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C E N T R O U N I V E R S I T Á R I O A R A R A Q U A R A TEORIAS E TÉCNICAS PSICOTERÁPICAS I Curso de Graduação em Psicologia Prof. Fábio de Carvalho Mastroianni 2 Í N D I C E Módulo I – Início da Psicanálise: Teoria e Técnica Freudiana ____________________ 3 Uma Visão Histórica das Psicoterapias ______________________________________ 3 Introdução a Teoria e a Técnica Psicanalítica _________________________________ 4 O Método Catártico ______________________________________________________ 5 Teoria e Técnica: construções paralelas _____________________________________ 5 Conceitos Teóricos e Técnicos em Psicanálise _______________________________ 6 Resistência _____________________________________________________________ 6 Caso Clínico 1 __________________________________________________________ 7 Transferência ___________________________________________________________ 8 Caso Clínico 2 __________________________________________________________ 9 Contratransferência _____________________________________________________ 10 Caso Clínico 3 _________________________________________________________ 10 Setting Terapêutico (Enquadre) ___________________________________________ 11 Aliança Terapêutica _____________________________________________________ 14 Caso Clínico 4 _________________________________________________________ 15 Interpretação – Insight – Elaboração _______________________________________ 16 Delimitação Técnica das Psicoterapias _____________________________________ 18 Módulo II – Wilhelm Reich ___________________________________________ 21 A Clínica do Homem Encouraçado ________________________________________ 21 A) Reich e a Psicanálise (Freud) __________________________________________ 21 Caráter _______________________________________________________________ 23 Caráter Neurótico x Caráter Genital ________________________________________ 25 Traços de Caráter x Sintomas Neuróticos ___________________________________ 25 A Função do Orgasmo ___________________________________________________ 26 B) Reich e o Corpo _____________________________________________________ 27 C) Reich e a Orgonomia _________________________________________________ 28 Casos Clínicos - Reich __________________________________________________ 29 Módulo III – Melanie Klein ___________________________________________ 31 Da Fantasia à Realidade __________________________________________________ 31 Introdução ao pensamento Kleiniano _______________________________________ 31 Caso Clínico 1 – Identificação projetiva _____________________________________ 33 Alguns mecanismos de defesa da Posição Depressiva ________________________ 36 Exemplo de fantasias que caracterizam as defesas maníacas __________________ 36 Inveja _________________________________________________________________ 37 Complexo de Édipo Primitivo _____________________________________________ 38 Algumas considerações sobre a técnica Kleiniana ____________________________ 40 Caso Clínico 2 – Albert e a raiva reprimida __________________________________ 41 Caso Clínico 3 – Alice e a Crueza __________________________________________ 41 Módulo IV – Donald Woods Winnicott _________________________________ 42 O Espaço Potencial _____________________________________________________ 42 O Bebê e o Ambiente ____________________________________________________ 44 Desenvolvimento Emocional Primitivo ______________________________________ 44 Adaptação à Realidade __________________________________________________ 46 O Brincar ______________________________________________________________ 48 Fase de Pré–Inquietude __________________________________________________ 49 A Tendência Antissocial _________________________________________________ 49 O Papel do Pai __________________________________________________________ 50 A Técnica em Winnicott __________________________________________________ 50 Caso Clínico ___________________________________________________________ 51 Módulo V – Jacques Lacan __________________________________________ 54 A Lógica do Sujeito _____________________________________________________ 54 Principais Conceitos Linguísticos _________________________________________ 54 A Constituição do Sujeito ________________________________________________ 55 Referências ____________________________________________________________ 59 3 Módulo I – Início da Psicanálise: Teoria e Técnica Freudiana Uma Visão Histórica das Psicoterapias - A psicoterapia existe muito antes de haver qualquer noção de uma abordagem sistemática de tratamento - Basicamente, a psicoterapia envolve um sistema de duas pessoas Suplicante Curandeiro (que sofre primariamente mais na mente do que no corpo) (cuja empatia, sabedoria, maturidade e objetividade permitem que ele alivie o sofrimento do suplicante) - O curandeiro vê e entende alguma coisa sobre o suplicante da qual este não tem conhecimento - o curandeiro amplia o pensamento do suplicante e influencia o seu comportamento - curandeiro pessoa ―iluminada‖, que tem a função de aumentar a ―iluminação‖ do suplicante - Para a realização da terapia é necessário, portanto, uma troca ativa entre terapeuta e paciente - ao paciente cabe revelar a natureza do seu problema, ainda que não possua maior conhecimento sobre ela - ao terapeuta, ―adivinhar‖ sua verdadeira natureza e assim levar o paciente ao conhecimento curativo - há participação do paciente - Entretanto, historicamente a psicoterapia na antiguidade se dava de forma diferente, ou seja, sem participação do paciente Entre os babilônios (2000 A.C.) acreditava-se que toda a insanidade era devida a um ―demônio‖ específico - a cura vinha por meio de um encantamento pelo sacerdote (poderes sugestivos) - O exemplo da antiguidade que chega mais próximo da moderna concepção de psicoterapia refere-se à cura de Lady Kisagohtami pelo Buda - de qualquer modo, não havia interesse nas histórias e situações de vida singulares das pessoas No ocidente, o poder da Igreja Católica sobre a vida intelectual assegurava a pouca ênfase na história de vida do indivíduo - as dificuldades emocionais, exatamente como nos tempos bíblicos, eram entendidas como consequências de forças externas ao self - forças diabólicas (bem x mal) - as dificuldades eram atribuídas à bruxaria Na metade do último milênio o poder da Igreja Católica começou a enfraquecer, promovendo maior liberdade de pensamento - o movimento conhecido como o Iluminismo levou a grandes progressos no esclarecimento humano de modo geral - a idéia de um de seus pensadores, Rousseau em o Nobre Selvagem influenciou as crenças de diversos autores sobre a ―bondade natural das pessoas‖ 4 A perfectibilidade da natureza humana dependia da transformação da vontade selvagem, cega, incontrolada da humanidade em uma força para o bem comum (altruísmo) Igreja Católica Iluminismo Humanidade pecadora (fruto proibido) Influenciada por forças do mal Humanidade considerada inerentemente boa ou pelo menos recuperável (transformação do indivíduo). - Philippe Pinel, psiquiatra francês (séc. XVIII e XIX) foi influenciado pelas idéias iluministas e modificou o método de tratamento do paciente mental, retirando- lhe as correntes - Entretanto, não houve mudança significativa na psicoterapia no que se refere à relação entre curandeiro/terapeuta x suplicante/paciente - não havia troca ativa, participação - o paciente ainda era submetido à ação do terapeuta - Mesmer, início do século XIX, era um curandeiro carismático que contava com medidas bizarras para seus poderes de cura - baseou-se nas idéias/descobertas do fenômeno da eletricidade e do magnetismo para fundamentar sua ilusória teoria: - fluido animal-magnético universal e invisível – sua mádistribuição estava por baixo de todas as doenças humanas - método: varinha especial, manto e um barril (cuba de Mesmer) - Seguidores de Mesmer desmistificaram seu método demonstrando ser desnecessária a utilização desses instrumentos - eles simplesmente obtinham os mesmos resultados por meio da indução do estado de transe pelo poder da sugestão - poder da sugestão, posteriormente denominada de hipnose - primórdios da psicanálise Leitura Recomendada Básica: História da Psicoterapia [Capítulo 1] (EIZIRIK; AGUIAR; SCHESTATSKY) Introdução a Teoria e a Técnica Psicanalítica - A psicanálise é uma forma especial de psicoterapia - A psicoterapia começa a se tornar científica na França do século XIX com as grandes escolas sobre a técnica da sugestão - Nancy com Liébeault e Berheim - Salpêtrière com Charcot - A técnica da sugestão visa modificar a atenção, desviar o sujeito de idéias patogênicas e se concentrar em outras atividades - É ao mesmo tempo um instrumento de investigação e assistência 5 - A partir da técnica inicia-se o estudo que visa compreender: “A influência da moral sobre o corpo” - O tratamento hipnótico é pessoal e não interpessoal - Com a introdução da Psicanálise, Freud leva a psicoterapia a um nível científico - Criação de uma teoria da personalidade O Método Catártico - Breuer caso Anna O. - utiliza o hipnotismo não para que o paciente esqueça, mas para que se recorde - cura pela fala, pela palavra (Talking cure) - Método catártico narrar as circunstâncias em que surgiram os sintomas faz com que eles desapareçam Recordar - Freud utiliza um procedimento intermediário entre o método de Breuer (catártico) e o que viria a ser a psicanálise - Consiste em estimular e pressionar o enfermo para que se recorde - método da coerção associativa - Em 1905 (Sobre Psicoterapia), Freud diferencia a psicanálise e o método catártico de outras psicoterapias