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PROJETOS DE REDES II – REDES DE SERVIÇO AULA 4 Prof. Gian Carlo Brustolin 2 CONVERSA INICIAL PROJETOS DE REDES PARA AGRONEGÓCIO O agronegócio brasileiro tem alcançado sucesso inquestionável, tornando-se cada dia mais representativo na economia nacional. O crescimento populacional e a necessária preservação do meio ambiente apelam para uma produção limpa e eficiente. Tendo em vista a dimensão do território brasileiro, o investimento em renovação tecnológica deve ser crescente e contínuo nas aplicações do agronegócio (Formaggio; Sanches, 2017). Do ponto de vista de redes, o agronegócio tem exigências similares ao ambiente industrial anterior à popularização do protocolo TCP/IP para o ambiente de chão de fábrica. As primeiras redes de controle e automação industrial prescindiam de um resiliente sistema de comunicação entre sensores. Protocolos de baixa velocidade e alta disponibilidade ganharam espaço até que, como já comentamos, as redes TCP/IP e os protocolos de comunicação sem fio de alto desempenho – baseados principalmente nos padrões IEEE 802.11 – ganharam a necessária robustez. Nas aplicações do agronegócio, as redes hierarquizadas e principalmente a comunicação baseada em wi-fi ainda não são operacionais para as redes de coleta de dados. As ditas redes de sensoriamento (wireless sensor network – WSN), ainda usadas em muitas instalações industriais, são por hora a solução mais viável. A escolha de WSNs se dá não apenas pela característica de presença de boas quantidades de sensores para aplicações em agricultura e pecuária, mas também porque essa aplicação necessita de equipamentos resistentes às agruras do campo e adaptáveis à parca infraestrutura de telecomunicações típica de áreas despovoadas. Redes para essa aplicação devem ser resilientes (dadas as dificuldades de manutenção) e contar com baixíssimo consumo de emergia para operar, uma vez que dificilmente se encontrará energia elétrica disponível para alimentar os sensores e transdutores de rede. Os padrões ZigBee e LoRa se adaptam bem às necessidades de redes rurais. Os padrões IEE 802.11, comuns nas demais aplicações, dependem de adequações para o agronegócio, a exemplo da utilização de delay and disruption tolerant networks (DTN), uma vez que apresentam fragilidades nativas da 3 topologia-estrela quando operadas em ambientes amplos e agressivos (Ferreira et al., 2019). Também devemos comentar que a conexão da rede à internet apresenta os mesmos desafios. Tecnologias de acesso de baixa dependência de cabeamento serão mais aplicáveis. Dessa forma, conexões satelitais e de rádio de longo alcance reencontram seu espaço nessas aplicações. Com essas questões em mente, uma pequena revisão sobre redes mesh e WSN – especialmente ZigBee e LoRa – será necessária para apresentarmos, posteriormente, as especificidades da rede. TEMA 1 – REDES WSN, ZIGBEE E LORA Tipicamente, redes WSN (ou redes de sensoriamento) foram criadas para aplicação industrial. Como já comentamos, essa aplicação visa reduzir custos, portanto, as WSNs de última geração tendem a ser longevas, de baixo consumo de energia, fáceis de manter e com baixa taxa de falhas (Ko et al., 2010). Essas características, como veremos em maiores detalhes, a tornam a opção natural para o agronegócio. 1.1 WNM Uma solução usual para implementar WSNs são as redes mesh, ditas então wireless mesh network (WMN). São redes nas quais a topologia típica hierárquica (do TCP/IP, por exemplo) é rompida. Cada nó da rede pode, hipoteticamente, ser um pequeno roteador dinâmico. Esses nós terão a função de repetidores, e podem se conectar simultaneamente a vários outros nós roteadores (Akyildiz; Wang; Wang, 2005). Então, o cliente se conecta livremente a qualquer nó, seja ele roteador ou não. Nesse sentido, as redes mesh são classificadas como redes wireless ad hoc. Há vários protocolos de roteamento aplicáveis a redes sem fio ad hoc. Nas implementações mesh, buscam-se os que têm por característica o remapeamento automático tanto para buscar o melhor caminho como em caso de falha. Essa característica é importante, dada a constante (e provável) alteração de topologia por acréscimos de pontos de acesso (novos nós). 