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GEOPOLÍTICA 6

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GEOPOLÍTICA 
AULA 6 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. José Antonio Lima 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Aqui, vamos nos dedicar a problemas contemporâneos que afetam, em 
especial, a porção ocidental de nosso mundo, como o aumento da desigualdade 
e a emergência do populismo de extrema-direita. Vimos até aqui que as 
principais questões geopolíticas da atualidade se manifestam no encontro entre 
o projeto hegemônico dos Estados Unidos e a resistência imposta a ele por 
países como China, Rússia e Irã. Hoje, vamos discutir algumas questões 
importantes que se manifestam no bloco norte-americano, o que mina as 
capacidades do país de enfrentar essa batalha geopolítica. 
Devemos ter em mente que o projeto norte-americano é derivado da 
condição do país em dois momentos cruciais da história recente. O primeiro é o 
fim da Segunda Guerra Mundial, em que os EUA emergiram com um poder 
político, econômico e militar sem equiparação, o que permitiu ao país ser o 
principal organizador do sistema de instituições de governança global, como a 
Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI) 
e o Banco Mundial. Foi nesse momento, também, que o dólar adquiriu o status 
de moeda padrão da economia mundial e que a cultura dos EUA passou a se 
expandir de forma intensa, fazendo do modelo americano de Estado e sociedade 
um ideal ao qual boa parte da população mundial aspirou a aderir. 
O segundo momento crucial é o fim da Guerra Fria. Mais uma vez, os EUA 
emergiram como vitoriosos, engajados agora na construção de uma “nova 
ordem mundial”. Importante é notarmos que, com o desaparecimento da União 
Soviética e, mais importante, do comunismo como uma forma alternativa de 
organização Estado-sociedade, o modelo norte-americano se disseminou para 
todo o globo, homogeneizando uma boa parte da experiência humana 
contemporânea. Fundamental é ter em conta aqui que, nesse momento unipolar 
da geopolítica mundial, expandiu-se junto com a influência norte-americana uma 
determinada economia política, de matriz neoliberal, que ajudou a modelar o 
mundo em que hoje vivemos. Em parte, os problemas que vamos analisar, como 
o avanço da extrema-direita, estão ligados justamente a esse modelo de 
organização político-econômica que emana do Ocidente e se instala em boa 
parte do mundo. 
TEMA 1 – O NEOLIBERALISMO 
 
 
3 
O termo neoliberalismo é polissêmico. Tem vários significados e múltiplas 
definições, além de ter se transformado em arma política, uma palavra usada em 
tom crítico para designar a atuação, ou as políticas econômicas, de adversários. 
Para complicar ainda mais, nenhum economista ou político da atualidade se 
autointitula neoliberal, uma confusão que faz alguns autores sugerirem o 
abandono do uso da palavra. Aqui, não precisamos chegar a esse ponto, mas 
devemos definir de antemão como usaremos o termo. 
O neoliberalismo é uma estrutura intelectual comum que congrega 
indivíduos e instituições cujo objetivo é construir um projeto global pautado pela 
necessidade de desenhar os Estados, as leis e as instituições para proteger o 
mercado, o capital e a propriedade (Slobodian, 2018). Como veremos, esse 
projeto intelectual foi implementado e, para alguns autores, se expandiu, se 
tornando uma racionalidade política que organiza, simultaneamente, as 
práticas de governança dos Estados, a cidadania e a esfera política mundial 
(Brown, 2006). O neoliberalismo, por esse prisma, é, portanto, uma visão de 
mundo acompanhada de uma série de práticas que abarcam setores 
determinantes de nossas vidas. 
Mas, por que isso é importante em uma discussão de geopolítica? Porque 
esse projeto se tornou dominante entre a elite política dos Estados Unidos, o 
país central de nosso sistema internacional, e, a partir dali, passou a ser um dos 
principais fatores de organização do mundo em que vivemos. Como já vimos, os 
EUA têm um projeto hegemônico que encontra resistências em especial da 
China e da Rússia, e precisam de seus aliados para manterem-se como principal 
polo organizador das relações internacionais. Ocorre que desdobramentos da 
economia política neoliberal têm gerado problemas que minam a coesão do 
bloco ocidental, dificultando a atuação conjunta dos EUA e de seus aliados na 
esfera global. Precisamos, assim, entender esse fenômeno para captar suas 
possíveis repercussões geopolíticas. 
1.1 A expansão neoliberal 
Logo após a crise de 1929, as elites políticas dos EUA e da Europa 
passaram a ter como objetivo central a recuperação econômica e a formulação 
de políticas que impedissem a repetição daquela depressão. Muitas visões de 
mundo entraram em choque, mas prevaleceu, nos dois lados do Atlântico, a ideia 
de que os mercados não tinham capacidade de se autorregular, de modo que o 
 
