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181 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA Unidade III 7 TÉCNICAS DE BIOLOGIA MOLECULAR APLICADAS À TERAPIA E AO TRATAMENTO DE DOENÇAS 7.1 Polimorfismos moleculares O genoma humano é constituído por mais de 3 bilhões de pares de bases. Cerca de 99,5% do DNA de uma pessoa é o mesmo de qualquer outra pessoa não aparentada. Os seres humanos apresentam variações em seus genomas que podem ser mudanças de apenas um nucleotídeo ou ganhos ou perdas de cromossomos inteiros. Os estudos atuais revelaram que as variações genéticas ocorrem no genoma em uma frequência de 0,1%-0,4% (KARKI et al., 2015). Essas variações explicam as diferenças entre as pessoas, tais como: cor dos olhos, grupo sanguíneo e se a pessoa possui um alto ou baixo risco de desenvolver uma determinada doença. É importante relembrar alguns conceitos de genética antes de se estudar os polimorfismos. Alguns conceitos importantes são: • Locus (plural loci): posição ocupada por um segmento de DNA no cromossomo. • Alelos: versões alternativas da sequência de DNA presente no locus. • Alelo selvagem: alelo predominante em mais de 50% dos indivíduos de uma população. • Alelo variante: alelo não predominante nos indivíduos de uma população, normalmente decorrente de uma mutação. Uma vez relembrados esses conceitos, é possível dar continuidade ao estudo dos polimorfismos moleculares. Em geral, a grande maioria dos nucleotídeos presentes no genoma de indivíduos diferentes são as mesmas, casualmente podem ocorrer variantes de qualquer nucleotídeo, no entanto elas são extremamente raras. Quando uma variante se apresenta com mais de 1% de frequência nos cromossomos da população, ela é chamada de polimorfismo. Em contrapartida, quando a variante se apresenta com menos de 1% de frequência, ela é chamada de mutação. As variantes alélicas são importantes pois podem ser utilizadas como “marcadores” para rastrear uma sequência genômica correspondente em famílias e em populações. São exemplos dos usos dessas variantes: • Mapeamento de genes em uma determinada região de um cromossomo. • Tipagem de tecidos e órgãos para transplantes. 182 Unidade III • Diagnóstico pré-natal de doenças genéticas. • Aplicações forenses, especificamente identificação de restos mortais de vítimas de crimes, testes de paternidade, comparação do DNA para identificação de suspeitos. • Farmacogenômica, na qual o tratamento farmacológico é adaptado conforme o paciente carregue ou não variantes que aumentam ou diminuem a eficácia do tratamento. • Descoberta de variantes que levem à predisposição de doenças. Em geral os polimorfismos podem ser classificados em: polimorfismos nucleotídicos individuais e polimorfismos por inserção-deleção. Lembrete Polimorfismo é uma variante cuja frequência de aparecimento nos cromossomos da população é acima de 1%. 7.1.1 Polimorfismos nucleotídicos individuais Os polimorfismos nucleotídicos individuais (SNPs, do inglês single nucleotide polymorphisms) são polimorfismos em que há alteração de um par de base em uma localização específica do genoma. Os SNPs são os polimorfismos mais simples e mais comuns de todos. Na maior parte dos casos, o SNP tem apenas dois alelos que ocupam uma certa posição no genoma (item A da figura seguinte). O alelo menos frequente (raro) deve aparecer com uma frequência inferior a 50% na população. A maior parte dos SNPs são encontrados em regiões não codificantes do genoma, no entanto existe um número significativo de SNPs que ocorrem em genes. Cerca de metade desses são sinônimos, ou seja, não alteram a sequência da proteína, enquanto a outra metade que altera a sequência da proteína são chamados não sinônimos. Os SNPs não sinônimos são divididos em: missense e nonsense. Um SNP missense é quando ocorre a mudança em um nucleotídeo e isso leva à alteração de um aminoácido, resultando em uma proteína pouco funcional ou não funcional. Já o SNP nonsense é uma mutação pontual na sequência de DNA que leva a formação de um códon de terminação, resultando em uma proteína não funcional. Saiba mais Um banco de dados público de SNPs, chamado dbSNP, pode ser encontrado no link seguinte, acessando projetos e SNP. Nesse banco de dados os SNPs são designados por números começando com rs. http://www.ncbi.nlm.nih.gov 183 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA A. TGCCTTTATTTGGTAATTTTTTTGT[T/C]TCTGAGACAGTCTCACTCTGTTGCC B. CCAAGCCTGGAGCT[A/G]GCCGTGGGCCAGGCAAG C. CCTGATTTTATGATCTTCTAACTCT[A/-]AAATTATCACAAAAATTTCTATTGA Figura 100 – Tipos de polimorfismos. Um SNP simples. O rs133045 é uma variante T/C no cromossomo 22 (A). Um polimorfismo de comprimento de fragmentos de restrição (RFLP). O SNP rs36078338 cria ou elimina a sequência GCTAGC, que é o sítio de reconhecimento para a enzima NheI (B). Um polimorfismo de deleção/inserção. O rs36126543 é uma inserção ou deleção de um único nucleotídeo A em uma sequência do cromossomo 7 (C) Algumas vezes, o SNP afetará um nucleotídeo que é parte de uma sequência que é reconhecida por uma enzima de restrição. Isso ocorre em 10% dos SNPs e, portanto, a enzima somente será capaz de clivar a sequência na presença de um dos alelos. Esse tipo de SNP é conhecido como polimorfismo de comprimento de fragmentos de restrição (RFLPs, do inglês restriction fragment length polymorphisms) e quando esse SNP está presente, ele cria ou elimina o sítio de restrição (item B da figura anterior). Saiba mais Alguns polimorfismos são considerados fatores de risco para algumas doenças. Recentemente o polimorfismo rs2904552 foi associado à esquizofrenia. O alelo G foi significativamente mais frequente nos pacientes com esquizofrenia quando comparado aos controles sem a doença. Esse polimorfismo pode ser mais bem explorado em: OTA, V. K. et al. PRODH polymorphisms, cortical volumes and thickness in schizophrenia. PLoS One, v. 9, n. 2, p. e87686, 2014. As variantes de genes que codificam enzimas responsáveis pelo metabolismo de fármacos, ou que são alvos de fármacos, estão sendo estudadas em associação à resposta individual ao fármaco. Os SNPs são muito importantes na área de farmacogenômica, pois seus estudos podem levar ao desenvolvimento de uma medicina mais personalizada de acordo com a análise dos polimorfismos de cada pacientes. A associação de diferentes SNPs com as mais diversas doenças tais como câncer, doenças infecciosas autoimunes, transtornos psiquiátricos e outros pode ser útil como futuros alvos de terapia farmacológica (SUKHUMSIRICHART, 2018). 7.1.2 Polimorfismos por inserção-deleção Uma outra classe de polimorfismos é a que resulta de variações causadas pela inserção, deleção ou inserção e deleção (indels: de inserções e deleções) de 2 a 100 nucleotídeos no genoma (item C da figura anterior). Os indels podem ser classificados como simples ou multialélicos. Os simples apresentam dois alelos, ou seja, a presença ou ausência do seguimento inserido ou deletado. Já os multialélicos se 184 Unidade III apresentam como repetições de fragmentos de DNA em tandem (repetições de 1-6 bases de comprimento que se encontram uma ao lado da outra no cromossomo intercaladas por outras sequências de DNA). Os indels multialélicos são subdivididos em microssatélites e minissatélites. Microssatélites Os microssatélites são segmentos de DNA de 1 a 10 nucleotídeos repetidos no genoma. A maior parte dos microssatélites são formados por unidades repetidas de 2, 3 ou 4 nucleotídeos. A. ACAGAGATAGACACACACACACACACACACACACACACAAACAAGCATGCTC B. ATCAATGGATGCATACGT(AGAT)15GAGAGGGGATTTATTAGAGGAATTAGC Figura 101 – Microsatélites. O D6S282 é uma repetição (CA)n no cromossomo 6 (A). D12S391 é uma repetição de quatro nucleotídeos no cromossomo 12 (B) Os microssatélites também podem ser denominados como polimorfismos de curtas repetições em tandem (STRs, do inglês short tandem repeat). Um locus de STRs frequentemente é constituído por muitos alelos (tamanhos de repetição) que podem ser avaliados rapidamente por procedimentoslaboratoriais padronizados para distinguir indivíduos diferentes e para inferir relações de parentesco. Dessa forma, os STRs têm sido os principais marcadores para estudos forenses, identificação genética de animais e paternidade por mais de duas décadas. Eles são mais informativos que os SNPs, pois apresentam um maior número de alelos na população. Essa característica facilita o processo de genotipagem através da determinação do tamanho do fragmento pela técnica de PCR (do inglês polymerase chain reaction). Atualmente são conhecidos milhares de loci polimórficos de microssatélites no genoma humano. O quadro a seguir mostra as principais diferenças entre SNPs e STRs. Quadro 12 – Principais diferenças entre SNP e STR Características SNP STR Ocorrência no genoma 1 a cada 1 kb 1 a cada 15 kb Tipo de marcadores Maior parte bialélica Di, tri, tetra ou penta Número de alelos por marcador Normalmente 2 > 5 Vantagens na área forense Necessidade de pouco material, maior sucesso em amostras degradadas Muitos alelos, permitindo altas taxas de sucesso na detecção e separação de amostras misturadas Saiba mais O biomédico com habilitação em genética pode realizar e analisar testes de paternidade e identificação de perfil molecular na perícia criminal. Para saber mais informações sobre essa habilitação consulte o website do Sindicato dos Biomédicos Profissionais do Estado de São Paulo. www.sinbiesp-biomedicina.com.br 185 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA Criança Ta m an ho d o fr an gm en to MãePai Figura 102 – Esquema de marcador hipotético de microssatélite. O esquema representa as bandas de um gel de agarose após amplificação por PCR. As bandas superiores representam fragmentos maiores e as inferiores, menores. Cada indivíduo possui dois alelos com diferentes repetições (diferentes tamanhos) para esse microssatélite. Dessa forma, é possível observar o parentesco da criança com os pais, pois ela possui um alelo herdado de cada um dos pais Minissatélites Os minissatélites são segmentos de DNA de 10 a 100 nucleotídeos repetidos centenas ou milhares de vezes no genoma. Os minissatélites também podem ser chamados de número variável de repetições em tandem (VNTRs, do inglês variable number of tandem repeats). Os loci de VNTRs apresentam um grande número de diferentes alelos, isso se deve à alta taxa de mutações que leva a variações no tamanho. Essa característica permite diversas possibilidades de genótipos e quando diferentes loci são combinados, o número total de genomas cresce grandemente. Essas características fazem com que os minissatélites sejam muito utilizados para identificação de indivíduos. Atualmente 13 loci de minissatélites são utilizados pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) nos Estados Unidos para a identificação de indivíduos pela impressão digital de DNA (DNA fingerprinting). 