem que é o filhinho da ma- mãe casar-se com uma mulher que é a filhinha do pai? O filhinho da ma- mãe não é confiável para a mulher e a filhinha do pai não é confiável para o homem. Têm pouco respeito um pelo outro. Logo em primeiro lugar é neces- sário que na família de origem seja estabelecida a ordem de maneira que o filho respeite o seu pai e a filha res- peite a sua mãe. 17 Após os seminários de constelação familiar sempre constatamos que energeticamente as pessoas sentem-se muito bem, que estão repletas de confiança e vontade de agir. Esse campo energético em várias pessoas perdura por meses ou anos e em outras se estende apenas por semanas ou dias, Círculo de Amigos dependendo dos campos aos quais as pessoas se expõem no dia-a-dia. Por este motivo procuramos encontrar uma maneira fácil de prestar auxílio de vida de modo que estas pessoas tenham a possibilidade de manter por mais tem- po esse campo e essa força que obtive- ram em um final de semana. Para que sejam capazes de buscar forças para o dia-a-dia regularmente e renovar este campo continuamente. Logo tivemos a idéia de constituir um círculo de amigos Hellinger. Neste meio tempo foram cons- tituídos vários círculos de amigos Hellinger por toda Europa e outros se encontram em formação. Veja www.hellinger-international.com/ indexFreund.htm. Por um pedaçinho de pão Observação: Georg Sauler enviou-me este texto por ocasião do meu aniversário de 80 anos. Refere-se a uma cena da ópera Fidélio de Beethoven. Leonore, esposa de Florestan procura o marido em seu cárcere disfarçada de ajudante do carcereiro e dá um pedaço de pão e um gole de vinho ao definhado. Seguem o texto e a partitura da música. O pequeno gole na jarra e o resto de pão que o carcereiro e seu aju- dante estendem ao prisioneiro po- lítico condenado à morte abalam-no profundamente em sua escuridão. “Seu túmulo é iluminado” nesta cho- cante cena ágape. Comovido pro- cura por palavras de gratidão e ain- da totalmente anestesiado pela bon- dade dos dois aflui do seu interior um canto de louvor. Via de regra, o quanto que nós, filhos e filhas, recebemos dos nos- sos pais. Quantas milhares de refei- ções de amor. Nas constelações fa- miliares, quando é possível pode- mos vivenciar o processo profundo que pode ser iniciado através da redescoberta de pai e mãe. De re- pente ouvimos a respiração. Um brilho nos olhos da filha ou do filho nos deixa vislumbrar a volta para um campo apaziguado. Existe um canto de gratidão aos pais? A partitura para tenor em “Fidelio” Terceto n° 13 cabe per- feitamente para entoar o hino aos pais, em voz alta ou sussurrada. Agradecimentos a Ludwig e seu libretistas. Encontrem e ganhem novos amigos para vida toda! O que vem à luz no comportamento das crianças e que muitas vezes é tão aflitivo é algo necessário dentro do sistema que os outros familiares, porém, negam. A criança o assume para os outros. Olha com amor para os excluídos. Por detrás de todo esse comportamento atua um amor oculto. Portanto, no trabalho com crianças difíceis não voltamos o olhar para a criança e sim para onde a criança olha. Assim inicia-se um movimento. Um movimento de cura que libera a criança, pois os outros passam a olhar para onde devem olhar. Logo a criança não precisa mais olhar para lá no lugar deles e comportar-se de acordo. No trabalho de ajuda às crianças este é o procedimento essencial. Imaginem só o que acontece com várias destas crianças. São tratadas e medicadas como se de algum modo não estivessem bem. Na verdade fazem algo pelos ou- tros, pelos grandes. Por este motivo esta forma de ajudar às crianças deu início a algo novo e abre inúmeras possibilida- des totalmente novas. Apenas, porém, se não olharmos para as crianças e sim com elas para onde são levadas e para aquilo que querem fazer pelos adultos. Assim aliviamos as crianças. Os pais e os outros envolvidos é que precisam mu- dar. Precisam olhar justamente para aquilo que não olharam. Assim inicia-se um de- senvolvimento. Um desenvolvimento de crescimento. Primeiro nos pais. Só depois os filhos ficam livres. A ordem Isto é pedagogia sistêmica. Uma pe- dagogia totalmente diferente. Este é o segredo deste trabalho. É auxílio de vida de uma forma especial. Aqui ajudo cri- anças a saírem de um emaranhado e es- tabeleço a ordem em seus sistemas fa- miliares. Quando um sistema está em desor- dem ocorre sempre o mesmo: Pessoas que fazem parte são excluídas. Também fazem parte de um sistema todas as víti- mas de membros dessas famílias. Se uma pessoa participou da morte de outros, talvez de forma muita culposa então es- tes mortos fazem parte do sistema. Eles estão presentes. Atuam e manifestam-se, freqüentemente através de uma criança. A criança então volta o seu olhar para lá. Se os outros, porém, não voltarem o olhar para lá, não adianta. Aqueles a quem real- mente diz respeito é que precisam olhar para lá. Logo, estabelece-se a ordem no sistema que estava em desordem. Ordem significa sempre integraro que foi excluído. Aqui se encontra o foco do meu trabalho, agora e no futuro. Sig- nifica auxílio de vida desse modo abrangente. Abre o nosso olhar para ou- tros contextos onde se torna mais fácil ajudar às crianças e evidentemente tam- bém aos seus pais. Leonora Tudo o que eu posso oferecer a você é um restinho de vinho que tenho em minha jarra. Beba! É cla- ro que é apenas um pouco de vi- nho, mas eu lhe dou com prazer. Florestan Você receberá a recompensa em um mundo melhor, o céu o trouxe até mim. Oh, obrigado! Você me reanimou docemente; não posso retribuir o benefício, não posso. Leonora Este pedacinho de pão – sim, há dois dias eu o estou carregando. Aqui, tome o pão – pobre homem! Florestan Oh, eu lhe agradeço! – Obrigado! Obrigado! Você receberá a recompensa em um mundo melhor, o céu o trouxe até mim. Oh, obrigado! Vocês me reanimou docemente; não posso retribuir o benefício, não posso. Oh, que eu não possa recom- pensá-lo! Ao grande Bert Hellinger, que há vários anos revitaliza de forma vir- tuosa, no mundo inteiro, onde exis- te a necessidade, a homenagem e o respeito aos pais, minha cordial retribuição divina pelo seu 80º ani- versário. Entretanto quem não gosta tanto assim de Bert Hellinger, talvez o ajude Jesus Sirach, um professor sábio da velha Jerusalém (aprox. 175 a.C.): “Quem honra o seu pai, expia fal- tas. E quem respeita a sua mãe se assemelha a um colecionador de tesouros.” (Sir.3/3-4) Georg Sauler Ajudar às Crianças O amor oculto da criança 18 A filha não quer estudar Hellinger para uma mulher: Qual é o assunto? Mulher: Minha filha não quer ir à escola. Está no quarto ano escolar. Recusa-se cada vez mais de ir à escola e de sair de casa de um modo geral. Hellinger: E o pai da criança? Mulher: O pai é muito mais novo que eu. Nunca ficamos muito juntos. Agora tentamos nos separar. Muitas vezes o in- cluí no assunto, ele, porém, tem muito a resolver consigo mesmo. Hellinger: Quanto mais novo ele é? Mulher: 22 anos. Hellinger: 22 anos mais novo? É mesmo? Bem, então começarei com a filha. Hellinger escolhe uma representante para a filha e deixa que ela se posicione. A filha movimenta os dedos de forma inquieta e esfrega as mãos. Depois olha para o chão. Helllinger pede que se sente mais uma vez por um momento e escolhe uma representante para a mãe da criança. Esta representante vira a cabeça para o lado. Depois olha para o chão e no meio tempo cerra os punhos. Agacha-se e esfrega o chão com uma mão como seu quisesse limpar algo. A outra mão ela fecha em forma de punho. Agora Hellinger pede à representante da filha que se posicione novamente a alguma distância da mãe. A mãe continua esfregando o chão. Hellinger para a representante da filha: Diga a sua mãe “Eu cuido de você”. A mãe segue esfregando o chão e enquanto o faz olha para a filha. A filha aproxima-se da mãe. Esta fica de costas e agora esfrega o chão com as duas mãos. Olha rapidamente para a filha, mas, dá- lhe as costas novamente. A filha abre os braços como se quisesse ajudar a mãe. A mãe agora está ajoelhada e quase toca o chão com a cabeça. Continua esfregando o chão com as duas mãos. Hellinger para os representantes após algum tempo: Está bem. Obrigada a vocês. Para a mulher: Ficou claro para você porque a filha quer ficar em casa? Mulher: Ela me protege. Quer me ajudar. Hellinger: Sim, ela tem medo que você morra ou se mate. A mulher faz um movimento afirmativo com a cabeça e começa a chorar. Mulher: Você pode me ajudar? Para que direção devo olhar? Hellinger: Não posso me intrometer. Exis- te um segredo que preciso respeitar. A mulher respira fundo e faz um movimento afirmativo com a cabeça. Mulher: Eu sei. Hellinger: Evidente que sabe. Mas eu não quero saber. E não devo saber. A sua fi- lha, porém, também o sabe. Pelo menos o sente. A mulher continua respirando profundamente e faz um movimento afirmativo com a cabeça. Hellinger após algum tempo: Você pode fazer um exercício com a sua filha. De manhã antes de a escola começar você diz a ela: ”Pode confiar em mim. Hoje eu fico.” Antes que ela vá à escola. Na manhã seguinte você o diz também: “Hoje eu fico. Pode ir tranqüila ao co- légio.” A mulher ri aliviada. Hellinger: Está bem? Mulher: Obrigada. Hellinger para o grupo: Parece ser um problema e ele é: grande amor. A crian- ça está repleta de amor. Olhar Luz turva não escurece o vidro claro, o vidro turvo, porém, escurece a luz clara. Reconhecimento adquire-se através da sintonia. A esperança turva o olhar. O ceticismo atua como a fé: ambos substituem o olhar. O costume contraria o olhar do novo. Ele dissolve o emaranhamento em algo passado daquele que tem a coragem de olhar e libera-o das conseqüências. O que existe de fato é indescritível. Quem o vê, porém, sabe. Vivenciar significa: perceber o que é. Entramos no sol e já está claro. Iluminação tem o mesmo efeito como se muitos se inclinassem para um cen- tro de luz. Em um balde de água imaginamos o mar, porém, sem realizá-lo. Beleza necessita devoção. A disponibilidade de olhar muitas ve- zes é obstruída pelo fato de que ex- perimentamos aquilo que é trágico para nós como obrigação e o vivenciamos como um sentimento de inocência; e porque experimentamos o olhar que nos mostra a solução como traição em relação a uma ordem e o vivenciamos como culpa. Frases para reflexão 19 Sabedoria para Viagem O ato de voltar-se para o outro Quando me volto para um outro ser hu- mano ou para um objeto ou