 
4 
Estado deveria exercer o papel de regulador da economia, aplicando medidas 
que tivessem como objetivo gerar o pleno emprego – garantindo-se, portanto, 
condições para se promover a empregabilidade de todos aqueles que tivessem 
a possibilidade e o desejo de trabalhar. Essas ideias ficaram conhecidas como 
keynesianismo, em alusão ao economista britânico John Maynard Keynes, um 
de seus mais famosos defensores. 
A Segunda Guerra Mundial serviu como catalisador desse processo, pois 
o esforço de guerra promoveu a centralização do poder nas mãos do Estado, 
nos países beligerantes, e os gastos estatais, com armamentos e outros itens, 
tiveram papel essencial para debelar a crise (Blyth, 2002). Assim, ainda durante 
a guerra, diversos governos se dedicaram a instaurar políticas públicas que 
buscassem estimular a economia, por exemplo, com a construção de sistemas 
de bem-estar social, que incluem investimentos em saúde e educação públicas 
e concessão de benefícios sociais como direito à aposentadoria e seguro-
desemprego. Além de estimular a economia, essas políticas, consensuais entre 
partidos de esquerda e direita na época, tinham como objetivo criar uma 
sociedade menos desigual e, segundo essa visão, menos propensa a ideologias 
extremas, além de arregimentar a classe trabalhadora para os projetos de 
reconstrução nacional pós-guerra. É importante acrescentar que outra motivação 
para isso era o crescimento dos partidos comunistas após a guerra – tratava-se, 
assim, de uma luta por corações e mentes. 
Esse sistema funcionou a contento, no mundo ocidental, por décadas, 
gerando uma onda de prosperidade significativa; mas experimentou uma crise 
importante. Isso ocorreu em meados dos anos 1970, quando diversos países 
passaram por crises de estagflação – uma redução do crescimento econômico, 
acompanhada de crescente inflação. Os problemas econômicos colocaram em 
xeque a política keynesiana, abrindo as portas para uma alternativa, a neoliberal, 
que aos poucos se tornou o novo consenso entre as elites políticas ocidentais, a 
começar por partidos conservadores e de direita, mas, cada vez mais, também 
pelos esquerdistas. A fase inicial desse processo foi simbolizada pelos governos 
de Ronald Reagan (1981-1989), nos Estados Unidos, e de Margaret Thatcher 
(1979-1990), no Reino Unido, enquanto que a adesão de partidos de centro-
esquerda ao consenso neoliberal teve como marcos importantes os governos de 
Tony Blair (1997-2007), no Reino Unido, e Gerhard Schröder (1998-2005), na 
Alemanha. 
 
 
5 
As ideias neoliberais têm origem no período posterior ao da Primeira 
Guerra Mundial. Uma de suas primeiras vertentes foi a da Escola de Genebra, 
capitaneada por dois importantes economistas: Friedrich Hayek (1899-1992) e 
Ludwig von Mises (1881-1973). Seu objetivo era adaptar o liberalismo ao século 
XX (daí o termo neoliberalismo), criando uma oposição a forças que eram 
interpretadas como perigosas: o comunismo e o projeto wilsoniano de 
autodeterminação dos povos. Os neoliberais (que nesse período se 
autodenominavam neoliberais!) viam, portanto, as massas detrabalhadores e as 
forças do nacionalismo como adversários que deveriam ser combatidos para se 
proteger o direito à propriedade e ao capital (Slobodian, 2018). Com o auge do 
keynesianismo, entre os anos 1940 e 1970, essas ideias ficaram em segundo 
plano; mas, quando a crise de estagflação se instalou, esse ideário estava pronto 
para ser utilizado como alternativa. 
Muitos pensadores deram continuidade às ideias neoliberais mesmo 
durante esse período. O economista norte-americano Milton Friedman, da 
Universidade de Chicago, era uma figura central nisso, se tornando um dos 
principais articuladores da crítica à economia do pós-guerra. Friedman fez 
avançar ideias como as de que o desemprego era voluntário e de que os 
estímulos do governo à economia eram um desperdício de tempo e dinheiro que 
estava provocando a recessão e a inflação. O pensamento de intelectuais como 
Friedman reativou a hostilidade de liberais e neoliberais à intervenção estatal, 
galvanizando esses grupos em um momento no qual os governos não 
conseguiam manter a economia sob controle. Ao mesmo tempo, o projeto 
neoliberal serviu como plataforma para o grande empresariado proteger seus 
interesses, uma vez que a inflação era percebida como um enorme risco ao 
patrimônio e aos ganhos das classes mais ricas. Assim, por meio de institutos 
de pesquisa, veículos de imprensa, think tanks incumbidos de fornecer ideias ao 
debate público, lobbies em face de congressistas, bem como das posições 
proeminentes de acadêmicos, jornalistas e empresários, o projeto neoliberal 
avançou e se enfronhou nas democracias, alcançando os governos mais 
poderosos do mundo ocidental, em Washington e Londres (Blyth, 2002). 
Sob Reagan e Thatcher, políticas como o corte de gastos 
governamentais, em especial para programas sociais redistributivos, a 
desregulação dos mercados financeiros, a redução dos impostos para os mais 
ricos e o combate aos sindicatos se tornaram elementos centrais do novo 
 
