Buscar

Noções de Direito para o alcance da cidadania no Brasil contemporâneo

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 57 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 57 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 57 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Material Didático 
INSTITUTO NACIONAL SABER
T
O
D
O
S
 O
S
 D
IR
E
IT
O
S
 R
E
S
E
R
V
A
D
O
S
 
Noções de Direito para o alcance 
da cidadania no Brasil 
contemporâneo 
 
 
INSTITUTO NACIONAL SABER 
 
O Instituto Nacional Saber tem por objetivo especializar 
profissionais em diversas áreas, capacitando alunos e os inserindo no 
mercado de trabalho, fazendo com que tenham destaque e ampliem suas 
carreiras. 
Nosso objetivo não é apenas oferecer conhecimento, mas formar 
profissionais capacitados e aptos para exercer as profissões que 
desejam, para participar do desenvolvimento de sua sociedade, e 
colaborar na sua formação contínua. 
Oferecemos conteúdos elaborados por conceituais profissionais, e 
tendo em vista os esforços de nossos colaboradores para a entrega do 
mais seleto conhecimento, assim aproximando-o ainda mais do mercado 
de trabalho. 
Pensando na necessidade dos nossos alunos em realizar o curso 
de forma flexível e mais acessível, o Instituto disponibiliza a 
especialização (Pós-Graduação Lato sensu), 100% EAD com 
reconhecimento do MEC, e com a mesma qualidade e peso de um estudo 
presencial. 
 
 
Desejamos sucesso e bons estudos! 
Equipe Instituto Nacional Saber 
 
 
 
 
 
 
 
 
UNIDADE 1 - A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA CIDADANIA NO BRASIL 
1.1 Introdução ............................................................................................................................................... 4 
1.2 Não cidadãos: o Brasil colônia .......................................................................................................... 6 
1.3 Da independência ao fim da primeira república – direitos políticos só no papel. .............. 9 
1.4 Direitos Sociais: Revolução de 30 e Getúlio Vargas ................................................................ 12 
1.5 Direitos Políticos: da primeira experiência democrática à Ditadura Militar de 1964..... 15 
1.6 Um passo atrás: a ditadura militar. .............................................................................................. 17 
1.7 A Constituição Cidadã de 1988 e a redemocratização ........................................................... 20 
 
UNIDADE 2 - CIDADANIA E A CONSTITUIÇÃO DE 1988: A EFETIVIDADE DOS 
INSTRUMENTOS CONSTITUCIONAIS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR 
2.1 Introdução ............................................................................................................................................ 22 
2.2 Plebiscito e referendo ...................................................................................................................... 24 
2.3 Iniciativa Popular ............................................................................................................................... 27 
2.4 Conselhos Gestores de Políticas Públicas .................................................................................. 30 
2.5 Orçamento Participativo .................................................................................................................. 35 
 
UNIDADE 3 - BALANÇO ATUAL DA CIDADANIA NO BRASIL: DESAFIOS E CAMINHOS . 
3.1 Introdução ............................................................................................................................................ 38 
3.2 O que não deu certo .......................................................................................................................... 38 
3.3 Espaços não institucionalizados de participação: a importância dos movimentos sociais 
para a cidadania......................................................................................................................................... 45 
3.4 O fortalecimento da cidadania através da educação política ............................................... 48 
 
BIBLIOGRAFIA................................................................................................................ 55 
 
SUMÁRIO 
 
4 
 
 
UNIDADE 1 - A CONSTRUÇÃO 
HISTÓRICA DA CIDADANIA NO BRASIL 
 
 
1.1 Introdução 
Partindo do conceito de cidadania desenvolvido pelo sociólogo T.H Marshall 
(1967), temos que o cidadão pleno é entendido como o que possui amplo gozo de 
direitos civis, políticos e sociais. Nessa conceituação, o autor sugere que, 
cronologicamente e tendo seu desenvolvimento ocorrido historicamente na Inglaterra, 
primeiramente surgiram os direitos civis, no século XVIII, seguido pelos direitos 
políticos no século XIX e, por fim, os direitos sociais, conquistados no século XX. 
Essa ordem, no entanto, muito mais do que cronológica, obedeceria a uma 
sequência lógica: por uma necessidade da burguesia de comandar seus negócios e 
acumular suas riquezas sem a necessidade da autorização e ingerência de um 
monarca, surgem os direitos civis, e com ele o seu principal pilar que era a liberdade 
de conduzir a sua vida privada. Com o exercício dos direitos civis e da liberdade 
trazida, foi possível ir além e reivindicar o direito de intervir nas decisões estatais 
através do voto e de participar do governo, surgindo assim os direitos políticos. Com 
os direitos civis e políticos difundidos, trabalhadores e operários puderam eleger seus 
representantes e serem os responsáveis pela introdução dos direitos sociais. 
Como exceção a essa sequência, no entanto, o autor enfatiza que o direito 
social a educação tem sido historicamente um requisito para a difusão de outros 
direitos. Nos países em que houve um esforço de difundir a educação popular, a 
cidadania se desenvolveu com mais rapidez, pois onde as pessoas tinham 
conhecimentos dos seus direitos era mais fácil que elas se organizassem para lutar 
por eles, fazendo com a transformação partisse de uma iniciativa popular e não de 
uma vontade paternalista de um governo. 
Carvalho (2018) conclui, analisando o trabalho de T.H. Marshall (1967), que a 
cidadania, então, é um fenômeno histórico: o seu desenvolvimento está estritamente 
relacionado ao desenvolvimento do Estado, independente de qual seja o país. A 
 
5 
 
cidadania em um Estado vai depender de como se deu o processo de 
desenvolvimento de sua relação com o povo, e isso coloca uma contradição na 
sequência desenvolvida por Marshall: apesar do desenvolvimento da cidadania na 
Inglaterra saltar aos olhos como um modelo, o percurso inglês não foi o percorrido em 
outros países. Assim, entendendo que a sequência possui uma razão lógica, temos 
que a natureza da cidadania também será diferente, como é possível se observar ao 
analisamos o desenvolvimento da relação entre Estado e povo ocorrida no Brasil. 
No contexto brasileiro, a relação entre Estado e sociedade é historicamente 
marcada por desequilíbrios de forças e pela dominação de classes. O exercício da 
cidadania no Brasil sempre esbarrou em barreiras estruturais de poder, verdadeiros 
desafios na busca da consolidação de direitos e de sobrevivência na sociedade 
democrática. Seguindo a conceituação de T.H. Marshall (1967), Carvalho (2018) 
observa que o percurso em direção a cidadania plena se deu de maneira invertida: 
aqui, antes de consolidarmos direitos civis e políticos, tivemos uma grande difusão 
dos direitos sociais. Ressalte-se que não se trata de surgimento: apesar dos direitos 
políticos e civis terem sido previstos formalmente antes dos direitos sociais, a sua 
consolidação e efetividade na sociedade não se deu na mesma ordem. 
Não é difícil concluir que, em um país onde a sociedade não goza de garantias 
civis como liberdade e isonomia e nem da oportunidade de participar da política, o 
surgimento dos direitos sociais não se deu de baixo para cima. Sem desconsiderar 
movimentos relevantes que se formaram no país, muitos sob influência do ambiente 
internacional impulsionado pelo comunismo, a conquista dos direitos sociais no Brasil 
obedeceu uma lógica populista e paternalista de Getúlio Vargas, como poderemos 
observar na sequência deste trabalho. E, ainda sim,muito tardiamente. Apenas em 
1930, 430 anos depois da nossa descoberta, 108 anos após a independência e 41 
anos do início da República, que a sociedade finalmente conheceu e efetivamente se 
beneficiou dos primeiros direitos sociais. Já os direitos políticos e civis, apesar de 
previstos formalmente na Constituição de 1824, sua aplicabilidade era muito pouco 
efetiva a título de participação cidadã da população, por não mexer na escravidão e 
pela total manipulação dos processos eleitorais extremamente fraudulentos 
Postas essas considerações iniciais, passemos a analisar, com base nos 
escritos de José Murilo de Carvalho (2018) e de T.H. Marshall (1967), o processo de 
construção democrática do Brasil, desde a descoberta até a proclamação da 
 
6 
 
Constituição Cidadã de 1988, seguindo os complexos caminhos que o país tem 
seguido para formação de sua cidadania. 
 