uma tarefa, distancio-me de mim, direciono-me para o outro ou para aquilo outro, sou atraída por ele, percebo-o com atenção aproxi- mo-me dele com interesse e amor, conecto-me a ele internamente e torno- me um com ele por um momento. O ato de voltar-se para alguém esquece de si, porém, sem perder-se. Estou, por assim dizer, fora de mim comigo mesmo. Como isto é possível? O ato de voltar-se para alguém parte da alma, movimenta- se com a alma, atinge algo de essencial no outro, no objeto, na tarefa. Esta es- sência, porém, jamais é algo externo. Está além daquilo que percebemos com os nossos sentidos, está inserido em algo abrangente, onde eu e o outro ou aquilo outro a que me volto, encontramo-nos. Através do ato de voltar-se plenamente para o outro tornamo-nos mais do que éramos antes. Talvez a vida e sua consu- mação sejam exatamente o ato de vol- tar-se para o outro constantemente. Onde o movimento de voltar-se para alguém estiver interrompido o tempo que ne- cessitamos para recuperá-lo é um tem- po perdido. Dentro deste movimento, porém, o tempo passa voando e nós o vivenciamos como sendo repleto. Nota de pensamento A dinâmica de troca Pelo fato de o mundo girar em torno de si próprio, o dia e a noite se revezam e pelo fato de girar em torno do sol exis- te a mudança das estações com mais ou menos quantidade de luz, frio ou calor. Como existe a dinâmica de troca existem início e fim, nascimento e mor- te, ascensão e declínio e existem tam- bém o bem e o mal. Pois também entre o bem e o mal existe uma dinâmica de revezamento. Um transita para o outro e não existe sem o outro. Por este motivo nós também não suportamos um sem o outro. Por exem- plo, não suportamos a alegria sem a dor, o silêncio sem o trabalho e a vida sem a morte. A força criativa atua tanto em um quanto no outro do mesmo modo. Des- sa forma atua também o divino, a força original, em torno da qual no final tudo gira – se é que podemos ousar ir tão lon- ge em pensamento. A força original está isenta dessa dinâmica de troca. Isto é como eu o imagino. Ela é o centro em torno do qual tudo gira da mesma forma e, portanto é infinitamente silenciosa. Esta é a minha imagem. É evidente que isto são apenas ima- gens através das quais tentamos aproxi- mar de nós o essencial. Portanto falta- lhes a certeza. Estas imagens, porém, têm um efeito na alma, um efeito reconfor- tante. Podemos nos orientar nestas ima- gens internamente e durante toda dinâ- mica de troca olhar para este centro. Po- demos nos deixar cair lentamente neste meio e durante qualquer dinâmica de tro- capermanecer dentro dele recolhidos e em silêncio. Isto também existe em relação ao bem e ao mal? Principalmente aí. Porque nada nos distancia mais do nosso centro que o bem ou o mal. Os dois. E o que atrai ambos para a mesma força? O amor. Porque o amor reside neste centro. Em assunto próprio O ato de guiar Quem guia toma a dianteira. Guia aqueles que estão dispostos a seguí-lo. Por que estão dispostos a seguí-lo? Por- que lhes indica o caminho para um des- tino que para eles também é importante e os conduz nesta jornada. Quem guia precisa saber através da experiência para onde leva o cami- A Serviço da Vida Uma revista a serviço do trabalho com as constelações sistêmicas segundo Bert Hellinger Com artigos da revista alemã “HellingerZeit Schrift”- revista trimestral alemã de autoria de Bert Hellinger e Marie-Sophie Hellinger. Reprodução autorizada. Direitos autorais para o português da Editora Atman. Tradução: Filipa Richter Revisão: Tsuyuko Jinno-Spelter Diagramação: Virtual Edit Coord. Editorial: Décio Fábio de Oliveira Júnior Revista 2 – edição alemã em 01/2006 nho.Isto se aplica principalmente ao cam- po espiritual. Significa que aqueles que o seguem precisam ter certeza que ele já percorreu este caminho antes, pelo menos uma parte. Como um guia em uma área especí- fica, sabe que está apto a guiar os outros e que pode ou até deve guiá-los? Por- que ele mesmo é guiado. Porque se encontra em sintonia com um movimento espiritual que o toma e que ele segue com coragem e ação. Aqueles que são guiados também são tomados por este movimento espiritual. Seguindo o guia, seguem, também, este movimento. Isto, porém, também signi- fica que podem apenas seguir aquele que os guia, o tempo e a distância em que ele permanecer em sintonia com tal movimento. Assim que se desviar do movimento o guia perde o dever e o direito de guiar. E perde os seguidores que permanecem em sintonia com a for- ça criativa que conduz a todos. Quem guia em sintonia com esta for- ça criativa, ao mesmo tempo guia em sintonia com aqueles que o seguem. Isto significa que é também guiado por eles e que pode confiar neles, assim como eles confiam no guia. Apenas, porém, enquanto eles também permanecerem em sintonia com tal movimento espiritual. De outro modo precisa separar-se de seus seguidores. Mas também aqui em sintonia com o movimento que o conduz. Esta é a forma onde se revela com maior clareza se o outro sabe e pode guiar. 20 • Prefácio • Homem e Mulher • Ajudar as Crianças • Pais • Ordens do Amor • Meditação • Frases de Reflexão • Examinar de Perto • Sabedoria a Caminho • O Futuro Sumário A Serviço da Vida Fascículo 3 Bert Hellinger Com artigos da revista alemã “HellingerZeit Schrift”- revista trimestral alemã de autoria de Bert Hellinger e Marie-Sophie Hellinger. Reprodução autorizada. Direitos autorais para o português da Editora Atman. Tradução: Tsuyuko Jinoo-Spelter Diagramação: Virtual Edit Coord. Editorial: Décio Fábio de Oliveira Júnior Revista 3 – edição alemã em Sejam bem-vindos! O tempo preenchido exige uma transição. Quando o passado está concluído, cede espaço ao próximo passo para o crescimento. Justamente porque está concluído, existe o novo espaço. Portanto, após a realização, o olhar dirige-se para frente. Contudo, o tempo preenchido pode somente ceder espaço àquilo que está vindo, quando nós o colocamos em nossa alma e coração, como algo que nos pertence, não importando o que possa ter sido. É válido, por exemplo, em relação a um trecho de vida que terminou e – especialmente – também em relação a um relacionamento. A ajuda à vida é, em primeira instância, uma ajuda aos relacionamentos. Todo relacionamento é um relacionamento a prazo. Por isso, depois de um certo tempo fica preenchido. O cerne desta revista será o crescimento em nossos relacionamentos, pois algo anterior pôde ficar no passado e concluído. Talvez um relacionamento anterior também possa e deva ceder espaço a um outro, porque somente dessa forma nossa vida atinge a sua plenitude. Os relacionamentos entram em desordem quando algumas pessoas que também fazem parte foram excluídas e não são mais respeitadas. Foi-lhes recusado o reconhecimento e o amor. O que resulta disso é a desordem que continua nos relacionamentos presentes, por exemplo, no relacionamento de casal e no relacionamento com os próprios filhos. O segundo ponto principal desta revista é como reencontrar a ordem e dar espaço ao amor por todos. Logo estará chegando a bela época das férias para muitas pessoas. O que a torna especialmente bela? Temos mais tempo para o outro nas nossas relações. O que lhes faz bem, e como é simplesmente fácil renová-las e devolver o primeiro lugar à alegria existente dentro delas – nesta revista vocês encontrarão também sugestões e ajuda relativas a isso. A felicidade começa no espírito. O espírito tem principalmente fome pela felicidade. A mesa está ricamente coberta também para ele nesta revista. Outra boa notícia. Esta revista “A serviço da vida” também está sendo publicada em outros países: no Paraguai, na Argentina, no Brasil, Itália e Polônia. Outros países seguirão. Para mim, isso é um estímulo para permanecer o mais próximo possível daquilo que ajuda imediatamente. Minha esposa Maria Sophie e nossos colaboradores lhes desejam bons votos. Com esta revista queremos lhes dar alegria e algumas sugestões para o dia-a-dia do amor. Algumas delas deixa aflorar em nós também um sorriso. Por exemplo: a melhor solução para um problema é algumas vezes um desvio. Vínculos antigos permanecem 4 Hoje em dia, pensamos muitas ve- zes – e também nos comportamos dessa forma – que no relaciona- mento de casal trata-se apenas do homem e da mulher. Os dois se amam, sentem-se atraídos um pelo outro e se tornam um casal. Nessa situação perdemos facilmente a vi- são de que ambos provêm de uma determinada família. Cada um de nós tem outros pais e outros ante- passados. Em cada família aconte- Em uma família, aqui num sentido am- plo, incluindo todos os ancestrais, todos estão vinculados uns aos outros, como se tivessem uma grande alma em co- mum. Podemos denominá-lo também de um campo espiritual. Nessa grande alma todos permanecem presentes, todos aqueles que um dia pertenceram, inclu- sive os mortos, todos os mortos. Os fi- lhos abortados e os irmãos que morre- ram cedo também. Todos fazem parte, também aqueles que rejeitamos e dos quais não queremos saber de mais nada. Permanecem presentes nesse campo. Todos estão em ressonância mútua com todos os outros nesse campo. ceu algo diferente. Essas realidades atuam no relacionamento de casal. Ambos os parceiros provêm de seu próprio campo espiritual, um ou- tro campo familiar, que os toma a serviço de muitas maneiras. Por isso, nenhum dos dois é livre. Se além disso, um deles ou até am- bos tiveram um relacionamento fir- me anterior e desses relacionamen- tos também têm filhos, esse passado os liga de formas múltiplas. Esse passado liga-os aos filhos e também ao pai ou à mãe desses filhos. Pre- cisamos presumir que cada um quer e deve permanecer nessas li- gações de uma certa forma. Ne- nhum deve esperar do outro que re- nuncie a esses vínculos. Algumas vezes isso se mostra quando o casal embora queira, não consegue viver junto. Ao mesmo tempo, existe nesse campo um movimento que quer reunir o que estava separado. Dois movimentos dife- rentes servem a esse objetivo. Por exem- plo, algumas vezes uma pessoa viva sen- te-se atraída em direção aos mortos. E eles se unem na morte. Freqüentemente este movimento é um movimento de amor. Contudo, ao invés de conduzir à vida, conduz à morte. Entretanto, aqui existe também um ou- tro movimento, um outro amor, que nos conserva em vida. Por exemplo, posso incluir com amor em mim, em minha alma alguém que estava excluído. Ao in- vés de me atrair para a morte, ele proteje a minha