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André Lissner Planejamento e Administração Tributária Planejamento e administração tributária IESDE 2019 André Lissner © 2019 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Marian Weyo/Shutterstock Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ L754p Lissner, André Planejamento e administração tributária / André Lissner. - 1. ed. - Curitiba [PR]: IESDE Brasil, 2019. 170 p. : il. Inclui bibliograa ISBN 978-85-387-6529-5 1. Direito tributário - Brasil. 2. Administração e processo tributário. 3. Planejamento tributário - Brasil. I. Título 19-59922 CDU: 34:351.713(81) André Lissner Pós-graduado em Tutoria em Educação a Distância pela Faculdade de Educação São Luís. Graduado em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atuou como CFO e CEO em diversas organizações. Atualmente é CFO de um grande grupo farmacêutico, além de consultor empresarial e empreendedor. Sumário Apresentação 7 1. Introdução ao sistema tributário 11 1.1 Sistema tributário 12 1.2 Espécies tributárias 15 1.3 Entes envolvidos no sistema tributário 17 1.4 Tratamento constitucional 25 1.5 Competências tributárias 29 2. Sistema Tributário Nacional 33 2.1 Contextualizando sistemas tributários 33 2.2 Entendendo o modelo tributário nacional 35 2.3 Conhecendo as espécies tributárias 39 3. Planejamento fiscal e tributário 61 3.1 Planejamento fiscal 61 3.2 Elisão fiscal e evasão fiscal 74 3.3 Limites e principais penalidades 77 4. Obrigações tributárias 83 4.1 Principais obrigações federais e estaduais 83 4.2 O Sped e suas principais divisões 104 5. Incentivos fiscais 115 5.1 Imunidade e isenção 115 5.2 O Estado brasileiro e a guerra fiscal 117 5.3 Guerra fiscal e desenvolvimento regional desigual 122 5.4 Reforma tributária 124 6. Reflexões sobre o Brasil tributário 139 6.1 Reflexões gerais 139 6.2 Considerações sobre investidores financeiros 142 6.3 Função social do tributo 146 6.4 Imposto sobre Bens e Serviços 152 6.5 Reforma tributária e a PEC 45/2019 154 Gabarito 163 Apresentação O Sistema Tributário Nacional (STN) é de extrema relevância para qualquer cidadão. Vemos nos noticiários que a carga tributária do Brasil inviabiliza novos investimentos e que a burocracia desse sistema assusta investidores estrangeiros e locais. Nossas vidas particulares e profissionais estão diretamente interligadas a esse assunto, e muito do alto custo dos produtos no Brasil está relacionado à carga tributária. Se formos trabalhar em qualquer empresa, como funcionário ou como empreendedor, precisamos entender o funcionamento básico do STN para podermos tomar decisões corretas que nos ajudem a prosperar. Esta obra foi organizada partindo desse entendimento e visa, por meio de uma linguagem simples e direta, explicar esse mundo à parte que é o STN. Longe de nos aprofundar nas tecnicidades e fazer longas discussões teóricas, temos o objetivo de proporcionar uma leitura agradável, que consiga dar um bom embasamento sobre a estrutura básica do STN. A obra está dividida em seis capítulos que se conversam. No Capítulo 1 conceituamos tributos e apresentamos seus principais objetivos e termos básicos, necessários ao entendimento da obra. Esse capítulo trata do sistema tributário em si, de espécies tributárias, entes envolvidos, tratamentos constitucionais e competências tributárias. No Capítulo 2, buscamos aprofundar um pouco mais a estrutura básica de tributação no Brasil. Buscamos, nesse capítulo, a compreensão da diferença entre impostos, taxas e contribuições, bem como os motivos históricos que levaram o Brasil à atual estrutura tributária. Conhecer o histórico sempre é importante para entender onde estamos e para onde deveremos ir. Avançando um capítulo e mergulhando mais nessa jornada que é entender o STN, tratamos, no Capítulo 3, de planejamento fiscal e tributário, tema tão importante e tão temido por diversos profissionais. Importante porque a carga tributária incidente no Brasil é uma das maiores do mundo; temido devido à estrutura do nosso STN, que não é 100% clara. Muitas vezes, a diferença entre um correto planejamento e a sonegação é muito tênue, trazendo, assim, uma série de riscos. Pela complexidade do nosso STN, com normas, regras e diversas obrigações acessórias, focamos, no Capítulo 4, nas principais obrigações que as organizações possuem e que fazem parte de qualquer empresa. São aproximadamente 170 obrigações acessórias, mas focamos apenas nas mais comuns, federais e estaduais. Entender melhor os Speds e discutir um pouco as dinâmicas tributárias no Brasil são os objetivos desse capítulo. No Capítulo 5, buscamos compreender a chamada guerra fiscal e seus efeitos para o país como um todo. Além disso, começamos a tratar da reforma tributária. Finalmente, no Capítulo 6, fazemos uma reflexão final sobre as oportunidades e os riscos tributários no Brasil. Entramos em alguns conceitos econômicos para tratar sobre investidores e discorremos mais sobre a função social dos tributos, bem como sobre algumas alternativas de reforma tributária. Com todo esse conhecimento, você vai, seguramente, entender melhor o dia a dia de nossas empresas e do Brasil. Bons estudos! 1 Introdução ao sistema tributário Quando pensamos em sistema tributário, logo imaginamos regras complexas e muito controle, além de um governo que busca cada vez mais arrecadações. Porém, se pensarmos historicamente, desde quando temos registros da humanidade vivendo em sociedade, já temos diversas formas de tributação, tanto obrigatórias como voluntárias. Estudos mostram que, desde os primeiros passos da humanidade, era comum o homem dar presentes a seus protetores. Dessa forma, aqueles que eram mais fortes eram agraciados com tributos, como forma de serem pagos por sua proteção e por concederem aos outros o direito de viver em sociedade com eles. Conforme as sociedades foram crescendo e os primeiros feudos se formaram, a cobrança de tributos foi inevitável, pois existiam benfeitorias comuns a serem feitas e, para realizá-las, era necessário ter riquezas que as financiassem. A certeza é de que, independentemente de formato, política, regime governamental ou outros fatores, a tributação é algo essencial para a vida em sociedade. Cabe a cada ente arrecadador transformar essa necessidade em políticas inteligentes, utilizar esses recursos da melhor forma possível e facilitar ao máximo a apuração e o recolhimento destes. Neste capítulo, iremos explicar o histórico tributário brasileiro e exibir um panorama geral da estrutura atual do Sistema Tributário Nacional. Essa compreensão irá permitir avaliações mais profundas das questões tributárias, mesmo que não sejamos especialistas nelas. 