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DESCRIÇÃO Educação com base em uma proposta pluricultural alicerçada em uma visão decolonizadora que observa na regionalidade o motor para a superação do currículo eurocêntrico regido pela bússola da hegemonia científica. PROPÓSITO (Re)conhecimento da relevância regional para os processos de ensino e aprendizagem, do potencial da diversidade de vozes de múltiplos sujeitos como produtores de conhecimento ante a dominação política e cultural eurocentrada de bases teóricas e dogmáticas hegemônicas coloniais, tema essencial para os futuros profissionais das áreas de História, Letras e Pedagogia. OBJETIVOS MÓDULO 1 Reconhecer a visão preconceituosa e reducionista do epistemicídio ante os saberes indígenas MÓDULO 2 Identificar a supremacia da perspectiva colonizadora em detrimento dos conhecimentos da população preta (africana e afro-brasileira) MÓDULO 3 Distinguir o liame entre identidades e representações sociais com a cultura regional INTRODUÇÃO Em suas inexoráveis (Inevitáveis) palestras, o teólogo Leonardo Boff costumeiramente nos ensina que “todo ponto de vista é a vista de um ponto”. “Enegrecendo” essa perspectiva com a sabedoria de um dos ensinamentos do continente-mãe, coaduna a essa assertiva o seguinte provérbio africano: “Até que os leões inventem suas próprias histórias, os caçadores serão sempre os heróis das narrativas de caça”. Assim, em quaisquer processos interlocutivos, apresentamos alguns dos nossos inúmeros pontos de vista que compõem o acervo do nosso capital cultural, que indubitavelmente é polilógico (multiplicidade paradigmática) e mutirreferencial (variação de diretrizes). Essa nossa interlocução – seja oral, seja escrita – é polifônica (ressoa inúmeras vozes) e possui intencionalidade discursiva, encruzilhando nossas caleidoscópicas (Diversas) experiências. As nossas unidades escolares precisam ser espaços privilegiados de trocas nos quais devem imperar a diversidade e o enaltecimento das categorias sociais, classe, crença, deficiência, gênero, geração, orientação sexual, raça, entre outras. Assim, tanto dentro quanto fora do espaço escolar, os discentes em suas trocas sociais respeitarão cada indivíduo no que tange às subjetividades e identidades. A Educação e a regionalidade, por esse princípio, não combinam. São generalizantes, são tradicionais, são resistentes a seus velhos valores. Falar em regionalidade, em regionalização, é promover, é provocar, é romper laços que parecem tão naturais, tão corriqueiros. Por isso, daqui por diante você será provocado a pensar sua linguagem, sua concepção de mundo, sua cosmogonia educacional em prol de um novo olhar. Palavras vão tirar você do velho eixo europeu e perguntar que Educação precisamos em uma dinâmica regional. CULTURAL javascript:void(0) Cultura é aqui entendida na concepção indígena como natureza dos sujeitos – possível forma de o agente experimentar a sua própria natureza. MÓDULO 1 Reconhecer a visão preconceituosa e reducionista do epistemicídio ante os saberes indígenas ORÍ-ENTAR Imagem: Shutterstock.com Como docentes, temos a genuína função de orí-entar e, muitas vezes, durante os contínuos traslados nos processos de ensino e aprendizagem, optamos ainda por epistemes exclusivamente eurocentradas, que delineiam um panorama hegemônico do saber. Assim, prima-se pela universalidade das experiências de apenas um continente, a Europa, em detrimento da pluriversalidade (Pluralidade) de tantas outras vivências africanas, asiáticas, latinas... Cabem aqui alguns questionamentos no que tange à historiografia brasileira e à mundial: que métrica etnocêntrica deslegitimizadora é essa que categoriza a produção intelectual de outros povos como inferior ou subalterna à cultura e saberes de origem europeia? Que motivação nos impede de exaltar a riqueza da diversidade epistemológica e (re)conhecer o brilhantismo da produção e difusão de conhecimentos pluricentrados (Centrada na pluralidade.) em distintos lócus? Não há o saber, mas os saberes com suas respectivas interpretações de mundo, que subvertem a racionalidade do poder mediante outras nuances, outros devires e valores possíveis. Dessas distintas percepções gestadas com base em múltiplas subjetividades, eclodem outras identidades que contra-argumentam as bases teóricas e dogmáticas colonialescas (Da experiência colonial.) . Há um oriki – poesia com encantamento das forças ancestrais, louvação que ressalta desejos – africano que nos ensina que “nada se faz sem um bom orí”. Destarte, urge revisitar práxis pedagógicas que impõem uma única e exclusiva suposta verdade sediada na dominação política e cultural colonialista. Certos de que o binômio poder-saber é indissociável para nossa emancipação, propomos esta contraposição à bússola da hegemonia científica eurocentrada. Toma Kwiizas a este módulo-convite disruptivo! ORÍ Palavra em iorubá que significa cabeça. javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) EPISTEMES Conhecimento científico, sistematizado. ETNOCÊNTRICA Etnocentrismo é uma visão do mundo no qual um grupo é tomado como centro de tudo, demarcando explícita superioridade étnico- racial. PRÁXIS Práxis é a articulação, de maneira dialética, entre teoria e prática. TOMA KWIIZAS Boas-vindas no tronco linguístico banto. EM-SINAR É PRECISO! De acordo com Gersem José dos Santos Luciano, no documentário Guerras do Brasil.doc (2019): GERSEM JOSÉ DOS SANTOS LUCIANO Gersem José dos Santos Luciano, índio baniwa, mestre em Antropologia Social. javascript:void(0) SER ÍNDIO É PERTENCER A UMA IDENTIDADE CONTINENTAL E NACIONAL AUTÓCTONE, PRESENTE, VIVA E ATUANTE NOS CENÁRIOS LOCAIS, REGIONAIS E NACIONAIS. O relevante ofício dos docentes de orí-entar os discentes – legítimos protagonistas dos seus respectivos processos formativos – precisa constantemente de reflexão autocrítica. E qual é a nossa postura diante dessa necessidade premente (Iminente.) : autoavaliamos os nossos pressupostos teórico-metodológicos? Revisitamos os nossos fundamentos epistemológicos? Enfim, estamos preparados para foucaultiar: “desarrumar o (nosso) arrumado”? FOCAULTIAR Referência ao filósofo Michel Foucault. javascript:void(0) Se em nossas aulas ainda impera a exclusiva soberania epistêmica da eurocentricidade que obstaculiza as trajetórias de outros sujeitos de conhecimento, urge uma mudança paradigmática para que outras narrativas também sejam conhecidas/analisadas por esse cidadão crítico- reflexivo que queremos formar. Para Vanda Machado (2013, p. 23), é importante juntarmo-nos “a interlocutores de todos os tempos numa polifonia que se aventura a errâncias com a perspectiva de outros caminhos de em-sinar”. Imagem: Autor desconhecido/Wikimedia Commons/CC0. Comandante de tropas do Brasil colonial (século XVIII). SINAR javascript:void(0) “Considera-se a sina, ou o caminho, não como uma predição fatalista. Trata-se de fazer emergir todas as possibilidades criadoras que podem ser alcançadas pelo sujeito na sua condição de aprendente e ensinante” (MACHADO, 2013, p. 19). Se desconsiderarmos ou suprimirmos outros saberes em nossa práxis pedagógica, estamos contribuindo para que continue ocorrendo o epistemicídio. Segundo Sueli Carneiro (2005), esse fenômeno desqualifica outras formas de conhecimento, deslegitima individual e coletivamente outros sujeitos cognoscentes e, por conseguinte, oculta ou invalida suas significativas contribuições para a nossa história. Acerca dessa oposição a quaisquer outras epistemologias de outros sujeitos implicados e coletividades de idiossincráticas (Trajetórias peculiares.) trajetórias que constituíram distintos patrimônios civilizatórios, Sidnei Nogueira (2020, p. 28) assim corrobora: Imagem: Lopo Homen, Pedro Reinel, Jorge Reinel e Antonio de Holanda /Wikimedia Commons/ Domínio Público. Uma das mais antigas representações europeias dos indígenas brasileiros, incluída no Atlas Miller de 1519. “Há um padrão de poder perpetradopelo projeto de dominação europeu-ocidental que opera na produção contínua de violência, destruição, desvio e subalternidade sobre outros princípios explicativos de ordenação/compreensão de mundo, dos seres e suas formas de saber. Trata- se da colonialidade do poder. A colonialidade do poder hierarquiza, classifica, oculta, segrega, silencia