vida, porque foi reconhecido. Esse é o movimento contrário, um movi- mento curativo. Pelo fato de estarmos inseridos em tan- tas relações,algumas vezes a ilusão de termos uma vida feliz e realizada não pode ser cumprida. Justamente porque estamos conectados. Entretanto, se con- cordamos com esses vínculos do desti- no, não importa o que exijam de nós, ganharemos uma profundeza especial. É uma profundeza através da renúncia. E é claro que nesse momento também nos tornamos adultos. Nós nos tornamos mais humanos, inseridos em algo maior e te- mos uma outra força. Os campos espirituais Homem e Mulher 5 Eu vejo o relacionamento de casal ainda em um outro contexto. Cada sistema fa- miliar carrega um destino especial e tem uma desordem especial. A desordem surge quando nem todos aqueles que fazem parte são reconhecidos como per- tencentes. Então os que não foram reco- nhecidos pressionam para serem reco- nhecidos. Sob a pressão desse campo uma criança precisa representar mais tarde esse excluído sem que tenha consciên- cia disso. Por exemplo, freqüentemente um parceiro anterior dos pais ou dos avós foi excluído, talvez porque tenha morrido cedo. Talvez uma mulher tenha falecido durante o parto. Essas pessoas não são mais vistas nesse sistema, freqüentemente porque o seu destino causa medo nos outros. Contudo, fazem- se notar mais tarde numa criança. Contu- do, a criança não sabe que está emara- nhada no destino de uma outra pessoa. Se esse problema, que alguém esteja excluído ainda não está resolvido na fa- mília, essa criança procura, quando está adulta inconscientemente um parceiro que a ajude e à sua família a resolver esse problema. Portanto, o sistema da mulher procura através da mulher, no sis- tema do marido a solução para um pro- blema não resolvido. E talvez o inverso também. O marido e o seu sistema pro- A comunidade de destino Contrariando as idéias que temos freqüentemente do amor romântico, num relacionamento atuam ainda muitas outras forças. No amor romântico os dois estão de certa forma apaixonados um pelo outro, apaixonados significa, não vêem nada. Estão tão fixados um no outro que o entorno permanece exclu- ído. O amor romântico não se mantém por muito tempo porque o entorno logo se mostra. curam através da mulher e do seu siste- ma, uma solução para o seu problema. Com isso ambos começam uma comuni- dade de destino, na qual procuram por um solução no outro. Eu vivenciei na Suíça um exemplo evi- dente. Um homem tinha um irmão que morrera de inanição na guerra. A família não tinha tido o suficiente para comer. O homem estava intimamente ligado ao ir- mão e tinha medo de morrer de fome, que isso viesse a ser também o seu des- tino. Então, o que fez? Ele se casou com uma mulher que era anorética. Ela deve- ria morrer de fome por ele. Portanto, tais tipos de emaranhamento existem. Algumas vezes levam a dimen- sões que parecem monstruosas. Aqui um exemplo de um curso para casais em Washington. Uma mulher veio sem o marido para uma constelação de casal. Eu posicionei em frente a ela um repre- sentante do marido. O marido começou a tremer pelo corpo todo, realmente com um medo mortal. Eu perguntei a ela. “ Você já pensou alguma vez em matá- lo?” Ela disse. “Sim.” A filha dela que tam- bém estava presente já havia tentado o suicídio. Portanto, nessa família existia um grande potencial de agressividade. Quan- do algo assim vem à luz, alguns ficam tentados a dizer: “Que mulher ruim.” Eu não digo isso. Disse a ela: “Algo especial deve ter acontecido em seu sistema.” Depois de uma pausa, disse: “Meu pai participou da produção da bomba atô- mica.” E acrescentou: “Eu me pergunto também, porque me casei com um ja- ponês.” Então qual foi o emaranhamento aqui? A guerra entre os Estados Unidos e o Japão continuou nesse casamento. E nenhum deles tinha consciência disso. Isso são comunidades de destino. Algu- mas vezes elas levam também à morte. Quando reconhecemos esses vínculos do destino, de repente se mostra uma boa solução para ambos os parceiros. Então encontram a paz. Este casal ficou muito bem depois. Depois disso a filha foi dire- to para o Japão. Lá estudou e desabro- chou. O relacionamento de casal e qualquer outra relação humana íntima é de uma profundidade inacreditável. Se nós todos nos expusermos às suas dimensões, en- contraremos um outro tipo totalmente diferente de amor e relacionamento. Muito mais profundo e direcionado a to- dos. Como disse, para a ordem é sempre im- portante que o que foi excluído até então seja reunido. Esse é o movimento princi- pal que leva à ordem nos relacionamen- tos e para a felicidade de todos. 4 Os homens e as mulheres são diferentes Pois bem, o homem entende muito pou- co de mulheres. Vocês já viram um ho- mem que realmente entendesse algo de mulheres? Vocês já encontraram uma mulher que dissesse: “Meu marido me entende.”? E o inverso é naturalmente a mesma coisa. As mulheres não entendem muito dos homens. Senão, não ficariam continuamente tentando mudá-los. Portanto, quando um homem e uma mulher se encontram, encontram algo estranho, algo que eles próprios não pos- suem, algo que também não entendem, mas de que precisam. O homem precisa da mulher. Senão, para que que ele é um homem? Sem a mulher ele não é um homem. E inversamente, a mulher pre- cisa do homem. Pois, sem o homem ela não é uma mulher. A mulher se torna uma mulher somente através de um homem. Ou? Todo o resto é provisório. Portanto, duas pessoas diferentes se en- contram. Elas se completam mutuamen- te, sem se entender, sem se entender na profundeza. Por isso, a tensão num rela- cionamento de casal permanece a vida inteira. O homem sempre se admira com a sua mulher e a mullher se admira com o seu marido. Isso torna o seu relaciona- mento vivo. O crescimento no relacionamento do casal Vou dizer, de maneira geral, ainda algo mais sobre relacionamentos de casal e o crescimento. O crescimento é sempre uma ampliação. Quem cresce, precisa colocar algo de fora para dentro de si. Cresce com aquilo que antes estava fora dele. Cresce, colocando-o para dentro de si. No momento que um homem encontra uma mulher, reconhece que é incomple- to. Precisa renunciar à sua convicção de que como homem sozinho é um ser hu- mano completo. E com a mulher é a mesma coisa. Quando encontra um ho- mem, percebe que ser só mulher não é o suficiente. É necessário ainda algo di- ferente. Precisa renunciar à convicção de que é a única incorporação certa do ser humano. Pois, de repente alguém total- mente diferente que também é certo, está à sua frente. Ambos são certos, mas diferentes. Quando reconhecem isso, re- nunciam às suas convicções e tornam- se humildes. Isso significa que reconhe- cem que são necessitados. Quando am- bos reconhecem isso no outro, enrique- cem. E crescem. O crescimento significa: eu tomo para dentro de mim, o que até agora era es- tranho para mim e que me desafia a re- nunciar à minha convicção. Ambos fazem isso mutuamente, o homem e a mulher. E crescem com isso. Isso é crescimento. As famílias também são diferentes Agora se acresce que o homem provém de uma outra família diferente da mu- lher e a mulher de uma outra família di- ferente da do homem. Ambas as famílias são diferentes. Freqüentemente o ho- mem olha com desdém para a família da mulher e a mulher olha com desdém para a família do marido. Os dois talvez se di- gam: “Minha família é melhor.” E ela é a melhor para nós porque estamos vincu- lados a ela. Sendo necessário que seja assim. Pois, sem ela não poderíamos so- breviver. Entretanto, essas famílias são diferentes uma da outra. Assim como o homem é certo, embora não seja uma mulher, e embora a mulher seja certa, embora não seja um homem, assim também a família do homem é certa e a família da mulher é certa, embora sejam diferentes entre si. Mesmo assim, cada um precisa reco- nhecer a família do outro como equiva- lente. Com isso, renuncia a algo. Assim como o homem, em primeiro lugar, re- nuncia um pouco à sua convicção de que unicamente o homem é o ser humano certo, ele também renuncia à convicção de que só a sua família é a certa. E o inverso. Ambos tomam algo diferente para dentro de si e crescemcom isso. Como isso é importante se torna óbvio quando o casal tem filhos e precisa se decidir como eles devem ser educados. Então algumas vezes existe uma com- petição entre os valores familiares de um e os do outro. Também aqui cada um deles precisa renunciar a algo. Dessa for- ma encontram em um nível superior algo em comum, que é maior do que se reco- nheceram como os únicos certos. Isso também é crescimento. 7 Isso existe também em muitos relacio- namentos de casal. Um dos parceiros está preso em algo e o outro não sabe o por- quê. Muitas vezes é algo de sua família de origem. Contudo pode ser também uma outra coisa que o prende. Algumas vezes é um aborto provocado que o prende e o afasta do relacionamento, tal- vez até exista um anseio pela morte, dentro de si. O outro gostaria muito de ajudá-lo, mas sente que não consegue. Ficar parado aqui sem fazer nada, é difícil. Ele precisa reconhecer que as suas forças não bas- tam ou que a sua compreensão não bas- ta para ajudar o outro. Aqui a postura in- terna adequada é: Eu concordo com a situação como ela é – com todas as consequências para ele e para mim. Nes- se momento chego a uma sintonia com algo maior. Então posso esperar. Depois de um certo tempo talvez surja alguma solução e algo curativo. Algumas vezes não surge nada. Então talvez haja a se- paração. Cada um segue então a sua fi- nalidade, da forma que lhe foi determi- nada. Algumas pessoas pensam que isso é ruim, que uma outra solução teria sido melhor. Nós compreendemos quando elas sen- tem esse anseio. Mas nos é permitido? Nos é permitido termos essas idéias? Estar em sintonia com os nossos limites Quando encontramos alguém numa situação difícil, freqüentemente desejamos uma boa solução para ele. Queremos ajudá-lo. Entretanto, podemos e devemos fazer isso? Algumas vezes sentimos que não podemos e nem devemos. Algo dentro de nós nos proíbe. Então precisamos reconhecer que chegamos a um limite. 