 
6 
consenso econômico, agora pró-mercado. Mais que isso, tais políticas públicas 
rapidamente foram transformadas em um receituário adotado por instituições 
multilaterais dominadas pelo Ocidente, casos do Banco Mundial e do FMI (Babb, 
2009), que se encarregaram de transmiti-las para os países alinhados ao 
Ocidente durante a Guerra Fria e, após o fim da União Soviética, à maior parte 
do mundo. No período da Guerra Fria, o principal case neoliberal fora do 
Atlântico Norte era o Chile de Augusto Pinochet, que conseguiu aplicar boa parte 
das draconianas medidas previstas no programa neoliberal por comandar um 
Estado ditatorial. O auge do neoliberalismo se deu, porém, na década de 1990. 
O braço econômico do triunfalismo norte-americano da nova ordem mundial 
eram justamente os programas de ajuste estrutural impostos a países africanos 
e latino-americanos com efeitos negativos de grande proporção, sobre essas 
sociedades (Assies, 2003; Adekanye, 1995). Apenas recentemente os 
problemas do neoliberalismo passaram a ser discutidos de forma mais ampla no 
debate público – justamente quando seus efeitos negativos passaram a ser 
sentidos também no Atlântico Norte. 
TEMA 2 – DESIGUALDADE 
Como vimos na seção anterior, o neoliberalismo foi a economia política 
de escolha das lideranças nos países ocidentais; chegou às instituições 
multilaterais; e, a partir daí, se expandiu para boa parte do mundo, durante o 
atual período de globalização. É por isso que uma forma de nomear a fase 
geopolítica iniciada com o fim da Guerra Fria e que abarca a contemporaneidade 
é usar o termo globalização neoliberal. Quando analisamos esse período, uma 
pergunta fundamental que emerge é: quem foram, até aqui, os ganhadores e os 
vencedores desse processo? 
Para responder a essa questão, vamos nos apoiar no trabalho de Branko 
Milanovic (2016), que reuniu uma série de pesquisas sobre renda nacional, em 
diversos países, para realizar uma análise da desigualdade global entre 1988 e 
2008. Esse período compreende as reformas da economia chinesa, bem como 
a entrada no sistema global das economias anteriormente sob controle soviético 
e também a revolução tecnológica. Milanovic (2016) calculou, em primeiro lugar, 
quanto determinados grupos sociais ganharam, em termos relativos de renda, 
entre essas datas. Isto é, ele calculou qual o crescimento, em termos porcentuais 
(relativos), da renda desses grupos entre 1988 e 2008. Por esse prisma, o grupo 
 
 
7 
que mais viu sua renda se elevar foi o das camadas pobres e médias de países 
como China, Índia, Indonésia, Tailândia e Vietnã. O autor chama esse grupo de 
classe média emergente global, que ganha a classificação média por estar na 
mediana da distribuição de renda global. O termo não significa, portanto, que 
esse grupo seja equivalente ao que se conhece como classe média no mundo 
ocidental ou no Brasil. 
A classe média emergente global chegou a seu novo status econômico 
após deixar para trás a extrema pobreza; mas, no geral, segue capturando uma 
fatia da renda global muito inferior à das classes médias e mesmo das mais 
pobres no mundo desenvolvido. Em 1988, uma boa parte das populações desses 
países asiáticos que cresceram rapidamente nos últimos anos vivia em uma 
pobreza abjeta. Essa situação foi mitigada por uma junção entre as políticas 
públicas realizadas pelos governos e a chegada de uma significativa quantidade 
de empresas estrangeiras na região, que passaram a produzir nesses países 
atraídas por condições favoráveis – a mais importante delas, os baixos salários 
dos trabalhadores. No caso específico da China, a renda das classes pobres 
urbanas cresceu 3 vezes nesse período, enquanto na zona rural o crescimento 
foi de 2,2 vezes (Milanovic, 2016, p. 19). No geral, a renda da classe média 
emergente global cresceu 80% entre 1988 e 2008 (Milanovic, 2016, p. 20). 
Um outro importante grupo vencedor da globalização é o dos super-ricos, 
composto por 1% da população mundial (a grosso modo, 70 milhões de 
pessoas), que inclui herdeiros, investidores, empresários, executivos e donos de 
grandes multinacionais, que puderam tirar proveito de oportunidades de 
investimento, expansão de mercado e acesso a mão de obra barata em países 
em desenvolvimento. Esses indivíduos estão concentrados nos Estados Unidos, 
onde está cerca de metade do 1% de mais ricos; e nas classes mais altas de 
outros países ricos, como Alemanha, Austrália, Reino Unido e Japão, entre 
outros. Há, também, a elite econômica de países campeões de desigualdade, 
como África do Sul, Brasil e Rússia. No caso dos donos e executivos de 
multinacionais, ao diminuir os custos de sua produção, utilizando-se de mão de 
obra mais barata na Ásia, por exemplo, eles elevaram seus lucros, ampliando 
sua renda. No meio do caminho, esse processo elevou a renda de milhões de 
trabalhadores asiáticos, um exemplo da complexidade da globalização e da 
produção de efeitos positivos e negativos, simultaneamente (Milanovic, 2016). 
 
