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GEOPOLÍTICA AULA 6 Prof. José Antonio Lima 2 CONVERSA INICIAL Aqui, vamos nos dedicar a problemas contemporâneos que afetam, em especial, a porção ocidental de nosso mundo, como o aumento da desigualdade e a emergência do populismo de extrema-direita. Vimos até aqui que as principais questões geopolíticas da atualidade se manifestam no encontro entre o projeto hegemônico dos Estados Unidos e a resistência imposta a ele por países como China, Rússia e Irã. Hoje, vamos discutir algumas questões importantes que se manifestam no bloco norte-americano, o que mina as capacidades do país de enfrentar essa batalha geopolítica. Devemos ter em mente que o projeto norte-americano é derivado da condição do país em dois momentos cruciais da história recente. O primeiro é o fim da Segunda Guerra Mundial, em que os EUA emergiram com um poder político, econômico e militar sem equiparação, o que permitiu ao país ser o principal organizador do sistema de instituições de governança global, como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Foi nesse momento, também, que o dólar adquiriu o status de moeda padrão da economia mundial e que a cultura dos EUA passou a se expandir de forma intensa, fazendo do modelo americano de Estado e sociedade um ideal ao qual boa parte da população mundial aspirou a aderir. O segundo momento crucial é o fim da Guerra Fria. Mais uma vez, os EUA emergiram como vitoriosos, engajados agora na construção de uma “nova ordem mundial”. Importante é notarmos que, com o desaparecimento da União Soviética e, mais importante, do comunismo como uma forma alternativa de organização Estado-sociedade, o modelo norte-americano se disseminou para todo o globo, homogeneizando uma boa parte da experiência humana contemporânea. Fundamental é ter em conta aqui que, nesse momento unipolar da geopolítica mundial, expandiu-se junto com a influência norte-americana uma determinada economia política, de matriz neoliberal, que ajudou a modelar o mundo em que hoje vivemos. Em parte, os problemas que vamos analisar, como o avanço da extrema-direita, estão ligados justamente a esse modelo de organização político-econômica que emana do Ocidente e se instala em boa parte do mundo. TEMA 1 – O NEOLIBERALISMO 3 O termo neoliberalismo é polissêmico. Tem vários significados e múltiplas definições, além de ter se transformado em arma política, uma palavra usada em tom crítico para designar a atuação, ou as políticas econômicas, de adversários. Para complicar ainda mais, nenhum economista ou político da atualidade se autointitula neoliberal, uma confusão que faz alguns autores sugerirem o abandono do uso da palavra. Aqui, não precisamos chegar a esse ponto, mas devemos definir de antemão como usaremos o termo. O neoliberalismo é uma estrutura intelectual comum que congrega indivíduos e instituições cujo objetivo é construir um projeto global pautado pela necessidade de desenhar os Estados, as leis e as instituições para proteger o mercado, o capital e a propriedade (Slobodian, 2018). Como veremos, esse projeto intelectual foi implementado e, para alguns autores, se expandiu, se tornando uma racionalidade política que organiza, simultaneamente, as práticas de governança dos Estados, a cidadania e a esfera política mundial (Brown, 2006). O neoliberalismo, por esse prisma, é, portanto, uma visão de mundo acompanhada de uma série de práticas que abarcam setores determinantes de nossas vidas. Mas, por que isso é importante em uma discussão de geopolítica? Porque esse projeto se tornou dominante entre a elite política dos Estados Unidos, o país central de nosso sistema internacional, e, a partir dali, passou a ser um dos principais fatores de organização do mundo em que vivemos. Como já vimos, os EUA têm um projeto hegemônico que encontra resistências em especial da China e da Rússia, e precisam de seus aliados para manterem-se como principal polo organizador das relações internacionais. Ocorre que desdobramentos da economia política neoliberal têm gerado problemas que minam a coesão do bloco ocidental, dificultando a atuação conjunta dos EUA e de seus aliados na esfera global. Precisamos, assim, entender esse fenômeno para captar suas possíveis repercussões geopolíticas. 1.1 A expansão neoliberal Logo após a crise de 1929, as elites políticas dos EUA e da Europa passaram a ter como objetivo central a recuperação econômica e a formulação de políticas que impedissem a repetição daquela depressão. Muitas visões de mundo entraram em choque, mas prevaleceu, nos dois lados do Atlântico, a ideia de que os mercados não tinham capacidade de se autorregular, de modo que o 4 Estado deveria exercer o papel de regulador da economia, aplicando medidas que tivessem como objetivo gerar o pleno emprego – garantindo-se, portanto, condições para se promover a empregabilidade de todos aqueles que tivessem a possibilidade e o desejo de trabalhar. Essas ideias ficaram conhecidas como keynesianismo, em alusão ao economista britânico John Maynard Keynes, um de seus mais famosos defensores. A Segunda Guerra Mundial serviu como