12 Planejamento e administração tributária 1.1 Sistema tributário A descoberta arqueológica mais antiga de que temos notícia sobre a formalização de tributos e sua cobrança é uma placa datada do ano de 2350 a.C., descoberta em Lagash, na antiga Suméria, que relata tributações, confiscos e exploração de funcionários naquele local (COÊLHO, 2003). Na época dos romanos, a cobrança de impostos e taxas se profissionalizou e o Estado passou a ser mais estruturado na execução dessas cobranças que serviam para financiar todo o funcionamento da máquina governamental e as guerras. Também os nobres passaram cada vez mais a se dedicarem à gestão da sociedade em troca de serem sustentados pela máquina governamental. Ou seja, a história nos mostra que, para uma sociedade existir, a cobrançade tributos tem de existir também. Dos sumérios (primeiro sistema tributário escrito conhecido) ao Brasil de hoje, sempre houve um sistema tributário; civilizações conquistadas, exploradores, religiões, dominadores, capitalistas, socialistas etc. sempre tiveram suas formas de cobrança de impostos e taxas, para prover o estado ou sua sociedade dominante. Hoje, no Brasil, temos um sistema tributário extremamente complexo e intrincado, com milhares de regras que mudam constantemente. Por isso, todos os brasileiros devem no mínimo conhecer as bases dessa estrutura, pois todos somos afetados pelos tributos, seja no preço do que compramos ou vendemos, seja em nossas rendas. Os índios com certeza tinham alguma forma tributária, provavelmente por meio de serviços, caças, colheitas para toda a tribo, mas os maiores registros que temos da história de tributação brasileira são a partir da dominação portuguesa. Enquanto a corte portuguesa não estava no Brasil, éramos tributados por extrativismo e construções demandadas por Portugal; foi nesse Vídeo Introdução ao sistema tributário 13 período que mais se extraiu pau-brasil, ouro e outros elementos das nossas terras. Também com o passar do tempo, como aponta Balthazar (2005), a Coroa portuguesa passou a exigir a coleta de produtos que deveriam ser enviados a Portugal. Relatos mostram que, embora não houvesse leis específicas sobre as coletas, seus responsáveis deveriam suprir as demandas da Coroa e tinham diversos poderes para efetuar as cobranças. Com a vinda da Coroa ao Brasil, iniciou-se a formalização de regras e leis, mas estas focavam basicamente em suprir a corte e eram alteradas conforme as demandas dos governantes. Em 1834, o Brasil começou oficialmente a ter uma estrutura tributária, a partir da decretação de atos, por parte da Coroa portuguesa, que visavam criar regras a esse respeito (BALTHAZAR, 2005). Na Constituição de 1946, o Brasil passou a considerar mais fortemente aspectos da economia além das atividades primárias, passando a legislar também para atividades industriais e urbanas. Com essas mudanças conceituais sobre a base econômica do país e com o federalismo se fortificando, essa Constituição começou a delegar competências arrecadatórias. A partir desse novo arcabouço legal, em 1965 foi feita uma reforma tributária no Brasil (Emenda Constitucional n. 18/1965), a qual buscava basicamente a redução da carga tributária incidente, bem como a criação de um melhor formato de repartição do montante arrecadatório, de forma a privilegiar mais estados e municípios. Nessa reforma, passou-se a vincular os fatos geradores de tributação a acontecimentos econômicos, e não mais a fatos jurídicos, como era feito antes. Essa base de motivação econômica é importantíssima até hoje, visto que, em muitos julgamentos sobre economias fiscais (falaremos disso mais adiante), questiona- se se o fato gerador da economia se deu apenas como uma forma 14 Planejamento e administração tributária de redução tributária ou se existe um conceito econômico que justifique uma determinada ação. Em 1967 foi feita mais uma alteração constitucional, que visava sistematizar a tributação no Brasil e que culminou na criação do Sistema Tributário Nacional (STN) como o conhecemos. Com a criação do STN, o Brasil começou a estabelecer normas que também focam os direitos e as garantias do cidadão. A última grande reforma constitucional até o presente momento, que alterou bastante a tributação no Brasil, foi a da Constituição de 1988, uma reforma participativa e que reformulou muito o STN existente à época. Novamente foi alterada a distribuição dos tributos, alocando-se ainda mais recursos para os estados e municípios, inclusive com a criação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), unificação de dois tributos federais, que passou a ser arrecadado diretamente pelos estados (BRASIL, 1988). Com o crescimento do Brasil, a criação de novos estados e municípios e o estabelecimento de benefícios sociais, a necessidade de recursos para sustentar essa estrutura foi crescendo e novas estruturas tributárias foram sendo criadas dentro do STN. Dessa forma, podemos dizer que o STN nada mais é do que um conjunto de regras e leis que rege impositivamente as obrigações e os deveres dos entes envolvidos (órgãos públicos e contribuintes), de forma a gerar, definir e relacionar tudo o que disciplina o recolhimento e a utilização de recursos para o funcionamento do país. Para compreender melhor o STN, no entanto, primeiro temos de conhecer a definição de tributo. Por isso, na próxima seção, entenderemos melhor o que é tributo e quais são as espécies que o compõem. Introdução ao sistema tributário 15 1.2 Espécies tributárias De acordo com o artigo 3º do Código Tributário Nacional, “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (BRASIL, 1966). Embora existam diversas discussões a respeito de quantas são as espécies tributárias do Brasil, o mais aceito é que elas são cinco, a saber: • Impostos; • Taxas; • Contribuições de melhoria; • Empréstimos compulsórios; • Contribuições especiais. Segundo o artigo 16 do Código Tributário Nacional (CTN), “imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte” (BRASIL, 1966, grifo nosso). Isso significa que não existe necessariamente uma prestação de serviço do governo para que ele possa cobrar impostos. No entanto, ao prestar algum serviço específico ao contribuinte, o Estado pode tributá-lo em função da prestação continuada desse serviço. Assim, até mesmo a simples disponibilização de um serviço ao cidadão, mesmo que não seja utilizado por ele, pode ser cobrada por meio de uma taxa, desde que sejam realizados os devidos trâmites. As obras públicas que valorizem o imóvel do contribuinte, por sua vez, podem ser reembolsadas ao órgão público por meio da contribuição de melhoria. Esse reembolso é limitado ao gasto total Vídeo 16 Planejamento e administração tributária da obra e ao aumento de valor imobiliário do contribuinte – o que for menor entre os dois. Para casos específicos, a União está autorizada a obter empréstimo compulsório do cidadão. A lei é bastante específica a esse respeito: Art. 15. Somente a União, nos seguintes casos excepcionais, pode instituir empréstimos compulsórios: I - guerra externa, ou sua iminência; II - calamidade pública que exija auxílio federal impossível de atender com os recursos orçamentários disponíveis; III - conjuntura que exija a absorção temporária de poder aquisitivo. Parágrafo único. A lei fixará obrigatoriamente o prazo do empréstimo e as condições de seu resgate, observando, no que for aplicável, o disposto nesta Lei. (BRASIL, 1966) Esses prazos e condições para a devolução ao cidadão nem sempre são cumpridos pelo governo, ainda que sejam determinados por lei. Por sua vez, a contribuição especial não é um imposto nem uma taxa, é uma tributação que se encontra nesse limbo, mas que tem o objetivo de financiar atividades específicas do governo. O artigo 149 da Constituição Federal estabelece que “compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas” (BRASIL, 1988). Todavia, o parágrafo 1º do artigo 149 e o artigo 149-A preveem contribuições sociais cuja instituição compete aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Essas espécies tributárias apresentadas podem ser diretas ou indiretas, progressivas ou regressivas. As diretas são toda tributação que é paga pelo próprio devedor, ou seja, aquelasem que quem recolhe o valor é quem efetivamente gerou o tributo, como no caso Introdução ao sistema tributário 17 do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), que deve ser recolhido pelo proprietário do veículo. As espécies indiretas, por sua vez, não são necessariamente recolhidas pelo devedor do imposto, visto que são tributos que normalmente estão embutidos no preço. Assim, o contribuinte que o recolhe está recolhendo pela cadeia econômica do processo, podendo inclusive antecipar esse imposto por meio de uma presunção de venda, como no caso do ICMS, em que o comerciante recolhe para o estado, mas o custo está embutido no preço pago pelo cliente final. Os impostos que possuem alíquotas diferentes para situações econômicas diferentes são as espécies tributárias denominadas progressivas, e suas alíquotas podem subir conforme indicadores específicos. Um exemplo dessa espécie é o Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), que aumenta a alíquota conforme a faixa salarial do contribuinte. Por fim, existem as espécies denominadas regressivas, que são impostos cobrados dos contribuintes com a mesma alíquota, independentemente de qualquer situação social ou econômica. O ICMS é também um exemplo de tributação regressiva, já que sua alíquota não muda, não importam as particularidades do comprador. 