e apaga tudo que for do outro ou tudo que oferecer perigo à manutenção de um status quo , garantindo a perpetuação da estrutura social de dominação, protegendo seus privilégios e os de sua descendência e cristalizando as estruturas do poder oligárquico.” Em nossas “ensinâncias e aprendências” na Educação Básica – seja na Educação Infantil ou nos Ensinos Fundamental e Médio –, se desconsideramos ainda tantas outras potências intelectuais, é urgente uma desintoxicação epistemológica eurocentrada. Nossas ações educacionais precisam promover uma sólida formação humanística e, para tal, as clivagens identitárias (Marcadores identitários.) — classe, crença, gênero, geração, orientação sexual, raça e tantas outras — devem ser contempladas sem binarismos, estereotipias nem hierarquizações. Sidnei Nogueira (2020, p. 63) considera que a subalternização de outros conhecimentos “leva ao epistemicídio e ao apagamento daquilo que a hegemonia não suporta ver vivo, humano e verdadeiro. No seio da negação de conhecimentos, saberes e culturas não assimiladas pela cultura branca/ocidental, está a colonialidade do poder”. Sueli Carneiro (2005, p. 97) reifica: O EPISTEMICÍDIO É, PARA ALÉM DA ANULAÇÃO E DESQUALIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO DOS POVOS SUBJUGADOS, UM PROCESSO PERSISTENTE DE PRODUÇÃO DA INDIGÊNCIA CULTURAL (...) [QUE] FERE DE MORTE A RACIONALIDADE DO SUBJUGADO OU A SEQUESTRA, MUTILA A CAPACIDADE DE APRENDER (...) COM COMPROMETIMENTO DA AUTOESTIMA PELOS PROCESSOS DE DISCRIMINAÇÃO CORRENTES NO PROCESSO EDUCATIVO. SE ESSA HISTÓRIA, SE ESSA HISTÓRIA FOSSE MINHA... O CONCEITO DE EPISTEMICÍDIO O marco iniciático da nossa história a partir de 1500, quando os europeus acharam o Brasil, exemplifica esse epistemicídio vigente. Ao afirmarmos que Pedro Álvares Cabral descobriu nosso país, desprestigiamos todo o legado da cultura indígena, que, muito antes dessa chegada, organizaram política, social e economicamente esta terra com seus insignes (Prodigiosos.) saberes locais. Imagem: Museu Histórico Nacional/ Wikimedia Commons/ Domínio público. Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500 , Oscar Pereira da Silva, 1922. Contribuindo para extirpar esse “sequestro da razão em duplo sentido: pela negação da racionalidade do outro ou pela assimilação cultural que em outros casos lhe é imposta” (CARNEIRO, 2005, p. 97), que é o epistemicídio, seguem algumas sugestões que servem como pontos de partida sem a menor pretensão de serem pontos de chegada. O escopo é promover uma Educação que respeita e valoriza a diversidade étnica e cultural de indígenas. CAPITAL CULTURAL BRASILEIRO LEGADO INTELECTUAL SABERES E FILOSOFIA IDENTIDADE E CULTURA CAPITAL CULTURAL BRASILEIRO No pensamento social brasileiro, estamos diante de uma encruzilhada epistemológica na qual se cruzam, em contínuo trânsito, diversas andanças com múltiplos percursos. Assim, há mais de um pertencimento no que tange ao nosso capital cultural e, por conseguinte, subjetividades enunciadas a partir de vários territórios. Acerca dessas plurais vozes, quanto aos povos indígenas, urge que se privilegie também a fala deles, não apenas sobre eles. LEGADO INTELECTUAL Assim, quantos e quais autores indígenas compõem o nosso acervo de intelectuais indispensáveis para nossa formação e a quais etnias esses pensadores pertencem? É imperativo que reverenciemos o legado indígena que mostrou aos invasores portugueses estratégias de (sobre)vivência neste solo pátrio, dando exemplo de autogestão territorial em pleno século XVI. SABERES E FILOSOFIA Com tamanha biodiversidade brasileira tão propalada (Anunciada.) , devemos debater em nossas salas os saberes milenares da medicina tradicional dos povos indígenas. Ademais, as cosmovisões e filosofias indígenas devem fazer parte do nosso processo formativo, uma vez que se busca constante o ecologicamente sustentável até em experiências internacionais, porém desconsidera-se essa antiga engenhosidade dos habitantes locais. IDENTIDADE E CULTURA O debate da identificação dos sujeitos, a percepção de saberes comunitários, o direito à não hierarquização desses saberes. As culturas não são imóveis, circulam, transformam-se, isso faz parte de sua estrutura central. Não propomos o apagamento das relações – de violência –, mas seria inconcebível imaginar uma cultura pura, original, bucólica. Tal visão é tão intensamente preconceituosa e colonizada como muitas vividas. A proposição é reconduzir o ordenamento do olhar, quebrando a visão de um todo, de uma hegemonia dos saberes idealizados de um grupo, que não tem sentido nem para eles mesmo. Regionalizar, como aproximar, é perceber de uma forma diferencial as abordagens a serem pensadas. EUROCENTRICIDADE DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA Foto: Shutterstock.com Clio, musa da história e da criatividade. Será preciso debruçarmo-nos sobre o movimento político-social indígena contra o desequilíbrio ambiental no mundo. Outrossim, é relevante também imergir numa análise das tecnologias dos povos indígenas que contribuíram para a formação das Américas. Sabemos que há lacunas significativas em nossas investigações acerca da economia indígena e dos processos de transformação sofridos em sua gestão orçamentária antes e após o processo colonial. Imagem: Limongi/Wikimedia Commons/ Domínio público. Mapa de reservas indígenas brasileiras em 2008. Os impactos econômicos, geográficos, políticos e sociais para a população indígena são enormes ante a invasão portuguesa. Só para refletirmos: de que maneira ocorreu (e ainda ocorre!) o genocídio brasileiro dos povos indígenas reduzidos de 5 milhões no período seiscentista para menos de 1 milhão na contemporaneidade? De que forma esse extermínio ocorreu em outros países? Quando em nosso currículo trabalharemos a nutritiva e suculenta prática gastronômica que aprendemos com os indígenas do consumo de mandioca — também conhecida como aipim (Centro-Oeste, Sudeste e Sul, além de algumas cidades nordestinas), macaxeira (Nordeste e Norte) e outras alcunhas como castelinha, maniva e pão-de-pobre? Essa fonte de carboidrato não se desdobra em nossas mesas numa gama suculenta como farinha, tapioca e tucupi? Foto: Riba28-maps/Wikimedia Commons/CC BY-SA 3.0. Beiju servido sobre folhas de bananeira. Não dá mais para desrespeitosamente não (re)conhecermos a multiplicidade de significações, a complexidade e a diversidade dos fenômenos enucleados (Extraídos.) secularmente pelas mais distintas etnias indígenas no Brasil e no mundo. As contribuições para a nossa história são enormes! Por que, então, seguiremos preconceituosamente desconsiderando sua intelectualidade? Se nas aulas de Literatura afirmamos que, enquanto na Europa houve o Trovadorismo, Humanismo e Classicismo, porém a Literatura brasileira só se deu a partir do Quinhentismo com a Literatura de Informação e as produções catequéticas, desconsideramos a rica e plural cultura literária indígena. Se Literatura é manifestação da linguagem, as produções intelectuais das múltiplas etnias indígenas não devem ser legitimadas por serem ágrafas? ÁGRAFAS javascript:void(0) Que não possui escrita. ATENÇÃO Literatura é manifestação artística de um povo. Assim, constitui-se de uma imensa constelação semântica, como criatividade, expressividade, subjetividade. Portanto, autores (anciãos, caciques, lideranças indígenas, pajés, xamãs e demais sábios dos conhecimentos ancestrais) podem apresentar as suas múltiplas visões com a(s) técnica(s) que melhor lhes aprouver para comunicar a sua obra literária. Foto: Vitor 1234/Wikimedia Commons/CC BY-SA 3.0. Pictograma na Serra da Capivara mostrando umritual envolvendo uma árvore. Ainda que utilizemos a concepção aristotélica, Literatura é representação da realidade por palavra. Ora, então pode ser oral ou escrita! Mesmo não sendo a única possibilidade de classificação, inúmeros gêneros textuais foram criados e desenvolvidos pelos indígenas, inclusive os clássicos estruturais, a saber: narrativos (contos), poéticos (canções) e dramáticos (performances ritualísticas) para além de outros que ultrapassam esse formalismo colonialesco. Em se tratando da eurocentricidade no Quinhentismo, os portugueses, além do interesse capitalista travestido