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Prévia do material em texto

Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
Instituto de Estudos Sociais e Políticos 
Programa de Pós-Graduação em Sociologia 
 
 
 
 
 
Giovana Esther Zucatto 
 
 
 
 
 
 
 
“Não se nasce militar, torna-se militar”: uma análise do processo de 
inserção feminina nas Forças Armadas Brasileiras 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2017 
 
 
Giovana Esther Zucatto 
 
 
 
 
 
“Não se nasce militar, torna-se militar”: uma análise do processo de inserção feminina 
nas Forças Armadas Brasileiras 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada, como requisito parcial 
para a obtenção do título de Mestre, ao 
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 
 
 
 
 
 
 
 
Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Campos 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2017 
 
 
 
 
 
 
CATALOGAÇÃO NA FONTE 
UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA IESP 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta 
dissertação, desde que citada a fonte. 
 
 
__________________________________ _______________________ 
Assinatura Data 
 
 
 
 
 
 
A ficha catalográfica deve ser preparada pela equipe da Biblioteca. Ela deverá 
ser inserida neste local e esta folha não é contada para fins de paginação. 
Na versão impressa, deverá constar no verso da folha de rosto. 
Formatar a fonte conforme o modelo escolhido para todo o trabalho (Arial ou 
Times New Roman) 
A ficha desta máscara foi inserida através do recurso de selecionar, copiar e 
colar especial como documento do Word (objeto). É possível editá-la dando 
dois cliques em cima da ficha com o botão esquerdo do mouse. 
Giovana Esther Zucatto 
 
“Não se nasce militar, torna-se militar”: uma análise do processo de inserção feminina 
nas Forças Armadas Brasileiras 
 
 
Dissertação apresentada, como requisito parcial 
para a obtenção do título de Mestre, ao 
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 
 
 
 
 
Aprovada em: 
Banca examinadora: 
 
 
 Prof. Dr. Luiz Augusto Campos (Orientador) 
 Instituto de Estudos Sociais e Políticos - UERJ 
 
 
 Prof. Dr. José Eduardo León Szwako 
 Instituto de Estudos Sociais e Políticos - UERJ 
 
 
 Profa. Dra. Adriana Marques 
 Defesa e Gestão Estratégica Internacional - UFRJ 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2017 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para os estudantes, professores e funcionários da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 
que seguem resistindo. 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço à República Federativa do Brasil, através do Instituto de Estudos Sociais e 
Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pela formação pública e de excelência 
que me foi concedida. Agradeço, em especial, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal 
de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de estudos que tornou possível cursar este 
Mestrado. 
Agradeço ao apoio incondicional de minha família, que sempre me permitiu perseguir 
meus ideais e alçar voos cada vez mais distantes de casa. 
Agradeço ao Prof. Dr. Luiz Augusto Campos, por ter me orientado na elaboração desta 
dissertação, especialmente por ter acreditado na ideia dessa pesquisa desde o início. Da mesma 
forma, agradeço ao Prof. Dr. José Szwako e à Profa. Dra. Adriana Marques, pela participação 
na banca de avaliação deste trabalho, pelos comentários, críticas e sugestões; os erros 
remanescentes são de minha inteira responsabilidade. Agradeço, ainda, a Simone Gomes e 
Felipe Macedo, pelo auxílio na revisão do texto e pelos comentários enriquecedores. 
Não posso deixar de agradecer a Bruna Jaeger e Marília Closs, por serem minhas bases 
de apoio há 7 anos e as irmãs que a vida me permitiu adotar, assim como a Pedro Brittes, pela 
amizade e confiança. A Niury Novacek, Weslley Dias e Gabriel Melo e, através deles, a todos 
aqueles que me receberam de braços abertos no Rio de Janeiro e me ajudaram a adotar essa 
cidade como lar. Registro um agradecimento às mulheres do Coletivo Feminista Virgínia Leone 
Bicudo, aos colegas da turma de Mestrado do IESP/2016 e aos amigos do grupo Bom Churrasco 
e Cia, pelo companheirismo e amizade tão importantes nesses dois anos. 
Por fim, agradeço a Alexandra Elbakyan, criadora do site Sci-Hub, e a todas aquelas e 
aqueles que trabalham pela democratização da ciência e da produção acadêmica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Yo no camino detrás de ti, yo camino de la par aquí. 
 (Antipatriarca – Ana Tijoux) 
 
 RESUMO 
 
ZUCATTO, G. E. “Não se nasce militar, torna-se militar”: uma análise do processo de 
inserção feminina nas Forças Armadas Brasileiras. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – 
Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de 
Janeiro. 2017. 
 
Este trabalho dedica-se a investigar o processo de abertura das Forças Armadas do Brasil 
à entrada de mulheres. Ainda que o Brasil tenha enviado enfermeiras ao front europeu na 
Segunda Guerra Mundial, foi só em 1980, com a criação do Corpo Auxiliar Feminino da 
Marinha, que teve início um processo abrangente de integração feminina às instituições 
militares do país. O objetivo do trabalho é, então, entender em que contexto político-social se 
deu essa abertura, como ele tem se desenvolvido e qual o estágio atual da presença de mulheres 
nas Forças Armadas. Para isso, será dividido em três capítulos. O primeiro será destinado a 
realizar uma revisão bibliográfica sobre o tema. O segundo realizará uma contextualização 
histórica, localizando o início desse processo no contexto da redemocratização; a partir daí, será 
analisado como isso tem se dado nas diferentes Forças e o atual quadro de participação feminina 
nas Forças Armadas Brasileiras. Por fim, o terceiro capítulo trará relatos de entrevistas com 
mulheres que servem no Quadro Médico do Coro de Saúde da Marinha do Brasil, apontando 
suas impressões sobre suas experiências dentro da Força. Conclui-se que, apesar de a inserção 
feminina ter se dado de maneira gradual e ancorada em alguns estereótipos de gênero, os 
estereótipos de masculinidade e feminilidade não se apresentam de maneira fixa dentro da 
instituição militar. 
 
Palavras-chave: Inserção Feminina. Forças Armadas Brasileiras. Masculinidades. 
Feminilidades. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
ZUCATTO, G. E. “Não se nasce militar, torna-se militar”: uma análise do processo de 
inserção feminina nas Forças Armadas Brasileiras. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – 
Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de 
Janeiro. 2017. 
 
 This work is dedicated to investigate the process of opening of the Brazilian Armed 
Forces to the entrance of women. Although Brazil sent nurses to the European front in World 
War II, it was only in 1980, with the creation of the Navy’s Auxiliary Corp, that a 
comprehensive process of female integration began in the country's military institutions. The 
objective of this study is to understand the social-political context of this opening, how it has 
developed and the current stage of the presence of women in the Brazilian Armed Forces. In 
this regard, it will be divided into three chapters. The first one will be destined to carry out a 
bibliographical revision on the subject of the Female integration to the Armed Forces. The 
second one will carry out a historical contextualization, locating the beginning of this process 
in the context of redemocratization; from there, it will be analyzed how it has taken place in the 
different Forces and thecurrent framework of female participation in the Brazilian Armed 
Forces. Finally, the third chapter will feature interviews with women who serve on the Medical 
Corps of the Brazilian Navy, pointing out their impressions of their experiences within the 
Force. The conclusion is that, although the process of female integration has taken place in a 
gradual way and based in some gender stereotypes, the stereotypes of masculinity and 
femininity are not presented in a static way within the military institution. 
 
Keywords: Female participation. Brazilian Armed Forces. Masculinities. Feminilities. 
 
 
 
 
 
LISTA DE GRÁFICOS 
 
Gráfico 1 - Presença de Mulheres nas Forças Armadas do Brasil (2016)............ 53 
Gráfico 2 - Participação de Mulheres na Marinha do Brasil (2016)..................... 54 
Gráfico 3 - Participação de Mulheres na Força Aérea Brasileira (2016).............. 54 
Gráfico 4 - Participação de Mulheres no Exército do Brasil (2016)..................... 55 
 
 
LISTA DE TABELAS 
Tabela 1 - Porcentagem de mulheres nas Forças Armadas de países estrangeiros em 
2011................................................................................................................................ 56 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 13 
1. CAPÍTULO 1 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ........................................................................... 17 
1.1 MASCULINIDADE(S) - APORTE TEÓRICO PARA PENSAR A CONFIGURAÇÃO 
DAS RELAÇÕES DE GÊNERO NAS INSTITUIÇÕES MILITARES .................................... 18 
1.2 INSERÇÃO DE MULHERES EM AMBIENTES MILITARES/HIERÁRQUICOS ........ 22 
1.2.1 Estudos acerca da inserção feminina nas Forças Armadas do Brasil ........................... 22 
1.2.2 Estudos em Forças Armadas no exterior ......................................................................... 30 
1.2.3 Estudos em outras instituições masculinas/hierárquicas ................................................ 33 
1.3 CONCLUSÕES PARCIAIS ..................................................................................................... 36 
2. CAPÍTULO 2 – HISTÓRICO E SITUAÇÃO ATUAL DA PARTICIPAÇÃO DE 
MULHERES NAS FORÇAS ARMADAS DO BRASIL ................................................................. 37 
2.1 CONTEXTO HISTÓRICO ...................................................................................................... 39 
2.1.1 Mudanças políticas: transição democrática e um novo ciclo político ............................ 41 
2.1.2 Transformações econômicas e sociais ................................................................................... 43 
2.2 HISTÓRCO DA INSERÇÃO FEMININA NAS FORÇAS ARMADAS DO BRASIL ...... 46 
2.2.1 Marinha do Brasil .............................................................................................................. 46 
2.2.2 Força Aérea Brasileira ....................................................................................................... 48 
2.2.3 Exército Brasileiro .............................................................................................................. 50 
2.3 SITUAÇÃO ATUAL ................................................................................................................. 51 
2.4 CONCLUSÕES PARCIAIS ..................................................................................................... 56 
3. CAPÍTULO 3 – “SER MILITAR” POR MULHERES MILITARES – PERCEPÇÕES 
FEMININAS SOBRE SUAS EXPERIÊNCIAS NAS FORÇAS ARMADAS ............................... 58 
3.1 ESCOLHA PELA CARREIRA E CURSO DE FORMAÇÃO ............................................. 59 
3.2 IDENTIDADE E PROFISSÃO MILITAR NA ATUALIDADE .......................................... 64 
3.2.1 Modernização da profissão militar ................................................................................... 67 
3.3 EVOLUÇÃO E AVANÇOS DA PRESENÇA FEMININA NAS FORÇAS ARMADAS ... 69 
3.4 CONCLUSÕES PARCIAIS ..................................................................................................... 73 
CONCLUSÃO ..................................................................................................................................... 76 
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 81 
ANEXO - HIERARQUIA MILITAR DAS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS .................... 85 
 