 
8 
Mas, por que esse é um exemplo de efeito negativo se ambos os lados 
ficaram mais ricos? Isso fica claro se analisarmos o grupo dos principais 
perdedores da globalização, aqueles cuja renda permaneceu estagnada ou teve 
ganhos relativos extremamente pequenos entre 1988 e 2008. Segundo Milanovic 
(2016), nesse grupo estão as classes médias baixas dos países mais ricos, os 
países ocidentais. Esse grupo tem uma renda maior (e, portanto, é mais rico, de 
acordo com o prisma utilizado aqui) que as classes médias dos países da Ásia; 
mas, em termos relativos, teve um ganho mínimo no período da globalização, da 
ordem de menos de 7% na Alemanha e de 4% no Japão (Milanovic, 2016, p. 20). 
Estamos falando aqui, em geral, de trabalhadores de setores que enfrentam 
declínio devido à globalização, como manufatura tradicional e agricultura, muitos 
dos quais perderam seus empregos devido à competição estrangeira e à 
realocaçãode indústrias em regiões com custos de mão de obra mais baixos. 
Boa parte dessas pessoas são eleitores que votaram em políticos que 
pressionaram “[...] por uma maior dependência dos mercados em suas próprias 
economias e no mundo após a revolução Reagan-Thatcher”, convencidas por 
essas mesmas lideranças “[...] das vantagens das políticas neoliberais em 
comparação com regimes de bem-estar mais protecionistas” (Milanovic, 2016, p. 
20) que vigoravam anteriormente. 
Cabe destacar, de forma complementar, que os dois grupos de 
“vencedores” da globalização tiveram ganhos relativos próximos, mas ganhos 
absolutos muito diferentes. Isso porque, em 1988, quando começa a série 
histórica, a distribuição de renda global já era extremamente desigual. Em larga 
medida, portanto, as últimas três décadas tornaram mais aguda a desigualdade. 
Segundo Milanovic (2016), a renda média anual do grupo 1% mais rico do mundo 
era de US$ 71 mil por ano, enquanto que as pessoas localizadas na metade da 
distribuição de renda tinham uma renda de US$ 1,4 mil. Já a renda dos 10% 
mais pobres era de apenas US$ 450 por ano. Desse modo, uma elevação de 
apenas 1% na renda dos mais ricos significa US$ 710, metade da renda de quem 
está na metade da distribuição e quase o dobro da renda dos 10% mais pobres. 
Ocorre que, entre 1988 e 2008, o ganho relativo do grupo 1% mais rico foi da 
ordem de 65%, fazendo com que a sua riqueza acumulada em terras, imóveis e 
bens financeiros se tornasse ainda maior. Isso significa que a desigualdade de 
riqueza – auferida pelo dinheiro que as pessoas têm guardado e não pelo que 
 
 
9 
ganham mensal ou anualmente – é ainda maior que a desigualdade de renda 
(Milanovic, 2016). 
O quadro traçado aqui é importante pois ele extrapola muito as questões 
de ordem econômica ou financeira. O aprofundamento da desigualdade 
promovido pela globalização neoliberal se tornou uma questão fundamental de 
nosso tempo, pois tem repercussões políticas demasiadamente significativas. 
TEMA 3 – A CRISE DE 2007-2008 
Por décadas, os efeitos negativos da globalização neoliberal foram 
discutidos, principalmente, no âmbito dos problemas provocados nos países em 
desenvolvimento. No caso da América do Sul, um importante fenômeno 
estudado nas relações internacionais e ligado ao neoliberalismo é a chamada 
onda rosa. Trata-se de um termo usado para se referir aos governos de esquerda 
e centro-esquerda que, na esteira das políticas neoliberais implantadas nos anos 
1980 e 1990, chegaram ao poder nas décadas de 2000 e 2010. Entre os 
pioneiros desse movimento de reação às políticas neoliberais estavam figuras 
como Evo Morales (Bolívia), Hugo Chávez (Venezuela), Luiz Inácio Lula da Silva 
(Brasil) e Nestor Kirchner (Argentina). Foi apenas no fim dos anos 2000 que os 
efeitos negativos da globalização neoliberal para os países em desenvolvimento 
passaram a ser discutidos de modo mais profundo. O catalisador desse 
fenômeno foi a crise financeira de 2007-2008, uma das piores desde a 
Depressão de 1929. 
Essa crise financeira de 2007-2008 teve origem no setor imobiliário dos 
Estados Unidos, e seu ponto nevrálgico foram os títulos subprime, empréstimos 
hipotecários concedidos a pessoas com histórico de crédito de alto risco, 
avaliação motivada por inadimplência anterior ou por renda instável. Esses 
empréstimos tinham juros iniciais baixos, por um período de tempo limitado, e 
que depois aumentavam significativamente. Apesar de não serem seguros, os 
subprime cresceram em popularidade à medida que instituições financeiras 
começaram a concedê-los em grande escala, atraídas pelos altos lucros. A 
mesma motivação fez com que esses empréstimos fossem agrupados em 
pacotes, e seus títulos, lastreados em hipotecas, que passaram a ser vendidas 
para investidores ao redor do mundo. A crise eclodiu quando muitas pessoas 
deixaram de pagar seus empréstimos, levando a uma desvalorização acentuada 
dos valores dos títulos e a uma quebradeira generalizada de diversas instituições 
 
