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1 ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO Prof . Me. Wiliam Reimão 2 ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO PROF . ME. WILIAM REIMÃO 3 Diretor Geral: Prof. Esp. Valdir Henrique Valério Diretor Executivo: Prof. Dr. William José Ferreira Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Profa Esp. Cristiane Lelis dos Santos Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Profa. Esp. Imperatriz da Penha Matos Revisão Gramatical e Ortográfica: Profª. Esp. Izabel Cristina Revisão técnica: Prof. Daniel Giraldi Revisão/Diagramação/Estruturação: Clarice Virgilio Gomes Prof. Esp. Guilherme Prado Lorena Oliveira Silva Portugal Design: Bárbara Carla Amorim O. Silva Daniel Guadalupe Reis Élen Cristina Teixeira Oliveira Maria Eliza P. Campos © 2023, Faculdade Única. Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autoriza- ção escrita do Editor. Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920. 4 ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO 1° edição Ipatinga, MG Faculdade Única 2023 5 Mestrado em Gestão e Tecno- logias Aplicadas à Educação (UNEB, incompleto). Especialização em Pós Graduação Lato Sensu em Gestão da Informação e Inteligência Com- petitiva (UNESA/RJ) e Pós Graduando em Gestão da Qualidade (FACUPAR) e Gestão de Pessoas com Ênfase em Gestão das Competências (UFBA), graduação em Administração (UNE- SA/RJ), 2 Grau Técnico de Adminis- tração (CIEMS/RJ). Membro do Grupo de Pesquisa Educação, Universida- de e Região (UNEB) e Coordenador do Núcleo de Estudos da Teoria das Organizações do Conselho Regional de Administração da Bahia (NETGA). Professor Universitário do Centro Uni- versitário Dom Pedro II (2012-2020), Conteudista e Revisor da Roca Edu- cacional (2020-2023), Faculdade Única (2021-Atualidade), Adapt Edu- cação a Distância (2022-Atualidade) e VG Educacional (2023-...). Especia- lista em Gestão Pública, Logística, Administração da Produção, Com- pras Governamentais, Licitações e Contratos, Teoria-Geral da Adminis- tração, Políticas Públicas, Avaliação Educacional, Gestão Universitária e Administração Internacional. WILIAM REIMÃO Para saber mais sobre a autora desta obra e suas qua- lificações, acesse seu Curriculo Lattes pelo link : http://lattes.cnpq.br/0833526877923148 Ou aponte uma câmera para o QRCODE ao lado. 6 LEGENDA DE Ícones Trata-se dos conceitos, definições e informações importantes nas quais você precisa ficar atento. Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a seguir: São opções de links de vídeos, artigos, sites ou livros da biblioteca virtual, relacionados ao conteúdo apresentado no livro. Espaço para reflexão sobre questões citadas em cada unidade, associando-os a suas ações. Atividades de multipla escolha para ajudar na fixação dos conteúdos abordados no livro. Apresentação dos significados de um determinado termo ou palavras mostradas no decorrer do livro. FIQUE ATENTO BUSQUE POR MAIS VAMOS PENSAR? FIXANDO O CONTEÚDO GLOSSÁRIO 7 UNIDADE 1 UNIDADE 2 UNIDADE 3 UNIDADE 4 SUMÁRIO 1.1 Conceito da Ética ..............................................................................................................................................................................................................................................................................10 1.2 Objetivo da Ética ...............................................................................................................................................................................................................................................................................12 1.3 O Campo da Ética ...........................................................................................................................................................................................................................................................................15 FIXANDO O CONTEÚDO .........................................................................................................................................................................................................................................................................18 2.1 A Ética, Moral e Estado .................................................................................................................................................................................................................................................................22 2.2 O Jeitinho Brasileiro ......................................................................................................................................................................................................................................................................24 2.3 A Evolução do Estado Brasileiro e seus valores éticos ........................................................................................................................................................................................26 FIXANDO O CONTEÚDO ........................................................................................................................................................................................................................................................................33 3.1 Comportamento Ético do Gestor Público e a gestão dos Negócios Públicos e Privados ...........................................................................................................36 3.2 A Ética na Constituição Brasileira de 1988 ...................................................................................................................................................................................................................38 3.3 Fontes das Regras Éticas ...........................................................................................................................................................................................................................................................41 FIXANDO O CONTEÚDO .......................................................................................................................................................................................................................................................................46 A ÉTICA O SERVIÇO PÚBLICO BRASILEIRO E OS VALORES ÉTICOS EIXOS NORTEADORES DA ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICOS 4.1 A Ética na Política e na Lei ........................................................................................................................................................................................................................................................49 4.2 A Ética e a Corrupção ................................................................................................................................................................................................................................................................54 4.3 Cuidados no Exercício das Atividades do Estado e do Governo .................................................................................................................................................................58 FIXANDO O CONTEÚDO ........................................................................................................................................................................................................................................................................63A ÉTICA E SUAS REFLEXÕES NO SERVIÇO PÚBLICO E SOCIEDADE 5.1 A Ética e o Meio Ambiente ........................................................................................................................................................................................................................................................67 5.2 A Ética e a Responsabilidade social .................................................................................................................................................................................................................................72 5.3 A Ética e o Trabalho .....................................................................................................................................................................................................................................................................75 FIXANDO O CONTEÚDO ........................................................................................................................................................................................................................................................................79 AS RELAÇÕES ÉTICAS NA SOCIEDADE UNIDADE 5 6.1 A Ética e as Relações Étnico-Raciais e Cultura Afro-brasileira e Africana ...........................................................................................................................................82 6.2 A Ética e a Liderança ...................................................................................................................................................................................................................................................................87 6.3 A Ética Virtual ...................................................................................................................................................................................................................................................................................93 FIXANDO O CONTEÚDO.........................................................................................................................................................................................................................................................................99 RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO........................................................................................................................................................................101 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................................................................................................102 AS NOVAS QUESTÕES DA ÉTICA UNIDADE 6 8 UNIDADE 1 Na Unidade I aprenderemos os conceitos e principais abordagens sobre a Ética, como sua aplicação no dia a dia e suas condicionantes. UNIDADE 2 Na Unidade 02, debateremos sobre a evolução do serviço público brasileiro e seus valores éticos a partir das Reformas do Estado Nacional. UNIDADE 3 A Unidade 03 trará os documentos e principais leis que guiam o serviço público no tocante a ética e como se espera o posicionamento do gestor público em temas da Ética. UNIDADE 4 Na Unidade 4 iremos discorrer sobre as questões da Ética na Lei e na Política, bem como o contraste da corrupção com a Lei e as formas de controle e avaliação pelo setor pública. UNIDADE 5 A Unidade 5 irá abranger sobre a Ética em dilemas na sociedade atual com o meio ambiente, trabalho e a responsabilidade ambiental, como as empresas, Estado e sociedade vivem estes momentos. UNIDADE 6 A Unidade 6 falaremos sobre novas questões da Ética como as relações étnico- raciais e a cultura afro-brasileira, a ética e a liderança e a ética virtual. C O NF IR A NO LI VR O 9 A ÉTICA 10 1.1 CONCEITO DA ÉTICA Foi notícia dos jornais no ano de 2016 (Figura 1): o senhor Francisco Claudio, desempregado de 46 anos, encontrou um envelope com cerca de R$ 11.000,00 e documentos numa avenida movimentada de Ji-Paraná (Rondônia), buscou o dono, o empresário Denis Ricardo, e devolveu o valor. O fato foi celebrado pela mídia local e nacional e ao ser perguntado o porquê fez aquele ato e ainda passando por grandes necessidades, Francisco disse: "Eu nunca iria ficar com esse dinheiro. Ele não me pertence e eu não tenho condições de ficar com nada que não é meu. Não dormiria bem. O que fiz foi por amor e faria com qualquer ser humano” (G1, 2016). O gesto do senhor Francisco causou espanto, celebração e pensamentos, levantando-se até inquietantes perguntas internas de muitos: “- Se fosse eu, faria igual?”; “E minha consciência?”; “Se os poderosos roubam muito e ficam impunes, qual o porquê não posso fazer também?”; “Se eu estivesse precisando muito, eu devolveria”? Todas as indagações e atitude passam pela Ética e Moral. Tanto a Moral quanto a Ética são termos que se assimilam em nosso dia a dia, precisando de uma conceituação mais precisa. A palavra Ética, segundo Nogueira (2010), vem do grego Ethos e significa hábito, enquanto a Moral vem do latim Mores, e quer dizer costumes. Outra conotação da palavra Ética é também seu significado como caráter. Os termos Ética e Moral têm em comum que se referem as escolhas e julgamento dos atos humanos. As opções entre o certo e o errado. O bem e o mal. Neste sentido, a moral é entendida como “um conjunto de regas da conduta admitidas em determinada época ou por um grupo de pessoas” (ARANHA e MARTINS, 2003, p. 301). Portanto, a moral é condizente a um determinado período histórico e a compreensão social dos homens daquele tempo. Basta recordar que os direitos femininos na História humana são eventos extremamente recentes, inclusive as mínimas liberdades e a autonomias das mulheres durante muitos séculos eram vistos como atentados à moral e bons costumes. Ainda hoje em algumas localidades de países da África e Ásia é comum o ritual da mutilação genital feminina como forma cercear o prazer e aumentar a submissão feminina. Analisando a partir da Antropologia, o etnólogo Raymund Firth afirma que: Figura 1: Encontro dos senhores Francisco e Denis e a devolução dos valores Fonte: G1 (2016, on-line) 11 Os sistemas morais nas sociedades são consequências das próprias formações culturais já que estabelecem seus valores aos seus agrupamentos. Os sistemas de pensamento morais de povos tradicionais são bem distintos de sociedades mais complexas, especialmente num estágio de capitalismo hipercompetitivo e globalizado que a maioria dos Estados modernos convivem. A moral ao criar tais sistemas de julgamento, também cria normas e prescrições já que tudo que é apreciado, arbitrado e julgado necessita e precisa passar por critérios anteriores, isto é, normas e regras para a convivência humana que já estão estabelecidas. A Ética, apesar de se confundir com a Moral, é “uma disciplina teórica, um corpo sistematizado de conhecimentos – a exemplo da física, do direito, da biologia, da sociologia, (...) -, pelo seu objeto de estudo.” (SROUR, 2000, p. 18). A Ética busca uma análise racional e crítica do comportamento humano, inclusive estabelecendo Princípios Gerais, além de abranger valores, decisões e escolhas das pessoas em problemas e situações. A Ética se propõe uma dimensão universal, não apenas restrita aos limites temporais e locais da Moral. O ser humano sempre está disposto há momentos que o questionamento ético, constantemente temos que optar entre o que achamos certo ou errado. Recordando o ato do senhor Francisco Claudio, ele tomou uma atitude moral na devolução do bem e quantias ao dono que havia perdido, tida como certo e do bem no sistema moral que foi condicionado pela sua formação familiar e pessoal, o que pode e deve ser estudada pela disciplina filosófica da Ética. Toda sociedade possui seus padrões morais que de- terminam quais os tipos de conduta que são certos e quais os quesão errados, e os membros da socieda- de se adaptam ou se desviam deles, e são julgados a partir disso. Pode-se dizer que em cada sociedade tais padrões, a conduta decorrente e os julgamentos a ela associados, foram o que se chama de sistema moral. (FIRTH, 1974, p. 205), grifo nosso O artigo de Dirce Guilherme e Antônio Macena de Figueiredo aprofundam mais os conceitos de Ética e Moral e suas evoluções: https://shre.ink/2V5Z. Acesso em: 23 abr. 2023. BUSQUE POR MAIS A Moral se refere aos sistemas de julgamento de costumes e o cotidiano que variam con- forme a História e a Ética ou Filosofia Moral é o estudo da moral a partir de suas regras e condições humanas. A Moralidade pertence aos sistemas de julgamento de costumes e hábitos inseridos em determinada sociedade num certo período histórico, logo podemos FIQUE ATENTO 12 afirmar que em civilizações diferentes há Morais diferentes sobre casos semelhantes so- bre a conduta humana. O estudo da Ética justamente por debater sobre Princípios Universais de uma conduta humana mais justa para a sociedade pode ajudar sobre o sistema de julgamento moral, inclusive modificando as regras e normas dispostas para as novas realidades sociais. 1.2 OBJETIVO DA ÉTICA Os gregos foram os precursores da Filosofia e de muitos ramos do conhecimento com vastos monumentos e obras artísticas e literárias sobre as relações Ética dos homens com o Estado, pátria, Deuses, amor, ódio, família e deveres e sentimentos. Uma das obras que toca nestas questões é Antígona, peça escrita por Sófocles no século V a.C., conta a tragédia da filha de Édipo, rei de Tebas, casado com Jocasta e tendo com ela vários filhos e filhas, contudo uma calamidade e videntes revelaram que a rainha era sua mãe. No desespero, Édipo se cega e a mãe se mata. Antígona vira guia do idoso e triste pai. No vácuo de poder, seus irmãos, os príncipes Polinice e Etéocles, lideram facções em luta e ambos morrendo em batalha, sendo o último, defendendo a Cidade-Estado e terá um honrado enterro, já o primeiro, que estava exilado e atacou Tebas, é condenado pelo regente Creonte a apodrecer nas ruas e ser devorado por cães e aves de rapina. O governante proibiu com a pena de morte quem tentasse enterrar Polinice. Antígona, contrariando a Lei do novo governante, os perigos e até os conselhos, passou a jogar terra no corpo do irmão infame, sendo presa e julgada pelo regente. Creonte a questiona a Antígona se ela conhecia das normas que vetavam o enterro de Polinice: Antígona é condenada a ser enterrada viva, provocando uma onda de tragédias como os suicídios de seu Hemon, noivo e Eurídice, sua sogra, consequentemente filho e esposa do regente Creonte. A moral, no julgamento do governante Creonte, impunha aclamação e punição diferentes aos príncipes mortos, porém Antígona, por acreditar numa Lei Superior e oriunda dos Deuses, acima das regras terrenas e porque não dizer uma Ética. Todos os mortos devem ter seus cortejos fúnebres decentes, independente de seus crimes ou boas ações, e Antígona paga tristemente por sua escolha ética. A peça Antígona é até hoje estudada sobre as questões morais e éticas, afinal é mais Antígona: Saiba como poderia ignorá-lo? Falaste aber- tamente. Creonte: Mesmo assim ousaste transgredir minhas leis? Antígona: Não foi, com certeza, Zeus que as proclamou, nem a Justiça com trono entre o deus dos mortos as es- tabeleceu para os homens. Nem eu supunha que tuas ordens tivessem o poder se superar as leis não-escritas, dos deuses, visto que és mortal. (SÓFOCLES, 1999, p. 35- 36). 