1.3 Entes envolvidos no sistema tributário Agora que já sabemos quais são as espécies tributárias nacionais, precisamos nos aprofundar um pouco mais e entender os entes envolvidos no STN. Os entes tributantes no Brasil são a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal. Cada uma das espécies tributárias deve estar vinculada a um ou mais entes. Vídeo 18 Planejamento e administração tributária O Imposto de Importação (II), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o IRPF, por exemplo, são vinculados à União. Já o ICMS e o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), por exemplo, são vinculados aos estados e ao Distrito Federal. E como exemplo de impostos vinculados aos municípios temos o Imposto sobre Serviços (ISS) e o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Essa vinculação direta das espécies tributárias a seus entes e o destino obrigatório de despesas são a base do STN como o conhecemos hoje. Por isso, muito antes de se pensar em reduzir a carga tributária no Brasil, devemos pensar em simplificar a estrutura que se criou com o passar do tempo e que gerou os 94 impostos, taxas e contribuições brasileiros, com milhares e milhares de regras que mudam diariamente. Hoje, a estrutura brasileira é tão complexa que sequer olhamos para muitos dos tributos existentes como os tributos que são. Temos 94 tributos que se dividem entre impostos, taxas e contribuições. Vejamos a seguir quais são. Segundo o artigo 16 do CTN: “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte” (BRASIL, 1966). São eles: • Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); • Imposto de Exportação (IE); • Imposto de Importação (II); • Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA); • Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU); • Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR); • Imposto de Renda (IR) – pessoa física e jurídica; • Imposto sobre Operações de Crédito (IOF); Introdução ao sistema tributário 19 • Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN); • Imposto sobre Transmissão de Bens Intervivos (ITBI); • Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) • INSS – autônomos e empresários; • INSS – empregados; • INSS patronal (sobre a folha de pagamento e sobre a receita bruta – substitutiva); • Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); • Programa de Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). Cobradas pela União, pelos estados, pelo Distrito Federal ou pelos municípios, as taxas “têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição” (BRASIL, 1966). São elas: • Taxa de Autorização do Trabalho Estrangeiro; • Taxa de Avaliação in loco das Instituições de Educação e Cursos de Graduação (Lei n. 10.870/2004); • Taxa de Avaliação da Conformidade (Lei n. 12.545/2011); • Taxa de Classificação, Inspeção e Fiscalização de produtos animais e vegetais ou de consumo nas atividades agropecuárias (Decreto-Lei n. 1.899/1981); • Taxa de Coleta de Lixo; • Taxa de Combate a Incêndios; • Taxa de Conservação e Limpeza Pública; • Taxa de Controle Administrativo de Incentivos Fiscais – TCIF (Lei n. 13.451/2017); • Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA (Lei n. 10.165/2000); 20 Planejamento e administração tributária • Taxa de Controle e Fiscalização de Produtos Químicos (Lei n. 10.357/2001); • Taxa de Emissão de Documentos (níveis municipais, estaduais e federais); • Taxa de Fiscalização da Aviação Civil – TFAC (Lei n. 11.292/2006); • Taxa de Fiscalização da Agência Nacional de Águas – ANA (MP n. 437/2008); • Taxa de Fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (Lei n. 7.940/1989); • Taxa de Fiscalização de Sorteios, Brindes ou Concursos (MP 2.158-35/2001); • Taxa de Fiscalização de Vigilância Sanitária (Lei n. 9.782/1999); • Taxa de Fiscalização dos Produtos Controlados pelo Exército Brasileiro – TFPC (Lei n. 10.834/2003); • Taxa de Fiscalização dos Mercados de Seguro e Resseguro, de Capitalização e de Previdência Complementar Aberta (Lei n. 12.249/2010); • Taxa de Fiscalização e Controle da Previdência Complementar (TAFIC) – Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Lei n. 12.154/2009); • Taxa de Licenciamento Anual de Veículo (Lei n. 9.503/1997); • Taxa de Licenciamento, Controle e Fiscalização de Materiais Nucleares e Radioativos e suas instalações (Lei n. 9.765/1998); • Taxa de Licenciamento para Funcionamento e Alvará Municipal; • Taxa de Pesquisa Mineral – DNPM (Portaria Ministerial n. 503/1999); Introdução ao sistema tributário 21 • Taxa de Serviços (TS) – Zona Franca de Manaus (Lei n. 13.451/2017); • Taxa de Serviços Metrológicos (Lei n. 9.933/1999); • Taxa de Utilização de Selo de Controle (Lei n. 12.995/2014); • Taxas ao Conselho Nacional de Petróleo (CNP); • Taxa de Outorga e Fiscalização – Energia Elétrica (Lei n. 9.427/1996); • Taxa de Outorga – Rádios Comunitárias (Lei n. 9.612/1998 e Decreto n. 2.615/1998); • Taxa de Outorga – Serviços de Transportes Terrestres e Aquaviários (Lei n. 10.233/2001); • Taxas de Saúde Suplementar – ANS (Lei n. 9.961/2000); • Taxa de Utilização do Siscomex (Instrução Normativa n. 680/2006); • Taxa de Utilização do Mercante (Decreto n. 5.324/2004); • Taxas do Registro do Comércio (juntas comerciais); • Taxas Judiciárias; • Taxas Processuais do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE (Lei n. 12.529/2011). Segundo o artigo 5° do CTN (BRASIL, 1966), as contribuições são divididas entre Contribuições Especiais e Contribuições de Melhoria. Estas viriam a fazer frente à elevação do custo com obras públicas em decorrência da valorização imobiliária. Dentre os exemplos de contribuições de melhoria temos asfalto, calçamento, esgoto, rede de água, rede de esgoto etc. Outras contribuições são: • Contribuição à Direção de Portos e Costas – DPC (Lei n. 5.461/1968); • Contribuição à Comissão Coordenadora da Criação do Cavalo Nacional – CCCCN (Lei n. 7.291/1984); 22 Planejamento e administração tributária • Contribuição ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT (Lei n. 10.168/2000); • Contribuição ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), também chamado salário- -educação (Decreto n. 6.003/2006); • Contribuição ao Funrural(Lei n. 8.540/1992); • Contribuição ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra (Lei n. 2.613/1955); • Contribuição ao Seguro Acidente de Trabalho (SAT), atualmente com a denominação de Contribuição do Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho (GIIL-RAT); • Contribuição ao Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena Empresa – Sebrae (Lei n. 8.029/1990); • Contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizado Comercial – SENAC (Decreto-Lei n. 8.621/1946); • Contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizado dos Transportes – SENAT (Lei n. 8.706/1993); • Contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizado Industrial – SENAI (Lei n. 4.048/1942); • Contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizado Rural – SENAR (Lei n. 8.315/1991); • Contribuição ao Serviço Social da Indústria – SESI (Lei n. 9.403/1946); • Contribuição ao Serviço Social do Comércio – SESC (Lei n. 9.853/1946); • Contribuição ao Serviço Social do Cooperativismo – SESCOOP (MP n. 1.715-2/1998); • Contribuição ao Serviço Social dos Transportes – SEST (Lei n. 8.706/1993); Introdução ao sistema tributário 23 • Contribuição Confederativa Laboral (dos empregados); • Contribuição Confederativa Patronal (das empresas); • Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico – CIDE Combustíveis (Lei n. 10.336/2001); • Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico – CIDE Remessas Exterior (Lei n. 10.168/2000); • Contribuição para a Assistência Social e Educacional aos Atletas Profissionais – FAAP (Decreto n. 6.297/2007); • Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Emenda Constitucional n. 39/2002); • Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – CONDECINE (MP n. 2.228- 1/2001 e Lei n. 10.454/2002); • Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (Lei n. 11.652/2008); • Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB (Lei n. 12.546/2011); • Contribuição Sindical Laboral (não se confunde com a Contribuição Confederativa Laboral); • Contribuição Sindical Patronal; • Contribuição Social Adicional para Reposição das Perdas Inflacionárias do FGTS (Lei Complementar n. 110/2001); • Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL; • Contribuições aos Órgãos de Fiscalização Profissional (OAB, CRC, CREA, CRECI, CORE etc.). Dentre as Contribuições Especiais, temos: 1 Não se confunde com a Contribuição Confederativa Patronal, já que a Contribuição Sindical Patronal é obrigatória, pelo artigo 578 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e a Confederativa foi instituída pelo artigo 8, inciso IV da Constituição Federal e é obrigatória em função da assembleia do sindicato que a instituir para seus associados, independentemente da contribuição prevista na CLT. 24 Planejamento e administração tributária • Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); • Programa de Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). Para além de impostos, taxas e contribuições, temos: • Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM (Lei n. 10.893/2004); • Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT); • Fundo Aeroviário – FAER (Decreto Lei n. 1.305/1974); • Fundo de Combate à Pobreza (EC n. 31/2000); • Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal – FEEF (Convênio ICMS 42/2016); • Fundo de Fiscalização das Telecomunicações – FISTEL (Lei n. 5.070/1966); • Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS (Lei n. 5.107/1966); • Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST (Lei n. 9.998/2000); • Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização – Fundaf (Decreto-Lei n. 1.437/1975 e Instrução Normativa SRF n. 180/2002); • Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações – Funttel (Lei n. 10.052/2000). A complexidade do STN é muito grande e existem diversas dúvidas a respeito dos tributos e suas normatizações, uma delas é a respeito do DPVAT, que muitos autores consideram um seguro, logo não faria parte do STN. No entanto, também pode ser considerado como uma taxa, pois se fosse um seguro não poderia ser cobrado como obrigatório. Seja seguro ou taxa, o importante Introdução ao sistema tributário 25 é ressaltar que ainda temos discussões no Brasil que ensejam diversas dúvidas. 1.4 Tratamento constitucional Antes de explorar mais a fundo as definições constitucionais sobre o STN, temos de lembrar uma regra básica: o administrador público somente pode fazer o que lhe é explicitamente permitido em lei, enquanto o cidadão comum só não pode fazer o que é proibido em lei. Essa regra é fundamental para se entender, mais adiante, os conceitos de sonegação e elisão fiscal. O STN é tratado pela Constituição, de maneira mais específica, nos artigos 145 a 162. Esses artigos definem as competências tributárias dos entes arrecadadores, os princípios e as normas gerais do STN, as limitações de poderes dos entes, as repartições dos tributos e as vinculações compulsórias. Veremos então, a seguir, alguns dos principais pontos do STN. Ao longo da obra analisaremos algumas dessas leis de forma mais profunda, mas como este primeiro capítulo é dedicado ao balizamento de conhecimentos, torna-se importante que se conheça a estrutura básica definida na Constituição. De acordo com o artigo 153, por exemplo, os impostos instituídos pela União recaem sobre: I - importação de produtos estrangeiros; II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III - renda e proventos de qualquer natureza; IV - produtos industrializados; V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI - propriedade territorial rural; Vídeo 26 Planejamento e administração tributária VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar. (BRASIL, 1988) Outro artigo importante que devemos conhecer para depois aprofundarmos nosso entendimento é o artigo 155 que, por sua vez, estabelece os impostos que competem aos estados e ao Distrito Federal: I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; III - propriedade de veículos automotores. (BRASIL, 1988) Também não podemos deixar de observar que o artigo 156, no entanto, estabelece sobre o que podem incidir os impostos de competência dos municípios: I - propriedade predial e territorial urbana; II - transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (BRASIL, 1988) Outros artigos também trazem definições estruturantes para o STN, inclusive fornecendo diretrizes que permitem aos municípios o ordenamento e o desenvolvimento de funções sociais. Isso torna facultativa aos municípios, conforme o plano diretor existente, a penalização por não utilização ou subutilização de terrenos por meio do parcelamento, da edificação compulsória ou da geração de IPTU progressivo no tempo (BRASIL, 1988). A ideia é garantir ao município que busque melhorar o bem-estar de seus habitantes por meio da não subutilização de espaços. Introdução ao sistema tributário 27 Ainda que esta obra não tenha como objetivo analisar as leis de maneira mais aprofundada, é fundamental entendermos alguns dos princípios do Direito Tributário que podem ser extraídos dos artigos apresentados. Por isso, a seguir, explicaremos alguns deles. Um dos primeiros a ser observado é o princípio da legalidade,que tem como foco garantir segurança jurídica, econômica e social e proibir qualquer tributação não autorizada em lei. O art. 150 da Constituição deixa bastante explícito esse princípio e ainda esclarece que nenhum dos entes tributantes do país poderá: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou […]. IV - utilizar tributo com efeito de confisco; V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo poder público; VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. (BRASIL, 1988) 28 Planejamento e administração tributária Como poderemos perceber ao longo desta obra, a Constituição é bastante explícita em relação a obrigações e direitos. Porém, a complexidade da estrutura criada é tão grande que, mesmo após regulamentações específicas, ainda é possível estabelecer diversas interpretações, e o arcabouço do STN brasileiro acaba por ser considerado um dos mais complexos do mundo. Ainda assim, a Constituição garante que alguns princípios sejam pétreos e estes são os que guiam diversas decisões empresariais e jurídicas. Com o princípio da irretroatividade da lei, a Constituição garante que não se pode criar qualquer tipo de tributo de forma retroativa. Isso impede a cobrança antes de decorrerem todos os trâmites legais para o início desse tributo. O que determina que um tributo novo só pode começar a incidir no exercício fiscal seguinte é o princípio da anterioridade da lei. Essa definição, somada à exigência de no mínimo 90 dias de antecedência da aprovação de um tributo até o início de sua cobrança faz com que apenas tributos aprovados até o início de outubro de um determinado ano possam incidir