8 A força original Em relação a isso existem profundas compreensões de Rilke. Uma delas ele a teve bem cedo, quando ainda era bem jovem. Ele escreve em um curto poema no seu manual de orações: “A vida de todos é um presente”. A vida de todos é um presente: minha vida é um presen- te, a vida de meu parceiro é um presen- te, a vida de meus pais é um presente, a vida de meus filhos é um presente, to- das as vidas da natureza são um presen- te. O que isso significa? Atrás de nossas vidas atua uma força ori- ginal, uma origem ou uma fonte original de todas as vidas, que atua da mesma forma em todas as vidas e também so- fre. Portanto, se o parceiro sofre, sofre nele uma outra força maior. Poderíamos também dizer, em primeiro plano: Deus sofre nele. Em todas as criaturas sofredo- ras Deus também sofre. E inversamente. Se alguém destrói, por exemplo, um as- sassino ou um soldado numa guerra, gru- pos de bandidos ou não importa o que for: Quem age aqui? Eles é que agem? Ou Deus age através deles? Nós nos de- fendemos contra essa idéia. Entretanto, devemos fazer isso? Existe uma outra reflexão que se aproxima mais dessa re- alidade e corresponde mais a ela? E qual o efeito que isso tem quando concorda- mos com essa reflexão: Deus sofre em tudo e age em tudo, da mesmo forma? A destruição e a construção, a doença e o restabelecimento ou a destruição e o pro- gresso é um jogo alternado inacreditável que se realiza em tudo: O que acontece é um movimento divino. O conjunto do sofrimento e da alegria, da destruição e da construção e da vida e da morte é um jogo alternado divino. A mesma força atua em ambos. E esse jogo alternado faz o mundo avan- çar. Toda a criatividade vem de um tal conflito, no qual existem ambas as coi- sas: a derrota e a vitória. O mundo avan- ça dessa forma. A serenidade Quando nos submetemos a essa obser- vação, precisamos prescindir totalmente de nós, de que nós indivíduos fossemos importantes, de que nosso sofrimento fosse importante, de que nossa tristeza fosse importante ou nossa felicidade. Ou de que nosso sucesso fosse importante ou nossa vida ou nossa morte. Eis um poema de Rilke relativo a isso: Existe alguém que toma tudo nas mãos, de forma que escorre como areia pelos seus dedos. Ele escolhe a mais bela das rainhas e se deixa esculpir no mais branco dos mármores, Deitado tranquilamente na melodia de um manto; E deita os reis com as suas mulheres, moldadas pela mesma pedra. Existe alguém que toma todos na mão como se fossem lâminas desgastas que se quebram. Não é nenhum estranho pois ele mora no sangue, Que é a nossa vida e murmura e descansa. Eu não posso acreditar que ele faça algo injusto. Contudo ouço que muitos falam coisas más sobre ele. De repente, ficamos inacreditavelmente serenos. Olhamos para tudo, como é, e concordamos com isso. Ficando serenos dessa forma, entramos em sintonia com esse movimento, como ele é. Então algo maior se realiza em nós. Não mais o trivi- al, mas algo grande: a sintonia com o todo como ele é. Nessa sintonia podemos encontrar um outro ser humano como ele é, exatamente como ele é. Concordar com isso, tal como é, seu sofrimento e sua alegria, sua vida e sua morte, isso nos leva a entrar em sintonia com os grandes movimentos. Desviamos o olhar de nós mesmos. O que é ainda o meu eu nesse contexto? Então seremos carregados por algo infinito. O paraíso Ainda uma compreensão importante. A felicidade está à espera, fora do paraíso. O crescimento só existe fora do paraíso. O criativo começa depois que fomos expulsos do paraíso. O grande amor co- meça, depois que o amor paradisíaco passou. 9 Após décadas de observação e experi- ência, para mim o essencial que faz par- te da felicidade se reduziu em três pala- vras. Nestas três palavras, quando são sentidas e ditas no momento certo, está o segredo da felicidade em um relacio- namento de casal. Sim A primeira palavra já alude em relação ao início do dia em um relacionamento de casal. Por que nos alegramos com o outro? Porque concordamos com ele, do jeito que ele é. Essa alegria também con- tagia o outro. A palavra, que está por trás, significa: “Sim.” Sim, para o outro, sim para mim, sim para a situação, como ela é, e sim para a felicidade. É claro que algumas vezes existe algo que está em oposição a isso, uma deter- minada idéia. Em nossa sociedade preci- samos pagar por quase tudo. Muitos ima- ginam que nada é gratuito, tudo precisa ser pago. Por isso, começam a pagar tam- bém pela sua felicidade. Ao invés de olhar para o outro e se alegrar com ele, pa- gam a felicidade com o dinheiro. Com isso perdem o outro de sua vista – e tam- Agora vou falar do dia-a-dia do relacionamento de casal. Como se inicia o novo dia no relacionamento de casal? O marido olha para a mulher e a mulher olha para o marido e suas faces começam a iluminar. Eles se alegram um com o outro. Isso não é um belo início de um dia novo em um relacionamento de casal? Portanto, o amor ilumina, e se mostra na iluminação. A expressão mais bela do amor é quando um se alegra com o outro. Dessa forma é que começa o dia de um relacionamento de casal. Eles se olham e se alegram com o outro, do jeito que ele é. Exatamente do jeito que ele é. A felicidade é se alegrar mutuamente com o outro e fazer algo com isso, dando e recebendo... Então o dia não vai ser suficientemente longo porque sempre flui algo novo entre eles. Isso é crescer. O dia-a-dia do relacionamento de casal bém a vista para a felicidade. Eles ficam apenas com uns trocadinhos na mão. E é tudo que resta da alegria e da felicidade. Existe um instinto profundo em nós, que recebe força da idéia de que preciso pa- gar por tudo que recebo. Sobretudo pela felicidade. Contudo, enquanto ficamos pensando que já estamos pagando o su- ficiente, a felicidade já desapareceu. Essa idéia de que precisamos pagar por tudo, existe também perante Deus. Atra- vés de grandes sacrifícios e peregrina- ções e instituições de caridade e tudo o mais possível pagamos Deus pela felici- dade agraciada. Ele fica feliz se pagarmos por isso? Ele se preocupa com aquiloque pagamos? Essa é uma idéia estranha. Certa vez tinha um participante num curso meu que tinha comprado um Mercedes. Entretanto, ele não conseguia usufrui-lo, era uma felicidade grande de- mais para ele. Em sua família só se podia comprar carros da Volks – os antigos. Um dia na autoestrada de repente um carro bateu na traseira de seu carro. Então ele respirou aliviado. Finalmente tinha pago pela sua felicidade. Não lhes parece ser algo conhecido? Isso é praticamente diário. Muitos pagam o tempo todo. Eles pagam pela felicidade e pagam pela culpa. Por favor Se o marido ofende a sua mulher, por exemplo, através de uma observação malvada, fica sentido e paga por isso. Ele fica mal, diz por exemplo, para a mu- lher: “Hoje não vou comer nada, hoje vou ficar de jejum.”, embora ela tenha cozi- nhado muito bem. Portanto, ele expia pelo que fez. Como se contorna esse tal tipo de expiação? Através de uma única palavra. Portanto, o marido ofendeu a mulher. Ele não a viu. Ele até esqueceu o seu aniver- sário. Algo assim é terrível. Alguns esque- cem também o dia do casamento. Então a mulher olha para ele e fica triste. O que ele deve fazer agora? Ele deve ex- piar? Ele deve bater no seu peito, em sinal de minha culpa? Não. Ele olha para ela e diz: “Por favor”, simplesmente “Por favor”. Eu sinto muito. “Por favor”. Então o coração dela se abre e a felicidade tem novamente uma chance. Obrigado Já mencionei duas das três palavras má- gicas para a felicidade: “Sim” e “Por fa- vor”. Existe ainda uma palavra especial- mente bela. Essa palavra é: “Obrigado.” Simplesmente “Obrigado.” Em um rela- cionamento de casal existe durante o dia inteiro centenas de ocasiões onde nos alegramos com algo e dizemos: “ Obri- gado.” Reciprocamente. Essas são então as três palavras mágicas para um relacionamento de casal feliz e pleno. Podemos nos nutrir com elas, mes- mo quando algo difícil se nos apresentar. 10 Existe um exercício para isso, como podemos nos conformar com essa decepção. Poderíamos, por exem- plo, sentar à noite e pegar cinco folhas de papel, no mínimo três, e começar a imaginar o parceiro e escrever tudo aquilo que ele nos presenteou. Cinco longas páginas, mas elas não são o suficiente. Quan- to mais tempo escrevemos, quanto mais começamos a iluminar. Esse é um belo exercício. A decepção Por que um parceiro fica decepcionado com o outro? Porque esperava do outro algo que este não lhe podia dar. Tinha uma expectativa em relação ao outro que, entretanto, vai além do normal. Essa expectativa provém freqüentemente da infância. Freqüentemente foi uma expectativa em relação à mãe. Então, de repente, ficamos decepcionados. 11 Exercício com uma mulher, cujo marido se suicidou seis meses após a separação. Hellinger: Para onde ele quis ir com a sua morte? – Para a sua mãe. Mulher: Faz sentido. Hellinger: Os subterfúgios da alma são estranhos. Eu não me surpreendo abso- lutamente com mais nada. A alma é um labirinto no qual podemos nos perder facilmente. Nele nos orientamos por um fio condutor, que seguramos nas mãos o tempo inteiro. Dessa forma conseguimos lidar com isso. Um labirinto é escuro. Não adianta nada ficar de olhos abertos aqui, mas apenas nos atermos ao fio condutor. Vamos tateando pelo fio condutor e nos dirigindo para frente, centímetro por cen- tímetro. Cada batida de coração é um centímetro a mais. E seguimos a batida do coração. Eu simplesmente imagino isso. Procuro imagens para a alma, pelas quais posso me orientar no labirinto do amor. Segui- mos então a batida do coração. Cada ba- tida está com você: “Por favor, por favor, por favor.” Esse “por favor” nos reporta à infância e, em primeiro lugar, é claro, à Respostas por carta para o tema: Relacionamentos em crise Pensamento secreto Para algumas pessoas é difícil compre- ender que também aquilo que pensam e planejam secretamente atua num sis- tema, sobretudo se está simultaneamen- te em contraposição ao que dizem e fa- zem. O momento O seu companheiro lhe dá um sinal evi- dente que não quer se decidir por você, e seria bom se você levasse isso a sério. Entretanto, desfrute o relacionamento enquanto durar. Exemplo: o labirinto da alma mãe: “Por favor.” Nós tateamos no escu- ro e vamos para frente, com a imagem da mãe perante os olhos e dizemos: “Por favor, por favor.” Cada “por favor” é um passo para frente. Então a batida do coração fica um pouco mais rápida. Os passos ficam um pouco maiores. Entretanto, ainda continua es- curo. A cada passo e a cada batida do coração você diz: “Obrigada.” E diz ao seu falecido marido: “Obrigada.” Então comece a respirar mais profunda- mente, a cada “obrigada.” Inspire e ex- pire profundamente. Entretanto, ainda continua escuro no labirinto. Devo conti- nuar a andar com você no labirinto do amor? Mulher: Por favor. Hellinger: Sim, com prazer. Agora a cada passo vem um ”Sim.” É um sim bem es- pecial. Um sim para a vida e um sim para a morte, para ambos. Você diz sim para a sua vida e sim também para a morte de seu marido. Esta morte pertence à vida dele. Sim. Agora olhe para o seu marido atual e diga também para ele: sim. Um cão atado a uma corda longa prefere voltar Em primeiro lugar é confiar que algumas coisas se tornam boas como por si só, quando ficamos quietos. Por exemplo, quando você libera internamente o seu marido, assim como o seu filho. Quando você fica em silêncio dentro de si, uma boa força poderá se desenvolver neles. A concordância As relações entre os seres humanos têm sucesso, da maneira como são, e não da maneira que deveriam ser. A seriedade Leve a sério a observação de seu marido de que ele não te ama mais. Encaminhe o divórcio. Procurar um apartamento e mudar é ele que precisa, em primeiro lugar. Somente se ele se recusar, é que você vai empreender algo. A realização da vida A realização da vida é algo simples. A realização da vida é: obrigado, por favor, sim. Isso é a realização da vida. Em muitas situações, não importa como sejam, dizemos: sim, por favor, obrigado. Nessas palavras estão contidas o mais simples. O grande e profundo amor entre o homem e a mulher é o mais simples que existe – se simplesmente puder ficar com o sim, por favor, obrigado. 