1.2 Não cidadãos: o Brasil colônia 
Sem a intenção de detalhar como se deu o processo histórico de descoberta 
do Brasil por Portugal, é importante ressaltar que o objetivo comercial e econômico na 
colonização foi o fator primordial e desencadeante de uma série de obstáculos para a 
formação da cidadania brasileira. Estando os portugueses diante de uma vasta 
quantidade de terra extremamente fértil, favorecida pela localização favorável entre 
os trópicos e habitada por povos seminômades, o objetivo de se estabelecer um 
ambiente de exploração exigia, primeiro, a dominação dos índios que aqui habitavam. 
Detentores de tecnologias muito mais avançada, o domínio e extermínio dos 
indígenas pelos portugueses, através da guerra e da escravidão, foi consequência 
imediata da colonização portuguesa no Brasil. Em segundo lugar, era necessária a 
transferência de grandes detentores de capital de Portugal para a colônia – 
oportunidade em que vieram os senhores de engenho para dar início a exploração da 
terra – e da mão de obra escrava, considerando que a população de Portugal era 
muito pequena frente as grandes extensões de terra para exploração que oferecia o 
Brasil. 
Os indígenas, então, foram os primeiros a serem escravizados, logo que os 
portugueses se estabeleceram em nossas terras. No entanto, frente a uma forte 
oposição dos jesuítas e a rapidez em que foram dizimados, logo recorreu-se a 
escravos africanos, que já eram utilizados em outras colônias de Portugal. Desse 
modo, os principais instrumentos de exploração da colônia – as grandes propriedades 
e a escravidão – foram os principais obstáculos para a formação da cidadania 
brasileira, conforme veremos a seguir. 
A colonização portuguesa no Brasil, apesar de iniciar com a exploração do pau-
brasil, logo foi substituída pelo cultivo da cana-de-açúcar, considerando que Portugal 
já possuía experiência em sua produção nas ilhas do Atlântico (Madeira e Cabo 
Verde), que detinham clima muito parecido com o Brasil. Para isso, formaram-se os 
engenhos de açúcar, grandes propriedades de terra pertencentes a senhores de 
origem portuguesa e detentores de muito capital para investimento. A mão de obra da 
 
7 
 
produção era escrava, e rapidamente, no entorno desses engenhos, foram se 
formando pequenos núcleos populacionais que viviam direta ou indiretamente da 
produção do açúcar. O contraste entre os senhores de engenhos e de toda a sua 
família extremamente abastada, frente ao restante da população – composta de 
escravos e pequenos artesãos, em que todos eram dependentes da exploração do 
açúcar – foi a responsável pela grande desigualdade que logo se estabeleceu nesse 
contexto, e que se constituía, a partir de então, como um dos mais graves problemas 
do Brasil. 
Essa desigualdade era observada não apenas na evidente diferença de 
patrimônio, mas também no acesso a direitos e garantias por parte da população. É 
certo que o exercício dos direitos civis só é possível frente a um Estado garantidor e 
com um Judiciário independente, o que, definitivamente, não existia no período 
colonial. A justiça do rei (de Portugal) tinha alcance limitado, ou porque não chegava 
aos lugares mais afastados das cidades ou porque tinham como obstáculo a justiça 
privada dos grandes proprietários. Eram os senhores, chamados de “homens bons”, 
os responsáveis por desenvolver partes das funções do Estado, inclusive as funções 
judiciárias que, longe de promoverem a garantia de direitos da população, se 
utilizavam dessas funções como meros instrumentos de promoção de seus poderes 
pessoais. Outras funções públicas, como arrecadação de impostos, registros de 
nascimento e casamento, também eram exercidas por particulares e pela Igreja, 
constituindo uma verdadeira confusão na separação entre os poderes do Estado e os 
poderes privados dos grandes senhores. A consequência dessa confusão era a 
inexistência, no Brasil, de algo que pudesse se chamar de poder público, e que 
pudesse atuar como garantidor de direitos civis, como a igualdade de todos perante a 
lei, ficando a população ao arbítrio dos grandes proprietários de terras. 
Outro fator que obstava o desenvolvimento da cidadania no Brasil era a 
escravidão. Essencial para o funcionamento da colônia, a exploração de mão de obra 
escrava se iniciou com os índios e, na segunda metade do século XVI, passou a ser 
importada da África. Estima-se que até a independência, 3 milhões de escravos 
vieram para o Brasil, sendo que em 1822, em uma população de 5 milhões de 
habitantes, haviam 1 milhão de escravos e 8 mil índios (CARVALHO, 2018, p. 25). A 
escravidão era enraizada na sociedade brasileira e estava em todos os lugares, tanto 
nas áreas rurais quanto nas cidades. Nas grandes propriedades, trabalhavam na 
 
8 
 
agricultura, pecuária, mineração, no trabalho doméstico e quaisquer outras atividades 
que os senhores ordenassem. Nas cidades, era comum que pessoas com alguma 
renda alugassem escravos para desempenhar tarefas na rua, como artesanato, 
venda, e etc. A prática da escravidão era tão estrutural, que até mesmo os escravos, 
ao serem libertos, adquiriam outros escravos. Assim, a sociedade colonial era 
escravista em todas as suas classes e aspectos. 
Considerando, então, que uma parcela significativa da população da colônia 
era composta de escravos, fica evidente que não havia, para esses, nenhuma 
possibilidade de exercício da cidadania, no menor grau que fosse. Privados de direitos 
civis básicos, como integridade física, liberdade e, em alguns casos, até mesmo a 
vida, foram longos os caminhos até a inserção desses indivíduos como titulares de 
algum direito perante a lei. Pelo contrário, até a abolição da escravidão, os escravos 
eram equiparados a animais e considerados como propriedade de seus senhores, que 
podiam os vender, trocar, prender, espancar e matar, sem sofrer nenhuma 
consequência ou sanção. Direitos políticos e sociais nem se cogitava. Enquanto 
escravos, mesmo após a Constituição de 1824, não lhes eram permitidos votar ou ter 
qualquer tipo de participação ou influência estatal. 
O desenvolvimento lento e pouco incentivado da cidadania no Brasil também 
pode ser explicado pela total ausência de incentivo público a educação nesse período. 
Conforme já citado anteriormente, T.H. Marshall (1967) considera o direito social à 
educação como uma exceção a sequência lógica na difusão dos direitos. Países que, 
de algum modo, incentivaram a educação, construíram sua cidadania de forma mais 
rápida. No início, quem promovia a alfabetização na colônia eram os jesuítas, mas 
após a expulsão dos religiosos, o Estado se encarregou de promovê-la. Essa 
promoção pelo Estado se dava de maneira totalmente inadequada, não havendo 
sequer registro dos níveis de alfabetização durante o período colonial. Sabe-se que, 
já após a independência, em 1872, apenas 16% da população brasileira era 
alfabetizada (CARVALHO, 2018, p. 28), para se ter noção da proporção do descaso. 
Não sendo valorizada pelo Estado, não seria também pelossenhores, que não 
possuíam nenhum interesse em esclarecer os seus escravos ou subordinados, diante 
da noção do poderoso instrumento de revolta que poderiam estimular. 
Além da educação básica e da alfabetização, a educação superior era 
igualmente ignorada. No Brasil, diferente do que ocorria na América Espanhola, eram 
 
9 
 
proibidas a criação de universidades, e quem quisesse cursar o ensino superior teria 
que ir para Portugal. Obviamente, apenas quem detinha muito dinheiro – na maioria 
dos casos, os familiares dos grandes senhores – conseguia se deslocar até o 
continente europeu. A título de comparação, ao fim da colonização, haviam 23 
universidades na América Espanhola, com cerca de 150 mil pessoas já tendo 
concluído sua formação (CARVALHO, 2018, p. 29), enquanto no Brasil, apenas em 
1808 foram permitidas a criação de escolas superiores, em razão da vinda da corte 
portuguesa para o Brasil. Assim, o descaso com a educação no período colonial, foi 
mais um dos obstáculos a formação da cidadania brasileira. 
É possível concluir, com base nas análises de Carvalho (2018), e partindo da 
conceituação de cidadania e direitos desenvolvida por T.H. Marshall (1967), que não 
existiu cidadania no Brasil colonial. Uma consequência dessa “não-cidadania”, foram 
as raras revoltas cívicas do período. Excetuadas as escravas que, em sua maioria, 
foram duramente massacradas, as manifestações que ocorreram foram quase todas 
promovidas pela elite contra as políticas da metrópole e pela independência de 
algumas regiões, a exemplo da Inconfidência Mineira. Esse quadro consiste em uma 
consequência lógica de um período em que grande maioria da população se 
encontrava excluída dos direitos civis e políticos, não havendo sequer consciência da 
possibilidade de se engajar por eles. 
 
1.3 Da independência ao fim da primeira república – direitos políticos só 
no papel. 
Diferente do que ocorreu na América do Norte e na América Espanhola, a 
independência do Brasil se deu de forma relativamente pacífica. Excetuando alguns 
conflitos regionais que acabaram sendo derrotados, a exemplo da Revolução 
Pernambucana de 1817, não houve ampla mobilização nacional em prol da 
independência, que teve como principal característica a negociação entre a elite 
nacional, a coroa portuguesa e a Inglaterra. Havia um sentimento popular, 
manifestado principalmente nas capitais, como no Rio de Janeiro, de ódio aos 
portugueses que controlavam o poder e o comércio nas cidades costeiras. Mas a elite, 
apesar de almejar maior liberdade de Portugal, entendia a necessidade da figura do 
rei para manter a ordem social. A posição do povo não foi de mero espectador, mas 
 
10 
 
também não foi decisiva. A consequência dessa pouca participação foi a inexistência 
de mudanças radicais em relação ao período colonial, que, além de possuir uma 
herança extremamente negativa, teve muito pouca influência popular em seu 
processo, fazendo com que os benefícios de uma maior independência não fossem 
revertidos em prol da sociedade. 
A Constituição outorgada de 1824 trazia grandes novidades e avanços no que 
se refere aos direitos políticos. Trouxe uma ampla liberdade de voto para os padrões 
da época, podendo votar todos os homens de 25 anos ou mais que possuíssem renda 
mínima de 100 mil réus anuais, incluindo os analfabetos, estabelecendo, no entanto, 
uma limitação de renda de 100 mil réis. Para os chefes de família, dos oficiais militares, 
bacharéis, clérigos, empregados públicos e todos que possuíam independência 
econômica, a idade mínima era de 21 anos. No entanto, apesar de representar um 
avanço nos direitos políticos, ainda trazia graves limitações nos direitos civis pois a 
Constituição de 1824 não tocou na escravidão, permitindo a sua existência até a 
abolição em 1888. 
Ainda assim, o referido avanço se deu apenas na forma. Na prática, o manejo 
desses processos eleitorais não refletia necessariamente uma maior participação 
cidadã do povo, mais sim o surgimento de um instrumento de manutenção e controle 
de poder pela elite. O povo que agora possuía o direito de votar era o mesmo que 
tinha vivido três séculos de colonização, tempos estes que trouxeram de herança o 
analfabetismo de 85% da população (CARVALHO, 2018, p. 37), incapaz de entender 
as estruturas do Estado e o que seria um governo representativo. A característica 
principal das eleições nesse período era a fraude. Compra de voto, manipulação do 
procedimento com a adulteração de cédulas, atas eleitorais e da mesa eleitoral, além 
da truculência dos chefes locais que se utilizavam de capangas para ameaçar e 
constranger o povo a votar conforme suas pretensões. Uma série de práticas que 
retiravam do processo eleitoral qualquer legitimidade para representar a vontade 
popular. Podemos entender que a previsão constitucional do direito ao voto constituiu 
algum avanço, principalmente para preparar o terreno para futuras mudanças 
substanciais, mas a forma e os objetivos desses processos eleitorais não 
representavam uma mudança radical no contexto de participação popular. Para 
Carvalho (2018, p. 41) “o voto era um ato de obediência forçada ou, na melhor das 
hipóteses, um ato de lealdade e gratidão” aos chefes políticos locais que muitas das 
 