7.1.3 Polimorfismos por número de cópias Os polimorfismos por variação do número de cópias (CNVs, do inglês copy number variants) são variações no número de cópias de maiores fragmentos do genoma, que variam de 1 mil pb a muitas centenas de pares de quilobases. As CNVs menores são semelhantes às indels e muitas vezes apresentam somente dois alelos (presença ou ausência do seguimento inserido ou deletado). Já as CNVs maiores apresentam normalmente múltiplos alelos, devido à presença de números diferentes de cópias em tandem de um fragmento de DNA. Os CNVs, em geral, são responsáveis pelo maior número de nucleotídeos que diferem os genomas. Alguns CNVs aparentemente não têm influência no fenótipo, no entanto, mais de 40 CNVs estão relacionados a doenças. Os CNVs mais conhecidos são as repetições de trinucleotídeos (TNRs, do inglês trinucleotide repeats), que consiste na repetição de três nucleotídeos em tandem. Os TNRs apresentam uma expansão e contração dinâmica que está relacionada a diversas doenças, como por exemplo a síndrome do X frágil (CLANCY, 2008). O National Human Genome Research Institute (NIH) dos Estados Unidos criou um programa chamado HapMap Project que tem como um dos objetivos estudar as variações genéticas dos indivíduos. Até 186 Unidade III o presente momento, mais de 80 milhões de variantes foram encontradas, incluindo SNPs, indels e outras. Esses dados são importantes para o desenvolvimento de marcadores genéticos de doenças e principalmente para relacionar as variantes genéticas ao fenótipo dos indivíduos. 7.1.4 Origem das mutações As mutações podem ocorrer em células da linhagem germinativa e em células somáticas. Quando a mutação ocorre nas células da linhagem germinativa, ela pode ser transmitida para a prole. Portanto, cada célula do embrião carregará a mutação. Em contrapartida, quando ela ocorre em uma célula somática, não há transmissão para a prole, mas a mutação pode ocorrer em qualquer local do corpo humano e pode ser transmitida às células-filhas através do processo de mitose. Estima-se que entre 10 mil e 1 milhão de nucleotídeos sejam danificados por célula humana por dia devido a diversos fatores tais como: influências ambientais, exposição a determinados reagentes químicos, mutações espontâneas e erros durante a replicação que levem a alterações no DNA. Um dos principais fatores ambientais que causam mutações no DNA é a exposição a luz ultravioleta. Um exemplo é a hidrolise da base citosina para sua forma hidratada, o que leva ao pareamento incorreto com a adenina. Dessa forma, durante a replicação, a citosina hidrolisada será substituída por timina. Essa substituição em genes está altamente associada a carcinomas. A luz ultravioleta também pode levar à formação de pontes covalentes entre bases pirimidinas adjacentes na fita do DNA, resultando na formação de dímeros de pirimidina. Normalmente existe um mecanismo de reparo que corrige essas mutações, no entanto quando esse sistema não funciona, esses dímeros não serão reparados. Lembrete Os agentes químicos, principalmente os que liberam radicais livres, podem modificar nucleotídeos, alterando o pareamento das bases nitrogenadas. Um exemplo é o benzo[a]pireno que é um carcinogênico presente no cigarro. Esse composto é capaz de induzir lesões na base guanina no gene supressor de tumor P53, consequentemente, a célula perde um importante mecanismo de reparo e esse tipo de mutação está altamente correlacionada ao câncer de pulmão. As mutações espontâneas, como o próprio nome já diz, ocorrem espontaneamente. Por exemplo, a despurinação, no qual uma base purina sofre hidrolise e isso, se não corrigido, pode levar à incorporação incorreta de base nitrogenada, causando a mutação. A desaminação também é um outro exemplo de mutação espontânea. A desaminação é a remoção de um grupo amina da base, se ocorre a desaminação da citosina, ela é convertida em uracila, que irá parear com a adenina em vez da guanina na próxima replicação, levando a uma substituição de base. O mecanismo de reparo do DNA pode reconhecer uma uracila como não pertencente ao DNA e irá ocorrer o reparo normalmente. No entanto, se a citosina estiver metilada, a desaminação resultará na conversão para timina. A timina, por ser uma base natural do DNA, não será reconhecida pelo sistema de reparo. Mais de 30% das substituições de nucleotídeos únicos ocorrem por esse mecanismo. 187 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA Lembrete O processo de replicação do DNA é altamente fidedigno, a maior parte dos erros é rapidamente removida do DNA e corrigida pelo mecanismo de reparo celular. A taxa de mutação total por base é menor que 1x10-10 por divisão celular, ou seja, menor que uma mutação por genoma, por divisão celular. Um exemplo de mutação que pode ocorrer durante a replicação do DNA é a expansão dos TNRs, como mencionado anteriormente. Quadro 13 – Exemplos de mutações e doenças genéticas Mutação Definição Exemplo (Gene) Doença/condição Mutação pontual Alteração de um par de base A>G, A>T Missense (Não sinônima) Alteração de umnucleotídeo que resulta em um códon que codifica um aminoácido diferente A82P (HSD3B2) Deficiência 3βHSD Nonsense Substituição de um nucleotídeo que resulta em um códon de terminação prematuro G23X (HBB) Talassemia beta Sinônima Alteração de um nucleotídeo que resulta em um aminoácido com propriedades similares ao substituído V1531(GJB2) Perda auditiva Alteração de matriz de leitura Deleção, inserção ou duplicação de um nucleotídeo não divisível por 3 alterando a matriz de leitura 920dupTCAG (LDLR) Hipercolesterolemia familiar CNVs Variações no número de cópias de maiores fragmentos do genoma (CGG)n>200 (FMR1) Síndrome do X frágil Adaptado de: Mahdieh et al. (2013). Existem também alguns elementos móveis no genoma, que se movem pelo DNA e são importantes pois originam as sequências repetitivas no nosso genoma e também são um importante mecanismo de resistência em bactérias, são eles: • Transposons: elementos transponíveis presentes no genoma que têm a capacidade de mudar de posição ao longo do cromossomo. Os transposons podem inserir cópias de si mesmos em outra região do genoma ou se deslocarem no genoma inserindo-se em outra posição. Muitos transposons são compostos por genes e a grande maioria estão presentes em bactérias. Alguns transposons de eucariotos estão presentes em Drosophila (elemento P) e milho (elementos Ac e Ds). • Retrotransposons: esses elementos são identificados no genoma pois são ladeados por sequências terminais repetidas (LTRs, do inglês long-terminal repeat), semelhante às encontradas nos retrovírus. Eles se mobilizam por retrotransposição, ou seja, são capazes de codificar uma 188 Unidade III transcriptase reversa que permite a replicação desses elementos. Os retrotransposons foram encontrados no genoma de diversos organismos e em maior quantidade em Drosophilas. • Lines (do inglês long intersperced elements): os lines também se movem por retrotransposição, mas não possuem LTRs e não codificam transcriptase reversa, mas sim enzimas de alta homologia que têm a mesma função. No homem e no camundongo, o elemento line mais comum é o L1. No genoma humano temos 850 mil cópias de L1 e acredita-se que ele seja responsável por mutações que causaram doenças genéticas. • Sines (do inglês short intersperced elements): os sines são semelhantes aos lines, mas são sequências menores. Um exemplo são as sequências Alu, que estão presentes de 500 mil a 1 milhão de cópias no genoma humano. Há casos de doenças hereditárias que ocorreram devido à inserção dessas sequências em genes funcionais. Parece que a multiplicação dos sines foi recente. Juntos, lines e sines, representam 40% do genoma humano. 7.1.5 Polimorfismos moleculares e doenças A maior parte das sequências variantes presentes na população são inofensivas e muitas vezes não tem efeito no fenótipo. Algumas variantes levam a alteração do fenótipo, mas isso faz parte da variação normal de indivíduo para indivíduo. No entanto, certas variantes estão relacionadas a doenças ou à susceptibilidade a desenvolver doenças. A anemia falciforme é uma doença causada por uma mutação missense que leva à substituição de um aminoácido polar por um apolar na molécula de globina presente na hemoglobina. Essa alteração leva à agregação da proteína e alteração da morfologia das hemácias. Algumas variantes levam a alterações de matriz de leitura, isso normalmente ocorre quando há deleção ou adição de nucleotídeos não múltiplos de 3. Um exemplo é o que ocorre no gene GJB2, que codifica a proteína conexina 26, um importante componente das junções comunicantes. A adição de apenas um nucleotídeo forma um códon de terminação prematuro no gene. Essa é a mutação mais frequente na surdez autossômica recessiva na maior parte da população europeia. éxon 1 Normal L L C T G G G G G G T G T G A A C C T G G G G G T G T G A G G G V V Terminação N Mutante éxon 2 Figura 103 – Exemplo de alteração de matriz de leitura. A deleção de um nucleotídeo no gene GJB2 leva à alteração da matriz de leitura, formando um códon prematuro no éxon 2 189 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA Saiba mais Para ter mais informações sobre mutações e doenças genéticas, leia: NUSSBAUM, R. et al. Livro de genética médica. 