12 O amor que sabe A idéia de que devem e podem assumir algo pelos pais ou ancestrais faz parte do pano de fundo que causa dificulda- des aos filhos. Isso leva a problemas in- termináveis para eles. E de certa forma também para os pais. Para entendermos isso é necessário que saibamos algo so- bre a diferença entre as diversas consci- ências. A boa e a má consciência Nós sentimos a nossa consciência como boa e má consciência, como inocência e culpa. Muitos pensam que isso teria a ver com o bom e o mau. Contudo, não é Ajudar as Crianças assim. Isso tem a ver com o vínculo à família e com a separação dela. Cada um de nós sabe, intuitivamente, com a ajuda de sua consciência, o que deve fazer para fazer parte dela. Uma criança sabe, intui- tivamente, o que deve fazer para per- tencer à família. Se se comportar de ma- neira correspondente ela tem uma boa consciência. Uma boa consciência signi- fica então: eu sinto que tenho o direito de pertencer. Se uma criança se desvia disso ou se nós nos desviamos disso, temos medo de perder o pertencimento. Sentimos esse medo como uma má consciência. Uma má consciência significa, portanto: tenho medo de ter colocado em jogo o meu direito de pertencer. Sentimos a boa e a má consciência de formas diferentes em diferentes grupos. Até as sentimos de forma diferente, con- forme cada pessoa. Por isso temos, por exemplo, em relação ao pai uma consci- ência diferente da que temos em rela- ção à mãe e na profissão uma outra cons- ciência diferente da que temos em casa. Portanto, a consciência muda continua- mente porque temos de grupo a grupo e de pessoa a pessoa uma outra percep- ção, pois de grupo a grupo e de pessoa a pessoa o que devemos fazer ou deixar de fazer é algo diferente, para podermos pertencer. Com a ajuda da consciênciatambém di- ferenciamos aqueles que nos pertencem daqueles que não nos pertencem. Na 13 medida em que a consciência nos vincu- la à nossa família, ela nos separa de ou- tros grupos ou pessoas e exige de nós que nos separemos deles. Por isso, devi- do à nossa consciência temos freqüentemente sentimentos de rejeição e até de inimizade em relação a outras pessoas e a outros grupos. Essa rejeição tem a ver com a necessidade do pertencimento e tem pouco ou quase nada a ver com o bom e o mau. Portanto, essa consciência é uma consci- ência que sentimos. Com a ajuda dessa consciência, diferenciamos entre o bom e o mau, mas sempre apenas em rela- ção a um determinado grupo. O emaranhamento Contudo, existe ainda uma outra consci- ência oculta, uma consciência arcaica, uma consciência coletiva. Essa consciên- cia segue outras leis diferentes daquelas ditadas pela consciência que sentimos. É a consciência do grupo. Essa consciência vela para que numa família todos se sub- metam a determinadas ordens que são importantes para a sua sobrevivência e união. Em primeiro lugar, o que faz parte des- sas ordens, é que cada um que pertence tem o mesmo direito de pertencer. Con- tudo, sob a influência da consciência que sentimos, algumas vezes excluímos al- gumas pessoas da família. Por exemplo, aqueles que pensamos que são maus, também aqueles dos quais temos medo. Nós os excluímos porque pensamos que sejam perigosos para nós. Contudo, através dessa outra consciên- cia oculta, aquilo que fazemos de boa consciência, seguindo a consciência que sentimos, será condenado. Pois esta ou- tra consciência não tolera que alguém seja excluído. Entretanto, se isso acontecer, alguém será posteriomente condenado, sob a influência dessa consciência ocul- ta, a imitar e representar um excluído em sua vida, sem que tenha consciência dis- so. Denomino essa ligação inconsciente com uma pessoa excluída de “emaranhamento”. Por isso, podemos entender que muitos filhos, os quais pensamos que estão se comportando de forma estranha ou estariam em perigo de se suicidar, ou se tornam drogadictos ou não importa o que seja, estão conectados com uma pessoa excluída. Estão emaranhados com essa pessoa. Por isso só podemos ajudá- los se eles e outras pessoas na família tiverem em seu campo de visão essa pessoa excluída, colocando-a novamen- te na família e no próprio coração. De- pois disso, os filhos estarão liberados do emaranhamento. Para ajudar esse tipo de filhos, outros membros familiares que até então igno- raram essas pessoas precisam finalmen- te olhar para elas. E aqueles com os quais estavam zangadas ou rejeitaram precisam se dedicar a elas com amor e acolhê-las novamente na família. Esse é o pano de fundo para muitas dificuldades que as crianças têm, e também a preocupação que algumas vezes seus pais têm por elas. O amor cego Contudo, existe para essa consciência oculta ainda uma outra lei. Essa lei tam- bém traz dificuldades às crianças. Essa lei exige que aqueles que pertenceram an- tes à família, tenham precedência em relação àqueles que vieram mais tarde. Portanto, existe entre os membros ante- riores e os posteriores uma hierarquia. Essa hierarquia precisa ser obedecida. Contudo, muitas crianças tomam a liber- dade de assumir algo pelos pais para ajudá-los. Com isso transgridem a hierar- quia. Então a criança diz para a mãe ou pra o pai, sob a influência dessa consci- ência, frases internas, tais como:” Eu as- sumo isso por você. “Eu expio por você.” “Vou adoecer em seu lugar.” “Vou mor- rer em seu lugar.” Tudo isso acontece por amor, mas por um amor cego. Esse amor cego leva às drogas ou a perigo de vida e comportamentos agressivos. Entretan- to, estes tipos de comportamento e es- ses perigos têm a ver com a tentativa de assumir algo pelos pais. Essa ordem é violada e ferida dessa forma. A ordem Quando ficamos sabendo dessa ordem, podemos restabelecê-la novamente. Isso significa, por exemplo: os pais assumem as conseqüências de seu próprio com- portamento, de seu próprio emaranhamento e os carregam sozinhos. Então a criança estará livre. Ela não pre- cisa assumir nada daquilo que é da alça- da dos outros. Contudo, a transgressão da ordem de ori- gem é castigada duramente por essa consciência oculta. Toda criança que ten- ta assumir algo pelos pais ou por outros que vieram antes dela, fracassa. Nenhu- ma tentativa de assumir algo pelos pais tem sucesso. Está sempre fadada ao fra- casso e, na verdade, para todos os en- volvidos. Nós precisamos saber disso. Por isso, ajudamos as crianças a se soltarem dessa intromissão. Ao invés de olhar para as crianças, olhamos primeiro para os pais e deixamos que eles mesmos resolvam os problemas. Se os pais resolverem isso, os filhos se sentem livres. Eles ficam no- vamente tranqüilos e se sentem acolhi- dos. Portanto, estas são duas leis básicas que devemos ter no nosso campo de visão e estar em acordo interno quando se quer ajudar crianças difíceis. 14 Nós entramos no nosso corpo e senti- mos aquilo do que queremos nos livrar no nosso corpo. Por exemplo, uma dor, uma doença, uma tensão, algo que não se sente em casa conosco ou não se sen- te acolhido por nós. Nós entramos nessa dor ou nessa doen- ça e dizemos: “Sim. Eu agora a coloco em minha alma e em meu coração.” Nós entramos nesse órgão ou nessa doença ou nessa dor e sentimos: Para onde essa dor ou esse órgão olha? Para que pessoa? Essa dor ou essa doença diz a essa pes- soa: “Eu te amo. Eu a trago à me- mória. Eu te represento.” Com esse órgão, com essa dor ou com essa doença olhamos para essa pessoa e di- Eu tomo você em meu coração Vou fazer com vocês uma meditação, para que possamos sentir o que significa: alguém foi excluído e alguém é incluído. Farei isso em vários níveis, começando pelo nível físico. zemos a ela: “Eu te amo também. Agora coloco você em meu coração e na mi- nha família e no meu corpo.” – E senti- mos o efeito. Depois que tivermos colocado essa pes- soa em nossa alma, no próximo nível olhamos para o nosso parceiro e suas dores. Olhamos para o parceiro e olha- mos com as suas dores para essa pessoa que foi esquecida ou excluida em sua família. Em seu lugar dizemos para essa pessoa.” Eu te amo. Eu te coloco em meu coração e na minha alma.” Aqui precisa- mos saber que algumas vezes o nosso parceiro representa alguém que foi ex- cluído em minha família, e com isso está a serviço de meu sistema. Sigamos agora para mais um outro nível. Olhamos para os nossos filhos e nos per- guntamos quando se comportarem de modo estranho ou quando estão doen- tes: para quem estão olhando na família dos pais? Quem trazem à memória com seu comportamento ou sua doença? Olhamos com eles para essa pessoa e dizemos a ela: “Sim, eu também te amo. Eu também lhe dou agora um lugar em minha alma. Você pode estar e perma- necer conosco.” 