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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI (URCA) DOCENTE: RAUL AZEVEDO DE ANDRADE FERREIRA DISCENTE: MARIA IRAÉGILA SILVA DOS SANTOS Principais aspectos da obra “Triste fim de Policarpo Quaresma” de Lima Barreto O livro “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, publicado em 1915, é considerado uma das obras mais importantes do escritor brasileiro Lima Barreto. De acordo com Lilia Moritz Schwarcz, Barreto é um escritor que aborda temas sociais, onde ele retrata a realidade e muitas vezes, para isso, baseia-se em sua própria vida. Por isso, suas histórias são valorizadas como registros importantes do início do século no Brasil, especialmente sobre o período de modernização do Rio de Janeiro, que era a nova capital da República e que ele analisava de forma crítica. O livro retrata a vida de Policarpo Quaresma, um funcionário público nacionalista, e idealista, que busca promover uma valorização da cultura brasileira. No entanto, suas ideias e ações acabam o levando a solidão e à loucura: [...] Não recebia ninguém, vivia num isolamento monacal, embora fosse cortês com os vizinhos que o julgavam esquisito e misantropo. Se não tinha amigos na redondeza, não tinha inimigos, e a única desafeição que merecera fora a do doutor Segadas, um clínico afamado no lugar, que não podia admitir que Quaresma tivesse livros: “Se não era formado, para quê? Pedantismo!”. (p.72) Em um primeiro momento, lendo os trechos acima, é possível ver de imediato as consequências de todo o nacionalismo exacerbado do personagem. Mas, uma outra passagem bem interessante é quando o funcionário público fala sobre a culinária brasileira, e como ele tem preferência por ela: [...] fosse bom, seria uma novidade e não fazia mal experimentar. — É uma mania de seu amigo, senhor Ricardo, essa de só querer cousas nacionais, e a gente tem que ingerir cada droga, chi! — Qual, Adelaide, você tem certas ojerizas! A nossa terra, que tem todos os climas do mundo, é capaz de produzir tudo que é necessário para o estômago mais exigente. Você é que deu para implicar. — Exemplo: a manteiga que fica logo rançosa. — É porque é de leite, se fosse como essas estrangeiras aí, fabricadas com gorduras de esgotos, talvez não se estragasse… É isso, Ricardo! Não querem nada da nossa terra… — Em geral é assim — disse Ricardo. — Mas é um erro… Não protegem as indústrias nacionais… Comigo não há disso: de tudo que há nacional, eu não uso estrangeiro. Visto-me com pano nacional, calço botas nacionais, e assim por diante. Sentaram-se à mesa. Quaresma agarrou uma pequena garrafa de cristal e serviu dois cálices de parati. 69 — É do programa nacional — fez a irmã, sorrindo. — Decerto, e é um magnífico aperitivo. Esses vermutes por aí, drogas; isto é álcool puro, bom, de cana, não é de batatas ou milho… Ricardo agarrou o cálice com delicadeza e respeito, levou-o aos lábios e foi como se todo ele bebesse o licor nacional. — Está bom, hein? — indagou o major. — Magnífico — fez Ricardo, estalando os lábios. — É de Angra. Agora tu vais ver que magnífico vinho do Rio Grande temos… [...]. (p. 88) Esse trecho mostra o apreço que o personagem tem pelas comidas brasileiras. Portanto, o jantar segue com Quaresma elogiando entusiasticamente os alimentos nacionais: a banha, o toucinho e o arroz; sua irmã expressava algumas pequenas discordâncias enquanto Ricardo concordava com pouca expressão, movendo seus pequenos olhos ao redor e franzindo a testa que se escondia sob o cabelo áspero, esforçando-se muito para que sua face pequena e rígida demonstrasse sinceridade, delicadeza e contentamento. Além disso, em outro momento da historia, Policarpo Quaresma decide aprender violão para tocar modinhas brasileiras. Ele dedica-se intensamente a esse objetivo e acaba se tornando um exímio violonista: Quaresma fez o “Tangolomango”, isto é, vestiu uma velha sobrecasaca do general, pôs uma imensa máscara de velho, agarrou-se a um bordão curvo, em forma de báculo, 26 e entrou na sala. As dez crianças cantaram em coro: Uma mãe teve dez filhos Todos os dez dentro de um pote: Deu o Tangolomango nele Não ficaram senão nove. (p.125) Essa parte do texto revela o nacionalismo fervoroso do protagonista, que busca expressar sua identidade brasileira por meio da música. No entanto, a sociedade da época, influenciada pelos valores europeus, não valoriza as manifestações culturais nacionais, o que contribui para o seu isolamento: “— Policarpo, você precisa tomar juízo. Um homem de idade, com posição, respeitável, como você é, andar metido com esse seresteiro, um quase capadócio — não é bonito!”