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T1 A justiça no Brasil colonial

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DESCRIÇÃO
A Justiça no Brasil Colonial e o debate sobre a sua organização e importância ao longo do
período conhecido como Brasil Colonial.
PROPÓSITO
Compreender a relação entre História e Direito, para o favorecimento da compreensão dos
mecanismos disciplinares e das representações simbólicas de exercício do poder, além dos
processos e a dinâmica intrínseca entre os aspectos judiciais e suas instituições.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Descrever a lenta criação dos sistemas de justiça colonial
MÓDULO 2
Identificar as instituições jurídicas coloniais
MÓDULO 3
Reconhecer, a partir dos eventos da conjuração em Salvador, a dinâmica da justiça colonial
INTRODUÇÃO
Partimos da premissa de que o governo e a sociedade no Brasil, em situação de dominação
colonial, estruturaram-se a partir de sistemas interligados de organização: a administração
controlada e dirigida pela metrópole, comportando normas e relações impessoais, ao mesmo
tempo que reforçava uma teia de relações interpessoais primárias, baseadas em interesses
comuns e de parentesco.
Lidamos, neste material, com o debate sobre o “abrasileiramento da burocracia”, que não se
opunha à centralização do projeto de dominação colonial de Portugal, pois o ponto alto dessa
centralização se efetivava justamente no Tribunal da Relação da Bahia.
Trata-se, portanto, de um fenômeno que analisaremos em razão do papel do Poder Judiciário
no passado e na contemporaneidade: a politização da Justiça, típica do Antigo Regime, como
projeto de dominação colonial, cujo objetivo precípuo foi constituir e fortalecer um setor
dominante altamente afinado com a Coroa portuguesa e que lhe dava base de sustentação em
troca de grandes provimentos e benefícios.
MÓDULO 1
 Descrever a lenta criação dos sistemas de justiça colonial
COLÔNIA? QUE COLÔNIA?
Vamos voltar ao começo:
Estamos no século XV, na Europa. Após um longo período marcado por disputas políticas
locais, surgem três formulações importantes:
ESTADO
Ainda fruto de um Estado de características medievais, mas com um novo sistema burocrático.
Em vez de relações marcadas somente pela nobreza — ainda que as relações de privilégio e
nobiliárquicas continuassem fortes —, passamos a ter a constituição de uma burocracia estatal.
 Azulejos representando o Torneio na Estação de São Bento, no Porto.
Comando e sistema de armas, comando e sistemas de comércio — sujeitos que recebiam
direitos de administrar setores distintos, constituindo um corpo de servidores com uma forma
institucionalizada de apresentar o resultado de seus trabalhos.
O Estado Medieval evolui para o Estado Moderno centrado em funções administrativas e
burocráticas cada vez mais complexas. Essa nova monarquia se envolvia em conflitos
militares, mas também em cobranças de impostos e administração de uma parte do erário, que
passava a ser entendido como público.
MERCANTILISMO
Mais do que um movimento econômico, é a consolidação de um valor. Se o comércio sempre
esteve presente e foi visto com bons olhos pelos impostos, movimento e status, passamos a
perceber na modernidade uma ação cada vez mais direta do governo nas relações comerciais.
Não só cobrava impostos, mas agora dirimia questões, atuava para fortalecer seu corpo de
comerciantes e colocava uma parte importante de sua burocracia para controlar e fomentar as
estruturas comerciais.
Como? Depende. Poderia ser no oferecimento de parte do tesouro da própria Coroa em um
empreendimento, ou a cessão de terras e direitos de exploração, facilitação de impostos, ajuda
para compor e criar tripulações para a navegação, e até mesmo o direito de fazer pirataria,
desde que em nome do próprio rei.
TECNOLOGIAS
A mudança do papel da técnica é uma característica do século XV. Corporações de ofício
ganham peso nas cidades, criam organizações e fomentam novos inventos que permitam a
melhoria de seu trabalho. Uma dessas organizações, por exemplo, ainda é famosa: a União
dos Pedreiros da França, que ganhou notoriedade na Europa e depois no mundo — a
Maçonaria.
 Iniciação à Maçonaria por volta de 1800.
Com o incremento do papel das guerras, novos canhões, pólvora, combustível, armas de
guerra e armaduras passaram a ser cada vez mais poderosas e necessárias. Outra tecnologia
poderosa que ganha força é a da prensa.
A tecnologia, antes vista como algo perigoso, passa a ser entendida como uma busca
necessária, como, por exemplo, navios capazes de enfrentar os oceanos com relativa
segurança. Técnicas trazidas do Oriente permitiam navegar grandes distâncias, sabendo como
sair e voltar ao mesmo local.
Chegamos finalmente à nossa história. Um grupo de novos Estados era periférico na
Europa: Portugal 1 e Espanha 2 . Esses países, ainda por cima, ficavam em um estreito
peninsular em uma cordilheira de montanhas, por terra. Por mar, sua relação era muito mais
próxima dos países do mundo árabe, como Marrocos 3 e o seu entorno. E, durante 700 anos
— entre 711 e 1400 —, o mundo ibérico se relacionou muito mais com as rotas saarianas 4
do que com o resto da Europa.
A FORMAÇÃO DO SISTEMA COLONIAL
Vamos conversar sobre as mudanças e o estatuto jurídico do Brasil Colonial no século XVI.
DESFAZENDO UM MITO
O principal motivo de as coroas empreenderem viagens marítimas não era um Mediterrâneo
fechado pelos turcos, mas a tentativa de retornar o lucrativo comércio que durante séculos eles
dominaram e, para tal, se lançaram ao mar.
Dessa forma, os dois pequenos países foram pioneiros em construir impérios coloniais —
primeiro ocupando o litoral, fazendo postos comerciais; depois mergulhando no ideal
colonialista, no domínio e na exploração de terras entre a segunda metade do século XVI e a
primeira metade do século XIX.
 Litoral de Lisboa em 1572.
 ATENÇÃO
Então, que fique claro: não estamos debatendo sobre a invasão ou não dos países europeus
às Américas. Era o que o momento pedia e foi criado um sistema de violência e dominação.
Fatores diversos permitiram, facilitaram e, ao mesmo tempo, constituíram desafios para as
empresas coloniais. Portugal tinha um enorme império e optou, depois de um início focado no
comércio, pela transposição de instituições, consolidando ações que integraram os novos
territórios.
ESTRUTURA JUDICIÁRIA PORTUGUESA
Agora descreveremos como a Justiça colonial brasileira é fruto desse processo, o que nos
remete a muito antes da própria ideia de colônia. Para tratar a “Justiça portuguesa” nos
documentos e leis da Idade Média, precisamos antes de qualquer outra coisa perceber a
responsabilidade do rei.
A monarquia portuguesa foi criada pela dissidência do nobre Afonso Henriques, que era
vinculado a Castela – a principal monarquia que criaria a Espanha –, para constituir um reino
autônomo. Sua corte era ambulante, e o rei trazia consigo juízes que o auxiliavam na função
judicante. Esses juízes recebiam o nome de ouvidores do cível e ouvidores do crime,
conforme a matéria de especialização que julgavam, e passaram a compor o que se
denominou de Casa da Justiça da Corte.
 Afonso Henriques.
Para apreciar as causas cíveis e criminais, as matrizes normativas básicas utilizadas pelos
ouvidores eram:
LEX ROMANA WISIGOTHORUM (DIREITO COMUM DOS
POVOS GERMÂNICOS)
Legislação que remete ao século VII, mas que continuou viva durante o período conhecido
como Reconquista, em que reis cristãos foram reconquistando territórios que estavam sob o
domínio muçulmano, e era sempre o primeiro corpo legislativo a ser reposicionado.
PRIVILÉGIOS (DIREITOS ASSEGURADOS AOS
NOBRES PELOS REIS)
A monarquia medieval trabalhava com a ideia de cessão de direitos, para ser nobre ou senhor
de uma terra. Esses privilégios constituíam uma casta que tinha mais poder e direitos que os
demais.
FORAIS (LEIS PARTICULARES LOCAIS,
ASSEGURADAS PELOS REIS)
Direitos locais, mas que precisavam ser validados e autorizados por El Rei. Então, se a terra
era cedida, isso tinha de ser cumprido; se impostos eram previstos, precisavam ser executados
em nome do rei.Com a expansão do Reino pela reconquista do território da Península Ibérica aos muçulmanos,
e a uniformização das normas legais, consolidadas nas Ordenações do Reino (Afonsinas de
1480, Manoelinas de 1520 e Filipinas de 1603), foram surgindo outras figuras para exercer a
função judicante e aplicar as diversas formas normativas. Veremos a seguir os cargos
existentes:
 Página de rosto da edição princeps do Código Filipino
ou Ordenações Filipinas, de 1603.
ORDENAÇÕES DO REINO
Corpo de legislações administrativas, um conjunto de ordens, hierarquias, procedimentos, que
marcavam a administração.
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JUÍZES DA TERRA (JUÍZES ORDINÁRIOS)
Eleitos pela comunidade, não sendo letrados, apreciavam as causas em que se aplicavam os
forais, isto é, o direito local, e cuja jurisdição era simbolizada pelo bastão vermelho que
empunhavam (dois por cidade).
JUÍZES DE FORA (CRIADO EM 1352)
Nomeados pelo rei entre bacharéis letrados, com a finalidade de ser suporte do rei nas
localidades, garantindo a aplicação das ordenações gerais do Reino. Juízes de órfãos – com a
função de ser guardiões dos órfãos e das heranças, solucionando as questões sucessórias a
eles ligadas.
PROVEDORES
Considerados acima dos juízes de órfãos para cuidar das instituições de caridade (hospitais e
irmandades) e legitimar testamentos – na maioria das vezes feitos verbalmente, gerando
conflitos.
CORREGEDORES
Nomeados pelo rei, com função investigatória e recursal, inspecionavam como se dava a
administração da justiça nas cidades e vilas, julgando as causas em que os próprios juízes
estivessem implicados.
