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ARQUITETURA SUSTENTÁVEL Arquitetura Sustentável Isabela Braga Martins Isabela Braga Martins GRUPO SER EDUCACIONAL gente criando o futuro A arquitetura se coloca como o planejamento, o projeto e a criação do ambiente cons- truído somados à sua integração com o entorno. Sabe-se que o projeto arquitetônico não se desenvolve ao acaso: ele deve ser baseado em princípios e técnicas que sejam adequadas a cada projeto de forma particular. Esses princípios e técnicas, por sua vez, devem acompanhar as necessidades e de- mandas dos usuários, considerando o contexto histórico vigente. No mundo, desde a década de 1960, vem se ampliando o debate acerca da sustentabilidade e formas para sua aplicação como resposta à forma de desenvolvimento não sustentável, que gera muitos resíduos e é baseado no consumo excessivo de recursos naturais e industria- lizados. Então, tornou-se essencial para o arquiteto incluir esse tema e seus conceitos no modo de projetar e construir edi� cações e espaços, aplicando tecnologias que visem a redução do consumo e desperdício, otimizando o uso de recursos naturais. Mas quais são esses conceitos e como eles podem ser aplicados na arquitetura? É o que veremos na disciplina arquitetura sustentável. ARQUITETURA SUSTENTÁVEL Capa_formatoA5.indd 1,3 19/10/2020 12:15:44 © Ser Educacional 2020 Rua Treze de Maio, nº 254, Santo Amaro Recife-PE – CEP 50100-160 *Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência. Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Imagens de ícones/capa: © Shutterstock Presidente do Conselho de Administração Diretor-presidente Diretoria Executiva de Ensino Diretoria Executiva de Serviços Corporativos Diretoria de Ensino a Distância Autoria Projeto Gráfico e Capa Janguiê Diniz Jânyo Diniz Adriano Azevedo Joaldo Diniz Enzo Moreira Isabela Braga Martins DP Content DADOS DO FORNECEDOR Análise de Qualidade, Edição de Texto, Design Instrucional, Edição de Arte, Diagramação, Design Gráfico e Revisão. SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 2 19/10/2020 12:07:01 Boxes ASSISTA Indicação de filmes, vídeos ou similares que trazem informações comple- mentares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado. CITANDO Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa relevante para o estudo do conteúdo abordado. CONTEXTUALIZANDO Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato; demonstra-se a situação histórica do assunto. CURIOSIDADE Informação que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto tratado. DICA Um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado. EXEMPLIFICANDO Informação que retrata de forma objetiva determinado assunto. EXPLICANDO Explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da área de conhecimento trabalhada. SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 3 19/10/2020 12:07:01 Unidade 1 - Arquitetura sustentável: sustentabilidade, energia, vegetação e água Objetivos da unidade ........................................................................................................... 12 Definição e princípios da arquitetura sustentável ........................................................ 13 Agenda 21: global, brasileira e para construção civil ............................................... 14 Arquitetura sustentável e seus princípios .................................................................. 15 Uso de energias limpas ....................................................................................................... 21 Energia solar: aquecimento solar de água e energia solar fotovoltaica ............... 25 Biomassa .......................................................................................................................... 30 Energia eólica .................................................................................................................. 32 Uso de vegetação, sistema para uso racional da água e reuso .................................. 33 Sistema racional de água: princípios para aplicação em edificações .................. 35 Sistema de reuso de águas ........................................................................................... 36 Sistema de aproveitamento de água da chuva .......................................................... 38 Sintetizando ........................................................................................................................... 40 Referências bibliográficas ................................................................................................. 41 Sumário SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 4 19/10/2020 12:07:01 Sumário Unidade 2 - Sustentabilidade aplicada à construção civil: técnicas, materiais e tecnologias Objetivos da unidade ........................................................................................................... 45 Sustentabilidade na construção civil .............................................................................. 46 Principais marcos e certificações de sustentabilidade na construção civil ........ 47 Sustentabilidade nos âmbitos social e econômico .................................................. 49 Integração da edificação com o terreno e o entorno ............................................... 51 Aproveitamento de condições naturais locais: ventos e incidência do sol .......... 52 Materiais sustentáveis ........................................................................................................ 54 Introdução: os materiais nas etapas do processo construtivo ............................... 55 Consumo, perdas e gestão de materiais na construção civil .................................. 56 Os materiais e a sustentabilidade: durabilidade, ciclo de vida e propriedades térmicas ............................................................................................................................ 58 Tecnologias sustentáveis ................................................................................................... 62 Sistema pré-fabricado de madeira (wood frame) ...................................................... 64 Sistema pré-fabricado de estrutura em aço (steel frame) ...................................... 67 Sistema de concreto e PVC ........................................................................................... 69 Impacto ambiental e reaproveitamento de materiais na construção civil ............... 70 Materiais de baixo impacto ambiental ........................................................................ 70 Reaproveitamento de resíduos da construção e demolição (RCDs) ...................... 73 Sintetizando ........................................................................................................................... 75 Referências bibliográficas ................................................................................................. 76 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 5 19/10/2020 12:07:01 Sumário Unidade 3 - Eficiência e sustentabilidade na arquitetura Objetivos da unidade ........................................................................................................... 80 Edifícios eficientes ............................................................................................................. 81 Sustentabilidade e eficiência das edificações .......................................................... 81 Eficiência energética ...................................................................................................... 83 Eficiência no consumo de água ....................................................................................84 Indicadores e certificações de edificações sustentáveis ........................................... 89 Indicadores de sustentabilidade .................................................................................. 89 Selo AQUA ........................................................................................................................ 90 Selo LEED .......................................................................................................................... 93 PBE Edifica ....................................................................................................................... 94 Projetos sustentáveis .......................................................................................................... 98 Escritório verde UTFPR: Curitiba ................................................................................... 98 Novo Mineirão: Belo Horizonte ..................................................................................... 99 BedZED: Londres ........................................................................................................... 102 Casa Eficiente: Florianópolis ....................................................................................... 106 Sintetizando ......................................................................................................................... 111 Referências bibliográficas ............................................................................................... 112 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 6 19/10/2020 12:07:01 Sumário Unidade 4 - Arquitetura sustentável no Brasil e no mundo Objetivos da unidade ......................................................................................................... 