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Prof. Me. Cleber Jose Semensate Santos Mestre em Desenvolvimento de Tecnologias, Especialista em Programação Orientada a Objetos e Analista de Sistemas para Internet. Criador do SGA – Sistema de Gestão de Aprendizes do Instituto INAMARE de Maringá (www.inamare.org.br/sga). Por 10 anos foi Analista de Sistemas do PROE – Programa de Estágio (www.proe.org.br), vinculado às ACEs – Associações Comerciais e a FACIAP – Federações das Associações Comerciais do Paraná. Atualmente é Diretor da CVC Software, empresa dedicada a desenvolvimento de Sistemas para Internet. Atualmente está como Professor dos Cursos de Tecnologia na modalidade Graduação EAD e Presencial da UniFCV. INFORMAÇÕES RELEVANTES: ● Tecnólogo em Processamento de Dados (UNICESUMAR) ● Especialista em Programação Orientada a Objetos (UNICESUMAR) ● Especialista em Gestão de Projetos Sociais (UNIFCV) ● Mestre em Desenvolvimento de Tecnologias (LACTEC/UFPR) ● Coordenador dos Cursos ADS e GTI EaD ● Proprietário da Empresa CVC Softwares ● Desenvolvimento de Software e MKT Digital ● http://lattes.cnpq.br/7950356175153672 APRESENTAÇÃO DA APOSTILA SEJA BEM-VINDO(A)! Veremos na Unidade I que s novas tecnologias vêm redefinindo o mundo, alterando a forma como as pessoas vivem, se relacionam, produzem e consomem. Em um processo cada vez mais acelerado e intenso, o emprego combinado de novas abordagens tecnológicas vem criando e oferecendo novas possibilidades ao ser humano contemporâneo, de tal forma que o hábito de vida de gerações anteriores é transformado por completo no espaço de apenas uma nova geração atual. Na Unidade II entenderemos que a tecnologia da informação é tão revolucionária no que diz respeito ao aprimoramento de todas as demais tecnologias, às novas formas como as organizações se estruturam e produzem e às próprias disrupções sociais, entendidas como mudanças radicais no comportamento e hábitos das pessoas, é inevitável que a TI sirva de plataforma essencial para um sem número de possibilidades referentes ao mundo das pessoas com deficiência (PcD). Na sequência de nossa Unidade III, veremos que hoje, o que diferencia os seres humanos dos robôs é que são as pessoas que possuem a capacidade de inovação, de empatia, e mesmo de improvisação diante de qual- quer circunstância. É nisso que se fundamentam os que, com razão, reconhecem o trabalho mais mecanizado, tendendo a substituir trabalhadores humanos por sistemas artificiais, e imaginam, ao mesmo tempo, haver uma garantia de longo termo de que as funções criativas sempre serão cumpridas por pessoas, e não por máquinas. Finalizando, na Unidade IV, veremos que existe uma crescente pressão na indústria em geral para que as organizações consigam desempenhar modelos mais sustentáveis de negócio, sendo a sustentabilidade definida por um tripé de resultados satisfatórios nos aspectos econômico, social e ambiental. Como qualquer tripé, bastaria uma dessas sustentações ser comprometida para o negócio como um todo não prosperar. Desejo uma ótima leitura, vamos nesta! UNIDADE I - INTRODUÇÃO A TECNOLOGIA Professor Mestre Cleber Semensate Plano de Estudo: ● Introdução a novas tecnologias ● A tecnologia ao longo do tempo Objetivos de Aprendizagem: ● Conhecer Ciência, tecnologia e inovação em TI. ● Prospectar cenários em tecnologia. ● Entender a transformação digital. ● Ver qual será a próxima revolução industrial. INTRODUÇÃO Prezados alunos(as)! As novas tecnologias vêm redefinindo o mundo, alterando a forma como as pessoas vivem, se relacionam, produzem e consomem. Em um processo cada vez mais acelerado e intenso, o emprego combinado de novas abordagens tecnológicas vem criando e oferecendo novas possibilidades ao ser humano contemporâneo, de tal forma que o hábito de vida de gerações anteriores é transformado por completo no espaço de apenas uma nova geração atual. A compreensão dessa dinâmica, portanto, parece imprescindível para que o processo de gestão tecnológica possa ser guiado aos melhores resultados possíveis. O que se procura, enfim, é o aumento da qualidade de vida das pessoas, possibilitando um mundo cada vez melhor. Aplicações tecnológicas cumprem um especial papel nesse sentido. Dominar tecnologias é competência central para profissionais e organizações deste início de século XXI. Naturalmente, o domínio da tecnologia passa, primeiro, pela apreensão conceitual dos termos e definições inerentes. Conforme é descrito neste capítulo, tecnologia tem um significado muito mais amplo do que aquilo que normalmente se associa a essa palavra. Quando os ancestrais humanos descobriram que um osso ou um galho poderiam servir de arma, uma pedra poderia ser útil para partir um coco, cavar um buraco ou mesmo para rabiscar algo, nasciam os primeiros conhecimentos sobre a técnica: como empregar coisas para produzir algo, realizar alguma tarefa, solucionar algum desafio ou problema. As ferramentas foram acompanhando a evolução humana, evoluindo também para máquina e equipamentos cada vez mais úteis e indispensáveis na rotina do dia a dia, de forma que a tecnologia foi aprimorando as primeiras técnicas desenvolvidas pelo homem até chegar ao ponto em que a engenhosidade humana começou a empregar a informação como insumo produtivo. A partir de então, a curva de evolução tecnológica deixa de ser linear e passa a ser exponencial, com igual efeito no desenvolvimento das organizações, dos negócios e da sociedade como um todo. Acompanhar a evolução da tecnologia, entendida como conhecimento aplicado, ao longo do tempo é um fascinante exercício de compreensão da capacidade humana de transformar o mundo. Venha comigo transformar! 1. INTRODUÇÃO A NOVAS TECNOLOGIAS Fonte: https://www.shopify.com.br/burst/imagens-hd/mulher-mexe-no-telefone-celular 1.1 Ciência, tecnologia e inovação em TI Ciência, tecnologia e inovação são três termos muito próximos, embora de significados fundamentalmente distintos. Convém um rápido embasamento conceitual, pois isso proporciona um efeito prático bastante apreciável: expande a visão das coisas. Quem tem a definição desses conceitos de forma muito clara acaba por melhor transitar em meio aos processos tecnológicos, entende melhor, interage melhor, produz melhor. E isso é válido tanto para o perfil acadêmico quanto industrial. Entende-se por ciência o conhecimento, tão puro quanto possa ser concebido. É o saber teórico fundamental, ainda despreocupado com aplicações práticas ou uso imediato. Aqui residem as fórmulas, teoremas e teorias. Na ciência, estão estabelecidas as relações de causa e efeito, procurando, essencialmente, explicar os mecanismos atuantes sobre o mundo. Portanto, ciência é conhecimento, mas não exatamente qualquer tipo de conhecimento: se é científico, é porque se trata de conhecimento formal. Essa formalização, um verdadeiro rigor que se aplica para garantir a veracidade do saber, é o que diferencia, enfim, aquilo que se sabe daquilo que se acredita – por mais convicção que se tenha nessa crença. Portanto, a fé e a ciência, que de forma alguma precisam ser elementos antagônicos, distinguem-se precisamente neste aspecto: a ciência não é para acreditar. É para conhecer. O rigor em questão diz respeito à forma como o conhecimento é produzido, para que possa ser atestado como científico. Não é por qualquer meio que se propõe que determinado efeito advém de uma tal causa, mas apenas por aquilo que se denomina como método científico de produzir conhecimento. Na ciência, não se aceita o “ouvi dizer” ou “li em algum lugar”: é preciso provar. Pesquisadores cientistas devem compreender como determinado conhecimento foi produzido, conhecer as etapas que foram percorridas, sendo que eles mesmos podem seguir esses passos, para confirmar– ou refutar – aquelas conclusões. Portanto, há embasamento quando se produz ciência, e é por isso que ela é o conhecimento verdadeiro devidamente justificado. Tecnologia também é conhecimento, contudo, diferente de ciência, trata-se de conhecimento aplicado. A aplicação é o uso daquele conhecimento para resolver algum problema do mundo real. O mundo carece de soluções para um sem-número de questões. Uma vez que se saiba que tal conhecimento serve para a consecução de determinado objetivo, e conhecendo ainda como aplicar da melhor forma possível tal conhecimento na prática, é dito que se domina uma tecnologia. Usualmente, no mundo das organizações empresariais, a tecnologia é direcionada à produção: como fazer para que determinada empresa consiga fabricar aquele produto, ou prestar um serviço em específico? Como se organizar? Quais técnicas aplicar? Como selecionar e empregar um conjunto de conhecimentos que servem para fazer uma empresa cumprir sua função? É importante frisar que o conceito de tecnologia é muito mais amplo do que normalmente se consegue supor. Um exercício simples que comprova a limitação que costuma imperar a respeito desse entendimento é utilizar uma dessas ferramentas de buscas on-line de imagens, como, por exemplo, o Google Imagens. Ao se digitar o termo tecnologia ou technology no buscador, as respostas, invariavelmente, são imagens que remetem à informática, à internet, à microeletrônica, redes sociais digitais e afins. Isso também é tecnologia, mas tecnologia não se limita a esse aspecto. Do ponto de vista de conceito, é como se tratasse da ponta do iceberg. Dominar conhecimentos úteis para resolver um problema prático pode envolver, conceber e produzir um poderoso computador de última geração – mas também é tecnologia o que se emprega para produzir um bolo de fubá. Levar o homem a explorar a Lua envolve um alto grau de sofisticação tecnológica – contudo, fazer um suco de laranja também envolve determinado domínio da técnica, que é