catalisador desse processo, pois o esforço de guerra promoveu a centralização do poder nas mãos do Estado, nos países beligerantes, e os gastos estatais, com armamentos e outros itens, tiveram papel essencial para debelar a crise (Blyth, 2002). Assim, ainda durante a guerra, diversos governos se dedicaram a instaurar políticas públicas que buscassem estimular a economia, por exemplo, com a construção de sistemas de bem-estar social, que incluem investimentos em saúde e educação públicas e concessão de benefícios sociais como direito à aposentadoria e seguro- desemprego. Além de estimular a economia, essas políticas, consensuais entre partidos de esquerda e direita na época, tinham como objetivo criar uma sociedade menos desigual e, segundo essa visão, menos propensa a ideologias extremas, além de arregimentar a classe trabalhadora para os projetos de reconstrução nacional pós-guerra. É importante acrescentar que outra motivação para isso era o crescimento dos partidos comunistas após a guerra – tratava-se, assim, de uma luta por corações e mentes. Esse sistema funcionou a contento, no mundo ocidental, por décadas, gerando uma onda de prosperidade significativa; mas experimentou uma crise importante. Isso ocorreu em meados dos anos 1970, quando diversos países passaram por crises de estagflação – uma redução do crescimento econômico, acompanhada de crescente inflação. Os problemas econômicos colocaram em xeque a política keynesiana, abrindo as portas para uma alternativa, a neoliberal, que aos poucos se tornou o novo consenso entre as elites políticas ocidentais, a começar por partidos conservadores e de direita, mas, cada vez mais, também pelos esquerdistas. A fase inicial desse processo foi simbolizada pelos governos de Ronald Reagan (1981-1989), nos Estados Unidos, e de Margaret Thatcher (1979-1990), no Reino Unido, enquanto que a adesão de partidos de centro- esquerda ao consenso neoliberal teve como marcos importantes os governos de Tony Blair (1997-2007), no Reino Unido, e Gerhard Schröder (1998-2005), na Alemanha. 5 As ideias neoliberais têm origem no período posterior ao da Primeira Guerra Mundial. Uma de suas primeiras vertentes foi a da Escola de Genebra, capitaneada por dois importantes economistas: Friedrich Hayek (1899-1992) e Ludwig von Mises (1881-1973). Seu objetivo era adaptar o liberalismo ao século XX (daí o termo neoliberalismo), criando uma oposição a forças que eram interpretadas como perigosas: o comunismo e o projeto wilsoniano de autodeterminação dos povos. Os neoliberais (que nesse período se autodenominavam neoliberais!) viam, portanto, as massas detrabalhadores e as forças do nacionalismo como adversários que deveriam ser combatidos para se proteger o direito à propriedade e ao capital (Slobodian, 2018). Com o auge do keynesianismo, entre os anos 1940 e 1970, essas ideias ficaram em segundo plano; mas, quando a crise de estagflação se instalou, esse ideário estava pronto para ser utilizado como alternativa. Muitos pensadores deram continuidade às ideias neoliberais mesmo durante esse período. O economista norte-americano Milton Friedman, da Universidade de Chicago, era uma figura central nisso, se tornando um dos principais articuladores da crítica à economia do pós-guerra. Friedman fez avançar ideias como as de que o desemprego era voluntário e de que os estímulos do governo à economia eram um desperdício de tempo e dinheiro que estava provocando a recessão e a inflação. O pensamento de intelectuais como Friedman reativou a hostilidade de liberais e neoliberais à intervenção estatal, galvanizando esses grupos em um momento no qual os governos não conseguiam manter a economia sob controle. Ao mesmo tempo, o projeto neoliberal serviu como plataforma para o grande empresariado proteger seus interesses, uma vez que a inflação era percebida como um enorme risco ao patrimônio e aos ganhos das classes mais ricas. Assim, por meio de institutos de pesquisa, veículos de imprensa, think tanks incumbidos de fornecer ideias ao debate público, lobbies em face de congressistas, bem como das posições proeminentes de acadêmicos, jornalistas e empresários, o projeto neoliberal avançou e se enfronhou nas democracias, alcançando os governos mais poderosos do mundo ocidental, em Washington e Londres (Blyth, 2002). Sob Reagan e Thatcher, políticas como o corte de gastos governamentais, em especial para programas sociais redistributivos, a desregulação dos mercados financeiros, a redução dos impostos para os mais ricos e o combate aos sindicatos se tornaram elementos centrais do novo 6 consenso econômico, agora pró-mercado. Mais que isso, tais políticas públicas rapidamente foram transformadas em um receituário adotado por instituições multilaterais dominadas pelo Ocidente, casos do Banco Mundial e do FMI (Babb, 2009), que se encarregaram de transmiti-las para os países alinhados ao Ocidente durante a Guerra Fria e, após o fim da União Soviética, à maior parte do mundo. No período da Guerra Fria, o principal case neoliberal fora do Atlântico Norte era o Chile de Augusto Pinochet, que conseguiu aplicar boa parte das draconianas