117 Fundamentos da sustentabilidade na arquitetura ....................................................... 118 Conceitos acerca da sustentabilidade e certificações “verdes” para edificações .... 118 Sustentabilidade aplicada à construção civil .......................................................... 120 Arquitetura sustentável no Brasil ................................................................................... 126 Sustentabilidade no ambiente construído brasileiro: legislação e políticas o ... 126 Arquitetura bioclimática no Brasil .............................................................................. 128 Estudo de caso: Habitação de interesse social e as normas de desempenho da edificação ................................................................................................................. 133 Arquitetura sustentável no mundo .................................................................................. 135 Ásia e Oceania ............................................................................................................... 135 África ............................................................................................................................... 139 Estados Unidos e Europa ............................................................................................. 141 Sintetizando ......................................................................................................................... 144 Referências bibliográficas ............................................................................................... 145 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 7 19/10/2020 12:07:01 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 8 19/10/2020 12:07:01 Olá alunas(os)! A arquitetura se coloca como o planejamento, o projeto e a criação do am- biente construído somados à sua integração com o entorno. Sabe-se que o projeto arquitetônico não se desenvolve ao acaso: ele deve ser baseado em princípios e técnicas que sejam adequadas a cada projeto de forma particular. Esses princípios e técnicas, por sua vez, devem acompanhar as necessida- des e demandas dos usuários, considerando o contexto histórico vigente. No mundo, desde a década de 1960, vem se ampliando o debate acerca da susten- tabilidade e formas para sua aplicação como resposta à forma de desenvol- vimento não sustentável, que gera muitos resíduos e é baseado no consumo excessivo de recursos naturais e industrializados. Então, tornou-se essencial para o arquiteto incluir esse tema e seus con- ceitos no modo de projetar e construir edifi cações e espaços, aplicando tec- nologias que visem a redução do consumo e desperdício, otimizando o uso de recursos naturais. Mas quais são esses conceitos e como eles podem ser apli- cados na arquitetura? É o que veremos na disciplina arquitetura sustentável. Bons estudos! ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 9 Apresentação SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 9 19/10/2020 12:07:01 Durante a trajetória de formação e especialização, o objetivo foi sendo traçado para retribuir os conhecimentos adquiridos em forma de transmissão de aprendizagem. Dedico a produção desse material a todos os que se fi zeram presente e, principalmente, àqueles que vão utilizá-lo em sua formação. A Professora Isabela Braga Martins é Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Santa Ca- trina (UFSC) e Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2409982009693791 ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 10 A autora SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 10 19/10/2020 12:07:03 ARQUITETURA SUSTENTÁVEL: SUSTENTABILIDADE, ENERGIA, VEGETAÇÃO E ÁGUA. 1 UNIDADE SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 11 19/10/2020 12:07:22 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Trabalhar o conceito de sustentabilidade; Compreender o que é arquitetura sustentável e seus princípios básicos; Conhecer tecnologias adotadas no desenvolvimento da arquitetura sustentável; Explorar fontes de energia renováveis, limpas e não renováveis; Conhecer e compreender o funcionamento das tecnologias de aplicação de energias limpas nas edificações (eólica, solar e biomassa); Assimilar a utilização de sistemas de reuso de águas (cinzas), de captação e aproveitamento de águas pluviais e economizadores de água; Desenvolver a habilidade para elaborar soluções arquitetônicas com base em princípios sustentáveis. Definição e princípios da arqui- tetura sustentável Agenda 21: global, brasileira e para construção civil Arquitetura sustentável e seus princípios Uso de energias limpas Energia solar: aquecimento solar de água e energia solar fotovoltaica Biomassa Energia eólica Uso de vegetação, sistema para uso racional da água e reuso Sistema racional de água: princí- pios para aplicação em edificações Sistema de reuso de águas Sistema de aproveitamento de água da chuva ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 12 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 12 19/10/2020 12:07:22 Definição e princípios da arquitetura sustentável Nesse tópico serão trabalhados conceitos e princípios que envolvem a ar- quitetura sustentável. Em um primeiro momento, será abordado o conceito de sustentabilidade e, em seguida, como ele se insere no campo da arquitetura e no projeto arquitetônico. Sustentabilidade A questão da sustentabilidade tem sido cada vez mais discutida, ao longo das últimas décadas, em face ao crescente consumo de recursos naturais, ao aumento na geração de resíduos e à degradação ambiental. É sob essa pers- pectiva que emerge o paradigma do desenvolvimento sustentável, baseado em três dimensões: social, econômica e ambiental. Esse modelo busca se contrapor ao modelo de desenvolvimento que des- considera, segundo Motta e Aguilar, as “limitações de recursos naturais e as mudanças ambientais e climáticas que visivelmente vem ocorrendo” (2009, p. 85) e, dessa forma, devem envolver ações “ambientalmente responsáveis, so- cialmente justas e economicamente viáveis” (2009, p. 88). Dentre os marcos que pautaram a discussão e afl oramento do termo desenvolvimento susten- tável destaca-se: • O Clube de Roma, em 1968, com a contestação ao modeloeconômico ado- tado pelos países industrializados; • A Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em 1972, em Estocolmo, na Suécia, com a difusão da crítica ambientalista ao modo de vida contemporâneo, dando maior visibilidade pública à questão ambiental. Em sua declaração fi nal, foram indicados 19 princípios relacionados ao meio ambiente; • O Relatório de Brundtland, documento intitulado Our Common Future (Nosso Futuro Comum), publicado em 1987. Esse relatório foi o resultado de debates na Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, formada em 1983 e chefi ada pela ex-primeira-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland. O documento aponta que o desenvolvimento deve res- ponder às necessidades do presente, embora sem comprometer a capacida- de das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades; • A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimen- to, realizada em 1992, no Rio de Janeiro (conhecida como Rio 92 ou Eco 92), e os ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 13 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 13 19/10/2020 12:07:22 documentos nela produzidos, como a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Agenda 21 Global; •A Conferência das Partes - 3 (COP3), realizada em 1997, no Japão, em que ocorreu a assinatura do Protocolo de Quioto. O documento estabelece metas de redução e monitoramento da emissão de gases de efeito estufa, além de mecanismos de implementação para que as metas sejam atingidas, como res- posta às alterações climáticas impulsionadas pelos altos níveis de consumo de fontes de energia não renováveis, baseadas em combustíveis fósseis. O proto- colo foi assinado tanto por países considerados desenvolvidos como por países em desenvolvimento, e sua participação com esses diferentes enquadramen- tos se deu de maneira distinta. Os 35 países signatários designados “industriali- zados” (países desenvolvidos) deveriam reduzir em 5% suas emissões de gases em relação aos níveis de 1990. Já os países signatários em desenvolvimento não foram submetidos ao compromisso de atingir metas específi cas (como os países industrializados), mas se comprometeram a monitorar e elaborar inven- tários de emissões de carbono. Agenda 21: global, brasileira e para construção civil A Agenda 21 Global, publicada na Rio 92 e assinada por 179 países, teve papel de destaque nas questões ambientais e se tornou referência dentro do tema. O documento é composto por 40 capítulos que abrangem quatro seções, sendo elas: dimensões sociais e econômicas; conservação e gerenciamento dos recursos para desenvolvimento; fortalecimento do papel dos grupos prin- cipais; e meios de implementação. Como colocado por Malheiros, Philippi Jr e Coutinho, a agenda representa um “instrumento de comprometimento internacional voltado para o desenvol- vimento sustentável, considerados marcos institucionais para o esforço con- junto de governos de todo o mundo para ações que aliem desenvolvimento e meio ambiente” (2008, p. 8). Além de ressaltar a importância da elaboração de estratégias, planos, polí- ticas e processos em nível global, a Agenda 21 estimulou a elaboração de agen- das em nível nacional, regional e local. No Brasil, o processo de estruturação da Agenda 21 nacional teve início em 1996 e se estendeu até 2002. ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 14 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 14 19/10/2020 12:07:23 O documento, aprovado em 2002, trata sobre desenvolvimento sustentável no Brasil. Foi construído a partir de uma perspectiva multisetorial, consideran- do as diferentes realidades existentes em todas as regiões do País e contando com a participação de segmentos diversifi cados da sociedade. Importante considerar que as discussões fi nais aconteceram em Brasília e culminaram no lançamento de dois documentos: Agenda 21 Brasileira - Ações Prioritárias e Agenda 21 Brasileira - Resultado da Consulta Nacional. Isso posto, um dos principais desafi os no âmbito da Agenda 21 Brasileira é a supervisão e monitoramento de sua implementação. Em 1999, e portanto 7 anos após o lançamento da Agenda 21 Global, foi publicado pelo CIB (Conseil International du Bâtiment / Conselho Internacional de Construção) o documento Agenda 21 on Sustainable Construction (Agenda 21 para Construções Sustentáveis). Segundo John, Silva e Agopyan, o documento traz “conceitos, aspectos e desafi os apresentados pelo chamado desenvolvi- mento sustentável para a construção civil” (2001, p. 3). No entanto, é importante frisar que esse documento foi produzido a partir da realidade de países desenvolvidos, e que a indústria da construção envolve processos, dinâmicas e impactos diferentes em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Sendo assim, os autores apresentam uma proposta de Agenda 21 para a construção brasileira, elencando pontos e estratégias em três áreas, conforme a Agenda 21 on Sustainable Construction: gerenciamento e organização; aspectos de edifícios e produtos de construção; e consumo de recursos. A proposta de construção sustentável está atrelada à prática de uma arquitetura sustentável, que possui alguns princípios e estratégias próprias, como veremos a seguir. Arquitetura sustentável e seus princípios A sustentabilidade se insere no campo da arquitetura e da construção do habitat humano, tanto nas edifi cações quanto no meio urbano. Corbella e Yan- nas defi nem a arquitetura sustentável como a arquitetura que quer criar prédios objetivando o aumento da qualidade de vida do ser humano no ambiente construído e no ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 15 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 15 19/10/2020 12:07:23 seu entorno, integrado com as características da vida e do clima locais, consumindo a menor quantidade de energia compatível com o conforto ambiental, para legar um mundo menos poluído para as futuras gerações (2009, p. 19). A indústria da construção civil e os segmentos industriais diretamente re- lacionados a esta têm papel expressivo na economia de uma nação. Assim, os impactos da construção civil se fazem presentes no meio ambiente e na eco- nomia. Por isso, os impactos ambientais do setor são significativos, especial- mente devido ao consumo de energia, recursos naturais e geração de resíduos. Contudo, o caminho para atingir a sustentabilidade em todas suas dimen- sões passa por mudanças nos processos de produção e consumo adotados, sempre buscando reduzir o desperdício, os excessos, a degradação e a polui- ção ambiental. Lamberts et al. (2007) propõem algumas ações a serem toma- das como princípios para uma arquitetura sustentável: a) Utilização de materiais e componentes que resultem em menor im- pacto ambiental ao longo do seu ciclo de vida É importante realizar uma escolha consciente dos materiais utilizados na construção, buscando aqueles com maior durabilidade. Assim, é recomendado dar preferência aos materiais disponíveis localmente, o que reduz as distâncias a serem percorridas do local de fabricação até o local da construção, reduzin- do, consequentemente, os gastos de energia com transporte. Nesse contexto, uma ferramenta que vem sendo utilizada para avaliar a escolha dos materiais e técnicas construtivas que causam menor impacto ambiental negativo é a Aná- lise do Ciclo de Vida (ACV) da construção. Segundo Tavares, “a Análise de Ciclo de Vida busca identificar e quanti- ficar os impactos visando ainda à geração de parâmetros para compará-los entre bens e serviços similares” (2006, p. 45). Essa ferramenta é baseada em 4 etapas: • Objetivo e escopo: definição do sistema do produto a ser analisado, sua limitação e a subdivisão das etapas de entrada de recursos e as saídas de resí- duos ou emissões; • Análise do inventário: nessa fase quantifica-se a entrada de recursos e saídas de resíduos ou emissões geradas durante todo o ciclo de vida do produ- to analisado; ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 16 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd16 19/10/2020 12:07:23 • Avaliação do impacto: etapa em que se delimita critérios de valoração para impactos e riscos ambientais associados aos fluxos indicados na etapa da análise do inventário; • Interpretação: os resultados são então interpretados e registrados em relatório. A Análise do Ciclo de Vida (ACV), quando aplicada desde a fase inicial de concepção do projeto, pode auxiliar na escolha de materiais e processos que gerem menos impactos negativos ao ambiente, a partir da comparação entre diferentes produtos ou processos/atividades avaliadas. Outra ferramenta si- milar à ACV é a Análise do Ciclo de Vida Energético (ACVE) das edificações, que tem como foco a quantificação e análise do fluxo energético dos insumos dire- tos e indiretos utilizados para erguer a edificação (TAVARES, 2006). EXEMPLIFICANDO Seguindo o mesmo princípio da Análise do Ciclo de Vida de bens e servi- ços, foi desenvolvida outra ferramenta, a Análise do Ciclo de Vida Ener- gético (ACVE) das edificações. Na ACVE, descreve-se e calcula-se os fluxos de energia relativos a um produto da edificação, desde o preparo da matéria prima, passando pelo processo de fabricação do produto, o trans- porte até o canteiro de obras e o gasto operacional, durante a vida útil e manutenção, finalizando no cálculo da energia gasta na desconstrução (descarte, deposição ou reciclagem do produto). Figura 1. Análise do Ciclo de Vida Energético de uma edificação. Fonte: TAVARES, 2006, p. 56. Be rç o Po rtã o Po rtã o Tú m ul o Energia operacional Energia total EEi - Energia embutida inicial (Consumos diretos + indiretos) EEi (Consumos diretos) EE de manutenção Prospecção e preparo de matérias-primas Processo de fabricação Vida útil e manutenção Descarte, deposição ou reciclagem Transporte Transporte Obra Energia de desconstrução ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 17 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 17 19/10/2020 12:07:23 b) Redução na geração de resíduos, práticas de reciclagem, reutilização e descarte responsável dos resquícios de materiais utilizados O objetivo deste princípio é promover a redução do desperdício de mate- riais nas edificações. Deve-se buscar a redução da produção de resíduos desde o canteiro de obras (a partir de melhoria na gestão da obra), assim como buscar o aumento a qualidade do projeto e execução da construção. É possível ainda rein- tegrar parte dos resíduos ao processo construtivo. Além disso, considerar a utili- zação de materiais de construção que gerem menos impactos no meio ambien- te, os chamados materiais ecologicamente corretos, também é uma alternativa. Deve-se priorizar a prática da reciclagem do lixo durante a construção e du- rante a fase de uso e ocupação da edificação, reduzindo o volume de materiais destinados aos aterros sanitários. É importante reduzir as emissões de gases poluentes, tanto durante o processo de construção quanto na fase de uso da edificação. Recomenda-se evitar equipamentos que liberam gases como cloro- fluorcarbono (CFC), que colaboram para o efeito estufa. c) Uso racional dos recursos naturais: água e eficiência energética Com relação ao uso de água, recomenda-se fazer a captação e uso de água da chuva e reuso de águas cinzas (água residual de chuveiros, banheiras, la- vatórios, tanques e máquinas de lavar). Vale ressaltar que o uso de metais e louças de banheiro que necessitam de menor quantidade de água e o uso de equipamentos economizadores também são estratégias para reduzir o consu- mo nas edificações. Já no que se refere à eficiência energética, deve-se buscar aliar a redução do consumo nas edificações à utilização de fontes alternativas, como solar, fo- tovoltaica, eólica, biomassa e biogás, entre outras. Desse modo, os elementos que mais consomem energia e que, portanto, devem ser observados desde a concepção do projeto são: iluminação, desempenho térmico da edificação e, consequente, necessidade de condicionamento artificial, energia para aqueci- mento de água e também energia gasta em aparelhos eletrodomésticos. d) Relação da edificação com o entorno Deve-se buscar dar preferência para locais que já possuam infraestrutura urbana instalada (de drenagem, saneamento, distribuição de energia, viária, por exemplo), reduzindo assim a necessidade de gastos de materiais e energia para instalação de novas estruturas. ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 18 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 18 19/10/2020 12:07:23 Outra forma de reduzir as emissões de gases originados da queima de com- bustíveis automotivos é com o incentivo de deslocamentos por meio de trans- porte coletivo ou mobilidade ativa (pedestres e ciclistas) nos locais. Além disso, a presença de árvores e a utilização de pavimentação permeável podem cola- borar para a redução da formação de ilhas de calor que atingem tanto o interior quanto o exterior da edificação. e) Bem-estar do usuário Um projeto de arquitetura sustentável também tem como princípio nortea- dor o bem-estar do usuário. Corbella e Yannas (2009) apontam três fatores que compõe o conforto ambiental, sendo eles: o conforto térmico, visual e acústico. Conforto térmico, de acordo com a American Society of Heating, Refri- gerating and Air-Conditioning Engineers, Inc. (Associação Americana de En- genheiros de Aquecimento, Refrigeração e Ar Condicionado, a ASHRAE), é “um estado mental que reflete a satisfação com o ambiente térmico que envolve as pessoas” (1999). É, portanto, um conceito subjetivo em relação ao que cada indivíduo considera quente e frio. No entanto, há parâmetros que influenciam nas sensações em geral, como umidade e temperatura do ar (não apenas esses parâmetros isoladamente, mas a combinação entre os dois). Considerando que o ser humano realiza trocas de calor com o meio em que se encontra, através de processos de convecção, condução, radiação e evapotranspiração pelo suor, sabe-se que essas trocas estão diretamente ligadas à sensação de quente e frio. Segundo Ribeiro (2008), a umidade, a temperatura e a velocidade do ar in- fluenciam nas perdas de calor por convecção e evaporação, por exemplo. Sen- do assim, as propriedades dos materiais que compõe as paredes, coberturas e esquadrias, como o isolamento (capacidade de um material de dissipar calor) e a inércia térmica (velocidade com que a temperatura no interior da edificação atinge a temperatura externa) também influenciam no conforto térmico. Conforto visual segundo Lamberts, Dutra e Pereira (2014) é o nível de luz adequado para a atividade a ser realizada em cada área da edificação, consi- derando as necessidades dos usuários. Para a promoção do conforto visual no ambiente, deve-se otimizar a iluminação natural, aliada ao controle da luz que entra no ambiente, evitando ofuscamento, altos contrastes e níveis altos de radiação solar. É importante realizar a integração do projeto de iluminação na- ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 19 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 19 19/10/2020 12:07:23 tural com o de iluminação artificial e buscar a redução do consumo de energia elétrica destinada à alimentação de lâmpadas. Conforto acústico de acordo com Lamberts et. al (2007, p. 17) tem como obje- tivo “atenuar ruídos nas principais áreas de ocupação”. Para isso, é necessário con- trolar a absorção e a reflexão do som - evitando reverberação interferências - pelos materiais utilizados nas paredes, janelas e pisos. É fundamental projetar o ambiente considerando as possíveis fontes de ruído, tanto dentro da edificação quanto o ruí- do urbano, vindo de fora, adequando os materiais utilizados e sua disposição. As decisões de projeto devem ser tomadas de forma a integrar os princípios apresentados. É fundamental considerar as influências do ambiente externo, sabendo que podem afetar diretamente o conforto térmico, visual e acústico. Além disso, é importante também prever a possibilidade de conflitos entre so- luções arquitetônicas: um exemplo é o dimensionamentoe a localização das aberturas - portas e janelas - e a geração de conflitos entre conforto térmico e visual, devido à radiação solar. Nesses casos, deverá haver uma análise particu- lar da situação, visando à maximização do conforto ambiental. A aplicação dos princípios de sustentabilidade, por sua vez, se torna efeti- vamente qualificada quando utilizada em todas as etapas de projeto: na con- cepção, na execução/construção e no uso e manutenção do edifício e do seu entorno. Assim, o diagrama representado na Figura 2 indica como a sustenta- bilidade pode ser inserida ainda na etapa inicial do projeto, em sua concepção. Figura 2. Diagrama de sustentabilidade na concepção do projeto. Fonte: MOTTA; AGUILAR, 2009, p. 108. (Adaptada). Su st en ta bi lid ad e Idealização do edifício Sustentabilidade Concepção do edifício Sustentabilidade Requisitos de arquitetura Sustentabilidade Projeto de produção Sustentabilidade Requisitos de estrutura Sustentabilidade Projeto de sistemas prediais Sustentabilidade Requisitos de sistemas prediais Requisitos de produção Sustentabilidade Projeto de estrutura Sustentabilidade Sustentabilidade Projeto de arquitetura Sustentabilidade Aspectos estéticos Sustentabilidade Aspectos técnicos Sustentabilidade Aspectos funcionais ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 20 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 20 19/10/2020 12:07:23 É evidente a busca pela aplicação dos princípios da arquitetura sustentável e suas estratégias na escala da edifi cação. No entanto, é importante aplicar es- ses princípios também nas infraestruturas urbanas para transporte, comunicação, suprimento de água, esgoto e energia e, assim, aten- der às necessidades da população. É importante ainda ressaltar que o arquiteto deve considerar, desde a concepção do projeto, fatores como o clima e os condicionantes locais, sempre visando a construção de edifi cações com baixo con- sumo energético, integração com o ambiente em seu entorno e conforto ambiental para seus usuários. Uso de energias limpas Princípios e conceitos básicos sobre energia e matriz energética brasileira A energia permite a realização das mais variadas atividades no nosso co- tidiano através do funcionamento de diversos dispositivos: luz elétrica, aque- cedor de água do chuveiro, equipamentos eletrônicos e eletrodomésticos. Além disso, é utilizada no funcionamento de meios de transporte e indústrias. Assim, as fontes primárias de energia são classifi cadas, fundamentalmente, como renováveis ou não renováveis. Sabe-se que as fontes não renováveis são aquelas que podem se esgotar por terem uma velocidade de consumo maior que a velocidade necessária para sua formação na natureza. Entre as fontes de energia não renováveis as mais comuns são os com- bustíveis fósseis, que, de acordo com a defi nição do CBIE, ou Centro Brasi- leiro de Infraestrutura (2018), “são materiais orgânicos contendo energia de fotossíntese, criados por exposição ao calor e pressão na crosta terrestre e acumulados sob uma forma sedimentar, que podem ser utilizados como fon- te de energia, ao serem queimados em equipamento apropriado”. São exem- plos de combustíveis fósseis petróleo, gás natural e carvão. Além deles, os combustíveis radioativos (como urânio, plutônio, entre outros) também são fontes não renováveis de energia. Um dos principais impactos ambientais negativos, relativos ao consumo de combustíveis fósseis e radioativos e seus derivados, é a emissão de Gases ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 21 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 21 19/10/2020 12:07:23 de Efeito Estufa (GEE) e poluentes atmosféricos, resultantes da sua com- bustão. Dentre os principais GEEs estão gás carbônico (CO2), proveniente da queima de combustíveis fósseis e desmatamentos; metano (CH4), componen- te primário do gás natural, emitido também por aterros sanitários e quei- ma de biomassa; óxido nitroso (N2O), emitido com a queima de biomassa, desmatamentos e combustíveis fósseis; e clorofluorcarbono (CFC), utilizado em geladeiras, aparelhos de ar condicionado, isolamento térmico e aerossóis. Como principais exemplos dos gases poluentes atmosféricos estão dióxido de enxofre (SO2), dióxido de nitrogênio (NO2), monóxido de ozônio (CO) e hidrocarbonetos (HCs). EXPLICANDO Segundo Molion, o sol emite radiação eletromagnética e parte das ondas atravessa a atmosfera terrestre. A maioria é absorvida pela superfície, aquecendo-a. Porém, parte dessa radiação é refletida de volta para o es- paço e é aí que entra a atuação dos gases de efeito estufa: “a absorção/ emissão desses gases pelas várias camadas atmosféricas reduz a perda de radiação emitida pela superfície, que escaparia para o espaço exterior, e constitui o chamado efeito-estufa” (2008, p. 8). O resultado é o aumento na média das temperaturas na Terra. Já as fontes renováveis de energia são aquelas reabastecidas por pro- cessos naturais a uma taxa igual ou superior à taxa em que são consumidas. Nessa classificação, enquadra-se qualquer forma de energia solar, geofísica ou fontes biológicas. Dessa maneira, são exemplos de fontes de energia reno- vável: solar, eólica, geotérmica, hidrelétrica e biomassa. No contexto das matrizes energéticas, surge ainda o termo “energia limpa”, que pode ser definida como quaisquer fontes que não sejam responsáveis por poluir ou prejudicar, no geral, o meio ambiente. Dentre elas, destacam-se a energia solar, solar fotovoltaica, eólica e biomassa. Assim, a substituição de fontes de energia não renováveis por fontes renováveis e limpas é benéfica e sustentável, uma vez que reduz o impacto ambiental negativo causado pela emissão de gases de efeito estufa e poluentes na atmosfera. É importante lembrar que o Brasil possui uma matriz energética diver- sificada, o que significa dizer que o país conta com uma variedade de fontes primárias disponíveis para transformação em energia elétrica. O Gráfico 1, dis- ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 22 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 22 19/10/2020 12:07:23 ponibilizada pelo Balanço Energético Nacional (BEN), apresenta a matriz ener- gética do Brasil em 2018 (EPE, 2019), apontando as fontes e porcentagem de