4 1.1.1 Arquitetura mesh Os nós WMN podem ser coordenadores, roteadores ou clientes. Nós roteadores – ou full fuction devices (FFDs) – podem se conectar diretamente aos usuários, cumprindo dupla função. Nós clientes – ou reduced function devices (RFDs) –, por outro lado, têm facilidades reduzidas de HW e SW (e menor custo), e têm a finalidade exclusiva de acesso para os usuários. Implementações suplementares de SW e HW dão ao nó roteador, além da capacidade de roteamento trivial, possíveis facilidades de operar como bridge e gateway, e múltiplas interfaces garantem a maior flexibilidade e interconectividade. Esses nós, então, serão ditos coordenadores. A Figura 1 ilustra suas funções estruturais. Figura 1 – Redes mesh Fonte: Brustolin, 2020, com base em ZigBee, [S.d.]. Do ponto de vista de topologia, temos três casos. A Figura 2 ilustra o uso de meshing backbone. Nesse caso, toda a infraestrutura depende do roteamento mesh, sendo uma topologia viável, porém pouco usada, dada a complexidade dos protocolos para o trânsito alto de dados. Seu estudo, no entanto, é interessante para permitir interconexões proprietárias em redes rurais. 5 Figura 2 – Rede mesh backbone Fonte: Akyildiz; Wang; Wang, 2005. A topologia mesh cliente utiliza o protocolo para a rede local, conforme a Figura 3. Naturalmente, será possível integrar a LAN mesh com o backbone mesh. A essa integração damos o nome de topologia híbrida. Figura 3 – Rede mesh cliente Fonte: Akyildiz; Wang; Wang, 2005. O objetivo principal dos protocolos de WMN é estender a cobertura de rede sem fio mesmo sem visada direta; ou seja, graças à característica multi-hop de roteamento, a rede utiliza os nós como repetidores de sinal, permitindo ampla cobertura sem a necessidade de elevadas potências de transmissão. 6 A topologia mesh terá nós coordenadores, que farão a gerência da rede, e nós roteadores, que podem estar conectados diretamente aos usuários, acumulando a função de roteamento Nos anos 1970, os protocolos desenvolvidos especialmente para redes mesh nunca foram plenamente utilizados. A consolidação das aplicações IoT, no entanto, reavivou a discussão, e os protocolos passaram a ser adaptados por sua flexibilidade com esses sensores e acionadores, como é o caso do ZigBee (Liu, 2017). 1.2 ZigBee O ZigBee, cujo protocolo de comunicação foi padronizado pelo IEEE na Norma 802.15.4, é uma implementação de redes mesh (embora possa operar também em estrela ou árvore) capaz de cobrir vastas áreas com baixo consumo e alta resiliência. O tráfego de dados, entretanto, precisa ser limitado (Liu, 2017); também é necessário se ater a delays dos pacotes transitados. As taxas típicas de transmissão estão entre 20 e 250 kbps, com boa imunidade a ruídos e interferências. O baixo consumo é obtido pela característica topológica, que permite retransmitir a mensagem pelos nós próximos, demandando baixas potências de transmissão e também pela facilidade configurável do modo sleep de operação. Nesse modo, o dispositivo reduz drasticamente seu consumo de energia quando não está a transmitir dados. As implementações ZigBee têm aproximadamente as mesmas camadas do TCP/IP; ou seja, resumem o modelo completo OSI, de sete camadas. A camada física e de enlace de dados dos dispositivos ZigBee é constituída, como já comentado, segundo o padrão IEEE 802.11.4. Os rádios operam nas faixas não licenciadas ISM de 2.400 a 2.4835 MHz, com 16 canais disponíveis de até 250 kbps, modulados por offset quadrature phase-shift keying (O-QPSK). A camada deenlace utiliza estratégias de prevenção de colisão carrier sense multiple access – collision avoidance (CSMA-CA) que silenciam a transmissão em momento de interferência. Essa camada controla o duty-time dos beacons, explicados a seguir. A próxima camada será a de rede, cujo protocolo de roteamento é padronizado pela ZigBee Alliance – batizada de NWK. Nela estão os algoritmos de descoberta de novos dispositivos, rotas, endereçamento e encaminhamento de informação. 7 Finalmente, temos uma camada de aplicação dividida em três subcamadas: 1. Application support sub-layer (APS), de uso interno ao protocolo; 2. ZigBee device object (ZDO), que “traduz” as aplicações para os dispositivos; 3. Application framework (AF), que é o ambiente das facilidades de uso do dispositivo. A Figura 4 ilustra as três camadas ZigBee. Figura 4 – Camadas ZigBee Fonte: ZigBee, [S.d.]