DESEMBARGADORES
Da alta magistratura de 2ª instância, apreciavam as apelações e os recursos de suplicação
(para obter a clemência real). Recebiam tal nome porque despachavam (“desembargavam”)
diretamente com o rei.
 Adaptado de tabela: Martins Filho, adaptado por Tainara Oliveira
Segundo Martins Filho (1999), a partir de 1521, o Desembargo do Paço tornou-se corte
independente e especial, e, em 1532, foi criada a Mesa de Consciência e Ordens para a
resolução dos casos jurídicos e administrativos referentes às ordens militares e religiosas, que
tinham foro privilegiado (Ordens de Cristo, de Avis e de Santiago). Acabou exorbitando sua
função, para julgar as causas eclesiásticas envolvendo os clérigos do Reino.
A Casa da Suplicação tornou-se a Corte Suprema para Portugal e para as colônias, com a
instituição dos tribunais de Relação como cortes de segunda instância. Foram criadas as
relações do Porto, para Portugal; da Bahia, para o Brasil; e de Goa, para a Índia. Assim, a
Casa da Suplicação passou a ser o intérprete máximo do direito português, constituindo suas
decisões assentos que deveriam ser acolhidos pelas instâncias inferiores como jurisprudência
vinculante.
TRIBUNAIS DE RELAÇÃO
Estrutura jurídica centralizada regionalmente.
ESTRUTURA EM TRANSPOSIÇÃO
A unidade básica do Sistema Judiciário no Brasil Colonial era o conselho que abrigava, entre
outros, o meirinho e o tabelião. O funcionário mais importante era o juiz ordinário ou juiz da
terra (SCHWARTZ, 1979, p. 4-5), e era preciso ser um “homem bom” da localidade para ser
eleito para essa função, que misturava atribuições judiciais e administrativas (WEHLING, A.;
WEHLING, J. M., 2004, p. 18).
Geralmente eram designados dois juízes ordinários para o conselho de cada cidade. Com o
passar do tempo, a Coroa notou que esses juízes sofriam ameaças ou acabavam se utilizando
da função para favorecimentos e abusos, o que a levou a criar, em 1352, um novo cargo: o de
juiz de fora (SCHWARTZ, 1979, p. 5).
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 Sistema básico do Judiciário da Colônia.
Os juízes de fora eram escolhidos pelo rei, o que os tornava menos sujeitos às pressões locais.
Em 1580, já estavam presentes em mais de cinquenta cidades. No Brasil, os juízes de fora
somente foram estabelecidos a partir de fins do século XVII (WEHLING, A.; WEHLING, J. M.,
2004, p. 31). Os juízes dos órfãos, por sua vez, eram funcionários de nível municipal que
atuavam em cidades com mais de 400 habitantes.
Quando as cidades possuíam uma população inferior a 400 habitantes, cabia ao juiz ordinário
fazer a função de juiz dos órfãos: cadastrar os órfãos em sua jurisdição, arrolar bens móveis e
imóveis, fazer inventários sempre que os herdeiros fossem menores de 25 anos, autorizar
casamentos, velar pelos bens e educação, entre outras atribuições (WEHLING, A.; WEHLING,
J. M., 2004, p. 21).
Em nível superior, em comarca, havia o provedor, que, além dos órfãos, era responsável
também por hospitais e irmandades leigas, legitimações de testamento e a coleta de alguns
aluguéis e impostos (SCHWARTZ, 1979, p. 6).
Na segunda metade do século XVIII, a organização judiciária do império português era a
seguinte:
As relações eram tribunais de segunda instância para os quais eram remetidas as apelações e
os agravos de sentenças e despachos dos juízes ordinários e dos juízes de fora. Na segunda
metade do século XVIII, a organização judiciária do império português incluía a Relação do
Porto, três tribunais da Relação em além-mar – Goa, Bahia e Rio de Janeiro – e a Casa da
Suplicação, que, além de funcionar como Relação de Lisboa, era o tribunal de última instância,
cuja organização interna e procedimentos foram usados como modelos para os outros
tribunais.
Existiam também o Desembargo do Paço, que não era um tribunal, mas sim um conselho
governamental cuja principal função era a de assessoria para assuntos de justiça e
administração; e a Mesa de Consciência e Ordens, análoga ao Desembargo do Paço, sendo
um conselho para assuntos relacionados à Igreja, consciência real e o Santo Ofício
(SCHWARTZ, 1979, p. 10).
SANTO OFÍCIO
Tribunal especial para assuntos de moralidade, heresia e perversão sexual.
O primeiro tribunal de apelação criado além-mar foi a Relação de Goa, que logo após ser
instalada, em 1544, já sofria reclamações em relação aos seus magistrados. A ideia era propor
uma forma de reduzir os processos e os litígios de um espaço como as colônias em que a
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distância do centro ampliava os embates políticos, muitas vezes ganhando contornos violentos.
Para a América Portuguesa, até 1530 não houve tentativa de legislação sistemática
(SCHWARTZ, 1979, p. 19).
 Representação de Goa do século XVI.
Em 1533 iniciou-se o estabelecimento das capitanias hereditárias. A Coroa portuguesa buscou
estabelecer privilégios e isenções fiscais aos donatários, num processo similar ao que ocorria
na metrópole com alguns membros da alta nobreza. Porém, logo foi compreendido que a
concessão de privilégios não favorecia o aumento do poder real, e a Coroa detectou a
necessidade de centralização.
ENTRE A ADMINISTRAÇÃO E A FUNDAÇÃO
DE UM SISTEMA JUDICIÁRIO
Com a ineficiência do sistema de capitanias hereditárias na administração da Justiça e da
colonização, a Coroa decidiu centralizar o governo do Brasil na criação do cargo de
governador-geral e do fornecimento de oficiais de Justiça (SCHWARTZ, 1979, p. 22-23).
Em 1549 foi criado o posto de governador-geral, com Tomé de Sousa assumindo a função de
trazer para o Brasil um governo centralizado. Sua vinda marcou a chegada de homens
incumbidos de ocupar diversas funções administrativas na colônia. Apesar do processo de
colonização ainda estar nos primeiros passos, a situação na colônia já dava os sinais do que
estava para vir:
GRASSAVA O ABUSO ADMINISTRATIVO E A
INCOMPETÊNCIA [...]. A INCOMPETÊNCIA JUDICIAL
CONTRIBUIU PARA A SITUAÇÃO TURBULENTA DO
BRASIL, MAS A RAIZ DESSA SITUAÇÃO SE
ENCONTRAVA NAS MÚLTIPLAS OPORTUNIDADES
PARA A PRÁTICA DE EXCESSOS E DE ATOS
LICENCIOSOS. O BRAÇO DA LEI NÃO CHEGAVA A
ÁREAS REMOTAS E A ESPARSA COLONIZAÇÃO
TINHA COMO RESULTADO A FALTA DE PRESSÃO
COMUNITÁRIA PARA APOIAR A MORALIDADE E O
RESPEITO PELA LEI.
(SCHWARTZ, 1979, p. 24-25)
Durante essas primeiras décadas da colonização do Brasil, a Justiça parecia ser algo muito
distante da realidade. A ação judiciária,por força das Ordenações, com a sua formalística e
intrincada minúcia processual, era morosa. A atuação revisionista da Ouvidoria-Geral quase se
anulara; os recursos interpostos para o Reino eram intermináveis e caros.
As causas se eternizavam, muita vez liquidadas violentamente com sangue ou com acordos,
por vezes, desonestos. Eram contínuas as reclamações que não tinham resposta da Casa da
Suplicação, tampouco mereciam o conhecimento do Conselho Ultramarino. Ao coro dos
litigantes não tardaram se juntar os rogos da Mesa de Vereança e as solicitações dos
governadores que, de perto, sentiam o drama daqueles que clamavam por justiça (RUY, 1957,
p. 9).
No final do século XVI, com o aumento do comércio do açúcar, a população da colônia
cresceu, o que provocou a ampliação do número de litígios. Ruy (1957, p. 9) chama atenção
para o desequilíbrio vivido no quadro social confuso da Bahia. Lá, as paixões, as disputas, a
falta de vigilância, os abusos de autoridade e a dificuldade de punir crimes precisavam
urgentemente de um grupo capaz de exercer fiscalização.
Em Portugal, 1580 marca o início da União Ibérica, o que fortaleceu a necessidade de reformas
no sistema judicial, incluindo os problemas com a Justiça colonial. Quando o governo
português pensou em rever a política colonial do Brasil, um dos problemas cuja solução
exigiam precedência era o que dizia respeito à Justiça, cuja reforma se impunha como
necessária à administração do governador-geral, mas que deveria ser processada sem
provocar conflito com os donatários protegido pelos Forais (RUY, 1957, p. 9).
Com a ascensão de Felipe II ao trono português a decisão de criar um tribunal na América
Portuguesa foi tomada. No entanto, o Tribunal da Relação da Bahia de 1588 fracassou por
causa de um problema com a embarcação que transportava os desembargadores designados
para instalar o tribunal nas terras brasileiras.
Apesar do insucesso da tentativa, o regimento preparado em 1588 ficou guardado e acabou
sendo utilizado com poucas modificações em 1609, quando a Relação da Bahia começou a
funcionar (SCHWARTZ, 1979, p. 45).
FORAIS
Asseguravam o direito de nomear ouvidores e distribuir justiça, e de jamais entrar outra
autoridade a lhes pedir contas.
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 RESUMINDO
Nos anos seguintes, o assunto da criação do tribunal ficou parado, mas, como as reclamações
sobre as condutas dos funcionários de Justiça da colônia só faziam crescer e chegavam à
metrópole, em pouco tempo os debates sobre um tribunal no Brasil recomeçaram, culminando,
em 1609, com a instalação da Relação da Bahia.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
 Identificar as instituições jurídicas coloniais
PRIMEIRA RELAÇÃO (1609) E SEGUNDA
RELAÇÃO (1652): REGIMENTOS E
FUNÇÕES
AS INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
JURÍDICAS E SEU CONTEXTO
No vídeo a seguir, o professor Rodrigo Rainha faz um inventário dos principais eventos
políticos brasileiros — capitanias hereditárias, invasão holandesa e mudança da capital para o
Rio de Janeiro.