de benevolência cristã e da imposição coercitiva de sua cultura (costumes, religião etc.), proferiram vários impropérios. Dentre eles, podemos citar a Carta a el-Rei Dom Manoel sobre o achamento do Brasil , na qual Pero Vaz de Caminha afirmou que deveria “salvar esta gente”. A propósito, salvar indígenas de quê? A que ruína se referiu? Haveria algum perigo? Quem lhe pediu socorro? Imagem: Halley Pacheco de Oliveira/ Wikimedia Commons/CC BY-SA 3.0. Elevação da Cruz em Porto Seguro , BA, Pedro Peres, 1879. Além disso, no Tratado da Terra do Brasil , Pero de Magalhães Gândavo apresentou que, por faltarem os fonemas “F”, “L” e “R”, os indígenas não possuíam “Fé”, “Lei” e “Rei” e, por conseguinte, viviam sem justiça e desordenadamente. Qual era o conhecimento que esse português tinha da imensa linguística e da organização estatal indígena? Que falácia é essa amparada no parâmetro europeu como modelo universal ante centenas de línguas indígenas? Atualmente, algumas unidades escolares ainda celebram o calendarizado Dia do Índio (19 de abril) travestindo crianças com penas e colares, reduzindo a esse contato fugaz e superficial com um costume toda a rica e plural cultura indígena. Além disso, não adianta convidar os artistas indígenas para promoverem uma “feira de artesanato” se toda a produção é nomeada em sala de aula como exótica e primitiva. SAIBA MAIS A propósito, essa data foi escolhida em razão do Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, porém essa ontologia (Ciência, doutrina, teoria do ser. Pensamento ou filosofia que trata da natureza dos entes.) sequer é mencionada na celebração escolar anual. O rol de políticas públicas geradas no supracitado evento para salvaguardar respeito e valorização dos saberes indígenas também lamentavelmente ainda não fazem parte do nosso processo formativo. É importante ainda salientar que não damos a devida atenção em nossos estudos às consequências da escravização indígena para a cidadania brasileira. Apesar de essa subjugação durar pouco tempo, já que foi legalmente proibida e os jesuítas também se opuseram, mesmo livre da escravidão, a população indígena: FOI SUBJUGADA E ASSENHOREADA PELO SISTEMA COLONIAL PORTUGUÊS, PARA DENTRO DO QUAL FOI REDUZIDA E CONDUZIDA A COMPOR PARTE FULCRAL DE UMA POPULAÇÃO POLITICAMENTE SUBMISSA, SOCIALMENTE INFERIORIZADA E CULTURALMENTE TRANSFIGURADA. COM EFEITO, FOI COM ESSA POPULAÇÃO DE ÍNDIOS FORÇOSAMENTE AJUNTADOS E ALDEADOS (...) QUE FOI SE FORMANDO UMA POPULAÇÃO FORMALMENTE LIVRE, PORÉM CULTURAL E SOCIALMENTE DOMINADA. (MÉRCIO GOMES apud PINSKY, 2005, p. 421) Enfim, continuaremos em pleno século XXI insistindo numa perspectiva epistemicida para com a sabedoria milenar indígena? Propõe-se, a partir dessas reflexões insubmissas ante a bússola da hegemonia científica eurocentrada, lançarmos a partir de agora em nossas práxis pedagógicas um olhar intermultitransdisciplinar sobre a cultura indígena. DECOLONIALIDADE E O RECONHECIMENTO Neste vídeo, a professora Régia Mabel da Silva Freitas fala sobre a decolonialidade e o reconhecimento. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. “NOSSAS TERRAS SÃO INVADIDAS, NOSSAS TERRAS SÃO TOMADAS, OS NOSSOS TERRITÓRIOS SÃO INVADIDOS… DIZEM QUE O BRASIL FOI DESCOBERTO; O BRASIL NÃO FOI DESCOBERTO NÃO, SANTO PADRE. O BRASIL FOI INVADIDO E TOMADO DOS INDÍGENAS DO BRASIL. ESSA É A VERDADEIRA HISTÓRIA QUE REALMENTE PRECISA SER CONTADA.” (DISCURSO FEITO POR MARÇAL, LÍDER GUARANI, AO PAPA JOÃO PAULO II EM 1980) CONSIDERE AS SEGUINTES ASSERTIVAS SOBRE O DISCURSO SUPRACITADO: FUNDAMENTA A TESE DO PRIMITIVISMO INDÍGENA. DISCORRE ACERCA DA RELEVÂNCIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA. REVISITA CRITICAMENTE A COMEMORAÇÃO DE 22 DE ABRIL DE 1500. ESTÁ (ÃO) CORRETA(S) A(S) AFIRMATIVA(S): A) I B) II C) III D) I e II E) I, II e III 2. ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA SOBRE EPISTEMICÍDIO: A) Ostentar múltiplas racionalidades de outros sujeitos de conhecimentos. B) Opor-se às epistemologias de sujeitos cognoscentes. C) Reconhecer a importância de distintos conhecimentos. D) Legitimar diferentes saberes e culturas. E) Estimular a produção de saberes plurais. GABARITO 1. “Nossas terras são invadidas, nossas terras são tomadas, os nossos territórios são invadidos… Dizem que o Brasil foi descoberto; o Brasil não foi descoberto não, Santo Padre. O Brasil foi invadido e tomado dos indígenas do Brasil. Essa é a verdadeira história que realmente precisa ser contada.” (Discurso feito por Marçal, líder Guarani, ao Papa João Paulo II em 1980) Considere as seguintes assertivas sobre o discurso supracitado: Fundamenta a tese do primitivismo indígena. Discorre acerca da relevância da colonização portuguesa. Revisita criticamente a comemoração de 22 de abril de 1500. Está (ão) correta(s) a(s) afirmativa(s): A alternativa "C " está correta. Eleger Pedro Álvares Cabral como descobridor do nosso país é desprestigiar a população indígena que já organizava política, social e economicamente o Brasil antes da chegada dos portugueses. 2. Assinale a alternativa correta sobre epistemicídio: A alternativa "B " está correta. O epistemicídio deslegitima individual e coletivamente os mais distintos sujeitos cognoscentes, ocultando ou invalidando seus saberes. MÓDULO 2 Identificar a supremacia da perspectiva colonizadora em detrimento dos conhecimentos da população preta (africana e afro-brasileira) AFROAPRENDÊNCIAS DECOLONIAIS Imagem: Shutterstock.com SOMOS NÓS POR NÓS MESMOS. UM MOVIMENTO BALSÂMICO E CONTÍNUO DE ACIRRAMENTO DA NOSSA RESISTÊNCIA À REVELIA DOS INÚMEROS PERCALÇOS QUE SABEMOS AINDA ESTAR NA ESPREITA, MAS VENCEREMOS. (NASCIMENTO, 2016) A epistemologia eurocêntrica na qual as atividades formativas da Educação Básica ainda estão pautadas, além de desqualificar, deslegitimar, ocultar ou invalidar os saberes indígenas, também o faz com o legado do povo preto. Desastrosamente, há uma despersonalização e subjugação da sabedoria das pessoas sequestradas de países africanos e de seus descendentes. Imagem: Museu Itaú Cultural/ Wikimedia Commons/ Domínio público. "Negres a fond de calle " ("Navio negreiro"), Johann Moritz Rugendas, 1830. Essa práxis ignora que elas utilizaram o legado trazido do além-Atlântico para constituir a brasilidade. Banzo, orixá, miçanga, timbau, xequerê, moqueca, mungunzá, cafuné, dengo, samba, gingado, agô, axé, entre outros, não são termos vindos ao Brasil meramente pela interpenetração lexical que “africanizaram” a língua portuguesa brasileira, mas bens simbólicos que carregam em si toda a suntuosidade do continente-mãe (África). Acerca da desqualificação dos saberes da população preta, Grada Kilomba (2008) afirma que eles foram (e ainda o são) sistematicamente desqualificados, considerados inválidos ou passaram a ser apresentados por pessoas brancas que, ironicamente, tornaram-se “especialistas” na intelectualidade africana e afro-brasileira. Para combater esse amestramento colonial (Uma instrução colonial.) de submissão ideológica ainda vigente, é urgente decolonizar saberes e fazeres do nosso processo formativo. Temos que nos alforriar dos silogismos convencionais perpetrados pelos caucasianos que se julgam detentores exclusivos de intelectualidades importadas da Europa. Para Grada Kilomba (2008, p. 224), decolonizar “refere-se ao desfazer do colonialismo. Politicamente, o termo descreve a conquista da autonomia porparte daqueles que foram colonizados e, portanto, envolve a realização da independência e da autonomia”. Só assim conheceremos o protagonismo da melanina acentuada em detrimento das narrativas que invisibilizaram a engenhosidade da negritude. Mignolo (2008) propõe praticarmos uma “desobediência epistêmica”, criando modelos pluriversais que rejeitam possíveis (novos) resumos universais das maneiras eurocêntricas de saber. Assim, combateremos a suposta superioridade do colonizador, afirmando outras epistemes sustentadas numa base multirreferencializada (Base com múltiplas referências.) . Foto: Shutterstock.com Protesto contra o racismo praticado com jovens negros em hipermercados no Brasil, 2020. É importante a nossa não sujeição às categorias de pensamento eurocêntrico por meio de uma pedagogia decolonial que (re)conhece as sabedorias pretas. Afinal, neste