13 importante obedecer às leis do Estado, passíveis de punição, ou seguir as regras morais de sua consciência? Até que ponto as leis consideradas injustas devem ser obedecidas e até criticadas e combatidas - como Antígona fez em seu julgamento perante o povo e autoridades de Tebas? Este é uma das propostas do estudo permanente da Ética ao discutir os Princípios Universais à conduta humana. Na questão da Ética e Moral em outro mito grego, a Ilíada de Homero, escrito talvez no século IX a. C., que conta sobre a guerra de Tróia, fala sobre os momentos finais da luta dos gigantes heróis: Heitor, o príncipe e comandante troiano, e Aquiles, o semideus e guerreiro invencível grego, após 10 anos de um longo e desgastante conflito de gregos e troianos com tantas vítimas e sofrimentos entre as partes. Aquiles, sendo contrariado pelo rei grego Menelau que capturou a sua escrava Briseida (uma troiana sequestrada pelo combatente grego), se retirou do campo de batalha e as tropas gregas amargaram diversas derrotas e desespero perante as forças troianas com a falta de seu principal guerreiro. Diante desta iminente catástrofe, Patroclo, querido companheiro de armas e primo de Aquiles, pega a armadura de Aquiles, se disfarça do semideus e lidera o exército grego e acaba num duelo com Heitor, sendo morto pelo comandante troiano. Na fúria pela vingança da morte de Patroclo, Aquiles desafia Heitor e após um duro combate, mata o príncipe troiano e carrega seu cadáver para ser profanado pelos animais do acampamento grego e apodrecer ao relento. O desejo do maior combatente grego não seria contrariado, mas os Deuses não aprovaram o vilipêndio do herói troiano tão amado e influenciam os mortais. Príamo, pai de Heitor e rei de Tróia, vai ao arraial grego protegido pelos Deuses, acha o destemido Aquiles, exige o corpo do príncipe para as cerimônias fúnebres e lhe é entregue (Figura 2). Breve, Tróia será extinta no último ataque grego num cavalo de madeira. A peça Antígona de Sófocles: https://shre.ink/2V5f. Acesso em: 23 abr. 2023. BUSQUE POR MAIS 14 Figura 2: Rei Príamo e o cadáver de Heitor Fonte: Escultura de Juan Adán (1741-1816) (Academia Colleciones, 2021) A devolução dos mortos em batalhas faz parte da Ética há muito tempo, como vimos até na Grécia Antiga. Este sentimento é presente em qualquer família, independente da acu- sação ao falecido. Ainda vimos muitas famílias cobrando a devolução dos restos mortais em países foram Ditaduras e seus parentes foram sequestrados ou presos por agentes de Estado e permanecem desaparecidos. A informação do paradeiro dos desaparecidos é uma obrigação Ética do Estado democrático. VAMOS PENSAR? Assim, apesar dos sistemas morais determinaram que o príncipe Heitor tivesse seu corpo despedaçado como humilhação do maior guerreiro troiano, pela concepção ética e o rei Príamo propôs que o inimigo e herói troiano tivesse um cortejo fúnebre digno. A Ética, para ARANHA e MARTINS (2003, p. 301) é considerada como “a parte da Filosofia que se ocupa com a reflexão e princípios que fundamental a vida moral.” Portanto, a Ética como filosofia se detém em estudar os sistemas morais dos povos, sociedades e Estados. É normal ouvirmos sobre códigos de éticas de determinadas profissionais porque todas as carreiras acadêmicas e técnicas são precedidas de códigos éticos e o ensino superior e técnico de práticas éticas nas relações produtivas, clientes, usuários e governos. Não obstante, a Ética também é conhecida como Filosofia Moral já que se detém no seu objeto o estudo da moralidade. Srour (2010) fala que a Ética trabalha no plano da reflexão ou das indagações, estuda os costumes das coletividades e as morais na plenitude na natureza histórica. A natureza histórica significa que as normas morais estão determinadas num contexto histórico-social, portanto, que irão naturalmente variar. Por exemplo, em alguns países de maioria muçulmana é natural que mulheres usem indumentária que cubra os cabelos conforme os preceitos religiosos, variando nos costumes e hábitos. Nas nações europeias, onde o Estado laico é mais forte, as mulheres usam a indumentária em seus cabelos sem imposição religiosa, geralmente ligados a um estilo 15 de vida ou uma ação mercadológica (a moda de seu tempo e influência do marketing de produtos e serviços). O que permite que tais padrões de discernimento e julgamentomoral aconteçam? Justamente o fator social da cultura, isto é, a criação de códigos, costumes e crenças humanas que vai proporcionar valores para uma sociedade. Novamente, Srour (2010), avança no objetivo: a Ética buscou determinar princípios constantes e universalmente válidos à boa conduta da vida social. Assim, podemos concluir que o objetivo da concepção ética é a análise dos sistemas morais no seu contexto histórico e filosófico permitindo compreensões da realidade, tanto que podemos ampliar as novas realidades. 1.3 O CAMPO DA ÉTICA Para compreendermos o campo da ética, podemos citar o caso do avião da Força Aérea Uruguaia em outubro de 1972 trazia o time de Rugby uruguaio e seus familiares (um total de 45 pessoas com a tripulação) para jogar num campeonato no Chile, mas o avião se chocou na Cordilheira dos Andes, matando e ferindo muitos e deixando os destroços e sobreviventes num lugar isolado. Após enfrentaram uma avalanche (que provocou mais vítimas), sem previsão de resgaste a vistas, temperaturas baixíssimas e a falta de comida, os sobreviventes chegaram a um tétrico limite: para continuar vivos teriam que comer os cadáveres de seus colegas e familiares a fim de obter alguma proteína e energia mínima. Uma decisão dessa passou por questionamentos médicos, religiosos, psicológicos e ... éticos. Os sobreviventes comeram partes dos mortos. Em dezembro de 1972 (Figura 3), os sobreviventes conseguiram ser salvos e o mundo soube da tragédia e seus desdobramentos. A tragédia passou ser conhecida como “O Milagre dos Andes” em que apenas 16 pessoas – de um total de 45 - ficaram vivas em condições terríveis. Figura 3: Os Sobreviventes dos Andes encontrados pela equipe de resgate Fonte: Isto é Dinheiro (2010) 16 O relato dos sobreviventes dos Andes: https://shre.ink/2Vx0. Acesso em: 23 abr. 2023. BUSQUE POR MAIS O acontecimento trágico dos Andes pode ser interpretado pelo campo da ética pela Ética da Convicção e Ética da Responsabilidade. Nas vastas vertentes filosóficas da Ética, o sociólogo alemão Max Weber sintetizou em duas teorias, que para Srour (2000) são: 1. A Ética da Convicção (deontologia ou tratado dos deveres); 2. A Ética da Responsabilidade (teleologia ou estudo dos fins humanos); Ao analisar as duas Éticas, a primeira (Ética da Convicção) trata das prescrições e obrigações previstas no pacto social daquele grupamento, isto é, destaca as regras pré-existentes. O que inclui não apenas normas escritas, mas também costumes e hábitos. A Ética da Convicção trabalha com as vertentes do princípio (obediência as regras) e da esperança (a partir das normas, chega-se ao objetivo esperado). No caso de um agente público tem uma liberdade de seus atos muito limitada pela Ética de Convicção porque todo agente público só pode realizar seus atos conforme o que a lei determina. Pela Constituição Brasileira de 1988 e as Leis concernentes (como a Lei Federal n.º 14.133/2021), as compras de bens e contratação de serviços no setor público só podem ser realizadas pelas normas rígidas de licitações e contratos, enquanto as empresas podem escolher fazer suas aquisições de materiais e contratações de serviços da forma que lhe convém já que a legislação pouco exige ou se cala neste sentido, salvo casos muitos específicos. No geral, a Ética da Convicção se associa ao indivíduo e suas obrigações aos valores pré-estabelecidos. A Ética da Convicção do Servidor Público é manifesta em seus Códigos de Ética como do Servidor Público Federal (Decreto n.º 1.171/1994) que já na Seção I do seu Capítulo I define as Regras Deontológicas ao agente público federal. Portanto, define prescrições normativas para serem seguidas. A Ética da Responsabilidade não está vinculada as normas como a Ética da Convicção, mas de como atingir aos seus objetivos propostos. Portanto, a Ética da Responsabilidade trata com visões utilitarista (que os atos produzem o maior bem coletivo possível) e da finalidade (os fins justificam as ações a serem utilizadas). A complexidade da Ética da Responsabilidade compreende que as regras pré- estabelecidas não poderão responder aos dilemas e atos a serem tomados, logo em nome de um bem coletivo, escolhas podem ser tomados em nome de uma maioria ou um grupo relevante com prejuízo as convicções existentes. A terrível decisão dos sobreviventes dos Andes para não morrer de fome, tomaram a Ética de Responsabilidade, para preservar as vidas no local inóspita. Moya (1977, p. 91) fala em tons mais crus que “a ética da responsabilidade é a ética correspondente a essa 17 razão individual radicalmente desmistificadora e a essa decisão individual consciente que é impossível a salvação coletiva. ” Nas decisões e planejamento dos Estados modernos, especialmente na alocação de recursos em questões limites como ter que optar em duas áreas atingidas por calamidades ou ir para um conflito bélico com grande potencial destrutivo e de perda de bens e vidas, percebe-se que a Ética da Responsabilidade é, muitas vezes, uma constante. Nogueira (2010) trata a Ética da Convicção como do cidadão na esfera de seus interesses privados conforme sua convicção pessoal, enquanto a Ética da Responsabilidade do estadista no tocante aos interesses públicos com resultados que devem atingir a coletividade. A Ética da Responsabilidade reflete as decisões mais complexas e difíceis nas organiza- ções privadas e estatais pelas dimensões e resultados que podem gerar, em nome de um benefício de uma maioria ou da própria instituição, opções que podem prejudicar muitos. Exemplo de uma demissão em massa de quadros de uma empresa para sedimentar um plano de recuperação econômica: em nome do objetivo maior da saúde financeira da em- presa, muitos pais de família ficariam sem trabalho. VAMOS PENSAR? 18 FIXANDO O CONTEÚDO 1. (COSEAC/UFF – UFF – ADMINISTRADOR – 2021). A ética pode incidir para alterar as regras morais enraizadas na sociedade através da avaliação que faz de valores morais até então estabelecidos. Por exemplo, a escravidão, que há alguns anos era moralmente aceita, hoje, com louvor, já não mais o é. Isto demonstra como a crítica e a reflexão éticas auxiliam a(o) a) exclusão das palavras em latim do vocabulário cotidiano. b) elaboração de leis a favor do servidor público. c) criação de crimes com penas mais elevadas. d) redução do estudo dos direitos humanos. e) desenvolvimento moral da sociedade. 