 
10 
financeiras e outras companhias que estavam expostas aos riscos de tais títulos. 
Rapidamente, a crise deixou o mundo financeiro para a dita economia real, 
provocando uma forte desaceleração nas principais economias ocidentais, o 
que, por sua vez, levou a um elevado aumento do desemprego. 
Para evitar o colapso do sistema financeiro, que poderia ter efeitos ainda 
piores para a economia, muitos governos intervieram para resgatar os bancos, 
por meio de medidas como as injeções de capital e as garantias de empréstimos. 
Essas intervenções foram realizadas com dinheiro público, ou seja, o dinheiro 
dos pagadores de impostos; ou com a emissão de títulos da dívida pública, 
aumentando a carga de endividamento dos governos. Desse modo, tanto a crise 
quanto seu remédio serviram para expor as vísceras do sistema. Por um lado, 
os empréstimos subprime e os títulos hipotecários só surgiram por conta da 
desregulação do mercado financeiro (um dos pilares do neoliberalismo) 
implantada pela classe política, ao longo dos anos anteriores. Por outro lado, a 
ação governamental para debelar a crise provocou ressentimentos diante da 
sensação de injustiça. Muitos dos críticos argumentavam que o resgate das 
instituições financeiras beneficiou as companhias que contribuíram para a crise, 
sem impor responsabilidades suficientes. Além disso, enquanto os bancos eram 
salvos, muitos cidadãos e empresas estavam sofrendo os efeitos da crise, como 
perda de empregos e desvalorização de ativos em meio a um cenário de 
décadas de redução das redes de proteção social. 
A crise de 2007-2008 aprofundou algumas das tendências em curso. No 
campo geopolítico, como já vimos, a crise abriu mais espaço para que a China 
se tornasse um ator proeminente na esfera global, uma vez que os Estados 
Unidos, além de estarem focados nas ocupações do Afeganistão e do Iraque, 
voltaram suas atenções para os efeitos da recessão. No campo econômico, a 
classe média emergente global continuou a crescer, em larga medida por conta 
da rápida expansão da economia chinesa (que, nesse período, também 
beneficiou o Brasil), o que reforçou a reorientação da economia mundial do 
Atlântico para a Ásia (Milanovic, 2016, p. 32). Concomitantemente, as classes 
pobres e médias do mundo desenvolvido continuaram a ver sua renda 
estagnada, ou mesmo reduzida, diante da crise que se abateu nessa região. 
Temos, portanto, a crise de 2007-2008 como um ponto focal importante 
da análise geopolítica, pois ela serviu para expor problemas graves de ordem 
interna nos sistemas políticos dos países ocidentais, que se refletem nas 
 
 
11 
relações internacionais. A recessão no mundo ocidental desenvolvido foi um 
catalisador desses problemas, abrindo espaço para projetos políticos que 
questionam não apenas a ordem política doméstica, mas também a global. 
Quando isso ocorre em países centrais, como se deu nos Estados Unidos, a 
repercussão é significativa. Por isso, não é possível compreender o retrocesso 
democrático e a ascensão do populismo de extrema-direita sem compreender os 
efeitos da crise de 2007-2008. 
TEMA 4 – O RETROCESSO DEMOCRÁTICO 
Um dos temas centrais nas discussões das relações internacionais na 
virada entre as décadas de 2010 e 2020 é o retrocesso democrático pelo qual 
passa o mundo. Trata-se de um processo reverso ao das chamadas ondas de 
democratização registradas desde o século XVIII, a mais recente delas, a 
terceira, iniciada com a Revolução dos Cravos, em 1974, em Portugal 
(Huntington, 1991). Marcada pela adoção de regimes democráticos em mais de 
60 países, incluindo a maior parte da Europa Oriental pós-soviética e da América 
do Sul, além de muitos países asiáticos e africanos, essa terceira onda de 
democratização desembocou, paradoxalmente, no processo de 
desdemocratização de que falaremos aqui. 
Ainda em 2008, em um dos primeiros textos sobre o tema,o sociólogo 
norte-americano Larry Diamond (2008) alertou para a existência de um 
retrocesso democrático. Sua preocupação, naquele momento, eram os 
diversos problemas de governança que persistiam em países recém-
democratizados, muitos deles incapazes de mitigar problemas como 
criminalidade, corrupção, baixo crescimento econômico e desigualdade 
econômica e social. O autor destacava que a democracia era, em muitos países, 
nada mais que um fenômeno superficial. Um problema, argumentava, era o 
chamado eleitoralismo: a ideia de que apenas a existência de uma Constituição 
e de eleições periódicas seriam suficientes para garantir a manutenção de 
sistemas democráticos. Diamond (2008, p. 37, tradução nossa) afirmava que 
“[...] forças de segurança e policiais abusivas, oligarquias poderosas, burocracias 
estatais incompetentes e indiferentes, judiciários corruptos ou inacessíveis e 
elites políticas venais, que desprezam o Estado de direito e são responsivas 
apenas a elas próprias”, poderiam fazer com que as populações passassem a 
desprezar a democracia, optando por soluções autoritárias. 
 