Per via di porre x per via di levare Teoria e Técnica: construções paralelas - A técnica catártica descobre a dissociação da consciência - o método produz uma ampliação da consciência - A partir destas descobertas os autores formulam e reformulam a teoria Breuer teoria dos estados hipnóides - uma condição do indivíduo favorece a segregação da consciência (fatores psicológicos e biológicos) Freud teoria do trauma (psicológicos) - uma condição do evento/acontecimento favorece a segregação da consciência - o acontecimento fica segregado da consciência para ser esquecido - introdução da técnica da coerção associativa e abandono da hipnose - A técnica da coerção associativa traz a idéia de que: - as coisas são esquecidas porque não se quer recordá-las - conceito de resistência - O que no trauma condicionou o esquecimento, no tratamento condiciona a resistência 6 - Se há a resistência, não se justifica então a coerção - deixa-se o paciente falar livremente - técnica da associação livre regra fundamental da psicanálise Coerção associativa Resistência Associação livre (técnica) (teoria) (técnica) - Só recordar não é suficiente - A resistência age no sentido de defender o sujeito, de manter um status quo, evitar o contato com conteúdos que são sentidos como ―dolorosos‖, desagradáveis - É necessário dar informes ao paciente sobre si mesmo - tornar conhecido aquilo que ele ignora - surge a interpretação instrumento técnico fundamental - Recordar, Repetir, Elaborar O que é Psicoterapia? Trata-se de um método de tratamento realizado por um profissional treinado, com o objetivo de reduzir ou remover um problema/queixa ou transtorno definido de um cliente ou paciente que deliberadamente busca ajuda. Onde: - o terapeuta utiliza meios psicológicos como forma de influenciar o cliente ou paciente - é realizada em um contexto primariamente interpessoal (relação terapêutica) - utiliza-se a comunicação verbal como principal recurso - há eminente atividade colaborativa entre paciente e terapeuta Conceitos Teóricos e Técnicos em Psicanálise Resistência - Ela surge, no desenvolvimento da psicanálise, como uma oposição às lembranças penosas durante o tratamento - Aos poucos Freud conclui que o fenômeno está permanentemente presente e age contra a percepção de impulsos inaceitáveis de natureza sexual que surgem distorcidos Leitura Recomendada Básica: A Técnica Psicanalítica [Capítulo 1] – (ETCHEGOYEN) Complementar: As principais psicoterapias: fundamentos teóricos [Capítulo 1] – (CORDIOLLI) 7 - Mais do que uma força a ser vencida, a resistência representa a forma como o indivíduo se defende e resiste no cotidiano de sua vida - Resistência do analisando: é a resultante de forças dentro dele, que se opõem ao analista, ou aos processos e procedimentos à análise, isto é, que obstaculizam as funções de recordar, associar, elaborar, bem como o desejo de mudar (Zimmerman) Resistência = re + sistencia Sistencia sistere, sistens ―continuar a existir‖ - uma volta à utilização de recursos defensivos e ofensivos (que se opõe contra o que, ou quem, lhes representa alguma ameaça), de um modo tenaz e repetitivo, em uma busca ativa do direito de continuar a existir. - No início do tratamento a motivação para manter o status quo é maior que a motivação para a mudança Algumas formas de resistência ao tratamento - atrasos às sessões - recusa em tomar medicamentos - permanecer em silêncio - enfocar materiais não relevantes - esquecer-se de pagar - em relação à elaboração (ganhos secundários) - transferência Caso Clínico 1 O Sr. A era um homem solteiro de 29 anos de idade com TOC. No momento em que se apresentou para hospitalização psiquiátrica, relatava uma história de 10 anos de sintomas obsessivo-compulsivos e queixava-se de estar totalmente aprisionado em casa nos últimos 8 anos devido aos pensamentos ―grotescos, terríveis‖ e incapacitantes constantes que nunca cessavam. Oito anos antes da admissão, quando o Sr. A. não saiu mais de casa, sua mãe aposentou-se podendo cuidá-lo e satisfazer suas demandas de limpeza – sua vida girava em torno dele. O Sr. A estava obcecado pela necessidade de evitar a contaminação. Preocupava-se também com a possibilidade de engravidar alguma mulher, pois temia ter sêmen nas mãos. Por conseguinte, tornou-se um compulsivo lavador de mãos. Insistia que sua mãe permanecesse consigo 24 horas por dia. Embora ela não dormisse ou tomasse banho com ele, auxiliava-o a vestir-se de modo que ele não tocasse suas roupas, impedindo a contaminação. Ele também solicitava que ela seguisse um elaborado ritual com 58 passos, ao cozinhar sua refeição e colocá-la na mesa. Caso não seguisse o ritual precisamente, tinha que descartar toda a refeição e começar tudo novamente. Ela teve de desfazer de milhares de dólares em alimentos a cada ano, a fim de responder a estas demandas. O Sr. A também insistia que seu pai deveria permanecer fora da casa ou em outro cômodo, de modo que não houvesse risco de ser contaminado pelos germes que o pai trazia do trabalho. O desenvolvimento inicial do paciente não apresentava aspectos notáveis, porém ele recordava de um episódio muito desagradável quando tinha aproximadamente 5 anos de idade. Lembrava ter visto seu pai agarrando sua mãe pelos seios, enquanto ela gritava que o paciente a socorresse. Ele tentou impedir, porém foi suplantado pela força do pai. Recordava ter se sentido terrivelmente mal acerca do incidente e chorou por perceber-se incapaz de salvar sua mãe. Re ―voltar atrás‖ (regredir; revogar) ―oposição‖ (revolta; reprovar) ―repetição‖ (reiterar; ressentir) ―busca de algo‖ (reforma; revolução) 8 Embora o paciente tenha ido a vários psiquiatras, sempre se recusava a retornar após a 1ª consulta. Certa vez concordouem tomar clomipramina, porém interrompeu após a primeira dose, alegando incômodo com os efeitos colaterais. Seus pais perceberam que finalmente teriam que hospitalizá-lo, porque se encontrava incapacitado. Quando chegou ao hospital, o médico perguntou-lhe porque procurava tratamento. Ele respondeu: ―Eu estou determinado a ser dependente – quero dizer independente‖. O médico comentou de ele ter dito ―dependente‖ e perguntou: ―Há talvez alguma parte em você que gostaria de permanecer dependente‖? O Sr. A respondeu: ―↑ocê refere-se a minha mãe‖? O médico replicou que ele deveria saber melhor sobre isto. O Sr. A refletiu por um momento e disse: ―Bem, ela cuida muito bem de mim‖. O lapso do Sr. A proporcionou um vislumbre das motivações inconscientes desta resistência ao tratamento. Qualquer tipo de tratamento bem-sucedido ameaçava a sua relação de dependência com a mãe. Se a clomipramina tinha possibilidade de ajudá-lo, então ele não tomaria. Similarmente, ele invalidaria quaisquer outros esforços de tratamento ambulatorial ou hospitalar. Após cerca de uma semana de hospitalização, o Sr. A. desafiou as expectativas dos membros da equipe. Passou a apresentar dramáticas melhoras, conseguia tocar em maçanetas sem temer a contaminação, ler revistas que outros haviam tocado, além de ter reduzido consideravelmente o tempo gasto com a lavagem das mãos. Esta melhora ocorreu sem o uso da medicação e o paciente comentava que se sentia ―bem menos nervoso‖ no hospital do que havia imaginado. À medida que ia avançando, tornou-se aparente sua crescente preocupação com os seus desejos sexuais em relação à mãe. Comentava que quando a sua mãe o vestia, sentia ―algo sexual‖. O afastamento do ambiente emocional carregado de sua casa tornou menos problemático seus desejos sexuais pela mãe. Similarmente, os desejos agressivos de manter o pai longe dela tornaram-se menos perturbadores. Devido à diminuição de sua ansiedade acerca de seus desejos sexuais e agressivos, seus sintomas obsessivo-compulsivos não eram tão necessários para conter sua ansiedade. Caso extraído do livro “Psiquiatria Psicodinâmica” – Glen O. Gabbard 2ª ed – Capítulo 1. Leitura Recomendada Básica: A Técnica Psicanalítica [Capítulo 1] – (ETCHEGOYEN) Complementar: Resistências [Capítulo 28] – (ZIMERMAN) Transferência - À medida que os impulsos ou fantasias vão sendo ―descobertos‖ (tornam-se conscientes) durante o tratamento, o paciente resiste transferindo tais impulsos à figura do terapeuta - Revive-se na análise uma série de experiências psicológicas como pertencentes não ao passado, mas ao presente em relação ao terapeuta - É um recurso que o paciente utiliza a fim de que o material patogênico (conflito) permaneça inacessível - A vida emocional que o paciente não pode recordar é vivenciada na transferência e ali (na análise) deve ser resolvida - Ocorre uma distorção entre: passado / presente fantasia / realidade - é inapropriada, irracional e repetitiva - Ao mesmo tempo em que serve a resistência o que se transfere é o resistido (inconsciente) - Quanto mais os desejos de uma pessoa são insatisfeitos em sua vida real, maior será sua busca, sua espera em satisfazê-la a enfermidade transferência 9 - A libido insatisfeita do paciente se dirigirá para qualquer pessoa - Dessa forma a transferência ocorre tanto dentro da análise quanto fora dela - A transferência não é efeito da análise, mas a análise é o método que se ocupa de descobrir e analisar a transferência - De um obstáculo à análise, a transferência converte-se em seu auxiliar mais poderoso quando se consegue inferi-la e traduzi-la ao paciente experiência x transferência (Libido consciente – ego) (libido recalcada – id) (princípio de realidade) (princípio de prazer) - Transferência = uma experiência do passado que está interferindo na compreensão do presente Caso Clínico 2 Uma mulher casada de 35 anos veio para o tratamento em uma