8. ed. São Paulo: Elsevier, 2016. 7.2 Técnicas de detecção de mutações gênicas Anteriormente, estudamos os principais tipos de mutações encontrados no nosso genoma. Agora vamos estudar as diversas técnicas utilizadas na detecção dessas mutações. É muito importante a identificação dessas mutações, pois muitas delas são responsáveis por doenças genéticas. Além disso, essas técnicas são muito úteis na identificação de vítimas, testes de paternidades e demais ensaios forenses. Estes últimos serão abordados com mais detalhes adiante. Os métodos podem ser divididos em citogenéticos e moleculares. Os métodos citogenéticos estudam as alterações estruturais e numéricas dos cromossomos. Já os métodos moleculares são capazes de identificar alterações menores e muitas vezes pontuais que não conseguem ser detectadas pelos métodos citogenéticos. Estudaremos agora os seguintes métodos citogenéticos: cariótipo, hibridização in situ por fluorescência (Fish, do inglês fluorescence in situ hybridization) e hibridização genômica comparativa (CGH, do inglês comparative genomic hybridization). Também serão abordados os métodos moleculares: polimorfismo de comprimento de fragmentos de restrição (RFLPs, do inglês restriction fragment length polymorphisms), reação em cadeia da polimerase (PCR, do inglês polymerase chain reaction) e suas variantes e sequenciamento de DNA. 7.2.1 Cariótipo Cariótipo é o processo de parear e ordenar os cromossomos de um organismo. A preparação do cariótipo envolve o uso de corantes específicos que auxiliam na identificação dos cromossomos. A coloração considerada atualmente como padrão ouro para detecção e caracterização de anormalidades genômicas estruturais e numéricas é o bandeamento Giemsa (bandeamento G). A figura seguinte mostra um exemplo de cariótipo humano realizado por bandeamento G. 190 Unidade III 22 X Y212019 13 14 15 16 17 18 1211109876 1 2 3 4 5 Figura 104 – Exemplo de cariótipo humano por bandeamento G O cariótipo normal de mulheres e homens são 46, XX e 46, XY, respectivamente. Quando ocorre uma anormalidade, o cariótipo também descreve o tipo de anormalidade e as bandas do cromossomo ou sub-bandas afetadas. O exame de cariótipo é aconselhado nas seguintes ocasiões: suspeita de anormalidade cromossômica, desordens sexuais, anormalidades congênitas múltiplas e/ou envolvendo retardo mental, deficiência de aprendizado não diagnosticado, infertilidade ou abortos de repetição e tumores. O preparo do cariótipo envolve uma série de etapas: • Escolha da célula: como os cromossomos só são visíveis em células que estão em divisão, é necessário recorrer a tecidos que têm naturalmente muitas células em divisão (como o da medula óssea) ou induzir as células a se dividirem. O reagente fito-hemaglutinina é utilizado para induzir a divisão dos linfócitos do sangue periférico. • Parar as células na metáfase: nessa etapa os cromossomos são mais distinguíveis porque ficam grossos e curtos; portanto, é preciso acumular células em metáfase para o estudo. Por isso, se usa o reagente colchicina (1 h). • Separação dos cromossomos: a técnica deve fazer com que os cromossomos fiquem bem separados uns dos outros, para uma boa identificação. Por isso, é utilizada uma solução hipotônica, normalmente cloreto de potássio que “libera” os cromossomos. • Coloração: o material é fixado, depositado sobre uma lâmina de vidro e corado com corante de Giemsa. 191 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA Observação A conchicina é um alcaloide extraído de plantas do gênero Colchicum (autumn crocus) que impede a polimerização das fibras do fuso por meio da ligação com a proteína tubulina. Dessa forma, impede a anáfasee as células ficam paradas em metáfase (LEUNG; YAO HUI; KRAUS, 2015). Após a coloração, os cromossomos podem ser fotografados ou digitalizados e organizados por tamanho e posição do centrômero. Quando o centrômero é localizado no meio, o cromossomo é denominado metacêntrico (1, 3, 16, 19 e 20). Quando o centrômero é localizado próximo às extremidades, acrocêntrico (13, 14, 15, 21, 22 e Y) e todos os outros são submetacêntricos. Um outro tipo de cromossomo, o telocêntrico, com o centrômero numa extremidade e apenas um único braço, não ocorre no cariótipo humano normal, mas pode ser observado em rearranjos cromossômicos. Os braços dos cromossomos são definidos por números de regiões distantes do centrômero, números de banda, sub-banda e sub-sub-banda. Por exemplo: 12q13.12 se refere ao cromossomo 12, braço longo, região 1, banda 3, sub-banda 1, sub-sub-banda 2. Diversas doenças podem ser diagnosticadas com o auxílio do cariótipo, por exemplo, a síndrome de Down, que é causada pela trissomia do cromossomo 21, a síndrome de Turner, que é causada pela monossomia do cromossomo X. 7.2.2 Hibridização in situ por fluorescência (Fish) O método Fish consiste na hibridização de uma sonda marcada no cromossomo denaturado, na fase de metáfase ou intérfase, previamente fixado em uma lâmina. A sonda pode ser marcada com um fluoróforo que se anelará a uma sequência específica de DNA, permitindo ser visualizado em microscópio de fluorescência. Com esse método é possível utilizar diferentes fluoróforos e, consequentemente, marcar diversas sequências diferentes do DNA. O método de Fish é utilizado para detectar a presença ou ausência de uma determinada sequência do DNA ou para marcar sequências repetidas. Em geral, a técnica de Fish tem uma maior resolução e especificidade quando comparada a análise por bandeamento G, mas ela não permite uma análise eficiente do genoma inteiro. A sua utilização permite a análise de um alvo específico conhecido, mas não a procura de sequências desconhecidas. Essa técnica é muito utilizada para verificar as causas de trissomias, microdeleções, entre outras alterações. A figura seguinte mostra um exemplo do emprego da técnica de Fish para diagnóstico da leucemia linfoblástica aguda (LLA). 192 Unidade III Célula de paciente com LLACélula normal ABL (9q34) BCR (22q11) BCR-ABL Figura 105 – Exemplo do uso da técnica de Fish para diagnóstico de LLA. A foto da esquerda representa uma célula normal marcada com uma sonda vermelha para o gene ABL (9q34) e BCR verde (22q11), a foto da direita, os genes ABL e BCR marcados em vermelho e verde, respectivamente, e a fusão dos genes BCR-ABL, em amarelo Saiba mais Você sabe o que é LLA? A LLA é o segundo mais frequente tipo de leucemia em adultos. Para saber mais leia: TERWILLIGER, et al. Acute lymphoblastic leukemia: a comprehensive review and 2017 update. Blood Cancer J., v. 7, n. 6, 2017. 7.2.3 Hibridização genômica comparativa (CGH) A técnica de hibridização genômica comparativa (CGH, do inglês comparative genomic hybridization) é baseada na comparação do DNA genômico total, por exemplo de uma célula tumoral, com o DNA genômico de uma célula normal. Normalmente, uma quantidade idêntica de DNA do tumor e da célula normal são marcados com dois fluoróforos diferentes que marcam todo o genoma. A mistura é colocada em uma lâmina e a razão dos sinais das duas cores é comparada ao longo de cada cromossomo para identificar as diferenças entre eles. Uma variante do CGH são os arranjos de CGH, nessa técnica, utiliza-se um suporte sólido (microarranjo), contendo sequências de DNA que foram previamente ordenadas em mapas lineares correspondendo a cada cromossomo. Assim como no CGH convencional, a amostra investigada é marcada com um fluoróforo e o DNA controle com um, diferente. As duas amostras são simultaneamente hibridizadas no microarranjo. Posteriormente é calculada a razão entre a amostra investigada em relação ao controle. Um excesso de sequências de DNA em uma amostra ou de outra indica uma super ou sub-representação dessas sequências no genoma da investigada em relação ao controle. 193 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA Microarranjos com fragmentos de DNA DNA Investigado DNA Controle Super-representação Sem alteração Sub-representação Figura 106 – Exemplo de microarranjos de CGH É importante ressaltar duas limitações dessa técnica. A primeira é que apenas o número de cópias de DNA relativo à amostra controle é mensurado. A segunda, é de que nem sempre essas variações têm um significado clínico importante, a maior parte parece ser uma variação benigna. 7.2.4 Polymerase chain reaction (PCR) e suas variantes Para realização de uma reação de PCR, é necessário um par de oligonucleotídeos iniciadores (do inglês primers), cujas sequências devem ser complementares às regiões terminais da sequência a ser amplificada. A enzima Taq polimerase (derivada de uma bactéria que vive a 90 °C) é utilizada na reação para que as bases nitrogenadas sejam adicionadas e a sequência de DNA seja amplificada. Durante a reação, a dupla fita de DNA deve ser aquecida a 95 °C e posteriormente resfriada para que ocorra o anelamento dos primers com a sequência e em seguida ocorra a amplificação pela Taq polimerase. Basicamente a reação ocorre em três etapas: • Denaturação da dupla fita: aquecimento do DNA a 95 °C para que ocorra a separação das fitas que constituem a molécula de DNA. • Anelamento dos primers: normalmente esta etapa ocorre em torno de 50 °C para que os primers possam se anelar com a sequência de DNA complementar na dupla fita, delimitando, assim, a região que será amplificada. Portanto, todas as fitas de DNA sintetizadas durante a PCR têm a sequência dos primers nas extremidades. • Extensão/polimerização: normalmente a extensão ocorre por volta de 72 °C e nessa etapa ocorre a ação da Taq polimerase que adicionará as bases livres, complementares a sequência que está sendo amplificada. Esse alongamento ocorre no sentido 5’→3’. 