2. O sociólogo alemão Max Weber estabeleceu duas vertentes da Ética: a Ética da Convicção e a Ética da Responsabilidade, sobre elas não podemos afirmar que: a) ambas são distintas nos seus objetivos. b) a Ética da Responsabilidade implica os dilemas de um Estadista na condução do bem coletivo da maioria. c) a Ética da Convicção está delimitada pelas normas e regras. d) a Ética da Responsabilidade visa apenas obedecer o que está previamente estabelecido. e) a Ética da Convicção tem bases no princípio e na esperança. 3. (CESPE – MPC-PA – ANALISTA MINISTERIAL – ESPECIALIDADE: CONTROLE EXTERNO – 2019). A respeito de ética, moral, princípios e valores, julgue os itens a seguir. I. A ética tem como objeto uma reflexão crítica da dimensão moral do comportamento social e busca o fundamento do valor que o norteia. II. A moral é atemporal e universal e, por isso, independe de valores locais de determinada sociedade. III. Os princípios éticos são normas que determinam o comportamento social em função de valores com dimensões existentes no indivíduo, no grupo ou na classe social, no povo ou na própria humanidade. Assinale a opção correta. a) Apenas o item I está certo. b) Apenas o item II está certo. c) Apenas os itens I e III estão certos. d) Apenas os itens II e III estão certos. e) Todos os itens estão certo. 19 4. (SEGPLAN – OVG - ANALISTA ADMINISTRATIVO – 2018) Ética e moral são coisas diferentes. A palavra ética vem do grego ethos, que significa caráter, modo de ser. O vocábulo moral se originou da traduçãodo ethos para o latim mos (ou mores, no plural), que significa costume. A respeito da ética e moral, considere: I. A moral é normativa. Ela determina o nosso comportamento por meio de um sistema de prescrição de conduta. II. A ética é a parte da filosofia que se ocupa do comportamento moral do homem. III. Ética e moral dizem respeito a uma realidade humana desconstruída histórica e socialmente por meio das relações coletivas dos seres humanos com os animais enquanto sociedade racional. IV. A ética engloba um conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa, que estão ligados à prática do bem e da justiça, aprovando ou desaprovando a ação do homem, de um grupo social ou de uma sociedade. V. Enquanto a ética trata o comportamento dos animais como objeto de estudo, procurando torná-lo o mais abrangente possível, a moral se ocupa de atribuir um valor à relação entre homens, animais e natureza. Está correto o que se afirmar apenas em: a) I, II e IV. b) I, III e IV. c) II, III e IV. d) II, IV e V. e) III, IV e V. 5. (SEDUCE/GO – QUADRIX - Professor Química III – 2018) A respeito da ética e da moral, assinale a alternativa correta. a) Ética e moral estão estritamente relacionadas e se confundem. b) O estudo da ética e da moral desvincula-se das condutas que são consideradas como corretas e honestas. c) A moral não é influenciada por fatores sociais e históricos. d) No campo da moralidade, estabelecem-se os critérios do que é bom e mau, a partir daí são construídas normas de boa convivência, em que a reflexão crítica é feita pela ética. e) A construção de conceitos éticos está desconectada da moral estabelecida por uma sociedade. 6. Analise as seguintes assertivas abaixo e marque a correta. a) A moral é imutável na história. b) A ética não é um campo de estudo. c) A ética e a moral são a mesma coisa. d) A moral cria um sistema de julgamento da conduta humana. e) A ética da responsabilidade se restringe apenas ao indivíduo e sem impacto social. 20 7. (AMAUC - ´PREFEITURA MUNICIPAL DE XAVANTINA/SC – PROFESSOR DE FILOSOFIA – 2017) A palavra ética é derivada de dois termos gregos: - éthos: que significa hábito, uso, costume e - êthos: que significa índole, caráter. O senso comum utiliza essa palavra como um sinônimo para a moral ou para a boa conduta de profissionais, políticos e cidadãos. Porém, no sentido filosófico, ela observa as condutas, suas finalidades e motivações; as normas que dirigem as ações humanas; os valores e sua hierarquia; as diferentes compreensões do bem e suas consequências. Diante do exposto, assinale a alternativa que define corretamente o conceito de Ética ou Filosofia moral. a) Ética ou Filosofia Moral designa a reflexão crítica e sistemática sobre a moral humana. b) Ética ou Filosofia Moral é um tipo de lógica irracional dos desejos que tenta vencer o medo e interferir nos acontecimentos. c) Ética ou Filosofia Moral é uma reflexão do sujeito sobre o objeto, é um pensamento especulativo. d) Ética ou Filosofia Moral é uma ação livre, cada qual escolhe a sua. e) Ética ou Filosofia Moral é o estudo da individualidade humana, o conjunto de normas aceitas numa cultura. 8. Analisando as questões da Ética e Moral podemos afirmar que: a) a Moral é um conceito semelhante na conduta humana em todos os povos, portanto todos tem uma Moral igual em suas ações. b) o estudo da Ética visa criar princípios universais das relações sociais. c) a Moral não depende dos fatores culturais da sociedade que está inserida. d) a Ética aprecia apenas fatores biológicos, não variáveis sociais. e) a Ética não é um campo de estudo de conhecimento, mas um simples sistema de julgamento. 21 O SERVIÇO PÚBLICO BRASILEIRO E SEUS VALORES ÉTICOS 22 A vacinação em massa é uma das principais formas de combate à pandemia do novo coronavírus, portanto os governos de todo mundo fizeram campanhas de imunização coletiva e disponibilizaram pontos para aplicação de vacinação coletiva. O Brasil não foi diferente, temos uma longa tradição de vacinação, mas um fato chamou a atenção num ponto de aplicação de vacinas em Brasília: um casal de diplomatas de um país da Europa Oriental chegou em seu carro oficial e furou a fila de mais de 400 pessoas, enfurecendo quem aguardavam sua vez de forma ordeira desde de muito cedo. As testemunhas dizem que os diplomatas apresentaram seus documentos, logo foram priorizados e vacinados (METROPOLES, 2022). Apesar de ser comumente um expediente atribuído aos brasileiros que tentam burlar a hierarquia e regras, o casal de diplomatas europeus utilizou da famosa (e infame) carteirada, como se o documento e suas funções públicas dessem uma dimensão especial acima da imensa maioria e até em situações normais que poderiam ter como todo cidadão a exemplo de uma simples fila de vacinação. A carteirada (Figura 4) é um artifício usado por um funcionário público que usa seu documento funcional para ser liberado de obrigações comuns a todos. É um arranjo social que o documento dá prerrogativas especiais ao portador, usado de forma irregular. Um dos exemplos clássicos da carteirada é numa fiscalização de trânsito com muitos carros sendo vistoriados pelos policiais que verificam se os veículos e os documentos dos motoristas atendem os requisitos legais, todavia quando um certo motorista é inspecionado pelos agentes de segurança, este apresenta seu documento especial para ser liberado da fiscalização, sem apresentar o atendimento das exigências regulares. A moral e a ética dos diplomatas europeus não impediram a vantagem indevida, portanto só a ação de outros poderia parar esta prerrogativa errada, porém as pessoas poderiam exorbitar sua revolta com violência podendo ter reflexos trágicos – a famosa “justiça com as próprias mãos” - e neste caso, o que poderia ser feito? A convocação de uma agente do Estado para resolver o problema. O Estado é uma instituição política que tem como objetivo de atender aos 2.1 A ÉTICA, MORAL E ESTADO Figura 4: A carteirada Fonte: Jusbrasil (2016) 23 interesses coletivos e tem, segundo a concepção weberiana, a exclusividade da coação legal, isto é, só o Estado pode impor ou vetar obrigações à sociedade através das leis que são aceitas como legítimas pela maioria. Esta organização social é a conjugação dos elementos constitutivos: Povo (agrupamento humano ligado por um processo histórico-cultural), Território (região geográfica vinculada), Governo (organismo administrativo que elabora e executa as leis) e Soberania (o poder de vetar ou autorizar algo). Como entidade social e política, o Estado está acima de todos os outros organismos sociais (como indivíduos, igrejas, associações, instituições de caridade, empresas, etc.) já que detém a exclusividade da força para impor sua vontade e realizar o interesse comum. Observando o mapa mundi, temos vários Estados ligados a limitações fronteiriças com tradições e histórias próprias, reconhecidos internacionalmente por seus pares e outras entidades que chamados de “Estado-Nação” e que se fazem representar e atuar interna e externamente (na relação com outros “Estados-Nações” e instituições internacionais como a Organização das Nações Unidas - ONU). Existem povos que reclamam territórios próprios e desejam instituir seus Estados com governos e soberania como os curdos que vivem do Irã a Armênia e desejam ter seu Estado-nação próprio e os tâmeis que também desejam seu próprio Estado-nação. Os processos de formação e de independência de um Estado-nação sempre é um processo lento e conflituosos e, muitas vezes, movido a guerras de libertação como o Sudão do Sul, que se desmembrou do Sudão, após uma longa guerra e sendo o último Estado-nação reconhecido em 2011. A capacidade de ordenar do Estado em seu Território passa pela organização do Governo que cria estruturas administrativas com agentes investidos para realizar a vontade estatal, porém dependem da Soberania com um poder legítimo e legal. A Soberaniaé reflexo do Direito: são ordenamentos, geralmente, escritas em códigos comuns a todos e maior que a Moral numa sociedade. Toda sociedade cria seu Direito de seu processo histórico-cultural oriundo