pensado e sistematizado pela tecnologia. Os saberes orientados à prática são, por certo, das mais variadas naturezas e níveis de complexidade. Tecnologia da informação (TI) é uma dimensão de tecnologia. Ao mesmo tempo, é interessante reconhecer que Gestão (Administração) também é tecnologia: Tecnologia de Gestão – que não pode ser confundida com Gestão de Tecnologia. A tecnologia da informação, por sinal, é a aplicação da ciência da informação para atender demandas reais, práticas – muitas vezes, industriais, que envolvem informação com insumo, como agente de transformação e como elemento de agregação de valor. É certo que, em muitas circunstâncias, fica difícil separar claramente onde se termina um conhecimento puro, de base, e onde começa um conhecimento em processo de aplicação, de utilidade concreta. E há que se concordar com Reis (2008): de fato, pouco importa tal delimitação. Na prática, dado esse entrelaçamento tão típico e tão forte entre ciência e tecnologia, ambos os termos costumam ser referenciados como um binômio (C&T – Ciência & Tecnologia), quase como se fosse um único elemento. Um dos mais relevantes aspectos práticos a respeito de C&T é o fato de que o conhecimento puro é, para todo efeito, público e, portanto, gratuito. Contudo, com tecnologia é o oposto: o conhecimento aplicado pode ter dono. Não se pode cobrar royalties de alguém que venha a explorar a lei da gravitação universal ou o teorema de Pitágoras. Contudo, o princípio ativo de um remédio específico pode ser patenteado (protegido contra o uso comercial por parte de terceiros). A tecnologia pode, dessa forma, ser propriedade particular de uma pessoa ou de uma organização. Isso tem sua explicação: recompensar o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Alguns processos de pesquisa e desenvolvimento costumam se delongar por anos ou mesmo décadas – com proporcional custo acumulado. Empresas que dedicam recursos para criar determinadas tecnologias não querem ver todo seu esforço ser livremente aproveitado pelos competidores, cujo esforço de desenvolvimento poderia ser a mera cópia, o que é mais barato e configuraria competição desleal. A legislação prevê mecanismos para prover essa proteção, na forma de patente tecnológica. Contudo, em determinadas circunstâncias, as patentes tornam-se pouco ou nada úteis. Conforme pode ser acompanhado no Capítulo 2, que aprofunda essa questão, determinadas tecnologias possuem um ciclo de vida, uma difusão – e um potencial ostracismo – que são muito acelerados. Isso é especialmente marcante na tecnologia da informação. Na prática, todo o processo burocrático de se depositar e conseguir a concessão de uma patente pode tomar um tempo maior que a própria vida útil daquela tecnologia, ou mesmo ser incompatível com a janela de oportunidade de mercado para melhor explorá-la comercialmente. Assim, muitas empresas, com destaque àquelas com reputação de mais inovadoras, acabam por ignorar maiores disputas de propriedade intelectual, tratando de se ocupar em manter um regime de constante pesquisa e desenvolvimento, com recorrentes novos lançamentos, apostando nessa estratégia de competitividade: enquanto o competidor se ocupa de copiar uma tecnologia anterior, a organização já está um passo à frente com a tecnologia de próxima geração. Nos mercados em que o vanguardista costuma ter uma melhor aceitação (imitadores não sejam tão bem quistos), isso acaba fazendo todo o sentido como estratégia de competitividade. Por outro lado, enquanto ciência e tecnologia dizem respeito à área mais técnica da discussão, inovação é uma competência interdisciplinar: a chave de sucesso é o aspecto mercadológico. Ciência e tecnologia podem ser empregadas, na prática, para uma infinidade de invenções, das mais engenhosas às mais bizarras, nas indústrias de todos os tipos. Inventar, sob certa perspectiva, parece razoavelmente fácil: basta fazer diferente daquilo que é o normal, do amplamente difundindo. Mas nem toda invenção é uma inovação. O Manual de Oslo (OECD, 2005), como documento internacional de referência no âmbito da conceituação de inovação, a define como a invenção comercialmente bem-sucedida. Isso significa que inovação é a invenção que se torna um sucesso comercial, que é aceito (validado) pelo mercado. Aquilo que se cria de diferente, mas não se vende, pode ser algo curioso, distinto, talvez até mesmo artístico ou digno de louvor, mas não é inovação. Tecnologia inovadora é aquela nova tecnologia que, por algum motivo (certamente, sua utilidade prática singular), é aceita e utilizada pelo mercado. Inovar realiza algo novo ou que nunca tinha sido feito antes: apesar de tecnologias antigas também serem aceitas e utilizadas pelo mercado, não são inovadoras. E a inovação se estende, conceitualmente, para produtos, serviços, processos, marketing e estrutura organizacional. Um novo bem (físico), que se torne um sucesso de vendas, é uma inovação de produto. Se intangível, convertido em uma prestação de serviço diferente, e ao mesmo tempo com êxito comercial, é uma inovação de serviço. O produto e serviço podem ser, inclusive, até os mesmos que já se tinha, mas caso a forma de produzi-los tenha sido alterada, e isso implique em vantagem comercial (um processo mais efetivo, mais rápido, mais seguro, ambientalmente mais adequado e/ou socialmente mais responsável etc.), o que se caracteriza é uma inovação de processo. Há, inclusive, como se reconhecer inovação em marketing como uma das possíveis inovações de processo, mas inovação em marketing acaba ganhando essa categorização distinta, para realçar as virtualmente infinitas possibilidades de fazer diferente e alcançar sucesso nos atributos de preço, praça, produto e promoção (os 4Ps do marketing). Finalmente, a categoria de inovação em estrutura organizacional reconhece a validade de se alterara ordem naturalmente estabelecida para as organizações funcionarem com vistas ao cumprimento de sua missão institucional: aqui, proliferam abordagens alternativas, como trabalho à distância, coworking (trabalho em espaço compartilhado), novas estruturas executivas (como, por exemplo, uma vice-presidência dedicada à inovação e à transformação digital), times de projeto formados por consórcios de empresas, entre outros. Assim como há diferentes tipos de inovação, anteriormente descritos, também existem distintas abrangências geográficas e intensidade de inovação. No quesito de abrangência, uma inovação pode ser mundial ou global (ineditismo em grau máximo). Mas também pode-se falar em inovação nacional (quando, até então, só existia fora do país: algumas organizações são conhecidas por “tropicalizar” tecnologias, quando as lançam, com vanguarda, no Brasil). De forma análoga, inovações podem ser regionais, ou até mesmo empresariais: ainda é inédito tão somente para aquela empresa (naturalmente, uma inovação menor, mas ainda assim, uma inovação). No quesito intensidade da inovação, esta pode ser radical ou incremental. Radical é a completa reformulação conceitual de um produto ou de uma tecnologia, e incremental é o rótulo aplicado para as pequenas melhorias que muito agregam valor a um produto ou tecnologia, mas que não chegam a revolucionar por completo aquele produto ou tecnologia. Por exemplo, um detector de gotas de chuva, que aciona automaticamente o limpador de para-brisa, parece um recurso bastante apreciável, mas que ainda torna o carro um carro (por isso, é uma inovação incremental). O mesmo não se pode afirmar quanto aos automóveis auto-dirigíveis (sem necessidade de motorista), que redefinem o conceito daquele produto – por isso, com justiça, uma inovação tida como radical. Como um jargão perigosamente alardeado, tem-se observado, com muita frequência, o emprego do termo disrupção para algumas situações, e é comum que inovações radicais sejam associadas a inovações disruptivas. Há um importante senão que merece ser destacado: conforme bem defendido por Christensen e Raynor (2013), são conceitos distintos. A disrupção diz respeito, necessariamente, a um rompante no hábito das pessoas (usuários, consumidores, clientes etc.). Ou seja, na forma como as pessoas consomem ou utilizam um determinado produto ou tecnologia que é profundamente alterada, com impactos sociais e culturais associados. A transformação definitiva que o Uber traz na mobilidade urbana, por exemplo, é o que o eleva a uma inovação disruptiva (e não apenas o fato de seu aplicativo permitir chamar carros, programar rotas, pagar em ambiente seguro virtual etc.). Tecnologicamente falando, o aplicativo desenvolvido e empregado pelo Uber não tem lá grandes novidades funcionais que permitam classificá-lo como inovação radical: há muito, já eram difundidos o mapa eletrônico, o pagamento on-line, o ranking mútuo de utilizadores (no caso, motoristas e passageiros) e outros. Contudo, a associação das características empregadas para formatar esse produto, e o modelo de negócio que foi arquitetado, representou uma das maiores revoluções em nível global no comportamento das pessoas ante à necessidade de procurar uma locomoção urbana. Isso é, portanto, uma disrupção por excelência. A inovação é a engrenagem que movimenta mercados, indústrias e, com isso, a própria economia em nível global. Conforme o Capítulo 2 se ocupa em detalhar, a tecnologia da informação merece destaque como verdadeira protagonista da evolução acelerada de boa parte das demais tecnologias. Bastante exploradas pelas principais corporações de todos os segmentos, as plataformas tecnológicas inovadoras, tais como nanotecnologia, biotecnologia, robótica, inteligência artificial, Internet das Coisas, Big Data, tecnologia dos materiais, entre tantas outras, estão em processo de efervescente revolução, e especialmente de integração, graças a características inerentes da tecnologia da informação – por assim dizer, concordando com Ramos et al. (2012), tudo parece orbitar ao seu redor, no fenômeno conhecido por Quarta Revolução Industrial (ou Indústria 4.0). 