 
13 
 
INTRODUÇÃO 
 
Ao longo da história ocidental, as mulheres foram sistematicamente excluídas do campo 
de combate, mas isso não quer dizer que elas estiverem ausentes das guerras. Às legiões de 
combatentes seguiam mulheres encarregadas de toda sorte de tarefas: curandeiras e enfermeiras, 
lavandeiras, cozinheiras, prostitutas, encarregadas das correspondências ou mesmo de revistar 
o campo de batalha ao fim do confronto, recolhendo objetos de valor dos corpos caídos. Essa 
configuração se manteve dominante até o advento dos modernos exércitos industriais, onde as 
funções de apoio foram institucionalizadas dentro da hierarquia militar, as estruturas logísticas 
sofisticadas e a função militar crescentemente profissionalizada. Nas armadas, não há relatos 
recorrentes da presença de mulheres embarcadas nos navios militares. A mulher enquanto 
combatente figurou muito mais como uma figura mítica ou totem, normalmente travestidas de 
homens para poderem integrar as fileiras militares. 
No Brasil, o primeiro registro histórico de uma mulher que se incorporou às Forças 
Armadas foi da baiana Maria Quitéria de Jesus Medeiros, que 1822 se juntou às forças 
voluntárias que combateram as forças portuguesas e consolidaram a Independência do Brasil. 
O exemplo de Maria Quitéria é adotado pelas Forças Armadas como uma espécie de “mito 
fundacional” da mulher militar brasileira. Na Segunda Guerra Mundial, 67 enfermeiras 
brasileiras foram enviadas para o front europeu, as quais foram mandadas para a reserva ao 
final do conflito. Foi apenas em 1980 que as Forças Armadas do Brasil passaram a aceitar 
mulheres, ano da criação do Corpo Auxiliar Feminino na Marinha. O primeiro processo seletivo 
para o Corpo Auxiliar Feminino admitiu 514 candidatas de diferentes áreas. Em 1982, a Força 
Aérea criou o Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica. Apenas em 1989 o Exército passou 
a admitir mulheres no recém-criado Quadro Complementar de Oficiais. 
Nos últimos 40 anos, as Forças Armadas brasileiras passaram por diversas 
transformações, como o retorno para o controle civil ao fim da Ditadura Militar e a unificação 
das três Forças em um único Comando com a criação do Ministério da Defesa em 1999. 
Contudo, a mudança mais significativa foi, possivelmente, essa incorporação de mulheres às 
fileiras militares, que tem desafiado a instituição de diversas maneiras. Isso se deve ao fato de 
que se abrir para a entrada de mulheres requer uma série de planejamentos e adaptações, que 
vão desde mudanças físicas nas instalações militares, passando por códigos de comportamento 
14 
 
e relacionamento, adequação de testes físicos, até um acompanhamento do desempenho dessas 
mulheres uma vez integradas. 
 O objeto deste trabalho é, assim, o processo de inserção feminina nas Forças Armadas 
do Brasil nos últimos 40 anos. O objetivo principal é analisar historicamente e compreender as 
dinâmicas e tensões atuais em torno desse processo, atentando para as construções de gênero 
nas instituições militares e nas sociedades nas quais estão inseridas, em sentido amplificado. 
Nesse sentido, são levantadas algumas perguntas: 1) Quais são os motivos que levaram as 
Forças Armadas brasileiras a se abrirem apara a entrada de mulheres? 2) Levando em 
consideração que o ethos militar é amplamente baseado em ideaisde masculinidade e 
virilidades, como são interpretados e (des)apropriados os estereótipos de gênero? 3) De maneira 
mais ampla, como tem se dado o processo de integração de mulheres às Forças Armadas 
brasileiras? 
Inicialmente, podemos levantar algumas hipóteses: 1) A abertura das Forças Armadas à 
presença feminina foi motivada, em um primeiro momento, tanto pela necessidade de 
complementar quadros dentro das Forças quanto como meio de melhorar a imagem da 
instituição junto à sociedade civil; 2) mesmo com o pioneirismo da entrada de mulheres em 
uma instituição tradicionalmente masculina, os estereótipos tradicionais de gênero são mantidos 
e até mesmo reforçados em algumas situações, constituindo um obstáculo à total integração das 
mulheres nas Forças Armadas; 3) o processo de inserção feminina tem se dado de maneira ainda 
restrita, baseada amplamente em papeis de gênero e na divisão sexual tradicional; o que é 
evidenciado pelo caráter gradual da admissão feminina e pelas funções nas quais são permitidas 
às mulheres servirem. 
A pesquisa em questão possui um forte cunho qualitativo. Em um primeiro momento 
será realizado uma análise bibliográfica acerca do tema em questão, a fim de elucidar alguns 
pontos importantes para o debate. Aqui cabe se debruçar sobre o que as pesquisas acerca do 
papel que as mulheres cumprem nas Forças Armadas nos têm a dizer, especialmente aquelas 
que tratam da inserção e papel das mulheres dentro da caserna1. No que tange ao contexto atual 
de presença de mulheres nas Forças Armadas, serão analisados dados secundários fornecidos 
por fontes governamentais variadas. Para a parte empírica, partiu-se de duas entrevistas semi-
 
1 O termo caserna é sinônimo de quartel, ou local onde são alojados as/os soldados. No Brasil, utilizamos 
também como equivalente à carreira militar. 
15 
 
estruturadas feitas em profundidade com oficiais, tanto da ativa quanto da reserva, do Quadro 
de Médicos do Corpo de Saúde da Marinha do Brasil. 
Desde a redemocratização, em 1985, as Forças Armadas estão submetidas ao poder civil 
e, tecnicamente, ao controle da sociedade. No entanto, dado o caráter conservador da transição 
democrática que o país atravessou e anistia concedida a agentes do regime militar, ainda 
existem diversos constrangimentos dentro da sociedade civil em debater temas relacionados às 
Forças Armadas – um exemplo pungente é inexistência de um posicionamento do movimento 
feminista, ou mesmo de movimentos de mulheres, acerca da incorporação de mulheres nas 
fileiras militares. Ainda que esse panorama venha se alterando nos últimos anos, são poucos os 
pesquisadores comprometidos com esses temas. 
Promover esse debate é uma contribuição importante da academia civil, por assim dizer, 
para o processo de democratização das Forças Armadas brasileiras. Dessa forma, a principal 
justificativa dessa pesquisa diz respeito à carência de estudos na Sociologia sobre temáticas 
relativas às Forças Armadas, sobretudo em seu cruzamento com as temáticas de gênero e 
feministas, o que contribui para ressalta a relevância da proposta aqui defendida. Se os estudos 
sobre as Forças Armadas não são parte do mainstream das ciências sociais brasileiras, os 
estudos que fazem um recorte de gênero são ainda mais escanteados. “A ‘mulher soldado’ é um 
tema duplamente ausente nos estudos acadêmicos: não é discutido pelos grupos que se dedicam 
aos estudos de gênero e nem pela sociologia militar” (MATHIAS e ADÃO, 2008). 
 Como forma de atingir o objetivo acima exposto e averiguar as hipóteses supracitadas, 
este trabalho será dividido em três capítulos. Inicialmente, será realizada uma revisão 
bibliográfica em torno de dois eixos. O primeiro será voltando para um debate mais teórico 
sobre as formas como são organizadas as relações de gênero, partindo da conceptualização de 
Connell (2005) sobre masculinidades. Nesse sentido, adotar uma concepção menos engessada 
da forma como se estruturam as relações de gênero auxilia a evitar um erro comum, que é 
homogeneizar a forma como todos os homens se comportam em relação às companheiras de 
farda ou como as mulheres entendem seu papel lá dentro. Um segundo eixo girará em torno de 
estudos mais específicos sobre a presença de mulheres nas Forças Armadas brasileiras, 
primordialmente, trazendo também algumas pesquisas com experiências estrangeiras, além de 
exemplos de inserção de mulheres em outros ambientes hierárquicos e tradicionalmente 
masculinos. 
16 
 
 O segundo capítulo será dedicado a uma abordagem histórica da presença de mulheres 
na carreira militar no Brasil2. Para isso, parte-se do contexto em que se deu a abertura, na década 
de 1980, abordando aspectos políticos, sociais, econômicos e institucionais desse momento. Em 
seguida, será realizada uma recapitulação do processo histórico de admissão feminina nas três 
Forças separadamente. Depois, será traçado um panorama do atual estágio de inserção feminina 
nas Forças Armadas brasileiras, buscando enfatizar as limitações dessa presença e alguns dos 
desafios que se mantém à consolidação desse processo. 
 O terceiro capítulo estrutura-se a partir de entrevistas em profundidade realizadas com 
duas médicas da Marinha, uma delas do quadro de oficiais subalternos e a outra Capitão de Mar 
e Guerra já transferida para a reserva. Partindo de mulheres do mesmo quadro (médico), busca-
se colocar em relevo a diversidade de experiências e pontos-de-vista no que diz respeito à 
carreira militar, procurando se afastar de visões que unificam e simplificam as trajetórias 
femininas dentro de tal instituição. O capítulo será, então, estruturado em tornos de três eixos: 
escolha pela carreira militar e curso de formação; identidade e profissão militar na atualidade; 
e evoluções e avanços no processo de integração feminina nas Forças Armadas. Dentro desses 
eixos, procuraremos retomar aspectos da revisão bibliográfica e capítulo 2 e relacioná-los com 
os relatos dessas mulheres. 
 