15 Nós imaginamos que estamos perante todos as pessoas que nos pertencem: nossos irmãos, nossos pais e seus irmãos, nossos avós, nossos bisavós e ainda mui- tas outras pessoas com as quais estamos especialmente ligados, como, por exem- plo nosso parceiro e nossos próprios fi- lhos. Todos nós formamos um círculo e nos seguramos pelas mãos. Todos olham uns para os outros. Utilizemos o tempo total, até que tenhamos olhado todos e todos nos tenham olhado. Nós nos per- mitimos sentir o efeito que tem em nós, em nossa alma e no nosso corpo. Então imaginamos que cada pessoa des- se círculo uma após a outra entra no cen- tro e é olhada por todas. Para isso tam- bém permitimos utilizar o tempo total. No final, nós também entramos no cen- tro do círculo e deixamos ser olhados por todos com amor. Depois voltamos nova- mente para o círculo. Todos continuam se segurando pelas mãos. Então fecham os olhos. Eles todos se soltam e se permitem recair na ori- gem que acolhe e sustenta a todos. Na profundeza da origem nos tornamos um com todas as pessoas que existiram. Elas estão ainda presentes em nós e na nossa alma em comum. Nessa grande alma to- dos estamos acolhidos. Nela estamos em casa. A grande alma Paraa seguinte meditação precisamos de um pouco mais de tempo. Podemos também fazê-la em mais dias. Com a grande alma quero dizer aqui a alma comum que nos liga aos nossos antepassados e no final até a todos os seres humanos, os vivos e os mortos. 16 Hellinger para uma mulher, cuja filha sofreu uma lesão durante o parto e fa- leceu cedo: Gostaria, neste contexto, de falar algo sobre a culpa. Não no sentido moral, isso está bem longe de mim. Freqüentemente nos sentimos culpados porque alguém, de certa forma, foi pre- judicado por nossa causa. Por isso, freqüentemente também temos em re- lação a um aborto provocado um senti- mento de culpa. Pode ser também que uma mãe tenha um sentimento de culpa quando durante o parto uma criança so- fre uma lesão, que talvez tenha levado a uma deficiência permanente. Freqüentemente as mães se sentem res- ponsáveis e culpadas por isso. Existem dois modos de lidar com uma culpa desse tipo. Um deles é o sentimen- to de culpa. O sentimento de culpa sig- nifica que eu não olho para a pessoa em relação a qual me sinto culpado, mas para mim. Eu lamento algo e penso que po- deria e deveria ter agido de outra forma. Então tenho um sentimento de culpa. Esse sentimento de culpa é um substitutivo para a ação. Quem se sente culpado dessa forma, não age. Permane- ce passivo. Existe ainda um outro modo de lidar com a culpa. Olhamos para aquilo que acon- teceu, do jeito que é, do jeito que acon- teceu e dizemos: “Eu concordo com isso do jeito que foi. Eu também concordo com as conseqüências, todas as conse- qüências, não importa o que resultar dis- so para mim e para os outros. Nesse momento não temos mais nenhum sen- timento de culpa, mas ganhamos a força para fazer algo, geralmente fazer algo de bom. Com isso a culpa leva a uma boa ação, e também estará acolhida de uma boa forma. Em relação à culpa existe algo ainda para Pais Golpes do destino se pensar, principalmente quando senti- mos culpa. Atrás desse sentimento de culpa muitas vezes existe uma arrogân- cia. Pensamos que éramos livres para fa- zer algo de uma outra forma. Agora olhe para além dessa criança mor- ta. Imagine que ela está deitada à sua frente. Agora olhe para bem longe dessa criança – para o seu destino que é maior do que você. Peça ao destino para en- carregar-se dela e de você também, tan- to de uma quanto da outra. Você perce- be a diferença? Lá, essa criança deficien- te que está morta encontra a calma e a paz. Lá, todos estão acolhidos - da mes- ma forma. 17 Vou dar um exemplo bem simples. Como estão os filhos sobre os quais os pais se preocupam? Esses filhos vão bem ou mal? Têm mais ou menos força para viver? Contudo, muitos pais pensam que se preocupam com os filhos por amor. Mas os filhos poderão respirar aliviados se os pais renunciarem ao poder do amor com o qual acham que podem e devem in- terferir no destino deles. Portanto, em relação ao amor é melhor olharmos para o amor que serve à vida, levando aquilo que está próximo e com o qual nos pre- ocupamos, para algo maior. Certa vez, veio para o meu curso uma mãe com seu bebê de cinco meses. Ela estava sentada ao meu lado e apertava a criança no peito. Eu disse a ela: “Olhe para além da criança, para longe.” Ela fez isso. Ela olhou para além da criança, para longe. De repente o bebê respirou fun- do e aliviado. Ele se virou para mim, sor- rindo. Portanto, o amor tem uma medida. Con- tudo, não são apenas os pais que algu- mas vezes perdem a medida do amor. São principalmente os filhos que perdem a medida do amor. Eles não a conhecem. Então assumem algo pelos pais porque pensam que poderiam salvá-los com isso. Essa é uma idéia inacreditável. Mas, os filhos são assim. Ordens do Amor A medida do amor Em relação ao amor existem, muitas vezes, certas dificuldades. Uma dificuldade com o amor é que a ele se liga a idéia de que ele tem poder. Por exemplo, que com a sua ajuda pode-se mudar um destino. Essa idéia é arrogante. Ao invés de servir ao amor, muitas vezes se opõe a ele. Isso tem a ver com o fato de que a crian- ça não conhece a ordem essencial do amor, isto é, que aqueles que vieram antes têm precedência em relação aque- les que vieram depois. Isso significa: os pais têm precedência perante os filhos, o primogênito tem precedência em re- lação ao segundo filho, etc. É válida en- tão uma ordem original. Essa ordem ori- ginal proíbe que uma criança se preocu- pe pelos pais, ou até que os queira salvar. Existem duas dinâmicas básicas do amor, desse amor cego das crianças que se opõe à vida. A primeira dinâmica é, que uma criança diga a um de seus genitores, se um deles morreu cedo, ou também para um irmão ou irmã que morreu cedo: “Eu sigo você.” Por exemplo, freqüentemente um gêmeo quer seguir o irmão gêmeo ou a irmã gêmea na morte. Isso é amor, mas um amor que se opõe à vida. Não é um amor através do qual a vida pode ter êxito. Então existe ainda uma continuação des- sa dinâmica, quando uma criança perce- be que um dos pais quer partir ou mor- rer. Pois, de fato, também freqüntemente um dos pais quer ir embora ou morrer seguindo a dinâmica “Eu sigo você.” En- tão a criança lhe diz internamente: “Eu vou no seu lugar.” Isso também é amor, mas um amor que leva à morte. Aqui faz parte das ordens do amor que respeitemos o destino de cada um, do jeito que é, sem interferir nele, nem mesmo com a vontade de interferir. Este é um amor totalmente diferente. É um amor que sabe e tem força. Ele pode conservar a distância e deixar o outro seguir o destino que lhe foi determina- do. Também nos deixa seguir o nosso próprio destino sem querer mudá-lo atra- vés de uma preocupação exagerada. Portanto, vemos que o grande amor que serve à vida exige algo de nós. Ele exige principalmente a renúncia ao poder. 18 No início de nossa vida está o amor de nossos pais como casal. Nós somos o fru- to de seu amor. O primeiro passo de nosso amor para os nossos pais é que nós olhemos para eles como nossos pais e tomemos a nossa vida como um pre- sente. Então olhamos para além de nos- sos pais para a fonte de todas as vidas e tomamos nossa vida dessa fonte, como ela vem de lá para nós. Esse amor signi- fica: tomar, tomar como vem, sem restri- ções e sem excluir nada. Totalmente, da forma que vem desses pais e dessa fon- te para nós. Aprendendo a amar Gostaria de dizer algo sobre as ordens do amor no relacionamento a dois. Quem espera no relacionamento a dois principalmente por algo para si, no sentido de que o parceiro está presente principalmente para si, ainda não está pronto para um relacionamento a dois. Pois no amor existe um desenvolvimento. Esse desenvolvimento precisa preceder ao relacionamento. Quando alguém faz censuras aos seus pais ou quando tem expectativas em relação a eles que vão para além daquilo que as pessoas comuns podem presen- tear, não toma mais sua vida em sua ple- nitude. Com isso fica empobrecido em sua alma já no início de sua vida. Esse amor começa com o tomar a vida, como ela vem desse amor de nossos pais para nós. Esse tomar a vida plenamente, como ela vem é um amor muito profundo. É certo que nossos pais estão inseridos em muitas coisas. Um dia também foram filhos e também provêm de uma deter- minada família. Eles também foram mar- cados por essa família e ganharam uma força especial. Também um desafio es- pecial chega para eles de sua família. Eles pertencem a uma determinada cultura e a um determinado idioma e religião. To- das essas circunstâncias pertencem à vida deles e à nossa também. Nós tomamos essa vida de nossos pais sob essas cir- cunstâncias exatas nas quais eles tiveram que viver e concordamos com eles: “Sim, eu os tomo dessa forma como meus pais, e vocês podem me ter dessa forma como o filho de vocês.” 19 Então imaginamos o que os nossos pais nos deram e presentearam através de muitos anos. Eles nos sustentaram, nos vestiram, nos protegeram. Eles sempre pensaram em nós e se perguntaram: “De que é que a criança precisa?” E eles fica- ram preocupados conosco durante mui- tos anos. Nós tomamos delese dizemos: “Obrigado, eu tomo de vocês dessa for- ma com tudo que está ligado a isso – e pelo preço total que custou a vocês. Tam- bém pelo preço que me custou através das circunstâncias e dificuldades que exis- tiram, que vocês tiveram e que eu tive. A minha vida vale esse preço. Eu tomo assim, como recebi de vocês e faço algo disso, algo do qual vocês, como meus pais, vão se alegrar. Vocês devem saber que eu tomei de vocês, em sua plenitu- de, e fiz algo disso.” Meditação Eu amo vocês dessa forma Nós podemos fazer um pequeno exercício em relação a isso. Imaginamos que estamos perante nossos pais como crianças, como crianças pequenas. Nós olhamos para eles, como crianças pequenas olham para os seus pais, com um amor e dedicação inacreditáveis. Crianças pequenas olham para seus pais com dedicação — totalmente dedicados a eles. E agora olhamos dessa forma para nossa mãe e para nosso pai, como são, exatamente como são. Nós dizemos a eles: “Sim, eu amo vocês dessa forma, como vocês são. Vocês são meus pais. Você é minha mãe. Você é meu pai, e eu sou a criança amada de vocês.” 