1.2 Prospecção e cenários em tecnologia A tecnologia é, seguramente, condicionadora e direcionadora de mudanças nos cenários futuros. Nesse contexto, atividades de prospecção de tecnologia são definidas como aquelas cujo olhar é ao futuro ou aos possíveis futuros. Quando se procura identificar tecnologias de próximas gerações, o futuro de maior interesse é o não imediato: comumente, diz respeito a horizontes temporais de alguns anos há algumas décadas, embora também seja possível encontrar determinadas abordagens ousando explorar (mesmo que de modo especulativo) séculos ou até milênios à frente. Ressalta-se: é importante prospectar tecnologias. Os resultados dos estudos nesse campo oferecem um olhar detalhado e valioso para possíveis avanços nas mais diversas áreas de atuação humana, implicando, muitas vezes, em significativas oportunidades de disrupção para o trabalho, para a vida pessoal, para as estruturas corporativas e até mesmo para as políticas públicas. E é justamente esse o motivo pelo qual governos, organizações e pesquisadores costumam contratar e se envolver em pesquisas orientadas à prospecção do futuro das mais diversas tecnologias. Da perspectiva de uma nação, essa iniciativa favorece o desenvolvimento em geral. É fato que o Brasil é considerado um país atrasado em relação às potências mundiais, também no quesito de desenvolvimento tecnológico (salvo exceções raras, pontuais e insuficientes). Parece admissível que exista alguma relação entre o grau de desenvolvimento tecnológico de um país (entenda-se aqui o patamar alcançado por todas as suas instituições científicas e empresariais) e o nível de adoção de processos de prospecção em tecnologia. Com a constante evolução tecnológica, a sociedade altera a tecnologia, da mesma forma que a tecnologia molda a sociedade. Em função dessa dinâmica, os próprios métodos que as organizações adotam para prever e prospectar tecnologia sofrem contínuas alterações. Assim, é importante diferenciar os conceitos associados aos termos prospecção em tecnologia (foresight), previsão em tecnologia (forecasting) e avaliação tecnológica (assessment). Na classificação proposta por Porter (2010): ● Prospecção em tecnologia: refere-se ao processo sistemático de identificar desenvolvimentos tecnológicos futuros e suas interações com a sociedade e o meio ambiente, com a finalidade de promover ações orientadoras destinadas a produzir um futuro mais desejável. ● Previsão em tecnologia: é o processo sistemático de descrever o surgimento, desempenho, recursos ou impactos de uma tecnologia em algum momento no futuro. ● Avaliação tecnológica: ocupa-se do estudo de impactos relacionados à adoção de uma tecnologia. ● Roadmapping de tecnologia: método de gestão empregado como suporte ao planejamento estratégico tecnológico de uma organização. Ele auxilia na estruturação, desdobramento, comunicação e estabelecimento da visão de futuro da organização e na sua integração com os planos de mercado, produto e tecnologia. Essencialmente, apresenta-se como uma ferramenta gráfica usada para se estabelecer relação entre as necessidades futuras de mercado, a tecnologia atual da empresa, a tendência da tecnologia no mundo e programas de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Desse modo, a empresa pode tomar decisões para melhor aproveitamento dos investimentos de capital em P&D, com garantia de alinhamento à estratégia da organização. Historicamente, por volta do ano 8000 a.C., após a era baseada na tecnologia agrícola (que até pode ser reconhecida como a primeira verdadeira “Revolução Industrial”, interpretando o termo como um salto de produtividade do labor humano),a sociedade passou a se apoiar definitivamente no uso cada vez mais intensivo e integrado de diferentes vertentes tecnológicas. É possível o reconhecimento de dois períodos bem caracterizados, a sociedade industrial (em torno de 1800) e sociedade da informação (a partir de 1970) – e até mesmo a iminência de um terceiro, que alguns denominam, mesmo que de forma provisória, de sociedade molecular. A sociedade industrial foi a primeira era com definitivos esforços de prospecção em tecnologia. Trata-se de uma época caracterizada pela II Guerra Mundial, Guerra Fria e terrorismo – eventos que despertaram interesse a respeito das tecnologias que estavam por vir, tendo como objetivo a segurança nacional. A previsão tecnológica tornou-se essencial para avaliar as necessidades futuras de defesa dos EUA, nação vanguardista como potência tecnológica. Entre 1950 e 1960, algumas organizações, dentre as quais o Departamento de Defesa norte-americano, desenvolveram ferramentas quantitativas para previsão tecnológica, ferramentas semiquantitativas (mapeamento, morfologia e análise de necessidades), além de técnicas qualitativas, tais como estudos de cenários e Método Delphi. Esse é um período marcado também pela preocupação com o monitoramento e impacto das novas tecnologias. Os EUA se concentraram na pesquisa e desenvolvimento de produtos bélicos, e com o país ocupado com esse foco de prioridade, outras nações acabaram por se destacar em desenvolver tecnologias em setores industriais distintos. Naquela época, analistas da Europa e Ásia assumiam papel relevante no desenvolvimento de conceitos de prospecção em tecnologia. Assim, começava-se a reconhecer na previsão em tecnologia uma entrada válida e relevante para a estratégia corporativa. De igual modo, as necessidades de clientes ou mercados, bem como fatores políticos, internacionais, econômicos, trabalhistas e os ambientes regulatórios deviam ser atraídos para o esforço total de prospecção em tecnologia. Por sua vez, é na sociedade da informação que ocorre a segunda era da prospecção em tecnologia. A sociedade da informação é caracterizada pelo período em que ocorre, entre outros acontecimentos marcantes, o aperfeiçoamento e a difusão da internet como plataforma de tecnologia de informação e comunicação e o drástico aumento na capacidade dos computadores. Essas são conquistas tecnológicas que facilitaram a utilização das técnicas de estudos de cenários e Método Delphi, que podem ser consideradas as ferramentas mais amplamente utilizadas nessa época, além da análise bibliométrica. Também pode ser citada a utilização de novos métodos de prospecção, tais como a ciência da complexidade e perspectivas múltiplas. Não obstante, a sociedade molecular dá espaço para a terceira era da prospecção em tecnologia. A primeira era (sociedade industrial) já passou por todas as fases de ciclo de vida, que são a gestação, crescimento, maturidade e declínio. A segunda era (sociedade da informação) passou pela gestação e crescimento, encontrando-se, nas primeiras décadas do século XXI, na maturidade. Ocorre que a terceira era (sociedade molecular), como lembra Schwab (2016), ainda está na etapa gestacional, caminhando para o crescimento – uma transição que se espera para em torno do ano 2025. Esse é um período em que podem ser identificados direcionadores revolucionários, como a biotecnologia e a nanotecnologia. De alguma forma, a biologia está se tornando uma ciência da informação. E, por outra perspectiva, a tecnologia da informação começa a adotar características dos sistemas biológicos. Como a ciência progride, a fronteira entre sistemas vivos e artificiais, e entre a vida real e virtual, está se tornando cada vez mais de difícil distinção. As notícias sempre recorrentes sobre fanáticos fundamentalistas e guerras religiosas, por exemplo, têm conduzido a discussão de como a evolução das tecnologias pode ocasionar a utilização de novas armas baseadas em genética, nanotecnologia, robótica etc. Por isso, alguns questionamentos surgem nessa nova era: será que os fatos associados a esse período podem envolver mudanças significativas nas formas de previsão e de prospecção em tecnologia? Ocorrerá o aprimoramento dos métodos já existentes? Surgirão novas técnicas de previsão e prospecção em tecnologia que se somarão às várias já existentes? O que parece mais provável é a integração ou uso combinado de diferentes métodos de prospecção. Existem inúmeros métodos de prospecção de tecnologia para atender a diferentes objetivos, como destaca Porter (2010). Atingir tais objetivos envolve recorrer a uma diversidade de procedimentos, com distintas abordagens (às vezes, complementares). Esses métodos podem ser agrupados em famílias, de acordo com algumas características comuns e objetivos aos quais melhor se destinam. O Quadro 1 apresenta uma lista de métodos prospectivos em função do agrupamento em famílias de similaridades. Quadro 1 – Métodos de análises de tecnologias futuras Famílias de métodos Exemplos de métodos Abordagens criativas TRIZ, sessões de trabalho sobre o futuro, visionamento, ficção científica. Monitoramento e inteligência Vigilância em tecnologia, mineração em tecnologia. Descritivos Bibliometria, lista de verificação de impactos, índice de estados futuros, avaliação de múltiplas perspectivas. Matrizes Analogias, análises morfológicas, análise de impactos cruzados. Análises estatísticas Análise de riscos, correlações. Análises de tendências Modelamento de curva de crescimento, principais indicadores, curvas de envelope, modelos de onda longa. Opinião de especialistas Survey, Delphi, grupos focais, abordagens participativas. Modelagem e simulação Descrições de sistemas de inovação, modelamento de sistemas adaptativos complexos, modelamento de regimes caóticos, análises de difusão ou substituição de