11 
 
vezes eram responsáveis por um mínimo de assistência social que existia na época. 
Em 1889, tivemos novamente uma mudança na estrutura do Estado, sendo 
instituída a República, mas também sem avanços radicais. A diferença foi o 
surgimento de uma nova forma de controle do poder com a sua descentralização e 
fortalecimento das oligarquias locais. Contrariando as expectativas de progresso 
democrático, pudemos evidenciar um retrocesso no que se refere aos direitos 
políticos: os analfabetos foram excluídos do direito ao voto, o limite de renda passaria 
de 100 para 200 mil réis e o voto passava a ser facultativo, refletindo um legislativo 
representante de uma elite que justificava os problemas do Brasil pela ignorância dos 
eleitores que não sabiam escolher seus representantes. Célebre frase do deputado 
Saldanha Marinho representava uma das poucas vozes dissonantes da época: “Não 
tenho receio do voto do povo, tenho receio do corruptor” (CARVALHO, 2018, p. 44). 
José Bonifácio também tinha essa consciência, entendendo que o retrocesso era um 
erro de sintaxe política, pois criava uma oração politica sem sujeito, um sistema 
representativo sem povo (CARVALHO, 2018, p. 44). No mais, continuavam as 
mesmas praticas fraudulentas de controle popular pelo voto de cabresto, agora sendo 
conduzido pelas oligarquias, através do que ficou conhecido como “coronelismo”. 
No que se refere aos direitos civis, a abolição da escravidão não foi 
acompanhada da reinserção dos escravos libertos na sociedade. Considerando que 
o interesse na abolição se deu por motivos econômicos, muito por pressão inglesa, 
diante de um cenário internacional que defendia a remuneração do trabalho para 
inserção dos trabalhadores na rede de consumo, o fim da escravidão no Brasil não 
teve nenhuma conotação libertária. A consequência disso foi o abandono dos 
escravos libertos a própria sorte: sem educação, sem terras, sem trabalho e 
renegados por uma sociedade em que a ideia do negro como escravo estava 
extremamente enraizada em sua cultura. Foram muitos os escravos libertos que 
retornaram as fazendas para trabalhar por uma mísera remuneração. Aos que se 
aventuravam nas cidades, ficavam abandonados e sem empregos, pois com a vinda 
de imigrantes italianos para ocuparem os postos de trabalhos surgidos com o 
dinamismo do café, aos libertos sobravam os trabalhos mais brutos e mal pagos, e 
isso somente aos que conseguiam um trabalho. 
Sobre direitos sociais, muito pouco se podia falar, pois eram quase inexistentes. 
A assistência social que existia era praticada pelo setor privado, principalmente pela 
 
12 
 
Igreja, e não passavamde caridade. Houve ainda um retrocesso importante com a 
retirada do Estado, pela Constituição Republicana de 1891, da obrigação de promover 
a educação primária, prevista na Constituição de 1824, dificultando ainda mais a 
conscientização popular. Fora a previsão de uma Caixa de Aposentadoria e Pensão 
para os ferroviários em 1923, a Primeira República não representou avanço 
significativo no que se refere aos direitos sociais. 
Assim, da independência até o fim da Primeira República, é possível analisar 
de forma geral pela inexistência de uma população politicamente ativa e organizada. 
No entanto, Carvalho (2018) traz importantes ponderações a essa análise. A primeira 
se refere a dois movimentos da época que alcançaram mobilização nacional, e de 
alguma forma representava um despertar da conscientização política, o movimento 
abolicionista e o tenentismo, em que o primeiro foi importante para difundir a ideia de 
liberdade e unificação nacional e o segundo teve o seu mérito na luta contra o poder 
das oligarquias locais. Uma segunda ponderação a essa análise, consiste na ideia de 
se entender que, mesmo não havendo um exercício de cidadania dentro de seus 
instrumentos formais de efetivação, o povo se expressava de outras formas. Mesmo 
não tendo papel central nos processos de independência e de formação da República, 
não foram poucas as revoltas populares que aconteceram no período. Rapidamente, 
podemos citar as manifestações no Rio de Janeiro contra o regresso de D. Pedro a 
Portugal, em 1822, as rebeliões populares do período regencial, a Revolta do Vintém 
em 1880 e a Revolta da Vacina em 1904. Portanto, é correto se dizer que ainda não 
tínhamos um exercício organizado de cidadania capaz de impactar os rumos da 
política e da sociedade, mas é importante salientar sobre o um possível despertar do 
povo sobre o papel que o Estado deveria assumir na proteção dos direitos da 
população. 
 
1.4 Direitos Sociais: Revolução de 30 e Getúlio Vargas 
O ano de 1930 representou um marco para a história do país: a partir de então 
as transformações sociais e políticas passaram a acontecer de forma mais acelerada. 
O contexto internacional influenciava bastante, a crise do capitalismo com a quebra 
da bolsa de Nova York em 1929, o período pós primeira guerra mundial, a reação do 
comunismo que se expandia pela influência soviética, além dos ideais fascistas que 
 
13 
 
começavam a tomar força. No Brasil, o ano de 1930 marcou uma experiência que pela 
primeira vez se via no Brasil: uma mobilização civil derrubando uma estrutura de 
governo, que, nesse momento, se tratava do coronelismo e do poder das oligarquias. 
Sem a intenção de detalhar todo o processo, é importante ressaltar que o 
movimento de 30 derrubou o último presidente da Primeira República, colocando no 
lugar um representante da oligarquia gaúcha mas de ideais e propostas totalmente 
opostas aos da república oligarca. Getúlio Vargas implementou no Brasil uma série 
de reformas que o levou a ser considerado como um dos presidentes mais populares 
da história do Brasil, tendo como seu carro-chefe a implementação e consolidação 
dos direitos sociais. 
Contrariando um ideal liberal que prevalecia desde antes do início da 
República, de que o governo não deveria interferir nas relações de trabalho, Vargas 
instituiu as primeiras legislações trabalhistas no Brasil. Foi estabelecido o limite de 
jornadas, a regulação do trabalho dos menores, o estabelecimento de igualdade 
salarial para homens e mulheres, além da criação da carteira de trabalho, do direito 
de férias, do salário-mínimo, dentre outros benefícios. A regulação das relações de 
trabalho foi incorporada pela Constituição de 1934, que criou, ainda. a Justiça do 
Trabalho, e em 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), codificando a 
legislação trabalhista do país. Também ocorreram importantes avanços na 
previdência social, com a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensão, que 
instituía e regulava a previdência de cada categoria profissional, além do Ministério do 
Trabalho, Indústria e Comércio, que setorizou e especializou a regulação dessas 
áreas pelo governo. 
Um aspecto negativo nessa expansão de direitos trabalhistas foi a sua limitação 
a determinadas categorias: os trabalhadores urbanos autônomos e domésticos 
(mulheres em sua maioria) e os trabalhadores rurais ficaram de fora, diante de uma 
forte influência dos proprietários rurais, os quais Vargas não quis enfrentar. Outro 
ponto importante e polêmico, era em relação a sua política sindical. Basicamente, os 
sindicatos eram constituídos como braços do governo na organização dos 
trabalhadores, em que estes deveriam seguir a sua filosofia, não possuindo quase que 
nenhuma autonomia, pratica que ficou conhecida como “peleguismo”. As 
organizações de trabalhadores que se formassem a margem da estrutura do governo 
ficaria de fora de alguns privilégios concedidos somente aos sindicalizados, a exemplo 
 