194 Unidade III Lembrete A PCR foi descoberta em 1983 por Kary Mullis. A técnica é baseada na amplificação de diversas cópias de uma sequência específica de DNA, por exemplo, a de um determinado gene. O conjunto das etapas de desnaturação, anelamento e extensão é chamado de ciclo. Este se repete, normalmente, de 35 a 45 vezes, levando à amplificação exponencial da região alvo. Muitas variantes dessa reação foram desenvolvidas, entre elas, as principais são a PCR pela transcriptase reversa (RT-PCR, do inglês reverse transcription PCR) e a PCR em tempo real ou qPCR (do inglês quantitative PCR). As reações de PCR são realizadas em equipamentos chamados termocicladores. Figura 107 – Exemplo de termociclador Observação Outras enzimas também podem ser utilizadas na reação de PCR, alguns exemplos são a Vent polimerase e Pfu polimerase. Essas enzimas são interessantes, pois o produto amplificado possui extremidades cegas, diferentemente da Taq que adiciona uma adenina extra no terminal 3’. A RT-PCR é uma técnica que usa como molde o RNA, ao invés do DNA, como na PCR convencional. Para que a reação ocorra, é necessário utilizar uma enzima que funcione como DNA-polimerase, mas que use como molde o RNA. Essa enzima é denominada transcriptase reversa e ela é capaz de sintetizar uma fita de DNA complementar (cDNA, do inglês complementary DNA) a partir do RNA. Inicialmente é necessário realizar 195 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA a extração das moléculas de RNA mensageiro (RNAm) das células ou do tecido alvo. É importante que não existam traços de DNA na amostra. Os RNAs possuem uma cauda de poli A (sequências repetidas de adenina) e, por isso, é possível utilizar um primer denominado Oligo dT (formado por uma sequência de timinas) que se anela à cauda de poli A. A partir desse ponto a transcriptase reversa inicia o processo de síntese do cDNA. Uma vez sintetizado o cDNA, a reação poderá seguir como naPCR convencional. A) 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 5’ 5’ 5’3’ 5’ 5’ dNTPs B) C) D) E) F) G) A A A A A T T T T T A A A A A T T T T T A A A A A T T T T T A A A A A T T T T T A A A A A T T T T T A A A A A T T T T T T T T T T T T T A A A A A A A A A A A A A A A A A A A A A A U U U U U U U U U U U U U U U G G G G G G G G G G G G G G G G G G G G G G G G G G G C C C C C C C C C T T TT T AA A A A GGG G GG CC C CC C T T TT T AA A A A GGG G GG CC C CC C C C C C C C C C C C C C C C C C C C Transcriptase Reversa Transcriptase Reversa Transcriptase Reversa Figura 108 – Exemplo de reação de RT-PCR. A reação se inicia com a amplificação de um molde de RNA (A). Para que a reação se inicie, é necessária a ligação do oligo dT (B) que funciona como primer para que a transcriptase reversa possa adicionar os nucleotídeos (C). A reação prossegue (D) com a formação do cDNA (F) que será utilizado como molde para amplificação por PCR convencional (G). dNTPs: desoxirribonucleotídeos fosfatados 196 Unidade III A grande vantagem da RT-PCR é que ela torna possível a análise da expressão gênica, pois usa como molde o RNA. Embora a reação não possa ser considerada quantitativa, é possível avaliar se o gene é muito ou pouco expresso em determinadas células/tecidos ou se um dado tratamento farmacológico pode alterar a expressão do gene. A figura seguinte mostra a foto de um gel de agarose, após a corrida por eletroforese. É possível identificar os diferentes níveis de expressão gênica de acordo com o tipo de tecido estudado. M 100pb 100pb A B C D E F Figura 109 – Exemplo de análise da expressão do gene Idua por RT-PCR. A figura representa a corrida da eletroforese do produto da RT-PCR. O gel de cima representa a expressão do gene Idua em diferentes tecidos e a foto de baixo representa a expressão do gene controle Gapdh. Controle negativo sem cDNA (A), coração (B), músculo esquelético (C), rim (D), baço (E) de camundongos normais, baço de camundongo nocaute para o gene IDUA (F) Saiba mais Camundongos nocautes são animais em que um ou mais genes foram desligados. Esses modelos são muito utilizados para doenças genéticas, como, por exemplo, o caso da doença mucopolissacaridose do tipo I (MPSI), doença de acúmulo lisossomal que ocorre devido a mutações no gene IDUA (alfa L Iduronidase). Para saber mais sobre a doença MPSI e os modelos nocautes, leia: GENETICS HOME REFERENCE. Mucopolysaccharidosis type I. 2012. Disponível em: https://ghr.nlm.nih.gov/condition/mucopolysaccharidosis- type-i. Acesso em: 28 abr. 2020. KNOCKOUT Mouse Models. Genoway, [s.d.]. Disponível em: https://www. genoway.com/services/customized-mouse/knockout-models/overview. htm. Acesso em: 28 abr. 2020. Uma outra variante da PCR é a PCR em tempo real, também conhecida por qPCR (do inglês quantitative PCR). Essa técnica permite realizar uma série de análises tais como: avaliação quantitativa da expressão gênica, avaliação do número de cópias de um gene, genotipagem, entre outras. A primeira etapa da qPCR é semelhante à RT-PCR, em ambas é realizada a extração do RNA que segue para a transcrição reversa, no entanto, na qPCR é adicionado um marcador fluorescente que é capaz de emitir fluorescência à medida que as duplas fitas de DNA estão sendo formadas. A medida da fluorescência é utilizada para avaliar em tempo real o progresso da reação e essa medida é proporcional a quantidade de RNAm presente na amostra. Portanto, é possível verificar a superexpressão ou subexpressão de determinados genes. No caso de células tumorais, é possível verificar quais genes estão super ou subexpressos em relação à célula normal. 197 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA A qPCR é muito utilizada na área de diagnósticos moleculares. Alguns exemplos são a quantificação da carga viral em pacientes portadores de determinados vírus, detecção de patógenos, diagnóstico de doenças genéticas, identificação de mutações e pré-disposição genética para determinadas doenças, entre outras (ALBERTS, 2017). Observação A PCR em tempo real é utilizada no monitoramento da evolução da síndrome de imunodeficiência humana (Aids), causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). A quantificação do RNA do HIV-1 (carga viral) é considerada o marcador laboratorial de escolha para o acompanhamento da resposta do paciente à terapia antirretroviral. Essa metodologia apresenta limite mínimo de detecção de 40 cópias/mL. Esse exame é realizado pelo setor de biologia molecular em laboratórios de análises clínicas. Os principais tipos de reagentes empregados em qPCR são: • SYBR Green: é um marcador intercalante de DNA, ele se liga na dupla fita da molécula de DNA e emite um sinal fluorescente. A excitação máxima do SYBR Green é 494 e 521 nm. A intensidade do sinal aumenta proporcionalmente ao número de ciclos da reação, devido ao acúmulo do produto da PCR. Para a reação ocorrer, são necessários primers específicos, o reagente SYBR Green que normalmente é vendido na forma de master mix (mistura de SYBR Green e dNTPs) e um equipamento capaz de realizar a leitura da fluorescência. SYBR Green Anelamento Polimerização 5’ 5’ 3’ 3’ 3’ 5’ Figura 110 – Exemplo de reação de PCR em tempo real com o reagente SYBR Green 198 Unidade III • Sondas TaqMan: as sondas TaqMan são sequências específicas de oligonucleotídeos que carregam um fluoróforo, também chamado de repórter, no terminal 5’, e um quencher (absorve a fluorescência emitida pelo fluoróforo) no 3’. Durante a fase de anelamento/extensão, a sonda é clivada pela Taq polimerase que tem atividade éxonuclease 5’-3’, separando o fluoróforo do quencher. A fluorescência que passa a ser detectada é proporcional à quantidade de produto da PCR. 5’ 5’ 5’ 3’ 3’ 3’ 5’ 5’ 5’ 3’ 3’ 3’ Primer senso Primer reverso R = Repórter Q = QuencherPolimerização Clivagem Polimerização completa Sonda 3’ 3’ 3’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ R Q Q Q R R Figura 111 – Exemplo de reação de PCR em tempo real com sonda TaqMan Saiba mais A PCR em tempo real com sondas é muito utilizada na detecção de SNPs e genotipagem, nesse caso, para cada SNP é desenhada uma sonda específica com um determinado fluoróforo e o equipamento é capaz de realizar a leitura dos fluoróforos e posterior análise dos dados. Para saber mais, leia: SUKHUMSIRICHART, W. Polymorphisms. In: LIU, Y. Genetic diversity and disease susceptibility. London: IntechOpen, 2018. 