tentativa de dar fim à sua infidelidade compulsiva. Sempre que seu marido viajava, o que a profissão dele frequentemente exigia, ela escolhia para seu amante um homem que fosse tímido, deprimido e impotente. Então se deliciava com sua capacidade para seduzi-lo a tornar-se audaz, feliz e potente. Ela geralmente realizava seu triunfo ―terapêutico‖ pouco antes do retorno do marido, quando rompia o relacionamento extraconjugal. Naturalmente, o casamento tinha suas dificuldades, mas era, apesar disso, estável. O terapeuta apenas gradualmente ficou sabendo de alguns de seus aspectos perturbados, à medida que a própria paciente tornou-se capaz de tolerar o conhecimento do terapeuta sobre eles. Após aproximadamente um ano e meio de tratamento e um ano em que não teve casos, ela passou a se posicionar mais claramente, por exemplo, insistindo com o marido que seu filho de 8 anos era muito jovem para ter o rifle que ele lhe havia dado, após o menino ter atirado em sua própria mão com a arma. Um dia ela relatou ter ido ao banheiro onde sua filha de 3 anos estava tomando banho com o marido, uma prática costumeira que ela não havia contado a seu terapeuta. A paciente nunca antes havia ido ver o que acontecia no banheiro, mas agora relatava que ficara atônita e paralisada ao ver que sua filha estava brincando com o pênis ereto de seu marido enquanto ele ficava sentado calmamente lendo o jornal na banheira. Ela saiu sem dizer uma palavra. Nesse ponto a sessão de sexta-feira chegou ao fim. Na segunda-feira, a paciente estava bastante deprimida, sentindo-se desanimada e abandonada por seu terapeuta. Desesperada para sentir-se melhor, ela começara a imaginar como poderia arrumar outro caso, e com quem. O terapeuta disse-lhe que seus sentimentos pareciam ligados com o momento em que ele terminara a sessão de sexta-feira, um comentário que resultou em um acesso de depreciação sarcástica por parte da paciente, em um tom em que ele nunca havia ouvido dela antes. Apenas após vários dias, sua fúria diminuiu suficientemente para ela considerar o que havia ocorrido. Ela e o terapeuta apenas gradualmente puderam dar-se conta de que havia sido, de fato, uma revivência de sentimentos da infância e uma representação na qual o terapeuta, um homem, tinha desempenhado o papel de sua mãe, que muitas vezes a havia deixado brincando com um ou outro dos pensionistas da sua casa, muitos dos quais tinham abusado sexualmente dela. Caso extraído do livro “Psicoterapia de Orientação Analítica: Fundamentos teóricos e clínicos” – ELZIRIK C.L.; AGUIAR, R. W.; SCHESTATSKY S. S. e cols. 2ª ed – Capítulo 22. Leitura Recomendada Básica: História e Conceito da Transferência [Capítulo 7] e Dinâmica da Transferência [Capítulo 8] – (ETCHEGOYEN) Complementar: Transferências [Capítulo 31] – (ZIMERMAN) Artigo: O conceito de transferência nos "Estudos sobre a histeria" (Breuer & Freud, 1895) – (BISSOLI) 10 Contratransferência - Freud descreve esse fenômeno como: - resposta emocional do analista aos estímulos que provêm do paciente, como resultado da influência do analisando sobre os sentimentos inconscientes do médico - destaca principalmente sua influência negativa sobre o tratamento - resistências internas do médico necessidade de autoanálise - pontos cegos do terapeuta obstáculo ao tratamento - A contratransferência começa a ganhar destaque com os trabalhos de Heimann (1950) e Racker (1953), que passam a considerá-la um: - fenômeno normal dentro do processo terapêutico - são reações que o analista experimenta diante de seu paciente - pode ser considerada como: - um obstáculo - um instrumento para melhor compreensão do paciente - um campo em que o paciente pode adquirir uma experiência diferente da que teve originalmente Contratransferência - ao que se opõe (contra-ataque) contra - o que faz balanço em busca do equilíbrio (contraponto) Contratransferênciaé diferente (≠) de transferência do analista em relação ao paciente Transferência do terapeuta: sentimentos, idéias e comportamentos que são dirigidos ao paciente a partir da história pessoal do terapeuta ou de situações de sua vida atual, transferidos sobre ou para dentro do paciente A, mas também para B e não provocados por estes Contratransferência: quando se é possível identificar que parte do self do paciente ou de suas fantasias está sendo colocada dentro da mente do terapeuta e está lhe provocando uma reação, idéia ou comportamentos - A contratransferência deve ser inicialmente tolerada e elaborada, bem como seus sentimentos em relação ao paciente Caso Clínico 3 Alguns anos atrás, tratei Martin, um comerciante de sucesso, que tinha de fazer uma viagem de negócios no dia da terapia e me pediu que remarcasse sua hora para outro dia da semana. Não consegui providenciar isso sem atrapalhar minha agenda e disse a Martin que teríamos de perder uma sessão e nos encontrar no nosso horário normal na semana seguinte. Mais tarde, porém, quando pensei a respeito, percebi que não teria hesitado em reorganizar minha agenda para qualquer um dos meus outros pacientes. Por que não pude fazer isso por Martin? Foi porque não ansiava vê-lo. Havia algo em sua veemência maliciosa que me desgastava. Ele fazia críticas incessantes a mim, aos móveis do meu consultório, à falta de estacionamento, à minha escrivaninha, aos meus honorários e geralmente começava as sessões fazendo referência aos meus erros da semana anterior. Meu sentimento desgastado por Martin teve grandes implicações. Ele tinha entrado inicialmente em terapia por causa de uma série de fracassos nos relacionamentos com as mulheres, nenhuma das quais, achava ele, tinha lhe dado o bastante – nenhuma tinha se mostrado suficientemente disposta a pagar 11 a parte que lhe cabia das contas do restaurante e do supermercado, ou de dar presentes de aniversário equivalentes em valor àqueles que ele tinha lhes dado (a renda dele, saiba disso, era várias vezes maior que a delas). Quando faziam viagens juntos, ele insistia em que cada um colocasse a mesma quantia de dinheiro num ―pote de viagem‖, e todas as despesas de viagem, inclusive gasolina, estacionamento, manutenção do carro, gorjetas e até jornais seriam pagos com o dinheiro arrecadado para a viagem. Além do mais, ele reclamava frequentemente porque suas namoradas não cumpriam integralmente a parte que lhes cabia em dirigir, planejar a viagem e ler os mapas. No final, a falta de generosidade de Martin, sua obsessão com imparcialidade absoluta e suas críticas implacáveis cansavam as mulheres de sua vida. E ele estava fazendo exatamente o mesmo comigo! Era um bom exemplo de profecia que se cumpre sozinha – ele tinha tanto medo de que os outros não cuidassem dele que seu comportamento fazia com que acontecesse exatamente isso. Foi meu reconhecimento desse processo que me permitiu evitar reagir criticamente (isto é, levar a coisa no lado pessoal), mas perceber que esse era um padrão que ele repetira muitas vezes e que no fundo, queria mudar. Caso extraído do livro “Os Desafios da Terapia: Reflexões para pacientes e terapeutas” – YALOM, I D. Ediouro Cap. 20 Leitura Recomendada Básica: - Contratransferência: Descoberta e Redescoberta [Capítulo 21] (da página 156 até 161) – (ETCHEGOYEN) - Contratransferência [Capítulo 23] – (EIZIRIK; AGUIAR; SCHESTATSKY) Complementar: Artigo: Contratransferência em psicoterapia e psiquiatria hoje – (ZASLAVSKY) Setting Terapêutico (Enquadre) - Soma de todos os procedimentos que organizam, normatizam e possibilitam o processo psicanalítico, incluindo a estrutura física - Conjunção de regras, atitudes e combinações, tanto as contidas no ―contrato‖ como as que vão se definindo durante a evolução (Dias, horários, honorários, forma de pagamento, planos de férias...) - São as regras do jogo, mas não é o jogo propriamente dito - Serve como um cenário para a reprodução de velhas e novas experiências - Devido às múltiplas e constantes inter-relações da transferência com a contratransferência, ele está sob contínua ameaça em vir a ser desvirtuado Função do Setting - Criação de um novo espaço onde o analisando terá a oportunidade de reexperimentar com o seu analista a vivência de antigas e decisivamente marcantes experiências emocionais conflituosas que foram mal compreendidas, atendidas e significadas pelos pais do passado e, por conseguinte, mal solucionadas pela criança de ontem, que habita a mente do paciente de hoje (Zimerman, 1999) - Mesmo com todos os sentimentos, atos, ataques e verbalizações significados pelo paciente como proibidos e perigosos, o setting deve se manter uniforme, inalterado - O setting deverá ser preservado ao máximo 12 Funções complementares do setting - Estabelecer o aporte da realidade exterior com suas inevitáveis privações e frustrações - Ajudar a definir a predominância do princípio de realidade sobre o do prazer - Reconhecer que é unicamente sofrendo as inevitáveis frustrações impostas pelo setting, desde que não sejam exageradamente excessivas ou escassas, que o analisando (tal como a criança no passado), pode desenvolver a capacidade para simbolizar e pensar excessiva rigidez x firmeza exagerada permissividade x flexibilidade Alicerces que sustentam o setting Neutralidade (regra da neutralidade) - nenhum indivíduo é neutro em sua essência, a neutralidade do terapeuta no tratamento refere-se, portanto, à sua função, sua postura - independente de seus valores, crenças, opiniões e sentimentos o terapeuta deve estar disponível para os pontos de vista dos seus analisandos - neutralidade não significa uma conduta de frieza, indiferença ou ausência de sentimentos - Freud compara a regra com a atividade médica do cirurgião: Põe