14 
 
de direito a férias e benefícios previdenciários. Os sindicatos pelegos, portanto, não 
passavam de meros órgãos consultivos do governo, não representando 
necessariamente os interesses das categorias. 
Necessária e importante retomar aqui a já mencionada sequência lógica de 
efetivação de direitos analisada por T.H Marshall (1967). A população brasileira teve 
efetivado os direitos sociais antes da consolidação de seus direitos políticos e civis. 
Sem direitos civis e políticos plenos, são mínimas as possibilidades de mobilização 
popular para a conquista dos direitos sociais, o que faz com que essa iniciativa tenha 
de partir do governo para o povo, diante de uma lógica paternalista. A politica sindical 
varguista manejava a legislação trabalhista e social como um privilegio e não 
necessariamente como um direito: só teriam acesso aos “direitos” aqueles que se 
enquadrassem na estrutura sindical montada pelo Estado. Ora, se o governo 
visualizasse tais benefícios como direitos (e por isso as aspas), não haveria distinção 
entre trabalhadores sindicalizados ou não, já que os direitos são inerentes a todos os 
que se encontrem na mesma condição. Foi desse modo que Vargas consagrou sua 
politica populista, ofertando ao povo direitos sociais que há muito se reivindicava, mas 
amarrando tais benefícios a sua figura e ao seu governo. 
Quanto aos direitos políticos, o processo foi conturbado. Em 1932, foi editado 
o Código Eleitoral que trouxe avanços significativos no combate as fraudes, marca 
registrada dos processos eleitorais da Primeira República. Foi introduzido o voto 
secreto e a Justiça Eleitoral, responsável por fiscalizar as eleições, além dos 
deputados classistas, que consistiam em deputados escolhidos pelos sindicatos. 
Outra importante conquista do Código Eleitoral foi a introdução do voto feminino, 
avanço importante no que se refere ao exercício da cidadania política. Tais avanços 
foram todos consolidados pela Constituição de 1934, como ocorreu com os direitos 
sociais. 
No entanto, em 1937, em razão de um contexto internacional de polarização, 
as vésperas da eclosão da Segunda Guerra Mundial, Vargas aproveitou o momento 
para criar uma retórica de perigo comunista e justificar um golpe e o fechamento do 
Congresso. 
Esse período foi de ataque a direitos civis e políticos, típicos de ditaduras. Além 
de fechamento do Congresso, os inimigos do regime foram repreendidos, a censura 
foi instaurada assim como um rigoroso controle da imprensa. No entanto, o período 
 
15 
 
não contou com grandes revoltas, demonstrando que, mesmo após a mobilização 
ocorrida em 1930, os avanços democráticos ainda eram frágeis e pouco consolidados 
para se perceber a gravidade de uma ataque as próprias estruturas democráticas de 
poder. No entanto, com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, a ditadura 
implantada não mais se sustentava, e apesar da tentativa do próprio Getúlio Vargas 
em promoveruma redemocratização, o presidente foi deposto pelas forças liberais de 
oposição movidas, inclusive, pelos seus próprios ministros militares em 1945. 
 
1.5 Direitos Políticos: da primeira experiência democrática à Ditadura 
Militar de 1964 
Com a queda de Vargas, foram convocadas eleições na qual se elegeu Eurico 
Gaspar Dutra como presidente em 1946. Nesse ano, foi promulgada uma nova 
constituição, inaugurando a que pode ser considerada como a primeira experiência 
democrática da história do país. 
Além de manter as conquistas sociais, a constituição manteve os tradicionais 
direitos políticos e civis. Até 1964, houve regularidade para eleições em todos os 
cargos, liberdade de imprensa e uma grande pluralidade de partidos e movimentos se 
formando e participando cada vez mais ativamente do cenário político, funcionando 
livremente, sem ameaças ou perseguições estatais, com exceção do Partido 
Comunista, que tinha seu funcionamento proibido desde 1947. Apesar de toda 
liberdade, restrições importantes que ainda existia eram ao direito de voto dos 
analfabetos, o que significava um empecilho importante ao exercício da cidadania 
ativa, e da proibição do direito de greve, que, no entanto, apesar de proibidas, eram 
feitas as margens da lei. Mesmo com essas limitações, a participação popular na 
política cresceu significativamente após 1945, tanto através das eleições quanto do 
engajamento politico por meio dos partidos, sindicatos e outras associações. A título 
de comparação, o percentual de votantes em 1930 era de 5,6%, nas eleições de 1950 
era de 15,9% e em 1962 o eleitorado era de 26% da população total (CARVALHO, 
2018, p. 150). 
As práticas eleitorais, apesar de estarem longe da perfeição em relação as 
fraudes, tiveram uma maior regulação com a instituição da Justiça Eleitoral, além de 
forte influência da rápida urbanização: o eleitor urbano era menos vulnerável do que 
 
16 
 
o eleitor rural, estando menos suscetíveis aos aliciamentos e coerções. Apesar dos 
eleitores urbanos estarem suscetíveis ao populismo, esse dependia de um maior 
convencimento, muito além da reciprocidade individual que era comum ao campo. 
Consistia, segundo Carvalho (2018, p. 152), em um “aprendizado democrático que 
exigia algum tempo para se consolidar, mas que caminhava com firmeza”. 
Vargas retorna à presidência em 1950 através de eleições regulares e realiza 
um governo marcado pelo embate entre o nacionalismo e a oposição liberal junto aos 
setores militares, que envolveram graves disputas envolvendo a criação da Petrobras 
e o acirramento da postura populista de Vargas, no episódio em que determina o 
aumento de 100% do salário-mínimo. O fim dessa disputa acontece com o suicídio de 
Getúlio Vargas em 1954, que causa uma imensa comoção popular e obriga a oposição 
liberal e os militares recuarem em sua disputa pelo poder. 
O sucessor de Vargas foi Juscelino Kubitschek, e seu governo deu 
continuidade a regularidade democrática retomada em 1946. Apesar da oposição civil 
e militar, não houve restrições a liberdade de imprensa, nem de qualquer meio de 
participação, tendo ainda acalmado os ânimos da luta entre nacionalistas e liberais 
pela sua postura desenvolvimentista que propiciou um crescimento econômico em 
torno de 7% ao ano. Não houve mudanças significativas quanto a aquisição ou perda 
de direitos nesse período, tendo, tanto os sindicatos e operários quanto os industriais, 
se beneficiado da política de Juscelino, e sendo mantida a ordem democrática 
estabelecida pela Constituição de 1946. Assim como Vargas, Kubitschek também não 
alterou a legislação social para incluir os rurais, permanecendo o setor de fora dos 
benefícios trabalhistas e previdenciários. Ao final do mandato, setores da esquerda já 
estavam insatisfeitos com a abertura do capital e dos acordos realizados com o Fundo 
Monetário Internacional (FMI), mas Kubitschek conseguiu terminar seu mandato sem 
maiores dificuldades e entregá-lo ao seu sucessor eleito, Jânio Quadros. 
O governo de Jânio Quadros durou apenas seis meses, quando o presidente 
decidiu renunciar, assumindo o seu vice, João Goulart, que enfrentou um antigo 
embate dos tempos varguistas, entre a direita liberal e a esquerda nacionalista. Seu 
governo, marcado pela intensa polarização e radicalização dos discursos políticos, 
teve como realizações a criação do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963, 
estendendo ao campo a legislação social e sindical, e a promoção das chamadas 
“reformas de base”, que consistiam em reformulações das estruturas agrária, fiscal, 
 
17 
 
bancária e educacional. Essas medidas, frente a um contexto internacional de Guerra 
Fria, foram logo tomadas pela direita como uma proposta de instauração do 
comunismo. Não demorou para que o setor liberal e os militares se organizassem e 
promovessem, em 31 de março de 1964, o golpe militar, que encerraria, então, o que 
foi considerado como o primeiro ensaio democrático brasileiro. 
 
1.6 Um passo atrás: a ditadura militar. 
Após o golpe, os militares resolveram, eles próprios, assumirem o poder, com 
o general Costa e Silva, contrariando, inclusive, lideres políticos da direita, por conta 
de uma necessidade de expurgar opositores ideológicos integrantes das próprias 
forças armadas e pela aproximação dos militares a empresários com objetivos 
políticos bem definidos. Foi um período em que os direitos civis e políticos foram 
duramente atingidos, contando com um amplo aparato estatal de repressão. 
Para iniciar o expurgo dos que eram contrários ao regime, o governo militar 
promoveu a cassação de direitos políticos de grande número de opositores sindicais, 
intelectuais e, até mesmo, de militares, através do Ato Institucional nº 1 (AI-1). Foi 
utilizado também os mecanismos de aposentadoria forçada de servidores públicos, 
intervenção e fechamento de sindicatos e movimentos, perseguição dos opositores 
através Inquéritos Policiais Militares (IMP's) na apuração de supostos crimes de 
corrupção e subversão, tudo isso sob a justificativa do “perigo comunista”. Com o AI-
2, foi decretado o fim da eleição direta para presidente e do pluripartidarismo, 
dissolvendo diversos partidos para a formação de apenas dois – ARENA, partido do 
governo e o MDB, partido de oposição. No entanto, diante do amplo cerceamento e 
repressão pelo governo, as atividades dos opositores ficaram quase que minadas 
durante um longo período da ditadura e a existência do MDB só subsistia para conferir 
ao regime uma suposta legitimidade democrática, que na prática não existia. O AI-2 
também ampliou bastante os poderes do presidente, lhe atribuindo legitimidade para 
dissolver o parlamento, intervir nos estados, decretar estado de sítio, demitir 
funcionários civis e militares, além da reforma do judiciário promovida pelo ato 
institucional, aumentando o número de juízes nos tribunais superiores para que o 
presidente pudesse nomear apoiadores do governo. 
O mais importante e autoritário dos atos institucionais foi o AI-5 em 1968, que, 
 