199 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA 7.2.5 Restriction fragment length polymorphism (RFLP) O método polimorfismo de comprimento de fragmentos de restrição (RFLPs, do inglês restriction fragment length polymorphisms) é baseado na capacidade de determinadas enzimas em clivarem uma sequência específica de DNA. As diferenças entre os alelos podem ser observadas quando os SNPs fazem parte da sequência reconhecida pela enzima. Para a genotipagem de SNPs, é necessária a amplificação da sequência que contém o SNP por PCR. O produto dessa reação é incubado com a enzima de restrição e separado por eletroforese em gel de agarose. A genotipagem dos SNPs é determinada através do tamanho dos fragmentos obtidos após a eletroforese. Uma limitação dessa técnica é que nem todos os SNPs são reconhecidos por sequências de enzimas. C C A G G G G T C C C C A G G G G T C C C C A G G G G T C C C C A C G G G T G C C C A C G G G T G C C C A C G G G T G C Mval CCM 100 pb - 71 pb 50 pb - 32/39 pb GG GC Figura 112 – Exemplo de RFLP e separação por eletroforese em gel de agarose. A enzima MvaI reconhece a sequência de DNA CCWGG, o W representa os nucleotídeos A ou T. A troca de G>C faz com que a enzima não reconheça mais o sítio de restrição e após a eletroforese é possívelobservar o tamanho dos fragmentos obtidos. No indivíduo com genótipo CC será observado um fragmento de 71 pb, referente ao produto de PCR amplificado dos dois alelos e não clivado pela enzima de restrição. No indivíduo GG será observado um fragmento referente à sobreposição dos produtos da clivagem pela enzima, um de 32 pb e outro de 39 pb. No heterozigoto GC serão observados dois fragmentos, um de 71 pb referente ao alelo que não possui o sitio de restrição da enzima e outro fragmento referente ao outro alelo que possui o sitio de restrição da enzima 7.2.6 Sequenciamento de DNA Dois tipos de sequenciamento são muito utilizados para determinação de mutações gênicas, são eles o sequenciamento de Sanger e o sequenciamento de última geração (NGS, do inglês next generation sequencing). O sequenciamento de Sanger (nome do cientista que desenvolveu a metodologia) utiliza os didesoxirribonucleosídeos trifosfato (ddNTPs) que são derivados dos desoxirribonucleosídeos trifosfatos (dNTPs), porém sem o grupo 3’hidroxila e com a adição de um marcador fluorescente. Para reação 200 Unidade III ocorrer, utiliza-se uma DNA polimerase, primers, ddNTPs e dNTPs. Quando a DNA polimerase adiciona o ddNTP, a polimerização do DNA é interrompida, gerando diversos fragmentos de diferentes tamanhos. Os fragmentos são aplicados em um capilar fino e longo e são separados por eletroforese. Uma câmara faz a leitura da fluorescência e transmite a informação para um programa no computador que monta a sequência. O método de Sanger permitiu um grande avanço na área de sequenciamento de DNA, sendo crucial para o desenvolvimento do projeto internacional do genoma humano. Esse projeto permitiu o sequenciamento de genomas humanos e de muitos outros organismos. Primer DNA Polimerização Laser Câmara Cromatográfo Capilar 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 5’ ddNTPs ddTTP ddCTP ddATP ddGTP Figura 113 – Exemplo de sequenciamento de DNA por Sanger Saiba mais O Projeto Genoma iniciou em 1990 e teve como objetivo determinar a sequência de DNA do genoma humano. Saiba mais sobre esse ambicioso projeto no artigo: CHIAL, H. DNA sequencing technologies key to the Human Genome Project. Nature Education, v. 1, n. 1, p. 219, 2008. Métodos mais novos que começaram a ser desenvolvidos a partir de 2005 permitiram que o sequenciamento dos genomas ficasse mais rápido e barato. Esses métodos são chamados de NGS e permitem o sequenciamento de diversos genomas em paralelo, em algumas semanas. O NGS permitiu o descobrimento das mais diversas variações nas sequências dos nucleotídeos e permitiu que novas mutações fossem reveladas. Diferentes métodos de NGS são utilizados atualmente, como por exemplo 201 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA o sequenciamento Illumina e Íon Torrent. O sequenciamento por NGS é uma maneira mais eficiente de identificar mutações raras. 7.3 Testes de paternidade e forense Agora que você já aprendeu sobre os diversos tipos de variações gênicas e as diferentes técnicas para identificação de mutações gênicas podemos prosseguir com o uso do DNA nos testes de paternidade e forense. 7.3.1 A impressão digital de DNA A palavra forense está relacionada a testes científicos usados pela polícia na tentativa de solucionar crimes. Dessa forma, podemos interpretar que DNA forense seria o uso do DNA na investigação criminal. A característica do DNA que permite diferenciar os indivíduos, relacionados ou não, a partir de uma amostra qualquer que contenha material genético, é conhecida como impressão digital de DNA, ou do inglês DNA fingerprint. O primeiro relato de identificação criminal por meio do exame de DNA ocorreu em 1985, na Inglaterra. O Dr. Alec Jeffreys, um geneticista da Universidade de Leicester, na Grã-Bretanha, usou a técnica de RFLP para identificar o suspeito de dois assassinatos. Desde então, o DNA passou a ser um dos principais exames solicitados para identificação de vítimas, suspeitos de crimes e testes de paternidade. O uso do DNA só é possível devido à variabilidade genética de cada indivíduo. Os indivíduos mais próximos apresentam maior similaridade na sua sequência de DNA, enquanto indivíduos mais distantes possuem sequências mais distintas. Somente os gêmeos idênticos apresentam a mesma sequência de DNA. As regiões do DNA utilizadas nas análises de DNA forense são os microssatélites ou STR (do inglês short tandem repeats). Os STRs se localizam em um loci que é comum nos seres humanos, porém a sequência de nucleotídeos e o número de vezes que se repetem é variável o suficiente para ser única em cada indivíduo. É assim que se forma a impressão de DNA digital do nosso código genético e essa impressão é herdada dos pais e, por isso, também é possível realizar a identificação de parentesco. Na década de 1990, os minissatélites ou VNTRs eram muito utilizados para impressão digital de DNA, mas a grande limitação desse marcador era a necessidade de se obter uma grande quantidade de amostras de DNA da cena do crime, pois a técnica utilizada era a de Southern blotting, além disso o padrão de bandas era de difícil interpretação devido ao problema de binning. Esse problema ocorria quando não era possível dizer quais pares de bandas representavam os alelos. Dessa forma, era necessário comparar duas impressões digitais de DNA em cada banda, individualmente, por posição e intensidade. A distância no gel tinha que ser dividida pelo número de bins. As bandas que apresentavam o mesmo bin eram denominadas correspondentes. Por exemplo, se dez de dez bandas forem correspondentes, a chance de a amostra ser do suspeito, em vez de uma pessoa aleatória da população, é 1 em p10, sendo p é a chance da banda de uma pessoa aleatória ser correspondente. 202 Unidade III Saiba mais Southern blotting é uma técnica que permite a identificação de fragmentos de DNA específicos. Essa técnica se tornou obsoleta frente às novas metodologias de PCR. Para saber mais sobre essa técnica, acesse: AGENOR, D. Southern blotting. UFMG, [s.d.]. Disponível em: http://labs. icb.ufmg.br/lbcd/grupoc/1southBlotg.html. Acesso em: 28 abr. 2020. Por conta desses entraves, os STRs tornaram-se o padrão de escolha para impressão digital de DNA. Eles são facilmente genotipados por PCR, utilizando uma pequena quantidade de material biológico. Os alelos podem ser definidos sem ambiguidade pela precisa repetição numérica, evitando o problema de binning. Painéis padronizados de microssatélites são utilizados em diferentes jurisdições. A tabela seguinte mostra os principais exemplos dos painéis usados pelo CODIS (combined DNA index system), utilizado pelo FBI dos Estados Unidos e SGM+ (second generation multiplex) na Europa. O CODIS utiliza 13 STRs mais amelogenina para determinação do sexo, em contrapartida o SGM+ 10 STRs mais a amelogenina. Novos sistemas que amplificam 16 loci (incluindo a amelogenina) estão disponíveis no mercado, um exemplo é o PowerPlex. Tabela 5 – Painel de microssatélites marcadores utilizados na impressão digital de DNA Marcador Cromossomo Codis (EUA) SGM + (Europa) PowerPlexTM D2S1338 2 + + TPOX 2 + + D3S1358 3 + + + FGA 4 + + + CSF1PO 5 + + D5S818 5 + + D7S820 7 + + D8S1179 8 + + + THO1 11 + + + VWA 12 + + + D13S317 13 + + Penta E 15 + D16S539 16 + + + D18S51 18 + + + D19S433 19 + + D21S11 21 + + +* Amelogenina X, Y + + + + Microssatélites utilizados em cada painel. * também utiliza o Penta D. Adaptada de: Strachan e Read (2011). 203 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA Observação A amelogenina é um gene que codifica uma proteína importante para formação da coroa dentária. Esse gene está presente no cromossomo X e no Y, no entanto a sequência de bases não é exatamente a mesma nos dois cromossomos. O painel PowerPlex16 possui primers que amplificam uma determinada região do gene que tem 6 pb de deleção no cromossomo X e não apresenta deleção no Y. Dessa forma,se o indivíduo for do sexo masculino ele apresenta a amplificação de duas bandas, uma referente a 106 pb do cromossomo X e outra de 112 pb do Y. Se o indivíduo for do sexo feminino, no gel aparecerá somente a banda de 112 pb, facilitando assim a diferenciação do sexo. 7.3.2 A coleta e processamento das amostras A coleta do DNA de uma cena de crime é muito importante e esse material pode ser proveniente de diversos tipos de amostras tais como: sangue, sêmen, secreção, tecidos moles, pelos e anexos dérmicos, urina, saliva etc. No caso da identificação de pessoas mortas podem ser utilizados DNA obtido de ossos ou dentes. Um dos entraves da coleta é a obtenção do material em quantidade e qualidade necessárias para a análise. Normalmente 20 células ou 1-20 ng de DNA é suficiente para a seguir com a análise. No caso de investigação de paternidade, o DNA normalmente é extraído em condições ideais, por isso os riscos de contaminação e degradação são muito baixos. Em contrapartida, as amostras obtidas em cena de crime nem sempre estão em boas condições, problemas como pouca quantidade de material genético, degradação e contaminação são frequentes. A tabela seguinte mostra a quantidade de DNA proveniente de cada amostra de material biológico. Tabela 6 – Quantidade de DNA nas amostras biológicas Amostra Quantidade de DNA Sangue: 20.000-40.000 ng/mL Mancha de 1 cm2 de área Mancha de 1 mm2 de área Cerca de 200 ng Cerca de 2 ng Saliva 1000-10.000 ng/mL Sêmen: 150.000-300.000 ng/mL Esfregaço vaginal pós-coital 0-3000 ng Cabelo: Arrancado Desprendido 1-750 ng/fio 1-12 ng/fio Fonte: Federal Judicial Center (2000, p. 44). 