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Resenha - Introdução ao estudo das literaturas pós-coloniais - Thomas Bonnici

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS
GEL 205 – Literaturas africanas de língua portuguesa – 1. Semestre de 2023
Profa. Dra. Larissa da Silva Lisboa Sousa
Igor Andrade Barbosa							 22/06/2023
BONNICI, T. Introdução ao estudo das literaturas pós-coloniais. Mimesis, Bauru, v. 19, n. 1, p. 07-23, 1998.
Quando o Bruxo do Neblon constrói um personagem que afirma “eu queria dizer que meu avô foi comensal de dom Pedro II, trocou correspondência com a rainha Vitória, mas sou obrigado a ver essas dançarinas bizarras, tingidas de louro” em Leite Derramado (2009), ele demarca como as consequências do colonialismo estão, ainda, arraigados nas relações sociais de uma comunidade. Buarque utiliza a figura de um narrador idoso e decadente para explorar questões como o racismo, o machismo e a desigualdade social no Brasil. Produções como essa compõem uma obra que ecoa toda a “cultura influenciada pelo processo imperial desde os primórdios da colonização até os dias de hoje” como aponta Thomas Bonnici (1998), ou seja, toda obra escrita a partir de um processo de reflexão ou de subversão aos sistemas coloniais e de questionamento de identidades culturais e políticas, se insere em uma esfera literária de análise crítica: a literatura pós-colonial.
Em Introdução ao estudo das literaturas pós-coloniais (1998), Thomas Bonnici, doutor em Teoria Literária, discute as estratégias colonizadoras para a formação educacional do colonizado através da língua e do cânone literário colonial. O autor, com base em um extenso aparato teórico respaldado em vozes influentes nessa área de pesquisa, desmantela a ideia de que territórios que conquistaram sua independência estão libertos da manipulação colonial. Bonnici redige um texto repleto de indicações que confirmam ao leitor o ilimitado poder imperialista, pois suas raízes são profundas e extensas. Inicialmente o pesquisador introduz o pós-colonialismo e, posteriormente, trabalha o seu desenvolvimento juntamente com conceitos que são caros a essa teoria: o feminismo, a dialética sujeito-objeto, a ab-rogação e a apropriação, o cânone e os processos de descolonização.
Bonnici explicita primeiramente o ato de silenciamento enquanto mecanismo de manipulação do colonizado. O poder foi estruturado para se definir o padrão eurocêntrico nas sociedades, gerando uma relação de dependência e de apagamento da cultura do outro. O autor, então, esclarece o fundamental dos conceitos nas teorias pós-coloniais e define essa literatura como toda a produção dos povos colonizados pelas superiores potências europeias a partir do século XV que se originaram da experiência de colonização e da tensão com o centro imperial. Fundamentadamente, o pesquisador demonstra que o objetivo é compreender o imperialismo e suas influências, além de estabelecer relações entre cultura e imperialismo.
Com o pretexto de educação liberal que oculta a relação de controle e explica o processo de aculturamento fundamentado na negação das origens do colonizado, o dominador reproduz com eficácia a expansão da escrita de sua língua europeia e a valorização de seu cânone literário. Bonnici expõe metodicamente que o desenvolvimento das literaturas pós-coloniais surge com etapas de conscientização nacional que indicam o processo textual – que envolve desde as produções representativas da visão do colonizador até a ruptura com esses padrões emanados – e com a asserção enquanto indivíduos diferentes e silenciados a partir de um processo ideológico de poder. O autor, construindo uma ótima contextualização, aponta como a preservação da linguagem está diretamente ligada ao deslocamento – sociedades como, e.g., a caribenha, tiveram sua linguagem completamente exterminada por um processo de invasão dupla.
Abordando a questão do feminismo, Bonnici evidencia precisamente que a mulher foi duplamente colonizada nas sociedades pós-coloniais devido aos processos de objetificação relacionados à problemática da classe e da raça, além do patriarcado e da romantização da figura feminina no cânone europeu. Textos inseridos na literatura pós-colonial, portanto, buscaram integrar a mulher marginalizada à sociedade.
Explicando a dicotomia sujeito-objeto, o pesquisador indica que a questão do objeto se relaciona ao apagamento da cultura do colonizado, o que ele chama de mudez do sujeito colonial. Logo, a reversão do colonizado-objeto em sujeito dono de sua história está relacionada à literatura pós-colonial, pois constrói a alteridade do colonizado. Esse conceito evoca facilmente a produção do moçambicano Craveirinha quando se reconhece enquanto carvão da exploração europeia, contudo, também se reafirma: “eu serei teu carvão, patrão”, se identificando, agora, como sujeito revolucionário.
Quebrando com o processo de aculturamento, a literatura pós-colonial abrange o processo de ab-rogação, i.e., recusa dos padrões eurocêntricos. Portanto, a partir da apropriação do idioma castiço recebido, o colonizado se desprende desse e valida o seu, se apoiando num processo de sincretismo, o que reafirma o idioma como um instrumento ideologicamente carregado. Dialogando com a ideia de descolonização, Bonnici demonstra que todos esses processos envolvem a recuperação de um idioma e de uma cultura pré-colonial.
A questão do cânone colonial está inserida na tentativa de recusar a literatura europeia tida como essencial e indiscutível. Para isso, os colonizados buscaram descobrir sua própria voz e escrever o que realmente pertence a eles. Isso se relaciona com os apontamentos de Bonnici sobre a reinterpretação e a reescrita, isso é, processos que retomavam os cânones europeus, mas insurgindo a cultura apagada no colonialismo.
O artigo de Thomas Bonnici atesta a importância da teoria pós-colonial enquanto, nas palavras do autor, uma ferramenta teórica para se analisar a literatura desse período que marca a transformação do colonizado em um ser politicamente consciente que enfrenta o opressor com antagonismo sem cessar. O autor estabelece uma base concisa de teóricos para aqueles que se interessam pela área, além de afirmar a importância desses estudos enquanto movimento de recuperação, preservação e documentação de obras. O texto de Bonnici é fundamental para linhas de pesquisas que visam estudar a relação intrínseca entre cultura e poder colonial e, também, para se entender as relações sociais atuais. Afinal, o que Chico Buarque, José Craveirinha e escritores contemporâneos ainda gritam em suas obras é o protesto contra as raízes de uma imposição imperialista, caracterizada pela subjugação, assimilação cultural forçada, hierarquia racial e perpetuação de desigualdades sistêmicas.

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