. O protocolo de gerenciamento da rede permite a autoconfiguração, cuja sequência se inicia pela iluminação do nó coordenador, que buscará espectro disponível para operar nas suas proximidades. Quando um nó roteador se habilitar, ele buscará uma rede (espectro ocupado por um nó coordenador) que a ele se conectará, recebendo um endereço de rede de 16 bits. Os nós clientes, ao serem habilitados, buscarão um nó roteador nas proximidades e a ele se conectarão, recebendo também um endereço, gerenciado pelo nó a que se conectou, mas gerado pelo coordenador. Embora cada dispositivo tenha um endereço MAC único, a comunicação e o endereçamento na rede mesh criada se darão unicamente pelos endereços distribuídos pelo coordenador e roteador da rede. Na eventualidade da remoção 8 de um nó qualquer, a rede guarda a capacidade de self-healing, ou seja, reconfigura-se e permite o roteamento para todos os destinos disponíveis, sem interferência do operador. A operação da rede autoconfigurada pode se dar em dois modos: beaconing e non-beaconing. No primeiro caso, a cada intervalo de tempo, os nós roteadores enviam beacons (mensagens) informando sua presença aos demais nós, e o intervalo entre beacons pode variar entre 15,36 e 251,65 ms – intervalo chamado de duty cycle. Esse modo permite “desligar” os nós entre beacons. No segundo modo (non-beaconing), os dispositivos devem manter os receptores permanentemente ligados. O nó coordenador deve gerenciar a rede, e assim terá múltiplas funções, como inicializar a rede, admitir nós, alocar endereços, memorizar mensagens (enquanto aguarda a disponibilidade de entrega), manutenção (ou reconfiguração) da rede e interconexão com outros coordenadores. Dessa forma, esse FFD terá uma necessidade importante de alimentação, posto que deverá ficar ligado permanentemente. O nó roteador terá necessidade um pouco menos significativa, porém algum cuidado deverá ser tomado para garantir a alimentação em caso de falha da fonte principal. 1.3 LoRa LoRa é uma tecnologia de hardware e software (LoRaWAN) desenvolvida pela Semtech para atender ao conceito de low-power wide-area networks (LPWANs), ou seja, redes de longo alcance e baixo consumo. Dessa forma, de maneira díspar ao uso do ZigBee, o LoRa soluciona o problema da distância entre dispositivos de maneira nativa, e não pela inserção de nós repetidores. A extensão da cobertura é possível pelo uso do algoritmo chirp-spread-spectrum (CSS) de modulação, e não do FSK (e suas variações), que busca maximizar a taxa de transmissão. Restrições de velocidade e de latência de pacotes, no entanto, são igualmente aplicáveis e um pouco mais severas que no caso anterior. As camadas do protocolo são semelhantes às do ZigBee. A camada física do protocolo LoRaWAN implementa, associado ao CSS, um processo de correção de erro chamado forward error correction (FEC), que permite operar mesmo em ambientes nos quais o nível do sinal transmitido esteja abaixo do 9 ruído presente. Essa facilidade possibilita baixíssimos níveis de transmissão e, consequentemente, de consumo. A distância típica entre terminais é medida em quilômetros e, a depender da topografia, pode chegar sem dificuldades a 8 quilômetros (Marais; Malekian; Abu-Mahfouz, 2017). As frequências de operação estão na faixa de 902 a 928 MHz, e a largura de banda é programável: 125 kHz, 250 kHz. Outros setups são necessários para que a camada opere, convenientemente, o fator de espalhamento (que define a modulação e permite a operação de vários canais simultaneamente) e a taxa de codificação (que define a redundância para o FEC). A taxa de transmissão máxima, dependendo das configurações, varia entre 0,3 e 50 kbps (LoRa, 2018). A camada de controle de acesso ao meio e roteamento (LoRa MAC, pelo fabricante) controla as mensagens, respeitando as regras de transmissão e recepção segundo a classe de dispositivos. Um dispositivo, após transmitir uma mensagem, aguarda uma transmissão de aceitação do servidor. Se essa mensagem não ocorrer, no novo duty cycle o terminal retransmite a mensagem. A Figura 5 ilustra a disposição das camadas em equipamentos LoRa. Figura 5 – Camadas LoRaWAN Fonte: LoRa, 2018. O desenho da rede LoRa é uma estrela de estrelas, ou seja: um terminal está conectado num gateway, e os gateways estarão conectados a um servidor central de rede. O servidor central controla as potências e a taxa de transmissão dos terminais de acesso, priorizando sua economia de energia; essa estratégia é chamada adaptive data rate (ADR). Os terminais respeitam três regras básicas de operação: a troca randômica de frequência portadora (agregando robustez à transmissão); respeito ao duty cycle da rede; e o respeito ao intervalo temporal