tecnologias, modelamento de entradas e saídas, modelagem baseada em agente. Análise lógica / Análise causal Análise de requisitos, análises institucionais, análises das partes interessadas, avaliação de impacto social, estratégia de mitigação, análises de sustentabilidade, análises de ação (avaliação de políticas), árvores de relevância, roda do futuro. Mapeamento Descrição do futuro em sentido inverso (backcasting), mapeamento de tecnologia x produto, mapeamento científico. Cenários Gestão de cenários, cenários baseados quantitativamente. Análises de valoração / Auxílio à decisão / Econômica Análise de custo benefício (CBA), processo analítico de hierarquia (AHP), análise de envelopamento de dados (DEA), análises de decisão por multicritérios. Combinações Simulação de cenários (jogos), análise de impacto de tendências. Fonte: PORTER, 2010, p. 41. Adaptado. Métodos podem ser combinados, dependendo da complexidade e objetivos da análise. Existem métodos hard (baseado em análises quantitativas) e soft (baseado em análises qualitativas). Há os extrapolativos (que visam antecipar potenciais futuros, no contexto de mudança) e normativos (orientados a descrever o futuro desejado). Como curiosidade, a própria ficção científica é considerada um dos métodos de prospecção de novas tecnologias, na família de abordagens criativas. Embora seja literatura romanceada, fruto de produção artística, sua especial utilidade é para inspiração de pesquisas que culminem em desenvolvimento da ciência e tecnologia – e resultem em inovações de impacto para a sociedade. Os clássicos do gênero parecem insuperáveis: a produção literária de nomes como Arthur C. Clarke e Isaac Asimov, em seu conjunto da obra, fecunda as demais mídias de Sci-Fi, como filmes (Star Wars, Blade Runner, Back to the Future, Matrix etc.) e seriados televisivos (X-Files, Lost, Millenium, Black Mirror etc.). A ficção científica é o ponto de convergênciaentre a arte e a ciência. Estas se influenciam mutuamente. É interessante observar que muitas pessoas que enveredam por uma formação técnica, como engenheiros e tecnólogos, fazem suas escolhas acadêmicas e profissionais incentivadas também pela influência da ficção científica em suas vidas. Da mesma forma, boa parte dos temas explorados por pesquisadores acadêmicos e cientistas em geral é induzida pelos produtos de ficção científica consumidos na infância e adolescência. Tal apelo motivacional, de cunho mais emotivo que racional, parece que sempre se fez presente, em todos os tempos, de maneira mais velada ou mais explícita. Não restrita a um mero passatempo, a ficção científica se mostra inspiração e até mesmo direcionadora de temas com verdadeiro potencial de conversão em hipóteses para comprovação ou refutação científica. Quanto conhecimento já foi efetivamente gerado, aplicado e industrializado décadas depois dos inventos descritos pela mente de Júlio Verne? Da robótica romanceada por Isaac Asimov, do sistema de comunicações intra e interplanetário de Arthur Clarke, da engenharia genética sugerida por Aldous Huxley? Poderia o gênio Leonardo da Vinci, se tivesse direcionado sua produção artística mais para o storytelling da ficção literária que para escultura e pintura, ter traduzido sua originalidade científica em fonte de inspiração para mais gerações de cientistas, de modo a, quem sabe, antecipar as grandes descobertas tecnológicas da história da humanidade em alguns séculos? Portanto, é válido, como técnica de prospecção, explorar a análise das produções de ficção científica, especialmente as de boa qualidade, buscando nelas traços, mesmo que tênues, do que podem ser futuros desenvolvimentos tecnológicos reais. Afinal, indiscutivelmente, tudo o que existe concretamente de fato em um dado momento foi primeiramente pensado/imaginado/sonhado antes. 1.3 Hype Cycle O Gartner Group é uma consultoria norte-americana especializada em pesquisa e prospecção tecnológica, que carrega em sua identidade o sobrenome de seu fundador, Gideon Gartner, considerado um dos grandes patriarcas da indústria da tecnologia da informação e responsável pela fundação da empresa em 1979. Fenn e Raskino (2008) reconhecem que a influência dos trabalhos desenvolvidos por essa organização é bastante expressiva no campo das novas tecnologias em geral. A empresa se ocupa em analisar mercados dos mais diversos setores e suas grandes tendências. A partir disso, elabora, anualmente, um infográfico consolidado na forma de uma curva, que demonstra a evolução e o grau de desenvolvimento das tecnologias disponíveis para aquele segmento. Com isso, os clientes do Gartner Group, indústrias de todas as vertentes, como no ramo de telecomunicações, alimentos, construção civil, vestuário, automobilístico, entre tantas outros, conseguem decidir, com mais precisão, para onde direcionar seus investimentos e esforços tecnológicos. Esse infográfico é apresentado em uma curva bem característica, de fácil identificação entre os pesquisadores de tecnologia dado seu formato peculiar, e é denominado Hype Cycle. A tradução para o português não costuma ser utilizada, pela imprecisão e ambiguidade ao referir-se a exagero e similares (ciclo de exagero, ciclo de euforia etc.), por isso, no campo de estudos de tecnologia, a convenção é manter a expressão original em inglês – altamente difundida em meio à literatura especializada e, por isso, já incorporada ao termo corriqueiro. A Figura 1 ilustra o Hype Cycle, com todos os seus estágios identificados. Figura 1 – Hype Cycle Fonte: FENN; RASKINO, 2008. Adaptado. Como visto, essa curva mostra a expectativa, reputação ou aceitação de determinada tecnologia ao longo do tempo – podendo também ser entendidas como visibilidade e maturidade que se alcança. Conforme pode ser acompanhado ao longo do eixo horizontal (temporal), há cinco fases bem nítidas: gatilho de inovação ou gatilho tecnológico, pico das expectativas infladas, vale das desilusões, aclive de iluminação e platô de produtividade ou planalto de produtividade. E elas procuram representar um fenômeno sócio técnico comum a todas as novas tecnologias: entre o momento de seu surgimento e a estabilidade para aplicação industrial, há um momento de forte turbulência, caracterizado pela rápida febre que se forma (hype) seguido por uma quase tão imediata depressão ou frustração em torno das expectativas originais daquela tecnologia. Isso acaba por explicar uma série de desdobramentos práticos da difusão e assimilação de novas tecnologias. No gatilho tecnológico, marco de lançamento daquela nova tecnologia, estão os produtos e aplicações mais recentes lançadas no mercado. O sugestivo nome pico das expectativas infladas reúne os produtos e aplicações em voga, alvos de grande burburinho, sendo testados por um grande número de companhias. É uma fase em que as expectativas usualmente são maiores que o real valor daquelas novidades, o que ajuda a explicar o estágio seguinte: vale das desilusões, uma etapa realmente crítica, uma vez que, a partir desse ponto, novas tecnologias podem ser simplesmente abandonadas (cair em total desuso), ou então começarem a ser aprimoradas para melhor adaptação ao mercado. O aclive de iluminação reúne os produtos e aplicações que conseguiram ser melhorados em relação à fase anterior, portanto, com sucesso em permanecer no mercado. Finalmente, o planalto de produtividade é atingido por aqueles produtos e aplicações testados e aprovados efetivamente, validados (aceitos) pelo mercado. Nos relatórios anuais do Gartner Group, o Hype Cycle é atualizado para mostrar qual a posição de momento de diversas tecnologias alvo de monitoramento. Para cada uma delas, características peculiares podem fazer com que determinadas fases sejam muito mais aceleradas ou muito mais lentas para transição, que o pico seja muito maior, o vale muito mais amplo, entre outros. O que não costuma mudar é o visual do gráfico, que ilustra, de maneira bastante efetiva, o recorrente fenômeno de euforia à depressão que antecede o uso estável de uma determinada tecnologia. Compreender a utilidade do Hype Cycle é reconhecer que trabalhar com tecnologias emergentes é altamente desafiador. Afinal, é difícil garantir se o hype de um determinado fenômeno tecnológico é exagero, tendência, ou um verdadeiro tsunami. Inovações estão sempre associadas a riscos: quando uma organização decide investir em uma tecnologia inovadora, não há como deixar de conviver com alto nível de incertezas. As coisas podem dar muito, muito certo, como também muito, muito errado. Como bem descrito por Reis (2008) e Fenn e Raskino (2008), o ambiente de negócios está cada vez mais complexo e agressivo. E é nesse meio que as empresas, para sobreviver e prosperar, são impelidas a inovar de forma contínua – organizações permanentemente inovadoras. As novas tecnologias são o futuro de muitas frentes de negócio, afinal, são capazes de destruir, criar e redesenhar indústrias em passo cada vez mais acelerado. A necessidade da vanguarda tecnológica é imperativa: ao mesmo tempo, adotar tecnologias ainda não consolidadas é um desafio para gestores de organizações de todos os tipos. As questões inevitáveis sobre as quais se debruçam gestores e especialistas na indústria são as que apresentamos a seguir. ● De que forma as organizações podem avaliar, decidir e incorporar novas tecnologias aos negócios, diante da altíssima incerteza a respeito de sua viabilidade? ● Que critérios adotar para decidir entre uma estratégia agressiva (ser pioneiro na utilização da tecnologia) ou conservadora (preferindo a observação de mercado e espera de primeiros resultados dos concorrentes)? Naturalmente, os riscos e os benefícios de cada uma dessas estratégias precisamser devidamente considerados. ● Como conviver