Todos os tribunais do Império Português seguiam um padrão de organização, e o primeiro
Tribunal da Relação no Brasil era subordinado à Casa da Suplicação. O regimento,
promulgado em 7 de março de 1609, determinava a composição da Relação da Bahia com dez
desembargadores, sendo um chanceler — juiz da chancelaria — três desembargadores de
agravos, um ouvidor-geral, um juiz dos feitos da Coroa, Fazenda e Fisco e promotor da
Justiça, um procurador dos feitos da Coroa, Fazenda e Fisco, um provedor dos defuntos e
resíduos e dois desembargadores extravagantes (SILVA, 1854).
O primeiro período da Relação da Bahia durou de 1609 até a sua supressão pelo alvará de 5
de abril de 1626. O caos instalado pela invasão holandesa em Salvador, em 1624, afetou a
vida dos magistrados: os que não conseguiram fugir foram feitos prisioneiros. O chanceler
Antão de Mesquita de Oliveira acabou eleito líder da resistência apenas para ser afastado pelo
bispo Marcos Teixeira dias depois (SCHWARTZ, 1979, p. 174). A relação entre o tribunal e o
clero na década de 1620 foi marcada por disputas de poder, e, entre as razões apontadas por
Schwartz para a extinção da Relação da Bahia, está a existência de inimizades na colônia,
sendo o bispo um desses inimigos.
 Planta da restituição da Bahia.
Além do clero, a Câmara de Salvador sempre apresentou uma posição de dubiedade em
relação ao Tribunal da Relação, fomentando um relacionamento que variava entre uma
cordialidade formal e a hostilidade. Como representante dos senhores de engenho e de todos
os estratos que possuíam algum status na colônia, a Câmara não confiava na Relação,
temendo que em algum momento pudessem ser subtraídos seus poderes ou mesmo que tal
elemento judiciário viesse a atrapalhar os negócios das pessoas ali representadas (OLIVEIRA
FILHO, 2009, p. 33).
Ao analisar a opinião de alguns cronistas da época, Garcia (1975, p. 39) concluiu que “a
Relação, parece, não era bem vista no Brasil, pelas despesas e incômodos que acarretava”.
Existiam algumas opiniões contrárias ao Tribunal da Relação da Bahia: o autor de Diálogos
das grandezas do Brasil (1618) era partidário da substituição da Relação por mais duas
ouvidorias além da Bahia — uma no Rio de Janeiro e outra mais ao norte — enquanto outro
escritor do período, o autor de Razão do Estado do Brasil, fez o que se entendeu como:
DIÁLOGOS DAS GRANDEZAS DO BRASIL (1618)
Obra atribuída a Ambrósio Fernandes Brandão. Publicada pela primeira vez na década de 1930
com notas de Rodolfo Garcia. Foi reeditada pelo Senado Federal e está disponível na íntegra
no site da Biblioteca do Senado.
RAZÃO DO ESTADO DO BRASIL
Livro que dá razão ao Estado do Brasil, de autoria do sargento-mor Diogo de Campos Moreno.
[...] A PRIMEIRA QUEIXA QUE APARECE NO BRASIL
CONTRA O BACHARELISMO. PONDO O SENTIDO E O
CORAÇÃO NA PÁTRIA, TRATAM DE SE ACOLHER
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TANTO QUE DA PROVÍNCIA CONFUSA TEM
ESFOLADO ALGUMA COUSA COM QUE SE FAZER
POSSAM: DAQUI NASCE TANTO TROCAR, TANTO
MENTIR, TANTA TRAPAÇA, QUE AS NOVAS DELAS
NÃO FAZEM SENÃO ACARRETAR BACHARÉIS À
POBRE PROVÍNCIA [...].
(GARCIA, 1975, p. 39)
Foi, portanto, um clima de desagrado geral com o sistema judicial (SCHWARTZ, 1979, p. 174)
e a guerra contra os holandeses que selaram o destino da Relação da Bahia: a Coroa optou
por encerrar o tribunal (Alvará de 5 de abril de 1626) e alocar os vencimentos dos
desembargadores para o sustento do Presídio da Gente de Guerra da Bahia de Todos os
Santos (SILVA, 1854).
 ATENÇÃO
Sem a Relação, foi necessário mexer na estrutura judicial da colônia, e a solução encontrada
pela metrópole foi a de voltar ao esquema pré-Relação, com o ouvidor-geral. A Relação da
Bahia se reergueu apenas em 1652, reflexo de um momento marcado novamente por
mudanças em Portugal, que vivenciava o período da restauração da independência.
OUVIDOR-GERAL
Autoridade suprema da justiça, contemporânea da fundação do governo-geral. Com a criação
da Relação da Bahia, o cargo foi incorporado à estrutura da corte.
Fonte: Schwartz (1979, p. 52, 217).
RESTAURAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA
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A Restauração de Portugal, que marca o fim da União Ibérica, foi iniciada em 1640 com a
ascensão de D. João IV, primeiro monarca da dinastia de Bragança.
CONSELHO ULTRAMARINO
A criação do Conselho Ultramarino, em 1642, marcou uma nova etapa de reformas
administrativas e uma possibilidade: um ano após sua instauração, seus conselheiros
receberam a petição para o restabelecimento da Relação na Bahia. Curiosamente, a Câmara
de Salvador, que, em 1626, tivera um dos papéis principais na extinção da Relação, agora
passou a ser uma das principais agitadoras para o seu renascimento (SCHWARTZ, 1979, p.
193): o preâmbulo da lei de 12 de setembro de 1652, que o restaurou, deixa claro que havia
um pedido da Câmara e dos moradores para que a Relação fosse reinstalada.
Uma das mudanças no regimento de 1652 foi em relação ao númerode desembargadores, que
de dez, em 1609, foi reduzido para oito:
COMPOSIÇÃO DA RELAÇÃO REGIMENTO DE 1609
1 chanceler – juiz da chancelaria
3 desembargadores de agravos
1 ouvidor-geral
1 juiz dos feitos da Coroa, Fazenda e Fisco, e promotor da justiça
1 Procurador dos feitos da Coroa, Fazenda e Fisco
1 provedor dos defuntos e resíduos
2 desembargadores extravagantes

COMPOSIÇÃO DA RELAÇÃO REGIMENTO DE 1652
1 chanceler – juiz da chancelaria
2 desembargadores de agravos
1 ouvidor-geral dos feitos e das causas crimes, também auditor da gente de guerra
1 ouvidor-geral dos feitos e causas cíveis, que também atuava como auditor das causas cíveis
entre os privilegiados e soldados
1 juiz dos feitos da Coroa, Fazenda e Fisco
1 procurador dos feitos da Fazenda, Coroa e Fisco e promotor da justiça
1 provedor das fazendas dos Defuntos, Ausentes e Resíduos
Regimento do Tribunal do Estado do Brazil.
A redução das vagas pelo regimento de 1652 eliminou dos quadros do Tribunal da Relação da
Bahia um cargo de desembargador dos agravos e um de desembargador extravagante. Outra
mudança foi o desmembramento do posto de ouvidor-geral para a criação de um ouvidor-geral
do crime e um ouvidor-geral do cível. A função de cada um dos desembargadores é descrita
nos regimentos.
Segundo Schwartz (1979, p. 199, 205), o regimento de 1652 elencou as atribuições de cada
cargo entre os títulos II e VII da seguinte maneira:
CHANCELER
Ver as cartas e sentenças que forem dadas pelos desembargadores da Relação,
seguindo a maneira feita pelo chanceler da Casa de Suplicação;
Conhecer as suspeições postas aos desembargadores e demais oficiais;
Conhecer os casos e erros dos tabeliães e outros oficiais, e as apelações e os agravos
dos ditos oficiais, usando o regimento dado ao juiz da chancelaria da Casa de
Suplicação;
Fazer audiências;
Fazer uso do regimento dado ao chanceler da Casa de Suplicação de legislação
extravagante, quando puderem ser aplicadas.
DESEMBARGADORES DE AGRAVOS
Conhecer dos agravos e apelações das sentenças definitivas que o ouvidor-geral do cível
e o provedor derem aos defuntos e resíduos dos casos cíveis que não couberem em suas
alçadas;
Conhecer as apelações de casos crimes que saírem do ouvidor geral e dos juízes
ordinários e dos órfãos e de quaisquer outros julgadores da cidade de Salvador, dos
ouvidores das capitanias e de todas as sentenças de casos cíveis dadas por qualquer
julgador de todo o Estado do Brasil, que excederem a alçada deles;
Conhecer de todas as apelações de casos crimes que vierem de todos os julgadores do
Estado do Brasil.
OUVIDOR-GERAL DO CRIME
Conhecer por ação nova os delitos que forem cometidos na cidade de Salvador e em
cada um dos lugares que forem da jurisdição da capitania;
Conhecer de todos os instrumentos de agravo ou cartas testemunháveis ou feitos crimes
nos casos em que se puder remeter, que vierem de quaisquer partes do Estado do Brasil;
Conhecer por petição todos os agravos crimes que as partes tirarem diante dos juízes e
do ouvidor da cidade do Salvador, e de todos os lugares que forem da jurisdição, aos
quais mandará por si só, responder, e os tais agravos despachará em Relação, se as
partes quiserem agravar diretamente para a Relação;
Passar cartas de seguro;
Advogar por petição os feitos crimes.
OUVIDOR-GERAL DO CÍVEL
Conhecer por ação nova todos os feitos cíveis da cidade de Salvador e dos lugares que
forem da jurisdição;
Fazer sentenças interlocutórias. O regimento determina também os valores de alçada.
JUÍZES DOS FEITOS DA COROA, FAZENDA E FISCO
Conhecer de todos os feitos da Coroa e Fazenda por ação nova e por petição de agravo.