 
12 
O diagnóstico feito ali se provou acertado. Diversos países, cada um a 
sua maneira, se tornaram menos democráticos, e esse retrocesso se 
aprofundou. Alguns números ajudam a ilustrar a situação. Em 2022, a Freedom 
House, entidade norte-americana que classifica os países em um ranking de 
democracia, no qual eles podem ser elencados como livres, parcialmente livres 
ou não livres, registrou seu 16º ano consecutivo em que mais países se tornaram 
menos livres do que os que fizeram o caminho inverso. De acordo com a 
avaliação da entidade naquele ano, 38% da população mundial residia em 
países não livres, o maior índice desde 1997 (O futuro, 2023). A Economist 
Intelligence Unit, entidade britânica que faz avaliação semelhante, também 
registra uma redução das liberdades democráticas no mundo desde 2014 
(Martins, 2023). Esses números trazem à tona uma questão importante: como o 
retrocesso democrático ocorre? 
Fraudes maciças em dias de votação, comuns nos primeiros 
experimentos democráticos da dita terceira onda, foram, em larga medida, 
deixadas de lado. Temos, porém, um ambiente permissivo ao autoritarismo, no 
qual golpes de Estado, a forma mais clássica de derrubar uma democracia, 
voltaram a se tornar corriqueiros. Um exemplo: entre agosto de 2020 e setembro 
de 2022, cinco golpes de Estado foram realizados em um grupo de três países 
africanos da região do Sahel: dois no Mali, dois em Burkina Faso e um no Chade 
(além de uma tentativa frustrada no Níger). Em paralelo, temos visto também 
golpes promissórios, supostamente temporários, para suposta correção de 
rumos diante de crises ou instabilidades (como o que ocorreu em Honduras, em 
2009). 
São ainda outras formas de regressão democrática que têm caracterizado 
o retrocesso do regime no mundo ocidental, nosso foco principal aqui. Entre elas 
estão a manipulação estratégica das eleições, em que o governante reprime a 
oposição, ataca a imprensa e realiza manobras legais para remover candidatos 
da corrida eleitoral; e o engrandecimento do Poder Executivo, que está 
associado ao processo anterior e é caracterizado pelo enfraquecimento dos 
controles sobre o Poder Executivo e pela manutenção de um verniz democrático 
ao mesmo tempo que as instituições democráticas, como o Judiciário e o 
Legislativo, são cooptadas ou desmontadas (Bermeo, 2016). Esses processos 
são típicos de democracias liberais e, muitas vezes, são levados a cabo por 
governantes que chegaram ao poder por vias democráticas. E, no período atual, 
 
 
13 
muitas vezes são marcados por um elemento determinante: o apoio maciço de 
setores significativos da população e do eleitorado a projetos de cunho 
autoritário. É aqui que reside a junção do tema de abertura desta discussão – os 
efeitos negativos da globalização neoliberal, com seu auge na crise de 2007-
2008 e na deslegitimação dos sistemas políticos vigentes – e do tema de 
fechamento: a ascensão do populismo de extrema-direita que ameaça a coesão 
do bloco ocidental. 
TEMA 5 – O POPULISMO E A EXTREMA-DIREITA 
O conceito de populismo sofre de males parecidos com os que 
examinamos ao discutir o neoliberalismo. Trata-se de um termo vago e 
costumeiramente usado como arma política, que acaba descrevendo fenômenos 
diferentes em lugares e períodos diferentes da história. Há, no campo 
acadêmico, uma série de definições para o termo; mas, no campo político, não 
há liderança que se autodenomine populista. Aqui, vamos utilizar como definição 
a de Mudde e Kaltwasser (2017, p. 6, tradução nossa), segundo a qual o 
populismo é uma “[...] ideologia rala que considera a sociedade, em última 
análise, separada em dois campos homogêneos e antagônicos, ‘o povo puro’ 
versus ‘a elite corrupta’, e que argumenta que a política deve ser uma expressão 
da vontade geral das pessoas”. Por rala (thin-centered, no original), os autores 
querem dizer que o populismo, como ideologia, ao contrário de outras como o 
liberalismo ou o socialismo, não oferece respostas complexas ou completas 
sobre os problemas da sociedade. O populismo funciona, nesse prisma, como 
um hospedeiro para outras ideologias e visões de mundo, sendo, portanto, um 
veículo por meio do qual atores de direita e esquerda disputam o poder político. 
O populismo voltou a ser discutido intensamente no rescaldo da crise 
econômica de 2007-2008. A exposição dos problemas do sistema político e da 
desigualdade no mundo desenvolvido fez com que movimentos populistas, com 
vieses de esquerda e direita, ganhassem protagonismo político. No primeiro 
caso, um dos principais grupos que ganhou destaque foi o Occupy Wall Street, 
em que manifestantes majoritariamente norte-americanos protestavam contra os 
chamados tubarões da Wall Street, o centro financeiro dos EUA e do mundo 
ocidental como um todo, local de origem da crise dos subprime. O movimento 
esteve nas manchetes, mas falhou ao não conquistar participação política diante 
do rígido sistema bipartidário que vigora nos EUA. Na Espanha e na Grécia, dois 
 