de lado todos os sentimentos, até mesmo de solidariedade humana, e concentra suas forças mentais no objetivo único de realizar a operação tão completamente quanto possível Abstinência (Regra da abstinência) - significa abster-se de qualquer tipo de atividade que não seja a de interpretação e análise - inclui a proibição de qualquer tipo de gratificação externa, sexual ou social - ao invés de atender, procurar entender os pedidos do analisando - a melhor forma de gratificar é analisar procurar entender pensar lidar com a frustração - Dessa forma deve-se haver uma abstinência por parte do paciente em procurar o menos possível satisfações substitutas para os seus sintomas (principalmente situações de risco) - uso abusivo de drogas, comportamento sexual promíscuo, etc... Anonimato - é natural que na relação bi-pessoal o paciente demonstre curiosidade - é problema quando a curiosidade pretende invadir a vida íntima do terapeuta 13 - o terapeuta deve manter sua vida pessoal dentro do sigilo possível - o anonimato favorece a oportunidade de o paciente manifestar fantasias que o ajudarão a compreender muitos de seus conflitos Quanto menos o paciente sabe realmente sobre o analista, tanto mais fácil lhe será preencher espaços vazios com suas próprias fantasias, além disso, quanto menos o paciente souber realmente sobre o analista, tanto mais fácil será para o analista convencer o paciente de que suas reações são deslocamentos e projeções suas. - Algumas das ―regras do jogo‖, assim como os principais elementos que configuram o setting terapêutico são e devem ser estabelecidos no contrato. - O contrato irá definir os papéis do terapeuta e do paciente O Contrato (guardião do setting) - Define papéis e funções do terapeuta e do paciente paciente: busca alívio de seu sofrimento psíquico. terapeuta: utiliza todos os seus recursos teóricos, técnicos e emocionais para mitigar esse sofrimento. - o contrato pode ser apresentadode forma detalhada ou simplificada. Elementos constituintes do contrato a) Frequência - é importante que haja continuidade - o interjogo da transferência-contratransferência está sempre presente e independe da frequência - a proximidade entre as sessões impede que o esquema defensivo se reorganize por completo b) Honorários - devem refletir o nível de formação e de experiência do terapeuta - deve estar de acordo com os padrões da comunidade onde trabalha honorários baixos x honorários altos - honorário alternativo: para situações temporárias (para pessoas com menos recursos; para benefícios de aprendizagem) - a redução de honorários pode provocar sentimentos de dívida - data do pagamento - reajustes de honorários - a quebra de contrato pode servir como sinalizador do que está ocorrendo na psicoterapia. 14 Avaliação – A Entrevista inicial - pode ser mais do que uma: ―Entrevistas Iniciais‖ - é diferente de primeira sessão objetivo / finalidade: - avaliar as condições mentais, emocionais, materiais e circunstâncias da vida do paciente. - verificar a qualidade da motivação. - se a teoria de tratamento e de cura do terapeuta coincide com a do paciente. - acessibilidade: disponibilidade e a capacidade do paciente permitir um acesso ao seu inconsciente. - observar como o paciente reage e contata com os assinalamentos (interpretações ?). O que avaliar? - tipo de encaminhamento - aparência exterior (forma de falar, vestimentas, como saúda) - realidade exterior (condições sócio-econômicas, suporte familiar, posição profissional) - histórico familiar - o grau de motivação - Contraindicações (Terapia de orientação analítica) - quadros psicóticos agudos - quadros depressivos graves com sérias tentativas de suicídio - alcoolismo crônico ou adição de drogas - quadros fóbicos causadores de incapacitação crônica - quadros obsessivo-compulsivos causadores de incapacitação crônica - transtornos caracterológicos (de personalidade) graves - transtornos alimentares graves - síndrome cerebral orgânica e deficiência mental Leitura Recomendada Básica: Contrato [Capítulo 17] e Setting psicoterapêutico: neutralidade, abstinência e anonimato [Capítulo 18] (EIZIRIK; AGUIAR; SCHESTATSKY) Complementar: Aspectos práticos da psicoterapia: primeiros passos [Capítulo 3] – (Gabbard) Aliança Terapêutica - É compreendida como uma relação dual, uma formação de compromisso entre duas pessoas - É uma situação em que um necessita do outro e na qual existe uma intenção de colaboração recípocra – ―união de forças‖ em direção à busca da cura - A aliança terapêutica é estabelecida com base em uma experiência prévia (de confiança) 15 - relação mãe – bebê - Está ligada a experiência, diferente de transferência Freud: “em análise transformamos o paciente num colaborador” - primeiro o paciente deve se ligar ao tratamento para depois ser tratado analiticamente - Há uma dissociação do ego: - uma parte que colabora, voltada à realidade - uma parte que se opõe, impulsos do id, defesas do ego, ordens do superego - Enquanto uma parte da mente, inconscientemente repete os conflitos psíquicos, a outra parte é capaz de se manter livre de conflitos e racionalmente distanciar-se, a fim de reconhecer a natureza irracional de suas respostas - ―parte adulta‖ – um nível mais maduro da mente (Meltzer) - A aliança terapêutica estaria, supostamente, localizada no ego consciente, mas recebendo influências de todo o mundo inconsciente - A aliança relaciona-se tanto com a transferência positiva quanto a negativa Caso Clínico 4 R., 35 anos, casada, autônoma, em terapia acerca de um ano e meio, procurou-nos por dificuldades de relacionamento com os colegas de trabalho, o que a leva a frequentes trocas de emprego. Tentou outros dois terapeutas, mas no primeiro ou segundo mês interrompeu as terapias, por considerá-los ―múmias paralíticas‖. ↑ê-se como uma pessoa extremamente exigente consigo e com os demais, o que leva seus familiares a acharem–na uma ―chata‖. Reconhece como verdadeira essa crítica, mas não consegue mudar e frequentemente provoca situações constrangedoras com seus ―comentários e brincadeiras de mau gosto‖. Provém de uma família com mais dois irmãos, sendo que o relacionamento entre eles e sua mãe viúva é considerado ―formal‖; a mãe é vista como fria, raramente manifesta o que pensa. R. sente-se ―pisando em ovos‖ quando tem que falar algum assunto mais delicado com ela, pois nunca faz idéia de qual será a sua reação. Acha-se afetiva, embora a critiquem por ser fria e racional. Seu pai faleceu quando tinha 13 anos, tendo deixado a família em uma situação de dificuldades econômicas, o que a levou a trabalhar para ajudar no sustento da casa. Nunca teve a vida tranquila que gostaria, pois seu pai era um homem com ―altos e baixos‖ profissionais, que provocava um sentimento de insegurança. Não confiava no pai, pelo contrário, criticava-o por esse seu jeito. Acha que o principal para relacionar-se é a segurança econômica. Tudo o que ganha é depositado no banco, não compra nada além do necessário, sendo considerada por sua família uma pessoa avarenta. Não quer passar pelo o que passou durante toda a infância, de não saber o que aconteceria no dia seguinte. Não tem amigas, embora muitas conhecidas, pois acha que as pessoas só se aproximam dela por interesse. Pensa que tudo na vida é um grande negócio, em que as pessoas se aproximam uma das outras para levar alguma vantagem. Exemplifica com nossa situação: ela vem em busca de melhora de sua capacidade em seus relacionamentos e está pagando por esse trabalho. Percebemos, no entendimento de sua história e nos sentimentos despertados, que o problema mais ―urgente‖ dessa paciente era a sua dificuldade de estabelecer vínculos afetivos e confiáveis, e que isso seria também o nosso obstáculo mais importante. Ao combinarmos o nosso contrato de trabalho, abordamos essa compreensão, bem como a tendência a tais dificuldades se repetirem no nosso relacionamento. Regina reagiu imediatamente, dizendo que não concordava comigo, pois tinha excelentes recomendações a meu respeito, e que nosso trabalho seria puramente profissional. E assim começamos... Terceira sessão: R - “Quando estava chegando aqui, vi você entrando na garagem do prédio. Bonito carro, parabéns. (Silêncio.) É engraçado (termo que usa frequentemente quando não consegue definir o sentimento), mas achei que você me viu, mas não quis me cumprimentar, faz parte da técnica?”. T - “Parece que esse fato gerou em você um sentimento de insegurança em relação a mim”. 