Fora de Salvador, eles conhecerão por apelação, por instrumento de agravo ou por cartas
testemunháveis;
Servirá juntamente de juiz do fisco e usará em tudo do regimento dado ao juiz do fisco da
Casa de Suplicação;
Conhecerá de todas as apelações e agravos que saírem do provedor-mor em casos que
não couberem em sua alçada.
PROVEDOR DAS FAZENDAS DOS DEFUNTOS,
AUSENTES E RESÍDUOS
Conhecer por ação nova em Salvador e em toda a jurisdição, dando agravo nos casos
que não couberem em sua alçada; deve usar o regimento e a legislação extravagante dos
provedores dos órfãos e resíduos da cidade de Lisboa;
Tomar particular cuidado de saber quando as naus e os navios do reino chegam em
Salvador e outros portos, se faleceu neles alguma pessoa e o modo em que se procedeu
no inventário de suas fazendas, fazendo por tudo em boa arrecadação;
Ter particular cuidado de mandar todos os anos por letras nas naus e navios do Reino
todo o dinheiro que houver em seu juízo proveniente dos defuntos, para ser entregue as
pessoas a quem pertencer.
Em adição ao desembargadores, o Tribunal da Relação da Bahia contava com outros oficiais:
dois escrivães de agravos e apelações, um escrivão para a ouvidoria do crime, um escrivão
para a ouvidoria do cível, um escrivão para servir no Juízo da Coroa, Fazenda, Fisco e
Chancelaria, um meirinho das cadeias e um guarda da Relação, cuja função consistia na
distribuição dos feitos e no recebimento do dinheiro das condenações, devendo prestar contas
anualmente para um desembargador designado pelo governador.
As incumbências do governador na Relação da Bahia estão definidas no título I do regimento
de 1652. Já no parágrafo 1º do dispositivo, o governador deveria ir à Relação “às vezes que lhe
parecer”, sem votar nem assinar sentenças, e usando somente o regimento utilizado pelo
regedor da Casa de Suplicação, podendo utilizar as leis extravagantes onde pudessem ser
aplicadas.
O restabelecimento não alterou significativamente o papel do governador-geral, que continuava
a atuar como presidente do tribunal, e a dinâmica entre a Relação e os governadores continuou
semelhante ao que era no início do século XVII: um exercício de controle entre as partes.
Segundo Schwartz (1979), a Coroa queria uma administração colonial que funcionasse
tranquilamente, mas sem que existissem relações muito próximas entre os diversos
funcionários:
ORDENS REAIS INSTRUÍRAM OS GOVERNADORES-
GERAIS A LEVAREM A SÉRIO SEU PAPEL DE
REGEDOR DO TRIBUNAL E A DAREM
REGULARMENTE ATENÇÃO AOS NEGÓCIOS A ELE
PERTINENTES. O REGIMENTO OUTORGADO AO
GOVERNADOR ROQUE DA COSTA BARRETO, EM 1677
SERVE DE MODELO; NELE, ERA ADVERTIDO PARA
RESGUARDAR A LEI E A JUSTIÇA DO REI, PARA SE
ASSEGURAR DE QUE OS MAGISTRADOS CUMPRIAM
SEUS DEVERES E PARA FAZER O RELATÓRIO
DENTRE DESEMPENHO DE CADA JUIZ. ALGUNS
LEVARAM AS INSTRUÇÕES A SÉRIO E OUTROS, NÃO.
[...] É IMPOSSÍVEL SABER QUANTOS IAM
REGULARMENTE ÀS SESSÕES [...]. PARECE QUE OS
GOVERNADORES QUE NÃO DAVAM GRANDE
ATENÇÃO À RELAÇÃO EVITAVAM CONFLITOS
ABERTOS ENQUANTO OS FUNCIONÁRIOS MAIS
ANTIGOS, QUE LEVAVAM SEUS DEVERES JUDICIAIS A
SÉRIO, ENTRAVAM EM ATRITO COM OS JUÍZES. AS
AVALIAÇÕES DE MEMBROS DA RELAÇÃO, FEITAS
PELOS GOVERNADORES, ERAM DE NATUREZA TÃO
GERAL QUE NÃO TINHAM NENHUM VALOR. ÀS
VEZES, NO ENTANTO, HAVIA ALGUMAS TENTATIVAS
REAIS DE RELATAR O COMPORTAMENTO DOS
MAGISTRADOS [...].
(SCHWARTZ, 1979, p. 215)
TRIBUNAIS DA RELAÇÃO DO RIO DE
JANEIRO E DA BAHIA
Durante um século (1652-1751), a Relação da Bahia permaneceu como o único tribunal no
Brasil. Na metade do século XVIII, a colonização do território brasileiro já tinha adquirido novos
contornos geográficos e econômicos, e a descoberta de ouro na região das Minas Gerais havia
aumentado a relevância da região sul. Por isso, as vilas que se localizavam ao redor da zona
de mineração passaram a requerer que a Coroa estabelecesse um Tribunal da Relação no Rio
de Janeiro.
 Tribunal da Relação na Bahia, por volta de 1926.
Essa região foi ganhando importância econômica e política desde as primeiras décadas do
século XVIII. A população crescia e, com isso, o volume de recursos enviados ao Tribunal da
Relação da Bahia também aumentava exponencialmente. Tudo isso demandou que a Coroa
estabelecesse um novo tribunal que contemplasse as capitanias do sul, o que se concretizou
em1751, quando foi instituída a Relação do Rio de Janeiro.
 Desembargadores da Casa de Suplicação, em litografia do livro
Viagem pitoresca, publicado em 1839, de Jean-Baptiste Debret.
De fato, razões de distância, demoras, despesas e perigos são os motivos citados no
preâmbulo da lei de 13 de outubro de 1751, que instituiu e deu regimento ao Tribunal do Rio de
Janeiro. A norma também alega que, com a criação do novo tribunal, a Coroa estaria provendo
uma boa administração da Justiça, pois, anteriormente, a população local havia solicitado
custear a criação de uma nova Relação na cidade. Embora esses sejam os argumentos
oficiais, existiram outras motivações para a instalação.
A criação de um tribunal no Rio de Janeiro representou um avanço no reconhecimento da
importância política da cidade que culminaria em 1763, com a sua elevação à capital do vice-
reinado (SCHWARTZ, 1979, p. 210). Essa ascensão do Rio de Janeiro é esmiuçada por
Bicalho (2013) por meio do conceito de capitalidade:
[...] A NOÇÃO E A EXPERIÊNCIA DE CAPITALIDADE
RELACIONADOS AO RIO DE JANEIRO NA SEGUNDA
METADE DO SÉCULO XVIII ERAM CONDIZENTES COM
SEU PAPEL DE ARTICULAÇÃO POLÍTICA E
ECONÔMICA, ASSIM COMO DE DEFESA DO
TERRITÓRIO CENTRAL E MERIDIONAL DA AMÉRICA,
ALÉM DE SER O PRINCIPAL PORTO DO ATLÂNTICO
SUL. ESSE PAPEL SE REAFIRMA NOS ÚLTIMOS ANOS
DAQUELA CENTÚRIA, ATÉ QUE, EM 1808, NUM
EXTRAORDINÁRIO JOGO DE INVERSÃO, A CIDADE SE
METAMORFOSEARIA EM CORTE E CAPITAL DA
MONARQUIA E DO IMPÉRIO PORTUGUÊS,
REDIMENSIONANDO OS ELEMENTOS E O
SIGNIFICADO DE SUA CAPITALIDADE.
(BICALHO, 2013, p. 20)
 RESUMINDO
Ou seja, a capitalidade é uma condição que só podia ser adquirida se um centro conseguisse
aliar a capacidade de repercutir a sua influência em determinado espaço com a aptidão de
estruturar e estabelecer hierarquias no interior de um território e sustentar essas ligações.
Dessa forma, na segunda metade do século XVIII, o Rio de Janeiro conseguiu atingir esses
critérios de capitalidade.
Entretanto, o fato de o Rio de Janeiro possuir capitalidade a partir de meados do século XVIII
não significou um esgotamento da capitalidade da Bahia. A Bahia compartilhava capitalidade
com o Rio de Janeiro (NEVES, 1988) e, entre as razões para isso, estavam o crescimento da
economia da capitania e a influência política de d. Fernando José de Portugal e Castro, que
governou a Bahia entre 1788 e 1801 e foi vice-rei do Brasil entre 1801 e 1806. A economia de
exportação baiana teve um crescimento real no período entre 1780 a 1860 (aumento no
volume das exportações e nas receitas em termos reais) (BARICKMAN, 2003).
No âmbito do exercício da Justiça na colônia, pode parecer, à primeira vista, que a criação de
um novo tribunal no Rio de Janeiro tenha diminuído a importância da Relação da Bahia, mas
não foi o que aconteceu. Os efeitos imediatos da instalação da Relação do Rio de Janeiro
realmente afetaram a Relação da Bahia em dois aspectos: a jurisdição e a quantidade de
desembargadores.
 Jurisdições dos Tribunais da Relação do Brasil (1752) – Alvará de 13 de outubro de 1751.
Embora o tribunal do Rio de Janeiro tenha recebido a jurisdição das capitanias ao sul do
Espírito Santo, a Relação da Bahia continuou com as capitanias do norte-nordeste e, em 1753,
recebeu a jurisdição sobre as ilhas do golfo da Guiné (VALIM, 2012 p. 90-91). A jurisdição da
Relação da Bahia nas ilhas de São Tomé e Príncipe gerou um episódio controverso no tribunal
no final do século XVIII, como observaremos no final do módulo.
Quanto à quantidade de desembargadores que compunham a Relação da Bahia, vimos que
dos dez previstos no regimento de 1609 houve uma diminuição para oito no regimento de
1652. Em 1752, dois foram deslocados do Tribunal da Bahia para o do Rio de Janeiro, para
ajudar no início das atividades do novo tribunal (nova Relação no Rio de Janeiro): Agostinho
Felix dos Santos Capello e Manuel da Fonseca Brandão. Com a partida deles e o afastamento
de outro desembargador (por doença), a Relação da Bahia ficou desfalcada e operando com
apenas quatro ministros, o que fez com que o vice-rei, conde de Athouguia, informasse ao
secretário de Estado da Marinha e dos Negócios Ultramarinos, Diogo de Mendonça Corte Real,
que a falta de desembargadores na Relação da Bahia comprometia a boa administração da
Justiça:
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ILHAS DO GOLFO DA GUINÉ
As ilhas de São Tomé e Príncipe, localizadas no golfo, próximas à costa equatorial da África,
foram importantes centros de concentração e reexportação de escravos para o Brasil,
especialmente para a Bahia.