20 Ainda algo se opõe a esse tomar. Porque os pais são comuns, tão comuns como nós também, fizeram muitas coisas erra- das. Existem aqueles pais que batem nos seus filhos. Existem também situações onde houve abuso de crianças. Então uma criança assim censura os pais e diz tal- vez: “Não quero saber mais nada de vocês” , ou não importa como se com- portam. Eles recusam o amor e pensam que teriam direito a isso. Ver os pais como seres humanos Algumas vezes algo se opõe a esse tomar os pais do jeito que são, e tomar tudo aquilo que vem deles, isto é, uma expectativa em relação a eles, que vai para muito além do que seres comuns podem dar. Nós os colocamos, por assim dizer, ao lado de Deus e ficamos zangados com eles se não são como o querido Deus. Isso não é estranho? Essa expectativa impede que tomemos tudo o que nossos pais deram e querem realmente dar para nós. 21 Entretanto, algumas reflexões sobre Deus ajudam a vida se as observarmos mais exatamente. Por exemplo, recentemen- te algo surpreendente me abriu os olhos, que, na verdade, Deus é imperfeito, e, com efeito, necessariamente. Se, portan- to, até Deus deve ser imperfeito, os nos- sos pais precisam então ser perfeitos? Quero esclarecer mais precisamente o que isso significa. Atrás da vida, atrás de tudo que se move, uma força criativa está atuando. Isso é compreensivel. Não po- demos imaginar isso de uma outra for- ma. Essas forças não vêm de nós. Elas vêm de outro lugar. Essas forças criativas são criativas porque o que veio antes era imperfeito. O criativo pressupõe o im- perfeito. Portanto, esse movimento cria- tivo ou esse movimento divino é sem- O imperfeito Neste contexto ainda fiz algumas reflexões sobre Deus. Podemos fazer todas as reflexões possíveis sobre Deus. Elas todas não estão certas. Pois quem sabe realmente algo sobre Deus? pre incompleto. Freqüentemente tam- bém é falho. Freqüentemente ele se encaminhou para a direção errada de for- ma que surgem conflitos em relação à direção certa. Através do conflito e da discussão chegamos à compreensão em direção ao que deve ser o próximo pas- so. Nós não temos essa compreensão partindo de nós ou de nossos conflitos. O próprio movimento criativo necessita do imperfeito e até do errado para a con- tinuação de seu desenvolvimento. Nossos pais também estavam inseridos num movimento assim, imperfeito, com erros e também com culpa. Agora pode- mos entrar em vibração nesse movimento imperfeito e concordar com ele, também com o “mau” (entre aspas). Na medida em que concordamos com ele e entra- mos em vibração com esse movimento, chega do imperfeito algo melhor, uma nova força. Isso é válido para tudo que vivenciamos como crianças, sem diferen- ciação. Tão logo aceitemos isso como parte de um movimento criativo da vida em algo maior e concordamos com ele, como foi, não importa o que tenha exi- gido de nós. Então se comprova no final que tudo foi bom para nós, não importa o que tenha acontecido. Serviu ao nosso crescimento. Então nos expomos tambem ao ruim e ao pesado e concor- damos com isso. Nós dizemos: “Sim, isso foi parte de um movimento criativo. Tudo que foi ruim, me impulsionou para algo novo e melhor. Porque eu concordo com isso também, isso se tornou uma força para mim.” 22 Freqüentemente os filhos querem dar cedo demais. Eles amam os pais e querem fazer algo por eles, algo que não é de sua alçada. O que vale aqui é que o que precisam fazer principal- mente é tomar ao invés de dar. To- mar, tomar, tomar é o início de todo O movimento básico do amor Portanto, o movimento básico do amor, o início do amor é: Tomar, tomar, tomar, tudo como é, simplesmente tomar. Quanto mais tomamos, tanto mais enriquecemos. Esse é o início do amor. Se nós tivermos tomado muito, o amor transborda. Contudo, não antes. o amor que serve à vida. Mais tarde, mais ou menos aos 20 anos, a criança não agüenta mais sim- plesmente tomar. Agora ela quer fa- zer algo. Então encontra um parceiro e está pronta e capaz de dar. Não é mais só tomar como uma criança. Já tomou tanto que agora também pode dar. Então existe o intercâmbio amo- roso total do dar e tomar recíproco entre o homem e a mulher. Isso é a medida sobre uma ordem im- portante para o relacionamento en- tre o homem e a mulher. 23 Essa mãe compareceu a um curso meu. Em uma constelação veio à luz que ela, secretamente, ansiava morrer. Até então tinha consciência de sempre ter deseja- do ir embora e finalmente deixar tudo atrás de si. O que estava ligado a esse desejo veio à tona na constelação. Uma irmã sua nascera morta. Ela havia sido esquecida na família e nem sequer tinha um nome. Então a mulher colocou a sua irmã no coração e sentiu a sua boa força. O seu desejo de ir embora e de morrer, cessou. Quando voltou do curso para casa, Marion estava sentada à mesa, com a avó, na cozinha, jogando dados. Ela olhou breve para cima e disse para a mãe que estava entrando: “Mamãe, hoje vou dormir sozi- nha.” Foi assim e permaneceu assim depois. Relato de Günter Schricker Ajudou “Mamãe, hoje vou dormir sozinha” Uma mãe solteira descreve seus problemas com a filha de nove anos que se sente muita angústia: “Todas as noites ela vem para a minha cama. Eu preciso levá-la para a escola e buscá-la pontualmente. Mesmo quando preciso levar um cesto de lixo para baixo, ela sempre precisa ir comigo.” Pequenas histórias desse tipo podem contam muitas coisas para aqueles que trabalham com as constelações. Em relação às transformações durante um curso, as faces vivas e os olhos radiantes, um participante comentou com as seguintes palavras: “Eu acho que estou num resort de beleza.” 24 25 A iluminação é o conhecimento da ordem. A verdade pura é mentira. Em relação ao certo, o encontrar é difícil e o entendimento fácil. A fé exige a negação daquilo que sabemos – e daquilo que não sabemos Frases para reflexão O conhecimento O sábio suporta a pura verdade como uma vaca em relação à cerca de arame farpado, enquanto existir algo para comer, fica afastada, depois procura uma fenda. A preparação para o encontrar é freqüentemente uma renúncia. Apenas de olhos fechados podemos ter “grandes“ idéias”. A ordem é avassaladora. A auto-confiança é o conhecimento de seu próprio caminho. Os sabichões precisam de pouco conhecimento. O que é certo ninguém precisa defender, e o que não é, também não. A serenidade é quando alguém pode deixar algo. Por exemplo, uma preocupação, a revolta do coração depois de uma ofensa, uma humilhação, uma calúnia. Sereno também é aquele que pode deixar os sonhos antigos, as reivindicações antigas, as censuras antigas e com isso liberar o seu coração, de forma que ele fique calmo, sereno e disposto para aquilo que é possivel e nos está sendo presenteado agora. Por isso, sereno é também aquele que perdoa no sentido de que algo pode ficar no passado, sem rancor. Essa serenidade é força sem emoções, disposição centradapara o que vem e para o agora. 26 A serenidade 27 A raiva se expressa de diferentes formas. De uma forma que ajuda ou que assola, de uma forma forte ou fraca. Vou examinar de perto algumas formas da raiva. Examinar de perto A raiva 1. Alguém me agride ou me faz uma injustiça e eu reajo a isso, de forma correspondente, com cólera e raiva. Essa raiva me possibilita defender ou me impor com força. Me habilita a agir, ela é positiva e me fortalece. Essa raiva é objetiva e por isso, adequa- da. Ela se extingue tão logo tenha atingido a meta. 2. Eu fico enfurecido e zangado por- que percebo que não tomei o que poderia e deveria ter tomado; que não exigi o que poderia ou deveria ter exigido ou que não solicitei o que poderia ou deveria ter solicitado. Ao invés de me impor e tomar e buscar o que me faz fal- ta, fico en- furecido e zangado com aqueles dos quais não tomei; exigi ou solicitei, mas que poderia ou deveria ter to- mado, exigido ou solicitado. Essa rai- va é um substituto para a ação e a conseqüência de uma ação omissa. Ela paralisa, torna incapaz, enfraquece e freqüentemente perdura por muito tempo. A raiva atua de modo similar a uma resistência ao amor. Ao invés de ex- pressar o meu amor, ainda por cima fico zangado com aqueles que eu amo. Essa raiva remonta à infância quando surge como conseqüência de um movimento interrompido. A vivência anterior é repetida em situa- ções posteriores, retirando-lhe a força. 3. Estou zangado com uma pessoa porque lhe fiz algo de mal, mas não quero admitir isso. Com essa raiva eu resisto contra as conseqüências de uma culpa. Eu a atribuo a uma outra pessoa. Essa raiva também é um substituto para a própria ação. Ela me permite permanecer passivo. Ela me paraliza e me enfraquece. 4. Alguém me dá tantas coisas boas e grandes que não posso mais devol- ver. Isso é difícil de suportar. Então resisto ao doador e seus regalos, ficando zangado com ele. Essa raiva se expressa como cen- sura, por exemplo, dos fi- lhos contra os pais. Ela se torna um substituto para o tomar e agradecer. Ela nos paralisa e nos esva- zia. Ou isso se expressa como depressão. A de- pressão é o outro lado da censura. A depressão tam- bém serve como substitu- to para o tomar e agrade- cer e dar. Ela nos paraliza e nos esvazia. Ela também se expressa como uma tristeza que permanece durante longo tempo após uma separação, quando ainda devo tomar e agra- decer aos mortos ou ao que está se- parado de mim ou como no terceiro tipo de raiva, admitindo a própria cul- pa e suas conseqüências. 5. Algumas pessoas possuem uma raiva, que assumem de outras e para outras pessoas. Por exemplo, quan- do em um grupo, um participante re- prime sua própria raiva, depois de um certo tempo um outro membro do grupo fica zangado, na maioria das vezes, o mais fraco, que não teria ne- nhum motivo para isso. Nas famílias, esse membro mais fraco é a criança. Por exemplo, se a mãe está zangada com o pai, mas reprime a sua raiva, uma criança vai ficar zangada com ele. O mais fraco é freqüentemente não apenas o portador mas também o alvo da raiva. Por exemplo, quando um subordinado está zangado com o seu superior, mas reprime a raiva em re- lação a ele, muitas vezes descarrega a sua raiva em um mais fraco. Ou quando o marido fica zangado com a sua mulher, mas reprime a sua raiva em relação a ela, uma criança expia no lugar dela. Muitas vezes a raiva não somente é transferida de um portador para uma outra pessoa, por exemplo, da mãe para a criança, mas também é transferida de um forte para um fra- co. Então a filha direciona a raiva que assumiu da mãe em direção ao pai, mas para alguém em relação a qual se sente mais à altura, por exemplo, ao próprio marido. Em grupos, a rai- va assumida não se dirige à pessoa forte, por exemplo, o coordenador de um grupo, mas para um membro fra- co, que se torna o bode expiatório para o forte. Em relação à raiva assumida os agressores estão fora de si e se sen- tem orgulhosos e pensam que têm razão. Mas agem partindo de uma força de um outro e de uma razão de um outro e permanecem sem suces- so e fracos. Também as vítimas da raiva assumida sentem-se fortes e pensam que têm razão, pois sabem que sofrem injustiça. Contudo, elas também permanecem fracas e seu sofrimento infrutífero. 