último país do Ocidente a decretar extinta a escravidão (Brasil), africanos ressignificaram e ressemantizaram (Ato de ressentir memórias.) as memórias de seus países, dando voz e vez ao movimento de resistência. Se, por meio de seus genuínos signos de pertencimento, pretos vociferaram resilientemente um contradiscurso com a sua legítima força ancestral, é necessário decolonizar nossos processos formativos, contra-argumentando essas bases impostas secularmente pelos sujeitos e poderes dominantes que desconsideram essas intelectualidades azeviches (pretas). Para contribuir para a promoção de uma Educação decolonial, seguem algumas reflexões que podem instigar desobediência epistêmica. Dessa maneira, exerceremos, através da nossa docência, uma re-orí-entação dessa práxis despolitizada que (re)produz a hegemonia eurocêntrica vigente em detrimento da veia insurrecional do povo preto contra a aculturação. A EDUCAÇÃO QUE OFERTA UM OLHAR DE RECONHECIMENTO INICIEMOS ESTA TEMÁTICA COM UMA PERGUNTA: POR QUE PENSAR NOS SABERES DECOLONIAIS COMO UM FATOR REGIONAL? REFLITA, ESCREVA COM SUAS PALAVRAS E VERIFIQUE A RESPOSTA QUE JUSTIFICA A NECESSIDADE DE VOLTARMOS O NOSSO OLHAR A TENTO PARA ESTE ASSUNTO. RESPOSTA Pelo seu direito de ser. Pelo direito de se reconhecer. Não como um quilombola, ou capoeira, ou na imagem genérica do escravo. Mas no papel de agente, de produtor do conhecimento. javascript:void(0) Já ouviu falar de escolas em que crianças foram proibidas ou mal vistas por falar de África, do receio de tocar na religião africana? É porque esse passado está negado, ele é generalizado como o mal versus a cultura europeia do bem. Não, não tem nenhum discurso anticristão aqui. A lógica da convivência é fundamento, mas por que tanto medo em ter a face diferente? Foto: Shuttertock.com Foto: Antônio Milena/ABr/ Wikimedia Commons/ CC BY 3.0 br. Tecelã do terreiro de Candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador, Bahia. Quando, nas nossas unidades escolares, declararemos que as mercadorias semoventes africanas foram escolhidas propositalmente, porque já utilizavam há anos com maestria técnicas de metalurgia, olaria, plantio e irrigação por canais, tecelagem e serralheria? Até que momento negaremos que essa plêiade (Compêndio, ajuntamento.) competente possuía vasta experiência na produção de ferramentas, forjando ferro e cobre? javascript:void(0) SEMOVENTES Mercadoria viva e transportada ilegalmente. Continuaremos discursando opostamente, negando essa engenhosidade para ratificar que o preto pertence a uma sub-raça com estigmas de anomia social (desajuste para viver em sociedade) e incapacidade intelectiva (estupidez cognitiva)? Desconsideraremos a maestria com a qual eles constituíram a brasilidade, rebaixando-os como subservientes selvagens a serem domesticados pela bondade senhoril por açoites “disciplinadores”? Apesar de secularmente não reconhecerem a qualificação dessa mão de obra preta, é fundamental que em nossos debates relembremos que os compradores tinham plena convicção desses saberes avançados africanos, uma vez que só ordenavam o que fazer e não como fazer. Para Sueli Carneiro (2005, p. 97), ainda são utilizados: DIFERENTES MECANISMOS DE DESLEGITIMAÇÃO DO NEGRO COMO PORTADOR E PRODUTOR DE CONHECIMENTO E DE REBAIXAMENTO DA CAPACIDADE COGNITIVA PELA CARÊNCIA MATERIAL OU PELO COMPROMETIMENTO DA AUTOESTIMA PELOS PROCESSOS DE DISCRIMINAÇÃO CORRENTES NO PROCESSO EDUCATIVO. Portanto, é imperioso que os docentes não reproduzam essa falácia da historiografia brasileira de superioridade intelectual europeia em detrimento do conhecimento rústico e rudeza espiritual de africanos que se perpetuou para seus descendentes. Ao contrário, a herança da sabedoria ancestral azeviche é explicitamente exposta nas mais distintas atividades desenvolvidas pela população preta nas linguagens, ciências humanas e naturais desde o século XVI. Imagem: Maurício Jobim/Wikimedia Commons/Domínio público. Gravura de Cruz e Souza (um dos precursores do simbolismo no Brasil), Mauricio Jobim, 1898. Apesar disso, desde o desembarque nos mercados seiscentistas, o preto foi aviltado em sua dignidade pela tirania usurpadora portuguesa que só almejava alcançar a sua finalidade lucrativa. Aos mercadores, pagaram-se os preços mais elevados de acordo com os atributos físicos dos objetos pretos sem alma, como a valorização dos “dentes bons” que amenizavam parcamente (De maneira diminuta, minimamente.) a feiura considerada pelos europeus assustadora. Alojados em senzalas sob condições insalubres, a imagem dos escravizados foi vinculada à subserviência e ao comodismo e exigia-se obediência, humildade e fidelidade para a realização do exaustivo trabalho. Por mais de trezentos anos, comercializou-se a força de trabalho dessa mercadoria semovente, considerada exótica, inferior e mero elemento servil. Imagem: Itaú Cultural/Wikimedia Commons/CC BY-SA 4.0. SCENAS da escravidão patrocinadas pelo partido da Ordem, sob o glorioso e sábio reinado do Senhor D. Pedro 11, o Grande..., Angelo Agostini, 1886. ATENÇÃO Essa servidão também dizia respeito à realização de práticas sexuais homo e heterossexuais obrigatórias para proporcionar prazer às pessoas da Casa Grande. Seja participando de orgias ou como ilimitados reprodutores, as respectivas relações afetivas de pretos eram completamente renegadas em função dessa objetificação sexual. Como mais uma forma de estrangulamento da sua condição humana, esses bens privados sequestrados da África foram também obrigados a abandonar a cultura ancestral (arte, culinária, hábitos, língua, religião). Eles foram forçados a um processo de aculturação imposto pelos colonizadores que cristalizava ainda mais a dominação política e cultural a que se propunham. COISA NÃO TEM HISTÓRIA... Vale também refletir que, durante esse período de coisificação humana, os conservadores parlamentares, para atrasar ainda mais a extinção da escravização, criaram cartadas legais pseudoabolicionistas, a saber: Lei do Ventre Livre ou Lei Rio Branco, Lei dos Sexagenários ou Saraiva-Cotegipe n. 3.270 e Lei Áurea. A seguir, entenda as reais propostas de cada uma delas: COISIFICAÇÃO HUMANA Ato de tornar uma pessoa uma coisa, um objeto. javascript:void(0) Imagem: Itaú Cultural/Wikimedia Commons/Domínio público. O jantar. Passatempos depois do jantar , Jean-Batiste Debret, 1827. LEI DO VENTRE LIVRE N. 2.040 (28/09/1871) Foi uma pseudolibertação infantil, uma vez que crianças “livres” foram mantidas na mesma propriedade que escravizava os demais familiares para futura indenização do proprietário. LEI DOS SEXAGENÁRIOS N. 3.270 (28/09/1885) Libertou escravizados com mais de sessenta anos, embora os cativos não tivessem essa expectativa de (sobre)vida e ainda lhes obrigava a trabalhar mais cinco anos gratuitamente para o senhor a título de indenização. Imagem: Um Historiador/Wikimedia Commons/Domínio público. lustração abordando a Lei dos Sexagenários, edição 413 da Revista Ilustrada, 1885. Imagem: Acervo Arquivo Nacional/Wikimedia Commons/Domínio público. Cartaz que mostra umcidadão branco e um cidadão negro se cumprimentando, com uma flâmula da Bandeira do Império do Brasil, pelo fim da escravidão do Brasil, 1888. LEI ÁUREA N. 3.353 (13/05/1888) Suposta dádiva da Princesa Isabel Cristina de Bragança, deu respaldo jurídico de libertação para apenas uma porcentagem pífia de 5%, já que quase todo o contingente preto conseguiu sua própria alforria lutando diuturnamente pelo revés da sua condição servil. A partir daí, não se oportunizou o exercício dos direitos civis, políticos e sociais para a população preta. Cabem aqui alguns questionamentos para refletirmos juntos em nossos ricos encontros pedagógicos: que legislação é essa que desconsidera o secular processo coletivo de lutas e conquistas de protagonistas do seu processo de emancipação? Que presente jurídico é esse que não oportuniza o exercício pleno da cidadania para a população “liberta”? Que proteção legal é essa que transfigura o objeto humano de ontem na preta-escória-social de hoje? Por que é necessário demolirmos dos nossos processos formativos o mito da libertação como dádiva da realeza e imergirmos na análise minuciosa das mais distintas estratégias pretas de resistência? Considere os