 
2 Ainda que “carreira militar” possa se referir à Polícia Militar no âmbito do Brasil, neste trabalho a expressão será 
adotada sempre em referência às Forças Armadas. 
17 
 
1. CAPÍTULO 1 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 
 
A presença das mulheres nas Forças Armadas do Brasil, ainda que limitada a algumas 
funções, é fato consolidado. No entanto, isso não significa que o assunto tenha ganhado a devida 
atenção enquanto objeto de pesquisa. Podemos contabilizar alguns estudos que traçam um 
quadro mais geral da admissão de mulheres nas Forças Armadas, relacionando-o com as 
mudanças sociais, políticas e econômicas que o país atravessou nas últimas décadas, assim 
como com a submissão dos militares ao poder democrático (D’ARAÚJO, 2000; 2003; 2004; 
MATHIAS, 2005; MATHIAS e ADÃO, 2008; 2013; SANTOS, 2009; GIANNINI, FOLLY e 
LIMA, 2017), as características do processo decisório e a evolução de políticas de defesa com 
enfoque em gênero no Brasil (ALMEIDA, 2010; MATOS, REIS, et al., 2016), e estudos mais 
delimitados nas Forças ou em instituições militares específicas (CARVALHO, 1990; 
TAKAHASHI, 2002; 2007; SCHMIDT, CURTY, et al., 2005; BAQUIM, 2007; SILVA, 2007; 
LOMBARDI, BRUSCHINI e MERCADO, 2009; SANTOS e ROCHA-COUTINHO, 2010; 
GOMES, 2014). 
Tendo as instituições militares como lócus da pesquisa, importa debater como se 
desenvolvem as relações de gênero e a construção dos papeis esperados de homens e mulheres 
nesse ambiente. Alguns estudos (SILVA, 2007; GOMES, 2014) utilizam a ideia de dominação 
masculina de Bourdieu (1995; 2003) como ponto de partida para entender as interações na 
corporação e as expectativas sobre as mulheres. Contudo, esse conceito é problemático de 
várias maneiras, especialmente no que diz respeito à universalização da dominação, em que a 
alterações nesse panorama só seriampossíveis com mudanças estruturais mais profundas. Se 
partíssemos de uma visão universalizante sobre a dominação masculina e como ela é replicada 
nos diferentes ambientes, sobraria pouco para pensarmos a posição das mulheres nos contextos 
militares – um papel que seria sempre relegado à submissão e a adoção de estereótipos de 
gênero. Para pensar as múltiplas formas em que as expectativas sobre a masculinidade e a 
identidade militar se desenvolvem nos ambientes militares, assim como captar as contradições 
embutidas nesse processo, propõe-se partir da ideia de masculinidades apresentada por Connell 
(2005). 
Esse capítulo será destinado, então, a uma revisão bibliográfica acerca da inserção de 
mulheres em ambientes tradicionalmente masculinos ou militares e/ou hierárquicos. Para isso, 
em primeiro lugar será debatida a concepção de masculinidade de Connell, com um esforço de 
aplicá-la para o contexto das Foças Armadas. Depois, serão apresentadas pesquisas realizadas 
18 
 
nas Forças Armadas brasileiras, em especial aqueles que buscam medir os impactos da entrada 
de mulheres nessa corporação, assim como as percepções dos colegas homens sobre elas, além 
de relatos femininos sobre suas perspectivas e dificuldades. Serão trazidos, ainda, alguns 
estudos levados a cabo em Forças Armadas estrangeiras, e em outras instituições marcadamente 
masculinas e hierárquicas, como polícias e corpos diplomáticos. Por fim, algumas 
considerações parciais serão levantadas acerca dos estudos aqui debatidos. 
 
1.1 MASCULINIDADE(S) - APORTE TEÓRICO PARA PENSAR A CONFIGURAÇÃO 
DAS RELAÇÕES DE GÊNERO NAS INSTITUIÇÕES MILITARES 
R. Connell (2005) faz uma crítica às teorias que empregam a noção de papeis sexuais 
determinados e estanques, uma vez que estas estariam assentadas em visões pré-determinadas 
do que seriam os papeis femininos e masculinos, visões essas oriundas de noções enraizadas na 
cultura do(a) pesquisador(a). Ter em conta a noção de papeis de gênero como algo fixo requer 
partir do pressuposto de uma certa passividade na absorção dos estereótipos sociais por crianças 
e adolescentes. Essa ideia de papeis de gênero dificultaria, ainda, a possibilidade de ver 
diferenças dentro dos grupos de homens e mulheres. Assim, Connell recusa qualquer definição 
essencialista acerca das relações de gênero, do que é “ser mulher” ou “ser homem”, afirmando 
que cada sociedade, cada momento histórico, nos variados grupos sociais, apresenta padrões 
diferentes de masculinidade e feminilidade – a própria existência de um conceito de 
masculinidade é contingente e histórica (CARVALHO, 2011). 
A autora descreve a emergência de padrões variados de feminilidade e masculinidade a 
partir de processos sociais complexos. Essas masculinidades e feminilidades podem seguir 
diferentes trajetórias ao longo do tempo, sendo sempre passíveis de contradições internas e 
rupturas históricas. Tem sido comum nos escritos históricos identificar essa mudança como 
vinda de fora – da tecnologia ou das dinâmicas de classe, mais frequentemente. Mas a mudança 
é também gerada dentro das relações de gênero. E essa dinâmica é tão velha quanto as relações 
de gênero (CONNELL, 2005). De acordo com Connell (2005), a concepção de masculinidade 
que adotamos no ocidente hoje se desenvolveu na Europa nos primórdios da era moderna, e é 
baseada na concepção de individualidade que se originou com o crescimento dos impérios 
coloniais e o progresso das relações econômicas capitalistas. Esse conceito de masculinidade 
da modernidade ocidental precisa ser entendido dentro de sua lógica inerentemente relacional: 
a masculinidade não existe se não em oposição à feminilidade. Ainda, é uma noção que no seu 
19 
 
uso moderno assume que o comportamento de um indivíduo se dá de acordo com o tipo de 
pessoa que é, dentro dessas características polarizadas. 
Ao colocar o gênero como uma maneira de estruturar prática social em geral, e não 
um tipo especial de prática, Connell (2005) demonstra que ele se relaciona com outras estruturas 
sociais. 
É comum se dizer agora que o gênero se intersecta – ou melhor, interage – com raça 
e classe. Nós podemos adicionar que ele também interage constantemente com a 
nacionalidade e a posição no mundo. [...]Para entender o gênero, precisamos 
constantemente ir além do gênero. O mesmo se aplica para o inverso. Não podemos 
entender classe, raça ou desigualdade global sem constantemente se mover em direção 
ao gênero. Relações de gênero são um componente majoritário da estrutura social 
como um todo, e políticas de gênero estão entre os principais determinantes de nosso 
destino coletivo. (CONNELL, 2005, p. 74-74. Tradução nossa) 
 
Da mesma maneira, ao longo da história, coexistiram – e coexistem – diversas formas 
de masculinidade e feminilidade: “a masculinidade do homem branco é construída não apenas 
em relação à mulher branca, mas também em relação ao homem negro” (CONNELL, 2005, p. 
74. Tradução nossa). Nessa teia, as diversas masculinidades estão em disputa permanente e 
dinâmica, num processo de disputa pela posição de masculinidade hegemônica – ainda que 
coexistam e se relacionem de maneiras diferentes, Connell afirma que não existe a ideia de uma 
feminilidade hegemônica, pois sempre está em situação subordinada a alguma forma de 
masculinidade. 
Aqui, Connell (2005) pega emprestado o conceito de hegemonia da análise de Gramsci 
sobre as interações e lutas entre as classes sociais. A hegemonia diz respeito, então à dinâmica 
cultural pela qual um grupo clama e sustenta uma posição dominante na vida social. Em 
qualquer momento da história, uma forma de masculinidade em vez de outras é culturalmente 
exaltada. Dessa maneira, “a masculinidade hegemônica pode ser definida como a 
configuração de prática de gênero que incorpora a resposta correntemente aceita ao problema 
da legitimidade do patriarcado que garante a (ou é dada como garantidora da) posição 
dominante dos homens e subordinada das mulheres” (CONNELL, 2005, p. 77. Tradução 
nossa). Essa concepção de masculinidade hegemônica em disputa com outras formas de 
masculinidades pode ser transbordada para pensar as formas em que se constrõe as concepções 
de gênero dentro das Forças Armadas, da mesma maneira que para analisar como a identidade 
militar se desenvolve em associação à concepções de masculinidade. 
20 
 