no ano seguinte. Um dos direitos fundamentais da Constituição, o qual garante direitos iguais a todos, também se estende à tributação: o princípio da isonomia. Esse princípio garante que negócios de empresas similares tenham tributações equivalentes, para que não exista o favorecimento de uma empresa em detrimento de outra. É importante citar que a própria Constituição prevê exceções e que, como temos entes diferentes, existem também diferenças entre eles, ou seja, mesmo que eu tenha a mesma tributação federal em determinado caso, posso ter divergências tributárias entre estados e municípios (fora as exceções previstas). Um princípio relativamente mais delicado é o princípio da uniformidade da tributação, pois, como vimos, é vedado à União criar qualquer tributo que se diferencie entre estados. No entanto, a Constituição permite a criação de incentivos fiscais para o desenvolvimento de determinadas regiões em detrimento de outras. Introdução ao sistema tributário 29 No fim das contas, isso permite que, por meio de outros trâmites, existam diferenças na tributação federal. Outro princípio bastante importante é o princípio da capacidade contributiva, que está diretamente ligado à espécie tributária progressiva e visa diminuir a desigualdade social no Brasil. Para isso, busca a redução ou a isenção tributária para os mais desassistidos. O princípio da proibição de confisco, por sua vez, estabelece a proteção do contribuinte para que não sejam tomados dele, integralmente, seu patrimônio e sua renda, o que o levaria à possibilidade de penúria. É importante esclarecer que esses princípios apresentados aqui servem de base para diversas teses que discutem a tributação, para elisão fiscal ou não (mais adiante abordaremos esse assunto). Também se faz necessário entender que a Constituição já prevê a competência dos entes e seus impostos, o que impede a criação de novos impostos – a não ser que se altere a própria Constituição. A única exceção é em caso de guerra externa ou sua iminência. A Constituição prevê, ainda, o pleno esclarecimento de todos os tributos, assim como a divulgação pública dos valores recolhidos. Essa divulgação, porém, até hoje não está regulamentada e não vem sendo aplicada. 1.5 Competências tributárias Os tributos podem ter competência comum ou privada. Os de competência comum podem ser instituídos pela União, pelos estados, pelo Distrito Federal ou pelos municípios. São tributos específicos, criados em função da prestação de um serviço específico – como a taxa de iluminação ou a taxa de recolhimento de lixo, por exemplo. penúria: pobreza extrema, miséria; ausência daquilo que é necessário. Vídeo 30 Planejamento e administração tributária Cada imposto de competência privada, no entanto, é de competência específica de um ente tributante, não estando vinculado a nenhuma prestação de serviço específica – como o IRPF, o IPI e o IPVA, por exemplo. Antes de seguirmos, é importante separar muito bem o fato gerador do destino específico. Isso porque um tributo pode ou não ser gerado em função de um serviço específico, enquanto a arrecadação pode ou não ter um destino específico, independentemente do fato gerador. Todo esse arcabouço de impostos, conceitos e princípios gera muita confusão e diversas fraquezas no processo arrecadatório. Com tantos detalhes, é bastante comum que pessoas e empresas cometam erros, mesmo que não intencionais. Por outro lado, deixa margem também para que pessoas e empresas reduzam sua carga tributária, utilizando-se não só de meios lícitos, mas também ilícitos. E é esse o assunto que abordaremos no próximo capítulo, quando falaremos de planejamento fiscal e tributário. Considerações finais Agora que esclarecemos os principais objetivos de um sistema tributário e apresentamos quais são suas espécies e os entes envolvidos no STN, torna-se possível entender melhor a estrutura tributária, que faz com que o Brasil perca muita competitividade frente a outros países, tanto na produção e escoamento de produtos e serviços como na atratividade de investimentos. Também com o entendimento dos princípios constitucionais aplicáveis ao STN e conhecendo as competências tributárias, conseguimos avaliar mais profundamente as mudanças realizadas pela União, pelos estados ou pelos municípios para que, inicialmente, possamos avaliar a coerção destas e, como um segundo passo, ajudar as empresas ou o país a começarem o planejamento das mudanças Introdução ao sistema tributário 31 necessárias para um maior avanço na economia, destravando um pouco toda essa complexa estrutura que temos hoje. Ampliando seus conhecimentos • MARTINS, I. G. da S. O sistema tributário brasileiro: história, perfil constitucional e proposta de reforma. São Paulo, 2000. Disponível em: http://www.gandramartins.adv.br/project/ ives-gandra/public/uploads/2013/02/07/662f4dcartigo_145. pdf. Acesso em: 10 set. 2019. Ives Gandra Martins é um dos professores mais respeitados na área tributária. Já ocupou diversos cargos em federações e realizou muitos estudos focados nos temas tributários. Esse artigo apresentauma visão límpida e clara da atual estrutura brasileira, além de uma visão interessante de uma proposta de reforma que sugere principalmente a simplificação do atual emaranhado de tributos que é o STN. • ALEXANDRINO, M.; PAULO, V. Direito tributário na Constituição e no STF: teoria, jurisprudência e 160 questões. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2000. Essa obra é bastante interessante para quem deseja se aprofundar no STN e apresenta, ainda, uma excelente abertura sobre as repartições. Atividades 1. Hoje, no Brasil, a carga tributária é extremamente elevada, principalmente se considerarmos o padrão de serviços e estruturas oferecido pelo país. Mesmo assim, ainda é raro ver a população brasileira realmente se movimentar para 32 Planejamento e administração tributária demonstrar sua insatisfação com isso. Assim, fazendo uma avaliação histórica e sociológica, a que podemos atribuir essa espécie de mansidão da população em relação à carga tributária? 2. Considerando o STN atual, é possível fazer uma redução de alíquotas tributárias de forma singela? Por quê? 3. Se observarmos a legislação em seus capítulos sobre o STN, a primeira impressão é a de que existe uma enorme garantia jurídica tributária; porém, uma das grandes críticas sobre o Brasil é a insegurança jurídica tributária. Como podemos entender essa aparente contradição? Referências AMED, F. J.; NEGREIROS, P. J. L. C. História dos tributos no Brasil. São Paulo: Sinafresp, 2000. BALTHAZAR, U. C. História do tributo no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. BORBA, C. Direito tributário I: Constituição Federal: a competência tributária, suas espécies, características e limitações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. BRASIL. Constituição Federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 20 ago. 2019. BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 27 out. 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em: 20 ago. 2019. COÊLHO, S. C. N. Teoria geral do tributo, da interpretação e da exoneração tributária. São Paulo: Dialética, 2003. PORTAL TRIBUTÁRIO. Os tributos no Brasil. 15 fev. 2019. Disponível em: http://www.portaltributario.com.br/tributos.htm. Acesso em: 20 ago. 2019. 2 Sistema Tributário Nacional Como vimos no capítulo anterior, o Sistema Tributário Nacional (STN) é extremamente complexo, visto que é composto de uma série de impostos, taxas e contribuições. As mudanças nessas leis são constantes e muitas delas são de difícil compreensão. Essa situação gera um enorme custo ao Brasil e aos brasileiros. Nossa estrutura arrecadadora é enorme e, por isso, as empresas e os cidadãos que buscam estar sempre alinhados às leis perdem muito tempo e muitos recursos para atender a essas exigências. Todo esse processo faz parte do famoso custo Brasil e o empresário, para compensar esses riscos e essas exigências, demanda maiores taxas de retorno, ou seja, além da alta carga, a estrutura tributária brasileira também faz com que os produtos no Brasil sejam caros. 