com a possibilidade de as novas tecnologias redefinirem o próprio modelo de negócio atualmente empregado pela empresa? Não obstante criar novos negócios, a tecnologia emergente pode ser responsável, ao mesmo tempo, pela obsolescência completa do negócio tradicional da organização, que muitas vezes é o responsável pela trajetória de sucesso até então alcançado de uma marca. ● Como planejar recursos e preparar a estrutura organizacional para o processo de transferência de tecnologia? O ponto crítico do Hype Cycle é a depressão da curva. Uma dada tecnologia caminha, ao longo do tempo, para chegar nesse ponto de inflexão, que é precisamente o momento em que se alcança massa crítica suficiente para se disseminar pela indústria e causar impactos de forma exponencial, ou ser completamente abandonada (ou substituída). É interessante observar como os mais recentes relatórios Hype Cycle do Gartner posicionam a tecnologia da informação como verdadeira protagonista das plataformas tecnológicas de próxima geração. Ao menos três macrotendências sintetizam o caminho da evolução tecnológica para os próximos anos: 1. Experiências imersivas: o termo originalmente adotado pelo Gartner é transparently immersive experiences, abrangendo o conjunto de tecnologias que estão se tornando mais orientadas ao ser humano, e com isso, cada vez mais invisíveis, fluídas e contextuais no que tange ao relacionamento entre pessoas, sistemas artificiais e organizações empresariais. Alguns exemplos práticos são as tecnologias de realidade virtual e de realidade aumentada. Também estão incluídas as próximas gerações de tecnologias já concebidas há algum tempo, como é o caso da tecnologia de impressão 3D (com mais de três décadas de existência): as impressoras 4D estão surgindo, com novas e impactantes aplicações, que envolvem a produção de materiais inteligentes, que se moldam e remoldam fisicamente ao longo do tempo (a quarta dimensão), em função de determinados parâmetros (entre os quais a interação humana). Nessa categoria de experiências imersivas, merecem destaque também tecnologias emergentes como Human Augmentation, Brain-Computer Interface, Volumetric Displays, Affective Computing, Nanotube Electronics e Gesture Control Devices. 2. Máquinas inteligentes: a expressão originalmente utilizada pelo Gartner, Perceptual Smart Machine Age, diz respeito à inteligência artificial que opera assistentes pessoais como Google Now, Siri e Cortana, veículos autônomos e robôs, fundamentada em algoritmos sofisticados, arquitetura de machine learning e técnicas de linguagem natural. Já há um bom tempo os algoritmos inteligentes estão presentes no cotidiano das pessoas, muitas vezes sem serem percebidos. É o caso dos algoritmos de recomendação, totalmente incorporados ao processo de escolher um filme no Netflix ou um livro na Amazon. Algoritmos poderosos são empregados para que rotas sejam propostas pelo Waze, para que o Uber possa precificar antecipadamente uma corrida, para que empresas automatizem o processo de aprovação de crédito dos clientes, e para que passagens aéreas sejam mantidas com preços dinâmicos, entre tantas outras inúmeras realidades do cotidiano. A inteligência artificial é a base de funcionamento do poderoso motor de busca do Google. É fácil concordar com Singh (2012; 2014) sobre as possibilidades iminentes serem realmente impressionantes, uma vez que o Hype Cycle associado se concretize: uma máquina HLMI (Human-Level Machine Intelligence) – um computador capaz de emular a maioria das atividades profissionais humanas ao menos tão bem quanto uma pessoa – tem, segundo as previsões tecnológicas já mapeadas, mais de 50% de chance de ser realidade por volta do ano 2050. A partir daquele ponto, chegar-se a uma máquina superinteligente seria questão de poucas décadas. Por máquina superinteligente, entenda-se o alcance de um intelecto que excederá em muito o desempenho cognitivo da raça humana em absolutamente todos domínios de conhecimento. 3. Revolução das plataformas: a análise do Gartner a respeito da Platform Revolution alerta para o irreversível deslocamento da infraestrutura tecnológica para ecossistemas – tecnologias operando como plataformas e como catalisadoras de novos negócios de alto impacto. Trata-se de um movimento que já iniciou, fundamentalmente a partir das primeiras aplicações de cloud computing (computação em nuvem). Contudo, a maior revolução parece se aproximar a partir da difusão generalizada de tecnologias como blockchain e Software-Defined Everything (SDx): estas possuem um infindável potencial para criação de novos modelos de negócio, enraizando a conexão invisível e intuitiva entre pessoas e novas tecnologias. 2. A TECNOLOGIA AO LONGO DO TEMPO Fonte: https://www.shopify.com.br/burst/imagens-hd/area-de-trabalho-organizada 2.1 Indústria 4.0 Inicialmente, convém esclarecer a respeito da adequada interpretação que a palavra indústria merece. Por algum motivo, talvez a maioria das pessoas, quando se depara com esse termo, automaticamente o associa com fábricas, esteiras levando produtos e peças em linhas de montagem, ou alguma imagem de Tempos Modernos, o icônico filme de Charles Chaplin. Não há dúvidas de que isso também é indústria, mas o conceito não se limita à atividade de manufatura fabril. Indústria é sinônimo de produção, em seu conceito mais amplo. Assim, envolve-se tanto o clássico processo de transformação de matérias-primas em bens físicos com determinados atributos agregados, tão típico da indústria da manufatura, como também a própria articulação de recursos envolvida na prestação de um serviço: o termo indústria de serviços é totalmente válido. Da mesma forma, são igualmente coerentes os empregos do termo em uma ampla variedade de expressões, como indústria cinematográfica, indústria da educação, indústria fonográfica, indústria cultural, indústria da saúde, indústria de seguros, entre uma infinidade de outros exemplos. O termo indústria está para a produção (oferta) assim como mercado está para consumo (demanda). É o que precisa ser levado em consideração quando se trata de compreender o fenômeno da Revolução Industrial, ou das várias revoluções industriais que a humanidade tem experimentado e as que ainda vai conhecer. Tudo diz respeito à atividade do trabalho, da produção conduzida por pessoas para atender anseios, demandas e necessidades de outras pessoas. A indústria existe para atender ao mercado, sendo fato comum que este último seja a real justificativa para a arquitetura industrial. Quando se fala em Revolução Industrial, o que está em discussão é, portanto, um momento histórico que caracteriza um salto de produtividade tão grande, a ponto de redefinir por completo o que se conhecia até então como parâmetro industrial. É por esse ângulo que é possível reconhecer na própria Revolução Agrícola – época de transformação de uma humanidade nômade em uma mais fixada ao local geográfico em que se produziam alimentos – uma primeira grande revolução industrial, embora se costume associar a expressão revolução industrial ao momento histórico em que a máquina a vapor e as locomotivas se tornam realidade corriqueira, com o rótulo de Primeira Revolução Industrial. É indiscutível que ali ocorre genuinamente um salto da capacidade produtiva: isto é, quando o efeito de melhorias sucessivas não é a continuidade de uma rampa, mas sim o aparecimento de um degrau. No que diz respeito ao posterior segundo degrau, a assim chamada Segunda Revolução Industrial é marcada pelo uso da eletricidade na produção, a viabilidade da produção em massa e o aparecimento de artefatos revolucionários como avião, navio a vapor, refrigeração mecânica e a invenção do telefone eletromagnético. No campo da gestão,é impossível não reconhecer a importância do gerenciamento científico da produção, criado por Frederick Taylor. Mais uma vez se alcançou uma revolução nos níveis de produtividade industrial a partir do momento em que computadores e automação robótica começam a ser a base dos modelos produtivos, especialmente na indústria automotiva. Por isso, a justa denominação de Terceira Revolução Industrial, que se estendeu até anos muito recentes. Se ainda incipiente na Segunda Revolução Industrial, a tecnologia da informação começa a se tornar imprescindível nos sistemas produtivos da era seguinte, principalmente a partir do momento em que computadores de alta capacidade se tornam acessíveis às organizações em geral. Não por acaso, Terceira Revolução Industrial costuma ser associada à era do conhecimento: aquele estágio que a humanidade alcança em que, diferente da era industrial clássica, o conhecimento passa a se tornar o insumo mais relevante – eis a tecnologia da informação começando a traçar as novas direções dos sistemas produtivos, a partir de artefatos como as redes locais de computadores e a grande rede, de disposição mundial, que é a internet e a web 2.0. Para Reis (2008), essas são competências tão essenciais às organizações empresariais quanto as clássicas gestão financeira, gestão de recursos humanos e gestão da produção; além dessas, irrompem disciplinas como gestão da tecnologia, gestão do conhecimento e gestão da inovação. E assim como, na perspectiva de alguns pesquisadores e especialistas, a Segunda Revolução Industrial parece ser mais uma extensão natural dos desdobramentos tecnológicos da Primeira Revolução Industrial, o que viria na sequência da Terceira Revolução Industrial, embora profundamente disruptiva e impactante para toda a indústria, pode ser entendida como uma consequência inevitável do aprimoramento geral da tecnologia da informação e de suas aplicações entre as diversas outras tecnologias. Para muitos, a Quarta Revolução Industrial, a chamada Indústria 4.0, inicia