204 Unidade III Observação O DNA forense tem diversas aplicações, tais como: identificação de suspeitos em casos de crimes sexuais, por exemplo, estupro, atentado violento ao pudor, ato libidinoso diverso da conjugação carnal; identificação de cadáveres em decomposição, carbonizados, mutilados, entre outras condições; identificação de cadáveres abandonados; investigação de paternidade; aborto provocado; infanticídio; anulação de registro civil de nascimento. A contaminação é um fator muito importante e que deve ser levado em consideração no momento da coleta. Para evitar a contaminação por contato físico, o coletor deve utilizar máscaras e luvas e as amostras devem ser manipuladas com pinças. É importante ressaltar que os manipuladores devem trocar as luvas sempre que observarem que elas tenham sido contaminadas. Um outro tipo de contaminação se dá pela presença de produtos como corantes, tintas, óleos, terra, entre outros. Esses contaminantes muitas vezes são inevitáveis, pois muitas vezes estão presentes nos locais onde estão as amostras biológicas. A contaminação biológica normalmente resulta da mistura de DNA exógeno com o DNA presente de fato na evidência. Esse tipo de contaminação pode ser evitado por meio da limpeza, com álcool, dos instrumentos da coleta como tesoura, bisturi, pinça entre outros. Além disso, devem ser evitados tosse, espirro ou fala sobre o material da amostra. Saiba mais Você sabia que o a habilitação em genética permite ao biomédico realizar testes moleculares para identificação de paternidade e perfil molecular na perícia criminal. Para um maior conhecimento das habilitações permitidas, leia: CONSELHO REGIONAL DE BIOMEDICINA. Manual do biomédico. 2017. Disponível em: https://crbm1.gov.br/site/wp-content/uploads/2016/04/ Manual-do-Biomedico-Edicao-digital-2017.pdf. Acesso em: 28 abr. 2020. É muito importante fotografar cada vestígio antes de realizar a coleta. Além disso, é muito importante que a amostra seja conservada da maneira correta até a chegada ao laboratório. Os tecidos moles e órgãos devem ser congelados, o sangue líquido em grande quantidade deve ser coletado em tubo estéril com anticoagulante EDTA e deve ser transportado à 4 °C. Caso o sangue esteja em pequena quantidade, deve ser coletado com um swab estéril. Se houver mancha de sangue seco em objetos pequenos, eles devem ser transportados ao laboratório. Os vestígios úmidos devem ser secos à temperatura ambiente. 205 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA 7.3.3 Procedimentos para a análise do DNA Após a coleta da amostra, alguns procedimentos básicos são seguidos independentemente do tipo de amostra a ser analisada. Esses procedimentos são: • Extração do DNA da amostra: primeiramente é realizada a lise das células e solubilização do DNA. Posteriormente, as proteínas e outras macromoléculas são removidas por clivagem enzimática ou química. Na última etapa, o DNA é precipitado. Os reagentes utilizados em cada procedimento dependem do tipo de amostra. O laboratório de criminalística de São Paulo usa extração de DNA pelo iodeto de sódio para sangue bem conservado; fenol-clorofórmio para ossos e dentes ou para manchas de sangue em péssimo estado de conservação; método orgânico para manchas, lâminas e swabs contendo esperma. Nos casos de ossos em péssimo estado de conservação, utiliza-se o DNA-IQ (partículas paramagnéticas que isolam o DNA de inibidores da PCR). • Quantificação do DNA: são empregadas as metodologias de espectrofotometria de absorção no ultravioleta e se houver contaminação por proteínas, fenol, EDTA e outros DNAs, deve-se ser utilizado o método de fluorescência. • Amplificação o DNA pela técnica de PCR: a PCR é o método de escolha dos laboratórios para amplificação do DNA, as etapas dessa reação foram previamente descritas. Os loci de STRs possuem alelos ou fragmentos de DNA de 100 a 300 pb e são os polimorfismos preferidos na análise pericial. Os loci podem ser analisados individualmente ou em grupos por meio de sistemas denominados multiplex que permitem o estudo simultâneo de diversos loci. Diversos painéis de STR estão disponíveis, os mais utilizados são o CODIS, o SGM+ e o PowerPlex. Normalmente, dois painéis multiplex são usados em cada país, caso do Brasil. Também foram desenvolvidos painéis para o cromossomo Y que são muito utilizados no caso de crimes sexuais. Os principais loci analisados são: DYS393, AMELY-sex-test, DYS19, DYS390, DYS391, DYS389I.II, YCAII, DYS385, DYS392. • Realizar a análise comparativa dos perfis genéticos obtidos: após a reação de PCR, os fragmentos amplificados são analisados em gel de poliacrilamida, nesse gel, são adicionados marcadores de posição dos alelos, amostra de DNA conhecida (controle positivo). É realizada a eletroforese das amostras e os fragmentos menores percorrem a maior distância no gel. Após a corrida, a identificação dos fragmentos pode ser realizada através da coloração do gel em prata ou pelo método da fluorescência. Isso depende dos reagentes que foram utilizados durante a amplificação. O uso da florescência permite a identificação dos fragmentos por analisadores automáticos à laser. Quando o gel é revelado pela prata, são observadas bandas referentes aos alelos identificados. Em contrapartida, na fluorescência analisada por métodos automatizados, os alelos são representados por bandas ou picos de fluorescência. • Análise dos dados: a análise do padrão das bandas pode levar à conclusão de que duas amostras de DNA apresentam perfis diferentes, dessa forma são de pessoas diferentes. Mas se os padrões das bandas combinarem, duas possibilidades podem acontecer, ou as amostras são provenientes 206 Unidade III de gêmeos idênticos ou são de pessoas diferentes com o mesmo padrão de DNA nos loci. A grande pergunta é: qual a chance de isso ocorrer? Para responder a essa pergunta, é necessária a realização de uma série de análises e cálculos matemáticos que fogem deste conteúdo. Mas é sempre bom reiterar que o DNA por si só não é uma prova cabal, ele deve vir associado a outras evidências coletadas durante a investigação. • Laudo: é o documento apresentado por escrito onde se dispõe a atividade desenvolvida pelo perito. Nesse documento, o perito apresentará o resultado dos exames, pesquisas, investigações e diligências.É muito importante que os laboratórios responsáveis pela análise forense do DNA estabeleçam procedimentos que certifiquem a validade dos dados apresentados. Observação Em casos de crimes sexuais, muitas vezes os espermatozoides podem estar contaminados com células epiteliais da vítima. Dessa forma deve ser realizada a separação do material masculino e feminino através de um procedimento chamado lise diferencial. Nessa técnica, são empregados dois detergentes fracos para liberar o DNA das células epiteliais e dois detergentes fortes para liberar o DNA dos espermatozoides. Uma vez que as frações estejam isoladas, prossegue-se com a extração do DNA. 7.3.4 Identificação de restos humanos Caso o cadáver não apresente grau de putrefação generalizada, podem ser retiradas amostras de sangue das cavidades cardíacas, mechas de cabelos, músculo. No entanto, se há putrefação generalizada, devem ser retiradas amostras ósseas e dentárias. A identificação de restos mortais é muito importante nos casos de acidentes em massa, restos mortais de pessoas que passaram por situações de combates, como guerras. Nesses casos é muito importante coletar o DNA dos parentes das vítimas para auxiliar na identificação, quando esta não pode ser determinada de maneira convencional (aparência física, digitais dermatológicas, arcada dentária). A ordem de preferência é coletar amostras de ossos longos como fêmur e tíbia, mas caso não seja possível, outros ossos podem ser coletados. Os dentes são um importante material em casos forenses, pois eles são mais resistentes à degradação pós-morte ou por efeito do clima. Os dentes armazenam muito DNA e são facilmente transportados. Muitas vezes quando os outros ossos não estão disponíveis, eles podem ser utilizados para identificação das vítimas (TRENT, 2005). 207 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA Saiba mais Um artigo científico brasileiro mostrou a análise de STRs em ossos expostos ao clima tropical brasileiro. Para saber mais sobre esse artigo leia: SOLER, M. P. et al. STR analysis in bones exposed to Brazilian tropical climate. Forensic Science International, v. 3, n. 1, p. e550-e551, 2011. 7.3.5 Investigação de paternidade O teste de impressão de DNA digital desenvolvido por Jeffreys, em 1984, ficou disponível para teste de paternidade em 1988. Antes disso, a tipagem sanguínea era utilizada como forma de identificar a paternidade, no entanto, os grupos sanguíneos ABO possuíam múltiplos alelos e antígenos e essa metodologia era eficiente na identificação de somente 40% dos casos. Atualmente, o método de escolha é baseado na amplificação dos microssatélites, assim como para identificação de vítimas. No caso da paternidade, dois cenários podem ser observados: 1) caso clássico de mãe, criança e pai e 2) casos mais complexos sem mãe, por exemplo, criança e possível pai. No teste de paternidade, os STRs apresentam alta sensibilidade (poucos falsos negativos), mas baixa especificidade (falso positivos podem ocorrer, pois pessoas não relacionadas podem apresentar os mesmos alelos). No caso clássico, as chances de isso ocorrer é reduzida com o uso de um maior número de STRs ou outros polimorfismos. Porém, nos casos mais complexos, não é possível saber quais alelos da criança vieram da mãe. Portanto, são necessários o uso de alguns programas estatísticos. A figura a seguir mostra um exemplo do caso clássico de teste de paternidade. É possível observar que a criança compartilha três alelos da mãe e quatro com o pai 1. Os pais 2 e 3 foram excluídos, pois compartilham somente dois alelos com a criança. Esse exemplo também mostra a necessidade de investigação de diversos STRs. Pais M C 1 2 3 Figura 114 – Exemplo de caso clássico de teste de paternidade. M significa mãe, e C, criança 208 Unidade III Observação O DNA forense pode ser empregado nas autópsias para auxiliar a identificar a causa da morte. Um exemplo é o caso de uma mulher de 44 anos, com distúrbios psiquiátricos, encontrada morta na banheira. Embora a causa da morte na autópsia fosse afogamento, não estava muito claro se tratava-se ou não de suicídio. O teste de DNA procurou mutações associadas a ataque cardíaco, e as análises mostraram que ela tinha uma mutação que causava a síndrome do prolongamento do QT (ondas que aparecem no eletrocardiograma). Por isso, o afogamento ocorreu devido a uma arritmia, portanto o caso não era de suicídio (TRENT, 2005). 