2.1 Contextualizando sistemas tributários Se olharmos o relatório Doing Business 2019 (WORLD BANK GROUP, 2019), podemos entender melhor o quanto nosso sistema tributário é complexo. Esse relatório avalia a facilidade de se fazer negócios em 190 países do mundo. São 10 categorias avaliadas, com diversos marcadores em cada categoria. Na colocação geral, o Brasil ficou na posição 109. Quanto menor essa classificação, mais fácil é fazer negócios no país. Se olharmos apenas para a categoria pagamento de impostos, o Brasil ocupou a posição 184, estando melhor apenas que o Congo, a Bolívia, a República Centro-Africana, o Chade, a Eritreia e a Somália (WORLD BANK GROUP, 2019). Vídeo 34 Planejamento e administração tributária Se nos aprofundarmos ainda mais nessa pesquisa, dentre as métricas para se medir a facilidade de pagamento de impostos é levado em consideração o tempo trabalhado para pagá-los. Nesse quesito, o país ficou em último lugar entre os 190 países. Isso porque, para determinadas características de empresa definidas na pesquisa, no Brasil, precisamos de 1.958 horas de trabalho para fechar a apuração tributária; já na Bolívia, segundo pior colocado entre os países pesquisados, a quantidade de horas gastas para apurar os impostos do mesmo perfil de empresa é de 1.025 horas, ou seja, quase a metade das horas trabalhadas por aqui. A respeito dessa carga tributária, temos o comentário de Rabello e Oliveira (2015, p. 33): No Brasil, é comum o questionamento sobre o tamanho da carga tributária e se ela é adequada ao perfil socioeconômico nacional, especificamente em relação à estrutura produtiva. Recentemente a complexidade tributária também tem recebido a atenção das análises e das críticas quanto a seus efeitos. Todavia, a carga tributária pode gerar efeitos positivos sobre a economia, na medida em que, por exemplo, possibilita o surgimento de investimentos financiados pelas receitas tributárias. Mas também possibilitam efeitos negativos, pois geram distorções sobre as escolhas dos agentes econômicos que resultam em perdas em eficiência. Portanto, a análise dos efeitos da carga tributária sobre a estrutura produtiva torna-se imperiosa. Apenas por curiosidade, ainda segundo esse relatório, os melhores países para se fazer negócios são Nova Zelândia, Singapura, Dinamarca, Coreia do Sul, Hong Kong e EUA. Certamente não é à toa que todos esses países são ricos e têm o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) extremamente elevado. Considerado esse contexto, vamos analisar o STN de modo mais aprofundado, a fim de entendermos melhor como funciona nosso modelo tributário e compreendermos as diferenças entre as espécies tributárias que apresentamos no capítulo anterior. Sistema Tributário Nacional 35 Porém, antes, temos de conhecer a estrutura básica de tributação do Brasil. Isso significa compreender algumas diferenças entre impostos, taxas e contribuições, bem como entender os motivos históricos que levaram o país à atual estrutura tributária. 2.2 Entendendo o modelo tributário nacional Com base na contextualização da seção anterior é possível perceber que, embora não se conheça nenhum modelo tributário perfeito, o Brasil está muito longe dos melhores modelos existentes, uma vez que apresenta uma das piores legislações tributárias do mundo. E isso não se refere apenas à carga tributária nem à sua má utilização, mas sim à estrutura do modelo definida na legislação. Atualmente, muito se fala em reforma tributária e redução dos encargos. Porém, parece muito mais importante que primeiro simplifiquemos o modelo para que, então, possamos pensar em redução de carga tributária. Praticamente todo recurso arrecadado no Brasil tem destino obrigatório, o que dificulta ainda mais a ideia de partir para a redução de alíquotas desde o início de uma reforma. Para compreender, portanto, a necessidade ou não de reforma e a melhor maneira de realizá-la, é importante compreender alguns outros conceitos, que também serão abordados mais adiante. O primeiro desses conceitos é o de fato gerador, que é o que faz nascer a obrigação tributária, essa obrigação pode ser principal ou acessória. O Código Tributário Nacional (CTN) define fato gerador como: Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. Vídeo 36 Planejamento e administração tributária Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal. (BRASIL, 1966) Assim, todo tributo tem um fato gerador e, com base nele,pode ser classificado em um dos três grandes grupos a seguir. • Impostos sobre renda – define-se renda como o resultado de capital, de trabalho ou de capital e trabalho juntos expresso em valores monetários. Alguns exemplos desses tributos são o Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). • Impostos sobre patrimônio – são conjuntos de bens de direito, tanto de pessoa física quanto jurídica. Alguns exemplos desses tributos são o IPVA, o IPTU e as taxas de lixo e de melhoria. • Impostos sobre consumo – é aquilo que se gasta e que se utiliza, seja com um bem material, seja com um serviço. Alguns exemplos desses tributos são o ICMS, o ISS, o PIS, a Cofins e o IPI. Assim como vimos, no capítulo anterior, que existem espécies tributárias diretas e indiretas, o contribuinte também tem classificações conforme o fato gerador, que pode ser diretamente de responsabilidade dele ou, então, o contribuinte pode ser apenas o arrecadador dos tributos. Nesse sentido, podemos entender como contribuinte de fato os empregados, consumidores ou tomadores de um empréstimo, por exemplo. Já o contribuinte responsável é quem efetivamente irá recolher o imposto, mas não é a fonte de geração do tributo, como empresas, vendedores ou instituições financeiras, que recolhem o imposto devido pela ponta final do processo. Sistema Tributário Nacional 37 Além de ter um fato gerador e um contribuinte para pagá- lo, o tributo precisa de uma base de cálculo, isto é, de uma base monetária a ser utilizada para o cálculo desse tributo. Essa base de cálculo é o número após as inclusões ou exclusões de especificidades, muito comum para os cálculos de IR e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Uma vez estabelecida a base de cálculo, pode-se simplesmente aplicar a alíquota do tributo sobre ela, utilizando esse valor de base e realizando os cálculos correspondentes. Nesse sentido, o valor percentual legalmente definido e aplicado sobre a base de cálculo é o que denominamos alíquota. Com base nessa aplicação é determinado o valor do tributo a ser pago pelo contribuinte. Quando pensamos em base de cálculo e alíquotas para realizar o cálculo dos tributos, é preciso pensar, também, naquilo sobre o que será aplicada essa alíquota. Em muitos tributos, ela é aplicada sobre o lucro, ou seja, sobre aquilo que se ganha por meio de algo ou alguém em um processo econômico. Nem sempre o lucro é ganho em moeda e, por isso, ele pode ser auferido de diversas formas, como aumento patrimonial e até mesmo pode ser considerado intangível. Para fins de cálculo do IR e do CSLL, podemos entender o lucro apurado de três formas diferentes: • lucro real, que é aquele apurado contabilmente com base em adições e exclusões de itens, conforme normas contábeis; • lucro presumido, apurado de acordo com as normas de presunção, que são alíquotas aplicadas sobre o faturamento e que estimam o lucro gerado pelas operações; e • lucro arbitrado, que costuma ser utilizado quando não se confia nas bases contábeis apresentadas e, então, com alguma 38 Planejamento e administração tributária base alternativa