 
14 
partidos de viés populista e de esquerda tiveram proeminência: o Podemos e o 
Syriza. Enquanto o primeiro foi um dos responsáveis por romper o bipartidarismo 
na Espanha, reduzindo o domínio das agremiações de centro-esquerda e centro-
direita que controlavam a política local, o Syriza chegou ao poder na Grécia, 
tendo o primeiro-ministro do país entre 2015 e 2019. Parou por aí, porém, a 
experiência de destaque dos movimentos populistas de esquerda no mundo 
desenvolvido. Isso porque o setor que mais bem soube aproveitar a instabilidade 
pós-crise foi a extrema-direita. 
Desde a Segunda Guerra Mundial, quando foi derrotada militarmente por 
uma aliança de liberais e comunistas, a extrema-direita europeia jamais deixou 
de existir. Na Itália e na Alemanha e em muitos outros países, herdeiros políticos 
do fascismo e do nazismo passaram décadas nas margens do sistema enquanto 
tentavam dar uma nova roupagem às ideias racistas que delineiam essa visão 
de mundo. A pesquisa de Cas Mudde (2022) sobre a extrema-direita aponta que 
o fenômeno que estamos vendo na atualidade pode ser classificado como a 
quarta onda da extrema-direita no mundo ocidental, no pós-guerra. Essa onda 
foi galvanizada por três grandes eventos que ocorreram depois da virada do 
milênio: os ataques terroristas de 11 de setembro, a crise econômica de 2007-
2008 e a chegada, à Europa, de um grande número de refugiados, boa parte 
deles muçulmanos, entre 2015 e 2016. Diferentemente das ondas anteriores, a 
quarta onda da extrema-direita caracteriza-se pela normalização de ideias 
preconceituosas e por sua consequente entrada no mainstream político. 
Enquanto alguns atores políticos se tornaram mais radicais para se adequar a 
esse novo momento, outros surgiram para também tentar ocuparo espaço. Cada 
uma a seu modo e com características peculiares, agremiações de extrema-
direita assumiram protagonismo na Europa, registrando votações altas e, em 
alguns casos, figurando entre os maiores partidos de seus países ou integrando 
governos, com influência sobre as políticas públicas. Traços ideológicos em 
comum desses partidos e movimentos são a islamofobia e o antissemitismo, a 
plataforma anti-imigração, uma religiosidade conservadora e um nacionalismo 
de viés xenofóbico (Mudde, 2022). 
Se falamos sobre a ascensão de uma extrema-direita populista em um 
ambiente democrático, precisamos nos perguntar: como esse projeto político 
ganha tração? Em outras palavras: por que partidos que esposam tais ideias 
recebem votos? A resposta, quando falamos sobre o cenário do mundo 
 
 
15 
desenvolvido, nosso foco aqui, está na interação entre questões políticas, 
econômicas e culturais. O primeiro aspecto tem relação com uma certa 
pasteurização da política, na era do neoliberalismo. Como vimos, 
crescentemente, partidos de centro-esquerda aderiram à economia política 
neoliberal, adotando posições cada vez mais parecidas com as de seus 
adversários de centro-direita, deixando os eleitores sem opções de alternativas 
reais. Durante a crise de 2007-2008, ficou claro, em muitos países, que muitas 
das políticas que levaram ao colapso foram endossadas tanto por governo 
quanto por oposição, nos anos anteriores. Assim, as apostas em um outsider da 
política passaram a ser vistas como opções reais e melhores. Estudos indicam 
que esse não é exatamente um fator decisivo, mas a impressão de que os 
partidos tradicionais são mais do mesmo explica a sensação de falta de 
representatividade experimentada por muitos eleitorados no Ocidente (Mudde, 
2022). 
O segundo e o terceiro aspectos são complementares e precisam ser 
analisados em conjunto. Como vimos, do ponto de vista econômico, temos no 
mundo desenvolvido tanto os vencedores da globalização quanto os principais 
perdedores. De um lado, há as classes ricas que estão ficando cada vez mais 
ricas graças às políticas implementadas por políticos alinhados a seus 
interesses; do outro, uma massa de pessoas que viu sua renda estagnar quando 
empresas e empregos foram para a Ásia. Essa desigualdade social e política foi 
exposta durante a crise econômica; mas, enquanto o mundo desenvolvido ainda 
vivia o rescaldo daquela instabilidade, experimentou um novo fenômeno: um 
crescente fluxo de imigrantes do Sul Global, motivados tanta pela busca por 
melhores condições de vida quanto por sobrevivência, devido a conflitos criados, 
em larga medida, pelas políticas externas dos países do Norte Global. A chegada 
de imigrantes permitiu que a extrema-direita mobilizasse sua pauta racial para 
obter dividendos políticos. Crescentemente, a crise humanitária em países como 
Afeganistão e Síria não era apresentada como resultado dos estratagemas 
geopolíticos das grandes potências, mas sim como uma invasão de imigrantes, 
que estariam chegando à Europa para tomar empregos e benefícios sociais dos 
pagadores de impostos britânicos, franceses, alemães, italianos, húngaros, 
poloneses etc. É aqui que temos a chave para entender a ascensão da extrema-
direita, pois as pesquisas mostram que o principal fator explicativo para a 
votação nesse grupo político é a “[...] tradução sociocultural das preocupações 
 