oferta de cada uma naquele ano. Fonte: EPE, 2019. Os dados do Balanço Energético no Brasil indicam que a maior parte da energia elétrica ofertada no país, equivalente a 66,6%, provém d a força gerada pela água, nas usinas hidrelétricas. Outras fontes de energia renovável também são expressivas no país: biomassa (8,5%), eólica (7,6), além da energia solar (0,5%). As fontes não renováveis – gás natural, de- rivados de petróleo, nuclear e carvão e derivados - representam 16,7% da energia produzida nacio- nalmente. O Gráfi co 2 apresenta a participação de fontes renováveis e não renováveis na matriz elétrica no Brasil (em 2017 e 2018), no mundo (em 2016) e nos países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE (em 2016). Biomassa 8,5% Hiráulica 66,6% Eólica 7,6% Solar 0,5% Gás natural 8,6% Derivados de petróleo 2,4% BRASIL (2018) Carvão e deri- vados 3,2% Nuclear 2,5% GRÁFICO 1. MATRIZ ENERGÉTICA DO BRASIL (2018) ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 23 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 23 19/10/2020 12:07:31 GRÁFICO 2. PARTICIPAÇÃO DE FONTES RENOVÁVEIS E NÃO RENOVÁVEIS NA MATRIZ ENERGÉTICA - BRASIL, MUNDO E OCDE Fonte: EPE, 2019. O gráfico apresentado revela a alta taxa de participação das fontes de ener- gia renováveis no Brasil e, em comparação com as taxas de utilização no mun- do, evidencia uma grande discrepância: enquanto no Brasil 83,3% da energia ofertada provém de fontes renováveis, apenas 24% desse tipo de energia é ofertada nos países ao redor do globo. A alta oferta de energia renovável no Brasil é explicada por sua produção majoritária em usinas hidrelétricas, que utilizam a força das águas para acio- nar as turbinas dos geradores elétricos sendo, portanto, classificadascomo re- nováveis. Ainda assim, é importante destacar o avanço crescente na produção e utilização de energias limpas no País, como eólica, biomassa e solar. EXEMPLIFICANDO Mesmo a geração de energias renováveis pode gerar impactos no am- biente: as usinas hidrelétricas, por exemplo, demandam espaços muito grandes de áreas alagadas e sem ocupação edificada. Isso não significa dizer que elas deixam de ser renováveis ou que sejam danosas do ponto de vista da sustentabilidade, apenas revela que impactos são causados em todos os casos, e por isso é importante avaliá-los e buscar reduzi-los no meio ambiente. 0% 20% 40% 60% 80% 100% Brasil (2018) Brasil (2017) Mundo (2016) OCDE (2016) 83,3% 80,5% 24,0% 23,8% Renováveis Não renováveis ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 24 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 24 19/10/2020 12:07:31 A respeito da energia elétrica, para que ela chegue até a fase de utilização é necessário o encadeamento de algumas etapas prévias, sendo elas: geração/ produção, transmissão e distribuição e transformação da tensão elétrica. A energia gerada nas usinas é transformada em subestações para um ní- vel de tensão (a diferença de potencial elétrico entre dois pontos e que possi- bilita a geração da corrente elétrica, medido em “volts”) adequado e é então transportada em redes de transmissão, que interligam a geração até as es- tações de distribuição. Nesse ponto há uma nova transformação da tensão elétrica e, a partir daí, a energia é conduzida pelas redes de distribuição, que interligam a transmissão (ou subtransmissão, em casos onde não há conexão direta com a rede) aos pontos de consumo, sejam residenciais, comerciais, industriais ou rurais. Fontes de energia limpa nas edifi cações A geração e utilização de fontes limpas de energia podem ser incorporadas ao projeto arquitetônico, uma vez que podem ser geradas na própria edifi ca- ção de forma alternativa (e, muitas vezes, complementar) à energia distribuí- da pelas concessionárias nas redes públicas de distribuição. Outras vezes, sua produção atende às demandas de consumo dos usuários da edifi cação, dis- pensando o uso e pagamento da energia distribuída pelas concessionárias na rede pública de energia. Vale lembrar que o consumo nas edifi cações se concentra nas demandas de iluminação artifi cial, condicionamento do ar, aquecimento da água de chu- veiros, piscinas e torneiras e alimentação de eletrodomésticos e outros apa- relhos elétricos. Energia solar: aquecimento solar de água e energia solar fotovoltaica O território brasileiro localiza-se, majoritariamente, em zona tropical, com grande potencial para geração de energia solar devido à alta incidência de irra- diação do sol. Nesse contexto, é comum a utilização de energia solar de duas formas: a primeira, o aquecimento solar de água, ocorre de maneira indireta a partir da captação da energia solar por painéis, utilizados para aquecer a água de chuveiros, torneiras, piscinas e também para aquecimento de ambientes; a ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 25 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 25 19/10/2020 12:07:31 segunda é o sistema fotovoltaico, que consiste na geração de energia a partir da conversão direta da energia solar em elétrica. Assim, o aquecimento solar de água em edificações consiste na utilização da componente térmica da energia solar, captada por meio de painéis coleto- res que permitem o aquecimento da água de chuveiros, torneiras e piscina até temperaturas próximas aos 100 °C. Normalmente instalados na cobertura ou fachadas das edificações, é necessário que haja um projeto de instalação dos coletores solares. Esse projeto deve envolver o dimensionamento e cálculo da área necessária dos coletores, além de seu posicionamento adequado (maximi- zando a absorção da irradiação solar), para atender as demandas dos usuários. Figura 3. Coletores solares na cobertura de casas. Fonte: SHUTTERSTOCK. Acesso em: 18/08/2020. O circuito de aquecimento solar pode ser classificado como: • Direto: quando a água que circula pelos coletores é a mesma utilizada nos pontos de consumo da edificação; • Indireto: quando o fluido que circula pelos coletores não é utilizado di- retamente nos pontos de consumo da edificação, é necessária a instalação de um trocador de calor para transferir a energia térmica absorvida para a água a ser consumida. O sistema de aquecimento solar de água é constituído fundamentalmente por: ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 26 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 26 19/10/2020 12:07:37 • Coletor solar: capta a energia solar e a converte em energia térmica. Quanto ao tipo, podem ser: planos, tubos, evacuados ou sem cobertura (não possuem isolamento térmico e cobertura de vidro). No Brasil, o tipo mais usual de coletor solar utilizado em edificações é o plano. A energia solar atravessa a cobertura de vidro e é absorvida pela placa co- letora, constituída normalmente de cobre ou alumínio. No seu interior ficam as serpentinas, por onde o fluido a ser aquecido circula. As placas possuem ainda um dispositivo para isolamento térmico na parte posterior e nas laterais, evitando a perda de calor para o ambiente. Normalmente, são instalados nas fachadas ou coberturas das edificações; Canalizações de circulação do fluido a ser aquecido Placa de fundo Isolamento térmico Placa absorvedora de calor Cobertura transparente Gabinete Figura 4. Detalhamento técnico do coletor solar de placa plana. Fonte: LAMBERTS et. al, 2010c, p. 36. • Reservatório térmico (ou boiler): armazena o volume de água aqueci- da, sendo usualmente feito de cobre, polipropileno ou inox. Esse elemento do sistema permite que a água aquecida seja utilizada em períodos em que não há irradiação solar, além de possibilitar também o acúmulo de água aquecida suficiente para as demandas da edificação, para então ser distribuída. Dessa forma, para que esteja sempre cheio, é abastecido pelo reservatório de água fria da edificação. O reservatório é interligado por tubulações que conduzem a água aquecida armazenada até os pontos de consumo (chuveiros, torneiras e piscinas); ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 27 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 27 19/10/2020 12:07:41 • Fonte auxiliar de energia: esse dispositivo é necessário para os períodos em que a irradiação solar é insuficiente para o atendimento das demandas da edificação. Pode ser um aquecedor elétrico, resistor elétrico, bomba de calor ou queima de algum combustível. Em residências, normalmente utiliza-se re- sistores elétricos instalados dentro do reservatório térmico do sistema; • Sistemas de controle: responsável pela garantia do aproveitamento má- ximo da energia solar disponível e pelo funcionamento do sistema de acordo com a demanda. Permite, por exemplo, o controle de acionamento das fontes auxiliares de energia e da bomba de circulação da água aquecida. Nos sistemas de aquecimento solar convencionais, a circulação de água en- tre os coletores solares e o reservatório (boiler) ocorre por meio de um sistema natural chamado termo sifão, visto que a água aquecida no interior dos cole- tores é menos densa que a água fria no interior do reservatório. Pelo princípio físico da diferença de densidade, a água circula entre os coletores e o reser- vatório. No entanto, a circulação da água pode acontecer de forma mecânica, também denominada como forçada, por meio de bombas. Esse sistema pode ser utilizado também para o aquecimento de ambientes, a partir da circulação do fluido aquecido nos coletores solares que siga por tubulações instaladas próximas ao rodapé, sob o piso ou cobertura das edifica- ções. Assim, vale considerar que o aquecimento solar colabora para a redução do consumo de energia elétrica utilizada para aquecer a água de chuveiros, torneiras e piscinas. A energia solar pode ainda ser convertida diretamente em energia elétri- ca por meio de sistemas fotovoltaicos, que utilizam a componente luminosa da energia solar.Dessa forma, a instalação pode ser integrada à edificação, fixada na cobertura ou fachada, e a energia gerada pode ser consumida pela própria casa ou edifício. Nesse caso, o sistema é ligado à rede pública de distribuição (a energia é injetada diretamente na rede pública) de forma que, quando a energia gerada pelo sistema fotovoltaico excede a demanda de consumo da edificação em que está instalada, o excedente é encaminhado para a rede pública e fica disponível para ser utilizado em outras edificações. Já quando a energia gerada é insufi- ciente para as demandas da edificação em questão, a energia distribuída pela rede pública é utilizada. ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 28 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 28 19/10/2020 12:07:41 De acordo com Lamberts et. al (2010c), o sistema fotovoltaico integrado à rede é constituído por: • Painel voltaico: composto pelo conjunto de células solares fotovoltaicas, que são dispositivos formados por semicondutores, sendo usualmente produ- zidas a partir de duas tecnologias: uma com base em silício cristalino e a outra em filmes finos, compostos por películas de diferentes materiais; • Inversor: aparelho que converte a tensão contínua oriunda do painel fo- tovoltaico em tensão alternada, tornando-se própria para alimentar aparelhos elétricos e eletrodomésticos. Figura 5. Funcionamento da geração de energia solar fotovoltaica: sistema conectado à rede. Fonte: PORTAL SOLAR, 2020. (Adaptado). Além dos sistemas voltaicos integrados à rede, o sistema pode ainda ser classificado como isolado. Nesse caso, ele não é conectado à rede pública de energia e, além dos painéis fotovoltaicos e do inversor, o sistema é composto ainda por um banco de baterias e controlador de carga. As baterias servem para armazenamento da energia gerada, permitindo sua utilização nos períodos em que não há radiação solar. Já o controlador de cargas é um aparelho com a função de monitorar a carga ou descarga do banco de bateria. Há ainda o inversor, que é utilizado para converter a tensão contí- nua, advinda das baterias, em tensão alternada, tornando-a adequada para a alimentação de aparelhos elétricos e eletrodomésticos. 1 2 3 4 5 Painel fotovoltaico Quadro de distribuição Alimentação dos aparelhos elétricos Rede pública de energiaInversor1 2 3 4 5 Quadro de luz ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 29 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 29 19/10/2020 12:07:46 Figura 6. Funcionamento da geração de energia solar fotovoltaica: sistema isolado. Fonte: AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA, 2005, p. 37. Biomassa A biomassa é qualquer matéria orgânica que pode ser transformada em energia mecânica, térmica ou elétrica. Pode ser derivada de matérias primas como madeiras, soja, arroz, cana de açúcar ou, ainda, de rejeitos urbanos e in- dustriais sólidos ou líquidos. Vale considerar também que ela tem se destacado como fonte alternativa aos combustíveis fósseis. Ademais, a partir dela, é pos- sível gerar biocombustíveis, como biodiesel e o etanol, além da sua conversão para geração de energia elétrica. De acordo com o Agência Nacional de Energia Elétrica (2008) a energia ge- rada pela biomassa é resultado da conversão da matéria em um produto in- termediário, que será utilizado em uma máquina motriz. Essa máquina produz energia mecânica que aciona o gerador de energia elétrica. Assim, sabe-se que a geração de energia a partir de biomassa tem avançado no Brasil, principal- mente no setor industrial. Na geração de energia elétrica, destaca-se a utilização de biomassa fl ores- tal (a partir de madeiras) e o aumento na utilização da cana de açúcar (uso do bagaço e da palha). Já a biomassa agrícola (partes da soja, milho, arroz e cana de açúcar) tem sido muito utilizada na produção de biocombustíveis. Quanto às técnicas para transformação da matéria-prima da biomassa em energia elé- trica, as mais comuns são: ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 30 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 30 19/10/2020 12:07:51 • Combustão direta: é o método mais utilizado. A queima da biomassa gera vapor, que é utilizado para mover turbinas que produzem eletricidade. A Figura 7 representa o processo. Figura 7. Geração de energia por combustão da biomassa. Fonte: PORTAL ENERGIA, 2020. As fontes primárias de biomassa passam por processo de combustão, sen- do queimadas em fornos. Dessa forma, o vapor gerado a partir da queima da biomassa é armazenado em caldeiras, que por sua vez estão conectadas a tur- binas. Então, o vapor que circula pela tubulação aciona as turbinas do gerador elétrico, transformando a energia cinética da movimentação das turbinas em energia elétrica; • Pirólise (carbonização): consiste no aquecimento da biomassa a tempe- raturas em torno de 200 a 300 °C, o que resulta na criação de um líquido cha- mado óleo de pirólise. Posteriormente esse óleo passa por processo de com- bustão, gerando calor e energia; • Gaseificação: a biomassa é aquecida a uma temperatura de aproximada- mente 700 °C, gerando um gás à base de hidrogênio e monóxido de carbono. Esse gás possui alta capacidade de combustão, podendo ser assim utilizado para geração de energia. No contexto brasileiro, uma aplicação mais comum da biomassa nas edi- ficações é sua utilização no aquecimento de ambientes e de água a partir da queima de lenha ou lascas de madeira em lareiras e fogões à lenha. Usina de distribuição Gerador elétrico Sistema de resfriamento Fontes primárias Fornos Turbina Caldeiras Área de reflorestamento Vapor ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 31 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 31 19/10/2020 12:07:56 Energia eólica A energia eólica é obtida a partir da componente cinética (de movimento) da energia mecânica do vento. A geração da energia eólica ocorre a partir do contato do vento com as pás do catavento: ao girar, as pás produzem energia mecânica que aciona o rotor do aerogerador, produzindo eletricidade, ou seja, ao fi nal do processo, a energia mecânica é convertida em energia elétrica. Em edifi cações, é possível aplicar a energia eólica a partir da instalação de mini usinas eólicas, equipadas por mini turbinas ligadas e por aerogeradores que podem gerar energia para as demandas dos usuários. Tal energia pode ainda ser aplicada para suprir alguma demanda pontual, como apresentado na Figura 8. Figura 8. Aplicação de energia eólica como alimentação de ventiladores. Fonte: JOHN; PRADO, 2010, p. 124. No exemplo apresentado na Figura 8, foram instaladas doze mini turbinas para a geração de energia utilizada por ventiladores da edifi cação. Como prin- cipais fatores que condicionam a quantidade de energia eólica há a densidade do ar no local da instalação da usina eólica, a área coberta pela rotação das pás e a velocidade do vento no local. Por ser renovável, ter grande disponibilidade e independer de importação, a energia eólica se apresenta como uma ótima opção para geração de eletri- cidade em locais com ventos constantes e com velocidade alta. No entanto, Turbina eólica (diâmetro – 914 mm altura 3050 mm) Chaminé de ventilação Ventilador ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 32 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 32 19/10/2020 12:07:56 os custos para instalação do sistema de produção de energia eólica ainda são mais elevados, o que representa um entrave para a expansão do seu uso. Além do uso de energias limpas nas edifi cações, é necessário considerar estratégias de efi ciência energética, buscando reduzir o consumo de forma ge- ral. De acordo com a Organização das Nações Unidas, “efi ciência energética é o procedimento que tem por fi nalidade reduzir o consumo de energia necessário à realização de um determinado trabalho” (2018, p. 17). Assim, um exemplo de aplicação de soluções em efi ciência energética é a substituição por dispositivos que usem menos energia para produzir o mesmo trabalho: no caso, uma lâmpada fl uorescente compacta usa menos energia que uma lâmpada incandescente para pro-duzir a mesma quantidade de luz, por exemplo. O mes- mo pode acontecer com outros dispositivos eletrônicos e eletrodomésticos. Além disso, é importante que o projeto seja integrado, buscando soluções arquitetônicas que incor- porem os diversos aspectos do conforto térmico. Uso de vegetação, sistema para uso racional da água e reuso Um dos métodos mais comuns de aplicação de vegetação nas edifi cações é a instalação de coberturas ou telhados verdes. Na verdade, trata-se de um sistema construtivo composto por camadas especiais que proporcionam a sobrevivência e integridade física de uma massa de vegetação sobre a su- perfície superior da edifi cação. Conforme colocado por Lamberts et. al, “a incorporação de vegetação em superfícies construídas, verticais ou horizontais, é uma prática construtiva bioclimática milenar, que pode ser observada em diversas arqui- teturas vernaculares ao redor do planeta” (2010a, p. 90). Civiliza- ções antigas, como os romanos e os viquingues, já construíam telhados vegetados. Mais recentemente, no século XX, as téc- nicas de construção passaram a se aprimorar, especialmente na Europa, com destaque para a Alemanha. ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 33 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 33 19/10/2020 12:07:56 Nos anos de 1970 e 1980, diversas pesquisas surgiram acerca da eficácia e métodos para aplicação das coberturas verdes, além da aprovação de leis para regulamentação, considerando princípios de eco design e incentivos fi- nanceiros àqueles que utilizam telhados vegetados. No Brasil, no entanto, esse sistema construtivo ainda não é amplamente divulgado e aplicado. Se- gundo Lamberts et al., as coberturas verdes podem ser classificadas segundo dois tipos: • Extensivas: são estruturas leves e com profundidade de solo entre 5 a 15 centímetros; • Intensivas: são estruturas mais robustas e pesadas, com profundidade de solo entre 15 e 90 centímetros, o que permite a utilização de plantas de maior porte, incluindo arbustos e árvores. Normalmente precisam de um sis- tema de irrigação, podendo fazer uso da água retida na drenagem para irrigar as plantas cultivadas (2010a). Figura 9. Estrutura básica da cobertura verde. Fonte: TASSI; TASSINARI; PICCILLI; PERSCH, 2014, p. 143. Impermeabilização Camada vegetação Camada drenagem Camada protetora Estrutura telhado Geotêxtil Substrato A Figura 9 apresenta a estrutura básica de um telhado verde. Em relação à cada camada, afirmam Tassi, Tassinari, Piccilli e Persch que: • Camada de vegetação: é a camada que caracteriza a cobertura verde. Vale ressaltar que é necessário escolher adequadamente as plantas a serem utilizadas, considerando as condições climáticas locais. A vegetação atua na drenagem das águas pluviais, evitando que atinjam o solo, contribuindo, por- tanto, com a drenagem urbana das águas da chuva; ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 34 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 34 19/10/2020 12:08:04 • Substrato: é a camada de solo que sustenta a vegetação e fornece água e nutrientes necessários para sua sobrevivência; • Geotêxtil: funciona como uma camada fi ltro, que separa o substrato e a vegetação da camada destinada à drenagem, evitando que se misturem e prejudiquem o desempenho; • Camada de drenagem: evita alagamentos e colabora na retenção de água para nutrir a vegetação; • Camada protetora: retém umidade e nutrientes, além de proteger a ca- mada de impermeabilização contra o crescimento de raízes das plantas; • Camada de impermeabilização: responsável por evitar o contato da água com a estrutura do telhado. Normalmente é constituída por substâncias hidrorrepelentes; • Estrutura do telhado: deve suportar toda a carga do telhado verde, de- vendo ser calculada e projetada cautelosa e adequadamente. A instalação do telhado verde promove o aumento da efi ciência energética e do conforto térmico e acústico dos usuários, realizando a regulação térmi- ca dos ambientes através da evapotranspiração das plantas. Isto promove a redução do ganho de calor pela cobertura, reduzindo, consequentemente, o calor transmitido para o interior da edifi cação e as temperaturas internas, deixando os ambientes mais frescos. Além disso, colabora para o controle do ruído externo transferido para o interior da edifi cação; auxilia na drenagem de água pluvial a partir da re- tenção da água da chuva, reduzindo o volume de água escoada e que deve ser manejada pela infraestrutura de drenagem urbana tão sobrecarregada; e contribui para a requalifi cação ambiental das cidades, aumentando a propor- ção de áreas verdes, reduzindo as ilhas de calor e colaborando para a melho- ria da qualidade do ar com a liberação do oxigênio produzido pela vegetação. Sistema racional de água: princípios para aplicação em edificações Nos dias atuais, com o reconhecimento da escassez dos recursos hídricos e da necessidade de realizar o uso consciente da água, busca-se métodos e mu- danças de hábitos que visam o consumo responsável, seja por redução ou reu- ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 35 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 35 19/10/2020 12:08:04 tilização. No entanto, o uso racional da água nas edifi cações pode ser desenvol- vido de diversas maneiras, com destaque para captação e aproveitamento de água da chuva, uso de componentes economizadores de água e reuso. A água utilizada nas edifi cações pode ser categorizada segundo sua prove- niência: água cinza, composta por efl uentes derivados de tanques, banheiras, chuveiros, lavatórios e máquinas de lavar roupa e água negra, originada dos efl uentes do vaso sanitário (pode-se considerar aqui também as pias de cozi- nha). Dentro dessa classifi cação, as águas cinzas claras possuem melhor quali- dade que as cinzas escuras e negras. Lamberts et. al (2010b) elucidam os diferentes usos possíveis da água em uma edifi cação, sendo eles: água de abastecimento potável (como água de chuva proveniente da captação em telhados que não sejam utilizados para cir- culação de pessoas ou animais domésticos); águas de chuva para fi ns não po- táveis; águas de reuso para irrigação (águas cinzas e água de chuva oriunda de coberturas verdes ou áreas utilizadas para circulação de pessoas ou animais domésticos); águas residuárias negras. Assim, é possível desenvolver siste- mas de captação de água da chuva e reutilização de acordo com o tipo de uso. Sistema de reuso de águas O sistema de reuso de águas tem como objetivo, como o próprio nome diz, reu- tilizar a água que foi descartada nas edifi cações como forma de reduzir o consu- mo. Antes de serem reutilizadas, as águas passam por tratamento físico/químico/ biológico. Em seguida, são armazenadas em um reservatório e, por fi m, são distri- buídas pelas instalações hidráulicas para reutilização nos pontos de consumo. Em edifi cações residenciais, o sistema de reuso das águas normalmente é baseado na utilização de captação, tratamento e redistribuição de águas cinzas (provenientes de chuveiros, banheiras, lavatórios, tanques e máquinas de lavar). É fundamental que o reservatório e as instalações hidráulicas do sistema de reuso de águas sejam independentes e completamente separados do reserva- tório e instalações de água potável da edifi cação. Dessa forma, é proibida a co- nexão ou cruzamento entre os dois sistemas. Como colocado por May (2009), conforme o nível de tratamento e os tipos de reuso, os sistemas de reuso po- dem ser classifi cados como: ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 36 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 36 19/10/2020 12:08:04 • Reuso indireto: ocorre quando as águas já utilizadas são descarregadas em águas superficiais ou subterrâneas e são então diluídas; • Reuso direto: é o uso planejado e deliberado de esgotos tratados, sem que tenha passado previamente por aglomeração junto às águas superficiais ou subterrâneas e diluição. É possível ainda classificar o reuso da água como potável (apta ao consu- mo direto por seres humanos, sem riscos de contaminação) ounão potável. No sistema de reuso potável direto, o esgoto passa por tratamento avançado e é reutilizado no sistema de água potável. No uso potável indireto, o esgoto é tratado e posteriormente adicionado a águas superficiais ou subterrâneas, que passam por processo de diluição e purificação natural, e por fim fica apto para captação, tratamento e uso potável. Já o uso não potável pode ser des- tinado às edificações em atividades como rega de plantas e jardins, descarga sanitária e lavagem de pisos. O sistema de reuso de águas cinzas é composto por: • Coletores: dispositivos que transportam os efluentes provenientes do chuveiro, lavatório e máquina de lavar roupas ao sistema de armazenamento; • Armazenamento: é realizado por meio de reservatórios de acumulação, que deve ter seu volume adequadamente dimensionado de acordo com a oferta de água cinza e a demanda por seu uso na edificação; • Tratamento: fase de tratamento dos efluentes, que pode ser realiza- do a partir de diversos métodos, sendo os mais convencionais, de acordo com Maccarini, Cauduro e Silva, “sistema físico (por gradeamento, sedimentação e filtração simples através de decantador e filtro de areia ou filtração atra- vés de filtro de camada dupla, composto por areia e antracito); sistema físico-químico (por coagulação, floculação, decantação ou flotação); sistema biológico (por meio de microrganismos aeróbios); de- sinfecção ou correção de pH” (2018, p. 6). A Figura 10 apresenta o funcionamento de um sistema de reuso de águas cinzas em uma edificação. ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 37 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 37 19/10/2020 12:08:04 Reservatório de água potável Rede coletora de esgoto Reservatório de água de reuso Figura 10. Sistema de reuso de águas cinzas. Fonte: MACCARINI; CAUDURO; SILVA, 2018, p. 4. Como indicado na Figura 10, em um primeiro momento, os pontos de consumo de água potável (como lavatórios e chuveiros) são abastecidos pelo reservatório de água potável – vale destacar que a edifi cação possui dois re- servatórios distintos e não conectados: um de água potável, abastecido pela concessionária, e outro para água de reuso. Em seguida, a água utilizada nesses pontos é coletada, para então rece- ber tratamento em uma Estação de Tratamento de Águas Cinzas (ETAC) e ser bombeada para um reservatório superior destinado apenas ao armazena- mento de águas cinzas aptas para reuso. Esse reservatório, por sua vez, ali- menta pontos aptos ao consumo de “águas menos nobres”, como descarga de vasos sanitários, que depois seguem para a rede coletora de esgoto. Sistema de aproveitamento de água da chuva Em locais com índices pluviométricos elevados e/ou com escassez no abas- tecimento de água potável, o sistema de captação, tratamento e reuso de água da chuva representa uma alternativa interessante para edifi cações. É válido informar que um sistema de captação de água da chuva deve conter, basica- mente, os seguintes elementos: ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 38 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 38 19/10/2020 12:08:09 • Área de captação: telhado, laje ou piso; • Sistema de condução de água: composto por calhas, condutores verti- cais e condutores horizontais; • Unidade de tratamento da água: reservatório de limpeza, filtros de de- sinfecção; • Reservatório de acumulação: é onde fica armazenada a água pluvial tra- tada, apta para redistribuição até os pontos de consumo. Além dos elementos básicos descritos, pode haver ainda a necessidade de um sistema de recalque (bombeamento), reservatório superior e rede de dis- tribuição. Para o funcionamento eficiente desse sistema de aproveitamento de água da chuva é necessário que haja uma avaliação da qualidade da água, analisan- do fatores como pH e presença de substâncias contaminantes, o que implica nos métodos necessários para tratamento da água. É fundamental ainda cal- cular o dimensionamento do reservatório e do sistema de condução, de acor- do com os níveis de precipitação local e da demanda de consumo de água de aproveitamento da chuva na edificação. Assim como no sistema de reutilização de águas cinzas, a água captada pela chuva passa por tratamento, para ser então armazenada e distribuída para reutilização em pontos de consumo da edificação, como descargas de vasos sanitários ou sistema de irrigação de plantas e jardim, por exemplo. Além do reuso de águas e do sistema de captação, os componentes economi- zadores de água também colaboram para o uso racional nas edificações. Assim, esses componentes economizadores “têm como objetivo contribuir para a redu- ção do consumo [de água]” (LAMERTS et al., 2010c, p. 27). No entanto, para maior efetividade e para evitar gastos extras, o ideal é incluir esses dispositivos ainda na fase de projeto, pois eles funcionam no controle de aspectos como vazão e dispersão dos jatos d´água em torneiras, chuveiros ou duchas e vasos sanitários. Alguns exemplos de economizadores são: arejador e prolongador de tornei- ra; registro regulador de vazão, de chuveiros e duchas; e válvu- la de descarga com acionamento seletivo, aplicado em vasos sanitários, que tem duas opções de acionamento, uma com maior e outra com menor volume de água, dependendo da presença de efluentes sólidos ou líquidos. ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 39 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 39 19/10/2020 12:08:10 Sintetizando Essa unidade apresentou uma introdução à Arquitetura Sustentável. No pri- meiro tópico vimos algumas definições e princípios acerca da sustentabilidade, bem como sua aplicação na arquitetura. Dessa forma, foram apresentados al- guns marcos sobre o tema da sustentabilidade, principais conferências e docu- mentos publicados. Em seguida, vimos os princípios da arquitetura sustentável, com aspectos como o uso racional de recursos naturais, a importância da relação entre a edi- ficação e o entorno, a escolha dos materiais a serem utilizados e a promoção do bem-estar dos usuários, a partir do conforto térmico, acústico e visual. Vimos ainda a importância de integração das soluções arquitetônicas e a necessidade de “pensar a arquitetura sustentável” em todas as fases de projeto. No segundo tópico, vimos a questão da energia: como é o processo para ob- tenção e uso, tipos de fontes energéticas (renováveis, não renováveis e limpas) e matriz energética brasileira. Em seguida, focamos no uso de energia limpa nas edificações, destacando a energia solar (aquecimento solar de água e siste- ma fotovoltaico), a eólica e a biomassa. No terceiro e último tópico, abordamos o uso de vegetação nas edificações, com o sistema de coberturas verdes, e também os sistemas de uso racional e reuso de água. Tratamos sobre os elementos básicos e funcionamento do sis- tema de reuso de águas (em especial, de águas cinzas); do sistema de captação de água da chuva; e dos dispositivos economizadores de água. Ressaltamos ainda as estratégias de reuso e aproveitamento de águas, mediante processo de tratamento antes de serem reutilizadas. Por fim, para a elaboração de um projeto que preza pelos princípios da sus- tentabilidade, deve-se explorar ao máximo as condições ambientais locais. É fundamental buscar soluções arquitetônicas que proporcionem conforto am- biental aos usuários, redução e uso racional no consumo de energia e de re- cursos naturais. ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 40 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 40 19/10/2020 12:08:10 Referências bibliográficas AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). Atlas da energia elétrica no Brasil. 2. ed. Brasília: ANEEL, 2005. AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). Biomassa. 2008. Disponível em: <http://www2.aneel.gov.br/arquivos/pdf/atlas_par2_cap4.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2020. ASHRAE. Standard 90.1. Atlanta, 1999. CBIE. O que são combustíveis fósseis? 2018. Disponível em: <https://cbie.com. br/artigos/o-que-sao-combustiveis-fosseis/>. Acesso em: 24 jun. 2020 CETESB SP. Gases do efeitoestufa. [s.d.] Disponível em: <https://cetesb.sp.gov. br/proclima/gases-do-efeito-estufa/>. Acesso em: 24 jun. 2020. CORBELLA, O.; YANNAS, S. Em busca de uma arquitetura sustentável para os trópicos: conforto ambiental. 2. ed. 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Acesso em: 25 jun. 2020 PORTAL SOLAR. Como funciona o painel solar fotovoltaico – placas fotovoltai- cas. [s.d.] Disponível em: <https://www.portalsolar.com.br/como-funciona-o-pai- nel-solar-fotovoltaico.html>. Acesso em 17 jun. 2020. RIBEIRO, L. Conforto térmico e a prática do projeto de edificações: recomen- dações para Ribeirão Preto. 2008. 213 f. Dissertação (Mestrado) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2008. TASSI, R.; et al. Telhado verde: uma alternativa sustentável para a gestão das águas pluviais. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 14, n. 1, 2014. TAVARES, S. Metodologia de análise do ciclo de vida energético de edifica- ções residenciais brasileiras. 2006. 225 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós- -graduação em Engenharia Civil, Universidade Federal de Santa Catarina, Floria- nópolis, 2006. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. O sistema elétrico. 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ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 43 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID1.indd 43 19/10/2020 12:08:10 SUSTENTABILIDADE APLICADA À CONSTRUÇÃO CIVIL: TÉCNICAS, MATERIAIS E TECNOLOGIAS 2 UNIDADE SER_ARQURB_ARQSUS_UNID2.indd 44 19/10/2020 12:09:48 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Conhecer os principais marcos e certificações de sustentabilidade na construção civil; Conhecer técnicas de sustentabilidade que envolvem implantação da edificação e condicionantes locais; Conhecer sistemas construtivos sustentáveis: sistema pré-fabricado de madeira (wood frame), sistema pré-fabricado de estrutura em aço (steel frame) e o sistema de concreto e PVC; Compreender como pode se dar a aplicação de tecnologias na construção sustentável; Compreender o que são e conhecer exemplos de materiais de baixo impacto ambiental; Sustentabilidade na constru- ção civil Principais marcos e certifi- cações de sustentabilidade na construção civil Sustentabilidade nos âmbitos social e econômico Integração da edificação com o terreno e o entorno Aproveitamento de condições naturais locais: ventos e incidên- cia do sol Materiais sustentáveis Introdução: os materiais nas etapas do processo construtivo Consumo, perdas e gestão de materiais na construção civil Os materiais e a sustentabilida- de: durabilidade, ciclo de vida e propriedades térmicas Tecnologias sustentáveis Sistema pré-fabricado de ma- deira (wood frame) Sistema pré-fabricado de es- trutura em aço (steel frame) Sistema de concreto e PVC Impacto ambiental e reaprovei- tamento de materiais na constru- ção civil Materiais de baixo impacto ambiental Reaproveitamento de resíduos da construção e demolição (RCDs) ARQUITETURA SUSTENTÁVEL 45 SER_ARQURB_ARQSUS_UNID2.indd 45 19/10/2020 12:09:48 Sustentabilidade na construção civil Diante dos impactos ambientais causados por práticas insustentáveis, ba- seadas no desperdício e consumo desenfreado de recursos naturais – especial- mente água e energia – e industrializados, e em emissões de gases poluentes e causadores de efeito estufa na atmosfera, é urgente pensar em alternativas sustentáveis, nas mais variadas atividades realizadas pelo ser humano. Além dos impactos ambientais, é necessário considerar ainda a insustentabilidade no ponto de vista econômico e social. Dentre as atividades e os setores que mais impactam o meio ambiente, está a indústria da construção civil. Estima-se que ela seja responsável por 40% do consumo anual de energia no planeta e por até 30% do consumo de energia relacionado à emissão de gases do efeito estufa. Além disso, o setor da construção civil consome 12% da água
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