16 R - “Não, claro que não, mas é evidente que seu interesse por mim é como por qualquer outra paciente, você me entende, eu lhe pago e pronto, ou vai me dizer que não é assim?” T - “Talvez seja este o seu desejo, que tenhamos uma relação puramente formal em que não surjam sentimentos que possam atrapalhar.” R - “Que mania que vocês têm de dizer que não tenho sentimentos, mas aqui a nossa relação é profissional...” E assim seguimos até o final da sessão, a paciente sentindo-se acusada por mim de que não teria sentimentos e dizendo que, afinal, aqui não era o lugar para falarmos dessas coisas a nosso respeito, e sim de seus problemas lá fora. Após três semanas: R - “Engraçado nosso encontro lá no cafezinho, fiquei meio sem graça, não entendo o porquê (nos encontramos na cafeteria perto do consultório antes da sessão). É como se você fosse duas pessoas, uma lá e outra aqui...” T- “O que você nota de diferente?” R - “Não sei: o que falamos aqui fica entre nós dois, vai ficar guardado aqui dentro; e lá fora, é como se você pudesse me expor, fiquei ansiosa.” T - “Então é como se eu fosse duas pessoas, uma em quem você pode confiar e outra não...” R - “Pior é que é isso; embora reconheça as recomendações que tivea seu respeito, sua formação, etc., tem momentos, como agora, em que não confio. O pior que este é o meu problema, parece que não confio em ninguém. Mas é por isso que estou aqui, como falamos no início da terapia, não sei se um dia irei confiar totalmente em alguém. Até acho que foi em função da desconfiança que interrompi as outras terapias.” T - “Se você está conseguindo me falar da sua desconfiança, inclusive em relação a mim, é porque de alguma maneira está apostando na nossa relação.” (Caso extraído do livro ―Psicoterapia de Orientação Analítica: Fundamentos Teóricos e Clínicos‖) Leitura Recomendada Básica: A aliança terapêutica e a relação real com o terapeuta [Capítulo 19] - (EIZIRIK; AGUIAR; SCHESTATSKY) Complementar: Relação Terapêutica: transferência, contratransferência e aliança terapêutica [Capítulo 4] (CORDIOLLI) Artigo: Aliança terapêutica em psicoterapia de orientação psicanalítica: aspectos teóricos e manejo clínico (PERES) Interpretação – Insight – Elaboração - A interpretação é uma explicação que o analista dá ao paciente (a partir do que este lhe comunicou) para lhe proporcionar um novo conhecimento de si mesmo - é destinada a produzir insight, sem que nós (o terapeuta) o busquemos diretamente - A interpretação refere-se a algo que pertence ao paciente, mas do qual ele não tem conhecimento Interpretação x Informação (mundo interior) (mundo exterior) - A interpretação não é apenas uma hipótese que o analista constrói, mas uma hipótese que é feita para ser comunicada, para ser testada - Para Freud, a interpretação é definida como um instrumento do analista para ir do conteúdo manifesto às idéias latentes 17 - Tornar consciente o inconsciente - Explicar o significado de um desejo, trazer à luz uma determinada pulsão - Atualmente, a interpretação do analista não fica restrita unicamente à conscientização dos conflitos inconscientes: - A noção da vincularidade implica numa contínua interação entre analista e analisando - o analista deixa de ser unicamente um observador e passa a ser um participante ativo - cada um do par influencia e é influenciado pelo outro - há espaço não apenas para as interpretações transferenciais, como a compreensão do interjogo transferência- contratransferência - O tratamento não visa apenas um conhecimento pessoal, mas sim a um crescimento pessoal - desenvolvimento das capacidades egóicas - Mais do que levar o paciente a ―conhecer sobre‖, a interpretação busca promover transformações em direção a um ―vir a ser‖ - O tratamento visa a uma ―experiência emocional transformadora‖ Insight - Seria o movimento de tomada de consciência de algo significativo a respeito da vida psíquica, no tratamento in (dentro) + sight (vista) - Serve para apreender um significado ao qual não se podia ter acesso até aquele momento - A interpretação percorre o caminho do conteúdo manifesto (consciente) até o conteúdo latente (inconsciente), tentando vencer as resistências para adquirir o insight - Já a elaboração percorre o caminho inverso da interpretação, ou seja, tenta vencer as ―resistências‖ (abandono das gratificações e dos padrões aos quais, o sujeito está neuroticamente apegado) do conteúdo latente até o comportamento manifesto. Elaboração - É o processo que visa cessar a insistência da repetitividade, própria das formações inconscientes: - vai desde o novo conhecimento obtido sobre si (insight) até a superação do comportamento repetitivo Leitura Recomendada Básica: Insight e Elaboração [Capítulo 21] (EIZIRIK; AGUIAR; SCHESTATSKY) Complementar: A interpretação em Psicanálise [Capítulo 26 apenas a página 195] - (ETCHEGOYEN) - Atividade Interpretativa [Capítulo 35] – (ZIMERMAN) 18 Caso Clínico 5 – O Homem Dos Ratos (Roteiro do filme com trechos do texto) Caso Principal – Texto em anexo disponível na secretaria virtual Delimitação Técnica das Psicoterapias - De maneira geral, as psicoterapias foram se moldando de acordo com as diversas instituições assistenciais (serviços hospitalares, centros de saúde mental, etc...) - Fiorini (2004) delimita 3 diferentes tipos de estratégia terapêutica: a) de apoio b) de esclarecimento c) transferencial (psicanalítica) Psicoterapia de apoio Objetivo: atenuação ou supressão da ansiedade e de outros sintomas clínicos, como modo de favorecer um retorno à situação de homeostase anterior à descompensação ou crise Estratégia básica: estabelecer um vínculo terapêutico tranquilizador, protetor e orientador - eventualmente procura modificar comportamentos estimulando o ensaio de comportamentos novos Relação terapeuta-paciente: deve estar claramente definida sem ambiguidade o paciente em papel subordinado e o terapeuta em posição superior (de protetor) - evitam-se os silêncios e o distanciamento afetivo Intervenções do terapeuta: de tipo sugestivo-diretivo, interpretações voltadas ao esclarecimento das motivações do comportamento são opcionais - atitude ativo-participante, muito próximo, com iniciativas diretivas Separações: intervalos ou altas, são negados como tais, não devem ser sentidas como abandono Transferência: idealizadora, não deve ser ―denunciada‖, pois pode criar obstáculos a estratégia Psicoterapia de esclarecimento Objetivo: incluem-se os mesmos da estratégia de apoio, acrescentando- se o desenvolvimento no paciente de uma atitude de auto-observação, visando compreender suas dificuldades, motivações e conflitos Estratégia básica: estabelecer uma relação de indagação, centrada no esclarecimento das conexões significativas entre a biografia do paciente, a transferência dos vínculos básicos conflituosos nas relações atuais e os sintomas - estimular a aprendizagem na auto-compreensão 19 Relação terapeuta-paciente: o terapeuta atua enfatizando seu papel real de docente especialista, mas assume o caráter de uma relação de apoio (docente) - o paciente, no entanto, também tem um papel ativo, fornecendo dados e buscando identificar suas motivações para formular suas próprias interpretações Intervenções do terapeuta: adoção de um comportamento discretamente caloroso, espontâneo, no sentido de favorecer um diálogo de certa fluidez e ativo na medida em que oferece explicações pedagógicas acerca do tratamento, diagnóstico e evolução - oferece novos modelos de comportamento visando fortalecer funções egóicas adaptativas Separações: devem ser vistas como situações de prova que permitem avaliar como o paciente enfrenta novas tarefas adaptativas Transferência: idealizadora: deve ser aceita, desde que não leve o paciente a adotar atitudes passivas que ameacem deslocar a relação terapêutica para uma situação de apoio - hostilidade: deve ser explicada imediatamente como atualização da biografia ou como deslocamento de outros vínculos atuais Psicanálise e interpretação transferencial Objetivo: reestruturação, a mais ampla possível da personalidade Estratégia básica: desenvolvimento e elaboração sistemática da regressão transferencial - a regressão e o afrouxamento das defesas são necessários, permitidos, ―sugeridos‖ como aceitáveis e úteis Relação terapeuta-paciente: o analista tende a se mover com certa margem de indefinição pessoal (ambiguidade), é um depositário potencial de múltiplos papéis que o paciente lhe atribui - favorece que o paciente projete os seus conteúdos na figura do analista Intervenções do terapeuta: interpretações transferenciais e de conteúdo; atitude passivo-silenciosa, distante no que se refere ao contato pessoal Separações: compreendidas como uma forma de regressão, denotam aspectos transferenciais Transferência: sua interpretação adquire um papel terapêutico privilegiado 20 Psicoterapia de apoio Psicoterapia de Esclarecimento PsicanáliseObjetivos Atenuação ou supressão da ansiedade, retorno a situação de equilíbrio homeostático Além dos objetivos de apoio busca-se o desenvolvimento no paciente de uma auto-observação e compreensão de suas dificuldades Reestruturação da personalidade Estratégia básica Estabelecer um vínculo terapêutico tranquilizador, protetor e orientador Estabelecer uma relação de indagação, centrada no esclarecimento pessoal Desenvolvimento e elaboração sistemática da regressão transferencial Relação terapeuta-paciente Sem ambiguidade, os papéis são claramente definidos O terapeuta atua como docente especialista, e o paciente tem um papel ativo e colaborador Ambiguidade, favorece que o paciente projete os seus conteúdos na figura do analista Intervenções do terapeuta Sugestivo-diretivo: o terapeuta tem papel ativo-participante, com iniciativas diretivas Discretamente caloroso e espontâneo, assim como ativo em oferecer orientações pedagógicas Interpretações transferenciais e de conteúdo, atitude passivo-silenciosa Separações São negadas como tais, não devem ser sentidas como abandono Devem ser vistas como situações de provas, tarefas adaptativas Forma de regressão, denotam aspectos transferenciais Transferência Idealizadora deve ser mantida, faz parte da estratégia Idealizadora deve ser aceita com cuidado, a hostil deve ser imediatamente atualizada Sua interpretação adquire um papel terapêutico privilegiado Fonte: A Delimitação Técnica das Psicoterapias [Capítulo 3] – (FIORINI) 21 Módulo II – Wilhelm Reich A Clínica do Homem Encouraçado - Reich nasceu em 24/03/1897 na Galícia ucraniana, parte do império Austro- húngaro - filho de pais camponeses, possuía um irmão 3 anos mais novo - Tinha uma vida familiar atribulada, sua mãe a qual ele idolatrava, não era feliz em seu casamento, vindo a se suicidar quando Reich tinha 14 anos - O pai ficou arrasado com a morte da esposa e pouco tempo depois contraiu pneumonia que evoluiu para uma