de cálculo (normalmente definida por um fiscal), estima-se o lucro. Além do lucro, outra base de cálculo importante para a tributação é o valor que pode ser agregado no processo de industrialização, que é o processo de transformação de algum bem que modifique sua natureza, seu funcionamento, seu acabamento, sua apresentação, sua finalidade, ou então que aperfeiçoe o produto para o consumo. Apesar de termos a alíquota e a base de cálculo, devemos considerar também a existência da imunidade tributária, que está prevista na Constituição Federal e funciona como uma proteção para certas operações, impedindo que sejam tributadas. Alguns exemplos de operações que têm imunidade tributária são: • livros, jornais, periódicos e o papel destinado à impressão deles; • produtos industrializados destinados ao exterior; • ouro (quando este for definido como ativo financeiro ou como instrumento cambial); • energia elétrica, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do país. A isenção, por sua vez, é um privilégio concedido por meio de lei ou de outro ato legal com força de lei. Um exemplo disso é o regulamento do IPI, que é a consolidação das normas para os casos relacionados a esse imposto. Há também o que denominamos desoneração. Esse é o caso de produtos que normalmente são tributados de acordo com as normas gerais do STN e as regulamentações de cada tributo, mas que, por definição do ente gestor desses tributos, podem ter sua alíquota zerada ou reduzida, ou mesmo seu tributo suspenso. Normalmente, esse tipo de política é aplicada quando o ente gestor busca desenvolver um determinado mercado em dificuldade Sistema Tributário Nacional 39 ou produtos estratégicos, ou quando deseja ajudar a melhorar a economia. É algo comum no Brasil, mas que gera diversos questionamentos jurídicos, visto que a desoneração normalmente é dada apenas a alguns setores ou empresas que se enquadrem em determinados preceitos, o que pode ferir o princípio da isonomia (vide Capítulo 1). Ao retomar o conceito de lucro e pensar em sua apuração, temos o conceito de regime de tributação, que é a forma como a empresa irá tributar seu lucro. O STN permite às empresas que se enquadrem em diferentes regimes de tributação, os quais apresentam normas bastante distintas sobre burocracias a serem seguidas. Esses regimes podem ser: Lucro Real, Lucro Presumido ou Simples Nacional. É importante ressaltar que o regime de tributação é mais amplo do que a forma de apuração do lucro, visto que altera também a estrutura arrecadatória, a exigência de burocracias e as alíquotas cobradas. Assim, a definição do regime de tributação possui diversos limites para cada tipo de regime, de maneira a impedir que determinados tamanhos de empresas se beneficiem de estruturas criadas para facilitar as operações menores. 2.3 Conhecendo as espécies tributárias No entendimento de Silva (2010), os tributos não são cobranças de sentido vazio ou meramente deflagradores de despesas adicionais para o contribuinte. Todo país para ser mantido e se desenvolver necessita da cobrança de tributos. No capítulo anterior, vimos as cinco espécies tributárias e identificamos que temos 94 tributos, entre impostos, taxas e contribuições. Agora, vamos analisar os principais atores desse emaranhado de siglas que são os nossos tributos. É importante frisar Vídeo 40 Planejamento e administração tributária que foram selecionados apenas os mais abrangentes e que receberão maior atenção nesta obra. 2.3.1 Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços O primeiro desses tributos que veremos aqui é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Esse imposto é um dos maiores problemas da tributação brasileira, pois tem diversas regras geridas pelos estados brasileiros e pelo Distrito Federal, com diferentes alíquotas e formas de apuração em cada estado. Os estados brasileiros são criativos na hora de estabelecer burocracias, criam diferenças até mesmo quanto aos equipamentos necessários para a apuração desse imposto – Santa Catarina, por exemplo, obriga o uso de impressora fiscal, enquanto São Paulo obriga a utilização da máquina SAT, que é um sistema autenticador e transmissor do cupom fiscal eletrônico. Além disso, todos os estados possuem suas próprias regras de cálculo, apuração e prestação de contas. O ICMS é um imposto que tem como fato gerador a circulação de uma mercadoria ou um serviço, que incide sobre toda a cadeia. Assim como alguns outros tributos no Brasil, o ICMS é apurado por meio de débitos e créditos conforme cada transação. Isso faz com que muitas empresas fiquem com enormes saldos de ICMSainda a utilizar, porém, em função de sua atividade, nunca conseguem a realização deste, tentando recuperar o valor recolhido na justiça, chegando a considerar esse saldo acumulado como “crédito podre” ou desconsiderando esse ativo. De modo geral, embora exista uma simplicidade básica na apuração do ICMS, isso ainda gera muita dificuldade, devido à enorme quantidade de classificações de produto, alíquotas diferentes e, mais do que isso, a substituição tributária, que foi criada inicialmente para resolver alguns problemas arrecadatórios de Sistema Tributário Nacional 41 produtos com alta incidência de sonegação e acabou sendo utilizada para diversos outros itens. Hoje o STN é extremamente injusto com as empresas e com o consumidor, pois presume um valor de venda final que nem sempre acontece. Além disso, já se converteu em um enorme passivo para os estados, visto que diversas empresas estão ganhando na justiça o direito de serem ressarcidas pelo montante pago a mais em função dessa presunção de preço de venda. O sistema de não cumulatividade do ICMS e de diversos outros tributos impede que aconteça a bitributação, gerando o crédito e o débito mencionados. 2.3.2 Impostos sobre a exportação e a importação De competência da União, o Imposto de Exportação (IE) e o Imposto de Importação (II) são extremamente importantes para a gestão de políticas macroeconômicas e internacionais. O artigo 23 do CTN apresenta a seguinte definição para o IE: “o imposto, de competência da União, sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos nacionais ou nacionalizados tem como fato gerador a saída destes do território nacional” (BRASIL, 1966). Cabe salientar que o fato gerador se relaciona diretamente com o fato material da saída de produto nacional para outro país, independentemente do objetivo do remetente, significando que esse aspecto nada tem a ver com transações jurídicas de compra e venda do exportador para o estrangeiro. Há casos como o de bagagens, estabelecidos no artigo 23 do CTN e no artigo 1º do Decreto-Lei n. 1.578/1977, que entram como exceção rara. Cabe ao Poder Executivo relacionar os produtos que estão sujeitos ao imposto. É importante mencionar que não faz diferença se o material é uma mercadoria para doação ou se pertence ao remetente. O fato gerador será ocasionado todas as vezes que algum produto sair do 42 Planejamento e administração tributária país e ocorre no momento da expedição da Guia de Exportação ou de documento equivalente. 