medidas previstas no programa neoliberal por comandar um Estado ditatorial. O auge do neoliberalismo se deu, porém, na década de 1990. O braço econômico do triunfalismo norte-americano da nova ordem mundial eram justamente os programas de ajuste estrutural impostos a países africanos e latino-americanos com efeitos negativos de grande proporção, sobre essas sociedades (Assies, 2003; Adekanye, 1995). Apenas recentemente os problemas do neoliberalismo passaram a ser discutidos de forma mais ampla no debate público – justamente quando seus efeitos negativos passaram a ser sentidos também no Atlântico Norte. TEMA 2 – DESIGUALDADE Como vimos na seção anterior, o neoliberalismo foi a economia política de escolha das lideranças nos países ocidentais; chegou às instituições multilaterais; e, a partir daí, se expandiu para boa parte do mundo, durante o atual período de globalização. É por isso que uma forma de nomear a fase geopolítica iniciada com o fim da Guerra Fria e que abarca a contemporaneidade é usar o termo globalização neoliberal. Quando analisamos esse período, uma pergunta fundamental que emerge é: quem foram, até aqui, os ganhadores e os vencedores desse processo? Para responder a essa questão, vamos nos apoiar no trabalho de Branko Milanovic (2016), que reuniu uma série de pesquisas sobre renda nacional, em diversos países, para realizar uma análise da desigualdade global entre 1988 e 2008. Esse período compreende as reformas da economia chinesa, bem como a entrada no sistema global das economias anteriormente sob controle soviético e também a revolução tecnológica. Milanovic (2016) calculou, em primeiro lugar, quanto determinados grupos sociais ganharam, em termos relativos de renda, entre essas datas. Isto é, ele calculou qual o crescimento, em termos porcentuais (relativos), da renda desses grupos entre 1988 e 2008. Por esse prisma, o grupo 7 que mais viu sua renda se elevar foi o das camadas pobres e médias de países como China, Índia, Indonésia, Tailândia e Vietnã. O autor chama esse grupo de classe média emergente global, que ganha a classificação média por estar na mediana da distribuição de renda global. O termo não significa, portanto, que esse grupo seja equivalente ao que se conhece como classe média no mundo ocidental ou no Brasil. A classe média emergente global chegou a seu novo status econômico após deixar para trás a extrema pobreza; mas, no geral, segue capturando uma fatia da renda global muito inferior à das classes médias e mesmo das mais pobres no mundo desenvolvido. Em 1988, uma boa parte das populações desses países asiáticos que cresceram rapidamente nos últimos anos vivia em uma pobreza abjeta. Essa situação foi mitigada por uma junção entre as políticas públicas realizadas pelos governos e a chegada de uma significativa quantidade de empresas estrangeiras na região, que passaram a produzir nesses países atraídas por condições favoráveis – a mais importante delas, os baixos salários dos trabalhadores. No caso específico da China, a renda das classes pobres urbanas cresceu 3 vezes nesse período, enquanto na zona rural o crescimento foi de 2,2 vezes (Milanovic, 2016, p. 19). No geral, a renda da classe média emergente global cresceu 80% entre 1988 e 2008 (Milanovic, 2016, p. 20). Um outro importante grupo vencedor da globalização é o dos super-ricos, composto por 1% da população mundial (a grosso modo, 70 milhões de pessoas), que inclui herdeiros, investidores, empresários, executivos e donos de grandes multinacionais, que puderam tirar proveito de oportunidades de investimento, expansão de mercado e acesso a mão de obra barata em países em desenvolvimento. Esses indivíduos estão concentrados nos Estados Unidos, onde está cerca de metade do 1% de mais ricos; e nas classes mais altas de outros países ricos, como Alemanha, Austrália, Reino Unido e Japão, entre outros. Há, também, a elite econômica de países campeões de desigualdade, como África do Sul, Brasil e Rússia. No caso dos donos e executivos de multinacionais, ao diminuir os custos de sua produção, utilizando-se de mão de obra mais barata na Ásia, por exemplo, eles elevaram seus lucros, ampliando sua renda. No meio do caminho, esse processo elevou a renda de milhões de trabalhadores asiáticos, um exemplo da complexidade da globalização e da produção de efeitos positivos e negativos, simultaneamente (Milanovic, 2016). 