de transmissão (dwell time) determinado pela rede. 10 Os terminais LoRa são divididos em três classes: a Classe A inclui terminais mais simples, que se comunicam com o servidor seguindo as regras supracitadas e, apenas quando necessitam, permanecem desligados o restante do tempo; a comunicação proveniente do servidor precisa aguardar o dwell time para, em seguida, ocorrer. A Classe B conta com terminais capazes de receber beacons do servidor a cada duty time. A Classe C é composta de terminais que fazem comunicação half duplex assíncrona com o servidor. TEMA 2 – CARACTERÍSTICAS FÍSICAS DA OPERAÇÃO A atividade econômica ligada ao campo, chamada genericamente de agronegócio, congrega a agricultura, horticultura, pecuária e atividades econômicas correlatas, a exemplo de silagem, fornecimento de sementes, defensivos e equipamentos. Essa atividade demanda facilidades tecnológicas com características particulares, em virtude da operação em regiões de acesso limitado, amplas o suficiente para que deslocamentos frequentes para manutenção inviabilizem economicamente soluções tradicionais. O uso de tecnologia da informação no agronegócio é um tema de poucas décadas, porém os resultados de maximização da produtividade justificam os esforços de engenharia. Áreas de estudo como agricultura de precisão, pecuária e zootecnia de precisão (além de informações geográficas) podem trazer ao negócio incrementos de produtividade não concebíveis sem a presença da tecnologia (Cocaro; Jesus, 2018). Ainda, a questão da rastreabilidade dos produtos – tradicional nos processos industriais – passa a ser importante também para a produção agropecuária. Assim, sistemas que permitam rastrear insumos e produção fazem parte do dia a dia do produtor rural, e saber se determinada ração tem atendido às necessidades nutricionais do rebanho é uma informação que diferenciará a carne de boa qualidade (e melhor preço no mercado) daquela medíocre. Exemplo é o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina (Sisbov), que rastreia carnes para exportação. Rastrear insumos e monitorar o rebanho exige equipamentos simples e baratos, mas de alta tecnologia embarcada.Sensores passivos podem ser inseridos em animais, permitindo a leitura quase em tempo real da saúde e evolução do rebanho. Da mesma forma, sensores inseridos no substrato de cultura agrícola permitem acompanhar dados do solo, como umidade, acidez, 11 presença de nitratos e fosfatos, facultando ao agrônomo a correção rápida do solo para adequação à cultura presente. Esses sensores precisam de uma rede de coleta e uma rede de comunicação dispersa na propriedade rural, uma vez que a área típica de amostragem para agricultura de precisão é próxima a apenas 100 m2 (Shanwad et al., 2012). Os terminais, no caso de sensoriamento de solo, se implantam em meio às culturas e precisam resistir convenientemente às intempéries. Chuvas, insolação, baixas temperaturas, umidade e descargas atmosféricas são exemplos do ambiente. A baixa disponibilidade de fontes de alimentação e o relativo alto custo de alimentação solar são outros fatores físicos que limitam a escolha de equipamentos para o projeto da rede. Situação semelhante ocorre na rede de coleta de dados de rebanhos. Sensores implantados no gado conectam-se a equipamentos de captura de dados. A rede de coleta enfrentará as mesmas dificuldades ambientais supracitadas. TEMA 3 – NATUREZA DA OPERAÇÃO E NORMAS TÉCNICAS OBSERVÁVEIS Dadas as características físicas da operação na produção agropecuária, as redes devem apresentar desenho particular. A seguir discutiremos brevemente alguns aspectos importantes: • Interoperabilidade: embora o protocolo TCP/IP, como já foi justificado, não seja o protocolo-padrão de comunicação, é necessário conectar as redes WSNs e multiprotocolos a redes TCP/IP, seja na integração dos dados coletados a serviços de ERP, seja para permitir o transporte pela internet. Dessa forma, ao projetar a rede TCP/IP – em que os dados serão tratados –, é necessário considerar a multiplicidade de protocolos da WSN; • Performance: as WSNs descritas, com suas tendências de uso na agroinformática, tipicamente têm baixa velocidade de transmissão e alta resiliência. Taxas baixas de transmissão são condições atípicas para as redes de alta performance atuais. Dessa forma, as aplicações genéricas raramente “entendem” os lentos duty cycles de transmissão e recepção característicos. Portanto, o projeto