fatos a seguir: Imagem: Shutterstock.com Desde a travessia, os insurgentes preferiram a morte à subjugação, cometendo suicídio, jogando-se ao mar. E os que aportavam envenenaram-se, enforcaram-se ou utilizaram quaisquer armas às quais tinham acesso para darem cabo de suas vidas. Foto: Revert Henry Klumb/Wikimedia Commons/Domínio público. Uma família e suas escravas domésticas no Brasil, Revert Henry Klumb, 1860. Abortaram-se fetos para que não sofressem com a subjugação portuguesa, e inúmeros escravizados assassinaram famílias caucasianas das respectivas Casas Grandes nas quais foram explorados por envenenamento durante as refeições. Imagem: Johann Moritz Rugendas/Wikimedia Commons/Domínio público. Capitão do mato , Johann Moritz Rugendas, 1823. Ocorreram fugas individuais e coletivas, criação de quilombos, escolas, irmandades e terreiros de candomblé, compras de alforrias, revoltas escravas. Enfim, o verbo sempre foi reagir! Logo, o escravismo brando e o conformismo preto não podem mais fazer parte da historiografia brasileira nem devem mais ser reproduzidos em nossas aulas, pois os escravizados: NÃO SE ACOMODARAM. INVENTARAM ESTRATÉGIAS PARA NEGOCIAR NO DIA A DIA MELHORES CONDIÇÕES DE VIDA COM OS SENHORES, E QUANDO NÃO ENCONTRARAM ESPAÇO PARA A NEGOCIAÇÃO, E PERCEBERAM CONDIÇÕES FAVORÁVEIS, ELES SE REBELARAM INDIVIDUALMENTE OU SE UNIRAM NA REVOLTA, FAZENDO POLÍTICA COM UMA LINGUAGEM PRÓPRIA, OU COM A LINGUAGEM DO BRANCO FILTRADA POR SEUS INTERESSES. (REIS, 1996, p. 35) A VOZ QUE EU NUNCA ENTREGUEI Na pós-pseudoabolição, a partir do 14 de maio de 1888, os pretos perceberam que o sistema capitalista brasileiro não tinha espaço para integrá-los cultural, econômica, política e socialmente. Assim, continuaram criando estratégias de resistência, objetivando (sobre)viver numa sociedade preconceituosa e segregadora de supostos abolicionistas pseudobenevolentes. Imagem: KeithTyle/WikimediaCommons/Domínio público. Frente Negra Brasileira. Para tal, eles criaram associações, clubes e grêmios negros, imprensas antirracistas, sindicatos, entre outras mobilizações políticas, como a Frente Negra Brasileira (FNB) e o Movimento Negro Unificado (MNU). Carregando os grilhões dos estigmas escravistas, multiplicaram-se cada vez mais movimentos sociais antirracistas em busca do exercício pleno da cidadania. Ademais, as senzalas não podem mais ser descritas em nossas aulas como meros alojamentos de mercadorias semoventes, mas como instituições de trocas sociais entre cativos. A postura epistêmica decolonial exige que, em nossos processos formativos, evidenciemos que foi nesse espaço insalubre com muita resiliência que o preto se tornou mestre articulado para a própria defesa. SAIBA MAIS O movimento insurrecional nasceu dessas salutares trocas entre escravizados que nunca aceitaram a sua condição servil e promoveu diversas lutas sangrentas, como Revolta dos Búzios (1798), Revolta dos Haussás (1807), Revolta de Cachoeira (1814), Levante dos Malês (1835), entre outras. A resiliência sempre foi a mola-mestra dessa plêiade preta insubmissa. Não esqueçamos ainda que também nas revoltas regenciais — Cabanagem (1835), Farroupilha (1835), Sabinada (1837) e Balaiada (1838) — vicejavam os ideais antirracistas, apesar de que essa questão racial não é abordada nas aulas de História quando se estuda o viés insurrecional. Dessa forma, a presença e o ideal preto são mais uma vez invisibilizados pela historiografia brasileira. Noutro giro, desde a mais tenra idade, é relevante ouvir histórias e, por conseguinte, conhecer também contos africanos e afro-brasileiros com reis e rainhas pretos que certamente contribuirão para a formação identitária de crianças independentemente da epiderme. Com isso, revisitaremos a representação social do protagonismo azeviche em obras ante estereótipos hierarquizantes vigentes. Ora, se temos plena consciência de que a leitura transforma, ao se aproximarem de livros didáticos e paradidáticos que também exaltam a potência intelectual da população preta, crianças e adolescentes refutarão preconceitos perpetrados no imaginário do senso comum. Nas palavras de Ana Célia Silva (2004, p.51): O LIVRO DIDÁTICO, DE MODO GERAL, OMITE O PROCESSO HISTÓRICO E CULTURAL, O COTIDIANO E AS EXPERIÊNCIAS DOS SEGMENTOS SUBALTERNOS DA SOCIEDADE, COMO O NEGRO, O ÍNDIO, A MULHER, ENTRE OUTROS. EM RELAÇÃO AO SEGMENTO NEGRO, SUA QUASE TOTAL AUSÊNCIA NOS LIVROS E A SUA RARA PRESENÇA DE FORMA ESTEREOTIPADA CONCORREM, EM GRANDE PARTE, PARA O RECALQUE DE SUA IDENTIDADE E AUTOESTIMA. Ao entenderem que pessoas pretas não pertencem a uma sub-raça vil, os discentes serão convidados a romper com a mera reprodução oral e escrita da vilania tão propalada. Outrossim, essa Educação negrorreferenciada pode contribuir para uma mudança comportamental dentro e fora da escola no que tange às relações intra e interpessoais. Infelizmente, sabemos que o racismo “não é um acontecimento momentâneo ou pontual, é uma experiência contínua que atravessa a biografia do indivíduo, uma experiência que envolve uma memória histórica de opressão racial, escravização e colonização” (KILOMBA, 2008, p. 85). Portanto, a escola, como um espaço privilegiado de transformação social, deve desenvolver uma Educação decolonial, pois, assim, também promove uma formação antirracista. A promoção de brincadeiras e jogos africanos ajudarão discentes a conhecerem valores civilizatórios ancestrais e, por conseguinte, vão os aproximar da cosmovisão afrocêntrica orquestrada pela circularidade, cooperatividade, corporeidade, musicalidade, entre outros. Afinal, não dá mais para brincar/cantar “Escravos de Jó jogavam caxangá” sem autoquestionar-se. Foto: Shutterstock.com Ademais, esse processo de letramento racial — ato político de reeducação antirracista — pode ser desenvolvido ainda mediante leituras fílmicas que, unindo imagem e som, ensinarão a importância da ancestralidade, ludicidade, memória, religiosidade entre outros valores africanos para nosso modus vivendi hodierno. Desejamos, por exemplo, que o filme Panteras Negras não só encante de maneira sazonal e entusiasta, mas nos (re)eduque afrocentradamente! HODIERNO Que existe ou ocorre atualmente; atual, moderno, dos dias de hoje. javascript:void(0) A IMAGEM QUE EU MEREÇO TER Foto: Swans for Relief/Wikimedia Commons/ CC BY-SA 3.0. Bailarina Ingrid Silva. Para além da literatura e do audiovisual, demais linguagens artísticas africanas e afro-brasileiras antigas e contemporâneas — artes plásticas, dança, música, teatro, entre outras — devem ser ostentadas em nossas salas de aula. Seja pelo brilhantismo explícito seja pela insubmissão ideológica, a cultura da população preta não pode mais ser vista como uma variante da ibero-americana nem mera produçãofolclórica de um povo exótico e primitivo. Insta salientar que, desde que foram criadas “estratégias de inferiorização intelectual do negro ou sua anulação enquanto sujeito de conhecimento, ou seja, formas de sequestro” (CARNEIRO, 2005, p. 10), as linguagens artísticas também foram utilizadas como estratégias dos escravizados para manter vivo o vínculo com a África. ATENÇÃO Essas memórias foram exercícios políticos no processo de construção da cidadania. Portanto, calendarizar o 13 de maio despolitizadamente ou trocar pelo 20 de novembro sem (re)conhecer as inúmeras estratégias de resistência de genuíno caráter transgressor na pré, trans, pós- pseudoabolição é insuficiente. É imperioso revisitar com criticidade a historiografia brasileira. Nas nossas aulas, devemos oportunizar que os discentes reflitam sobre a experiência desastrosa que a escravidão atlântica deixou para a contemporaneidade. Ainda nos dias atuais, 133 (cento e trinta e três anos) após a pseudoabolição, a violação de direitos civis, políticos e sociais continua imperando e subjugando mais uma vez a dignidade humana desses sujeitos. Atualmente, a população preta é violentada com as abordagens policiais mais vis, que não permitem o direito civil de ir e vir; a baixa ou nula representação em cargos políticos transgride o seu direito político; quanto aos direitos sociais, ocupa os piores índices de saúde, baixa escolaridade, mora em favelas pela ausência de projeto habitacional e se encontra predominantemente na taxa de desemprego ou