junto ao surgimento da cloud computing (computação em nuvem). É um ponto de inflexão, a partir do qual o mundo convencional (físico) começa a migrar irreversivelmente para o mundo digital. Verdadeiras plataformas tecnológicas com potencial de novas aplicações, a nanotecnologia, biotecnologia, robótica, Internet das Coisas, Big Data, M2M, inteligência artificial, impressão 3D, tecnologia dos materiais, entre tantas outras, passam por contínuo aprimoramento e, destaca-se, convergência, a partir da integração com as tecnologias de informação e comunicação (TIC), como destaca Schwab (2016). A tecnologia da informação parece dragar todas as demais tecnologias para uma trajetória de aperfeiçoamento em que ela, TI, é, ao mesmo tempo, princípio, meio e fim nessa dinâmica conjunta. O que a Quarta Revolução Industrial provoca é a mais radical modificação da sociedade em todos os tempos. Por cerca dos últimos 250 mil anos, período que se acredita corresponder à completa trajetória humana sobre a face da Terra, a humanidade evoluiu com base em um desenvolvimento local e linear. Local, no sentido de que se uma pessoa nascesse em determinada região, era muito provável que ali crescesse, produzisse e morresse. Linear, em termos de velocidade constante das melhorias e avanços tecnológicos. Por assim dizer, o ritmo de mudanças que uma pessoa assistia em sua infância correspondia, grosso modo, ao mesmo ritmo de mudanças já na velhice. Desse período realmente expressivo de 250 mil anos, contudo, são os últimos 50 anos que destoam por completo a forma de desenvolvimento: ela passa a ser global e exponencial. Global, no sentido que a mobilidade geográfica alcançou tal ponto que é muito comum pessoas perfazendo suas etapas de vida nas mais diferentes regiões do planeta: nascer em um local, crescer em outro, e assim ir experimentando diversos outros lugares, mesmo em escala internacional, para estudar, se aprimorar, produzir e usufruir das benesses de uma vida mais longeva. Por crescimento exponencial, entenda- se um ritmo continuamente acelerado de avanço tecnológico, que alcança, na época atual, um patamar de alcance até certo ponto assustador. O Gráfico 1 ilustra a diferença entre um ritmo linear e um ritmo exponencial de crescimento. Gráfico 1 – Comparação entre crescimento linear e crescimento exponencial Fonte: SINGULARITY UNIVERSITY, 2017. Adaptado. A diferença entre os dois ritmos de crescimento é tão acentuada que chega a ser desafiadora a projeção mental dessa disparidade. A abordagem visual é especialmente útil para melhor compreender a diferença alcançada em alguns poucos passos incrementais. Nos primeiros incrementos, as duas curvas estão muito próximas, mas logo após alguns incrementos subsequentes, a distância que se alcança é surpreendente. Se valores foram tabulados, a constatação é ainda maior: dar 30 passos lineares de 1 metro significa andar, ao todo, 30 metros. Dar 30 passos exponenciais (1 m, 2 m, 4 m, 8 m, 16 m etc.) equivale a cobrir 1.073.741.824 metros. Para compreender, em uma perspectiva humana, o que representam mais de 1 bilhão de metros, basta saber que correspondem a 26 voltas em torno do planeta Terra. Novas tecnologias possuem o poder exponencial por uma razão significativa: o conhecimento é cumulativo. A nova geração de pessoas não se vê obrigada a reinventar a roda no que diz respeito à ciência e tecnologia, mas já pode partir do conhecimento que se acumulou até aquele momento histórico, e a partir dali, avançar o estado-da-arte científico e tecnológico. Chega até a ser um tanto quanto contraintuitivo esforçar-se por compreender o Tendência exponencial Tendência linear Joelho da curva que é uma melhoria da ordem de bilhões de vezes. Alguns exemplos são úteis para ajudar nesse desafio. No que diz respeito à tecnologia de circuitos integrados eletrônicos, considera-se que, em 1958, dois transistores ocupavam o espaço correspondente a cerca de 1 cm2. Em 1971, o Intel 4.004 dispunha, nesse mesmo quadrado, de 1 cm de lado, 2.300 transistores. Um salto de dois para 2.300 é bastante apreciável. Contudo, quase desprezível ao se considerar o que se alcançaria em 2012: um GPU Nvidia encaixava, nesse mesmo espaço físico, 7,1 bilhões de transistores. E a evolução tecnológica ao longo do tempo, naturalmente, nunca estaciona. Nesse espaço de 54 anos, não foi apenas o atributo dimensional (espaço físico) que foi revolucionado: essas poucas décadas foram suficientes para que, simultaneamente, se alcançassem dispositivos 10 mil vezes mais velozes e 10 milhões de vezes mais baratos. Ou seja, uma tecnologia 100 bilhões de vezes melhor. Em 1960, a tecnologia de ICBM, responsável pela navegação e precisão dos mísseis intercontinentais, era fundamentada em uma geringonça com funções de controle de velocidade, orientação e aceleração, de cerca de 23 kg de massa e com custo na casa de milhões de dólares. Nos primeiros anos do século XXI, dispositivos extremamente miniaturizados, a ponto de serem componentes quase imperceptíveis visualmente em um smartphone, eram disponibilizados na indústria na forma de um acelerômetro de US$ 1 e um giroscópio de US$ 3, com capacidade muito maior. Tais tecnologias, não obstante, caminham para uma evolução ainda mais surpreendente, na forma de máquinas de estrutura molecular (nanométrica), virtualmente sem custo unitário apreciável. O primeiro receptor de GPS lançado comercialmente remonta a 1981, na forma de um equipamento de 24 kg e quase US$ 120 mil. Em 2010, o mundo já contava com microchips com função GPS que cabiam, com muita folga, na ponta de um dedo, por menos de US$ 5 cada. Em 1976, o engenheiro Steven Sasson, da Kodak, orgulhava-se de sua criação, a primeira máquina fotográfica digital da história: resoluçãode 0,01Mp, massa de 1,7 kg e preço em torno de US$ 10 mil. Em 2014, o dispositivo de câmera digital móvel, onipresente em qualquer telefone celular, apresentava-se com 10Mp, 13g e US$ 10 mil vezes mais resolução, mil vezes mais leve, mil vezes mais barato. Seria inevitável que tamanha profusão exponencial alcançasse o mundo digital. Na tecnologia da informação, os dados crescem de forma exponencial. Em 2010, 5 bilhões de gigabytes eram produzidos em dois dias de operação da internet. Em 2013, esse volume de dados passou a ser produzido a cada 10 minutos. Uma companhia aérea gera mais de 1 Tb de dados por dia. Além disso, mais de 100 horas de conteúdo de vídeo são adicionados ao YouTube a cada minuto. Assim, como característica marcante da Indústria 4.0, é muito natural que tecnologias exponenciais conduzam, no mundo das organizações empresariais, a negócios exponenciais, novos empreendimentos (startups) que, em pouquíssimo tempo de operação, passam a incomodar as grandes marcas tradicionais estabelecidas no mercado – isso quando não as destroem por completo. 2.2 Transformação digital Startups, representando, de um lado, o novo paradigma dos negócios, e as empresas tradicionais, de outro, na sua busca pela reinvenção necessária à sobrevivência e prosperidade na Quarta Revolução Industrial, dispõem de uma mesma estratégia para seus intentos particulares: a transformação digital, que acontece da forma mais ampla possível: produtos e serviços, processos e finalmente os negócios por completo, totalmente digitalizados ou virtualizados. A tecnologia da informação é a maior responsável por impelir o ritmo de transformação digital que cada organização, de qualquer ramo e porte, pode implementar. Nem toda startup significa, necessariamente, um modelo de negócio digital. Embora reconheça-se que são casos mais raros, até mesmo indústrias manufatureiras podem ser startups. É porque o conceito envolve, fundamentalmente, a proposição de um novo negócio. Não qualquer novo negócio, evidentemente, precisa ser relacionado ao chamado empreendedorismo de alto impacto, genuinamente inovador, um novo negócio potencialmente escalável. Por escalabilidade, entende-se a capacidade de se atingir um ritmo de crescimento vigoroso, caso receba os recursos necessários. Na prática, por uma questão de nível de investimento (capital comprometido), e até mesmo de perfil e valores individuais das novas gerações de empreendedores, é o cenário mais comum que as startups estejam fundamentadas em modelos de negócios totalmente digitais (e, quase sempre, na forma de aplicativos para smartphones). É comum que startups nasçam a partir da modelagem de negócios voltados ao aproveitamento das infinitas possibilidades de apoiar a transformação digital da sociedade e das demais organizações empresariais. Para as empresas tradicionais, a transformação digital é a resposta para a necessidade de reinvenção, ou readaptação, a novas condições do ambiente de negócios. Portanto, é um fenômeno que transpassa organizações de todos os perfis possíveis. Em maior ou menor grau, seus desafios são imperativos para qualquer tipo de empreendimento. Transformação digital envolve, principalmente, a gradativa digitalização de todos os processos produtivos. Isto é, todas as rotinas de trabalho, sejam elas de cunho mais técnico, como a própria atividade de chão de fábrica (a linha de produção), ou processos administrativos, tão convencionais como finanças, marketing e recursos humanos. E mesmo nas organizações que continuam a produzir produtos físicos habituais, tais como eletrodomésticos, automóveis ou artigos esportivos, a mudança na forma como as atividades são organizadas, a partir das ferramentas digitalizadas, é realmente revolucionária. Entenda-se que, ao se tratar do significado da digitalização, o que precisa ser reconhecido é a definitiva ruptura entre um objeto e a sua respectiva aplicação ou benefício associados. Por exemplo, no caso de uma revista convencional, as folhas