18 
 
em reação a uma grande mobilização que se iniciou no país contra as medidas 
autoritárias do governo militar, decretou o fechamento do Congresso Nacional, a 
suspensão do habeas corpus para crimes contra a segurança nacional e a retirada de 
apreciação judicial de todos os atos decorrentes do próprio AI-5. 
Em 1969, assumiu a presidência o general Garrastazu Médici, e foi promulgada 
a nova Constituição, que incorporou todos os atos institucionais. Com Médici, a 
ditadura atingiu o seu ponto mais alto de repressão, com a introdução da pena de 
morte por fuzilamento, censura prévia nos meios de comunicação, além de uma nova 
lei de segurança nacional, mais rígida. Na falta de instrumentos legais, a oposição 
passou a agir na clandestinidade através de grupos armados com táticas de guerrilha. 
Em resposta, a repressão estatal se intensificou, através dos órgãos de inteligênciacomo a Polícia Federal e o Serviço Nacional de Informações (SNI), que atuavam nas 
operações de repressão junto com órgãos do Exército, Marinha e Aeronáutica, policias 
militares e delegacias dos estados. O Exército criou agências especializadas de 
repressão, chamados de Destacamento de Operações de Informações e Centro de 
Operações de Defesa Interna, que ficou conhecido como DOI-Codi, locais onde 
ocorreram a maioria das denúncias de tortura pelos perseguidos do regime. 
Assim, à censura prévia a imprensa minou a liberdade de opinião; com o fim do 
pluripartidarismo e a intervenção e fechamento de sindicatos e movimentos, não se 
tinha liberdade de reunião; era proibido se fazer greves; o cerceamento de defesa era 
regra nas prisões arbitrárias; a inviolabilidade do lar e de correspondência não mais 
existiam, além da violação a integridade física pela tortura. Durante um longo período, 
os órgãos de segurança e informação agiam espalhando o medo e a repressão sem 
nenhum tipo de controle por parte do governo. 
Contradição relevante, foi que, salvo algumas interrupções, o Congresso 
permaneceu aberto por quase todo o período. Mas, com os principais opositores 
cassados, a sua manutenção tinha o objetivo principal de referendar as decisões e 
aprovar os projetos que vinham do Executivo. Além disso, houve a manutenção das 
eleições legislativas, mas sempre que possível eram controladas pelo governo, com 
adiamento, censura a propaganda, vedação aos candidatos mais radicais e alteração 
das leis para manutenção de maioria no Congresso Nacional. Diante desse quadro, 
apesar da existência do direito ao voto, o questionamento é de que se eles de fato 
representavam o exercício dos direitos políticos, diante de um evidente esvaziamento 
 
19 
 
de seu sentido. 
Uma aparente contradição acontecia em razão de uma grande expansão dos 
direitos sociais à época, ao tempo em que ocorria um amplo cerceamento dos direitos 
civis e políticos, Dentre os feitos, pode-se ressaltar a criação do Instituto de 
Previdência Social (INPS) que unificou o sistema de previdência e acabou com os 
IAP's, deixando de fora apenas o funcionalismo público; a criação do Fundo de 
Assistência Rural (Funrural), incluindo os trabalhadores rurais na previdência, medida 
que não tinha sido feita por nenhum dos governos anteriores; a incorporação das duas 
categorias que ainda se encontravam excluídas da previdência, as domésticas e os 
autônomos; a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, que, em 
contrapartida, acabava com a estabilidade decenal no emprego; a criação do Banco 
Nacional de Habitação (BNH), que facilitava a compra de casa própria aos 
trabalhadores de baixa renda; e, por fim, a criação do Ministério da Previdência e 
Assistência Social, em 1974. O regime militar procurou repetir a tática do Estado Novo, 
procurando compensar a falta de liberdade política com o paternalismo social. Assim, 
Carvalho (2018, p. 176) ressalta que a cidadania nos governos militares deve ser 
analisada levando em conta a “manutenção do direito do voto combinada com o 
esvaziamento de seu sentido e a expansão dos direitos sociais em momento de 
restrição de direitos políticos”. 
Em 1974, foi empossado o general Geisel, que pertencia a uma ala mais liberal 
dos militares, e que, apesar de não aderir ao populismo varguistas, também não era 
simpatizante de uma ditadura. Esse perfil propiciou o início de uma abertura lenta e 
gradual do regime, que foi abrandando suas medidas repressivas. As principais 
mudanças promovidas em direção ao abrandamento do regime foi a votação no 
Congresso, em 1978, pelo fim do AI-5, o fim da censura prévia no rádio e na televisão 
e o restabelecimento do habeas corpus para crimes políticos. O governo, ainda, 
atenuou a Lei de Segurança Nacional, permitindo o retorno de 120 exilados políticos, 
e aboliu o bipartidarismo, possibilitando novamente o ressurgimento de diversos 
partidos. Como ato final de transição, os militares deixaram de indicar um candidato a 
sucessão presidencial em 1985, na qual foi eleito Tancredo Neves, do recém-criado 
PMDB. Infelizmente, Tancredo faleceu no dia de sua posse, assumindo o seu vice, 
José Sarney, que integrou o governo militar. 
Com as medidas de abertura, a oposição passou a poder se manifestar e ser 
 
20 
 
novamente ativa no cenário político. Em 1974, nas eleições para o Congresso, o MDB 
conseguiu engajar os eleitores e eleger mais senadores do que o governo e quase 
igualar o número de seus deputados aos da ARENA, permitindo uma maior e mais 
enfática atuação parlamentar da oposição. Com o início da abertura e o retorno do 
pluripartidarismo, muitos partidos foram criados, e a novidade foi a criação do Partido 
dos Trabalhadores (PT), formado por operários, enfatizando a força dos movimentos 
sindicais que crescia a época. 
Fora do movimento partidário e sindical, organizações civis passaram a ter 
influência no cenário politico, a exemplo da Igreja Católica, em que parte de seus 
integrantes eram adeptos a teologia da libertação. Outras organizações importantes 
que se formaram foram os movimentos sociais urbanos, tanto nas favelas como nas 
classes médias, que se caracterizavam por se voltarem para problemas concretos da 
política cotidiana e não necessariamente adotando uma postura político-partidária. 
Outras organizações da sociedade civil merecem destaque pelo seu amplo ativismo 
contra o regime militar, são a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação 
Brasileira de Imprensa (ABI), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência 
(SBPC), além dos artistas e intelectuais que sempre manifestavam suas insatisfações 
com o regime através de suas artes. Também Merece destaque a grande campanha 
pelas eleições diretas – as “diretas já” - que mobilizou mais de 500 mil pessoas as 
ruas do Rio de Janeiro e cerca de 1 milhão em São Paulo. Apesar de não terem êxito 
na aprovação das eleições diretas em 1984, conseguiram emplacar a eleição de 
Tancredo Neves no colégio eleitoral. 
 
1.7 A Constituição Cidadã de 1988 e a redemocratização 
O otimismo com o fim da ditadura prosseguiu com a promulgação de uma nova 
constituição em 1988. A Constituição de 1988 foi um marco na história democrática 
do país, em que a garantia dos direitos dos cidadãos era uma preocupação central, 
visando impedir a possibilidade de qualquer tipo de retrocesso democrático. Dentre 
as principais mudanças trazidas pela nova Constituição, citamos a universalização do 
direito ao voto com a inclusão dos analfabetos, que em 1990 ainda representavam 
cerca de 30 milhões de brasileiros. Ainda, grande destaque tiveram os direitos sociais, 
que foram previstos em amplitude maior do que em todas as constituições 
 
21 
 
antecedentes, sendo fixado o limite de um salário-mínimo para aposentadorias e 
pensões, instituindo o pagamento de um salário-mínimo a todos os deficientes físicos 
e maiores de 65 anos, independentemente de contribuição, além de introduzir a 
licença-paternidade e criar o Sistema Único de Saúde (SUS), que garantiu o acesso 
gratuito e universal da população aos serviços públicos de saúde. 
No âmbito dos direitos civis, a Constituição trouxe a inovação do habeas data, 
garantindo o acesso de qualquer cidadão a suas informações cadastradas em 
registros públicos, mesmo que confidenciais; criou o mandado de injunção, pelo qual 
se garantiu o cidadão a possibilidade de recorrer a justiça para a concretização dos 
direitos constitucionais previstos; definiu o racismo como crime inafiançável e 
imprescritível e a tortura como crime inafiançável e não anistiável; além da criação 
dos Juizados Especiais, que permitiu um maior acesso da população ao judiciário, 
através de procedimentos mais simples e céleres. 
A Constituição de 1988, portanto, representou a esperança de uma 
ascendência democrática do Brasil. Apesar de que, obviamente, as mudanças não 
aconteceriamda noite para o dia, e que problemas estruturais como a desigualdade 
e a pobreza ainda predominariam na realidade brasileira até os dias de hoje, a plena 
liberdade de exercício dos direitos políticos, os mecanismos de participação popular 
e a própria prática cidadã de mobilização passaram a ser presentes na sociedade 
brasileira e elevaram a “disputa pelo desenvolvimento” a um patamar democrático: ou 
seja, agora a sociedade passaria a contar com instrumentos legítimos e efetivos para 
interferir no poder público e propiciar a solução de problemas que ainda persistiam em 
seu meio. É claro que esses instrumentos não são facilmente aplicáveis e nem sempre 
são efetivos, considerando todo um sistema politico elitista que até hoje reproduz 
práticas corruptas e antiéticas para a manutenção do poder. No entanto, hoje, tais 
práticas concorrem com as liberdades politicas e civis e com os instrumentos de 
fiscalização tanto do próprio poder público quanto da sociedade. Assim, a democracia, 
assegurada pela Constituição de 1988, permite que essas praticas, apesar de 
persistentes, sejam cada vez mais perceptíveis e combatidas, aos olhos de uma 
sociedade que amadurece, aos poucos, a sua percepção sobre direitos e sobre 
cidadania. 
 