tuberculose, vindo falecer 3 anos mais tarde (O irmão também morreu de tuberculose aos 26 anos) - Após a morte do pai, Reich continuou os estudos e ao mesmo tempo dirigia a fazenda, porém, em 1916, com 19 anos, a guerra se espalhou e destruiu sua propriedade – Reich deixa a fazenda e se alista no exército austríaco, torna-se oficial e luta na Itália - Em 1918 ingressa na Escola Médica de Viena, formando-se em 1922 - Destaca-se brilhantemente nos estudos participando ativamente dos Seminários de Sexologia promovidos pelos alunos, é a partir do interesse nesse tema que vem a conhecer Freud em 1919, quando ingressa na Sociedade Psicanalítica de Viena - A partir do ingresso na Psicanálise, começa a formular algumas idéias controvertidas, encontrando certa resistência entre os psicanalistas, mas ainda goza de certo prestígio - Assume entre 1924 e 1930 a direção dos seminários de Psicoterapia e é nomeado subdiretor da Policlínica Psicanalítica entre 1928 e 1930 Em sua vida e obra, podemos destacar 3 grandes momentos: (1919 – 1926) – Momento de dedicação à Psicanálise com atenção à sexualidade e sua relação com as neuroses (1927 – 1935) – Momento de crítica à Psicanálise ortodoxa – proposta de uma psicanálise revolucionária próxima ao Marxismo (1936 – 1957) – Abandono gradual da práxis político-psicanalista e incursão pela Fisiologia, Biologia até a Cosmogonia A) Reich e a Psicanálise (Freud) - Reich destaca o conceito freudiano de libido como uma energia psíquica: - a estagnação ou o acúmulo dessa energia (estase libidinal) irá favorecer o aparecimento de sintomas neuróticos - Em 1915, Freud propõe uma classificação das neuroses em: a) Psiconeuroses: neuroses com causa psíquica cujo sintomas são a expressão simbólica de conflitos infantis b) Neuroses atuais: causadas por uma disfunção somática atual, originada a partir da insatisfação sexual - O interesse da Psicanálise focou-se nas primeiras, porém, Freud propõe uma relação entre elas: 22 - Alguns psicanalistas da época rejeitaram a idéia de Freud, alegando que toda neurose é de origem psíquica e não somática. Freud não se preocupou, mas também não retomou a proposta de um núcleo neurótico atual - Diante destes conceitos freudianos, Reich destacou: - a relação entre origem psíquica e origem somática da neurose: relação entre idéias e excitação somática - que um núcleo neurótico atual, resultante da frustração sexual, possa ser atuante na psiconeurose - A partir daí, Reich conclui que: - Se uma excitação (somática) energiza uma idéia (psíquica) e se esta é incompatível com a consciência (por razões morais), será inibida e se frustrará, enquanto a energia se acumula (estase) sem poder se realizar - Essa energia acumulada terá que se associar a outra idéia para ―descarregar-se‖ - poderá, então, conectar-se a idéias associadas a conflitos infantis – sintomas neuróticos - Para Reich as psiconeuroses aparecem sobre a base de uma inibição sexual atual - as psiconeuroses têm um núcleo neurótico atual e as neuroses atuais têm uma superestrutura psiconeurótica - A neurose á um transtorno somático devido à frustração e consequente desvio da energia sexual psiconeurose neuroses atuais - O desvio é sempre resultante de uma inibição psíquica: energia idéia Na neurose: - A energia não satisfeita/realizada, ou seja, a energia estásica pode se manifestar de duas formas: - Através de sintomas neuróticos (neurose obsessiva, fobia irracional) - Através de traços de caráter neurótico (ordem excessiva, timidez ansiosa) energia (inibição psíquica) idéia energia acumulada idéias infantis substitutas das idéias atuais (em sua origem não patológicas, mas agora sobrecarregadas de energia sexual) Fator atual (pressões morais, sociais) Frustração (do desejo sexual) Estase Libidinal Sintoma neurótico atual (núcleo neurótico atual) desencadeia Psiconeurose (conflitos infantis) 23 Caráter - A gênese do caráter tem por base o conflito entre as demandas pulsionais e o meio exterior - conflito enfrentado inicialmente no Complexo de Édipo - Durante a vida do indivíduo repetem-se os conflitos entre desejo libidinal e as pressões do meio exterior: (id) demandas internas Ego demandas externas (internalizadas no superego) - Diante do perigo da emergência de pulsões libidinais, o recalcamento torna-se crônico e automático - Para Reich, este modo automático de defesa é denominado ―caráter‖ ou ―couraça caracterológica‖ - o caráter é composto das atitudes habituais de uma pessoa e de seu padrão consistente de respostas para várias situações - inclui atitudes e valores conscientes, estilo de comportamento (timidez, agressividade) e atitudes físicas (postura, hábitos de manutenção e movimentação do corpo) - Do ponto de vista econômico da energia, temos: - a energia libidinal não realizada se concentra (estase) forçando a sua realização (saída) - uma parte desta energia será utilizada pelo ego sob a forma de uma formação reativa, a fim de reprimi-la - Há, portanto, formação de um círculo vicioso onde: - A figura ao lado pode ilustrar como ocorreria a formação de um caráter, através de seus diversos estratos: inibição estase Há aumento das forças repressivas (aumenta) (força o ego) Cronificação do caráter ou da couraça caracterológica 24 - A realização indireta e parcial das pulsões sexuais torna-se possível através de brechas mais ou menos fixas, na couraça, que se interpõem entre o ego e o mundo exterior - No entanto, devido à realização apenas parcial da libido, a energia represada aumenta levando à: - cronicidade e rigidez da couraça - diminuição do prazer sexual e da capacidade de descarga - A falta de satisfação sexual e a frustração dos desejoslevam a uma reação agressiva que também acaba sendo inibida gerando novamente angústia - Através de ―fendas‖ na couraça a libido pode fluir, de modo pouco móvel, para o exterior (libido objetal) ou refluir para o ego (libido narcísica) energia libidinal Realização direta da energia (libido objetal) libido narcísica Realização parcial da energia (libido objetal) inibição por pressões externas 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – formação reativa (parte da energia é utilizada para inibir o desejo) pulsão reprimida 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – energia libidinal traço de caráter (a libido cria brechas através da couraça) o trabalho de defesa egóica leva a um disfarce dos desejos sexuais ... aparece no comportamento, como um traço de caráter que busca a gratificação parcial do desejo – (diminuição da tensão) inibição uma nova formação reativa passa a impedir a emergência de tal traço, dando origem a um novo comportamento traço superficial de caráter, que atinge uma conciliação parcial entre a realização indireta do desejo e as demandas sociais ... e assim sucessivamente até o indivíduo encontrar um traço de caráter relativo socialmente aceito estratificação do caráter 25 Caráter Neurótico x Caráter Genital Caráter neurótico: há um encouraçamento crônico que leva a atitudes rígidas diante das diferentes demandas – modo de reação estereotipado - A energia sexual não pode descarregar-se pela plena potência orgástica, devido às repressões, canalizando-se para pontos de fixação pré-genitais - a energia libidinal não consegue se ligar ao prazer genital (coito) - a energia se liga a outras formas de prazer (pré-genital) – sexo oral, anal, jogos sado-masoquistas, homossexualismo, voyeurismo, masturbação ou abstinência sexual Caráter genital: a couraça torna-se móvel e adaptativa, pois: - há a realização direta da energia, ou indireta, através da sublimação - estabelece-se a primazia genital e a plena descarga orgástica (é capaz de experimentar livre e plenamente o orgasmo sexual, descarregando por completo, toda a libido excessiva) - as pulsões pré-genitais canalizam-se para as realizações genitais e estabelecem com elas, uma unidade (primazia genital) - Para Reich, a personalidade total do indivíduo é a somatória funcional de toda sua história incorporada ao presente sob a forma de atitude de caráter - condensa em si toda a história dos conflitos enfrentados pelo indivíduo e suas resoluções Traços de Caráter x Sintomas Neuróticos Os traços de caráter são resultados de forças defensivas repressoras sentidas como partes integrantes da personalidade, aceitas pelo ego - por exemplo: preocupação com ordem e limpeza (a pessoa pode ter estas características bem evidentes, porém, esse traço não é significativo ou patológico) Já os sintomas neuróticos são vivenciados como estranhos ao indivíduo, como elementos exteriores à psique - por exemplo: comportamento obsessivo-compulsivo de ordem e/ou limpeza dentro de um quadro de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) – o problema é significativo e patológico. - Para Freud, a eliminação dos sintomas se dá através da conscientização dos conflitos inconscientes, assim como da angústia - Para Reich, não basta tornar consciente os conflitos infantis (inconscientes), é necessário ainda, eliminar a fonte de energia que sobre eles investe (energia estásica), ou seja, a perturbação de descarga orgástica realização sexual sublimação (inibição sem recalcamento) fluxo energia libidinal 26 - No entanto, Reich irá perceber que o conflito ainda se mantém ―energetizado‖ mesmo após o restabelecimento de relações sexuais pelo paciente - Isto leva Reich à análise da função do orgasmo A Função do Orgasmo - A descarga de energia libidinal só ocorre quando o orgasmo é pleno – potência orgástica - fórmula do orgasmo (característico de todos os seres vivos) orgasmo Te ns ão (c ar ga e ne rg ét ica ) Q ueda da excitaçãom ov im en to s in vo lu nt ár io s