de papel empregadas para viabilizar a existência daquele objeto são as mesmas que trazem a informação escrita, que é essencialmente o que dá valor àquela revista. Ou seja, caso o aparato físico seja destruído (perdido, molhado etc.), perde-se, junto, a mensagem que ele carrega consigo. Na área técnica, e nos processos mais voltados à produção propriamente dita, os recursos de simulação e emulação eletrônicos possibilitam que até as etapas de protótipos possam ser experimentadas apenas em ambiente virtual, sem mobilizar maiores recursos nessa etapa do processo de planejamento e desenvolvimento de produtos que costuma ser tão cara em termos de volume de investimentos necessários. Um automóvel, por exemplo, pode ser não apenas projetado de forma virtual (simulado), mas testado (emulado) nesse mesmo ambiente, antes de começar sua produção de forma física, proporcionando uma incrível economia de recursos e aumento do time-to- market – tão essenciais, principalmente no caso de negócios de concorrência acirrada. A preparação da fábrica ganha a possibilidade de só se partir para a aquisição das mais caras máquinas e equipamentos especializados após sucesso nos testes virtuais (em que vários parâmetros podem ser testados até se encontrar a configuração ideal para se investir). Processos de manutenção industrial são otimizados ao máximo, principalmente pelas novas possibilidades de manutenção preditiva com base em tecnologia M2M (comunicação automática máquina a máquina, ou mesmo componente com máquina). Finalmente, toda a cadeia produtiva fica melhor sincronizada por meio da comunicação instantânea dos sistemas informatizados de uma empresa com os sistemas de seus principais fornecedores, resultando em um fluxo de trabalho mais fluido, com menor lead-time, mais qualidade (menor retrabalho, sucateamento, desperdício etc.) e, com tudo isso expressiva e generalizada redução de custos. Mas, como já se frisou, não é apenas no processo produtivo direto que a transformação digital ocorre: ganhos similares se fazem realidade em qualquer outro processo administrativo ou indireto da empresa. O departamento financeiro pode ser digitalizado, com uma integração direta do sistema da empresa com bancos e demais instituições financeiras, além da própria comunicação automatizada de contas a receber da empresa junto às contas a pagar dos seus clientes corporativos, e vice-versa no que tange aos fornecedores. O escrutínio fiscal por parte dos órgãos públicos em nível federal, estadual e municipal, em ambiente totalmente digital, reduz substancialmente, quando não eliminar por completo, a necessidade de fiscalizações presenciais. Permeando todos os processos financeiros e contábeis, a tecnologia de blockchain redefinirá o papel de instâncias tidas como indispensáveis, como bancos, que perderão a conotação de canais principais para financiamento das operações. Principalmente quando o objetivo é o lançamento de produtos e serviços inovadores, já há algum tempo se tornou comum, via plataformas digitais, campanhas de captação de recursos das empresas diretamente junto aos seus consumidores – entusiastas de uma determinada marca, não raro, fazem questão de pagar antecipadamente pela solução que a empresa promete, financiando, assim, todo o processo de pesquisa e desenvolvimento. Além disso, criptomoedas, como bitcoins e similares, permitirão novas possibilidades de monetização do negócio. O departamento de recursos humanos pode ser digitalizado, desde o processo de recrutamento e seleção, passando por capacitação e desenvolvimento, até o desligamento dos profissionais. As possibilidades se ampliam com recrutamento e seleção on-line: vagas são divulgadas instantaneamente por um número infindável de canais, a captação de perfis e currículos se torna tão seletiva e específica quantofor necessário para os talentos procurados, e as entrevistas e testes complementares podem ser feitos virtualmente, dispensando presença física, ou seja, reduzindo substancialmente os custos envolvidos (tanto para empregador quanto para candidato) e tornando o processo muito mais rápido, confiável e transparente. Já há algum tempo, é praxe realizar-se inclusive um due dilligence (investigação aprofundada) da atividade dos candidatos (e dos já funcionários) nas redes sociais. Treinamentos e formações continuadas, em meio digital, ampliam a oferta de possibilidades de capacitação e desenvolvimento para os profissionais da empresa, incluindo as possibilidades de eventos com instrutores internacionais sem os tradicionais custos envolvidos na logística convencional (seja de trazer instrutores de fora, seja para mandar participantes para eventos no exterior). O mapeamento de competências fica mais dinâmico, oferecendo leituras em tempo real no ambiente das empresas. Avaliações de treinamento, de todas as instâncias, se tornam facilitadas pelos recursos digitais. Até mesmo o processo de desligamento fica mais eficiente, possibilitando feedback (orientação corretora de comportamento e desempenho) e acompanhamento do profissional durante e até mesmo após o período de afastamento (útil especialmente em cargos mais estratégicos). O departamento de marketing pode ser digitalizado, e isso em incontáveis frentes de atuação, desde o branding (gestão de reputação da marca), a publicidade, os estudos de precificação, desenvolvimento e acompanhamento de mercado, canais diretos e indiretos de distribuição, entre tantas outras possibilidades. Aliás, é inegável que a digitalização dos processos nas organizações tende, irreversivelmente, ao que tudo indica, a esvaziar cada vez mais os canais indiretos e potencializar os canais diretos – a tecnologia digital faz os intermediários serem cada vez mais dispensáveis. O marketing direto é profundamente potencializado em ambiente digital. Nesse novo mundo em irreversível digitalização, o gerenciamento de reputação ganha uma função especialmente crítica: afinal, se antes, no modelo convencional, prevalecia a máxima de que “o cliente satisfeito recomenda para um, e o cliente insatisfeito fala mal para dez”, diante do poder concedido à voz dos consumidores nos ambientes digitais, é bem admissível esperar que um descontente espalhe rapidamente sua indignação para mil, 10 mil, 100 mil ou mais pessoas. Por assim dizer, em um mundo cada vez mais digitalizado, as empresas estão profundamente expostas, sendo que mesmo pequenos deslizes e falhas podem macular rápida e amplamente uma organização. Por outro lado, se uma empresa se encontra, sob essa perspectiva, em uma delicada e sensível posição na relação com os consumidores e sociedade em geral, seus concorrentes encontram-se na mesma situação. E é neste ponto que as organizações podem aproveitar a valiosa contribuição dos processos de inteligência competitiva: o meio digital permite, a custo muito baixo ou praticamente zero, monitorar constantemente as movimentações de mercado dos concorrentes. Essa leitura de ações e iniciativas do competidor, quando realizada em tempo hábil, pode promover um maior grau de inovação nas empresas, pela disputa constante de quem lança primeiro (ou lança melhor) determinada novidade. Ressalte-se, a tempo, que não há nada de ilegal nesse tipo de iniciativa: como bem descrito por Reis (2008), diferente de espionagem industrial (comportamento antiético ou mesmo criminoso), a inteligência competitiva apenas se aproveita da competência que uma organização possui de fazer a leitura de informações que estão disponíveis de forma livre e pública a respeito dos concorrentes (sites, blogs, redes sociais etc.) – e aí empregar essas informações como importantes subsídios de informação para seus próprios processos de tomada de decisão em relação à tecnologia e aos negócios. A listagem das possibilidades é virtualmente infinita: qualquer setor de uma organização pode ser profundamente transformado, em termos de produtividade, com seus processos funcionais digitalizados: suporte de TI, jurídico, controladoria, manutenção etc. Aliás, concordando com Ramos et al. (2012), é impossível deixar de reconhecer a importância que sistemas informatizados, como os mais modernos sistemas de ERP, CRM, GED, entre outros, têm nessas organizações, sendo peças centrais do processo de completa digitalização: a tecnologia da informação é a responsável por potencializar o valor da informação como insumo produtivo básico das empresas digitais. 