7.4 Avaliação da combinação de tecidos para transplantes O primeiro transplante de órgãos bem-sucedido foi realizado em 1953 e, desde então, o número de transplante cresceu exponencialmente. De acordo com a Associação Brasileira de Transplantes de órgãos, no ano de 2019 (janeiro-setembro) foram realizados 6.722 transplantes de órgãos, 10.995 transplantes de tecidos e 2.575 transplantes de medula óssea. O transplante renal lidera a lista, seguido pelo fígado, coração, pulmão e pâncreas. Esses dados mostram a importância do transplante de órgãos e tecidos no Brasil e a necessidade da realização de testes de compatibilidade para viabilizar a doação. Abordaremos os principais fatores analisados para realização do transplante, bem como os testes moleculares. 7.4.1 Conceitos gerais O transplante consiste na transferência de células, tecidos ou órgãos, chamados enxertos, de um indivíduo para outro, geralmente, diferente. Ele é muito utilizado com o intuito de substituir órgãos e tecidos não funcionais por órgãos ou tecidos saudáveis. É chamado doador o indivíduo que fornece o enxerto e receptor ou hospedeiro o indivíduo que o recebe. Quando um enxerto é transplantado de um indivíduo para o mesmo indivíduo é chamado enxerto autólogo. Quando o receptor e o doador são geneticamente idênticos é chamado enxerto singênico. Se os dois indivíduos forem geneticamente diferentes, mas da mesma espécie, é chamado enxerto alogênico (ou aloenxerto). Quando o enxerto é transplantado entre indivíduos de espécies diferentes, é denominado enxerto xenogênico (ou xenoenxerto). O transplante de enxertos de um indivíduo para outro geneticamente não idêntico leva inevitavelmente à rejeição do transplante devido a uma resposta imune adaptativa. As moléculas reconhecidas como estranhas nos transplantes são denominadas aloantígenos e aquelas presentes nos xenoenxertos são denominadas xenoantígenos. Os linfócitos e anticorpos que reagem com os aloantígenos ou xenoantígenos são chamados de alorreativos ou xenorreativos, respectivamente (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015). 209 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA A resposta aloimune entre os indivíduos geneticamente diferentes ocorre via complexo principal de histocompatibilidade (MHC, do inglês major histocompatibility complex), também conhecido como antígenos leucocitário humano (HLA, do inglês human leukocyte antigen), essa resposta é a principal barreira nos transplantes de órgãos sólidos, tecidos e medula óssea. O MHC é subdividido em MHC de classe I (MHC-I) e classe II (MHC-II), ambos são capazes de apresentar diversos peptídeos. Isso é devido aos variados genes HLA que codificam os MHCs. A expressão codominante dos genes HLA regulam a resposta imunológica adquirida conhecida como HLA-classe I e HLA-classe II. Os genes HLA localizam-se no cromossomo 6p21.3 e são codificados por 12 loci MHC-I (HLA-A, -B e -C) e 9 de MHC-II (HLA-DPA1, -DPB1, -DQA1, -DQB1, -DRB1, -DRB3, -DRB4, -DRB5). Centrômero 21.2p 21.31p 21.32p HLA-A HLA-C HLA-B HLA-DQ HLA-DP HLA-DR p q Figura 115 – Exemplo da distribuição dos genes HLA no cromossomo 6 Os genes HLA têm a expressão ativada por citocinas como IFN-γ e IL-4 e interagem com receptores de células TCD8 e TCD4. As células T do receptor podem responder ao aloantígeno do doador por três diferentes vias: • Reconhecimento direto do aloantígeno através da interação do receptor de células T (TRC, do inglês T cell receptor) com o MHC-peptídeo apresentado pelas células apresentadoras de antígeno (APC,do inglês antigen-presenting cell) do doador (predominante). • Reconhecimento indireto do aloantígeno quando os peptídeos derivados do MHC do doador são fragmentados e apresentados pelas APCs do próprio receptor para as células T. 210 Unidade III • Reconhecimento semidireto do aloantígeno é a captura do complexo MHC-peptídeo do doador pelas APCs do hospedeiro. O HLA é a região mais polimórfica do genoma humano e não está somente relacionada aos transplantes, mas também está envolvida na susceptibilidade em mais de cem doenças de natureza inflamatória, infecciosa e autoimune. Os indivíduos apresentam de duas a quatro cópias do gene DRB. Normalmente, dois loci DRB1 estão presentes, um em cada cópia do cromossomo 6, loci adicionais de DRB3, DRB4 ou DRB5 podem ser encontrados. O loci DRA tem 7 alelos, já o loci HLA-B tem mais de 2.200 alelos. Os alelos de um determinado loci normalmente diferem por substituições sinônimas ou não sinônimas. 7.4.2 Nomenclatura HLA Em geral, dois sistemas de nomenclatura se aplicam ao HLA. O primeiro é baseado no reconhecimento sorológico. A classificação por esse sistema é constituída por letras e números (ex. HLA-B51 ou B51). O segundo sistema, de nomenclatura mais moderna, inicia-se com HLA- e o nome do locus, seguido por * e os números dos dígitos que especificam os alelos. Os dois primeiros dígitos determinam um grupo de alelos. O terceiro, de quatro dígitos, especifica um alelo sinônimo. Os dígitos 5 até 6 representam mutações sinônimas. Os sétimos e oitavos dígitos distinguem mutações fora da região codificante. As letras L, N, Q ou S especificam um nível de expressão ou outros dados não genômicos. A figura seguinte mostra um exemplo da nomenclatura HLA. Substituição sinônima Diferenças em regiões não codificantes Proteína HLA específica Hífen separa o nome do gene do prefixo Separador Separadores Alterações de expressão HLA-A*02:101:01:02N Grupo de alelos GenePrefixo HLA Figura 116 – Exemplo de nomenclatura HLA. N significa nulo Cada letra do sufixo apresenta uma variação de expressão: • Sufixo N: alelos não expressos. • Sufixo L: alelos que apresentam menor expressão, comparados aos níveis normais. • Sufixo S: denota um alelo específico que codifica para uma proteína solúvel. 211 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA • Sufixo C: alelos que codificam proteínas presentes no citoplasma das células. • Sufixo A: expressão aberrante, há dúvidas de como a proteína é expressa. • Sufixo Q: expressão do alelo é questionável, a mutação observada no alelo afeta a expressão de outros alelos. Saiba mais Para conhecer mais a respeito da nomenclatura dos HLA, acesse: http://hla.alleles.org/ 7.4.3 Tipagem de HLA e influência na doação de órgãos A tipagem do HLA é muito utilizada para verificar se o doador e o receptor são compatíveis. Quando um transplante é realizado, as moléculas de HLA do doador são reconhecidas pelo sistema imunológico do receptor, desencadeando uma resposta imunológica. A correspondência entre os antígenos MHC do doador como os do receptor mostram um efeito positivo na sobrevida do enxerto. No transplante de órgãos, a resposta imune adaptativa é a principal resposta ao órgão transplantado. Um dos principais fatores que levam à perda do enxerto são provenientes do HLA-DR e antígenos -DR. Os efeitos da incompatibilidade HLA-DR são mais importantes nos primeiros seis meses depois do transplante, o efeito do HLA-B aparece nos dois primeiros anos e o HLA-A tem efeitos deletérios na sobrevivência do enxerto a longo prazo. Diversos testes de biologia molecular voltados à identificação do HLA se aplicam para evitar a rejeição do enxerto e esses testes serão abordados mais adiante. 7.4.4 Tipagem de HLA por sorologia A tipagem de HLA por sorologia foi descrita em 1964 por Terasaki e McClelland e é baseada no ensaio de linfotoxicidade complemento dependente (CDC, do inglês complement-dependent lymphocytotoxicity). O ensaio utiliza apenas 1 mL de reagente de tipagem para test e 1 mL de células alvo na concentração de 2-4X106/mL. As células e o soro são misturados. Após 30 minutos, o soro de coelho é adicionado como uma fonte de complemento (4-5 mL) e o ensaio é incubado por 30 minutos. Se um poço contém um anticorpo específico para as moléculas de HLA expressas na superfície da célula, a ligação irá ativar o complemento e o resultado será a morte celular. As reações são fixadas, coradas e lidas em equipamento específico. As células mais utilizadas no CDC são os linfócitos de sangue periférico, que são isolados do sangue total através de gradiente de centrifugação. Os linfócitos também podem ser obtidos do baço e dos linfonodos de doadores cadáveres. 212 Unidade III Embora a técnica de CDC tenha sido muito utilizada no passado, o advento das técnicas de biologia molecular permitiu uma maior especificidade na detecção dos polimorfismos da região HLA. Dessa forma o CDC gradualmente passou a ser substituído por ensaios mais sensíveis em fase sólida como Elisa (do inglês enzyme-linked immunosorbent assay) e outras tecnologias como citometria de fluxo, fluxo de painel imunológico (PRA, do inglês panel-reactive antibodies). Esses ensaios usam micropartículas cobertas com moléculas de HLA purificadas, permitindo maior especificidade na detecção de anticorpos anti-HLA. O monitoramento de anticorpos anti-HLA pré e pós-transplante é realizado através desses ensaios em fase sólida. 