Relaxação (descarga energética) Controle voluntário Relaxamento Penetração - A plena potência orgástica se dá em indivíduos onde ocorra a primazia genital - são os indivíduos capazes de atingir os movimentos ondulatórios do corpo - Quando não ocorre a primazia do genital (há investimento em fantasias pré- genitais) a descarga não é total, mantendo-se grande parte da energia em estase – impotência orgástica - A impotência orgástica aumenta a quantidade de energia acumulada, gerando angústia e realimentando a pré-genitalidade - A frustração gera agressividade e angústia, estas por formação reativa fortalecem a couraça caracterológica neurótica Caráter Neurótico (impotência orgástica) energia libidinal (estase da energia) – liga-se a pontos de fixação pré-genital Realização parcial da energia 27 Caráter Genital (potência orgástica) B) Reich e o Corpo - No caráter neurótico a energia sexual não liberada se acumula em certos grupos musculares, criando-se tensões específicas que vão refletir na maneira de agir do indivíduo (traço de caráter) - cada atitude de caráter tem uma atitude física correspondente - o caráter do indivíduo é expresso no corpo em termos de rigidez muscular – caráter muscular - As tensões musculares crônicas servem para bloquear uma das três excitações biológicas: ansiedade, raiva, ou excitação sexual - conclui que a couraça física e a couraça psicológica são essencialmente a mesma coisa “... as atitudes musculares e as atitudes de caráter tem a mesma função no mecanismo psíquico, podem substituir-se e influenciar-se mutuamente. Basicamente, não podem se separar” (Reich, 1948) - Mente e corpo são vistos como uma só unidade - Reich começa a trabalhar de forma direta no relaxamento da couraça muscular junto com seu trabalho analítico - a perda da couraça muscular liberta considerável energia libidinal e auxilia no processo analítico (ver exemplos de caso - fls. 29 e 30) - analisava em detalhes a postura de seus pacientes e seus hábitos físicos a fim de conscientizá-los de como reprimiam sentimentos em diferentes partes do corpo - aos poucos começou a trabalhar diretamente com suas mãos sobre os músculos tensos a fim de soltar as emoções presas a eles - Para Freud, o objetivo era transformar o inconsciente em consciente, através do uso da linguagem (associação livre) - Para Reich, o objetivo não era apenas esse, mas sim restabelecer o equilíbrio biofísico pela descarga da potência orgástica, liberando as energias vegetativas (Vegetoterapia) - Não mais se fica atrás do paciente, agora ele é olhado de frente e seu corpo é analisado, dá-se importância à forma, como o corpo ―fala‖ energia libidinal sublimação (realização indireta) inibição sem recalcamento (não há energia acumulada, a descarga orgástica é total) 28 - Para Freud, o corpo é levado em consideração na análise do sintoma, mas apenas o conteúdo psíquico é investigado - a abordagem corporal torna o paciente objeto da ação do terapeuta, não lhe permitindo ser sujeito de suas próprias descobertas (crítica à teoria) - O foco de Reich será a eliminação da estase libidinal pela regulação sexual - Teoria da Economia Sexual - a solução mais evidente seria a eliminação da moral sexual repressiva e a plena satisfação orgástica - Gradativamente Reich vai se afastando da teoria e técnica psicanalítica, buscando ser, não uma Psicologia, mas sim uma Sexologia, enquanto ciência dos processos biológicos, fisiológicos, emocionais e sociais da sexualidade - Aos poucos vai se distanciando do trabalho árduo do tratamento individual das neuroses e começa a investir seus esforços na direção da psico-higiene e prevenção - Sentindo a necessidade de compreender as forças sociais atuantes,Reich encontra em Marx o complemento social da Psicanálise, ou da Economia Sexual - ingressa no Partido Comunista com uma proposta de liberação sexual da juventude - Reich chegou a contabilizar 40 mil simpatizantes de suas idéias por toda a Alemanha - Em 1931, apresentou um programa com suas propostas: - Livre distribuição de anticoncepcionais para qualquer um que quisesse; educação intensiva para o controle da natalidade; - Completa abolição das proibições com relação ao aborto; - Abolição da distinção legal entre casados e não casados; liberdade de divórcio; - Eliminação de doenças venéreas e prevenção de problemas sexuais através de uma completa educação sexual; - Treinamento de médicos, professores etc, em todas as questões relevantes da higiene sexual; - Tratamento, ao invés de punição, para agressões sexuais - No entanto, Reich é expulso do partido comunista acusado de ―contrarrevolucionário freudiano e antimarxista‖ - Ao mesmo tempo, os interesses políticos de Reich levantaram, nos círculos psicanalíticos , controvérsias até mesmo maiores do que as provocadas por suas inovações teóricas - é acusado de tentar destruir a teoria freudiana, por ordens de Moscou – em 1934 é expulso da API (Associação Psicanalítica Internacional) C) Reich e a Orgonomia - Reich inicialmente estuda a energia como libido, a partir de seus estudos em Fisiologia, Biologia e Física ele começou a denominar a bioenergia do organismo como um aspecto da energia universal presente em todas as coisas Libido energia vegetativa bioenergia energia orgônica cósmica - Reich desenvolve assim a Orgonoterapia – fundou o Instituto Orgon 29 - envolveu-se em experimentos com acumuladores de energia orgônica, que restabeleciam o fluxo normal de energia no indivíduo - Em 1954, diversas alegações apontaram que o sucesso do tratamento de doenças através dos acumuladores eram falsas: - O FDA proibiu judicialmente a distribuição e uso dos acumuladores - Reich insistiu com as pesquisas e foi condenado por desacato - Em 1957, Reich morre na Prisão Federal de doença cardíaca. Casos Clínicos - Reich Caso I - Marcela Marcela tem 38 anos e é solteira. Antes de me procurar já contava com vários anos de psicoterapia verbal. Sua principal queixa está nos relacionamentos sociais e amorosos. Excelente profissional, dedica-se muito ao trabalho e estuda bastante, até mesmo nos fins de semana. Poderia estar melhor profissionalmente, mas não consegue se fazer reconhecer como profissional competente. Os grandes desejos de Marcela são: ter um namorado fixo (e não apenas casos esporádicos) e um grupo de amigos. Entretanto quando surge uma situação social (um jantar, uma festa), dificilmente consegue ir. Sente muita excitação com o convite, mas na hora não consegue sair de casa. Algo a paralisa e ela não consegue dizer nada sobre isso. A respeito desta paralisia também fomos percebendo (por meio de várias situações trazidas por ela ao longo das consultas) algumas diferenciações. Marcela não encontra muita dificuldade em realizar atos que lhe sejam solicitados por outros. Exemplo: quando seu superior pede um relatório ou um estudo, ela o realiza, satisfaz o pedido do outro. Mas em situações nas quais a realização pessoal está em jogo, a paralisia (resistência) se faz presente. Um trabalho extra, um ―bico‖ para ganhar um dinheiro a mais, foi feito por Marcela com extrema dificuldade. Nesta ocasião seu braço enrijeceu e ela teve muita dificuldade em escrever o relatório. A resistência manifestou-se corporalmente, muscularmente. As situações sociais e afetivas são francamente situações de prazer e realização pessoal. Nestas ocasiões a paralisia toma conta de Marcela. Embora possua uma vasta gama de conhecimento (cinema, literatura, música, política...), sente dificuldade de iniciar uma conversa. A partir desses elementos, proponho que Marcela se deite, fique olhando para o teto e permaneça de boca aberta. Permaneceu imóvel durante quinze minutos. Depois disse que sentiu uma angústia imensa. Só angústia. Não conseguiu pensar em nada. Repetimos esta situação mais algumas vezes, procurando focar a atenção na angústia. Na quarta repetição surgiu algo além da angústia. A penumbra da sala (só há uma luz na sala, colocada do chão para o teto) a fez lembrar-se de uma situação da infância. Depois do almoço, nos fins de semana, seu pai costumava a fazer a sesta. Marcela era colocada no mesmo quarto que o pai e a irmã mais nova para descansar. A mãe dizia que ela deveria ficar quieta para não acordar o pai e a irmã. Ela queria sair e brincar, mas tinha de ficar parada. Depois, associou que também não havia festas em casa porque isso perturbava muito o pai. A proposta desta experiência tinha um objetivo específico: fazer Marcela entrar em contato com a angústia da paralisia. Durante o tempo que ficou imóvel, pude observar que sua postura não era relaxada. Havia tensão muscular e pequenos movimentos com os dedos. Quando conversamos a esse respeito, Marcela disse que teve medo de sair daquela posição (se mexer) porque eu poderia ficar bravo com ela. A interpretação de que o medo sentido ali comigo era o medo de atrapalhar a sesta do pai foi prontamente aceita. A vivência no trabalho corporal proporcionou a Marcela o contato com a angústia, como o medo de se movimentar e com a lembrança infantil. Quando este tipo de experiência se estabelece (no caso angústia – medo - lembrança), a percepção da transferência é praticamente imediata porque o paciente está sentindo e não apenas relatando um sentimento de uma situação antiga. Caso II - Nair Nair, 29 anos, já fez cinco anos de psicoterapia (verbal) antes de me procurar. Saiu da casa dos pais com 20 anos, depois de muitas discussões com a mãe. Tem bom relacionamento com o pai e os dois irmãos mais novos que ela. Apesar da idade, Nair se vê como adolescente: muda muito de emprego (não suporta horários rígidos), não gosta de compromissos, frequenta bares e danceterias