8 Mas, por que esse é um exemplo de efeito negativo se ambos os lados ficaram mais ricos? Isso fica claro se analisarmos o grupo dos principais perdedores da globalização, aqueles cuja renda permaneceu estagnada ou teve ganhos relativos extremamente pequenos entre 1988 e 2008. Segundo Milanovic (2016), nesse grupo estão as classes médias baixas dos países mais ricos, os países ocidentais. Esse grupo tem uma renda maior (e, portanto, é mais rico, de acordo com o prisma utilizado aqui) que as classes médias dos países da Ásia; mas, em termos relativos, teve um ganho mínimo no período da globalização, da ordem de menos de 7% na Alemanha e de 4% no Japão (Milanovic, 2016, p. 20). Estamos falando aqui, em geral, de trabalhadores de setores que enfrentam declínio devido à globalização, como manufatura tradicional e agricultura, muitos dos quais perderam seus empregos devido à competição estrangeira e à realocaçãode indústrias em regiões com custos de mão de obra mais baixos. Boa parte dessas pessoas são eleitores que votaram em políticos que pressionaram “[...] por uma maior dependência dos mercados em suas próprias economias e no mundo após a revolução Reagan-Thatcher”, convencidas por essas mesmas lideranças “[...] das vantagens das políticas neoliberais em comparação com regimes de bem-estar mais protecionistas” (Milanovic, 2016, p. 20) que vigoravam anteriormente. Cabe destacar, de forma complementar, que os dois grupos de “vencedores” da globalização tiveram ganhos relativos próximos, mas ganhos absolutos muito diferentes. Isso porque, em 1988, quando começa a série histórica, a distribuição de renda global já era extremamente desigual. Em larga medida, portanto, as últimas três décadas tornaram mais aguda a desigualdade. Segundo Milanovic (2016), a renda média anual do grupo 1% mais rico do mundo era de US$ 71 mil por ano, enquanto que as pessoas localizadas na metade da distribuição de renda tinham uma renda de US$ 1,4 mil. Já a renda dos 10% mais pobres era de apenas US$ 450 por ano. Desse modo, uma elevação de apenas 1% na renda dos mais ricos significa US$ 710, metade da renda de quem está na metade da distribuição e quase o dobro da renda dos 10% mais pobres. Ocorre que, entre 1988 e 2008, o ganho relativo do grupo 1% mais rico foi da ordem de 65%, fazendo com que a sua riqueza acumulada em terras, imóveis e bens financeiros se tornasse ainda maior. Isso significa que a desigualdade de riqueza – auferida pelo dinheiro que as pessoas têm guardado e não pelo que 9 ganham mensal ou anualmente – é ainda maior que a desigualdade de renda (Milanovic, 2016). O quadro traçado aqui é importante pois ele extrapola muito as questões de ordem econômica ou financeira. O aprofundamento da desigualdade promovido pela globalização neoliberal se tornou uma questão fundamental de nosso tempo, pois tem repercussões políticas demasiadamente significativas. TEMA 3 – A CRISE DE 2007-2008 Por décadas, os efeitos negativos da globalização neoliberal foram discutidos, principalmente, no âmbito dos problemas provocados nos países em desenvolvimento. No caso da América do Sul, um importante fenômeno estudado nas relações internacionais e ligado ao neoliberalismo é a chamada onda rosa. Trata-se de um termo usado para se referir aos governos de esquerda e centro-esquerda que, na esteira das políticas neoliberais implantadas nos anos 1980 e 1990, chegaram ao poder nas décadas de 2000 e 2010. Entre os pioneiros desse movimento de reação às políticas neoliberais estavam figuras como Evo Morales (Bolívia), Hugo Chávez (Venezuela), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) e Nestor Kirchner (Argentina). Foi apenas no fim dos anos 2000 que os efeitos negativos da globalização neoliberal para os países em desenvolvimento passaram a ser discutidos de modo mais profundo. O catalisador desse fenômeno foi a crise financeira de 2007-2008, uma das piores desde a Depressão de 1929. Essa crise financeira de 2007-2008 teve origem no setor imobiliário dos Estados Unidos, e seu ponto nevrálgico foram os títulos subprime, empréstimos hipotecários concedidos a pessoas com histórico de crédito de alto risco, avaliação motivada por inadimplência anterior ou por renda instável. Esses empréstimos tinham juros iniciais baixos, por um período de tempo limitado, e que depois aumentavam significativamente. Apesar de não serem seguros, os subprime cresceram em popularidade à medida que instituições financeiras começaram a concedê-los em grande escala, atraídas pelos altos lucros. A mesma motivação fez com que esses empréstimos fossem agrupados em pacotes, e seus títulos, lastreados em hipotecas, que passaram a ser vendidas para investidores ao redor do mundo. A crise eclodiu quando muitas pessoas deixaram de pagar seus empréstimos, levando a uma desvalorização acentuada dos valores dos títulos e a uma quebradeira generalizada de diversas instituições 10 financeiras e outras companhias que estavam expostas aos riscos de tais títulos. Rapidamente, a crise deixou o mundo financeiro para a dita economia real, provocando uma forte desaceleração nas principais economias ocidentais, o que, por sua vez, levou a um elevado aumento do desemprego. Para evitar o colapso do sistema financeiro, que poderia ter efeitos ainda piores para a economia, muitos governos intervieram para resgatar os bancos, por meio de medidas como as injeções de capital e as garantias de empréstimos. Essas intervenções foram realizadas com dinheiro público, ou seja, o dinheiro dos pagadores de impostos; ou com a emissão de títulos da dívida pública, aumentando a carga de endividamento dos governos. Desse modo, tanto a crise quanto seu remédio serviram para expor as vísceras do sistema. Por um lado, os empréstimos subprime e os títulos hipotecários só surgiram por conta da desregulação do mercado financeiro (um dos pilares do neoliberalismo) implantada