subemprego. Portanto, dentre as trágicas consequências da escravidão, a massa supostamente desajustada para viver em sociedade, que foi sequestrada do Continente Africano e expulsa das senzalas, acaba entregue ao pauperismo (Miséria.) . Daí, a necessidade da formulação de uma agenda política em nosso país em razão dessa dívida histórica entre negritude e discriminação. E qual é o nosso papel como docentes e, por conseguinte, formadores de opinião? Foto: Shutterstock.com SAIBA MAIS 21 de março: Dia Internacional da Eliminação da Discriminação Racial Esta data comemorativa foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), em referência ao Massacre de Shaperville. Na mesma data, em 1960, em Gauteng, na África do Sul, no bairro de Shaperville, cerca de 5.000 pessoas faziam um protesto pacífico contra a Lei do Passe, que, na época, obrigava os negros a portarem um cartão que indicava os locais onde era permitida sua circulação. Seguindo o Apartheid, regime de segregação racial adotado de 1948 a 1994, a polícia sul-africana abriu fogo sobre a multidão desarmada deixando 69 mortos e 186 feridos. (PORTAL GELEDÉS, 2013) Que possamos nos debruçar com afinco sobre como os movimentos negros com fulcro na busca do exercício pleno da cidadania percorrendo diversos caminhos orí-entados pela pertença da ancestralidade. Que provoquemos as nossas turmas também com a seguinte questão: quando a população preta será chamada de cidadã com toda carga semântico-política que esse vocábulo denota? Grada Kilomba (2008) nos ensina que “para alcançar um novo papel de igualdade, é preciso também colocar-se fora da dinâmica colonial”. Sendo assim, que tal promovermos uma Educação decolonial que refuta a miopia epistêmica eurocentrada, criada e mantida propositalmente desde o século XVI? Topam um olhar intermultitransdisciplinar sobre a engenhosidade da população preta? Pare um segundo, se o seu professor fosse preto, ou melhor, preta. Aliás, preta e doutora, professora universitária. Certamente, sem preconceito, você ia se alegrar, muitos estranhariam, um pequeno número simplesmente reconheceria a qualidade imediata da intelectual. Ninguém tem culpa, mas todos precisam ser reeducados, precisam perceber o seu entorno, seus valores, suas culturas; afinal, para ser grande, a professora não precisava ter vindo de tão longe. CULTURAS REGIONAIS E A VOZ Neste vídeo, a professora Régia Mabel da Silva Freitas aborda e provoca a reflexão sobre temas dentro da Educação e Cultura Regional. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. A COLONIALIDADE SE MANIFESTA POR MEIO DE RELAÇÕES DE DOMINAÇÃO/OPRESSÃO EM NOSSAS PRÁTICAS DE SOCIABILIDADE AUTORITÁRIAS EM QUAIS DIMENSÕES RELACIONADAS A SEGUIR? MEMÓRIA LINGUAGEM IMAGINÁRIO SOCIAL SUBJETIVIDADES DECOLONIZAÇÃO A) I, II e V B) I, III e IV C) II, IV e V D) II, III, IV e V E) I, II, III e IV 2. CLASSIFIQUE EM VERDADEIRO (V) OU FALSO (F) AS AFIRMAÇÕES A SEGUIR PARA POSSÍVEIS ATIVIDADES QUE PROMOVEM EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA: ( ) INCLUIR PERSONAGENS NEGROS EM CARTAZES E OUTRAS ILUSTRAÇÕES SOBRE QUALQUER TEMA ABORDADO NA ESCOLA. ( ) SUBSTITUIR O ENSINO DE LITERATURA PORTUGUESA PELAS LITERATURAS AFRICANA E AFRO- BRASILEIRA. ( ) DEBATER AS CONTRIBUIÇÕES DE AFRICANOS ESCRAVIZADOS E SEUS DESCENDENTES PARA A CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO BRASILEIRA NAS ÁREAS CULTURAL, SOCIAL, ECONÔMICA E POLÍTICA. ( ) CONSIDERAR A HISTÓRIA ATUAL DA POPULAÇÃO PRETA, OCULTANDO O PASSADO DE SUBJUGAÇÃO, VISTO QUE ESSE RESGATE REFORÇARIA ESTEREÓTIPOS QUE DEVEM SER EXTIRPADOS. A) V, V, V, V. B) V, V, F, F. C) F, F, V, V. D) V, F, V, F. E) F, F, V, F. GABARITO 1. A colonialidade se manifesta por meio de relações de dominação/opressão em nossas práticas de sociabilidade autoritárias em quais dimensões relacionadas a seguir? Memória Linguagem Imaginário social Subjetividades Decolonização A alternativa "E " está correta. A colonialidade é uma base epistemológica imposta secularmente pelos sujeitos e poderes dominantes que desconsidera, deslegitima ou oculta quaisquer outras intelectualidades dos demais sujeitos cognoscentes. 2. Classifique em verdadeiro (V) ou falso (F) as afirmações a seguir para possíveis atividades que promovem Educação antirracista: ( ) Incluir personagens negros em cartazes e outras ilustrações sobre qualquer tema abordado na escola. ( ) Substituir o ensino de Literatura Portuguesa pelas Literaturas Africana e Afro-Brasileira. ( ) Debater as contribuições de africanos escravizados e seus descendentes para a construção da nação brasileira nas áreas cultural, social, econômica e política. ( ) Considerar a História atual da população preta, ocultando o passado de subjugação, visto que esse resgate reforçaria estereótipos que devem ser extirpados. A alternativa "D " está correta. Os processos formativos devem revisitar a representação social da população preta invisibilizada na historiografia brasileira e levar os estudantes a refletirem sobre as consequências do processo de escravidão. MÓDULO 3 Distinguir o liame entre identidades e representações sociais com a cultura regional NAS VEREDAS DA LEI 11.645 E DA CULTURA REGIONAL QUANDO NÓS REJEITAMOS UMA ÚNICA HISTÓRIA, QUANDO PERCEBEMOS QUE NUNCA HÁ APENAS UMA HISTÓRIA SOBRE NENHUM LUGAR, NÓS RECONQUISTAMOS UM TIPO DE PARAÍSO. (ADICHIE, 2009) A Lei 11.645, promulgada em 2008 no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, manteve a obrigatoriedade do Ensino da História e da Cultura Afro-Brasileira e Africana nas escolas brasileiras públicas e privadas nos estabelecimentos dos Ensinos Fundamental e Médio (garantida através da Lei n. 10.639/2003), acrescentando a História e a Cultura dos Povos indígenas. O espaço escolar deve ser o lócus privilegiado que potencializa valores, saberes e memórias, contribuindo para a formação das nossas dinâmicas, sazonais e incompletas identidades. Para Hall (2006), as identidades não são inatas, mas edificadas ao longo do tempo através de nossos processos sociais. Sodré (1999, p.34) complementa ao afirmar que: DIZER IDENTIDADE É DESIGNAR UM COMPLEXO RELACIONAL QUE LIGA O SUJEITO A UM QUADRO CONTÍNUO DE REFERÊNCIAS, CONSTITUÍDO PELA INTERSECÇÃO DE SUA HISTÓRIA INDIVIDUAL COM A DO GRUPO ONDE VIVE. CADA SUJEITO SINGULAR É PARTE DE UMA CONTINUIDADE HISTÓRICO- SOCIAL, AFETADO PELA INTEGRAÇÃO NUM CONTEXTO GLOBAL DE CARÊNCIAS NATURAIS, PSICOSSOCIAIS E DE RELAÇÕES COM OUTROS INDIVÍDUOS, VIVOS E MORTOS. A IDENTIDADE DE ALGUÉM, DE UM “SI MESMO”,É SEMPRE DADA PELO RECONHECIMENTO DO “OUTRO”, OU SEJA, A REPRESENTAÇÃO QUE O CLASSIFICA SOCIALMENTE. Assim, num país como o Brasil de tamanha diversidade cultural, compuseram também as nossas identidades fusões, transformações e ressignificações dos legados das populações indígena e preta. Todas essas facetas se opuseram à diminuição intelectual e moral criada pelos europeus, que se predispuseram a inferiorizar diferenças, sobrepor discriminações, perseguir e proibir suas ricas culturas. Até quando reproduziremos em nosso discurso expressões como “Cuidado com sua integridade física, pois aqui é terra de índio ”, “Sei que não gostará desse lazer, porque é um programa de índio ” ou “Explique tudo de novo bem devagar, porque ele parece índio ”? Se para cada escolha lexical temos uma base epistemológica, essas expressões veementemente destilam preconceito. Foto: Senado Federal/ Wikimedia Commons/CC BY 2.0. Cacique Raoni, da etnia caiapó, uma das figuras mais respeitadas do movimento indígena na atualidade, Geraldo Magela, 2015. É premente refutarmos os estereótipos de que indígenas são seres não civilizados, com parca capacidade intelectiva, improdutivos e preguiçosos, pois é mais uma consequência do projeto colonialista de dominação epistemicida. Espero que entoemos com criticidade a canção de Jorge Bem Jor que nos ensina que antes de 22 de abril de 1500 “todo dia era dia de índio”. Ademais, em que momento refletiremos respeitosamente acerca da crença de matriz africana nas divindades chamadas Orixás, Voduns e Inquices que, em solo brasileiro, foi ressemantizada como Batuque (Porto Alegre), Candomblé (Bahia), Catimbó (Paraíba), Macumba (Rio de Janeiro), Tambor de Mina (Maranhão e Pará) e Xangô (Alagoas, Pernambuco e Recife) etc.? Ou