 
16 
socioeconômicas [...]” (Mudde, 2022, p. 117) dos eleitores do mundo 
desenvolvido. 
Assim, denunciando as elites políticas corruptas como inimigas do 
povo, alvejando minorias para serem perseguidas e disseminando teorias 
conspiratórias, movimentos, partidos e lideranças de extrema-direita semeiam a 
divisão na sociedade e exploram ressentimentos e preconceitos. Uma vez no 
poder, mudam ou tentam mudar as regras do jogo político-eleitoral e levam as 
normas ao limite, nos moldes do retrocesso democrático que analisamos 
anteriormente. A votação pela saída do Reino Unido da União Europeia (o 
Brexit), em junho de 2016, e a eleição de Donald Trump como presidente dos 
EUA, em novembro do mesmo ano, foram os dois principais choques no sistema 
provocados por esse fenômeno; mas o governo de Viktor Órban na Hungria, 
encastelado no poder, é um outro exemplo importante. 
5.1 Impactos geopolíticos 
A pergunta final que se apresenta a nós é a seguinte: qual o impacto 
geopolítico de todas as questões apresentadas até aqui? Podemos resumir a 
resposta em uma palavra – coesão (a falta dela) –, que se manifesta tanto na 
escala doméstica quanto internacional. No primeiro caso, o doméstico, temos de 
levar em conta os severos danos provocados aos tecidos sociais dos países 
onde a extrema-direita consegue se enraizar. Como já mencionado, esses 
movimentos adotam o racismo e o preconceito como bandeiras e utilizam as 
clivagens existentes nas sociedades para obterem ganhos políticos. Uma 
estratégia central da extrema-direita é denunciar partidos e lideranças de 
esquerda não como opositores legítimos que têm ideias diferentes e 
consideradas piores para o país: o projeto é denunciar as esquerdas como 
antinacionais, traidoras da pátria que desejam acabar com o caráter do povo que 
a extrema-direita clama defender. Comumente, as esquerdas são apresentadas 
como parte de uma conspiração internacional que tem como objetivo criar uma 
sociedade globalizada, em que valores tradicionais não têm lugar. A intenção é 
criar um temor existencial nos eleitores e convencê-los de que o projeto firme e 
de viés autoritário da extrema-direita é a única alternativa para salvar a nação. 
Esse roteiro cria, inevitavelmente, cisões na sociedade, minando a coesão e, 
portanto, a capacidade de o Estado agir internacionalmente – não por acaso, a 
política externa tem sido um elemento de disputa significativo. Quando falamos 
 
 
17 
dos EUA e de seus aliados europeus, nosso foco aqui, esse é um elemento 
importante pois, como vimos ao longo do nosso estudo, o bloco atlântico 
enfrenta, na esfera global, uma oposição organizada da Rússia e, 
principalmente, da China, dois Estados também muito diversos, em que a coesão 
nacional não pode ser tratada como fato dado, mas que, por conta de seus 
regimes autoritários, têm conseguido manter uma política externa mais uniforme. 
Na esfera internacional, a coesão também pode ser afetada pelo avanço 
da extrema-direita. Nessa seara, o Brexit é um caso importante, que minou a 
coesão da União Europeia; mas o mandato de Donald Trump é o exemplo mais 
bem-acabado disso. Ao chegar ao poder, Trump fez mudanças importantes na 
política externa norte-americana. Como já vimos, é verdade que ele deu 
continuidade à política de rivalidade com a China, mas ao mesmo tempo 
avançou contra aliados norte-americanos. Trump, por exemplo, retirou os EUA 
do Tratado TransPacífico (TPP), uma aliança comercial moldada pelo governo 
Barack Obama como um dos pilares de seu pivô para a Ásia. Mais importante 
que isso, Trump deixou claro que, para ele, a Organização do Tratado do 
Atlântico Norte (Otan) não era uma organização que merecesse tanta atenção 
de Washington, sendo dispensável. Ao levar de volta o isolacionismo como 
possibilidade de política externa para os EUA, Trump minou a coesão entre as 
potências ocidentais, tornou seu país um parceiro menos confiável e colocou em 
xeque a aliança que, como vimos, serviu para construir o mundo em que vivemos 
e que tem o Ocidente como centro. O eventual retorno dessa política externa nos 
EUA, ou a emergência de posições semelhantes em seus aliados europeus, 
poderia transformar a geopolítica mundial de modo significativo, portanto. 
NA PRÁTICA 
A nossa última atividade prática é um convite para que você continue seus 
estudos a respeito do tema tratado aqui. Assim, a primeira ideia é discutir com 
colegas, amigos ou familiares as seguintes questões: quão importante é, para 
mim, o regime democráticodo país onde eu nasci? Quais aspectos poderiam ser 
melhorados para torná-lo mais responsivo aos anseios populares e quais 
medidas práticas poderiam ser tomadas para isso? A segunda ideia consiste em 
sugestões de leitura: além do livro já mencionado de Cas Mudde (2022), A 
extrema-direita hoje, você pode se aprofundar nesse tema por meio da leitura de 
dois excelentes livros com traduções para o português: Como as democracias 
 
 
18 
morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (2018); e Sobre a tirania: vinte lições 
do século XX para o presente, de Timothy Snyder (2017). 
E deixamos uma última mensagem: nunca devemos tomar a democracia 
como um fato dado. Ela precisa ser protegida e melhorada a cada dia. 
FINALIZANDO 
Nesta discussão final, fizemos um apanhado geral das últimas décadas, 
projetando possibilidades futuras para a geopolítica mundial. Nosso foco se 
voltou para questões globais com enormes repercussões no âmbito doméstico 
dos países que, por sua vez, geram reações que retornam à esfera global. 
Discutimos o avanço do neoliberalismo a partir da década de 1990 como 
economia política dominante e alguns de seus principais impactos negativos, 
como a estagnação da renda de determinados setores, o severo 
aprofundamento da desigualdade social dentro dos países e a pasteurização da 
classe política em nome desse projeto. Vimos como esses fatos foram 
escancarados no mundo desenvolvido após a crise de 2007-2008 e como esse 
cenário abriu as portas para o populismo de extrema-direita. Analisamos, 
também, como esse projeto sociopolítico se instalou em um mundo onde o 
autoritarismo encontra condições favoráveis para se disseminar e se tornou um 
fator determinante na política doméstica de diversos países. Por fim, 
examinamos como a falta de coesão provocada pela extrema-direita pode afetar 
o bloco ocidental em seu embate contra a Rússia e a China. 
 
 
19 
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