pela classe política, ao longo dos anos anteriores. Por outro lado, a ação governamental para debelar a crise provocou ressentimentos diante da sensação de injustiça. Muitos dos críticos argumentavam que o resgate das instituições financeiras beneficiou as companhias que contribuíram para a crise, sem impor responsabilidades suficientes. Além disso, enquanto os bancos eram salvos, muitos cidadãos e empresas estavam sofrendo os efeitos da crise, como perda de empregos e desvalorização de ativos em meio a um cenário de décadas de redução das redes de proteção social. A crise de 2007-2008 aprofundou algumas das tendências em curso. No campo geopolítico, como já vimos, a crise abriu mais espaço para que a China se tornasse um ator proeminente na esfera global, uma vez que os Estados Unidos, além de estarem focados nas ocupações do Afeganistão e do Iraque, voltaram suas atenções para os efeitos da recessão. No campo econômico, a classe média emergente global continuou a crescer, em larga medida por conta da rápida expansão da economia chinesa (que, nesse período, também beneficiou o Brasil), o que reforçou a reorientação da economia mundial do Atlântico para a Ásia (Milanovic, 2016, p. 32). Concomitantemente, as classes pobres e médias do mundo desenvolvido continuaram a ver sua renda estagnada, ou mesmo reduzida, diante da crise que se abateu nessa região. Temos, portanto, a crise de 2007-2008 como um ponto focal importante da análise geopolítica, pois ela serviu para expor problemas graves de ordem interna nos sistemas políticos dos países ocidentais, que se refletem nas 11 relações internacionais. A recessão no mundo ocidental desenvolvido foi um catalisador desses problemas, abrindo espaço para projetos políticos que questionam não apenas a ordem política doméstica, mas também a global. Quando isso ocorre em países centrais, como se deu nos Estados Unidos, a repercussão é significativa. Por isso, não é possível compreender o retrocesso democrático e a ascensão do populismo de extrema-direita sem compreender os efeitos da crise de 2007-2008. TEMA 4 – O RETROCESSO DEMOCRÁTICO Um dos temas centrais nas discussões das relações internacionais na virada entre as décadas de 2010 e 2020 é o retrocesso democrático pelo qual passa o mundo. Trata-se de um processo reverso ao das chamadas ondas de democratização registradas desde o século XVIII, a mais recente delas, a terceira, iniciada com a Revolução dos Cravos, em 1974, em Portugal (Huntington, 1991). Marcada pela adoção de regimes democráticos em mais de 60 países, incluindo a maior parte da Europa Oriental pós-soviética e da América do Sul, além de muitos países asiáticos e africanos, essa terceira onda de democratização desembocou, paradoxalmente, no processo de desdemocratização de que falaremos aqui. Ainda em 2008, em um dos primeiros textos sobre o tema,o sociólogo norte-americano Larry Diamond (2008) alertou para a existência de um retrocesso democrático. Sua preocupação, naquele momento, eram os diversos problemas de governança que persistiam em países recém- democratizados, muitos deles incapazes de mitigar problemas como criminalidade, corrupção, baixo crescimento econômico e desigualdade econômica e social. O autor destacava que a democracia era, em muitos países, nada mais que um fenômeno superficial. Um problema, argumentava, era o chamado eleitoralismo: a ideia de que apenas a existência de uma Constituição e de eleições periódicas seriam suficientes para garantir a manutenção de sistemas democráticos. Diamond (2008, p. 37, tradução nossa) afirmava que “[...] forças de segurança e policiais abusivas, oligarquias poderosas, burocracias estatais incompetentes e indiferentes, judiciários corruptos ou inacessíveis e elites políticas venais, que desprezam o Estado de direito e são responsivas apenas a elas próprias”, poderiam fazer com que as populações passassem a desprezar a democracia, optando por soluções autoritárias. 12 O diagnóstico feito ali se provou acertado. Diversos países, cada um a sua maneira, se tornaram menos democráticos, e esse retrocesso se aprofundou. Alguns números ajudam a ilustrar a situação. Em 2022, a Freedom House, entidade norte-americana que classifica os países em um ranking de democracia, no qual eles podem ser elencados como livres, parcialmente livres ou não livres, registrou seu 16º ano consecutivo em que mais países se tornaram menos livres do que os que fizeram o caminho inverso. De acordo com a avaliação da entidade naquele ano, 38% da população mundial residia em países não livres, o maior índice desde 1997 (O futuro, 2023). A Economist Intelligence Unit, entidade britânica que faz avaliação semelhante, também registra uma redução das liberdades democráticas no mundo desde 2014 (Martins, 2023). Esses números trazem à tona uma questão importante: como o retrocesso democrático ocorre? Fraudes maciças em dias de votação, comuns nos primeiros experimentos democráticos da dita terceira onda, foram, em larga medida, deixadas de lado. Temos, porém, um ambiente permissivo ao autoritarismo, no qual golpes de Estado, a forma mais clássica de