da moral prevalecente: o Direito não é uniforme e nem homogêneo nos Estados-nações. Em alguns países ser homossexual é um crime previsto até penas severas, já outras nações têm a igualdade jurídica de homossexuais e outros grupos sexuais. O Direito estabelece regras acima da Moral, já que o sistema de julgamento moral é local e individual. O Direito para exercer suas prerrogativas e ações depende do Estado através de seus agentes e normas. A Moral pode ser aderida ou não pelas pessoas, já o Direito é obrigatório a todos. As normas jurídicas do Estado têm alcance muito mais amplo e profundo, portanto bem superior as dimensões da Moral. O jurista Ricardo Maurício Freire Soares (SOARES, 2016, p. 21) esclarece Muitos autores e teóricos colocam os elementos constitutivos Governo e Soberania como um único (Governo Soberano) por compreender que a manifestação da Soberania só existe através de um Governo, portanto são intrinsicamente ligados. FIQUE ATENTO 24 por sua vez, as sanções impostas pelas normas jurídi- cas são organizadas, porque o Estado detém o mono- pólio de aplicação da sanção jurídica, prevista institu- cionalmente no sistema normativo do direito positivo, podendo ser conhecido de antemão o seu conteúdo pelos agentes sociais. A descoberta uma relação extraconjugal num casamento, o que é visto por muitos como um ato que fere a Moral por violar o compromisso matrimonial, só provoca um constrangimento social aos envolvidos, todavia sem a punição penal pelo Direito brasileiro a(o) adúltero(a), já que o adultério deixou de ser crime previsto nas leis. Todavia, a separação deste casal precisará do Direito, já que será desfeito o contrato deles (no caso, o casamento) e a partilha dos bens em posse do casal, inclusive sendo decidido pelo Direito por instâncias estatais – como Tribunais de Justiça - a eventual guarda de filhos e até dos animais que conviviam comumente. Assim, o Estado se torna uma organização social com personalidade jurídica – possui uma instituição formalizada legalmente - já que os seus órgãos especializados (tribunais, forças de segurança, serviços sociais, administração fiscal etc.) e os seus agentes investidos são seus representantes que devem agir em conformidade as normas jurídicas. O Estado Moderno é construído pelos princípios de racionalidade (eficiência e eficácia de sua administração) e de Direito (pela legalidade e legitimidade de seus atos). Portanto, o Estado Moderno deve ser racional-legal e não devendo ser baseado apenas em tradições e carisma das suas autoridades. Reforço do entendimento sobre Moral, Ética e Direito: https://bityli.com/Zm9Ep. Acesso em: 23 abr. 2023. BUSQUE POR MAIS Uma pesquisa realizada em conjunto pelo CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas), em parceria com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e o SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) constatou dados bem polêmicos: a consulta era sobre golpes sofridos por consumidores e identificou que um em cada cinco clientes lesados, também faziam atos ilícitos para obter vantagens como “gatos” (ligações ilegais) de TV por assinatura, internet, energia e água (BAND, 2021). O “jeitinho brasileiro” era a forma de ter benefícios, fora dos acordos e leis, destes clientes lesados e que também lesavam empresas e outras pessoas. Será que o “jeitinho brasileiro” é um traço cultural nacional tão relevante? Para respondermos, precisamos ver a colonização portuguesa: o Brasil foi constituído por portugueses, os nativos indígenas e dos negros sequestrados da África. 2.2 O “JEITINHO BRASILEIRO” 25 no caso do Brasil, cujas as classes dominantes se for- maram no escravismo com postura socialmente irres- ponsável com respeito às classes subalternas e, (...) às oprimidas, cristalizou-se uma estrutura social crua- mente desigualitária que gera enormes tensões, difi- cultando ao extremo a conciliação de classes. (RIBEIRO, 1978, p. 98) uma mediação pessoal entre a lei, a situação onde de- veria aplicar-se as pessoas nela implicada, de tal sorte que nada se modifique – mas como ela é insensível e As elites, detentoras dos privilégios político-econômicos e que criam barreiras de entrada para a maioria da população aos direitos básicos, permitem por filiação ou proximidade que poucos das classes menos abastadas o acesso aos benefícios sociais e, que muitos, seriam amparados legalmente como saúde, educação, trabalho, assistência social, moradia, etc. Antes do sistema de saúde público universal brasileiro previsto na Constituição Federal de 1988, era muito comum de algumas autoridades de governos subnacionais, especialmente das cidades distantes de grandes centros e capitais, intermediarem as consultas e exames em troca de apoio político do eleitorado. A igualdade jurídica para brasileiros sempre foi uma difícil conquista até nas leis e extremamente bem recente, historicamente falando, tanto que o Brasil foi a última nação do continente americano a abolir o trabalho escravo de 1888, nas vésperas do fim do Império que terminou no ano seguinte. As leis, como as normas jurídicas do Estado no geral, costumam ter uma rigidez extremamente formal e que a maioria da população tem dificuldade ao acesso e compreensão dos complicados códigos jurídicos e sistemas administrativos. Por exemplo, um trabalhador rural, após décadas de contribuição à sua aposentadoria, pode ter um enorme desgaste para obter este benefício – que é seu legalmente - por não entender os processos lentos e rigorosos dos órgãos de previdência social. Um dos caminhos para provocar a flexibilidade social às normas rígidas é o “jeitinho brasileiro”, que é uma intermediação informal e pessoal, baseada pela proximidade e simpatia para obter vantagem que, eventualmente, violem as leis. O antropólogo Roberto Da Matta (MATTA, 1986, p. 97) fala o fenômeno como: Biblioteca Person. Diversidade Cultural, Étnica e Religiosa. p. 113-119. Ética e Cidadania. Ke- nya Jeniffer Marcon (Org.). São Paulo: Person Education do Brasil, 2017 BUSQUE POR MAIS Mesmo com a enorme riqueza cultural dos indígenas e africanos, predominou- se os quadros mentais e jurídicos do colonizador nas relações sociais e estatais. O processo civilizatório brasileiro manifestou-se por profunda violência e exploração dos povos africanos e indígenas, bem como desigualdade e hierarquização das relações sociais com a escravidão e outras formas de servilismo, descritas que: 26 não é gente como nós, todo mundo fica, como se diz, numa boa, e a vida ao seu normal. O “jeitinho brasileiro” é uma afronta à Ética já que é uma transgressão aos princípios universais de igualdade e boa conduta para todos, todavia se insere na moral individual da pessoa que busca para ultrapassar os obstáculos jurídicos. O confronto das normas jurídicas e o “jeitinho brasileiro” podem refletir em até em casos de corrupção tão presentes nas mídias e até indignam os que afirmam ter uma Ética distinta de tais atos: como os tristes desvios de recursos públicos por agentes estatais de governos no combate ao coronavírus. Este arranjo é tão forte que o primeiro personagem brasileiro do estúdio Walt Disney foi o malandro Zé Carioca: o perito no “jeitinho brasileiro” (Figura 5), criado nos anos 40 como ponte dos Estados Unidos e o Brasil na II Guerra Mundial. O personagem do malandro na cultura popular se refere a alguém, extremamente habilidoso no “jeitinho brasileiro”, que sabe usar os meios para obter vantagens para si e para outros que requisitam sua perícia. Uma sociedade que deseja ser organizada e regulada por normas jurídicas do Estado – que por entenderem que são elaboradas pelos interesses coletivos – reflete e questiona o uso do “jeitinho brasileiro” como ofensa à uma Ética comuma todos. Afinal, a igualdade jurídica deve ampliar o acesso igualitário dos direitos sociais. Figura 5: Zé Carioca Fonte: Fandom Disney (2022) Num país cada vez mais globalizado como o Brasil, o “jeitinho brasileiro” não é uma práti- ca bem-vista nas relações econômicas e nas cadeias produtivas internacionais. Segundo Chu e Wood Jr. (2008), o “jeitinho brasileiro” é considerado um comportamento pouco pro- fissional e amador segundo as pesquisas e entrevistas com gestores brasileiros e estran- geiros que realizam negócios globais. VAMOS PENSAR? Um grupo de Procuradores do Ministério Público Federal (MPF), pertencentes 2.3 A EVOLUÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO E SEUS VALORES ÉTICOS 27 à Força Tarefa da Operação Lava Jato, foram acusados de acumular ilegalmente valores de diárias e passagens pelo Tribunal de Contas da União (TCU), logo estes que integraram a maior operação anticorrupção do país. Bruno Dantas, Ministro do TCU criticou no seu despacho os Procuradores “no âmbito da atividade funcional de combate à corrupção, admitindo-se como práticas naturais o patrimonialismo, a personalização e a pessoalidade das relações administrativas.” (EM, 2021). Os Procuradores Federais foram condenados a devolver R$ 2,5 milhões em valores considerados ilícitos em diárias e passagens, logo os mesmos fiscais da lei que ajudaram a condenar executivos, operadores e políticos ligados aos desvios nos negócios da estatal brasileira de Petróleo que foram punidos em bilhões de reais em repatriação, devolução e multas. O Ministro Bruno Dantas da Corte de Contas da União tocou em questões presentes desde dos primórdios na Administração Pública brasileira ao atacar as práticas ilícitas dos Procuradores da Força Tarefa da Lava Jato: patrimonialismo, personalismo e pessoalidade. Tais características danosas ferem a Ética e o atendimento do bem social no Estado, aprisionando os recursos e suas políticas públicas ao jugo privado. O Estado brasileiro começou com a vinda da Família Real em 1808, fugitiva das guerras napoleônicas na Europa para sua colônia brasileiro que segundo Martins (1997), foi transpassado um enorme aparelho estatal ocupado por uma classe economicamente improdutiva formada pela nobreza. A monarquia portuguesa representava uma enorme desigualdade social e jurídica: os bens do Estado pertenciam aos reis como propriedade pessoal, além dos cargos públicos e privilégios eram ofertados pela lealdade ou negociados por favores pelo seu séquito. As relações no Aparelho de Estado se fundamentavam no personalismo, isto é, não era a prioridade de uma estrutura profissional e competente, porém uma rede de apoio baseada em fidelidades e devoção aos grupos políticos que indicaram os cargos à burocracia pública. Assim, os empregos estatais ficavam em dívidas eternas e com trocas de favores e informações às forças políticas que os efetivaram; este arranjo social é chamado de personalismo. O personalismo na Administração Pública pode ser definido como o “funcionalismo público relaciona-se com a ética de fundo emotivo que permeia a nossa cultura: o homem cordial é avesso à impessoalidade e ao formalismo e, consequentemente, a burocracia.” (PAULA, 2010, p. 106) Os monarcas eram tidos como representantes de Deus e com prerrogativas sobre a maioria que estavam escritos nas normas jurídicas do Estado e nas tradições, portanto no período chamado Absolutismo (que finalizou no século XVIII), havia uma centralização de poder na figura pessoal dos reis. Nas monarquias absolutistas, governavam na Teoria da Irresponsabilidade do Estado “fundada numa ideia de soberania, enquanto a autoridade sem possibilidade de contestação pelo súdito” (BITTENCOURT, 2007, p. 175). Apesar de haver normas jurídicas do Estado, mesmo quando tinham prescrições legais para todos, as regras eram maleáveis para a classe nobiliárquica e para os apadrinhados que caíram nas suas graças. Estas características nefastas são do chamado Patrimonialismo, onde o Estado com seus vastos recursos é um grande balcão de negócios entre as facções que competem pela atenção das autoridades e o atendimento e seus interesses particulares. 28 Uma das figuras que sintetizam este momento é a Cerimônia do Beija Mão (Figura 6), oriundo da monarquia europeia e incorporada na realeza tropical, em que, determinados dias, o Palácio Imperial era aberto para as pessoas reverenciarem o monarca em seu trono, beijando sua mão e, muitas vezes, pedindo favores pessoais. O lugar na fila do Cerimônia do Beija Mão era disputado ao extremo. Este modelo era conhecido como a Administração Pública Patrimonial prevaleceu e no Estado soberano e independente de Portugal quando se instituiu o Império brasileiro (1822-1889) e no primeiro período republicano (1889-1930), quando os acessos aos cargos estatais vias seleções públicas eram raros, prevalecendo a indicação política chamada de nepotismo, isto é, que favorecia parentes, amigos e pessoas leais para funções públicas e contratos estatais por fidelidade e fraternidade e não pela capacidade e habilidades profissionais. Segundo Martins (1997) até os anos 30, apenas os militares, Itamaraty (Relações Exteriores) e o Banco do Brasil (que também era o Banco Central na época) tinham órgãos bem estruturados, planos de carreiras, profissionalização, acesso e promoção por mérito e espírito de corpo público, tanto que membros destes órgãos formavam a elite da Administração Pública daquele período. Apesar dos direitos básicos e liberdades individuais prescritas nos códigos estatais, a igualdade jurídica era, praticamente, ínfima no tempo de uma economia agrário- exportadora em que a maioria da população vivia, em grande parte, na pobreza ou próximo da subsistência no campo em que a urbanização era restrita às grandes (e aglomeradas) cidades com uma parcela expressiva de desfavorecidos. Por conseguinte, o Estado brasileiro era fragmentado e poroso à influência das elites rurais que governavam como oligarquias políticas, notadamente as classes dominantes dos estados de Minas Gerais e São Paulo. Figura 6: A Cerimônia do Beija Mão de Dom João VI Fonte: Cerimônia do Beija Mão (Wikipedia, 2019) Apesar dos avanços reformistas, as práticas patrimonialistas ainda permanecem no Es- tado brasileiro, precisando ser sempre combatidas. FIQUE ATENTO 29 A partir do século XIX, devido a emergência da Revolução Industrial e expansão capitalista, se exigia mudanças nas estruturas estatais, surgindo a Administração Pública Burocrática para combater as práticas patrimonialistas. Segundo o professor de Administração Pública José Matias-Pereira a Administração Pública Burocrática “pregava os princípios de desenvolvimento, da profissionalização, ideia de carreira pública, hierarquia funcional, impessoalidade, formalismo; tudo combinado no poder legal” (MATIAS-PEREIRA, p. 113). Ao contrário do modelo patrimonialista, a Administração Pública Burocrática enfocava na racionalidade (eficiência) e legalidade (prescrições normativas) para minimizar ou barrar os atos ilícitos e ineficientes no aparato do Estado. A ascensão da Administração Pública Burocrática ocorreu com as transformações na modernização administrativa da gestão pública e a evolução do Direito Público com a incorporação da democracia, direito político e liberdades individuais nas normas jurídicas do Estado, ainda que precariamente. A cidadania, ação do cidadão para lutar por suas demandas e participação política no Estado, começa a emergir nesta fase, inclusive por contestações sociais. No Brasil, a Administração Pública Burocrática foi iniciada na Revolução de 1930 quando ascendeu Getúlio Vargas num movimento militar e governou por 15 anos, a maior parte do tempo com restrições de direitos políticos e como um autocrata, especialmente no Estado Novo (1937-1945) com conotações fascistas. O Estado Varguista tinha uma centralização política e administrativa, buscava implementar umas bases de uma economia industriale diversificada, com novas legislações trabalhistas e previdenciárias para uma classe trabalhadora. O Poder Público também passou a mediar os conflitos entre trabalhadores e empresários através de um sindicalismo autorizado, órgãos judiciais e departamentos trabalhistas. O Governo federal passou a conduzir o desenvolvimento econômico, que segundo Diniz (2004), a intervenção estatal na esfera econômica se fez pela institucionalização de institutos, autarquias e conselhos com amplas funções regulatórias e criação de empresas públicas em áreas consideradas estratégicas. Um dos organismos que emergiram neste contexto de mudanças foi o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), criado 1937 como órgão subordinado diretamente ao Presidente e designado para implementar a Administração Pública Burocrática no setor público federal. Com o DASP, a seleção pública de cargos efetivos priorizou a impessoalidade (o servidor não entraria para um órgão vias laço de fidelidade com forças políticas) e a legalidade (o agente obedeceria a norma jurídica do Estado e não a vontade do chefe político). Na visão da Administração Pública Burocrática, o DASP enfocava nos processos e procedimentos para buscar a eficiência administrativa no chamado controle de meios A Administração Pública Patrimonialista não é uma Reforma do Estado Brasileiro, visto que é como a gestão estatal se encontrava e se desenvolveu pelo legado português e a partir experiência brasileira com a formação e manutenção do próprio aparelho do Estado. VAMOS PENSAR? 30 e processual, através de uma rigidez normativa pela hierarquização e formalismo. O DASP foi responsável pelos primeiros planejamentos orçamentários, planos de cargos e salários, e treinamento e aperfeiçoamento do setor público. As propostas do DASP foram contidas pelas forças políticas patrimonialistas que formaram coalizões governativas, a reforma foi limitada e o “sistema estatal híbrido, marcado pela interpenetração dos traços típicos do modelo racional-legal com dinâmica clientelista” (DINIZ, 2004, p. 34). Na retomada democrática após 1945, o Estado brasileiro, segundo Paula (2010), se caracteriza pela coexistência entre traços da cultura política patrimonial e bolsões de eficiência administrativa. Portanto, as duas vertentes (patrimonialista e burocrática) dentro do mesmo aparelho de Estado em disputa e cooptando diversos órgãos e entidades estatais. Este hibridismo administrativo permaneceu no Estado brasileiro como no grande Plano de Metas do Governo Juscelino Kubistchek (1956-1961) que se instituiu a “Administração Paralela”, de acordo com Benevides (1976), seria órgãos e grupos de assessoria eram subordinados ao Executivo com verbas orçamentárias preservadas e enfocada na racionalidade técnica para empreender o ambicioso desenvolvimento almejado, paralelo as organizações estatais permeadas as influências patrimonialistas e clientelistas. Na Ditadura, instituída no Golpe de 1964, foram limitadas as liberdades políticas e perseguidos os opositores num novo padrão econômico, enfocado no combate aos inimigos do Estado e no incremento do capitalismo no binômio segurança e desenvolvimento, mas na flexibilização com o Decreto-Lei n.º 200/1967 que centralizou o planejamento público, descentralizou a execução administrativa e reorganizou o aparelho estatal. O Decreto-Lei n.