COM A OCCAZIÃO DA MUDANÇA DESSES MINYSTROS
DEVO RENOVAR A V. EXª A LEMBRANÇA DA FALTA
QUE HÁ DELES NESSA RELAÇÃO; POIS PREZENTEM-
SE NÃO FICAM NELLA MAIS DE QUATRO, EXCEPTO
[ILEGÍVEL], E AINDA DESTES O DEZEMBARGADOR
JORGE SALTER DE MENDONÇA SE ACHA ENFERMO
HÁ QUATRO MEZES: DESSA FALTA AVIZEY A V. EXª
EM JUNHO DO ANNO PASSADO PELLA CARTA DE
QUE REMETO CÓPIA, SENDO GRANDE O PREJUÍZO
QUE EXPERIMENTA A BOA ADMINISTRAÇÃO DA
JUSTIÇA.
(AHU_ACL_CU, 1752, doc. 227-229)
Posteriormente, os desembargadores da Relação da Bahia foram repostos: entre janeiro de
1752 e abril de 1755, catorze magistrados ingressaram no tribunal. Conforme Oliveira Filho
(2009), no decorrer da segunda metade do século XVIII, o número de desembargadores do
Tribunal da Relação da Bahia foi aumentado de oito, em 1652, para onze (AHU_ACL_CU,
1752).
Assim sendo, com o aumento no número dos desembargadores e com a inclusão dos
territórios do golfo da Guiné na jurisdição do tribunal, a Coroa conseguiu preservar a relevância
da Relação da Bahia na América Portuguesa.
CABE SALIENTAR QUE NÃO HAVIA HIERARQUIA
ENTRE O TRIBUNAL DO RIO DE JANEIRO E O DA
BAHIA, SENDO AMBOS SUBORDINADOS À CASA DA
SUPLICAÇÃO.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 3
 Reconhecer, a partir dos eventos da conjuração em Salvador, a dinâmica da justiça
colonial
JUSTIÇA EM AÇÃO
Como vocês já notaram, a Justiça colonial é estruturada e complexa. A ideia de que a colônia
não tinha uma estrutura judiciária é algo absolutamente frágil. De fato, temos na Justiça um
corpo aristocrático e a implementação de uma ordem que visava estabelecer uma burocracia
comum.
Esse sistema de integração burocrático constituía um sistema público, reconhecido, e que
fornecia durante o período colonial um sistema de reconhecimento. Quer dizer, se não existe
um sentimento nacional, há uma perfeita ideia de integração e reconhecimento de autoridades
de características judiciais.
Outro aspecto fundamental era a longevidade. A manutenção das ordenações Manuelinas e
Filipinas acabaram por gerar um reconhecimento estrutural das instituições legislativas e
administrativas.
Mas aqui chegamos a um desafio: manter a estrutura discricionária geraria uma falta de
profundidade. Preferimos, portanto, inseri-los em um caso da Justiça em funcionamento, e
assim optamos por um evento: a Conjuração Baiana. Faremos um trabalho de investigação,
buscando depoimento, ações e documentações. O foco é que você, pelo microcosmo, possa
perceber a dinâmica judicial brasileira.
A JUSTIÇA COLONIAL EM AÇÃO
Conheceremos os casos das conjurações baiana e mineira.
CONJURAÇÃO BAIANA DE 1798:
POLITIZAÇÃO DA JUSTIÇA
Ao chegar à cidade da Bahia, em 1788, d. Fernando José de Portugal e Castro estava
encarregado de corrigir os desvios da malha burocrática da capitania que até 1763 tinha sido a
sede do vice-reinado. Em relação à Justiça, o governador solicitou que o secretário de Estado
e Governo do Brasil, José Pires de Carvalho e Albuquerque, indicasse uma relação dos
advogados que até aquele momento tinham apresentado documentos comprobatórios de suas
formações para continuar habilitados no exercício da advocacia.
Do total de 28 advogados que atuavam na capitania da Bahia, até aquele momento, 16
apresentaram documentos, e os demais constavam na lista como “advogados por provisão” ou
“advogado formado”, que em ambos os casos significava ausência de documentação
comprobatóriae falta de “habilitação” para a advocacia (APEB, 1782-1799). Mesmo com as
exigências, algumas pessoas continuaram advogando na capitania da Bahia “por provisão”,
como é o caso de José Barbosa de Oliveira, que mesmo tendo cursado Cânones na
Universidade de Coimbra em 1768 (ÍNDICE, 2015), formando-se bacharel em 1776, não
apresentou documentação probatória e continuou “advogando por provisão”.
José Barbosa de Oliveira nasceu em 1749, na cidade de Salvador. Era filho do sargento-mor
Antônio Barbosa de Oliveira, homem de cabedal, que arrematara um ofício de tabelião público
do judicial e notas da Bahia pelo valor de 10:400$000 (OLIVEIRA, 1943, p. 11-15). Seu pai era
próximo do grupo da corporação dos enteados envolvidos na Conjuração Baiana de 1798, do
qual José Pires de Carvalho e Albuquerque era a figura mais proeminente, e com os
funcionários régios da capitania da Bahia, fornecendo-lhes atestações de “ausência de
limpeza de mãos” em várias residências, como a do desembargador Jozé Theotônio Sedron
Zuzarte, por exemplo (AHU_CU_CA, 1794).
10:400$000
Unidade monetária da época: 10 contos e 400 réis.
“AUSÊNCIA DE LIMPEZA DE MÃOS”
Expressão usada para informar que não são descendentes ou que já tenham trabalhado com
ofícios mecânicos.
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 Bandeira da Conjuração baiana.
Nos vários conflitos nos quais José Pires de Carvalho e Albuquerque estava envolvido, Antônio
Barbosa de Oliveira testemunhou a favor do secretário de Estado e Governo do Brasil na
maioria deles. O grupo comandado por José Pires de Carvalho e Albuquerque, que lhe
forneceu “atesttações”, era composto por Antônio Estanislao Correia, Domingos da Rocha
Barros (AHU_CU_CA, 1778), José Gularte da Silveira (AHU_CU_CA, 1767;
AHU_ACL_CU_005, 1791), Antônio Cordeiro Villaça, Bernardino de Sena e Araújo, Manoel
José Villela de Carvalho, Francisco Vicente Viana, Antônio Barbosa de Oliveira e Caetano
Maurício Machado.
 Folha de rosto do Arquivo Histórico Ultramarino.
Desses quase todos ocuparam cargos da administração local, três eram proprietários dos
escravos, um deles foi o advogado de defesa dos réus e dois formularam as principais
denúncias sobre os quatro réus enforcados (APEB, 1998). Talvez tenha sido pela proximidade
de seu pai com a corporação dos enteados que José Barbosa de Oliveira foi designado a ser o
advogado de defesa dos indiciados no crime de lesa-majestade, conspiração contra a Coroa de
Portugal, deflagrada em 1798.
Na manhã de 12 de agosto de 1798, a população de Salvador foi surpreendida pelo teor dos
boletins manuscritos afixados em prédios públicos, alguns dos quais com uma mensagem que
convocava o povo baiano, favorável à República; era uma ordem, uma conclamação para uma
necessária revolução. A informação foi acrescida pela convocação da população a participar do
levante projetado pelo Partido da Liberdade: um grupo que se intitulava Anônimos
Republicanos (MATTOSO, 1969). As autoridades dos dois lados do Atlântico não
desconsideraram o peso dos termos veiculados nos boletins, liberdade, república e revolução,
que naquela conjuntura compunham a cadência da Revolução Americana (1776), da
Revolução Francesa (1789) e da revolução escrava em São Domingo (1791).
As autoridades locais agiram rapidamente, iniciando uma duvidosa investigação para se
descobrir e punir os autores dos boletins manuscritos que, em razão dos termos veiculados,
foram qualificados de pasquins sediciosos. Como era de se esperar, d. Fernando José de
Portugal e Castro, governador-general da Bahia, imediatamente ordenou que fosse aberta uma
devassa para se descobrir o(s) autor(es) de tão “odiosa empresa”. Para tanto, designou, por
portaria de 13 de agosto de 1798, o desembargador ouvidor-geral, com vezes de corregedor do
Crime doutor Manoel Magalhães Pinto Avellar de Barbedo.
DEVASSA A QUE PROCEDEO O DESEMBARGADOR
OUVIDOR GERAL, COM VEZES DE CORREGEDOR DO
CRIME DA COROA, O DOUTOR MANOEL MAGALHÃES
PINTO E AVELLAR DE BARBEDO, NA CONFORMIDADE
DA PORTARIA DO ILMO. EXMO. GOVERNADOR E
CAPITÃO GENERAL DESTA CAPITANIA, SOBRE A
FACTURA, E PUBLICAÇÃO DE VÁRIOS PAPÉIS
SEDICIOZOS, E REVOLUCIONÁRIOS, QUE
APARECERÃO NESTA CIDADE DO DIA DOZE DE
AGOSTO DE 1799.
(APEB, 1998, p. 31-32)
 COMENTÁRIO
O ano da publicação dos pasquins sediciosos é 1798, e não 1799, como consta na
documentação da devassa.
INVESTIGAÇÃO DOS EVENTOS
De acordo com a documentação, para dar início às investigações, o secretário de Estado e
Governo do Brasil, José Pires de Carvalho e Albuquerque lembrou ao governador o “modo livre
e atrevido de falar” do requerente do Tribunal da Relação da Bahia, o pardo Domingos da Silva
Lisboa, sugerindo-lhe que confirmasse a suspeita e comparasse a letra dos boletins com
algumas petições que porventura o desembargador pudesse encontrar na casa do dito
requerente.