derrubar uma democracia, voltaram a se tornar corriqueiros. Um exemplo: entre agosto de 2020 e setembro de 2022, cinco golpes de Estado foram realizados em um grupo de três países africanos da região do Sahel: dois no Mali, dois em Burkina Faso e um no Chade (além de uma tentativa frustrada no Níger). Em paralelo, temos visto também golpes promissórios, supostamente temporários, para suposta correção de rumos diante de crises ou instabilidades (como o que ocorreu em Honduras, em 2009). São ainda outras formas de regressão democrática que têm caracterizado o retrocesso do regime no mundo ocidental, nosso foco principal aqui. Entre elas estão a manipulação estratégica das eleições, em que o governante reprime a oposição, ataca a imprensa e realiza manobras legais para remover candidatos da corrida eleitoral; e o engrandecimento do Poder Executivo, que está associado ao processo anterior e é caracterizado pelo enfraquecimento dos controles sobre o Poder Executivo e pela manutenção de um verniz democrático ao mesmo tempo que as instituições democráticas, como o Judiciário e o Legislativo, são cooptadas ou desmontadas (Bermeo, 2016). Esses processos são típicos de democracias liberais e, muitas vezes, são levados a cabo por governantes que chegaram ao poder por vias democráticas. E, no período atual, 13 muitas vezes são marcados por um elemento determinante: o apoio maciço de setores significativos da população e do eleitorado a projetos de cunho autoritário. É aqui que reside a junção do tema de abertura desta discussão – os efeitos negativos da globalização neoliberal, com seu auge na crise de 2007- 2008 e na deslegitimação dos sistemas políticos vigentes – e do tema de fechamento: a ascensão do populismo de extrema-direita que ameaça a coesão do bloco ocidental. TEMA 5 – O POPULISMO E A EXTREMA-DIREITA O conceito de populismo sofre de males parecidos com os que examinamos ao discutir o neoliberalismo. Trata-se de um termo vago e costumeiramente usado como arma política, que acaba descrevendo fenômenos diferentes em lugares e períodos diferentes da história. Há, no campo acadêmico, uma série de definições para o termo; mas, no campo político, não há liderança que se autodenomine populista. Aqui, vamos utilizar como definição a de Mudde e Kaltwasser (2017, p. 6, tradução nossa), segundo a qual o populismo é uma “[...] ideologia rala que considera a sociedade, em última análise, separada em dois campos homogêneos e antagônicos, ‘o povo puro’ versus ‘a elite corrupta’, e que argumenta que a política deve ser uma expressão da vontade geral das pessoas”. Por rala (thin-centered, no original), os autores querem dizer que o populismo, como ideologia, ao contrário de outras como o liberalismo ou o socialismo, não oferece respostas complexas ou completas sobre os problemas da sociedade. O populismo funciona, nesse prisma, como um hospedeiro para outras ideologias e visões de mundo, sendo, portanto, um veículo por meio do qual atores de direita e esquerda disputam o poder político. O populismo voltou a ser discutido intensamente no rescaldo da crise econômica de 2007-2008. A exposição dos problemas do sistema político e da desigualdade no mundo desenvolvido fez com que movimentos populistas, com vieses de esquerda e direita, ganhassem protagonismo político. No primeiro caso, um dos principais grupos que ganhou destaque foi o Occupy Wall Street, em que manifestantes majoritariamente norte-americanos protestavam contra os chamados tubarões da Wall Street, o centro financeiro dos EUA e do mundo ocidental como um todo, local de origem da crise dos subprime. O movimento esteve nas manchetes, mas falhou ao não conquistar participação política diante do rígido sistema bipartidário que vigora nos EUA. Na Espanha e na Grécia, dois 14 partidos de viés populista e de esquerda tiveram proeminência: o Podemos e o Syriza. Enquanto o primeiro foi um dos responsáveis por romper o bipartidarismo na Espanha, reduzindo o domínio das agremiações de centro-esquerda e centro- direita que controlavam a política local, o Syriza chegou ao poder na Grécia, tendo o primeiro-ministro do país entre 2015 e 2019. Parou por aí, porém, a experiência de destaque dos movimentos populistas de esquerda no mundo desenvolvido. Isso porque o setor que mais bem soube aproveitar a instabilidade pós-crise foi a extrema-direita. Desde a Segunda Guerra Mundial, quando foi derrotada militarmente por uma aliança de liberais e comunistas, a extrema-direita europeia jamais deixou de existir. Na Itália e na Alemanha e em muitos outros países, herdeiros políticos do fascismo e do nazismo passaram décadas nas margens do sistema enquanto tentavam dar uma nova roupagem às ideias racistas que delineiam essa visão de mundo. A pesquisa de Cas Mudde (2022) sobre a extrema-direita aponta que o fenômeno que estamos vendo na atualidade pode ser classificado como a quarta onda da extrema-direita no mundo ocidental, no pós-guerra. Essa onda foi galvanizada por três grandes eventos que ocorreram depois da virada do milênio: os ataques terroristas de 11 de setembro, a crise econômica de 2007- 2008 e a chegada, à