da etapa de interconexão deve implementar processos de proxi para retirar a sincronicidade entre as 12 demandas da rede TCP de aplicação e os protocolos da WSN de alta latência, que atendem aos sensores e controladores, evitando-se assim que a aplicação falhe; • Disponibilidade: a rede de sensoriamento (WSN) deve ser resiliente e tolerante a falhas. Implementações de correção ou prevenção de erros são indicadas, mas por hora não há preocupação direta com a disponibilidade. Naturalmente, conforme as facilidades evoluem e novos acionadores e controladores IoT são disponibilizados no mercado, aplicações de maior criticidade podem surgir, com a evolução concomitante dos custos financeiros diretos ligados à indisponibilidade da rede. Controladores de comportas em reservatórios de dessedentação de animais em caso de falha, por exemplo, oferecem riscos ao meio ambiente e, consequentemente, ao rebanho; por hora, entretanto, isso deve ser uma preocupação acessória de projeto. A alimentação dos equipamentos controladores ou servidores é um fator importante para o sucesso da WSN. Selecionar fontes redundantes e buscar soluções de geração autônoma de energia permite a operação mesmo em condições de falta de suprimento de energia elétrica pela concessionária, quando está presente; • Manutenção e gerenciamento: a rede WSN para a agropecuária é mantida por pessoas normalmente pouco qualificadas. Dessa forma, facilidades de autoconfiguração e autotestes são imprescindíveis para a rede ao longo da operação. Associados a essa escolha, equipamentos para estoque reserva (cold-standby) e módulos de manutenção (spare parts), considerando o tempo de aquisição e transporte em contingência, manterão a operação da rede em níveis aceitáveis; • Segurança: WSNs agropecuárias são aplicações de IoT; as fragilidades de segurança de redes que envolvem IoT emergem nessas redes. Aplicações de gerenciamento de sensores e acionadores não totalmente conhecidos pelo projetista e operador da rede oferecem riscos à segurança e à acuidade das informações coletadas. O isolamento da rede WSN da rede de aplicação TCP e do mundo externo deve ser objeto de um projeto cuidadoso, dada a dificuldade de justificar custos de segurança aos clientes. Soluções de menor flexibilidade atendem a tais restrições. A segregação por DMZ é indicada, porque resolve simultaneamente os 13 problemas de segurança e de dessincronização necessária entre a rede de sensoriamento e a de controle. A conexão entre as WSNs e o restante da operação deve se dar somente pelo servidor proxi contido na DMZ. Ainda não existem normatizações específicas para redes em áreas rurais. Pode-se aplicar, subsidiariamente, as normas ligadas à implantação de equipamentos eletrônicos de rede em instalações industriais em função dos padrões de protocolo escolhidos, a exemplo da IEC 61158:2014, que estabelece, entre outros itens, as exigências de rede para obter níveis mínimos de integridade de dados e interoperabilidade. Deve-se, entretanto, guardar o necessário distanciamento de regras no interior das normas, fundadas nos ambientes fabris propriamente ditos. No segmento administrativo da rede (TCP/IP), merecem atenção as normas de cabeamento, anteriormente citadas no capítulo sobre redes corporativas, principalmente no que se refere a instalações ao ar livre. TEMA 4 – MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE As redes de WSNs apropriadas ao uso na agropecuária têm impacto ambiental desprezível em relação às demais atividades do agronegócio. Por outro lado, a otimização e o ganho de produtividade que a agroinformática pode levar a essa atividade econômica são impressionantes e, nesse aspecto, produzir resultados positivos para o meio ambiente também. Aplicações de agricultura de precisão dosam as necessidades de fertilização de forma pontual, impedindo a utilização indiscriminada de fertilizantes. A dosagem de fertilizantes é normalmente dimensionada pelo fornecedor das sementes segundo médias para os tipos de solo em área de baixa fertilidade ou por análise agronômica, em função de amostras aleatórias, colhidas na propriedade. Em ambos os casos, as dosagens são sempre excessivas, posto que devem suprir o pior caso, já que não temos dados objetivos das variações necessárias de dosagem. O excesso de fertilizantes, principalmente nitratos e fosfatos, lixiviados, depositam-se nos corpos hídricos próximos, acelerando a eutrofização, eliminando