É nesse sentido que podemos encontrar uma chave analítica para entender como se dão 
as expectativas sobre homens e mulheres nas instituições militares. Em primeiro lugar, cabe 
ressaltar que as instituições militares foram construídas historicamente em cima de concepções 
normativas de gênero, onde o sexo masculino é identificado com valores associados à 
virilidade, agressividade e força física; enquanto o sexo feminino remete à maternidade, ao lar, 
à fragilidade e necessidade de ser protegida. Assim, a caserna não tem sido apenas restrita a um 
gênero, mas funcionado como uma instituição generificadora, que atribui e define gênero, 
levando a proporções muito maiores – praticamente um microcosmos – as dinâmicas sociais de 
gênero. De um lado, as instituições militares amplificam padrões culturais dominantes, e, no 
outro, participam ativamente de sua construção e reprodução (CARREIRAS e ALEXANDRE, 
2013). 
 Essa dualidade associada à oposição entre feminino e masculino não existe, no entanto, 
de maneira isolada. As categorias embutidas nessa polarização estão inseridas em um sistema 
estrutural de conceitos que dá sustentação à articulação entre gênero, paz e guerra 
(MACDONALD, 1987 apud CARREIRAS, 2009). 
Embora seu sentido e carga moral possam variar, nessa matriz simbólica paz e 
passividade ocupam frequentemente a mesma localização oposta a um conjunto que 
inclui masculinidade, guerra e atividade. [...]Nessa matriz simbólica, feminilidade, 
paz e passividade tem frequentemente uma mesma localização, oposta a outro 
conjunto que incluimasculinidade, guerra e atividade – conceitos interligados que 
envolvem em sua órbita muitos outros dualismos, tais como privado-público e 
doméstico-político. Nesse quadro, a imagem da mulher desempenha um papel crucial 
na própria definição do militar, na medida em que funciona como alteridade 
referencial: para além dos modelos masculinos do “herói”, do “camarada” ou do 
“verdadeiro homem”, o soldado é muitas vezes confrontado com imagens negativas, 
de mulheres ou homossexuais, utilizadas para representar as qualidades fracas ou 
ineficazes do recruta. (CARREIRAS, 2009, p. 173) 
 
Contudo, esses estereótipos de masculinidade e símbolos masculinos associados à 
violência e ao heroísmo passaram por transformações consideráveis ao longo da história. Por 
exemplo, por muito tempo, a imagem do soldado foi ligada ao cavalheirismo e ao heroísmo, ao 
passo que a emergência dos regimes fascistas no início do século XX esteve associada à 
construção de imaginários e narrativas nacionais fortemente baseados em ideais agressivos, 
dominantes e violentos de masculinidade (JESUS, 2014). Da mesma maneira, dentro das 
instituições militares emergiram e coexistem vários modelos de masculinidade. Isso pode ser 
associado a diversos fatores, como estarem inseridas em ambientes mais ou menos violentos ou 
21 
 
próximos de conflitos, do estágio da tecnologia empregada, da forma de organização militar e 
recrutamento – conscrição ou profissional, etc. 
Na demarcação entre funções de combate direto e de apoio é possível encontrar também 
demarcações de masculinidade. Homens em posições ligadas ao combate costumam ser 
considerados – e se considerarem – mais “duros” que aqueles alocados em outras unidades. 
“Estes últimos, por seu turno, poderão partilhar a ideia de masculinidade “machista” de muitos 
de seus companheiros pode funcionar como uma compensação para a falta de qualificações 
tecnológicas” (CARREIRAS, 2009, p. 175). Ao mesmo tempo, a incorporação das mulheres às 
forças militares em status militar integral tem se dado principalmente em funções de apoio, 
sendo pouquíssimos os países que possibilitam o acesso feminino a todas as carreiras das Forças 
Armadas ou policiais 
Dessa heterogeneidade de ambientes características das instituições militares resulta 
uma gama de masculinidades associadas à profissão militar. E é justamente devido a essa 
diversidade que a cultura militar deverá ser entendida em termos da relação entre várias 
“masculinidades” (CONNEL, 1987; 1995 apud CARREIRAS, 2009). A existência de vários 
arquétipos de masculinidade – algumas fisicamente violentas, mas subordinadas a ordens, 
outras dominantes e organizacionalmente competentes – e a forma como eles se relacionam é 
o que pode nos auxiliar no processo de entender o estado presente das relações de gênero nas 
organizações militares. Na realidade, coloca Carreiras (2009), seria impreciso e ingênuo supor 
que as operações militares realmente funcionem com base nos estereótipos tradicionais de 
heroísmo. Inclusive, atualmente, “a maioria dos líderes militares subscreveria à ideia de que 
‘não queremos tipos Rambo a guiar nossos jipes e caminhões de fornecimento’” (CONNEL, 
1995 apud CARREIRAS, 2009, p. 176). 
Sendo as Forças Armadas um ambiente tradicionalmente tido como masculino, cabe um 
olhar mais atento às dinâmicas relacionais no nível microssocial levando em conta o marco das 
masculinidades (e feminilidades). Essa atenção serve para perceber algumas questões, tais 
como – e se – se dão as formas de contraposição das mulheres à masculinidade hegemônica dos 
meios em que estão inseridas; como essas mulheres acabam se associando – e sendo associadas 
– a padrões de feminilidade e mesmo de masculinidade militares; e, da mesma forma, como os 
comportamentos dos homens militares podem ser compreendidos para além de um demarcador 
de masculinidade hegemônico. 
 
22 
 
1.2 INSERÇÃO DE MULHERES EM AMBIENTES MILITARES/HIERÁRQUICOS 
 
1.2.1 Estudos acerca da inserção feminina nas Forças Armadas do Brasil 
Sônia Carvalho (1990) foi a pioneira em estudos sobre mulheres nas Forças Armadas 
no Brasil. Em um estudo sobre as mulheres militares do Centro de Aplicações Táticas e 
Recompletamento de Equipagens/base naval (CATRE – Parnamirim/RN), ela se focou nas 
relações entre homens e mulheres militares, e a partir daí e das condições de trabalho delas 
dentro da instituição, como o reconhecimento das mesmas naquele ambiente se dá sobre sua 
condição de mulher antes do fato de ser militar (CARVALHO, 1990). A instituição militar, 
quando da entrada dessas mulheres, reproduz as noções tradicionais acerca do gênero feminino 
e se apropria de suas representações simbólicas, com ênfase na mulher frágil e necessitada de 
proteção. Nesse sentido, esse tratamento mais delicado seria “um mecanismo de relação de 
poder porque revela a proteção do mais forte ao mais fraco, do dominante sobre o dominado” 
(CARVALHO, 1990, p. 146). 
A autora assinala que a estrutura disciplinar militar foi construída ancorada em 
determinados valores – displina, hierarquia, bravura, honra, etc – que são visto sobretudo como 
valores masculinos. A adaptação das mulheres à vida militar significa, em grande parte, 
internalizar esses elementos: “ não existe mulher ou homem, existe o militar, porém o código é 
masculino, portanto, a mulher se sobrepõe a identidade militar e se torna ‘militar homem’. A 
mulher é negada como mulher, assimila essa negação e passa a ser o militar e não a militar” 
(CARAVALHO, 1990, p. 90. Grifo nosso). Não existe, nessa dicotomia, espaço lugar para a 
“mulher militar”, ou se é uma militar mulher ou simplesmente militar, com denotação 
masculina. Ponto adjacente é levantado pelas cadetes entrevistadas por Giannini, Folly e Lima 
(2017). A preocupação é de que exista uma generalização das ações de uma mulher como 
representativa da de todas – os erros ou acertos de uma aluna acabaria representando o conjunto 
das mulheres. “Uma entrevistada sublinhou que ‘a inserção da mulher só será integral quando 
a Força enxergá-la primeiro como militar e depois como mulher’” (GIANNINI, FOLLY e 
LIMA, 2017. Grifo nosso). 
Cristina Rodrigues da Silva (2007) realizou uma observação etnográfica na Academia 
da Força Aérea (AFA – Pirassununga/SP) e entrevistas com mulheres militares da AFA e do 
Instituto Militar de Engenharia (IME – Rio de Janeiro/RJ). O estudo “objetivou compreender 
os indivíduos inseridos na instituição militar, focalizando a presença das mulheres nas Forças 
Armadas, na tentativa de buscar uma inter-relação entre estudos militares e gênero” (SILVA, 
23 
 
2007, p.17). Partindo da mesma hipótese de Carvalho (1990), de que “ser mulher” se sobrepõe 
ao fato de ser militar” dentro das instituições militares, a pesquisadora consegue destacar a 
diferença de tratamento que recebem as mulheres nesses ambientes, e que não só a hipótese 
acima pode ser confirmada, mas também, em determinados contextos ser parecido com um 
homem aproxima mais as mulheres da realidade militar. Das conversas com as cadetes da AFA, 
“temos que o fato da intensa cobrança, consequente de serem tidas como o foco em quase todas 
as situações vivenciadas na Academia, é a maior desvantagem – e leia-se desigualdade – para 
elas no meio militar” (SILVA, 2007, p.13). Uma série de ocasiões foram relatadas por elas, 
especialmente nos chamados “Exercícios de Campanha “ – saídas de campo e 
acampamentos – em que eram as únicas submetidas a atividades tais quais matar coelhos e 
cobras, como forma de mostrar que elas eram mais fracas e vulneráveis que os homens. 
Acerca da afirmação de que, em determinados contextos, ser parecido com um homem 
aproxima mais as mulheres da realidade militar, Silva (2007) retoma a tradicional associação 
dos valores militares à masculinidade – ou, partindo dos termos propostos por Connell (2005), 
a uma masculinidade hegemônica: “esses elementos [militares]são os próprios valores 
apreendidos na Academia, como os ideais de liderança e coragem, que sempre foram marcados, 
seja no mundo militar ou no civil, como valores “inatos” do homem” (SILVA, 2007, p.15). 
Assim, as cadetes através de sua formação passariam a apresentar mais elementos socialmente 
percebidos como masculinos que femininos – como a fraqueza, vaidade, inocência, etc. No 
entanto, uma ressalva precisa ser feita aqui. Ainda que as mulheres reconheçam o espaço militar 
como um ambiente masculino e mesmo paternalista, elas “indicam que há situações em que 
elas empregam atitudes e comportamentos mais femininos que trazem mudanças positivas nas 
relações dentro da instituição militar. [...] Um traço de feminilidade na masculinidade” (SILVA, 
2007, p.16). 
Outro estudo desenvolvido em instituições das Forças Armadas Brasileiras é a tese de 
doutorado de Emília Takahashi, professora de Psicologia da Academia da Força Aérea. 
Takahashi (2002) realizou sua pesquisa na própria AFA, a qual permite a entrada de mulheres 
desde 1996. Sobre a primeira turma, a autora relata que na maior parte as novas cadetes eram 
oriundas das capitais, especialmente do Rio de Janeiro, e aquelas advindas de cidades do interior 
eram de cidades como São José dos Campos – SP, onde existem instituições ligadas à Força 
Aérea. A abertura para cadetes do sexo feminino trouxe uma série de mudanças em 
regulamentos e procedimentos na AFA, que passaram a determinar, entre outras coisas, a 
padronização do uso de adornos, maquiagem, roupas íntimas e do corte de unhas das cadetes; 
24 
 