Europa, de um grande número de refugiados, boa parte deles muçulmanos, entre 2015 e 2016. Diferentemente das ondas anteriores, a quarta onda da extrema-direita caracteriza-se pela normalização de ideias preconceituosas e por sua consequente entrada no mainstream político. Enquanto alguns atores políticos se tornaram mais radicais para se adequar a esse novo momento, outros surgiram para também tentar ocuparo espaço. Cada uma a seu modo e com características peculiares, agremiações de extrema- direita assumiram protagonismo na Europa, registrando votações altas e, em alguns casos, figurando entre os maiores partidos de seus países ou integrando governos, com influência sobre as políticas públicas. Traços ideológicos em comum desses partidos e movimentos são a islamofobia e o antissemitismo, a plataforma anti-imigração, uma religiosidade conservadora e um nacionalismo de viés xenofóbico (Mudde, 2022). Se falamos sobre a ascensão de uma extrema-direita populista em um ambiente democrático, precisamos nos perguntar: como esse projeto político ganha tração? Em outras palavras: por que partidos que esposam tais ideias recebem votos? A resposta, quando falamos sobre o cenário do mundo 15 desenvolvido, nosso foco aqui, está na interação entre questões políticas, econômicas e culturais. O primeiro aspecto tem relação com uma certa pasteurização da política, na era do neoliberalismo. Como vimos, crescentemente, partidos de centro-esquerda aderiram à economia política neoliberal, adotando posições cada vez mais parecidas com as de seus adversários de centro-direita, deixando os eleitores sem opções de alternativas reais. Durante a crise de 2007-2008, ficou claro, em muitos países, que muitas das políticas que levaram ao colapso foram endossadas tanto por governo quanto por oposição, nos anos anteriores. Assim, as apostas em um outsider da política passaram a ser vistas como opções reais e melhores. Estudos indicam que esse não é exatamente um fator decisivo, mas a impressão de que os partidos tradicionais são mais do mesmo explica a sensação de falta de representatividade experimentada por muitos eleitorados no Ocidente (Mudde, 2022). O segundo e o terceiro aspectos são complementares e precisam ser analisados em conjunto. Como vimos, do ponto de vista econômico, temos no mundo desenvolvido tanto os vencedores da globalização quanto os principais perdedores. De um lado, há as classes ricas que estão ficando cada vez mais ricas graças às políticas implementadas por políticos alinhados a seus interesses; do outro, uma massa de pessoas que viu sua renda estagnar quando empresas e empregos foram para a Ásia. Essa desigualdade social e política foi exposta durante a crise econômica; mas, enquanto o mundo desenvolvido ainda vivia o rescaldo daquela instabilidade, experimentou um novo fenômeno: um crescente fluxo de imigrantes do Sul Global, motivados tanta pela busca por melhores condições de vida quanto por sobrevivência, devido a conflitos criados, em larga medida, pelas políticas externas dos países do Norte Global. A chegada de imigrantes permitiu que a extrema-direita mobilizasse sua pauta racial para obter dividendos políticos. Crescentemente, a crise humanitária em países como Afeganistão e Síria não era apresentada como resultado dos estratagemas geopolíticos das grandes potências, mas sim como uma invasão de imigrantes, que estariam chegando à Europa para tomar empregos e benefícios sociais dos pagadores de impostos britânicos, franceses, alemães, italianos, húngaros, poloneses etc. É aqui que temos a chave para entender a ascensão da extrema- direita, pois as pesquisas mostram que o principal fator explicativo para a votação nesse grupo político é a “[...] tradução sociocultural das preocupações 16 socioeconômicas [...]” (Mudde, 2022, p. 117) dos eleitores do mundo desenvolvido. Assim, denunciando as elites políticas corruptas como inimigas do povo, alvejando minorias para serem perseguidas e disseminando teorias conspiratórias, movimentos, partidos e lideranças de extrema-direita semeiam a divisão na sociedade e exploram ressentimentos e preconceitos. Uma vez no poder, mudam ou tentam mudar as regras do jogo político-eleitoral e levam as normas ao limite, nos moldes do retrocesso democrático que analisamos anteriormente. A votação pela saída do Reino Unido da União Europeia (o Brexit), em junho de 2016, e a eleição de Donald Trump como presidente dos EUA, em novembro do mesmo ano, foram os dois principais choques no sistema provocados por esse fenômeno; mas o governo de Viktor Órban na Hungria, encastelado no poder, é um outro exemplo importante. 