o oxigênio livre nas águas e desequilibrando o ecossistema (Braga, 2006). Alocações de sensores, segundo estudo agronômico para obter amostragens por tipos de região, permitem a aplicação 14 “cirúrgica” dos suplementos de fertilização, gerando economia de insumos e reduzindo a deposição por lixiviamento. Outra importante evolução da agricultura de precisão é a irrigação controlada. Do ponto de vista ambiental, o uso da água para irrigação representa o principal consumo hídrico em relação às demais atividades antrópicas (Braga, 2006). Irrigar de maneira controlada e dosada representa um significativo benefício ambiental, conservando o volume dos corpos hídricos e o equilíbrio do ecossistema do entorno. Dessa forma, o foco no desenho da WSN, em relação à sustentabilidade, não deve ser – como nas demais redes estudadas – a seleção de equipamentos longevos e recicláveis. O foco se desloca para a eficiência da rede, respeitando uma arquitetura física que dependerá de análise multidisciplinar, com o envolvimento de profissionais ligados à eficiência da produção agropecuária.Por outro lado, dada a natureza da operação (tema já explorado), o desenho de rede e de seus equipamentos deve coibir as manutenções constantes. Dessa forma, a escolha de equipamentos que permitam manutenção facilitada e de alto TMeF é imprescindível, e estudos de dimensionamento de spare parts devem acompanhar o projeto. TEMA 5 – ARQUITETURAS Uma estrutura de rede para aplicação na agropecuária tipicamente contará com redes de sensoriamento e, eventualmente, acionamento (IoT) – outro segmento de rede de controle no qual estarão o ERP e os repositórios de dados. Esse segundo segmento equivalerá a uma rede empresarial, conforme já descrevemos, com a eventual diferença da dificuldade de obtenção de meio de acesso à internet e com ainda maior dificuldade de interconexão – outra propriedade do mesmo investidor. Propriedades rurais de grande porte raramente são atendidas por provedores de internet de alta velocidade. Portanto, soluções satelitais ou sem fio, fornecidas por operadoras celulares ou rádios dedicados, implantados por particulares, são as soluções mais prováveis. Antes de tratarmos das redes de sensores, vamos olhar as particularidades dessa rede de aplicações. 15 5.1 Rede empresarial de aplicação A rede de aplicação, de maneira geral, não será de grande porte, tratando- se de um ou alguns servidores locais e algumas máquinas de usuários, normalmente localizadas na sede da propriedade rural. A solução de rede será normalmente cabeada, com especial cuidado às especificações físicas desse cabeamento, caso haja barracões próximos na localidade, mas desconectados fisicamente. Essa seleção se dá pela maior facilidade de implementação, porém, devemos relembrar a fragilidade de conexões metálicas de alta velocidade em ambientes externos. Inicialmente, devemos observar as normas técnicas de cabeamento (já sugeridas anteriormente) para redes corporativas e empresariais. Assim, cabos ethernet externos devem ser blindados e, em cada barracão, um patch panel de descarga precisa ser instalado para manter o aterramento da blindagem em apenas um ponto, conforme a Figura 6. Os equipamentos de cada barracão devem ter um ponto próprio de aterramento, e eletrodutos metálicos aterrados devem ser instalados para conduzir o cabeamento interno, posto que edificações em áreas rurais são especialmente suscetíveis a descargas atmosféricas. Outra motivação importante para essa boa prática é a presença comum de maquinário elétrico com implantações precárias, que se transformam em geradores de ruídos impulsivos para a rede. Figura 6 – Aterramento da blindagem de cabos externos Fonte: Brustolin, 2020. Além da solução trivial metálica, o cabeamento óptico também pode ser considerado, dada sua natural imunidade a interferências e surtos. Nesse caso, Barracão 1 Barracão 2 Barracão 3 Cabos externos Aterramento dos cabos externos Aterramento dos equipamentos locais 16 podemos usar cabos multimodo autossustentados (para estruturas próximas) e monomodo (para as mais distantes). Neste último caso, cabos diretamente enterrados são mais econômicos, mas é necessário sinalizar convenientemente o caminhamento para que veículos pesados não danifiquem o cabo por esmagamento. Travessias podem ser feitas por segmento autossustentado ou por preparação do trecho enterrado, usando dutos metálicos e assentamento de substrato de absorção (geralmente britas e areia). Sobre a conexão óptica, devemos observar as restrições mecânicas de operação (grau máximo de curvatura e torção, por exemplo) e a dificuldade de manutenção, que exigem mão de obra técnica especializada. 