 
22 
 
 
 
UNIDADE 2 - CIDADANIA E A CONSTITUIÇÃO DE 1988: 
A EFETIVIDADE DOS INSTRUMENTOS 
CONSTITUCIONAIS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR 
 
 
2.1 Introdução 
A Constituição de 1988 representou um importante marco na democracia 
participativa brasileira. A mobilização social que ressurge na década de 70, promovida 
tanto pelos movimentos políticos contrários a ditadura, quanto por organizações civis 
engajadas no combate a problemas sociais, principalmente os movimentos urbanos, 
foi fator decisivo para garantir a participação democrática na nova estrutura 
constitucional que se formava. Com a nova constituição, o povo, destinatário das 
garantias constitucionais, deixa de ser um mero receptor, para se tornar um ator na 
construção e efetivação dos direitos fundamentais, através de instrumentos 
constitucionalmente previstos para propiciar a participação social no planejamento, 
execução e fiscalização de políticas públicas. 
Antes mesmos de sua promulgação, o caráter participativo da nova ordem 
constitucional já se demonstrava através de todo o processo de elaboração da 
Constituição pela Assembleia Nacional Constituinte, que se deu com ampla 
participação da sociedade civil em sua formulação. A principal promotora dessa ampla 
participação popular foi a previsão regimental de “emendas populares” à Constituição 
Federal, que permitiu que a sociedade pudesse efetivamente elaborar dispositivos a 
serem integrados ao texto constitucional, impulsionadas desde a coleta de assinatura 
para sua admissão, até os discursos em sua defesa, no próprio plenário da 
constituinte. Além das emendas, a participação foi possível através das audiências 
públicas e na atuação direta da sociedade civil através da presença em debates e nas 
negociações com os parlamentares constituintes, como bem pontuou Ulysses 
Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte (ROCHA, 2008): 
[…] além das "122 emendas populares, algumas com mais de um milhão de 
assinaturas[...] A participação foi também pela presença, pois diariamente 
cerca de dez mil postulantes franquearam, livremente, as onze entradas do 
enorme complexo arquitetônico do Parlamento, na procura dos gabinetes, 
Comissões, galerias e salões. Há, portanto, representativo e oxigenado sopro 
 
23 
 
de gente, de rua, de praça de favela, de fábrica, de trabalhadores, de 
cozinheiras, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, 
de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a 
contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar. 
(trecho extraído de Discurso de Ulisses Guimarães em 05 de outubro de 
1988). 
Conceitualmente, a participação popular pode ser considerada como um 
“princípio, que decorre diretamente do princípio democrático extraído da própria 
definição do Brasil como um Estado Democrático de Direito” (SANTIN; MATIIA, 2008, 
p. 3), onde o poder será exercido pelas vias representativas e participativas, conforme 
previsto no art. 1º da CRFB/88. O princípio da participação popular, então, é intrínseco 
ao ordenamento jurídico brasileiro e à estrutura democrática de Estado, sendo plena 
a sua força normativa, não havendo necessidade de regulamentação e dogmatização 
para sua plena aplicação e observância. 
Assim, segundo Humberto Bergmann Ávila (1999 apud SANTIN; MATIIA, 2008, 
p. 3), na aplicação do ordenamento jurídico brasileiro, é necessária a observância do 
princípio democrático e da participação, tanto em âmbito constitucional como 
infraconstitucional. Nesse sentido também se posiciona J.J. Gomes Canotilho (1999 
apud SANTIN; MATIIA, 2008, p. 4), defendendo o princípio democrático como norma 
jurídica positivada, sendo mais do que métodos ou técnicas de escolha de 
governantes, mas um verdadeiro valor dirigente da sociedade. Dessas conceituações, 
se conclui que, para além da efetividade, a própria legitimidade de politicas públicas e 
de processos decisórios dependem da promoção da participação popular direta e 
ativa. 
Em seu âmbito prático e consequencial, a participação popular pode ser 
conceituada como um controle social das atividades do Estado, possuindo alguns 
aspectos. O primeiro aspecto seria o da fiscalização das atividades estatais, através 
do acompanhamento da implementação e execução de políticas ou da administração 
dos recursos, da lisura dos procedimentos e do respeito aos princípios norteadores 
das atividades, a exemplo dos princípios constitucionais administrativos como a 
moralidade e impessoalidade. A participação popular também se constitui pelo 
aspecto consultivo, em que setores da sociedade civil são consultados em decisões 
ou politicas públicas sobre temas afetos e correlatos ao respectivo setor, sendo mais 
eficiente na identificação e resolução de problemas, pois ninguém melhor para definir 
os contornos de uma politica publica do que o seu próprio destinatário. Por fim, pode-
 
24 
 
se evidenciar um aspecto executivo, através da existência de instrumentos que 
possibilitam a formulação de politicas públicas e de normas pela própria sociedade 
civil, o que ocorre, por exemplo, através dos conselhos populares e da iniciativa 
popular nos projetos de lei. 
Trazida algumas importantes conceituações e contextualizações, passaremos 
a analisar alguns dos instrumentos institucionais de participação popular na gestão 
pública e que retiraram seu fundamento de existência diretamente da Constituição 
Federal de 1988, representando importantes avanços – alguns deles até inovadores 
– para a democracia participativa no Brasil. Ressalte-se que o princípio da 
participação popular é refletido de forma vasta no texto constitucional, em uma 
diversidade de artigos, mas que, aqui, o foco será nos principais instrumentos de 
participação popular direta, que concretizam os aspectos elencados no paragrafo 
anterior, quais sejam, consulta, fiscalização e execução. 
 
2.2 Plebiscito e referendo 
Plebiscito e referendo são dois instrumentos clássicos de participação popular 
direta, na qual o povo é chamado para se manifestar sobre determinado assunto, 
aprovando-o ou não. Trata-se da manifestação da vontade sem intermediários, ou 
seja, sem a necessidade de uma representação. Tais mecanismos se constituem 
como um “contrapeso corretivo dos abusos de um sistema representativo puro e 
esclerosado” (BONAVIDES, 2008, p. 288), com o objetivo de atribuir maior 
legitimidade a democracia representativa. Assim, tanto o plebiscito como o referendo 
são considerados instrumentos inerentes a democracia semidireta, em que a 
democracia representativa tem a sua legitimidade reforçada por instrumentos da 
democracia participativa. 
Ressalte-se,aqui, o caráter complementar do plebiscito e do referendo, que 
não significam uma ruptura do sistema democrático representativo, tendo em vista 
que a população é chamada para se manifestar sobre uma situação previamente 
posta. Suas possibilidades e implicação são pré-determinadas pelo próprio sistema 
representativo, diferentemente do que ocorre na iniciativa popular, instrumento no qual 
o povo age de forma propositiva, ao elaborar, ele próprio, algum tipo de alteração na 
realidade social. 
 
25 
 
Especificamente sobre o plebiscito, Benevides (1991) o conceitua omo uma 
consulta que pode ser realizada “a qualquer tipo de questão de interesse público 
(como políticas governamentais) e não necessariamente de natureza jurídica, 
inclusive fatos ou eventos”, além de ter como característica a manifestação popular 
sobre medidas que ainda serão realizadas, conforme previsto no art. 2º, §1º da Lei 
9.709/98. Como exemplo, pode-se realizar um plebiscito para que a população opine 
sobre a possibilidade da edição futura de uma norma. 
O plebiscito é previsto em diversos dispositivos da Constituição Federal: em 
seu art. 14, I, como forma de exercício da soberania popular; no art. 18, §3º e §4º onde 
sua aplicação é prevista como requisito de incorporação, fusão, divisão e 
desmembramento de estados e municípios da previsão; e no Ato das Declarações 
Constitucionais Transitórias (ADCT), em seu art. 2º, sendo disciplinado que “no dia 7 
de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou 
monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou 
presidencialismo) que devem vigorar no País.” 
Essa previsão do art. 2º do ADCT foi a primeira experiência plebiscitária 
ocorrida no Brasil sob a égide da Constituição Federal de 1988, ressaltando que, sob 
a vigência da Constituição de 1946, em 1963, ocorreu um plebiscito sobre o sistema 
de governo a ser adotado durante a gestão de João Goulart. Já sob a vigência da 
CRFB/88, houve ainda algumas ocorrências regionais sobre alterações territoriais, 
como em 2011, quando a população do estado do Pará disse não ao seu 
desmembramento em Carajás e Tapajós. No entanto, em âmbito nacional, a única 
utilização do plebiscito foi em 1993, no qual a população brasileira optou pela forma 
de governo republicana, em oposição a monarquia, e pelo sistema de governo 
presidencialista em vez do parlamentarista. 
No que se refere ao referendo, Benevides (1991) o diferencia do plebiscito pelo 
fato do referendo se restringir a atos normativos legislativos ou constitucionais, 
diferente daquele em que a natureza não será necessariamente jurídica. Ainda, os 
referendos são “convocados após a edição de atos normativos, para confirmar ou 
rejeitar normas legais ou constitucionais em vigor” (BENEVIDES, 1991, p. 132-133), 
tendo o objetivo de ratificar uma norma já produzida. Previsto no art. 14, II da 
Constituição Federal, o referendo foi realizado apenas uma vez no Brasil, em 2005, 
na qual se convocou a população a se manifestar sobre a proposta de alteração do 
 