. Mostrando o preconceito com os seresteiros. Ademais, Policarpo descobre que a maioria das canções não são verdadeiramente brasileiras e tem uma ideia: Essa ideia levou-o a estudar os costumes tupinambás; 27 e, como uma ideia traz outra, logo ampliou o seu propósito e eis a razão por que estava organizando um código de relações, de cumprimentos, de cerimônias domésticas e festas, calcado nos preceitos tupis. (p.102). Dessa forma, outro momento de extrema importância é quando Policarpo Quaresma decide apresentar um projeto para o governo visando a transformação do idioma oficial do Brasil de Português para Tupi-Guarani. Ele acredita que o uso de uma língua nativa fortaleceria a identidade nacional e resgataria as raízes indígenas do país: Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que, por esse fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se veem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua; sabendo, além, que, dentro do nosso país, os autores e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical, vendo-se, diariamente, surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma — usando do direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso Nacional decrete o tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro. O suplicante, deixando de parte os argumentos históricos que militam em favor de sua ideia, pede vênia para lembrar que a língua é a mais alta manifestação da inteligência de um povo, é a sua criação mais viva e original; e, portanto, a emancipação política do país requer como complemento e consequência a sua emancipação idiomática. Demais, senhores congressistas, o tupi-guarani, língua originalíssima, aglutinante, é verdade, mas a que o polissintetismo dá múltiplas feições de riqueza, é a única capaz de traduzir as nossas belezas, de pôr- nos em relação com a nossa natureza e adaptar-se perfeitamente aos nossos órgãos vocais e cerebrais, por ser criação de povos que aqui viveram e ainda vivem, portanto possuidores da organização fisiológica e psicológica para que tendemos, evitando-se dessa forma as estéreis controvérsias gramaticais, oriundas de uma difícil adaptação de uma língua de outra região à nossa organização cerebral e ao nosso aparelho vocal — controvérsias que tanto empecem o progresso da nossa cultura literária, científica e filosófica. Seguro de que a sabedoria dos legisladores saberá encontrar meios para realizar semelhante medida e cônscio de que a Câmara e o Senado pesarão o seu alcance e utilidade P. e E. deferimento. (p. 159). Essa proposta audaciosa evidencia o nacionalismo extremado e as ideias utópicas de Quaresma. No entanto, ele é ridicularizado e marginalizado pela elite política e intelectual, que veem suas propostas como absurdas e impossíveis de serem praticadas. Esse trecho mostra o momento onde o protagonista pretende que todos substituam os costumes para outro costume, de acordo com ele, brasileiros: Desdedez dias que se entregava a essa árdua tarefa, quando (era domingo) lhe bateram à porta, em meio de seu trabalho. Abriu, mas não apertou a mão. Desandou a chorar, a berrar, a arrancar os cabelos, como se tivesse perdido a mulher ou um filho. A irmã correu lá de dentro, o Anastácio também, e o compadre e a filha, pois eram eles, ficaram estupefatos no limiar da porta. — Mas que é isso, compadre? — Que é isso, Policarpo? — Mas, meu padrinho… Ele ainda chorou um pouco. Enxugou as lágrimas e, depois, explicou com a maior naturalidade: — Eis aí! Vocês não têm a