5.2 Conexão à internet Como já comentamos, a localização física dos negócios agropecuários dificulta a disponibilização de canais de internet de alta velocidade, e algumas iniciativas vêm sendo tomadas pelos governos, mas ainda de forma incipiente. Segundo o censo agropecuário de 2017 (IBGE, 2018), existem cinco milhões de estabelecimentos rurais no Brasil; destes, 71,8% não têm acesso à internet. A conexão – raramente em banda larga – depende de investimentos em infraestrutura de telecomunicações. Para empreendimentos rurais de menor porte ou muito distantes de nós de internet, a solução satelital é a mais indicada. Satélites são basicamente retransmissores espaciais de sinais de rádio. Ao receber um sinal, o satélite demodula a mensagem e a modula novamente na nova frequência de transmissão, devolvendo-a à Terra. Quanto mais distante da Terra o satélite estiver, maior será a distância admitida entre os rádios terrestres que tentam a comunicação. Os satélites podem ser classificados, segundo sua altitude orbital, em geosynchronous Earth orbit (GEO) – acima de 35 mil quilômetros –, mid-altitude Earth orbit (MEO) – em torno de 10 mil quilômetros – e low Earth orbit (LEO) – a menos de 10 mil quilômetros. As estações terrestres podem contar com imensas antenas conectadas a sistemas de telecomunicações complexos (hubs de operadoras) ou serem compostas por equipamentos compactos, compatíveis com o uso residencial ou de empreendimentos rurais. As very small aperture terminals (VSATs) são estações terrestres fixas de pequenas dimensões (antenas com até 2,4 metros de diâmetro) compostas por um conjunto de equipamentos internos (indoor units 17 – IDU), de conexão à LAN, e externos (outdoor unit – ODU), que fazem a comunicação extraterrestre (Nassif, 2001). Soluções com VSATs têm custo aceitável para uso rural, tanto no acesso à internet quanto na interconexão entre LANs. Essas soluções (assim como todas que utilizam satélites) apresentam latência elevada, que pode chegar facilmente a algumas centenas de milissegundos, impactando em algumas aplicações não dimensionadas para esse tipo de canal de comunicação. Há também lapsos de conexão motivados pelo desvanecimento (fading) do sinal, típico de transmissões de rádio na faixa de micro-ondas. O desvanecimento pode ser causado por vários fatores atmosféricos, inclusive chuvas e nevoeiros; isso significa que o sistema, com certa frequência, ficará inoperante em virtude de mau tempo (Alencar et al., 2001). Figura 7 – Comunicação satelital para acesso à internet Fonte: Brustolin, 2020. Outra solução – que merece ser comentada por sua baixa popularidade – são as high-altitude plataforms (HAPs), balões geoestacionários que operam a altitudes próximas de 20 quilômetros e têm um diâmetro de cobertura em torno de 400 quilômetros. É uma solução alternativa à implantação de torres de retransmissão de rádio, com vantagens em termos de velocidade de implantação e custos iniciais. 5.3 Conexão entre internet, WSN e rede empresarial A conexão da rede de sensores WSN rurais com a rede de aplicação assemelha-se muito com a conexão entre as redes de uma planta industrial, que tem características baseadas em padrões internacionais. A topologia 18 recomendada para conectar o chão de fábrica à rede administrativa, baseada em níveis de interoperabilidade, pode ser utilizada como referência para as redes do agronegócio, guardadas as diferenças já estudadas entre as características físicas e de operação. A conexão entre as duas zonas (de produção e zona de aplicação ou empresarial) se dá com o auxílio de uma DMZ simplificada, isolando-se assim o trânsito de dados entre as zonas e para a internet. Então, a DMZ deve separar a rede que engloba os sensores de produção (WSN) daquela que os gerencia e, eventualmente, controla. É composta por firewall e proxi de acesso, que retira o sincronismo e o tráfego direto entre as redes, isolando protocolos e impedindo o contato direto dos sensores IoT com a internet. Figura 8 – Internet, WSN e rede empresarial Fonte: Brustolin, 2020. Considerando o que conversamos sobre as dificuldades de conexão com a internet, a DMZ podecontar com um gateway para adequar a comunicação satelital e retirar uma eventual canalização de voz associada. Nesse ponto, cabe reforçar a questão de segurança digital. Sensores IoT ainda não têm padrões de segurança estabelecidos e podem fazer conexões automáticas à internet para downloads ou uploads de dados para processamento compartilhado. A rede WSN deve ser impedida de acessar tanto a rede empresarial como a internet, impedindo a entrada de visitantes maliciosos na rede (Deri; Soldato, 2018). 