AUTO DE EXAME, E COMBINAÇÃO DAS LETRAS DOS
PESQUINS (SIC), E MAIS PAPEIS SEDICCIOZOZ QUE
APPARECERÃO NAS ESQUINAS, RUAS E IGREJAS
DESTA CIDADE QUE SE ACHÃO INCORPORADOS NA
DEVASSA [...]COM AS LETRAS DE DOMINGOS DA
SILVA LISBOA NAS PETICOENS, QUE FORÃO
ACHADAS EM SUA CAZA E COM O PAPEL LIMPO [...].
(APEB, 1998, p. 89-90)
Acatando a sugestão de José Pires de Carvalho e Albuquerque, no dia 21 de agosto de 1798, o
desembargador Avellar de Barbedo, concluiu que “a Letra dos mesmos [boletins] segundo nos
pareceo he do dito Domingos da Silva Lisboa posto que disfarçada [...]” (APEB, 1998, p. 90).
Dias depois, outros dois boletins em formas de cartas foram encontrados na Igreja do Carmo,
colocando em xeque a autoria e o modo pelo qual as autoridades chegaram ao então culpado
que, àquela altura, encontrava-se preso no Segredo (Cadeia) do Tribunal da Relação. Na
primeira carta, o prior dos Carmelitas Descalços era informado que tinha sido escolhido por
plebiscito para no futuro ser o “Chefe em Geral da Igreja Bahinense”. A segunda carta foi para
o governador, d. Fernando José de Portugal e Castro:
ILLUSTRISSIMO E EXCELLENTISSIMO SENHOR, O
POVO BAHINENSE, E REPUBLICANO NA SECÇÃO DE
19 DO PREZENTE MEZ HOUVE POR BEM ELEGER; E
COM EFEITO ORDENAR QUE SEJA VOSSA
EXCELLENCIA INVOCADO COMPATIVELMENTE COMO
CIDADÃO PREZIDENTE DO SUPREMO [TRIBU]NAL DA
DEMOCRACIA B[AHINENSE] PARA AS FUNCOENS, DA
FUTURA REVOLUÇÃO, QUE SEGUNDO O PLEBISCITO
SE DARÁ NO PREZENTE PELAS DUAS HORAS DA
MANHÃ, CONFORME O PRESCRIPTO DO POVO.
ESPERA O POVO QUE VOSSA EXCELLENCIA HAJA
POR BEM O EXPOSTO. VIVE ET VALE.
(TAVARES, 2003, p. 123-137)
Não obstante ao modo pouco ortodoxo de descobrir o autor dos pasquins, d. Fernando José de
Portugal e Castro ordenou que o desembargador Avellar de Barbedo fizesse outro exame de
comparação das letras dos bilhetes. Feito isso, foram descobertas três petições na Secretaria
de Estado que provaram que o autor dos boletins manuscritos e dos bilhetes era Luiz Gonzaga
das Virgens e Veiga, homem igualmente pardo e soldado do Primeiro Regimento de Linha de
Salvador e Quarta Companhia de Granadeiros.
 D. Fernando José de Portugal e Castro
AUTO DE COMBINAÇÃO DE LETRA DOS PESQUINS
[SIC], E PAPEIS SEDICIOSOS, QUE APPARECERÃO
NAS ESQUINAS, RUAS E IGREJAS DESTA CIDADE,
INCORPORADOS NA DEVASSA DEBAIXO DO N. 1 COM
A LETRA DE LUIZ GONZAGA DAS VIRGENS NAS
PETICOENS QUE ESTÃO NO APPENSO N. 4 E PAPEIS
JUNTOS POR LINHA AO APPENSO N. 5, E COM A
LETRA DE DOMINGOS DA SILVA LISBOA NAS
PETICOENS [...].
(APEB, 1998, p. 123-124)
Ocorre que dessa vez pesou sobre o réu um “requerimento atrevido” enviado pelo acusado
para que d. Fernando:
[...] O NOMEASSE AJUDANTE DO QUARTO
REGIMENTO DE MILÍCIAS DESTA CIDADE, COMPOSTO
DE HOMENS PARDOS, ALEGANDO QUE ESTES
DEVIÃO SER IGUALMENTE ATTENDIDOS QUE OS
BRANCOS, A QUE NÃO DEFERI, E QUE CONSERVAVA
EM MEU PODER PELA SUA EXTRAVAGÂNCIA [...].
(BIBLIOTECA NACIONAL, 1798, I-28-26, 1, n. 13)
Pelo teor da carta, o desembargador chegou ao conteúdo dos tais pasquins sediciosos, uma
vez que os papéis também “inculcavão aquela mesma igualdade entre os pardos, pretos e
brancos” (APEB,1998, p. 224-226):
[...] FAZ NÃO SÓ CONJECTURAR MAS PERSUADIR
SER ELLE [LUIZ GONZAGA DAS VIRGENS E VEIGA], E
NÃO OUTREM O AUTOR DOS PAPEIS SEDICIOZOS.
HUMA CARTA ESCRITA PELO REO LUIZ GONZAGA
DAS VIRGENS AO CADETE FRANCISCO LEONARDO
CARNEIRO, E O RASCUNHO DE HUM REQUERIMENTO
DO MESMO REO, DIRIGIDO A SUA ALTEZA.
(APEB, 1998, p. 224-226)
Todavia, o governador mandou soltar Domingos da Silva Lisboa apenas em 10 de novembro de
1798, comunicando ao desembargador Avellar de Barbedo, no dia 24 de fevereiro de 1799, que
o havia mandado prender novamente:
[...] A VISTA DE HUMA REPREZENTAÇÃO VOCAL [...]
EXPONDO-ME QUE OCORRIÃO OUTROS [MOTIVOS]
PELLOS QUAES SE DEVIA PRATICAR COM ELLE
SEMELHANTE PROCEDIMENTO.
CÓPIA DA PORTARIA DO ILLUSTRÍSSIMO E
EXCELLENTÍSSIMO GOVERNADOR E CAPITÃO
GENERAL DESTA CAPITANIA DERIGIDA AO
DEZEMBARGADOR OUVIDOR GERAL DO CRIME, E
INTENDENTE DA POLÍCIA O DOUTOR MANOEL DE
MAGALHÃES PINTO DE AVELLAR DE BARBEDO.
(APEB, 1998, p. 91)
PROCESSO
A representação vocal a que se referia o governador era a denúncia de uma reunião na
madrugada do dia 25 de agosto de 1798, no Campo do Dique do Desterro, atual Dique do
Tororó, na qual os partícipes do movimento verificariam a quantidade de homens e armas para
dar início ao levante e libertar Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga, que se encontrava preso. A
partir desse momento, as autoridades dos dois lados do Atlântico estavam às voltas com dois
problemas: descobrir os autores dos pasquins sediciosos e os partícipes do levante que
instituiria no futuro a “República Bahinense”.
Em ambas as devassas que correram simultaneamente, desde os primeiros momentos das
investigações, a interferência do secretário de Estado e Governo do Brasil, José Pires de
Carvalho e Albuquerque, é inquestionável: seja na condução do exame de comparação da letra
dos boletins manuscritos dos revoltosos com algumas petições dos milicianos denunciados e
arquivadas na Secretária de Estado; seja como protagonista do episódio “pronta-entrega de
escravos”, no qual o secretário entregou para a Justiça quatro de seus escravos e outros
cativos de propriedade de homens e uma mulher de seu grupo, com o objetivo de corroborar
com as denúncias formuladas por dois proprietários de escravos do mesmo grupo contra os
milicianos presos (VALIM, 2012, p. 191).
Embora as autoridades locais não averiguassem as informações fornecidas pelos cativos e
milicianos, por mais de um ano de investigação, as denúncias sobre a participação de “homens
colocados entre os povos” chegaram a Lisboa. A esse respeito, a trajetória de Francisco
Agostinho Gomes, dono de uma das maiores fortunas da época, é significativa das relações
dos desembargadores do Tribunal da Relação da Bahia com o poder local face às
manifestações dos notáveis baianos, de alguma forma envolvidos nos acontecimentos de
1798. O religioso passou de suspeito a parceiro da coroa portuguesa, em uma trajetória para lá
de elucidativa do modus operandi dos desembargadores do Tribunal da Relação da Bahia na
condução das devassas.
Assim como outras pessoas “principais” da sociedade da época mencionadas nos Autos das
Devassas (VILLALTA, 2002, p. 319-342), Francisco Agostinho Gomes teve seu nome
constantemente citado pelas testemunhas e por diversas vezes fora denunciado por cartas
enviadas da Bahia para a Corte entre 1797 e 1798, por ser simpatizante das “ideias de
francezia” (AHU_CU_BAÍA, 1800, docs. 19.117-19.178).
Ele não devia ser muito benquisto por algumas pessoas de Salvador, pois as denúncias a
respeito de suas atividades ilícitas e comportamentos pouco ortodoxos não paravam de chegar
a Lisboa. A denúncia que irritou profundamente d. Rodrigo de Souza Coutinho relatava que o
padre tinha por hábito dar jantares de carne em dias santos, Sexta-Feira da Paixão, durante
alguns anos: 1796, 1797 e 1798.
O ministro mandou que d. Fernando instaurasse uma nova devassa para verificar a
procedência de tão “pernicioso” fato. A denúncia sobre o referido jantar é datada de 4 de
outubro de 1798, e a devassa foi instaurada somente no dia 15 de janeiro de 1799, “Devaça a
que se procedeu em conseqüência da acussação feita ao padre Francisco de Agostinho
Gomes de ter dado um jantar de carne em sexta-feira da Paixão” (SILVA, 1919, p. 140-150).
O desembargador Manuel de Magalhães Pinto de Avellar e Barbedo, o mesmo da devassa
instaurada para se descobrir o autor dos boletins manuscritos e os fatos conexos com a
reunião do Dique do Desterro, em 1798, ouviu 23 pessoas, entre 19 e 23 de janeiro de 1799.