5.1 Impactos geopolíticos A pergunta final que se apresenta a nós é a seguinte: qual o impacto geopolítico de todas as questões apresentadas até aqui? Podemos resumir a resposta em uma palavra – coesão (a falta dela) –, que se manifesta tanto na escala doméstica quanto internacional. No primeiro caso, o doméstico, temos de levar em conta os severos danos provocados aos tecidos sociais dos países onde a extrema-direita consegue se enraizar. Como já mencionado, esses movimentos adotam o racismo e o preconceito como bandeiras e utilizam as clivagens existentes nas sociedades para obterem ganhos políticos. Uma estratégia central da extrema-direita é denunciar partidos e lideranças de esquerda não como opositores legítimos que têm ideias diferentes e consideradas piores para o país: o projeto é denunciar as esquerdas como antinacionais, traidoras da pátria que desejam acabar com o caráter do povo que a extrema-direita clama defender. Comumente, as esquerdas são apresentadas como parte de uma conspiração internacional que tem como objetivo criar uma sociedade globalizada, em que valores tradicionais não têm lugar. A intenção é criar um temor existencial nos eleitores e convencê-los de que o projeto firme e de viés autoritário da extrema-direita é a única alternativa para salvar a nação. Esse roteiro cria, inevitavelmente, cisões na sociedade, minando a coesão e, portanto, a capacidade de o Estado agir internacionalmente – não por acaso, a política externa tem sido um elemento de disputa significativo. Quando falamos 17 dos EUA e de seus aliados europeus, nosso foco aqui, esse é um elemento importante pois, como vimos ao longo do nosso estudo, o bloco atlântico enfrenta, na esfera global, uma oposição organizada da Rússia e, principalmente, da China, dois Estados também muito diversos, em que a coesão nacional não pode ser tratada como fato dado, mas que, por conta de seus regimes autoritários, têm conseguido manter uma política externa mais uniforme. Na esfera internacional, a coesão também pode ser afetada pelo avanço da extrema-direita. Nessa seara, o Brexit é um caso importante, que minou a coesão da União Europeia; mas o mandato de Donald Trump é o exemplo mais bem-acabado disso. Ao chegar ao poder, Trump fez mudanças importantes na política externa norte-americana. Como já vimos, é verdade que ele deu continuidade à política de rivalidade com a China, mas ao mesmo tempo avançou contra aliados norte-americanos. Trump, por exemplo, retirou os EUA do Tratado TransPacífico (TPP), uma aliança comercial moldada pelo governo Barack Obama como um dos pilares de seu pivô para a Ásia. Mais importante que isso, Trump deixou claro que, para ele, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) não era uma organização que merecesse tanta atenção de Washington, sendo dispensável. Ao levar de volta o isolacionismo como possibilidade de política externa para os EUA, Trump minou a coesão entre as potências ocidentais, tornou seu país um parceiro menos confiável e colocou em xeque a aliança que, como vimos, serviu para construir o mundo em que vivemos e que tem o Ocidente como centro. O eventual retorno dessa política externa nos EUA, ou a emergência de posições semelhantes em seus aliados europeus, poderia transformar a geopolítica mundial de modo significativo, portanto. NA PRÁTICA A nossa última atividade prática é um convite para que você continue seus estudos a respeito do tema tratado aqui. Assim, a primeira ideia é discutir com colegas, amigos ou familiares as seguintes questões: quão importante é, para mim, o regime democráticodo país onde eu nasci? Quais aspectos poderiam ser melhorados para torná-lo mais responsivo aos anseios populares e quais medidas práticas poderiam ser tomadas para isso? A segunda ideia consiste em sugestões de leitura: além do livro já mencionado de Cas Mudde (2022), A extrema-direita hoje, você pode se aprofundar nesse tema por meio da leitura de dois excelentes livros com traduções para o português: Como as democracias 18 morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (2018); e Sobre a tirania: vinte lições do século XX para o presente, de Timothy Snyder (2017). E deixamos uma última mensagem: nunca devemos tomar a democracia como um fato dado. Ela precisa ser protegida e melhorada a cada dia. FINALIZANDO Nesta discussão final, fizemos um apanhado geral das últimas décadas, projetando possibilidades futuras para a geopolítica mundial. Nosso foco se voltou para questões globais com enormes repercussões no âmbito doméstico dos países que, por sua vez, geram reações que retornam à esfera global. Discutimos o avanço do neoliberalismo a partir da década de 1990 como economia política dominante e alguns de seus principais impactos negativos, como a estagnação da renda de determinados setores, o severo aprofundamento da desigualdade social dentro dos países e a pasteurização da classe política em nome desse projeto. Vimos como esses fatos foram escancarados no mundo desenvolvido após a crise de 2007-2008 e como esse cenário abriu as portas para o populismo de extrema-direita. Analisamos, também, como esse projeto sociopolítico se instalou em um mundo onde o autoritarismo encontra condições favoráveis para se disseminar e se tornou um fator determinante na política doméstica de diversos países. Por fim, examinamos como a falta de coesão provocada pela extrema-direita pode afetar o bloco ocidental em seu embate contra a Rússia e a China. 19 REFERÊNCIAS ADEKANYE, J. B. Structural Adjustment, Democratization and Rising Ethnic Tensions in Africa. 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