a necessidade de comunicação de efetivação e/ou rompimento de relacionamento afetivo no 
interior de organizações militares – não é proibido que cadetes de sexos opostos se relacionem, 
porém esses relacionamentos precisam ser comunicados ao Comando do Esquadrão, ficando 
vedado qualquer tipo de contato físico afetivo dentro da Academia; a proibição do acesso de 
cadetes a alojamentos do sexo oposto (TAKAHASHI, 2002; 2007). 
Da mesma forma, a entrada de cadetes e aspirantes do sexo feminino motivou uma série 
de adaptações físicas nas instituições, como a adaptação de dormitórios, banheiros e leitos nas 
enfermarias especiais para as mulheres. Os custos envolvidos nessas “melhorias” são 
recorrentemente colocados como empecilho para a ampliação da presença feminina – exemplo 
disso é o fato de que os vasos de guerra da Marinha ainda não foram adaptados para receberem 
as aspirantes que venham a escolher, quando possível, a Armada (GIANNINI, FOLLY e LIMA, 
2017). As mesmas autoras apontam que é preciso ter cuidado com a separação física entre 
homens e mulheres. Ao passo que a entrada de mulheres nas academias é uma transformação 
significativa nas relações diárias da instituição, faz-se necessário abordar com cautela “o 
reforço de estereótipos sociais de homens e mulheres que pode causar a separação dos militares 
por segmentos masculino e feminino. Além disso, a segregação afeta a própria noção de espírito 
de corpo, tão necessária ao cumprimento das missões militares” (GIANNINI, FOLLY e LIMA, 
2017). 
Takahashi (2002; 2007) traz uma série de dificuldades encaradas pelas cadetes pioneiras 
da primeira turma mista na AFA. De início, as alunas entrevistadas relatavam que pensavam 
que todos os seus colegas não as desejavam lá, pois elas “representavam uma “ameaça” ao 
militarismo, elas seriam a causa da suspensão de alguns “privilégios” dos cadetes (falar 
“palavrão”, “assistir vídeos eróticos” longe dos olhos dos oficiais, entre outros) e da desunião 
do Corpo” (TAKAHASHI, 2007, p. 3). Os comentários maldosos e piadas sobre a presença das 
cadetes eram frequentes, tanto de colegas como de oficiais. Os exercícios físicos, que em alguns 
casos são diferentes para mulheres e homens, eram outra razão para as alunas serem acusadas 
de serem protegidas e favorecidas, além de percebidas como menos aptas à profissão militar. A 
saída que grande parte delas encontrou para serem mais respeitadas dentro da instituição foi um 
esforço em acompanhar os homens em todas as atividades, mesmo as físicas, e um certo 
processo de “embrutecimento” – masculinização. 
 Sobre a interação entre as alunas e os alunos, uma das primeiras percepções que a autora 
traz, em consonância com o relato de Silva (2007), é de que os cadetes, tendo em mente os 
25 
 
estereótipos tradicionais de gênero e os valores associados à função militar, acreditavam que as 
colegas estariam ocupando um espaço que não lhes pertencia. Eles consideravam que 
[As] mulheres “amolecem” o ambiente, são mais competitivas, mais difíceis de se 
doutrinar, não conseguem se impor quando no comando, “brincam” de fazer educação 
física, recebem tratamento diferenciado, e apresentam menos espírito de corpo do que 
os homens. [...][Por outro lado], as cadetes se aproximariam do estereótipo da mulher 
manipuladora, aquela que seduz, causa intriga e utiliza de suas potencialidades para o 
autofavorecimento. Este estereótipo é comumente ligado à corrupção do ambiente no 
qual esta mulher é introduzida. [...] [Em resumo], As mulheres foram identificadas 
com amolecimento e incapacidade física; os homens com capacidade de suportar 
pressão e com potência. Esta oposição justificaria o fato dos homens ocuparem as 
posições de comando, para as quais estariam “naturalmente” preparados. Os 
postos que necessitassem de orientação e obediência deveriam ser ocupados pelas 
cadetes que, por sua “fragilidade” e “debilidade”, estariam melhor colocadas neles 
(TAKAHASHI, 2002, p. 216-217. Grifo nosso). 
 
Ou seja, além da associação corriqueira da feminilidade com a fraqueza e a posição da 
vítima – em oposição ao combatente –, os valores vistos como femininos são extremamente 
negativos e reforçam a da mulher como manipuladora e não-confiável. Para mudar esse quadro, 
os cadetes acreditavam que as mulheres precisavam adquirir e demonstrar características tidas 
como masculinas, ou não se sairiam bem nos testes e não poderiam atuar em postos de comando. 
Essa suposta inaptidão ao comando foi percebida por muitos alunos como uma inversão de 
papeis, em que a obediência às mulheres não seria legítima. Nas palavras de um cadete 
entrevistado pela autora: “em termos de liderança, a mudança não foi tão positiva, porque o 
pessoal não gosta de abaixar a cabeça para mulher” (TAKAHASHI, 2002, p. 187). 
O desconforto e a desconfiança em relação às cadetes foi sendo diluído à medida que 
foram entrando novas turmas mistas e essas mulheres passaram a se destacar intelectual e 
militarmente, ganhando respeito de seus colegas e superiores, e ao final dos quatro anos de 
formação das pioneiras, já eram notáveis as melhorias na convivência (BRASIL, 2000; 
TAKAHASHI 2002; 2007). Chama atenção o fato de que ao longo dos quatro primeiros anos 
após essa abertura, houve um grande aumento das médias obtidas junto à Divisão de Ensino 
dos cadetes do curso de Intendência – até então, único curso que aceitava mulheres. Segundo 
os oficiais entrevistados, passado um período inicial de adaptação, as alunas estavam 
igualmente integradas, demonstrando atém mesmo desempenho melhor que seus companheiros 
em diversas tarefas, o que acabava por alavancar o desempenho dos cadetes também. 
(TAKAHASHI, 2002; 2007). De acordo com o relatório da Comissão de Acompanhamento do 
CFOInt Feminino, 
26 
 
O acompanhamento dos grupos mistos nas atividades acadêmicas revelou que, 
inicialmente, as cadetes destacavam-se em todos os envolvimentos na Divisão de 
Ensino: participação nas aulas, demonstração de interesse, criatividade e seriedade. 
Com o passar dos meses, os cadetes adotaram condutas semelhantes. Como resultado, 
houve uma elevação no nível desses grupos com consequente melhora (sic) de 
qualidade no preparo profissional, [...] elevação da qualidade individual e grupal, 
melhora de atitude diante de assuntos profissionais e uma postura de melhor 
entendimento,aceitação e maior respeito com relação à mulher no campo profissional 
(BRASIL, 2000, p. 9). 
 
Na mesma linha, está o trabalho de Schmidt, Curty et al (2005), que realizaram um 
estudo sob o enfoque das teorias sobre mudança organizacional a partir da entrada de cadetes 
aviadoras no Segundo Esquadrão de Instrução Aérea na AFA, buscando compreender o 
fenômeno da mudança organizacional quando desencadeado pela questão de gênero. De um 
lado, as resistências à entrada de mulheres se deu principalmente de forma indireta e velada. 
Entre os comportamentos que geravam um ambiente hostil às alunas, as autoras citam 
brincadeiras dos cadetes que questionavam a capacidade e a inteligência femininas, fofocas e 
comentários negativos feitos nos alojamentos masculinos e um sentimento de superioridade por 
parte dos colegas, já que muitos homens se sentiam superiores a suas companheiras de farda. É 
relatado um ceticismo acerca das capacidades das pilotas, amplamente baseados em concepções 
sobre “deficiências biológicas e fisiológicas da mulher, que segundo eles, dificultariam algumas 
atividades, como o pouso da aeronave” (SCHMIDT, CURTY, et al., 2005, p. 10). Para superar 
essas expectativas, muitas mulheres relataram a necessidade de se provarem, tendo desempenho 
superior ao de seus colegas homens. Ainda, percebiam que seus erros eram mais visados, o que 
aumentava a responsabilidade sobre elas (SCHMIDT, CURTY, et al., 2005). 
Por outro lado, a facilitação da aceitação – ou pelo menos, uma pretensa aceitação – 
deu-se em grande parte por conta da estrutura altamente hierarquizada da instituição e o cenário 
de disciplina e organização, especialmente pelo fato de que a ordem veio diretamente do 
Comandante da instituição, havendo uma grande pressão pela aceitação; no entanto, isso não 
eliminou as resistências individuais. Houve, nesse sentido, a adoção de uma série de medidas 
por parte da academia para auxiliar no processo, “como a convocação de instrutores com um 
perfil mais ‘cuidadoso’ e com uma linguagem mais polida, além da orientação aos cadetes mais 
antigos para a adoção de um comportamento ‘compatível’” (SCHMIDT, CURTY, et al., 2005, 
p. 7). As autoras pontuam que a adoção dessas medidas teve consequências positivas para as 
relações dentro da instituição, como a minimização dos possíveis conflitos e situação de mal-
estar entre cadetes e superiores, a melhoria do tratamento dos instrutores com os cadetes do 
sexo masculino e uma percepção de maior profissionalismo por parte desses. 
27 
 