mínima noção das coisas da nossa terra. Queriam que eu apertasse a mão… Isso não é nosso! Nosso cumprimento é chorar quando encontramos os amigos, era assim que faziam os tupinambás. (p.102). Fica bastante claro, o quanto o personagem tem o nacionalismo exacerbado e um desejo idealizado de que tudo seja assim: “brasileiro” sem levar em consideração outros fatores para a identidade brasileira, como a própria mestiçagem, pois, o Brasil é uma mistura de culturas, por esse motivo seu grande desejo de mudar a língua do país. Lima Barreto utiliza uma linguagem simples e propositalmente despojada em seus escritos. Ele prefere ser singelo, transmite suas ideias de forma direta e sem complicações, tornando-as mais acessíveis e fáceis de compreender e familiar, ao invés de usar um estilo pomposo, grandioso, extravagante ou exagerado que indica que o estilo é caracterizado por ser rebuscado, exibicionista ou com uso excessivo de palavras e construções complexas, muitas vezes com o intuito de impressionar o leitor. Esse tipo de linguagem pode parecer artificial ou afetado, tornando a leitura mais difícil e menos acessível para algumas pessoas, pois requer maior esforço para compreensão. Fazendo uso de uma linguagem simples, o autor permite que o leitor compreenda o caráter dos personagens de forma natural, sem esforço, através de observações rápidas, diálogos e sentimentos captados ao longo da narrativa. A análise da obra de Lima Barreto, como “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, permite compreender não apenas a história individual do protagonista, mas também a crítica social e política que o autor realiza. Através das personagens, como Quaresma, Lima Barreto questiona a idealização do nacionalismo e evidencia as contradições e os desafios enfrentados pelos indivíduos que buscam promover mudanças e valorizar a cultura brasileira. O livro se torna, portanto, um importante documento literário que retrata o contexto histórico e social do início do século XX no Brasil, além de refletir a visão de mundo e as experiências do próprio autor. Portanto, assim como afirmado pelo autor (Alfredo Bosi): o protagonista de “Triste Fim de Policarpo Quaresma” representa uma crítica contundente à elite política e cultural da época. Lima Barreto utiliza Policarpo como uma voz para denunciar a falta de identidade nacional e a submissão aos padrões estrangeiros que permeavam a sociedade brasileira naquele período. O personagem de Quaresma é construído de forma a refletir a própria experiência do autor, que enfrentou dificuldades e preconceitos por sua origem humilde e sua visão crítica sobre a realidade brasileira. Assim, conclui-se que, no enredo, o personagem possui apreço exagerado pela culinária, pela música brasileira, pela cultura brasileira, o que pode ser compreensível devido o inicio de tudo e como os outros povos chegaram ao Brasil impondo diversas coisas. Então, o livro é uma crítica social e uma reflexão sobre a realidade brasileira do início do século XX. Através da trajetória de Policarpo, Lima Barreto expõe as contradições e dificuldades enfrentadas por aqueles que buscam fervorosamente um Brasil autêntico e mais justo. REFERÊNCIAS HOUAISS, Antônio e FIGUEIREDO, Carmem Lúcia Negreiros de (Coords.). Triste fim de Policarpo Quaresma. Madri/ Paris/ México/ Buenos Aires/ São Paulo/ Lima/ Guatemala/San José/ Santiago: AALLCA XX, Coleção Archivos, 1997.Raul Loureiro, Claudia Warrak ICURY, Isabel e VIANA, hendel e BARBOSA, Ana. Triste fim de policarpo quaresma. SP. EDITORA SCHWARCZ LTDA.© Lilia Moritz Schwarcz. 2010 Triste fim de Policarpo Quaresma. Rio de Janeiro: Tipografia Revista dos Tribunais, 1915. ——. Triste fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Editora Brasiliense, 1956. FIGUEIREDO, Carmem Lúcia Negreiros de. Lima Barreto e o fim do sonho republicano. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995. SCHWARCZ, Lilia (Org.). Contos completos de Lima Barreto. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. BOSI, Alfredo
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