2.3 Qual será a próxima revolução industrial? Ao que tudo indica, ao se considerar o direcionamento das mais diversas plataformas tecnológicas da Indústria 4.0, com especial destaque ao que vem se alcançando com a tecnologia da informação, é bastante plausível esperar que a Indústria 5.0 tenha, como maior característica, trabalho sem envolvimento algum de pessoas. Sem dúvida alguma, um acontecimento que merece, sim, ser reconhecido como verdadeira revolução industrial. Um inequívoco ponto de singularidade: alcançar-se, finalmente, a dissociação definitiva e irreversível entre trabalho e atividade humana. As máquinas, ou coisas (na falta de termo que melhor defina a nomenclatura que se dará às próximas gerações de artefatos dotados de plena inteligência artificial) farão o labor pelas pessoas. O mundo como se conhece até então será, claro, totalmente remodelado. E existem vários indícios que corroboram a ideia de que o ser humano não está condenado a trabalhar para sempre. O primeiro deles passa por uma reflexão acerca de um insuspeito conceito dos sistemas industriais: a ergonomia. Quando se fala em ergonomia, é comum que as primeiras imagens que venham à tona sejam do correto encosto de uma pessoa sentada em uma cadeira, altura da mesa em relação às mãos, ângulos recomendados de pernas e braços em posições de trabalho em pé ou sentado, ou mesmo aspectos inerentes à iluminação, ventilação, equipamentos de proteção individual e afins. Sim, isso diz respeito, obviamente, à ergonomia; contudo, esse termo tem uma conotação muito mais ampla: trata-se, enfim, do estudo científico das relações entre homem e máquina em um ambiente de trabalho. Esse estudo procura promover, fundamentalmente, as condições ideais de segurança e de eficiência no modo como homem e máquina interagem mutuamente. A ergonomia se ocupa de otimizar as condições de trabalho das pessoas, mediante métodos e técnicas que configurem um melhor desenho industrial (layout das instalações). Portanto, uma premissa básica da ergonomia, que vem progressivamente moldando as condições de trabalho desde a época dos desproporcionais e agressivos ambientes produtivos da Primeira Revolução Industrial, é que a máquina se adapta ao homem – e não o contrário. Nesses termos, todas as características essenciais de um sistema produtivo, como capacidade produtiva, carga horária das jornadas de trabalho, prazos de entrega, design de ferramentas, especificação dos comandos das máquinas e equipamentos, procuram ser cada vez mais compatíveis ao que um ser humano consegue suportar. Uma pessoa, como ser biológico, organismo vivo, tem, essencialmente, suas limitações. A energia é limitada, bem como a velocidade, o fôlego, a força, a precisão, a resistência, a memória, entre tantos outros aspectos. Dessa forma, o que ocorre é que os sistemas de produção se moldam às capacidades e limites humanos. Máquinas e ferramentas, é bem verdade, atuam como extensões da capacidade humana: com elas, é possível conseguir a maior força, a maior precisão, o maior alcance. Mas, é claro que tais artefatos ainda são operados por seres humanos, o que ainda delimita a capacidade em vários outros atributos. Por exemplo, uma colheitadeira aumenta sobremaneiraa produtividade de uma operação agrícola, comparado ao trabalho braçal de uma pessoa. Contudo, não é possível deixar uma colheitadeira operando em capacidade máxima, 24 horas por dia, porque a supervisão humana necessária não consegue acompanhar essa intensidade. Ou, ao menos, não era possível, pois a tendência da automação é, gradativamente, ir dispensando o envolvimento humano, para que as máquinas produzam por conta própria. O impacto da inteligência artificial sobre a ergonomia é total: uma vez que as máquinas não precisem mais ficar condicionadas aos limites humanos, a produtividade alcançará novos patamares. Ao se atingir o momento em que máquinas projetem outras máquinas, mais eficientes, a intervenção humana se tornará supérflua. Se o que se projeta para o futuro é o cenário em que toda a atividade laboral será autônoma, o que já é há algum tempo presente são as não tão tênues evidências de que essa revolução já iniciou. No mundo virtual, há que se admitir que a internet funciona da forma como se conhece por causa dos mecanismos autônomos que atuam 24 horas por dia, 7 dias por semana, na forma dos bots, os robôs virtuais que mantêm toda a estrutura funcional da rede mundial de computadores. Esses bots ainda são peças de software programados por seres humanos, mas a um passo de se alcançar bots aprimorados por outros bots, com reconhecimento autônomo de novas necessidades e funções a cumprir. É bastante razoável esperar que a completa liberdade humana frente ao trabalho se alcance primeiramente em terreno virtual, e que, na sequência, a inteligência artificial presente na forma da rede de computadores assuma todo o labor do mundo físico. Obviamente, braços físicos são necessários para que sistemas artificiais realizem atividades como a de um veterinário, de um pintor, de um mecânico ou de um professor. Tal atuação física sobre o mundo físico se dará, certamente, com robôs, drones e androides das mais variadas formas, na forma de corpo tangível da inteligência artificial, como preconiza Singh (2012). Como lembra Van Opstal (2010), um dos princípios fundamentais dessa visão de futuro é a Lei de Moore, batizada dessa forma em reconhecimento ao trabalho do engenheiro da Intel que postulou que a capacidade dos computadores dobra em um período de 1,5 a 2 anos. De fato, acompanhando toda a trajetória histórica da computação, desde o tempo das máquinas programáveis à base de cartões perfurados (para a leitura dos 0 e 1 de linguagem elementar de programação) até os convencionais computadores baseados em microchips de silício, a Lei de Moore se provou válida. Várias foram as plataformas tecnológicas que permitiram esse salto exponencial da tecnologia da informação: relés, válvulas, transistores, circuitos integrados, etc. Parece bastante certo que a inteligência artificial projetada para o futuro não será arquitetada na tecnologia atual de microchips de silício, mas em outras plataformas ainda a serem definidas pela indústria. Uma tecnologia candidata ao posto de próxima geração da ciência da computação é o da computação quântica: uma nova estrutura que redefine os elementos mais básicos da eletrônica digital (os 0 e 1) a partir da tentativa de reproduzir as propriedades quânticas das partículas atômicas, como sobreposição, interferência, o spin de um elétron (o lado para o qual ele gira). Na prática, isso significa revolucionar drasticamente o clássico modelo de Von Neumann, que estabelece as tradicionais figuras de processador de um lado, memória de outro, e barramento de comunicação entre eles a partir de um processamento sequencial. Isso significa computadores exponencialmente mais poderosos que os mais avançados do paradigma tecnológico atual. Isso é importante, porque fornece o aparato essencial para suportar uma inteligência artificial de alto desempenho. Dessa forma, é bem provável que a Lei de Moore continue sendo válida pelas próximas décadas, o que resulta em consequências realmente espantosas. Por volta de 2010, um computador comercial de US$ 1.000,00 já possuía capacidade, em termos de cálculos por segundo, equivalente ao cérebro de um pequeno mamífero, como, por exemplo, um rato. A projeção é que, em torno de 2025, um computador de mesmos US$ 1.000,00 já possua capacidade de número de cálculos por segundo similar a um cérebro humano. Provavelmente próximo a 2040, pela Lei de Moore, um computador de US$ 1.000,00 tenha poder de cálculos por segundo superior a todos os bilhões de cérebros humanos existentes no planeta. É nessa época que se espera um sistema de inteligência artificial realmente à altura do profundo significado que a palavra inteligência representa para os seres humanos. Obviamente, usar número de cálculos por segundo como único atributo de medida de capacidade de uma mente artificial parece ser bastante raso. Há outros elementos que distinguem uma mente humana e um sistema artificial. Como explica Buonomano (2011), a capacidade de reconhecer padrões é marcante em seres vivos, e é um elemento essencial da inteligência humana: uma vez que se aprenda que uma letra A, por exemplo, é formada pela junção de determinadas linhas em uma sobreposição específica, o cérebro humano já é capaz de entender uma letra A escrita nos mais variados tamanhos, fontes, inclinações, cores etc. Isso se dá porque o pensamento de associação a partir de padrões é característico da inteligência biológica. Não por acaso, os recursos de captcha (letras e números em imagens distorcidas) na internet são usados para provar que é uma pessoa que está acessando uma página, e não um robô. É, portanto, uma limitação típica da tecnologia computacional atual, mas não necessariamente da próxima plataforma tecnológica. Uma vez que se alcance a capacidade de sistemas artificiais reconhecerem padrões de forma tão natural quanto um ser humano, a inteligência artificial começará a ganhar os contornos do que se projeta para as próximas décadas. Relatório do World Economic Forum (2015) revela os resultados de uma pesquisa realizada com 800 especialistas e executivos das maiores empresas de tecnologia, sobre o que se pode esperar na indústria para um horizonte realmente curto: para eles, entre outras assombrosas projeções, até 2025 será realidade uma cadeira do conselho executivo de uma grande corporação ser ocupada não por um dirigente humano, mas por uma inteligência artificial. Isso é altamente emblemático: significa que já se terá alcançado o estágio em que negócios e empreendimentos serão decididos por máquinas – não mais apenas decisões simplórias em ambiente de chão de fábrica, como aprovar ou não uma peça. Até chegar esse momento, a fase da transição entre a Indústria 4.0 e a Indústria 5.0 será caracterizada, paradoxalmente, pela integração homem-máquina em uma escala nunca antes vista. Organismos cibernéticos, convergindo sistemas biológicos com sistemas artificiais, não são mais peças de ficção científica. Entre as conquistas memoráveis dos últimos anos, tetraplégicos recuperaram a capacidade de locomoção com exoesqueletos metálicos comandados pelo cérebro humano; a Samsung patenteou a primeira webcam integrada a uma lente de contato; e ovários artificiais (por ora, de ratos), produzidos em impressora 3D, provaram-se funcionais. Como preconiza a ergonomia, é a máquina adaptando-se ao homem: sistemas artificiais (criações da humanidade) trazendo melhor qualidade de vida às pessoas. SAIBA MAIS A transferência de tecnologia e a transferência de inovação (BARRETO, 1995, p. 3) [...] À toda tecnologia, se associa uma considerável quantidade de informação. Esta informação, quando assimilada pelo indivíduo, grupo ou sociedade, gera um conhecimento que permite a adoção ou a rejeição de uma determinada técnica. A adoção de uma tecnologia requer, portanto, a absorção de determinado
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