Dessas, 22 brancos e um pardo. Das testemunhas ouvidas, 21 pessoas tinham “ouvido dizer”
que o citado padre dera o jantar. Forneceram detalhes de que os jantares ocorreram no porto
da Barra, nas partes de São Pedro e na praça da Liberdade, e entre os partícipes estivera um
grupo de pescadores, muitos dos quais escravos (SILVA, 1919; TAVARES, 2003).
Chama atenção o depoimento do bacharel Tomaz da Costa Ferreira, advogado nos Auditórios
da Cidade da Bahia:
AUDITÓRIOS DA CIDADE DA BAHIA
Auditórios da cidade são usados na documentação como sinônimo de tribunal ou espaços
jurídicos.
DISSE QUE SABE POR OUVIR DIZER QUE HÁ DOUS
ANNOS [1797], POUCO MAIS OU MENOS, EM
OCCASIÃO EM QUE AQUI [SALVADOR] SE ACHAVÃO
HUNS CERTOS FRANCEZES ARRIBADOS QUE SE
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PRETENDERA DAR HUM JANTAR NO SÍTIO DA
BARRA, O QUAL FORA IMPEDIDO POR ORDEM DO
ILLMO. E EXMO. GOVERNADOR, DE FORMA QUE NÃO
SE EFFECTUARA [...].
(AHU_CU_CA_Baía, 1799; SILVA, 1919, p. 143)
Parece que era do conhecimento de d. Fernando que os jantares ocorriam com a participação
do padre Francisco Agostinho Gomes, de pescadores, de escravos e de alguns franceses,
como também parece ter sido do conhecimento do governador o teor das conversas nesses
encontros, nomeadamente a situação que ocorria em França. Seguindo o padrão de limpar
algumas informações obtidas nos depoimentos, o desembargador Barbedo encerrou a devassa
após três dias. E, não obstante, o “ouvir dizer” ter sido mais do que suficiente para a acusação
dos quatro milicianos pardos, por participarem de reuniões de conteúdo sedicioso e serem os
autores dos boletins manuscritos, convocando a população para a revolta, com Francisco
Agostinho Gomes, ao contrário, o “ouvir dizer” livrou-o das acusações, posto que se
“averiguara serem falsos os fatos” (SILVA, 1919, p. 133). Francisco Agostinho Gomes foi
inocentado das acusações que lhe imputaram.
Após a devassa, o padre viajou para Lisboa para solicitar a concessão do monopólio de
exploração de uma mina de ferro e cobre na serra da Borracha (AHU_ACL_CU_005, 1800, Cx.
105\Doc. 20459). Foi agraciado com a mercê régia referente à concessão de sesmarias, com o
monopólio da exploração das terras em que se descobrissem minérios de ferro e cobre e onde
existissem florestas que garantissem suprimento de carvão vegetal. Foi concedido então a ele
o monopólio e os benefícios acordados.
D. Fernando José de Portugal e Castro e o desembargador Barbedo limparam as evidências
que pesaram sobre o prócer Francisco Agostinho Gomes, sob o argumento de que não havia
prova contra o padre, ao tempo em que o governador contribuiu para que ele fosse agraciado
pela magnificência da Santíssima Majestade e lhe fosse concedida mercê. Contudo, os quatro
homens livres, pobres e pardos foram reiteradamente inquiridos por mais de um ano, pois o
governador reafirmou a d. Rodrigo de Sousa Coutinho, com as investigações ainda em curso,
que dos partícipes da
[...] PROJETADA REVOLUÇÃO DE 1798 [...] QUAZE
TODOS PARDOS, ENTRANDO NESTE NUMERO HUM
TENENTE E HUM INFERIOR DO REGIMENTO DE
ARTILHARIA CONTRA OS QUAES RESULTÃO CERTOS
INDÍCIOS, SEM QUE APAREÇA ATÉ AGORA HUM SÓ
PRETO CONVIDADO, A EXCEPÇÃO DO SEGUNDO
DENUNCIANTE, OU SEJA POR CERTA OPOZIÇÃO QUE
HÁ ENTRE PARDOS E PRETOS, OU POR AQUELES,
ALEM DE SEREM MAIS PREZUMIDOS E VAIDOZOS,
SÃO REPUTADOS COMO MAIS ASTUTOS E SAGAZES
PARA QUALQUER EMPRESA.
(AHU_ACL_CU_005, 1800, Cx. 105\Doc. 20459)
Ainda que a composiçãosocial dos réus tenha sido circunscrita desde o início das
investigações aos milicianos, os processos foram formalizados e os ritos preservados: em 12
de março de 1799, sete meses depois de deflagrada a revolta, o advogado da Santa Casa da
Misericórdia, o bacharel “formado” José Barbosa de Oliveira, foi nomeado defensor e curador
dos réus, permitindo também que outros advogados pudessem fazer outras alegações em
defesa dos réus (APEB, 1998, p. 947-949).
DEFESA
Os presos tiveram o direito de defesa por cinco dias, e, apesar de a nomeação do advogado ter
ocorrido em 12 de março, a defesa começou em 12 de junho de 1799.
José Barbosa de Oliveira iniciou sua defesa valendo-se das formalidades do moderno direito
natural:
PORQUE LOGO, QUE PELA ORDENAÇÃO DO LIVRO 5
TÍTULO 6 SE ACHA ESTABELECIDA A PENA DE
MORTE NATURALMENTE CRUELMENTE, CONTRA
AQUELE QUE FOR CONVENCIDO DE HAVER
COMETIDO O HORROROZO CRIME DE LEZA
MAGESTADE, E QUE PELO SOBREDITO ACORDÃO
RESPEITÁVEL SE MANDA, QUE OS EMBARGANTES
DIGÃO DE FACTO, E DE DIREITO OS FUNDAMENTOS
DAS SUAS DEFEZAS, HÊ CERTO, QUE NA EXPOZIÇÃO
DELAS, OS EMBARGANTES SÓ PROCURÃO
MOSTRAR A SUA INOCÊNCIA, E EXCLUSIVA DO
DELICTO DE QUE SÃO ACUSADOS, SEM QUE NESTA
ACÇÃO SE AGGRAVEM MAIS AS SUAS CULPAS,
DEPOIS DE SER DIREITO NATURAL, DIVINO E
POZITIVO A DEFESA DE QUALQUER REO.
(APEB, 1998, p. 952)
Para em seguida expor o argumento central de sua defesa:
PORQUE EM CONSEQUÊNCIA DESTE PRINCÍPIO, E
NÃO SENDO SALVAS PELA CARTA RÉGIA FS 111
VERSO DOS AUTOS DA DEVAÇA EM 1º LUGAR
APPENSOS, AS NULIDADES, QUE POSÃO RESULTAR,
OU AS FALTAS DE SOLEMNIDADES, QUE
CONSTITUÃO A AUTENTICIDADE DA ACCUZAÇÃO, HÊ
CERTO QUE ELAS SÃO BASTANTES, QUAISQUER
QUE APPAREÇÃO PARA A EXCLUSIVA DO DELICTO, E
SEREM DECLARADOS OS EMBARGANTES NÃO
INCURSOS NA PENA DA LEY, ATENDENDO-SE À SUA
EXPOZIÇÃO, DEPOIS DE SER EXPRESSO EM DIREITO,
QUANTO MAIS GREVE FOR O DELICTO, E SEREM
DECLARADOS OS EMBARGANTES NÃO INCURSOS
NA PENA DA LEY [...] QUANTO GRAVE FOR O
DELICTO, MAYOR SOLEMNIDADE SE REQUER PARA O
CONHECIMENTO DO VERDADEIRO DELINQUENTE,
DESPREZADAS ASSIM AS OPPINIOENS, QUE
FACILITÃO A IMPOZIÇÃO DA PENA POR MENOS
PROVAS.
(APEB, 1998, p. 952, grifo nosso.)
Três importantes questões pautaram o argumento central da defesa de José Barbosa de
Oliveira. A primeira delas, e a mais importante, foi a ausência de provas para o crime de “lesa-
majestade de primeira cabeça” (crime político contra a Coroa):
PORQUE POR ESTA RAZÃO SENDO EVIDENTE A
FALTA DE CORPO DE DELICTO, QUE NÃO FOI
SUPRIDA NAQUELA RESPEITÁVEL CARTA REGIA DITA
FS.111 VERSO, MANDANDO-SE QUE OS
EMBARGANTES FOSSEM SENTENCIADOS EM
RELAÇÃO AO MERECIMENTO DOS AUTOS, ELA HE
BASTANTE SEGUNDO A GERAL DIPOZIÇÃO DE
DIREITO, PARA SE SUSPENDER NA IMPOSIÇÃO DE
QUALQUER PENA CONTRA OS EMBARGANTES,
AINDA QUE ALIÁS ELES ESTIVESSEM PLENAMENTE
CONVENCIDOS DO CRIME, VISTO QUE O CORPO DE
DELICTO HÉ O FUNDAMENTO TOTAL DO JUÍZO
CRIMINAL, PELA REGRA DE QUE AQUELE QUE QUER
PROVAR A QUALIDADE, DEVE PRIMEIRO PROVAR A
SUBSTANCIA SOBRE QUE SE FUNDA A MESMA
QUALIDADE.