º 200/1967, de acordo com Matias-Ferreira (2010, p. 93) “foi a primeira experiência de implantação da administração gerencial no Brasil “, um outro marco administrativo nascido em uma Ditadura na busca da eficiência e eficácia do Estado e já previa alguns indicadores de desempenho ao setor público. A reforma também não evitou que os interesses privados cooptassem a burocracia estatal e até as seleções públicas repetissem o patrimonialismo e personalismo. Assim, mesmo num regime cívico-militar autoritário que, em discurso, ufanava os padrões éticos na gestão pública, se observa a falta de transparência dos atos estatais, a baixa responsabilização dos agentes públicos, censura das informações relevantes que afrontasse o sistema político e limitava a cidadania, além de uma repressão judicial e extrajudicial aos opositores. Após um período de crescimento econômico que ajudou na sua legitimidade, a Ditadura sofreu com a crise econômica e as pressões políticas para uma distensão na segunda metade dos anos 70, que impeliu uma transição para os civis em 1985. O ciclo ditatorial legou um país com um abismo social e restrições da cidadania, uma desigualdade que passou a ser atenuada na Constituição de 1988 com amplos direitos políticos e sociais de proteção ao cidadão. A Carta Magna de 1988 trouxe também padrões éticos para a Administração Pública, trazendo o Princípio da Moralidade (no caput do artigo 37) e prescrevia a punição aos agentes que violassem a ética pública – o crime de Improbidade Administrativa previsto no § 4º do mesmo artigo 37, que debateremos mais à frente. O acesso aos cargos públicos efetivos seria, conforme foi definido pela Carta 31 Magna de 1988, via os processos de concurso público por provas e títulos ou apenas provas conforme a complexidade do cargo, o que já uma forma de limitação ao patrimonialismo. O Estado brasileiro que chegou com a “Constituição Cidadã’ tinha a economia combalida e questionamento do papel do Estado como promotor do desenvolvimento. Segundo Pereira (1998, p. 36), a crise econômica, tornava “o Estado, de agente de desenvolvimento, se transformava em seu obstáculo" Uma das soluções internacionais à crise do Estado foi a Nova Administração Pública (New Public Management), iniciada nos Governos Anglo-saxônicos (Inglaterra, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia) nos anos 70 e 80 e que viraram um farol aos países pobres: segundo Paula (2010) o movimento da Nova Administração Pública pregava: • a reformulação e redução do Estado, o Poder Público não seria mais o indutor relevante da economia; • o mercado teria mais relevância para a condução do desenvolvimento com desregulamentação e privatização de empresas estatais; • flexibilização das modalidades de contratualização para a prestação dos serviços públicos (como a terceirização de mão de obra); • e a ênfase dos modelos administrativos da gestão privada. A Nova Administração Pública passou ser chamada de Administração Pública Gerencial foi a primeira reforma administrativa num período democrático e implantada a partir do Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado (PRAE) de 1995 capitaneado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) (MATIAS-FERREIRA, 2010), liderado pelo Ministro Luís Carlos Bresser-Pereira e um dos principais intelectuais brasileiros da Nova Administração Pública. A Administração Pública Gerencial brasileira reforçava conceitos burocráticos como a eficácia e eficiência e trazia a efetividade, isto é, os impactos dos resultados das políticas públicas escolhidas que, naturalmente, passava por questões éticas já que os fins éticos deveriam justificar o uso dos meios éticos na gestão estatal. A preocupação gerencial é o controle dos resultados, portanto flexibiliza tanto órgãos e entidades pertencentes a Administração Pública quanto do setor privado através de na terceirização de mão-de-obra no serviço público e convênios administrativos. A lógica da Nova Administração Pública era que pela estrutura estatal é muito pesada e rígida pelas normas e corpo burocrático, portanto transferir atividades públicas para entidades sociais e empresas privadas que tem mais autonomia administrativa em contratos com indicadores e metas a serem seguidos, ofereciam mais resultados e efetividade aos cidadãos. Um dos ônus da contratualização de atividades do serviço público para o setor Biblioteca Person. Reforma Bresser-Pereira, p. 85-88. LOURENÇO, Nivaldo Vieira. Adminis- tração Pública: Modelos, Conceitos, Reformas e Avanços para uma Nova Gestão Pública. Curitiba: InterSaberes,2016. BUSQUE POR MAIS 32 privado em áreas sensíveis como saúde, educação e assistência social foi a transferência de valores volumosos de recursos públicos, o que eventualmente precariza o próprio setor público já que reduz seu orçamento, para atores particulares e, quando não, a descoberta de práticas corruptas para escolha e manutenção de instituições privadas que, muitos, favoreceriam alguns agentes políticos e estatais. A reforma gerencial de 1995 colocava a participação cidadã nas decisões estatais por conselhos e foros, porém o que se observou foi uma inserção social limitada, já que a estrutura estatal restringia os canais de atuação da sociedade (PAULA, 2010), logo as deliberações se limitaram à burocracia do Executivo e aos debates legislativos. Muitas vezes, as entidades sociais em consultas e foros públicos apenas cumpriam regras legais, contudo não tinham a efetividade das suas sugestões cidadãs. Apesar de uma profissionalização da burocracia pública com a entrada de agentes capacitados via concursos e qualificações em cursos e aperfeiçoamentos, permaneceram os cargos da alta gestão escolhidos por forças políticas e, quando não, por uma orientação patrimonialista sobre parcelas do Estado, já que órgãos e ministérios administravam recursos bilionários para atender interesses clientelistas. 33 FIXANDO O CONTEÚDO 1. (UFERSA – 2021). Correlacione as características abaixo ao correto modelo de administração pública que representam: I. Definição de indicadores de desempenho e gestão. II. Orientação para os resultados. III. Foco nos procedimentos e processos. a) Modelo Gerencial - Modelo Gerencial - Modelo Burocrático. b) Modelo Burocrático - Modelo Burocrático - Modelo Gerencial. c) Modelo Gerencial - Modelo Burocrático - Modelo Burocrático. d) Modelo Burocrático - Modelo Gerencial - Modelo Burocrático. 2. (CESPE – 2020). O processo de modernização do Estado brasileiro, surgido em um contexto de acelerada industrialização e caracterizado pela criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), está vinculado ao modelo de Estado a) gerencial. b) patrimonialista. c) da nova administração pública. d) burocrático. e) Neoliberal. 3. (CESGRANRIO – 2019). Na evolução da Administração Pública em diversos contextos mundiais, há um elemento fundamental que baliza o entendimento da necessidade da superação do patrimonialismo. É uma característica central do patrimonialismo a) contratar pessoal com base em regras explícitas que garantam igualdade formal. b) definir racionalmente funções e responsabilidades por leis ou regulamentos. c) manter a sobreposição da esfera pessoal, privada e familiar frente à esfera pública e ao trabalho. d) organizar, de forma estável e duradoura, grande número de prestadores de serviços, cada qual com uma função especializada. e) separar formalmente a função das características pessoais do indivíduo que a ocupa. 4. A Administração Pública Gerencial busca tratar de questões da cidadania, democracia e transparência na gestão estatal através da(o): a) centralização e seleção das informações apenas pelo Estado. b) restrição à participação política dos cidadãos na gestão pública. c) formalismo e rigidez administrativa nos atos estatais. d) instituição de canais e meios para a participação cidadã na administração estatal. e) promoção de favores estatais somente para quem é leal politicamente. 34 5. (CPCON – 2017). “O antropólogo brasileiro Roberto Da Matta, que procurou retratar a cultura política nacional, especialmente o lugar ocupado pela ética, enfatizou que todos nós queremos uma polícia impecável, correta, justa, mas não queremos que nossos amigos ou correligionários sejam presos; louvamos a maior rigidez das leis contra a impunidade, mas fazemos de tudo para lutar pela própria impunidade e pela impunidade de minha corporação e de meus amigos". O texto acima denuncia uma realidade presente na cultura brasileira, que Da Matta conceituou como “jeitinho". Uma das alternativas descreve um comportamento que pode ser associado a esta característica, assinale a CORRETA. a) “A boa justiça começa em casa”. b) “Amigos, amigos, negócios à parte”. c) “A lei é dura, mas é lei”. d) “A justiça tarda, mas não falta”. e) “Para os amigos tudo, para os inimigos a lei”. 6. (CESPE – 2016). A respeito dos elementos do Estado, assinale a opção correta. a) Povo, território e governo soberano são elementos indissociáveis do Estado. b) O Estado é um ente despersonalizado. c) São elementos do Estado o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e o Poder Executivo. d) Os elementos do Estado podem se dividir em presidencialista ou parlamentarista. e) A União, o estado, os municípios e o Distrito Federal são elementos do Estado brasileiro. 7. Analisando as práticas da Administração Pública nacional, o “jeitinho brasileiro” era um fenômeno incorporado e mais presente na: a) Administração Pública Holística. b) Administração Pública Societal. c) Administração Pública Burocrática. d) Administração Pública Gerencial. e) Administração Pública Patrimonial. 8. A Administração Pública Burocrática foi a primeira grande reforma administrativa brasileira, apesar de muitas mudanças e correntes no setor público, ainda são suas características que permanecem na gestão pública: a) favorecendo de indicados políticos para os cargos públicos efetivos em concursos. b) impessoalidade e legalidade nos atos estatais. c) controle dos resultados e ideias da gestão privada. d) transparência e governança pública. e) privilégio dos interesses privados sobre os interesses coletivos. 