5.4 WSN 19 Como já comentamos, embora existam semelhanças entre as redes industriais e as rurais, no que se refere às WSNs, as diferenças são sensíveis. Os problemas de ruídos eletromagnéticos (REM) são praticamente ausentes no meio rural, e haverá um natural relaxamento nos cuidados de implantação. Dessa forma, a disposição de antenas e sensores não será definida pelas características de radiopropagação, mas respeitará o projeto de distribuição segundo critérios agronômicos. Caberá ao projetista de rede adaptá-la para viabilizá-la. Além disso, como já comentamos, os sensores se localizarão em regiões externas, desprotegidas, sem acesso a fontes de alimentação. É importante identificar fisicamente esses equipamentos para evitar seu esmagamento pelo maquinário e facilitar a manutenção. Criar uma rotina de manutenção preventiva, nessas situações, é bastante indicado, verificando regularmente os sensores para identificar eventuais danos causados pelas intempéries e limpar placas solares de alimentação, quando presentes. Os cuidados com o espectro de rádio ZigBee ou LoRa, conforme o caso, devem anteceder o projeto de rede. Recomendamos uma sondagem espectral prévia e, após a implantação, a revisão periódica, para verificar a presença de espectros interferentes provenientes de propriedades rurais próximas. Nesses casos, embora os protocolos impeçam a conexão equivocada, um tráfego de beaconing desnecessário poderá ocupar a rede. Esses dados espúrios – além do natural aumento de processamento dos controladores da rede – podem consumir energia desnecessária nos equipamentos terminais, inviabilizando a rede. Finalmente, o projeto da rede deve ser criterioso sobre a resiliência à latência. As aplicações precisam desse cuidado, e a infraestrutura da rede deve se preparar para eventuais armazenamentos intermediários de informação. Além disso, há também a questão da disponibilidade dos sensores, dada a baixa taxa de transmissão de dados (em muitos casos inferior a 64 kbps) e de eventuais necessidades de retransmissão motivadas por sensores indisponíveis em estado de latência ou com problemas de alimentação. FINALIZANDO • O projeto de redes rurais deve considerar a característica típica do campo como dificuldade de manutenção e de acesso aos equipamentos; 20 • Grandes distâncias entre a produção e a rede de controle são típicas e exigem soluções resilientes. Equipamentos que apresentem baixo TMEF dificultarão as decisões de precisão, gerando custos financeiros e oferecendo riscos à segurança ambiental; • Ao considerarmos a aquisição de equipamentos, devemos considerar também a necessidade de operação sem fontes confiáveis de energia ou em sua completa ausência; • A topologia da rede WSN será definida em conjunto com o especialista agropecuário; • A rede WSN precisa estar isolada. Possibilitaremos esse isolamento se inserirmos uma DMZ simplificada, que precisará resolver também a sincronia temporal entre redes que precisem se comunicar. A segurança das aplicações deve ser preservada, devido ao risco oferecido por equipamentos IoT com processamento independente; • A velocidade de comunicação da rede WSN será baixa e, consequentemente, sua latência será alta. Assim, as aplicações e a infraestrutura de rede devem se adaptar a essa realidade; • O uso provável de VSAT para interconexão com a internet (ou com outras propriedades) insere um segundo retardo na transmissão de pacotes, que tipicamente pode chegar a 200 ms. As aplicações e a infraestrutura de rede também devem se adaptar a essa possibilidade. 21 REFERÊNCIAS AKYILDIZ, I. F.; WANG, X.; WANG, W. Wireless mesh networks: a survey. Computer Networks, [S.l.], v. 47, n. 4, p. 445-487, 2005. ALENCAR, G. et al. Efeitos da chuva no desempenho de terminais VSAT na transmissão de dados por satélites nas bandas Ku e Ka. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE TELECOMUNICAÇÕES, 19., 2001, [S.l.]. Anais… [S.l.]: [S.n.], 2001. BRAGA, E. A. S. 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