continuaremos omissos diante da demonização irracional dessa religiosidade? Foto: Los Angeles County Museum of Art/ Wikimedia Commons/ Domínio público. Bastão de dança para discípulo de Xangô. É imperioso que a crença nos encantados referidos anteriormente seja estudada em nossos encontros formativos como mais uma estratégia preta de resistência nas dimensões cultural, religiosa e política. Desejo esperançosamente que os cosmossentidos (Sentidos da cosmogonia.) dessa religião brasileira de matriz africana sejam apresentados aos estudantes como uma insurgente episteme afrorreligiosa. DIVERSIDADE CULTURAL BRASILEIRA Imagem: Shutterstock.com Sabemos que a pluralidade cultural brasileira, constituída de um árduo processo de aculturação imposto pelos colonizadores portugueses, exala a tríade identidade, equidade e resistência. Nos âmbitos históricos, antropológicos e comunicacionais, foram realizadas ações assistenciais, econômicas, políticas, recreativas e sociais vociferando legítimos discursos identitários afro-indígenas. Quanto à essa resiliência ideológica e busca constante pela autonomia, Kabengele Munanga (1994, p. 177-178) nos ensina que: A IDENTIDADE É UMA REALIDADE SEMPRE PRESENTE EM TODAS AS SOCIEDADES HUMANAS. QUALQUER GRUPO HUMANO, ATRAVÉS DO SEU SISTEMA AXIOLÓGICO, SEMPRE SELECIONOU ALGUNS ASPECTOS PERTINENTES DE SUA CULTURA PARA DEFINIR-SE EM CONTRAPOSIÇÃO AO ALHEIO. A DEFINIÇÃO DE SI (AUTODEFINIÇÃO) E A DEFINIÇÃO DOS OUTROS (IDENTIDADE ATRIBUÍDA) TÊM FUNÇÕES CONHECIDAS: A DEFESA DA UNIDADE DO GRUPO, A PROTEÇÃO DO TERRITÓRIO CONTRA INIMIGOS EXTERNOS, AS MANIPULAÇÕES IDEOLÓGICAS POR INTERESSES ECONÔMICOS, POLÍTICOS, PSICOLÓGICOS ETC. Dessa forma, o nosso vasto repertório cultural foi de maneira multirreferencial (re)construído territorialmente em razão das nossas peculiaridades regionais. Afinal, são diferentes formas de participação — individual ou grupal —, plurais linguagens (oral, gestual, musical, visual) e ainda diferentes dimensões — auditivas, olfativas, orais, térmicas e visuais. Foto: Shutterstock.com Daí a existência de dissensão e complexidade, visto que cada indivíduo estabelece a sua relação com o conhecimento a partir da subjetividade e ontologia do seu manancial. Como nessa conexão imperam a dialética e a interação, o papel da escola no que tange ao trabalho com as representações multiculturais no processo de escolarização é fulcral. Sobre essa teia de significados produzidos individual e coletivamente no âmbito escolar, não podemos esquecer do interacionismo simbólico. Essa abordagem, que estuda cientificamente a conduta e a vida humana em grupo, foi idealizada por George Herbert Mead e seu discípulo Hebert George Blumer deu continuidade. Com base no interacionismo simbólico, entendemos os “modos pelos quais as pessoas enxergam o sentido nas situações que vivem e dos modos segundo os quais elas conduzem suas atividades, em contato com outras pessoas, numa base cotidiana” (BLUMER, 2004, p.47). Dessa maneira, se os sentidos são construídos socialmente, as figuras arquetípicas e estereotipadas das culturas regionais podem/devem ser extirpadas nas nossas aulas. Blumer (2004) elencou as seguintes três premissas básicas para o interacionismo simbólico: 1 javascript:void(0) O ser humano age com relação às coisas (objetos, homens, ideias) na base dos sentidos que elas têm para ele. 2 Os sentidos são derivados da interação social que cada indivíduo tem com seus semelhantes. 3 Os sentidos são gerenciados e modificados através de um processo interpretativo usado por cada pessoa ao lidar com o que encontra. Dessa forma, a Educação deve descortinar olhares obtusos acerca da multiplicidade da nossa cultura nacional e, principalmente, desvelar que a riqueza dessa pluriversidade rememora o potencial de luta libertário das populações indígena e preta. É imprescindível propiciar uma crítica à visão reducionista de apagamento dos saberes de origens indígena, africana e afro-brasileira. À luz da Lei n. 11.645 que nos obriga a contemplar o estudo das culturas africana, afro-brasileira e indígena em todos os componentes curriculares, devemos revisitar essa histórica alienação do corpo, espírito e produção cultural que destilaram significações sociais preconceituosas. É imperioso que nos debrucemos, nas áreas de Linguagens, Ciências Humanas e Naturais — com denodo (Ousadia, coragem.) e respeito sobre a engenhosidade intelectual de saberes e fazeres desses povos a que devemos origens abissais. ATENÇÃO Insta salientar, todavia, que não se trata meramente de substituir o eurocentrismo com fulcro (base) no cumprimento da legislação educacional, mas reformular o currículo contemplando cosmovisões indígenas, africanas e afro-brasileiras. Para tal, é basilar a formação docente pautada na diversidade epistemológica (lastreada por materiais didáticos e paradidáticos) que (re)conhece, compreende, respeita e valoriza esse legado de magnitude ancestral citado nas seções anteriores. javascript:void(0) javascript:void(0) As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Étnico-racial (DCNEER) e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, por exemplo, propõe uma formação baseada em três princípios, a saber: PRINCÍPIO 1 Consciência histórica e política da diversidade. PRINCÍPIO 2 Fortalecimento das identidades e direitos. PRINCÍPIO 3 Ações educativas. ASSIM, O CONVITE É DEMOLIR O EPISTEMICÍDIO E EFETIVAMENTE DECOLONIZAR NOSSA PRÁXIS. As nossas salas de aula — com espaços privilegiados de pronunciamentos, escutas, encontros, desencontros e reencontros intra e interpessoais — devem oportunizar aos discentes contínuos exercícios de reflexão. Promovendo uma experiência desafiante e provocadora, vamos sulear outros campos do conhecimento através da diversidade epistemológica que constrói o mundo. Santos e Meneses (2010) afirmam a necessidade das epistemologias do Sul como conjunto de intervenções que denunciem a negação dos saberes dos povos colonizados, assim como sua valorização. Urge que, nas nossas unidades escolares, evidenciemos a partir de uma javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) perspectiva inter, multi, transdisciplinar a participaçãode outros grupos sociais – para além do europeu – sem amordaçar essas igualmente importantes culturas. SULEAR Neologismo com referência à obra Epistemologias do Sul organizada por Santos e Meneses (2010). SAIBA MAIS Epistemologias do Sul referem-se à produção de conhecimento e aos conjuntos de abordagens de pensamentos construídos por espaços que, globalmente, não são considerados o centro do mundo capitalista. Aqui, temos a ideia de desenvolvidos x subdesenvolvidos. A MINHA CULTURA A MINHA HISTÓRIA Os nossos diversos patrimônios culturais brasileiros devem ser enaltecidos, para que crianças e adolescentes (re)conheçam suas raízes, valorizem sua ancestralidade e tenham uma efetiva noção de pertencimento. Se nossas identidades devem ser desenvolvidas desde a mais tenra idade, cabe aos educadores abolirem violências simbólicas repletas de visões negativas e caricaturais. Imagem: Shutterstock.com Para tal, os aspectos sociais, históricos e políticos não podem ser desconsiderados quando se deseja refletir acerca de uma representatividade positiva que humaniza e qualifica diferentes etnias, reconhecendo, valorizando e disseminando a nossa multiculturalidade. Contra essa perpetuação da dominação política e cultural colonialista, Santos e Meneses (2009, p. 33-34) aduz: (...) A SUA VISIBILIDADE ASSENTA NA INVISIBILIDADE DE FORMAS DE CONHECIMENTO QUE NÃO SE ENCAIXAM EM NENHUMA DESTAS FORMAS DE CONHECER. REFIRO-ME AOS CONHECIMENTOS POPULARES, LEIGOS, PLEBEUS, CAMPONESES DO OUTRO LADO DA LINHA. ELES DESAPARECEM COMO CONHECIMENTOS RELEVANTES OU COMENSURÁVEIS POR SE ENCONTRAREM PARA ALÉM DO UNIVERSO DO VERDADEIRO E DO FALSO. (...) DO OUTRO LADO DA LINHA, NÃO HÁ CONHECIMENTO REAL; EXISTEM CRENÇAS, OPINIÕES, MAGIA, IDOLATRIA, ENTENDIMENTO INTUITIVOS OU SUBJETIVOS, QUE NA MELHOR DAS HIPÓTESES PODEM TORNAR-SE OBJETOS OU MATÉRIA-PRIMA PARA INQUIRIÇÃO CIENTÍFICA. Assim, urge uma retomada histórica contra o estrangulamento da condição humana que tenta ainda obstaculizar a trajetória das populações indígena e preta como sujeitos de conhecimentos. Não dá mais para desconsiderarmos