7.4.5 Tipagem de HLA por primers sequência-específica A tipagem de HLA por primers sequência-específica (PCR-SSP) é uma técnica de muito utilizada, na qual múltiplos pares de primers alelo-específico são usados para identificar os alelos presentes em uma determinada amostra de DNA. A figura seguinte mostra um exemplo de uma reação de PCR-SSP, mostrando o padrão de HLA de um paciente e dois possíveis doadores. No caso do exemplo, o doador 1 que possui padra de bandas HLA idênticos ao receptor poderia doar o órgão, já o doador 2, não seria compatível. HLADR HLADR HLADRHLAC HLAC HLAC Receptor 1 Doador 1 Doador 2 HLAB HLAB HLABHLA HLA HLA Figura 117 – Exemplo de tipagem de HLA por PCR-SSP. O tamanho e a disposição das bandas do HLA, HLB, HLC, HLADR são fictícias. Os quadradinhos em azul representam bandas do produto da PCR Nos laboratórios a PCR-SSP é realizada para diversos subtipos de HLA, existem painéis comerciais prontos com primers para os HLAs e para genes endógenos. Após a PCR-SSP o produto é separado por eletroforese em gel de agarose. Existem métodos de alta resolução no qual os primers são capazes de identificar um único alelo. Em cada tipo de transplante é utilizado um painel diferente, por exemplo no transplante renal são analisados os HLA A, B e DR, já no caso do transplante de medula óssea, todos os subtipos de HLA são avaliados. Para realização da técnica de PCR-SSP, alguns parâmetros devem ser seguidos. • Molde de DNA: o DNA normalmente é obtido de amostras de sangue coletadas com os anticoagulantes EDTA ou citrato. 213 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA • Tamanho do fragmento amplificado: o produto da PCR deve estar em 150-700 pb e o controle deve possuir mais de 200 pb que a amplificação do maior alelo. Assim, é possível identificar a diferença na corrida de eletroforese. • Teste dos primers: a especificidade dos primers deve ser testada com amostras selecionadas para os testes. Por exemplo: se o primer direto reconhece os alelos HLA-A*01 e A*03 e o primer reverso, HLA-A* e A*11, a combinação específica deveria somente amplificar HLA*03. Os testes com amostras positivas para HLA-A*01 ou A*11 irá testar a probabilidade desses primers em amplificar falsos positivos. Observação A heparina não deve ser utilizada como anticoagulante para coleta de amostra de sangue em que se deseje extrair DNA, pois exerce efeito inibitório sobre a reação da DNA polimerase, podendo se ligar diretamente à enzima ou ao DNA via interação com cátions divalentes.Caso não exista uma alternativa, a amostra deve ser tratada com heparinase II antes da PCR. A maior vantagem da PCR-SSP é a rapidez para obtenção dos resultados, aproximadamente 3,5 h. Essa é ainda a metodologia de escolha para a análise de compatibilidade de HLA em órgãos doados por cadáveres. Uma desvantagem é que continua sendo um método comparativo, que necessita de grandes quantidades de DNA polimerase e primers. Quando deve ser realizada a análise de muitas amostras, o tempo para obtenção dos dados é ainda maior. 7.4.6 Tipagem de HLA por sonda de oligonucleotídeo sequência específica A tipagem de HLA por sonda de oligonucleotídeo sequência específica (SSOP, do inglês sequence-specific oligonucleotide probing) é também uma técnica baseada em PCR, não específica de alelos, mas sim de éxons dos genes HLA contendo regiões hipervariáveis que conferem especificidade aos alelos. Múltiplos Southern blots do produto amplificado por PCR são preparados em membranas de náilon, que são então, hibridizadas contra sondas SSO específicas à mudança de base, que se ligam em regiões complementares. As ligações não específicas são removidas após a hibridização por processos de lavagem. As sondas ligadas são detectadas, normalmente por reações de quimiluminescência e o tipo de HLA de um indivíduo e interpretado por comparação com os padrões negativos e positivos da reação. A vantagem dessa técnica é poder analisar várias amostras simultaneamente. A SSOP passou por diversas alterações para tornar a técnica mais segura, antigamente as sondas eram marcadas com fósforo radioativo, atualmente são utilizadas sondas marcadas com biotina. 214 Unidade III 1. Amplificação dos éxons 2 e 3 por PCR (primers biotinilador) Produto da PCR + solução denaturante 2. Denaturação do produto da PCR, seguida por hibridização 3. Lavagens 4. Detecção dos fragmentos ligados pela sonda Membrana de nitrocelulose com sonda ligada Figura 118 – Exemplo de tipagem por SSO 7.4.7 Tipagem de HLA por sequenciamento O sequenciamento de DNA pela técnica de Sanger (descrita anteriormente), assim como o PCR-SSP, é muito utilizado na identificação da variação alélica dos genes HLA. Normalmente, são analisadas as regiões mais polimórficas como HLA-A, -B, -C, -DR, -DQ e -DP. Para realização do sequenciamento, é necessária, inicialmente, a amplificação por PCR dos 2 e 3 para os genes de classe I e éxon 2 para os genes de classe II. Esses éxons são escolhidos pois a maioria dos HLAs de classe I podem ser determinados pelos éxons 2 e 3 e para a classe II o éxon 2 é suficiente. Posteriormente, os produtos da PCR são sequenciados pela técnica de Sanger. A amplificação por PCR pode ser realizada de duas maneiras: • Classe I (A, B e C): é realizada uma reação de PCR, utilizando primers específicos para o locus. Posteriormente, é realizado o sequenciamento, as sequências obtidas são comparadas às de um banco de dados de HLA, em casos de ambiguidade (normalmente 40%), é realizado um sequenciamento adicional. Em caso de se manter a ambiguidade, também pode ser realizada a clonagem do produto da PCR em plasmídeos para posterior sequenciamento. • Classe II (DRB1, DQB1): ambos alelos do locus são amplificados juntos por PCR e sequenciados concomitantemente, posteriormente as sequências obtidas são comparadas às de um banco de dados de HLA. Em casos de ambiguidades (normalmente 10%), os alelos são separados para outra rodada de sequenciamento em grupo ou utilizando primers específicos. Também pode ser realizada a clonagem do produto da PCR em plasmídeos para posterior sequenciamento. 215 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA O sequenciamento de DNA é utilizado em casos de doadores não aparentados e transplante de células-tronco hematopoiéticas derivadas do cordão umbilical. A seleção de um doador que possua as mesmas combinações de HLA-A, -B, -C e -DRB1 aumenta a chance de sobrevivência do enxerto. Quando o doador carrega uma combinação de um alelo diferente em um desses quatro locus, o doador ainda pode ser considerado para o transplante. A técnica de sequenciamento é menos utilizada em transplante de órgãos sólidos. Um ponto positivo do sequenciamento em relação às outras metodologias é que ele permite avaliar todos os nucleotídeos localizados em regiões polimórficas ou conservadas e permite a identificação de novos alelos. Kits de sequenciamento de HLA estão disponíveis comercialmente e são vendidos por diversas empresas. A grande vantagem de usar os kits das empresas são os controles de qualidade e a estratégia. No entanto, os kits comerciais não compartilham a sequência dos primers e demais oligonucleotídeos. Também não fornecem reagente extra para casos de ambiguidade ou para isolamento de um novo alelo. 7.4.8 Sequenciamento de última geração para tipagem de HLA O sequenciamento de última geração (NGS) de HLA classe I ou II é um método que tornou possível contornar as ambiguidades alélicas e a incompleta cobertura genômica dos métodos anteriores. No entanto, o custo da técnica ainda é muito alto, de forma que nem todos os laboratórios conseguem utilizar essa tecnologia. Para realização do sequenciamento NGS, é necessário seguir os seguintes passos: • Amplificação da região alvo por PCR, quantificação e purificação dos fragmentos amplificados. • Preparação da biblioteca que consiste na ligação dos fragmentos amplificados em adaptadores chamados de index, purificação dos fragmentos utilizando beads e seleção pelo tamanho. • Sequenciamento usando a plataforma NGS. • Análise dos dados através do software. O primeiro passo é a preparação do molde de DNA. No caso do HLA, é o isolamento do DNA específico do HLA do resto do genoma e a preparação da biblioteca. A região alvo pode ser o MHC inteiro, os genes inteiros ou somente certos éxons. A técnica de PCR é a mais utilizada para isolar as sequências HLA, usando primers específicos, é possível amplificar a sequência escolhida. Um entrave dessa técnica é desenhar os primers de forma que eles consigam amplificar a maioria dos alelos do HLA. O próximo passo é a preparação da biblioteca que pode ser de duas categorias: bibliotecas de fragmentos ou final-pareadas. As bibliotecas final-pareadas são baseadas nas sequências presentes nas terminações da sequência de DNA, portanto o sequenciamento é realizado de um terminal ao outro e vice versa, esse método é utilizado pelos sequenciadores Illumina. As bibliotecas são marcadas comum “código de barras” para que sejam sequenciadas várias amostras simultaneamente em uma mesma corrida de sequenciamento. 216 Unidade III Após o sequenciamento por NGS, é necessária uma cuidadosa análise de bioinformática. No caso das sequências HLA, o anelamento da sequência obtida deve ser comparado a um banco de dados de HLA o IMGT/HLA. Diversas tecnologias de NGS estão disponíveis para determinar as variações HLA e consequentemente auxiliar na tipagem de transplantes. A figura seguinte exemplifica as principais diferenças entre a tipagem de HLA por sequenciamento de Sanger e NGS. Tipagem HLA NGSTipagem de HLA Sanger Genotipagem de todos os genes HLAGenotipagem de um gene HLA Amostra Amostra Extração DNA Extração DNA Preparação da biblioteca Preparação da biblioteca Captura de sequência HLA de múltiplos genes HLA Preparação do molde de sequenciamento PCR de múltiplos genes HLA PCR de um único gene HLA PCR alelo específico ou sequenciamento com primers alelo específico Sequenciamento clonal Sequenciamento não clonal Análise Análise 2-3X Ambiguidade Figura 119 - Esquema mostrando as principais diferenças da tipagem de HLA pela técnica de sequenciamento de Sanger e NGS 7.4.9 HLAs avaliados nos transplantes A tipagem HLA é muito importante no caso dos transplantes de órgãos e de medula óssea. A compatibilidade do sistema ABO também é avaliada, no entanto, diversos transplantes já foram realizados, com sucesso, em pacientes ABO incompatíveis. Na tipagem
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