Marina Miranda Lery Santos e Maria Lúcia Rocha-Coutinho (2010) também levaram a 
cabo um estudo sobre (e com) as primeiras cadetes aviadoras da AFA: elas entrevistaram seis 
das onze aviadoras que se formaram em dezembro de 2006. Algo que chama a atenção nos 
relatos das autoras é um discurso que, apesar de pautar a igualdade entre os sexos, é marcado 
pela ideia da existência de características fundamentalmente femininas. Isso se traduz na crença 
bastante difundida entre elas de que algumas funções são mais adequadas para homens e outras 
para mulheres. Nesse caso, qualidades femininas como o “fato de as mulheres serem, por 
natureza, mais caprichosas, cuidadosas e, principalmente, mais detalhistas, [...] segundo elas, 
ajuda muito na profissão escolhida” (SANTOS e ROCHA-COUTINHO, 2010, p. 263). 
Um padrão nas entrevistas com Oficiais é um sentimento paternalista em relação às 
cadetes (D'ARAÚJO, 2000; 2003; TAKAHASHI, 2002; 2007; SILVA; 2007). De início, há 
uma preocupação com a segurança e o bem-estar das mulheres que adentram as fileiras 
militares, em grande parte pela percepção dessas como seres frágeis. De um lado, essa 
percepção que gerou a oposição de alguns quadros à entrada de mulheres, com a argumentação 
que isso diminuiria a coesão entre a tropa – homens se arriscariam mais para proteger suas 
colegas, a Força seria enfraquecida devido à emotividade feminina e perderia credibilidade 
frente a outras Forças (TAKAHASHI, 2007). Por outro lado, apesar de não ser capaz de 
continuar vetando a admissão de mulheres, essa argumentação continou a basear a exclusão em 
certas atividades consideradas de risco e de rigor disciplinar e, portanto, consideradas 
masculinas (D'ARAÚJO, 2003). Além disso, de início havia confusão em relação ao tratamento 
dispensado pelos Oficiais às cadetes, tratamento em vezes educados demais, levando em 
consideração o ambiente altamente hierarquizado em que essas relações estavam inseridas, em 
vezes preconceituoso (SILVA, 2007). 
Esse ponto é reforçado nos relatos das entrevistas realizadas por Giannini, Folly e Lima 
(2017). Entre os relatos da AFA, há um reconhecimento, por parte dos oficiais homens, de que 
eles tendem a ser menos rudes com as aviadoras. Ainda, especialmente entre os instrutores das 
primeiras turmas aviadoras, existia uma postura bastante paternalista com as cadetes, e 
mesmo de ceticismo em relação a suas capacidades. Essa “dificuldade em tratá-las com a 
rigidez necessária teria, portanto, contribuído para a percepção de que elas eram excessivamente 
beneficiadas, o que acabou por dificultar o processo de integração das mesmas” (GIANNINI, 
FOLLY e LIMA, 2017). Entre as mulheres abordadas, houve uma concordância com esse 
ponto, ressaltando, ainda, que essa atenção e cuidados excessivos com as cadetes foi 
responsável por cultivar algum tipo de rivalidade entre mulheres e homens, já que eles se 
28 
 
sentiam que as colegas eram favorecidas. No entanto, essas posturas paternalistas foram 
suavizadas ao longo do tempo, e a crescente familiaridade com a presença de mulheres tendeu 
a equalizar o tratamento despendido a cadetes de diferentes sexos por parte dos instrutores 
(GIANNINI, FOLLY e LIMA, 2017). 
Gomes (2014) ressalta a existência de “tetos de vidro” no processo de incorporação 
feminina ao Exército, que apareceriam na escassa presença de mulheres nas patentes mais altas 
de oficiais superiores, como tenente-coronel e coronel, onde são concentradas as funções “como 
as de chefes de seção ou de comandantes, o que limita bastante a esfera de atuação das mulheres, 
uma vez que as instituições militares são pautadas pela hierarquização funcional e 
organizacional” (GOMES, 2014, p. 95). Essa alienação das mulheres de posições com maior 
poder decisório implica, da mesma forma, que elas possuam pouco ou nenhum controle sobre 
as questões que lhes dizem respeito diretamente. O autor defende que a entrada das mulheres é 
semelhante à inserção de qualquer “minoria” – aqui ele compara com pessoal de suporte técnico 
ou civis – e “será sempre repudiada com uma presença diferencial e ameaçadora, porque 
distinta” (GOMES, 2014, p. 95) daquela prevista pelo código militar. 
Para Gomes, esse “teto de vidro” também se traduz como um “piso de vidro” na medida 
em que é vetado às mulheres o serviço militar obrigatório. Em termos de imagem, o soldado 
raso encarna os “vetores principais da identidade militar, [...] é alçado à condição de figura 
icônica e emblemática do militar, o que se exprime em uma expressão típica da instituição 
militar quando se busca expressar a valorização de uma vida rústica” (GOMES, 2014, p. 98); é 
o mito de Caxias. A ausência das mulheres tanto como soldados quanto nas linhas bélicas 
envolvidas com combate reforça afetaria, dessa maneira, a percepção delas enquanto militares 
de fato¸ já que não estariam ocupadas efetivamente com o fazer guerra. As entrevistas levadas 
a cabo pelo autor reforçam esse panorama, já que, no que tange à entrada de mulheres no 
Exército, as entrevistadas se colocavam de maneira geral contra a restrição de sua participação 
em ocupações de apoio, enquanto entre os homens havia uma parcela significativa que se 
opunha à admissão feminina em armas de combate; da mesma forma, foi percebida uma 
resistência maior entre os homens à alçada de mulheres a postos de comando (GOMES, 2014). 
Ainda, é interessanteperceber que, dentro do círculo militar, se mantém uma tendência de as 
mulheres assumirem posições mais liberais do que os homens, o que se traduz, também, em 
posicionamentos mais afastados da doutrina corrente da corporação. 
29 
 
A questão do comando também é abordada por Baquim (2007). Em uma sociedade 
baseada na “falocracia”, como é a brasileira, a mulher é considerada passiva e submissa, 
atributos incongruentes com a posição de chefia. Assim, a mulher que queira se colocar em 
posição de comando necessita não só “demonstrar as qualidades requeridas para a chefia, [mas 
também] precisaria provar ter uma competência profissional que a distinga do ‘padrão’ 
feminino” (BAQUIM, 2007, p. 2). Para isso, na visão da autora, faz-se essencial que as militares 
sejam submetidas às mesmas provas que seus companheiros, frequentando as mesmas escolas 
e cursos que os homens, possibilitando que elas alcancem uma posição de igualdade dentro da 
instituição e sejam respeitadas como líderes na corporação. Esse é, para ela, o caso da AFA, 
mais especificamente do Curso de Formação de Aviadores, acerca do qual ela realiza seu estudo 
tratando das primeiras aviadoras a se graduarem. Se, num primeiro momento o acesso feminino 
à Aviação foi marcado pela polêmica da reserva de vagas (ou não) para mulheres, Baquim 
(2007) ressalta que é importante destacar o fato de que as pioneiras aviadoras apresentaram um 
desempenho à altura de seus colegas, estando diversas vezes entre as primeiras classificadas ao 
final do curso, e mantendo médias congruentes com o restante da turma. 
 A valorização da mulher dentro de estereótipos tradicionais se mantém dentre as 
entrevistas realizadas nas três Academias. Ainda que não seja de forma consensual, a maior 
parte dos homens questionados – tanto cadetes, como oficiais e instrutores – ressaltaram as 
habilidades femininas nas áreas de logística e administração, já que as mulheres seriam mais 
cuidadosas, pacientes e perceptivas e teriam também maior capacidade de resiliência. Da 
mesma maneira, a maioria dos entrevistados apontou que as mulheres não deveriam poder 
escolher as armas de combate, já que seriam fisicamente não-aptas a essas funções. Um fator 
interessante a ser ressaltado aqui é de que essa percepção está mais presente na AMAN e na 
EN, enquanto que na AFA há um maior grau de aceitação de que as mulheres possam atuar em 
posições de combate, inclusive na infantaria (GIANNINI, FOLLY e LIMA, 2017). 
Possivelmente, isso se deve ao fato de que a presença feminina na AFA já tem 20 anos, 
possibilitando uma maior familiaridade, enquanto as primeiras mulheres só entrarão na AMAN 
em 2018. 
 Um assunto recorrentemente polêmico é das provas e testes físicos aos quais são 
submetidos as(os) cadetes e aspirantes. Isso por duas razões principais: de um lado, os 
resultados dos testes integram a nota que garante a classificação final dos alunos, e com isso 
escolher a sua especialidade dentro da arma (por exemplo, aviação de caça ou de 
reconhecimento); por outro lado, há o argumento recorrente de que se as mulheres não passarem 
30 
 
pelas mesmas provas físicas que os homens, elas não podem servir nas mesmas funções – 
essencialmente, um recurso para legitimar a exclusão feminina das armas de combate. Tanto na 
AFA, como na EN, o teste físico é diferente: mulheres e homens realizam os mesmos exercícios, 
mas com índices diferentes – tempo de realização de corrida ou número de repetições de uma 
determinada atividade, por exemplo. A diferença é o exercício de barra, que é exclusivo para 
homens na EN e que não foi cobrado para a admissão na EsPCEX, mas que será cobrada 
progressivamente durante o curso e também posteriormente na AMAN, ainda que com índices 
diferentes (GIANNINI, FOLLY e LIMA, 2017). 
 