em nossos debates a gramática própria de seus genuínos saberes e fazeres. Somos pluriétnicos! Nossa resistência não define nossa identidade, no entanto, mas marca cada passo que damos no campo da Educação! REGIONALIDADE E A LUTA CONTRA AS HEGEMONIAS É fundamental, neste ponto, desgarrarmo-nos de forma indiscutível dos velhos conceitos biológicos. A força de grupos políticos adota o termo raça, criando um aspecto unitário para uma luta que se volta contra todos como forma de defesa e organização. ATENÇÃO Não existe um povo preto, existem culturas, formulações, encontros, reencontros. Não existe uma reafricanização no sentido de retornar os pretos e pretas, índios e índias ao seu estado bucólico original, selvagem, conforme o ideal eurocêntrico. Essa é a disputa do total e do regional, essa é a luta da percepção que visa a hegemonias, nacionalismos, que visa a construir qualquer identidade genérica e coletiva para lutar contra os outros. A da maioria – por força ou por número – busca suplantar que o anseio do outro não seja seguir o que é determinado. A visão da hegemonia é a visão do padrão do todo deslegitimador, mas serve, no entanto, para os oprimidos, serve como ponto de apoio da alavanca, serve como forma de reunião, de busca de uma raiz ancestral de luta. Desconfie do “somos todos”. “Somos todos” ou é fruto de uma indignação coletiva pontual ou é uma luta de hegemonia e contra-hegemonia. Respeito aos resistentes, respeito àqueles que se unem em coletivos contra as violências: étnicas, sociais, de gênero. As mulheres não constituem uma cultura, sua união significa uma luta. Mas sua história não é a história do coletivo, o coletivo reúne as violências e se levanta em contrário. Os índios nunca foram os índios, os pretos nunca foram os pretos, mas sempre serão na luta contra a violência, sempre serão negados e cooptados (Agregados pelas forças hegemônicas.) pelas forças hegemônicas, gerando que pretas, por exemplo, possam ser seduzidas pelo ideal de branqueamento. O princípio do lugar do regional é do estabelecer a proposição deste reconhecimento. Sem romper com a força das ideias hegemônicas, a Educação não pode ascender a regionalidade, a pluralidade efetiva. Então, entenda o argumento central do que acabou de ler, o processo é tirar as máscaras, permitir que vocês finalmente se percebam em que mundo estão mergulhados, treinados a naturalizar a hegemonia, o eurocentrismo, a tradição como a única forma possível. Então se aventurem, percebam, se descubram, porque de fato vocês são para além do que os convenceram a ser. CULTURA REGIONAL Ora, se cultura etimologicamente vem de cultivo, é premente que os docentes incentivem os discentes a valorizarem o transbordar de costumes, hábitos, signos e valores dos mais distintos povos que constituíram a brasilidade ao longo dos séculos. Nosso capital cultural — material e imaterial — é repleto dessas plurais e insignes significações. Foto: Shutterstock.com Portanto, como o processo formativo é também responsável pela construção das identidades dos discentes, não podemos esquecer da relação diretamente proporcional com as práticas de significação que, por conseguinte, estão envolvidas com as relações de poder. Se a cultura é um conjunto de significados que dá sentido às ações humanas, a partir de já temos que sulear! Para Vanda Machado (2013, p. 24), a perspectiva do em-sinar é “’fazer cabeças’ como alargamento para percepção do mundo como reaprendências”. Dessa forma, que tal descortinar pensamentos colonialescos dos discentes, reverenciando nossos ancestrais? O que acham de uma contraposição política pré-trans-pós-colonial, que (re)conhece nossos exímios processos multiculturais da nossa sociedade pluriétnica? DESCOBRINDO SUA PLURIETNICIDADE Neste vídeo, a professora Régia Mabel da Silva Freitas fala sobre a Educação e Cultura Regional pensada na identidade de grupo, o regionalismo e as identidades pluriétnicas. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. AO PROMOVER A EDUCAÇÃO DE ACORDO COM UMA PERSPECTIVA PLURICULTURAL, A PRÁXIS PEDAGÓGICA: A) Não pode estar alheia ao contexto socioeconômico. B) Não deve contemplar a diversidade de ideias e vivências. C) Não leva em consideração as múltiplas identidades. D) Não refuta a dominação política e cultural colonialista. E) Não carece de criticidade ante a hegemonia do saber. 2. O ARTIGO 26-A DA LEI 11.645/2008 ASSEGURA: A) A matrícula de estudantes negros e indígenas nas escolas. B) A obrigatoriedade de docentes de linguagens modificarem o currículo das suas respectivas unidades escolares. C) A substituição do conhecimento etnocêntrico pelo afrocêntrico. D) O debate das histórias e culturas africana, afro-brasileira e indígena na Educação Superior. E) O estudo da diversidade cultural, econômica, política, racial e social brasileira. GABARITO 1. Ao promover a Educação de acordo com uma perspectiva pluricultural, a práxis pedagógica: A alternativa "A " está correta. Os costumes, os hábitos, os signos e os valores de distintos povos constituíram a nossa brasilidade ao longo dos séculos. 2. O Artigo 26-A da Lei 11.645/2008 assegura: A alternativa "E " está correta. O conteúdo programático a que se refere este Artigo inclui diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, suas contribuições nas áreas social, econômica e política. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Para começar, não há nada conclusivo! Este módulo disruptivo, insurgente e subversivo é um convite a uma mudança paradigmática em práticas formativas no que tange ao reconhecimento e à valorização dos saberes indígenas, africanos e afro-brasileiros. Assim, estamos criandoum caminho do meio que substitui o binarismo excludente um ou outro pela dimensão relacional ético-propositiva e agregacionista um e outro. As insurgentes epistemes das populações indígena e preta não podem ser mais desqualificadas, deslegitimadas, ocultadas ou invalidadas em nossos currículos escolares. As vozes desses sujeitos — legítimos produtores de conhecimento — devem ser estudadas com o mesmo grau de importância dado aos discursos europeus que já reverberam no cientificismo vigente. É premente refutar essa perspectiva universalizante que reduziu todo conhecimento a um único paradigma eurocentrado, desdobrando-se na negação de saberes locais e na inferiorização e invisibilização de demais culturas. Se somos multiculturais, devemos respeitar e valorizar todos os sujeitos cognoscentes que constituíram a nossa brasilidade. Destarte, urge uma práxis decolonial que contra-argumente o epistemicídio dos conhecimentos indígenas, africanos e afro-brasileiros. Que valorizemos a relevância das nossas significativas diferenças de saberes e fazeres, para construirmos uma nação democrática. Afinal, somos uma sociedade multicultural e pluriétnica. À maneira de conclusão, parafrasearei a renomada escritora mineira Conceição Evaristo, que nos faz refletir que eles (os opressores) combinaram nos matar e nós combinamos ficar vivos. Assim, vamos também manter vívidas as nossas insignes intelectualidades que têm gosto de cauim e mukua e a vitalidade da sálvia e da arruda. Suleemos ! javascript:void(0) javascript:void(0) CAUIM Bebida alcoólica tradicional de povos indígenas. MUKUA Fruto tradicional de regiões atlânticas em África. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS ADICHIE, C. N. A. Essência das coisas não visíveis. Conferência Anual – Ted Global 2009, de 21 a 24 de julho, Oxford, Reino Unido. BLUMER, H. Symbolic Interactionism. Perspective and method. New Jersey: Prentice-Hall, Inc., 1969. In: MOREIRA, D. A. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson, 2004. CARNEIRO, A. S. A construção do outro como não ser como fundamento do ser. Tese Doutorado em Educação. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, p. 339. 2005. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Cobogó: Rio de Janeiro, 2008. LUCIANO, G. S. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006. MACHADO, V. Pele da cor da noite. Salvador: Edufba, 2013. MIGNOLO, W. D. 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CONTEUDISTA Régia Mabel da Silva Freitas CURRÍCULO LATTES javascript:void(0); javascript:void(0);
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