de adolescentes e veste-se como tal. No primeiro semestre de trabalho fizemos algumas experiências corporais movimentando apenas os segmentos da cabeça (olhos, boca) e do pescoço. Estas situações foram experimentadas por Nair sem dificuldade. As 30 dificuldades surgiram quando começamos a trabalhar com o tronco (tórax e abdômen). Nas movimentações do tórax (bater e dizer EU), Nair sente-se entediada. Faz o movimento mecanicamente, ―não sente nada e acha chato‖. Proponho que Nair faça movimentação da pélvis (deitada e com joelhos dobrados, deve erguer um pouco a pélvis e balançá-la de um lado para outro). Realiza o movimento por aproximadamente cinco minutos. Interrompe e se diz envergonhada. Ela estava ali ―rebolando‖ enquanto eu assistia. Sentiu vergonha de se exibir. Peço a ela que volte a ―rebolar‖, deixando que a vergonha e a exibição se intensifiquem. Em alguns minutos tem uma lembrança de infância. Ela está na sala de casa com o pai e alguns amigos de trabalho. Há música no ambiente e ela começa a fazer um show de canto e dança para a platéia. Todos estão gostando da apresentação até que a mãe, vindo da cozinha, interrompe a cena e leva Nair para o quarto. Recebe um sermão sobre seu exibicionismo e fica de castigo no quarto. Vemos aqui a situação transferencial com clareza. A vergonha sentida por estar se exibindo para mim vem da situação infantil. Nair percebe em primeiro lugar o temor de que eu vá recriminar seu exibicionismo (como sua mãe). Atrás desse temor existe a vergonha, pois se dá conta, sente excitação em se exibir para mim (pai). Além do aspecto transferencial, quero assinalar alguns pontos a respeito das resistências no trabalho corporal. Quero ressaltar um detalhe desse caso. Vimos que quando Nair começou a sentir vergonha por estar rebolando, interrompeu o movimento. Vemos então que a movimentação corporal provocou um afeto (vergonha)e que este afeto, ao paralisá-la, funcionou como resistência à emergência da representação inconsciente. Ao pedir que ela seguisse a movimentação e deixasse que a vergonha de se exibir aumentasse, estávamos ―desafiando a autoridade repressora‖, para que o reprimido pudesse emergir (o desejo de se exibir). A movimentação corporal (rebolar) excitou a representação reprimida, aumentou sua carga. Com este aumento de carga, a representação ganhou força para emergir, mas foi imediatamente sentida como ameaçadora. O que veio primeiramente à consciência de Nair foi a vergonha e não a lembrança da infância. A vergonha é o sentimento correspondente à cena de infância. E também, na situação atual, aquilo que, ao paralisá-la, impede (resiste) a lembrança. Ao mobilizarmos o corpo, ativamos sua memória desejante. Em decorrência disso, as resistências aumentam e se tornam conscientes. Não é questão, portanto, nem de ceder à resistência nem de vendê-la a todo custo. Antes, é questão de compreendê-la como manifestação e função encobridora, ou seja, o objetivo não é conseguir rebolar (trabalho corporal), mas respeitar e compreender o desejo infantil reprimido e sua relação transferencial (trabalho interpretativo). Haveria muito que dizer a respeito das resistências no trabalho corporal: suas diferentes manifestações e as formas várias de se lidar com elas. Como o tema deste estudo é a transferência, assinalo apenas que a vergonha (como vimos no caso de Nair) é uma manifestação da resistência, assim como o tédio, o sono, a ausência de sensações, a repetição de forma mecânica dos movimentos e, em muitos casos, o excesso de excitação e sensações (apresentações ―performáticas‖) que servem apenas de embuste contra psicorporalistas desavisados. Casos extraídos do livro “A Transferência na Clínica Reichiana” – Cláudio Mello Wagner – Ed. Casa do Psicólogo Leitura Recomendada Básica: Reich: um homem, uma obra [Capítulo 10]; Freud e Reich: da psicanálise à orgonoterapia [Capítulo 11] e Uma Teoria do caráter à guisa de teoria de personalidade [Capítulo 12] - (REIS; MAGALHÃES E GONÇALVES) Complementar: O caráter genital e o caráter neurótico [Capítulo 8] - (REICH) 31 Módulo III – Melanie Klein Da Fantasia à Realidade - Melanie, inicialmente Reizes e posteriormente Klein, nasceu em 30/03/1882 em Viena, filha caçula de uma família culta. - As perdas e o luto foram marcantes no início e ao longo de sua vida - aos 4 anos perdeu sua irmã Sidonie, que lhe ensinava leitura e aritmética - próximo aos 20 anos, perdeu o pai e o irmão Emanuel, amigo e incentivador - Na adolescência desejava estudar Medicina, mas após a morte de seu pai e irmão, acabou se casando com Artur Klein em 1903 - devido ao noivado abandonou a idéia de estudar Medicina - Teve três filhos: Mellita, Hans, e Erich, após o nascimento do caçula perde a mãe, o que a leva a um estado depressivo - Em 1914, morando em Budapeste, procurou Ferenczi para análise e entrou em contato com a obra de Freud - Seu talento para compreender as crianças foi percebido e estimulado por seu mestre Ferenczi - Em 1922, tentou expor a Freud suas idéias, mas não houve interesse dele - Mudou-se para Alemanha em 1923 e se tornou membro pleno da Sociedade de Psicanálise de Berlim, iniciando em 1924 sua análise com Karl Abraham, porém, a análise durou apenas um pouco mais de um ano devido à morte de seu inspirador - Klein era bastante produtiva e se focou no estudo da análise com crianças, onde desenvolveu a técnica do brincar - Em 1926, já separada, viajou para a Inglaterra a convite de Ernest Jones, onde passou a morar e a expor as suas idéias acerca da psicanálise com crianças - Divergências Freud – Klein, posteriormente, ataques de sua filha Mellita Shimideberg - Klein transmitiu a psicanálise a diversos autores como Rosenfeld, Paula Heimann, Richkman e Bion, deixando diversas obras importantes - Klein se considerava até o final uma freudiana, vindo a falecer em 22/09/1960 Introdução ao pensamento Kleiniano - O ego já existe desde o nascimento, é imaturo (primitivo, desorganizado), mas possui uma tendência a integração - Desde o início ele é exposto à: - ansiedade provocada pela polaridade inata dos instintos Instinto de vida integração Instinto de morte desintegração - ao impacto da realidade externa - frustrar, privar, ameaçar 32 - satisfazer, proteger - Desde o início o ego é capaz de perceber e reagir à realidade ambiental através de um processo interativo entre: Fantasia ↔ realidade - As pulsões inconscientes dirigem-se a um objeto - o seio (parcial) é o primeiro objeto (interno - representante da mãe no mundo interno) - No nascimento o ego experimenta a ansiedade do instinto de morte: ansiedade de separação terror de morte ou aniquilamento - Para manter a pequena integridade o ego cinde: - projeta o mau (senso de medo, ansiedade, frustração) - transforma o temor de aniquilamento em um temor de perseguição - parte da ansiedade do instinto de morte é retida como fonte de agressão que é utilizada para se defender dos medos persecutórios - projeta o bom (satisfação, senso de prazer corporal, segurança) - a libido é projetada para criar um objeto que irá satisfazer o instinto de preservação da vida - parte da libido é retida para poder estabelecer uma relação libidinal com o objeto - Cria-se o complexo paradoxo do seio bom e do seio mau - O ego estabelece um relacionamento com dois objetos parciais: seio idealizado x seio persecutório - As fantasias do seio ideal são reafirmadas pelas experiências satisfatórias e gratificantes - As fantasias do seio persecutório são mantidas pelas experiências de frustração, dor, fome ―o recém-nascido vive um mundo de extremos, povoado por objetos bons e maus num embate permanente” - A integração do ego depende de sua capacidade de poder experimentar a força do seio ideal - (sensação de proteção, segurança e de que a parte persecutória está sob controle) - Nesse período a ansiedade é que o seio persecutório supere a parte idealizada - sensação de aniquilamento Posição esquizo-paranóide - Se a hostilidade for grande demais ou se o bebê não experimentar o alívio de seus ataques ao seio a bondade do seio idealizado é fantasiada como insatisfatória - O conflito entre os instintos de vida e de morte se dá entre: amar x invejar / tê-lo x destruí-lo 33 - O contato imediato com a realidade é alterado pela fantasia inconsciente e a realidade age sobre a fantasia - O cuidado e a paciência da mãe contribuem para o senso de bem-estar do bebê - as fantasias podem ser temperadas pelo relacionamento com a mãe (ambiente – Winnicott) - a mãe / terapeuta tem de sustentar ou conter emoções que são penosas demais para o bebê/ paciente suportar - A predominância do objeto bom ou mau depende: - do relacionamento mãe-bebê - da força inata da inveja - da capacidade de tolerar frustração - O bebê necessita receber de volta da mãe, as suas experiências por uma maneira que lhe assegure que seus sentimentos e ele próprio foram tolerados e aceitos - é a aceitação dele próprio por outro que o conduz à tolerância de si próprio - A experiência de uma maternagem suficientemente boa assegura que o mau não pesará mais que o bom - Com a maior segurança de que os objetos internos são bons, o bebê demonstra um desejo de estender-se mais além Formas de defesa do ego - Cisão mantém uma distância suficientemente segura entre os objetos persecutórios e os ideais - Projeção transforma, troca o perigo interno por um perigo externo - Introjeção busca incorporar o bom enquanto o mau é projetado - Identificação Projetiva partes do ego e os objetos internos são cindidos e projetados para dentro do objeto externo, que é então possuído e controlado pelo sujeito
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