(APEB, 1998, p. 952-953, grifo nosso)
Para o advogado de defesa, a magnitude da acusação de um grupo de tentar um crime de
lesa-majestade, não teria sentido, uma vez que, sem as armas, como poderia pensar em tomar
a então cidade mais populosa das Américas? Segundo José Barbosa de Oliveira, a ausência
de provas da acusação está intimamente relacionada à segunda questão do argumento central
de sua defesa, a maneira como as denúncias foram formalizadas por testemunhas menos
legares:
PORQUE AINDA, QUE AS TESTEMUNHAS, FS 36
VERSO, E FS 46 DA MESMA DEVAÇA, QUEIRÃO
PERSUADIR, QUE EM MUITAS OUTRAS NOITES
ANTERIORES PERCEBERÃO FALAS DE PESSOAS,
QUE ESTAVÃO NA BAIXA DAQUELE CAMPO AO PÉ DO
DIQUE, E LUGAR MAIS SOLITÁRIO, COMO DE
SOCIEDADE, COM RIZADAS E FALATÓRIOS, QUE A
MESMA TESTEMUNHA OUVIA, SEM PERCEBER O QUE
DIZIÃO; AFIRMANDO MAIS A DE DITO FS 46 = QUE
DEPOIS DOS PROCEDIMENTOS DA JUSTIÇA, QUE SE
TEM PRATICADO, CESSARÃO INTEIRAMENTE, NÃO
SE OUVINDO MAIS O LATIR DOS CAENS, COMO ATÉ
ENTÃO; NÃO SE PODE ATRIBUIR A CONVENTICULOS
FEITOS NESSE LUGAR: PORQUANTO.
(APEB, 1998, p. 955, grifo nosso)
José Barbosa de Oliveira conclui o argumento central da defesa afirmando:
PORQUE NUNCA PODIÃO OS EMBARGANTES TEREM
INTENÇÃO ALGUMA DE PROMOVEREM HUM
LEVANTAMENTO, E SEDIÇÃO CONTRA O ESTADO,
COM O FIM DE ESTABELECEREM UM GOVERNO
DEMOCRATICO; POIS QUE SE OS [FL48] OS
EMBARGANTES ERÃO HUNS OFFICIAES DE
ALFAYATE; OUTROS DE PEDREIRO; OUTROS DE
SOLDADOS RAZOS; ESCRAVOS; E DE MENOR IDADE,
TODAS PESSOAS DE BAIXA-RELÉ, FALTAVA-LHES AS
LUZES NECESSÁRIAS, E SABEDORIA, OU
CONHECIMENTOS, PARA PODEREM ESTABELECER
HUM GOVERNO DAQUELA QUALIDADE, QUE PEDE
LEYS ESPECIAES, E A CUJO ESTABELECIMENTO NÃO
PODIA CHEGAR A INFERIOR QUALIDADE, E ABJETA
CONDIÇÃO DO EMBARGANTES.
(APEB, 1998, p. 956)
A peça do acórdão final da defesa reitera a necessidade de que as provas:
[...] CONCLUÃO COM A MAYOR EXACÇÃO,
DESPREZADA ESSA OPINIÃO, DE QUE BASTÃO
TESTEMUNHAS MENOS LEGAES, EM ATENÇÃO À
GRAVIDADE DO DELICTO. ANTES POR ESSA MESMA
RAZÃO, MAYOR SOLENIDADE SE REQUER, PARA O
CONHECIMENTO DO VERDADEIRO DELINQUENTE”.
PARA O ADVOGADO DE DEFESA, A CONDUÇÃO DAS
DEVASSAS NÃO CONSEGUIU PROVAR A CULPA DOS
ACUSADOS POR CRIME DE LESA MAJESTADE. AO
CONTRÁRIO: “SÓ SE DESCOBREM OS DEPOIMENTOS
DE NOTORIEDADE, E PUBLICIDADE, DA QUAL NÃO
REZULTA SENÃO HUMA FAMA, OU HUM INDÍCIO
REMOTO, QUE POR SI SÓ NÃO BASTA, PARA A
IMPOSIÇÃO DA PENA ÚLTIMA, COMO NEM AINDA
PARA A TORTURA.
(APEB, 1998, p. 956)
REFLEXÃO
QUAIS CONCLUSÕES VOCÊ PODE PERCEBER?
Neste ponto, alguns aspectos centrais são fundamentais: a justiça é madura e reconhecida
institucionalmente. Sistemas de acordo, contraditório, eram possibilidades. A interferência
política atuava e fazia parte das disputas judiciais em questão. Reveja os documentos, analise-
os e relacione-os com o que foi visto nos dois primeiros módulos, e crie, dessa forma, uma
conexão entre teoria e prática fundamentais para compreensão do sistema.
E QUANDO TERMINA A COLÔNIA?
Em 1808, deixamos de ser colônia e nos tornamos a metrópole, a sede do Império, e devemos
pensar: por que Brasil? Porque a cidade de Salvador e Rio de Janeiro terão tanta
notoriedade, porque percebemos uma continuidade dos processos, das cobranças de
impostos, das dinâmicas políticas: por conta da maturidade experimentada.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A legislação colonial do Brasil é vasta e rica no que se refere à organização administrativa
desse sistema político, até então inédito nas Américas. Estudar essa legislação é entender as
peculiaridades do momento em que ela foi feita, os interesses envolvidos e a dinâmica do
processo histórico. Ao mesmo tempo, a justiça colonial do Brasil, ainda que fosse herdeira de
tradições portuguesas, foi influenciada pelo contexto local, com suas dinâmicas singulares.
Podemos ver, na consolidação dos tribunais da Relação, seja o de Salvador ou do Rio de
Janeiro, a constituição de uma aristocracia jurídica que acabava tendo funções sociais e
políticas, mas, principalmente, era organizadora da transposição jurídica proposta por Portugal.
A complexidade nos levou a esmiuçar uma atuação do Tribunal da Relação de Salvador,
criando proximidade, leitura de documentação e uma vivência mais clara desses movimentos.
 PODCAST
O professor Rodrigo Rainha sintetiza os principais pontos do material.
FALA, MESTRE!
Mestres de diversas áreas do conhecimento compartilham as informações que tornaram suas
trajetórias únicas e brilhantes, sempre em conexão com o tema que você acabou de estudar!
Aqui você encontra entretenimento de qualidade conectado com a informação que te
transforma.
Qual o papel da Justiça na redução das desigualdades sociais?
Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de Janeiro e primeira
desembargadora negra do TJRJ, discorre sobre o compromisso que a Justiça deveria ter com
a redução das desigualdades sociais.
Sinopse: Dra. Ivone Caetano,primeira juíza negra do Estado do Rio de Janeiro e primeira
desembargadora negra do TJRJ, discorre sobre o compromisso que a Justiça deveria ter com
a redução das desigualdades sociais.
A carta de William Lynch
Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de Janeiro e primeira
desembargadora negra do TJRJ, explica o que foi a carta de William Lynch e de que forma ela
influencia até hoje na manutenção da desigualdade racial.
Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de Janeiro e primeira
desembargadora negra do TJRJ, explica o que foi a carta de William Lynch e de que forma ela
influencia até hoje na manutenção da desigualdade racial.
O mito da democracia racial e a perseguição às religiões de matriz africana
Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de Janeiro e primeira
desembargadora negra do TJRJ, reflete sobre o mito da democracia racial e denuncia a
perseguição feita às religiões de matriz africana.
Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de Janeiro e primeira
desembargadora negra do TJRJ, reflete sobre o mito da democracia racial e denuncia a
perseguição feita às religiões de matriz africana.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
AHU_ACL_CU_005, Cx. 105\Doc. 20459. 1800. Arquivo Histórico Ultramarino.
AHU_ACL_CU_005, Cx. 193, doc. 14104. CERTIDÃO do 1º oficial da Vedoria Geral da
Bahia. Bahia, 18 de julho de 1791.
AHU_ACL_CU, doc.227-229. Officio do vice-rei Conde de Athouguia. Bahia, 25 de abril de
1752.
AHU_CU_BAÍA, docs. 19.117-19.178. Auto da devaça a que se procedeu o Ouvidor Geral
do Crime, doutor Manuel de Magalhães Pinto de Avellar e Barbedo. Bahia, 1800.
AHU_CU_CA, Baía, Cx. 81, doc: 15698. Autos da Devassa de Residência do
Desembargador da Relação da Bahia Jozé Theotônio Sedron Zuzarte. Bahia, 18 de julho
de 1794.
AHU_CU_CA, Baía, DOC. 7622: Certidão passada pelo Escrivão da Junta da
administração da Fazenda José Gularte da Silveira. Bahia, 1º de junho de 1767. Copia:
(Annexa ao n. 7620).
AHU_CU_CA, Baía, doc. 935. Declaração de Domingos da Rocha Barros. Bahia, 24 de
novembro de 1778. (Annexa ao n. 9819).
AHU_CU_CA_Baía, doc. 19.177. Officio do Governador D. Fernando José de Portugal para
D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Bahia, 12 de fevereiro de 1799.
APEB. Correspondência recebida pelo Governador da Bahia pelo Chanceller da Relação
(1782-1799), Maço 201-28, Cx. 80, doc. 10. In: Relação dos Advogados que apresentaram
Requerimentos, Cartas e Provisões e Documentos com que nos Auditórios desta Cidade
exercitão o Ministério da Advocacia.
APEB. Autos de Devassa da Conspiração dos Alfaiates. Salvador: APEB, 2. v, p. 967 et seq.
Doravante ADCA. 1998.
BIBLIOTECA NACIONAL. Sessão de Manuscritos, 1798, I-28-26, 1, n. 13.
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Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
BICALHO, M. F. O Rio de Janeiro no século XVIII: a transferência da capital e a construção
do território centro-sul da América portuguesa. In: URBANA: Revista Eletrônica do Centro
Interdisciplinar de Estudos sobre a Cidade, v. 1, n. 1, p. 1-20, 2013.
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1810). 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.
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OLIVEIRA FILHO, R. F. de. Crimes e perdões na ordem jurídica colonial: Bahia (1750-
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RELAÇÃO feita pelo P. Fr. Joze D´Monte Carmelo, IHGB, Notícia da Bahia, t. IV, L. 402, M 69.
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Rio de Janeiro, 1751 -1808. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
EXPLORE+
Filmes para pensar sobre o Brasil colônia:
Tiradentes, o filme – ajuda a pensar o processo da Inconfidência Mineira.
Inconfidentes – outro filme do mesmo momento.
Teatro:
Juiz de paz na roça, de Martins Pena ‒ ajuda a entender os meandros da justiça luso-
brasileira.
CONTEUDISTA
Patricia Valim
 CURRÍCULO LATTES
Rafaela Cecconi Pantaleão Amorim
 CURRÍCULO LATTES
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