26 
 
Estatuto do Desarmamento – Lei 10.826/03, com o intuito de proibir a comercialização 
de armas de fogo no território nacional, a qual foi rejeitada pela população. 
José Álvaro de Moisés (1990) ao analisar as formas de participação direta, 
destrincha alguns aspectos positivos e negativos a respeito delas. Por um lado, estes 
institutos atribuem um caráter de legitimidade importante aos processos decisórios 
tanto do Poder Legislativo quanto do Poder Executivo, causando grande entusiasmo 
pelo fato de conceder a população o poder de intervir diretamente em decisões 
politicas e contribuindo para o desenvolvimento de posturas responsáveis. Por outro, 
tais instrumentos acabam sendo pouco eficazes pela ausência de conhecimento 
político das “pessoas comuns”, que não possuem a preparação para intervir em 
decisões politicas importantes para toda a sociedade e nem mesmo o interesse. Essa 
crítica é a mesma realizada para efetividade da participação popular em seu aspecto 
amplo, que tem como um dos maiores obstáculos a falta de educação política que 
permeia uma expressiva parcela da população, o que acaba gerando desinteresse e 
afastamento da sociedade em relação as importantes decisões que são tomadas no 
âmbito do sistema representativo. 
Fábio Konder Comparato (2010), aponta ainda como um problema do plebiscito 
e do referendo, a competência exclusiva do Congresso Nacional para autorizar e 
convocar o plebiscito, prevista no art. 49, XV da CRFB/88. Segundo ele, 
(…) É preciso começar, portanto, por dar ao povo o direito elementar de 
manifestar a sua vontade, através de referendos e plebiscitos. Ora, o que 
fizeram os nossos oligarcas? Puseram na Constituição, para americano ver, 
que referendos e plebiscitos são manifestações da soberania popular. Mas 
acrescentaram, em um dispositivo um tanto escondido que o Congresso 
Nacional tem competência exclusiva para “autorizar referendo e convocar 
plebiscito” (Constituição Federal, art. 49, inciso XV). Como vocês veem, a 
nossa inventividade jurídica é extraordinária. Os deputados e senadores, 
eleitos pelo povo, são ditos seus representantes ou mandatários. Em lugar 
algum do mundo, em momento algum da História, o mandante deve obedecer 
ao mandatário. Bem ao contrário, este tem o dever de cumprir fielmente as 
instruções recebidas do mandante. Aqui, instituímos exatamente o contrário. 
O povo, dito soberano, só tem o direito de manifestar a sua vontade, quando 
autorizado pelos mandatários que escolheu. (Revista Caros Amigos, 2010) 
Assim, apesar de a população ter o poder de participar diretamente das 
decisões políticas através desses instrumentos, somente os mandatários podem 
autorizar essa participação. Tal observação é relevante quando nos deparamos com 
o pouquíssimo uso dos plebiscitos e referendos em nossa história constitucional 
recente, que já conta com trinta anos de estabilidade democrática mas que, por 
apenas duas vezes, se utilizou dos referidos instrumentos em âmbito nacional. Em 
 
27 
 
sua crítica, Comparato (2010) ressalta, ainda, que a população nunca foi chamada a 
se manifestar sobre questões constitucionais, como opinar sobre propostas de 
emendas a constituição. Junto a essa crítica, podemos ressaltar a análise de Moisés 
(1990), de que o plebiscito, com raras exceções, é utilizado apenas para “reforçar um 
determinado esquema de poder (…) para o qual ou para os quais deseja ampliar ou 
restringir a base de apoio popular”. Assim, tais instrumentos acabariam se constituindo 
como mecanismos de reafirmação de um poder, já que sua autorização e convocação 
independe de qualquer vontade popular, mas sim de uma autorização concedida 
exclusivamente por quem já detém este poder. 
 
2.3 Iniciativa Popular 
Terceiro instrumento de participação direta previsto no art. 14, III, da 
Constituição Federal, a iniciativa popular consiste na possibilidade de proposituras de 
leis pela própria população, sendo mais um dos mecanismos de legitimação da nossa 
democracia representativa. A propositura de um projeto de lei de iniciativa popular 
deve seguir os requisitos previstos no art. 61, §2º da Constituição Federal, devendo o 
projeto ser subscrito por, pelo menos, 1% do eleitorado nacional, que deverá estar 
distribuído por, no mínimo, cinco estados da federação, e, em cada um deles, não 
pode haver menos de 0.3% dos eleitores. Já no processo legislativo municipal, a 
iniciativa popular deve ser manifestada por, no mínimo, 5% do eleitorado do município, 
conforme determina o art. 29, XIII da CRFB/88, enquanto nos estados, a Constituição 
delegou à lei ordinária a competência de regular a iniciativa popular em seu âmbito. 
A regulação da iniciativa popular no processo legislativo federal fica a cargo da 
Lei 9.709/98, em que, além dos requisitos já previstos na Constituição, traz também 
outras regrasimportantes, as quais determinam, por exemplo, que o projeto de lei 
deverá se limitar a apenas um só assunto, e que ele não poderá ser rejeitado por vício 
de forma, cabendo a Câmara dos Deputados corrigir eventuais erros técnicos. Essa 
última norma é de extrema relevância, pois torna o instrumento acessível ao cidadão 
comum que não possui o conhecimento técnico-legislativo para a formatação de um 
projeto de lei, impedindo a inocuidade do mecanismo de iniciativa popular. 
Apesar de integrar os mecanismos de participação direta junto ao plebiscito e 
ao referendo, a iniciativa popular acaba por possuir uma maior importância em razão 
 
28 
 
de haver uma efetiva produção legislativa pelo cidadão comum, com o fim de alterar 
algum aspecto da vida em sociedade. Diferente daqueles instrumentos, em que o 
povo irá apenas acatar ou não uma ideia já previamente concebida, a iniciativa popular 
tem o poder de desenhar a circunstância e os efeitos de uma decisão politica, através 
da construção da ideia, materializada no projeto de lei. 
O instrumento de iniciativa popular na nossa Constituição Federal teve como 
embrião o instituto da Emenda Popular previsto no Regimento Interno da Assembleia 
Nacional Constituinte que foi um importante instrumento de democratização do 
processo de elaboração da Constituição de 1988. Nesse processo, foram 
apresentadas 122 propostas de iniciativa popular, das quais 83% cumpriram todos os 
requisitos regimentais, as quais exigiam um mínimo de 30 mil assinaturas e três 
entidades responsáveis (CUNHA, 2015), influenciando diretamente o texto 
constitucional. Apesar de representar um avanço importante no que diz respeito ao 
exercício da cidadania, o alto poder de mobilização dentro da prática constitucional 
preocupou os congressistas, que acabaram por elaborar um modelo extremamente 
rígido de alteração legislativa pela via popular. 
A rigidez do modelo de iniciativa popular se tornou um problema para a 
efetividade e difusão do instrumento. De acordo com as informações do site do 
Tribunal Superior Eleitoral, o número de eleitores aptos a votar em 2018 eram de 
147.306.275, fazendo com que um projeto de iniciativa popular, hoje, devesse ser 
subscrito por cerca de 1,47 milhões de pessoas, devendo, ainda, obedecer ao critério 
de divisão territorial, exigências que se constituem como um dos maiores empecilhos 
para a utilização do instrumento constitucional. Moises (1990) ressalta que esse 
modelo de iniciativa popular favorece unicamente a grupos sociais organizados e com 
poder econômico e midiático de mobilização, o que, por um lado, é negativo, tendo 
em vista a dificuldade de acesso do cidadão comum ao instrumento, mas, por outro, 
é um estímulo a cultura da participação. Segundo o autor 
(…) pode-se argumentar na direção oposta que, precisamente, as mudanças 
que começam a ocorrer na cultura política tradicional – e que, certamente, 
serão induzidas pela própria institucionalização de novos mecanismos de 
participação como a legislação direta – autorizam a esperar índices mais 
elevados de participação, capazes, dessa forma, de cumprir as exigências 
constitucionais. (MOISÉS, 1990, p. 85-86). 
Importante ressaltar que o projeto de iniciativa popular se restringe apenas a 
alteração da legislação infraconstitucional, não havendo previsão na Constituição 
 
29 
 
Federal de alteração do seu texto por meio de iniciativa popular. Tal limitação pode 
ser entendida como um reflexo do temor constituinte no que se refere a possibilidade 
de uma grande interferência popular na ordem constitucional, o que, inegavelmente 
demonstra a fragilidade democrática do nosso país e uma falta de observância ao 
princípio da participação. Afinal, quem melhor para realizar alterações e adaptações 
na Constituição do que seu próprio destinatário, o povo? Tal entendimento foi, 
inclusive, abordado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 825/AP, 
que concluiu pela constitucionalidade de norma da constituição do Amapá que prevê 
a possibilidade de emendas constitucionais por meio de iniciativa popular. Os 
ministros entenderam que, apesar da Constituição Federal não permitir proposta de 
emenda do próprio texto por iniciativa popular, não há impedimento para que as 
Constituições estaduais prevejam esse mecanismo de emenda, por se constituir como 
expressão da soberania popular, prevista no art. 14. Nesse sentido, afere-se que a 
impossibilidade de proposta de emenda a Constituição Federal por iniciativa popular 
se dá apenas pela ausência de previsão na própria Constituição, mas que, se prevista, 
atenderia plenamente aos princípios da soberania popular e ao da participação. 
Quanto ao modelo de iniciativa popular, o Brasil adotou o “não vinculante” em 
que a iniciativa popular se restringe apenas a proposição do projeto, tendo o 
Legislativo a liberdade para aprovar, emendar ou rejeitar, sem dar satisfação a 
população. Já o Uruguai, por exemplo, adotou o modelo “semi-vinculante", em que o 
Legislativo, para alterar ou rejeitar o projeto, deverá convocar um referendo. O reflexo 
da adoção desse modelo pode ser reparado pelo fato de que 81% de todos os 
processos de iniciativa popular na América Latina, nos últimos 40 anos, aconteceram 
no Uruguai (BAZÍLIO, 2019). No Brasil, só houve, durante toda a vigência da 
Constituição, apenas 4 projetos de lei por iniciativa popular, sendo que apenas 1 deles 
tramitou efetivamente como iniciativa popular, já que os outros necessitaram de ser 
apadrinhados por deputados pela impossibilidade de auferir a autenticidade das 
assinaturas. São eles: a Lei 8.930/1994 – Lei de Crimes Hediondos; a Lei 9.840/1999, 
que instituiu a cassação de mandato por compra de votos, a LC 135/2010 – Lei da 
Ficha Limpa e a Lei 11.124/2005, que criou o Sistema Nacional de Habitação de 
Interesse Social. Apenas essa última tramitou, de fato, como um projeto de iniciativa 
popular. 
 