1.2.2 Estudos em Forças Armadas no exterior 
Helena Carreiras, em entrevistas com militares homens em Portugal e na Holanda, 
buscou criar uma “tipologia de respostas masculinas à presença de mulheres nas Forças 
Armadas, bem como uma revisão dos argumentos por eles utilizados e posições assumidas face 
à integração de gênero” (CARREIRAS, 2009, p. 169). A autora cria uma escala de tipos-ideais, 
ou seja, assentados em tendências dominantes nos discursos, de reações masculinas com base 
na interconexão de percepções acerca das diferenças de gênero – reconhecimento de diferenças, 
tanto em termos de submissão como de sublimação da mulher, assim como da igualdade – e 
atitude relativa à aceitação feminina – oposição e aceitação, total ou condicional. Esses tipos 
ideais vão dos mais conservadores, que são contra a entrada de mulheres nas Forças Armadas 
por acreditarem em uma incapacidade feminina para as funções militares, até os mais 
progressistas, que aceitam totalmente a integração feminina com base na crença da igualdade 
entre os sexos (CARREIRAS, 2009). 
As categorias são as seguintes: a) sexista – aponta as diferenças entre os sexos, 
apresentando uma concepção de subordinação feminina ao homem, e se coloca contra a 
integração de mulheres às FA, considerando-a negativa para a corporação; b) tradicionalista – 
reconhece as diferenças entre os sexos, mas no sentido de elevar as mulheres a concepções 
idealizadas, sendo essa imagem incompatível com a função militar; c) pragmatista – assim 
como o sexista, assume que as diferenças entre os sexos se dão em desvantagem das mulheres, 
mas não é contra sua entrada nas FA, já que para ele isso não é bom nem ruim, mas um fato, e 
defende uma integração parcial, em que as mulheres sejam submetidas aos mesmos testes que 
os homens; d) machista – também aponta a inferioridade das mulheres e favorece a integração 
parcial, apenas em funções de apoio e nunca nas armas de combate; e) cavalheiro – assim como 
31 
 
o machista, apoia uma integração restrita a funções de apoio, mas por ter uma visão sublimada 
da mulher como algo imaculado, a ser protegido; por fim, o f) integracionista – acredita na 
igualdade entre os sexos e na total abertura das FA às mulheres, em um modelo de seleção sem 
distinção de sexo, mas baseado na ideia de “a melhor pessoa para a função” (CARREIRAS, 
2009, p. 178-180). 
A partir daí, Carreiras (2009) busca tendências nas distribuições de posicionamentos 
nos dois países, Holanda e Portugal. Ela ressalva que se trata de uma classificação sincrônica, 
e que diversos entrevistados relataram uma mudança de postura ao longo do tempo. Apesar 
disso, é possível perceber uma disposição geral de posições mais conservadoras em Portugal, 
enquanto na Holanda há maior abertura para a integração de mulheres. É claro que se tratam de 
generalizações, mas é interessante ver como os valores sociais desses países refletem dentro da 
corporação militar. 
 
Cerca de metade [dos holandeses] são classificados como integracionistas, para 
apenas ¼ dos portugueses, os quais aparecem mais dispersos pelos vários tipos. [...] 
Esses aspectos são mais consistentes com a identificação dos militares portugueses 
com uma visão mais tradicionalista ou paleomoderna da realidade e da própria 
instituição, ao passo que os holandeses parecem partilhar orientações mais orientadas 
(sic) para a modernidade. [...] Uma primeira observação geral é a de que os 
portugueses tendem a recorrer a explicações naturalistas e essencialistas sobre a 
diferença feminina, enquanto os holandeses raramente o fazem. Desenvolvem, pelo 
contrário, um discurso racionalista em que as diferenças, quando identificadas, são 
atribuídas preferencialmente a aspectos sociais e culturais. (CARREIRAS, 2009, p. 
182) 
 
Alguns aspectos das entrevistas são interessantes de serem trazidos aqui. A oposição 
dos tipos tradicionalista e cavalheiro tendem a ressaltar que a tradição e os valores militares 
podem ser afetados pela presença de mulheres; além disso, elas teriam limitações sociais e 
biológicas, tendo em vista a maternidade e as responsabilidades da vida familiar,e por isso não 
poderiam cumprir corretamente com suas funções, acarretando em maior carga de trabalho para 
os homens. A gravidez, aliás, seria um recurso frequentemente mobilizado pelas mulheres para 
evitarem serem convocadas a servir em lugares mais perigosos – lembrando que estamos 
falando de dois países-membros da OTAN. Ao mesmo tempo, a presença feminina em 
ambientes de combate despertaria instintos protetores nos homens, atrapalhando-os de focar na 
missão principal, configurando um risco operacional. Ainda, a presença de mulheres seria 
prejudicial pois iria tolher alguns comportamentos dos homens, e eles ficariam constrangidos 
de agir de maneira “natural”. Até mesmo os entrevistados com perfil integracionista defendem 
32 
 
a ideia de que diversos homens teriam dificuldades em lidar com a entrada das mulheres 
(CARREIRAS, 2009). Nesse sentido, a autora faz uma reflexão bastante pertinente não só ao 
caso que analisa, mas que pode ser aplicada a diversos estudos realizados com militares 
brasileiros: “Um elemento comum a esses relatos é o fato de que nenhum dos entrevistados 
parece ter consciência de que descreve fundamentalmente problemas que decorrem das atitudes 
masculinas mais que de características e comportamentos das mulheres”(CARREIRAS, 2009, 
p. 187). 
Nos Estados Unidos, as mulheres são aceitas nas fileiras militares desde a abolição da 
conscrição, em 1973, nos últimos momentos da Guerra do Vietnã – que durou até 1975. O 
processo de abertura no país foi igualmente gradual, e, ao passo que novas carreiras passavam 
a contar com presença feminina, uma série de estudos começou a ser levado a cabo sobre essas 
experiências, especialmente nos setores de maior prestígio, como as academias militares e a 
aviação de caça (DEFLEUR e GILLMAN, 1978; DURNING, 1978; LARWOOD e 
GLASSER, 1980; ADAMS, 1984; MCGLOHN et al., 1997). Em 2015, o governo americano 
derrubou as últimas barreiras à admissão feminina e determinou que todos os segmentos das 
Forças Armadas deveriam passar a permitir a entrada de mulheres. Schaeffer et al (2015), tendo 
em vista o fim do impedimento à admissão de mulheres no Corpo de Fuzileiros Navais, fizeram 
um levantamento de experiências de diversos países que aceitam mulheres em posição de 
combate a fim de averiguar possíveis ensinamentos que auxiliassem nesse processo. 
O estudo levado a cabo pelas autoras e autores tem como um de seus pontos centrais a 
atenção ao compromisso institucional em integrar as mulheres – no caso, em unidades de 
combate, mas vale como um indicativo para outras situações. Esse comprometimento 
institucional é medido a partir das seguintes variáveis: a) políticas de mudanças legais para 
apoiar a integração de mulheres, inclusive aquelas que dizem respeito a assédio sexual; b) 
evidência clara de forte envolvimento ou compromisso das lideranças – por meio de discursos, 
por exemplo; c) planos nacionais que incluam estratégias para a integração de mulheres e 
accountability; d) programas de treinamento abrangentes para facilitar a integração; d) 
avaliações pós-implementação (SCHAEFER et al., 2015). 
Um dos países em que percebeu-se um alto grau de comprometimento institucional foi 
a Austrália, onde a integração foi acompanhada de planos institucionais bem desenvolvidos, e 
mulheres foram apontadas para posições senior em suas ocupações, como forma de servirem 
de modelo e mentoras para as novas recrutas. Em outros países, como a Suécia, a Noruega e o 
33 
 
Canadá, que não apresentaram diretivas tão claras e um planejamento de médio prazo, 
observou-se um baixo engajamento das mulheres. Dentre os fatores que causaram essa baixa 
participação estão os obstáculos à progressão de carreira, muitas vezes causados pelo sexismo 
persistente nas corporrações (SCHAEFER et al., 2015). 
 
1.2.3 Estudos em outras instituições masculinas/hierárquicas 
Além da análise da integração feminina nas Forças Armadas brasileiras e de outros 
países, lições importantes podem ser observadas nos estudos da inserção de mulheres em outros 
espaços hierárquicos e tradicionalmente masculinos. A experiência que mais se aproxima das 
Forças Armadas é, possivelmente, a das polícias, especialmente pela centralidade do uso da 
violência. No Brasil, algumas autoras e autores já se debruçaram sobre a incorporação de 
mulheres nas fileiras policiais, apontando sobretudo um déficit de participação, a manutenção 
de estereótipos atribuindo características físicas e psicológicas mais fracas às mulheres e, 
baseado nisso, o escanteamento delas para funções de apoio, principalmente nas primeiras 
turmas, e o problema do assédio moral e sexual (LEAL e FRANÇA, 2014; MOURÃO, 2013; 
CAPELLE e MELO, 2010; BUENO, TONELLI e SANTOS, 2015; SILVA, 2015). 
Um exemplo é o texto “UPPs, uma polícia de que gênero?” de Bárbara Mourão (2013). 
Aqui, a autora relata suas impressões acerca de uma pesquisa etnográfica com policiais das 
Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) sobre as relações e percepções de gênero nesse 
ambiente. A pesquisa foi realizada com quatro grupos focais, com cerca de dez componentes 
cada – 2 de mulheres e 2 de homens – e em 5 entrevistas com mulheres, oficiais e praças, 
oriundas de 4 unidades diferentes. Um dos principais interesses da pesquisadora era observar a 
qualidade do processo de incorporação das mulheres nessas unidades, buscando focar 
principalmente nas condições do ambiente de trabalho, na receptividade dos colegas e nas 
oportunidades de desenvolvimento na carreira policial para essas policiais. 
Das conversas com os policiais do sexo masculino, a autora ressalta uma suspeita 
constante de que as colegas se aproveitam de sua condição de mulher para usufruir de 
privilégios e contornar suas responsabilidades, o que se soma à ideia de que as limitações 
naturais do sexo feminino impõem uma barreira ao pleno exercício da atividade policial. Esse 
questionamento das capacidades femininas se dá várias maneiras, como por exemplo, atribuir 
a mulheres tarefas tradicionalmente masculinas (desafiá-las a carregar o fuzil da maneira certa). 
O outro lado da moeda é as policiais buscarem se provar merecedoras da farda, o que muitas 
34 
 