6. Existe uma raiva que é virtude e competência. É desperta, uma força de imposição centrada para algo que deve se transformar, que se expõe de forma ousada e sábia, também peran- te os difíceis e poderosos. Entretan- to, ela é sem emoção. Se for necessá- rio, também faz algo ruim ao outro, sem medo e sem estar zangado com ele. Ela é agressividade como ener- gia pura. Ela é o fruto de uma longa disciplina e exercício; mas quem a ti- ver, a tem sem esforço. Ela se expressa também como uma ação estratégica. 28 29 Para começar ele nos liga a nós mesmos. De repente ouvimos o murmúrio de nos- so sangue, a batida do coração, o pedido de nosso pulmão, a lamentação de nos- so fígado ou de nosso intestino. Senti- mos o desejo pela reunião como um expectativa centrada, ouvimos o soar conjunto de todas as células como uma grande sinfonia e escutamos admirados, com devoção. O que soa mais fundo e pleno do que esta grande sinfonia? Como é que poderemos algum dia ficarmos far- tos de ouvir isso? Contudo, o espaço do silêncio se abre ainda mais e nós ouvimos nossa alma. Ela nos conduz muito para além dos li- mites de nosso corpo, em direção a to- dos com os quais estamos conectados através de nossa alma. Nela ainda estão em casa. Eles permanecem presentes, nos dizem algo, solicitam algo, nos presentei- am com algo, olham para nós e esperam por nós. Eles estão simultaneamente pró- ximos e distantes de nós. Na presença deles a nossa alma fala com muitas vozes, como um coro a várias vozes. Entretanto, algumas dessas vozes não Sabedoria a caminho O silêncio O silêncio é o presente. Ele ocorre entre aquilo que foi e aquilo que vem. Nele algo pára: a percepção do mundo externo, o fluxo dos pensamentos, o diálogo interno, a preocupação com a próxima ação a ser feita. Nós a liberamos do espaço do silêncio. Distanciando-se deste espaço, abre-se para outras coisas, tornando- se amplo. Pois o silêncio une. estão ainda em sintonia. Ainda não en- contraram o som puro. Se ouvirmos tam- bém essas vozes, depois de um certo tempo ficam límpidas e claras. Pois a grande canção só se realiza depois que cada uma das vozes for ouvida. Ou fa- lando mais exato, só depois de ouvirmos cada uma das vozes, também aquela que parece destoar, a canção toda se realiza para nós e se realiza em nós mesmos. Se abrirmos nossos olhos no silêncio e olharmos e ouvirmos ao que está ao nos- so redor, os animais e as árvores e tam- bém a menor flor singela. Entretanto, sem ruídos na plenitude do silêncio. Sim, o grande silêncio é poderoso e alto à sua maneira. Algumas vezes dizemos que Deus se recolheu e nós falamos en- tão do silêncio divino. Uma palavra pode soar de forma mais poderosa do que esse silêncio? E, algumas vezes, entre os se- res humanos o silêncio não é a resposta mais clara, mais sublime, a mais válida? Podemos vencer o silêncio, mas apenas por um tempo. Ele espera por nós, algu- mas vezes, por longo tempo. Não pode- mos escapar dele por muito tempo. O Futuro As constelações familiares espirituais O que no início das Constelações Familiares se apresentou como algo bem simples, está alcançando, nesse ínterim, uma dimensão que nos desafia de uma forma que, no início, ainda não tinha sido possível prever. É uma dimensão espiritual que se impõe, algumas vezes, com uma força que pressiona para os bastidores a abordagem anterior das Constelações Familiares, ultrapassando-a. Isso provoca medo em algumas pesso- as. Elas prefeririam se ater aos primórdios das Constelações Familiares, por assim dizer, neutralizar essa nova dimensão, unindo as constelações familiares a ou- tros métodos e em parte também subor- dinando-as. O primeiro choque para muitos foi que nas constelações familiares espirituais,na maioria dos casos, não era necessário uma constelação no sentido habitual e sim, que a constelação habitual algumas vezes blo- queava o caminho para uma solução pro- funda. Os primórdios das constelações familiares Estou falando aqui das constelações fa- miliares onde o cliente escolhia, dentro de um grupo, representantes para os membros de sua família e os colocava uns em relação aos outros num espaço. Depois se perguntava aos representan- tes como se sentiam no seu lugar. De suas respostas surgiam indicações para o que ainda deveria ser modificado na cons- telação ou se alguém ainda tinha que ser acrescentado. Dessas constelações resultaram as pro- fundas compreensões das ordens do amor dentro das relações humanas. Essas com- preensões foram um avanço. Elas abri- ram, em muitos níveis, novas possibili- dades de solução e de ajuda, que antes eram inacessíveis. 30 A consciência A compreensão decisiva, porém, a ver- dadeira, a compreensão que revirou tudo, não veio das constelações familiares. Contudo, ela indicou uma direção às cons- telações familiares, para a qual foram se desenvolvendo cada vez mais e cujo fi- nal ainda não pode ser previsto. Essa compreensão foi uma compreensão es- piritual. Ela me foi presenteada em um caminho do conhecimento espiritual. É a compreensão de como a nossa consci- ência atua. Não apenas a nossa consci- ência que sentimos como uma consciên- cia boa ou má. Foi, principalmente, a compreensão de uma consciência, que nos é amplamente inconsciente, que se- gue outras leis diferentes da nossa cons- ciência consciente. O campo espiritual Somente esta compreensão abriu a por- ta para este campo espiritual, que liga todos os membros de uma família de uma forma que deixa cada um se tornar o destino do outro. A família é sentida aqui num sentido amplo que inclui também aqueles que atuam com seus destinos nos parentes consagüíneos. Este campo espiritual, se for deixado a si mesmo, resiste a transformações. Dessa forma, por exemplo, o que não ficou solucionado em uma geração, será repe- tido de uma forma semelhante na gera- ção seguinte. Pois o não solucionado liga os membros familiares uns aos outros, dando-lhes com isso segurança, a segu- rança da pertinência. O que é isso, isso que sustenta e segura esse campo espiritual e causa a repeti- ção do não solucionado? É a consciência. Os movimentos da alma Contudo, através de uma nova forma das constelações familiares foi revelada uma outra dimensão desse campo espiritual como algo que atua. Ela interrompe a re- petição do não solucionado e abre cami- nhos de solução para além da consciência. O procedimento foi muito simples. Ao invés de constelar uma família no senti- do habitual, foram posicionadas somen- te uma ou duas pessoas. Primeiro, ou o cliente sozinho ou ainda uma outra pes- soa, com a qual estava em conflito, que ele, por exemplo, rejeitara. De repente foram apanhados por um movimento sem que pudessem resistir a ele. Esse movimento sempre seguia na mesma direção. Ele unia o que antes estava se- parado. Portanto, no final, sempre era um movimento de amor. O decisivo nisso foi que não havia mais a necessidade de quase nenhuma condu- ção de fora. A alma procurava e encon- trava a solução por si mesma, quando lhe deixávamos seu espaço e seu tempo, freqüentemente de uma forma totalmen- te imprevisível, freqüentemente também para além das habituais ordens do amor. Contudo, somente quando o condutor da constelação estava em sintonia com essa dimensão da alma e se deixava levar por ela. Como? Quando ele também, ultra- passando os limites da consciência dei- xava encontrar dentro de si com amor o que estava separado. Primeiro eu denominei essa forma da constelação familiar “movimentos da alma”. Também pensei que vinham de um campo espiritual que liga os mem- bros familiares uns aos outros de forma fatal. Mas depois de um certo tempo se mostrou que aqui atua uma dimensão espiritual, para além do campo anímico da consciência. Elas já eram o início dos movimentos do espírito. Os movimentos do espírito Para onde os movimentos do espírito conduzem e como nós entramos em sintonia com eles e como atuamos es- tando em sintonia com eles, em primei- ro lugar experimentaremos em nós pes- soalmente em um caminho do conheci- mento, um caminho do conhecimento espiritual e depois em nossas ações em sintonia com o espírito. Nessas ações conduzimos na medida em que o espíri- to nos conduz. Qual é aqui a compreensão espiritual básica, a compreensão que leva adiante? O movimento do espírito é um movi- mento criativo que leva ao movimento e conserva em movimento tudo aquilo que se movimenta e como se movimen- ta. Por isso todo movimento como ele é, é desejado por esse espírito. Este espíri- to está por trás de cada movimento como ele é, e está dedicado a ele como é. Quem entra em sintonia com esse movimento só pode então entrar em sintonia com ele e permanecer em sintonia com ele, se ele também estiver dedicado e per- manecer dedicado também a todos da mesma forma como é. Principalmente se permancer dedicado a todos os seres humanos como eles são, também a sua família, também a seu destino, também a sua culpa. Aqui se torna visível aquilo que no final significa para nós e para as constelações familiares se seguirmos os movimentos desse espírito ou, falando mais exatamen- te, se esses movimentos nos impulsio- narem e se nós entrarmos em sintonia com eles. O futuro das constelações familiares Podemos voltar novamente atrás, anteri- ormente a essas compreensões? Somen- te pagando um preço alto. Qual é esse preço? Nós voltamos à esfera da consci- ência e em um movimento contra o amor. Eu me coloquei nesse caminho do espí- rito, pessoalmente e no meu trabalho. O que isso significa para as constelações familiares, tenho mostrado desde há al- gum tempo em todos os cursos que ofe- reço, principalmente, pela primeira vez, nos cursos de treinamento. Eu descrevo este caminho também em meus livros, sobretudo os últimos. Nos DVDs, por exemplo em: Aprendendo com Bert Hellinger, um curso de treinamento em Salzburg, 5 DVDs, e em áudio no CD, por exemplo, em Viagens Interiores: O caminho, 8 CDs. Este caminho leva a um outro futuro das constelações familiares, as constelações familiares espirituais. 31 Constelação Familiar 01 Constelação Familiar 02 Constelação Familiar 03 Constelação Familiar 04