 
30 
 
2.4 Conselhos Gestores de Políticas Públicas 
A democracia participativa plena tem como importante representação a atuação 
dos conselhos de politicas públicas. Esses conselhos são espaços de participação 
que reúnem representantes populares e membros do poder público estatal para 
dialogarem e intervirem na elaboração e fiscalização de políticas públicas. Apesar de 
já existirem desde a década de 70 e 80, através de experiências informais promovidas 
por movimentos sociais e adaptados aos modelos de participação existentes a época, 
foi a partir da vigência da Constituição de 1988 que esse instrumento se fortaleceu e 
se ampliou – em razão de ampla mobilização popular durante o processo constituinte 
– exigindo das esferas de poder a obrigatoriedade de se criar espaços 
institucionalizados de participação social nos governos. Assim, segundo Gohn (2000, 
apud GOMES, 2003, p. 41), esses canais de participação propiciaram um novo padrão 
de relações entre Estado e sociedade – diferente do modelo representativo clássico – 
ao viabilizarem o acesso da população aos espaços onde são tomadas decisões 
políticas, facilitando a vigilância da gestão pública. 
A participação popular na gestão de políticas públicas é garantida pela 
Constituição em diversas áreas, especialmente na saúde, assistência social e 
educação, nos níveis federais, estaduais e municipais. Os artigos 198, III; 204 e 206 
da CRFB/88 elencam a necessidade da gestão democrática e participativa nesses 
setores: 
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede 
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de 
acordo com as seguintes diretrizes: 
(...) 
III - participação da comunidade. 
Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão 
realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 
195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: 
(...) 
II - participação da população, por meio de organizaçõesrepresentativas, na 
formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. 
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: 
(...) 
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; 
Em seu funcionamento, os conselhos podem desempenhar diferentes funções, 
dependendo do caso e da lei que os regulamenta. Essas funções podem ser de 
fiscalização, mobilização, deliberação ou de consultoria. A função fiscalizadora se 
concentra no acompanhamento e no controle dos atos praticados pelos governantes; 
a mobilizadora compreende em estimular a população a participar da gestão pública 
 
31 
 
e contribuir para a formulação e disseminação de informações sobre essas políticas; 
a deliberativa consiste na prerrogativa do conselho para decidir sobre os 
direcionamentos das politicas públicas de sua competência; e, por fim, a função 
consultiva que se relaciona a emissão de opiniões para contribuir com a tomada de 
decisão pelo poder publico no âmbito de suas competências correlatas. 
Quanto a sua criação, os conselhos dependerão de leis para serem instituídos. 
Os conselhos em âmbito nacional dependem de leis federais, os conselhos estaduais 
devem ser criados através de leis estaduais e os conselhos municipais por leis 
municipais. Ressalte-se que os setores garantidos pela Constituição, como saúde, 
educação e assistência, são de criação prioritária por estados e municípios, em razão 
da descentralização de competências postas pela Constituição Federal, não 
impedindo que sejam criados outros conselhos relativos a áreas não previstas de 
forma específica na Constituição, como os que atuam em defesa dos direitos das 
mulheres, por exemplo. 
A área da saúde foi a primeira a regulamentar e institucionalizar os meios de 
participação popular em sua gestão, na vigência da Constituição de 1988, com a 
criação dos conselhos e conferências. O destaque da área da saúde na gestão 
democrática se deu pelo papel desempenhado pelo Movimento Sanitarista da década 
de 1980, que estimulou uma grande mobilização por melhorias no serviço de saúde 
no país e pela descentralização de sua gestão, culminando na criação do Sistema 
Único de Saúde, pela Constituição Federal de 1998. Essa descentralização de 
competências entre União, Estados e Municípios dentro do SUS foi acompanhada 
pela criação de canais de participação entre a população e os gestores, através da 
criação de conselhos, conferências e instâncias colegiadas no SUS, com integrantes 
da população. 
Os conselhos de saúde foram regulamentados em 1990, com a Lei 8.142, que 
instituiu o Conselho Nacional de Saúde, com caráter permanente e deliberativo na 
formulação de estratégias e no controle da execução das politicas públicas de saúde, 
composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais da 
saúde e usuários. A referida lei determina, ainda, que Estados e Municípios só 
receberão recursos do Fundo Nacional de Saúde se contarem com conselhos 
estaduais e municipais de saúde, respectivamente, sendo a principal regra de 
estímulo a criação dos conselhos pelos entes federativos. 
 
32 
 
Quanto a assistência social, a criação dos conselhos se deram depois de uma 
árdua mobilização da sociedade civil, 5 anos após a Constituição de 1988, em 1993. 
Diferente da trajetória de outras politicas públicas, como a saúde, que já tinham a sua 
importância reconhecida na sociedade como política social, a assistência social é vista 
pela primeira vez como direito legítimo dos cidadãos sob o ponto de vista jurídico, e 
que, somada a saúde e a previdência social, passaram a compor o sistema de 
seguridade social, visando oportunizar a todos a garantia de atendimento as suas 
necessidades sociais. 
O Conselho Nacional de Assistência Social foi criado pela Lei Orgânica da 
Assistência Social (LOAS), regulamentando sua previsão constitucional, que previu 
também a criação dos Conselhos Estaduais e Municipais, possibilitando o controle 
das políticas assistenciais nas três esferas de governo. Sua composição é formada 
por 18 conselheiros, sendo 9 representantes do governo e 9 representantes da 
sociedade civil, dentre representantes dos usuários ou de organização de usuários, 
das entidades e organizações de assistência social e dos trabalhadores do setor, 
escolhidos sob fiscalização do Ministério Público Federal. Dentre as competências do 
CNAS, estão a aprovação da Política Nacional de Assistência Social, a apreciação e 
acompanhamento do orçamento da área, além da normatização e concessão de 
registros e certificados de fins filantrópicos para entidades assistenciais. 
Na educação, antes da Constituição de 1988, os conselhos foram concebidos 
historicamente como órgãos de assessoramento, tendo como função a formulação de 
diretrizes educacionais para o sistema de educação, firmando o caráter normativo do 
órgão. Na prática, a atuação dos conselhos centrava em normatizar e controlar o 
funcionamento das instituições educacionais, assumindo um caráter 
predominantemente cartorial. Com a Constituição de 1988 e a instituição do princípio 
da gestão democrática da educação, passou-se a exigir dos conselhos, além da 
competência normativa, ações de controle e mobilização social, atuando como pontes 
entre a sociedade e o poder público, e não como um mero porta-voz dos governos. 
O Conselho Nacional de Educação (CNE), formado pelas Câmaras de 
Educação Básica e de Educação Superior, é regulamentado pela Lei 9.131/95, que 
alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação vigente à época, na qual foram 
introduzidas disposições que se adaptavam ao novo conceito de conselho trazido pela 
Constituição. Um exemplo, foi a forma de indicação dos conselheiros, que incorporou 
 
33 
 
a representação por categoria. No §1º do art. 8º da Lei, ficou estabelecido que “pelo 
menos a metade, obrigatoriamente, dentre os indicados em listas elaboradas 
especialmente para cada Câmara”, será feita “mediante consulta a entidades da 
sociedade civil, relacionadas às áreas de atuação dos respectivos colegiados”, o que 
enfatiza a mudança de caráter do conselho, que deixa de ser um braço do governo, e 
passa a se constituir como um órgão de diálogo entre a sociedade civil e o Estado. 
Postas as apresentações e as contextualizações sobre alguns dos principais 
conselhos existentes, necessárias são algumas observações sobre a prática desses 
conselhos no país. Apesar de representarem grande avanço no que tange o exercício 
democrático, os quase 30 anos de atividade desses conselhos sob a vigência da nova 
Constituição ainda se apresentam como um período curto de tempo frente a um longo 
histórico elitista na relação da sociedade com o Estado, o que traz diversos desafios 
a inserção da prática participativa no âmbito das decisões políticas. 
Um dos principais problemas identificados na atuação dos conselhos reside na 
representação da sociedade civil, que deve ser muito mais do que somente paritária. 
Apesar da existência de igual número de representantes do governo e da sociedade 
civil, essa representação deve ser qualitativa para de fato se constituir como uma voz 
da sociedade civil no diálogo com o governo, e essa qualidade se expressa na 
capacidade de mobilização e de transparência dessas representações com a 
sociedade civil. Um conselho que não dialoga com a sociedade através de reuniões, 
audiências, conferências, fóruns ou outros meios de interação, se fecha na 
representação em si e acaba assumindo um caráter corporativista e isolado das 
demandas sociais. 
Muito dessa capacidade de diálogo reside na qualidade dos conselheiros 
escolhidos para desempenharem a função: os conselheiros devem ser escolhidos, por 
exemplo, dentre pessoas que tenham aptidão para representar interesses difusos da 
área de atuação do conselho e não entre representantes de corporações específicas, 
o que ocorreria, por exemplo, na hipótese de se

Continue navegando