vezes aparece na forma de violência auto-infligida, como se para impor respeito as mulheres 
precisassem desafiar seus próprios limites. Daí que algumas das entrevistadas relataram que ter 
atravessado as mesmas etapas preparatórias que os homens não consolida seus lugares no meio 
policial (MOURÃO, 2013). A autora enfatiza, a partir disso, a importância de perceber os 
sujeitos em suas ambiguidades, não apenas como taboas rasas replicando estereótipos 
esperados. Segundo ela, não é propriamente às suas colegas que os policiais estão se referindo, 
mas das projeções que elas evocam, ou seja, das categorias de gênero que orientam suas leituras 
de mundo. Assim, a divisão sexual da sociedade ecoa muito mais como um indexador de valores 
do que uma elaboração sobre fatos observados – mesmo dentro da instituição policial 
(MOURÃO, 2013). 
Schaeffer et al. (2015) levantaram as lições dos processos de admissão e inclusão de 
mulheres nas polícias e nos corpos de bombeiros nos Estados Unidos. Dentre os apontamentos, 
estão a importância de garantir que os equipamentos e os uniformes estejam de acordo com as 
necessidades das mulheres, especialmente os armamentos empregados em missões de combate; 
e o fato de que dinâmicas de pequenas unidades precisam de atenção especial durante o 
processo de integração. Isso porque os homens em alguns casos assumem posições paternalistas 
e superproteroras em relação às mulheres, particularmente em situações que eles (os homens) 
achavam que eram perigosas demais para as companheiras. Apontam, ainda, que à medida que 
as policiais e as bombeiras eram promovidas e obtiveram maior responsabilidade, elas 
continuaram pressionando as organizações para reavaliar mais suas práticas, políticase 
procedimentos, ou seja, o processo de integração vai evoluindo junto com a progressão das 
mulheres nas instituições. Por fim, as autoras e autores sublinham a questão sempre presente 
do assédio sexual. O assédio, tanto verbal quanto sexual, tem se mantido um desafio constante 
em todas as fases da integração – evidenciando a necessidade de políticas e procedimentos 
eficientes para se lidar com o problema. 
Outra instituição estatal marcada por sua hierarquia e masculinização é o Ministério das 
Relações Exteriores (Itamaraty). Por muito tempo, mulheres foram proibidas de fazer o 
concurso de admissão à carreira diplomática – de 1938 a 1954, a legislação proibia o acesso de 
mulheres nos postos diplomáticos. Entre 1954 e 2015, 427 mulheres ingressaram na carreira 
diplomática, de um total de 2.126, correspondendo a 20,1%; atualmente, 22,6% dos diplomatas 
em atividade são mulheres (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2017). Tendo 
em vista essas desigualdades históricas, pesquisadoras e pesquisadores têm abordado o tema, 
assinalando os avanços e obstáculos na inclusão de mulheres na carreira, os gargalos à 
35 
 
progressão feminina dentro da hierarquia do Itamaraty e iniciativas adotadas pela instituição 
com vistas a mitigar essas dificuldades, como a criação de creches e a adoção de trabalho remoto 
(FARIAS e CARMO, 2016; BALBINO, 2009; 2011). 
É nesse contexto que Viviane Balbino (2011) desenvolve seu trabalho de conclusão do 
Instituto Rio Branco (IRB) e que originou o livro “Diplomata: substantivo de dois gêneros”, 
onde se debruça sobre o problema da baixa representação de mulheres especialmente no 
processo seletivo ao IRB. Ela parte da argumentação que para se ter mais mulheres na 
diplomacia não basta apenas aumentar a oferta de vagas, é preciso tornar a carreira atrativa a 
elas. Ela inicia pontuando que a tese de que mulheres não querem ser diplomatas porque 
almejam ter uma família é simplista e preconceituosa, mas, ao mesmo tempo, pontua que a 
dificuldade em ser casada com alguém que não é da mesma profissão, dada a grande mobilidade 
da diplomacia, é muito maior para mulheres do que para homens. Outro fator que serve como 
desestimulante é o baixo número de mulheres já dentro da instituição e a decorrente competição 
que existe entre as poucas mulheres que já trabalham na instituição. Por outro lado, ela defende 
que no governo de Dilma Rousseff, pela primeira vez na história do Brasil, a representação 
feminina em espaços de poder ganhou contornos de política de Estado (BALBINO, 2011). 
No entanto, importa também ter em mente as diferenças entre esses ambientes e 
corporações e as Forças Armadas. No Itamaraty, por exemplo, ainda que as diferenças de 
gênero sejam acentuadas, em que as mulheres encaram não só os desafios tradicionais de um 
ambiente de trabalho sexista, mas também as intrínsecas a uma carreira baseada em hierarquias 
claras, a questão de gênero e a importância dos estereótipos não é tão escrachada. Ao mesmo 
tempo, as Forças Armadas possuem um processo de promoção mais formalizado e uma 
hierarquia organizacional mais complexa que as forças policiais (SCHAEFER et al., 2015) ou 
a diplomacia. Por fim, no caso das polícias militares e dos corpos de bombeiros, os comandos 
são estaduais, submetidos ao mando do governador e das legislações locais, enquanto que as 
Forças Armadas, ainda que subdivididas regionalmente de acordo com a distribuição de cada 
Força, são federalizadas e submetidas diretamente à Presidência da República e ao Ministério 
da Defesa, distinção essa que tem impacto na forma como são desenhadas e/ou implementadas 
as políticas de inserção feminina. 
 
 
36 
 
1.3 CONCLUSÕES PARCIAIS 
Dos estudos analisados, possivelmente o aspecto mais marcante é que os principais 
impeditivos apresentados dizem respeito a ações, concepções e receios masculinos em relação 
às mulheres, muito mais do que desafios objetivamente materiais. Não é surpresa que diversas 
entrevistas foram pautadas por ideias estereotipadas acerca da condição feminina, 
especialmente ao contrapô-la com a careira militar, na dualidade fragilidade-virilidade. 
Interessante é notar como a construção desses discursos se dá muito com base em uma 
identidade militar associada a uma noção hegemônica de masculinidade dentro das Forças 
Armadas. Essas noções não necessariamente estão em confluência com as necessidades atuais 
situação da função militar, crescentemente baseada na profissionalização e especialização, com 
expansão das atividades de apoio e de inteligência, e menor protagonismo da força bruta e do 
engajamento direto em combate. 
Esses posicionamentos, apesar de aparecerem em algumas falas femininas, costumam 
ser mais frequentes nas falas de homens. Mantêm-se concepções tradicionais acerca do 
casamento e do papel das mulheres na estrutura familiar, sendo argumento recorrente que a 
mobilidade demandada pela profissão militar poderia configurar impeditivo à constituição de 
famílias por parte das mulheres, além de um sentimento de que muitas delas deixariam a 
corporação quando desejassem se casar ou ter filhos – ambos pontos colocados de maneira a 
contrariar a e maior inserção feminina nas FA. Ainda, as adaptações infraestruturais e as normas 
de convivência trazem fortemente a noção de separação dos sexos, o que em muitos sentidos se 
dá de forma exagerada, mas também confere maior segurança às mulheres naqueles ambientes. 
Por fim, as experiências das Forças Armadas estrangeiras, assim como das polícias, 
corpos de bombeiros e carreira diplomática acima relatadas constituem campos com 
ensinamentos valiosos para o processo de admissão de mulheres nas Forças Armadas. Fica 
evidente a importância de se ter um compromisso institucional claro com a integração feminina, 
através de planos consistentes e estruturados. Esse não tem sido o caso do Brasil, onde a 
inserção tem se dado de forma desintegrada entre as Forças, partindo muitas vezes de iniciativas 
pontuais das instituições, como no contexto das Academias militares. 
 
 
37 
 
2. CAPÍTULO 2 – HISTÓRICO E SITUAÇÃO ATUAL DA PARTICIPAÇÃO DE 
MULHERES NAS FORÇAS ARMADAS DO BRASIL 
 
Apenas na Segunda Guerra Mundial houve engajamento oficial de mulheres nos 
quadros militares brasileiros. Em 1942, o Brasil declarou guerra ao Eixo, criando a Força 
Expedicionária Brasileira (FEB). No ano seguinte, como forma de prestar apoio à FEB e 
garantir aos cidadãos brasileiros que as tropas não estariam desassistidas, foi implementado o 
Quadro de Enfermeiras da Reserva do Exército, que viriam a servir na Itália. No total, 67 
enfermeiras brasileiras atuaram na Guerra; ao fim do conflito, a maior parte delas foi 
condecorada, sendo rapidamente desmobilizadas. Somente em 1957, através da Lei 3.160, as 
enfermeiras tiveram direito a serem incluídas no posto de 2ª tenente, o que inclusive lhes 
garantia direitos inerentes à carreira dos oficiais (MATOS, REIS, et al., 2016). 
A escala sem precedentes do conflito, tanto em termos de abrangência geográfica, 
quanto em termos de mobilização de recursos humanos e materiais, levou à incorporação de 
mulheres nas fileiras militares de diversos países na Segunda Guerra Mundial, especialmente 
nos quadros auxiliares, o que possibilitava que um número maior de homens fosse alocado para 
os fronts de combate. As mulheres passaram a atuar como enfermeiras, como no caso brasileiro, 
operando linhas de comunicação e logística e, principalmente, a trabalhar nas fábricas de 
produtos destinados à guerra. Em diversos países da Europa, muitas mulheres integraram as 
milícias de resistência nacional. Ainda, nos Estados Unidos e na União Soviética, algumas 
mulheres serviram como pilotas de aeronaves de combate – o exemplo mais famoso é de um 
regimento soviético de bombardeio noturno composto inteiramente por mulheres, que ficaram 
conhecidas como “bruxas da noite”. Como no Brasil, em todos os

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