35 EIXOS NORTEADORES DA ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICOS 36 Uma gigante estadunidense de supermercados com filial no Brasil foi condenada por danos morais ao obrigar os funcionários a fazerem gritos, dançarem e baterem palmas como práticas motivacionais ao cantarem o hino da empresa a cada reunião e encontro de gestores e trabalhadores. Segundo a sentença de condenação na Justiça brasileira, as práticas tinham até coreografia de gosto duvidoso com funcionários tendo que “rebolar” no ambiente de trabalho perante os colegas e chefes (MIGALHAS, 2011). Os Cheers (Figura 7), prática motivacional muito comum em organizações multinacionais de origem norte-americana com cantos e danças de “guerra” da empresa. Tais modalidades de incentivo nas empresas têm gerado muitos choques culturais: nos Estados Unidos é muito comum por ser o país precursor e principal promotor deste estímulo nas suas empresas, porém em países que tais atividades de impulsionamento não é comum, mesmo nas filiais norte-americanas, há críticas, resistências e até ações judiciais como vimos no caso mencionado. Há uma proibição da implantação dos Cheers no ambiente de trabalho brasileiro? O trabalho formal e lícito é pautado na valorização da dignidade humana e obrigar a realizar atos fora do campo do Direito e Ética configura infrações na das normas jurídicas do Estado (a legislação trabalhista) e no campo filosófico da Ética. Alegar que são as pessoas adultas e que fizeram estes atos de forma voluntária também não se sustentaria já que nas relações entre empregador e empregado há uma disparidade, tendo em vista que o polo empresarial tem o poder econômico, logo a parte mais fraca – os trabalhadores - pode se submeter as ordens e neste eventual delito, o Direito, através do Estado, entra para equilibrar e punir os descumprimentos legais. 3.1 COMPORTAMENTO ÉTICO DO GESTOR PÚBLICO E A GESTÃO DOS NEGÓCIOS PÚBLICOS E PRIVADOS Figura 7: Cheers, a polêmica prática motivacional de empresas Fonte: LOPES (2018, on line) 37 Apesar de ambos os setores (público e privado) estarem num sistema capitalista em que se valoriza a eficiência (racionalização dos processos para auferir maiores ganhos), e a eficácia (atingir os resultados esperados), e a recente efetividade (preocupação com os impactos dos objetivos alcançados), as perspectivas de ambos guardamalgumas distinções. O setor privado e o setor público têm diferenças substanciais em seus objetivos, enquanto os agentes particulares empreendem suas atividades para obter lucro e interesses privados, os órgãos e entidades estatais devem atender o interesse público em seus planejamentos e ações estatais. Tanto o setor privado quanto o setor público devem respeitar o Direito e a Ética nas suas gestões, portanto mesmo que haja um acordo voluntário entre as partes, não pode ferir o Direito e a Ética como vimos no caso da condenação da prática do Cheers numa filial brasileira da multinacional norte-americana de supermercados. Neste sentido, os limites do Direito e da Ética são tênues, porém as normas jurídicas do Estado abrangem a todos numa sociedade, tanto dos agentes particulares do setor privado quanto os agentes públicos que integram a estrutura organizacional do Estado. Bittencourt (2008) recorda que o agente privado pode fazer tudo que a Lei não proíbe, enquanto o agente público só pode fazer o que determina a Lei. Os servidores e os órgãos estatais têm que ter a permissão legal para seus atos, já um profissional e a empresa privados podem fazer ações desde que a Lei não vete. As licitações são um exemplo: é uma seleção pública para escolha da proposta mais vantajosa ao setor estatal na aquisição de bens e contratação de serviços, sujeita às regras com um rito formal público e requisitos técnicos e normativos. O setor privado pode escolher seus fornecedores da forma como que lhe convém, geralmente prezando a relação custo-benefício. Outra limitação legal do setor público é a contratação de pessoal, como vimos na Constituição Federal de 1988, os cargos públicos, por regra, serão ocupados por concursos públicos de provas e títulos fundamentados pelas normas jurídicas do Estado, competência técnica e democracia ao ingresso no serviço público. O setor privado tem uma enorme flexibilidade na contratação de quadros Uma breve orientação para empresas e gestores sobre os Cheers e suas impli- cações legais: https://shre.ink/2xN1. Acesso em: 23 abr. 2023. BUSQUE POR MAIS Não existe liberdade absoluta ou vontade particular sem apreciação num Estado Demo- crático de Direito já que os atos individuais e coletivos podem ser analisados, balizados e até punidos quando violam as regras do Direito e da Ética. FIQUE ATENTO 38 As tensões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário emergiram nos últimos anos, e eclodiram, especialmente, nas políticas do combate a pandemia do novo coronavírus que arrastou o Brasil a partir do ano de 2020 (e o mundo) para uma crise global. Neste contexto tumultuoso, o jurista Ruy Altenfelder afirmou que uma eventual negativa do Presidente da República em atender as decisões judiciais dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pode o mandatário do Executivo Federal sofre um processo de crime de responsabilidade e até ser punido com o impeachment, isto é, a destituição da maior autoridade do país por violar a ética e moral pública. (CORREIO BRAZILIENSE, 2021). Após 21 anos da Ditadura cívico-militar, o governo civil emergiu em 1985 com profundos desafios para a sociedade, Estado e mercado brasileiro, sendo necessário uma profunda reorganização para a nascente democracia exigia que é feita de um novo tratado social e leis. A Constituição é a maior lei de uma nação, uma Assembleia Constituinte ocorreu nos anos de 1987 e 1988 e elaborou a nova Carta Magna, promulgada em 1988 como novo marco jurídico e de desenvolvimento nacional. 3.2 A ÉTICA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 de colaboradores, Chiavenato (1997) nos ensina que a empresas podem usar os recrutamentos externo (com buscas fora da empresa), interno (demandando apenas na empresa) e misto (simultaneamente os dois métodos). O setor público é obrigado a dar transparência e publicidade de todos os seus atos e recursos, salvos aqueles atos que exigem preservação do sigilo legal como aqueles que envolvem a segurança nacional ou proteção de terceiros. Por exemplo, a Administração Pública brasileira não pode divulgar os nomes e atos de sua agência nacional de informações ou endereços de casas de acolhimento de testemunhas para proteção dos envolvidos. Enquanto uma empresa privada só deve divulgar o que determina a lei, por exemplo os balanços patrimoniais e relatórios financeiros das empresas que têm participação societária em bolsas de valores tem a obrigação legal e regimental para dar publicidade como exige os órgãos de controle. A Administração Pública, por estar vinculada as normas jurídicas do Estado, deve obedecer aos Princípios do Direito Público (ou Direito Administrativo porque rege as relações da Administração Pública) que são os seguintes: I. Princípio da Supremacia do Interesse Público; II. Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público; III. Princípio da Legalidade; IV. Princípio da Impessoalidade; V. Princípio da Moralidade; VI. Princípio da Publicidade; VII. Princípio da Eficiência; VIII. Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade; IX. Princípio da Autotutela; X. e Princípio da Continuidade dos Serviços Públicos. (PAULO e ALEXANDRINO, 2008) 39 Nos seus princípios, seus fundamentos estabelecidos já mostram um novo postulado ético nesta norma jurídica do Estado ao compreender as desigualdades existentes no país (BRASIL, 2015): • Fundamentos (soberania, cidadania, dignidade humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa); • Objetivos (construir uma sociedade livre, justa e solitária; garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação). A Lei Fundamental reconhecia os disparates, inclusive as diversas formas de discriminação e princípios para minimizar e superar as desigualdades, logo os constituintes definiram novos e aguardados padrões éticos para o Estado brasileiro. A Carta Magna de 1988, estabeleceu no seu artigo 37 os princípios que deveriam orientar o planejamento e ações da Administração Pública: • Legalidade: “o administrador público somente poderá fazer o que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais espécies normativas” (MORAES, 2007, p. 311); • Impessoalidade: “possui dupla acepção: finalidade da atuação administrativa, que deve sempre ser a satisfação do interesse público, e a vedação à promoção pessoal do administrador público” (PAULO e ALEXANDRINO, 2008, p. 331); • Moralidade: “não bastará o administrador o estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício da sua função pública, respeitar os princípios éticos da razoabilidade e da justiça (...) (MORAES, 2007, p. 312). ” • Publicidade: “possui dupla acepção a saber: (...) as publicações em órgão oficial dos atos administrativos gerais devam produzir efeitos externos (...) a exigência da transparência da atuação administrativa. ” (PAULO e ALEXANDRINO, 2008, p. 333). • Eficiência: alteração do paradigma existente para um sistema de mérito, possibilitando maior controle dos resultados na atividade administrativa. (...) alcançar o máximo de resultado com o mínimo de custo possível.” (BITTENCOURT, 2007, p. 34-35) Os eixos norteadores acima são chamados de Princípios Explícitos da Administração Pública porque são previstos na Carta Magna de 1988. Também existem os Princípios Implícitos que são oriundos das leis (normas jurídicas do Estado), da Doutrina (debate e teoria jurídica), da Jurisprudência (entendimento comum e vinculativo das decisões judiciais), e dos costumes (as práticas do cotidiano na aplicação do Direito). São exemplos de Princípios Implícitos da Administração Pública: da supremacia do interesse público; da indisponibilidade do interesse público; da razoabilidade e proporcionalidade; da autotutela e da continuidade dos serviços públicos. Para fins do texto constitucional, o Princípio
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