2.3.3 Imposto Predial e Territorial Urbano De competência municipal, o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é uma das principais fontes de arrecadação dos municípios. De maneira simplificada, é possível dizer que esse é um imposto cobrado em território nacional de todos os indivíduos que possuem qualquer tipo de propriedade imobiliária urbana. Esse imposto se aplica a casa térrea, sobrado, apartamento, sala comercial, prédio ou imóvel de qualquer natureza que esteja localizado na zona urbana. Nesse sentido, Machado (2004, p. 370) afirma que: O fato gerador do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona do Município (CTN, art. 32). Não a lei civil atual, mas a vigente na data da edição do Código Tributário Nacional, em cujos dispositivos restou definitivamente incorporada. A existência do IPTU está assegurada no artigo 156 da Constituição Federal, inciso I, e sua validade e vigência se estendem às duas categorias de contribuintes: pessoa física e pessoa jurídica. O CTN, por sua vez, determina, nos artigos 32 e 34, o que é fato gerador e quem é o contribuinte efetivo do IPTU, sem que possa a priori sobre isso pairar qualquer pressuposto de exceção: Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. […] Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título. (BRASIL, 1966) Sistema Tributário Nacional 43 Embora esse imposto tenha o objetivo claro de ser arrecadatório, também é utilizado para fins sociais, com foco às propriedades para que estas cumpram a sua função social em razão de uma maior. 2.3.4 Imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza Ferragut (2019) defende que “com os valores arrecadados com o Imposto sobre a Renda, o Governo Federal, dentre outras coisas, repassa verbas para Estados e Municípios aplicarem nas áreas de saúde, educação, habitação, transportes e segurança pública”. É uma questão essencial do funcionamento do país e, assim, é possível que não exista uma relação mais direta e próxima entre um governo e seu povo do que essa troca entre receita e investimento. Previsto no inciso III do artigo 153 da Constituição, o imposto sobre a renda tem como principal legislação de regência o Decreto n. 3.000/1999 depois alterado pelo Decreto n. 9.580/2018, que “regulamenta a tributação, a fiscalização, a arrecadação e a administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza” (BRASIL, 2018). Existem quatro categorias de cobrança de imposto sobre rendimentos: Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e Imposto de Renda Definitivo (IR Definitivo). Segundo Ferragut (2019, grifo do original), “todos eles têm por critério material auferir renda ou proventos de qualquer natureza, e critério espacial a renda auferida no Brasil ou no exterior”. São diversos os princípios constitucionais tributários informadores do Imposto de Renda. Antes de observar cada um deles, porém, é necessário compreender que o significado de princípio é base e, a exemplo de toda base, serve para alavancar e estabelecer ações. Contudo, seguindo a esteira e o fluxo de toda norma, seu significado depende da maneira como o intérprete o constrói. De acordo com Ferragut (2019), 44 Planejamento e administração tributária princípios são postulados fundamentais que informam a interpretação e aplicação das normas jurídicas, e têm como função importantíssima a de servir de integração para o sistema, permitindo soluções onde exista falha ou lacuna normativas. Diante do Texto Constitucional, quem confere o status de princípio a um comando normativo é a dogmática jurídica. O que diferencia princípios das demais regras é que eles são portadores de elevada carga axiológica, a ponto de informar a produção e interpretação de diversas outras normas. Agora que entendemos o que são os princípios e qual função eles exercem, vejamos cada um separadamente: • Princípio da capacidade contributiva: os impostos devem, sempre que possível, ser graduados de acordo com a capacidade econômica de cada contribuinte e, além disso, ter caráter pessoal. • Princípio da universalidade: à exceção das imunidades e isenções previstas em lei, todas as rendas devem receber o mesmo tipo de tratamento no que se refere à tributação. • Princípio da progressividade: a alíquota para determinação do valor devido deve ser progressiva, de acordo com a base de cálculo. • Princípio da anterioridade e irretroatividade: qualquer tributo, para ser cobrado, deve ser publicado em lei antes do exercício financeiro em que se pretenda cobrar ou majorar o tributo, com ao menos 90 dias a partir da data de publicação para que entre em vigor. Outro fator importante a se considerar quando tratamos de impostos sobre a renda é o conceito constitucional de renda. A questão que deve ser imperiosa é se o conceito de renda é da alçada da Constituição, ou se compete ao legisladorinfraconstitucional, por meio de lei complementar, delineá-lo. Infraconsti- -tucional: norma, preceito, regramento, regulamento e lei que estão hierarquicamente abaixo da Constituição. Sistema Tributário Nacional 45 2.3.5 Imposto sobre Operações de Crédito Embora seja mais comumente relacionado como Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a abrangência e o significado desse imposto abarcam operações de crédito, câmbio e seguro. O pagamento dele recai tanto sobre pessoas físicas quanto jurídicas que realizam essas transações, incluindo operações de títulos mobiliários. As alíquotas do IOF são variáveis e dependem do tipo de transação financeira realizada. A tabela das alíquotas do IOF não é fixa e está propensa às alterações, visto que essas alíquotas não são reguladas pela aprovação ou reprovação do Congresso Nacional. Para se ter uma ideia mais extensa do alcance do IOF e sobre quais operações ele incide, pode-se citar algumas operações de crédito elementares, como uso de cartão de crédito ou do limite do cheque especial, contratação de empréstimos e financiamentos e venda ou compra de moeda estrangeira. Os seguros de vida e de automóveis também incorrem em pagamento de IOF, com alíquota de 0,38% sobre o montante do prêmio do seguro. O IOF é um imposto federal aplicado pela União e entre seus objetivos centrais de cobrança está um ideal de acompanhamento e regulação das operações financeiras. Isso porque é por meio de sua arrecadação que o governo toma conhecimento da situação do mercado de operações de crédito no país. Tendo em vista que o IOF não depende da votação do Congresso, o governo tem a liberdade de promover mudança, se necessário. O intento é o incentivo ou desestímulo das operações financeiras às quais o IOF é aplicado. No tocante à alíquota cobrada das pessoas físicas, os percentuais são os seguintes: 6,38% para compras internacionais com cartões; 1,1% para câmbio; 0,38% mais 0,0082% por dia para rotativo do cartão de crédito; e 0,38% mais 0,0082% ao dia para empréstimos 46 Planejamento e administração tributária e financiamentos. A cobrança de IOF geralmente já é embutida nas parcelas na hora do contrato. É cobrado 0,38% sobre o valor do empréstimo mais uma porcentagem diária de 0,0082%. O financiamento de imóveis residenciais é uma das exceções de IOF: não existe cobrança para esse caso. A cobrança de seguros, porém, é com base em 0,38% sobre o seguro de vida; já nos seguros de bens, como os carros, o percentual é de 7,38%. No que se refere a investimentos, essa alíquota pode chegar a 9,6% dos rendimentos. 2.3.6 Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), que remonta ao período monárquico brasileiro, tem seus contornos iniciais encontrados no antigo Imposto Sobre o Serviço Bancário, ainda em 1812, e no Imposto Sobre Lojas, datado de 1836. Antes da sua atual nomenclatura jurídica, estabelecida pela Emenda Constitucional n. 18/1965, esteve presente nas Constituições de 1891 e 1934, desta vez classificado como Imposto Sobre Indústrias e Profissões. Apesar de se apresentar como um imposto relativamente recente, historicamente, trata-se de um tributo que acompanha o cidadão brasileiro desde longa data. Em que pese se tratar de um imposto de competência municipal, positivado em leis municipais, sua previsão é constitucional, estando discriminado textualmente nos artigos 145 (inciso I) e 156 (inciso III), ambos da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Diante de tamanha força normativa, não raramente leis ordinárias promulgadas pelos municípios são declaradas inconstitucionais, por possuírem comandos que escapam às diretrizes gerais traçadas pela Carta Magna. A Emenda Constitucional n. 37/2002, ao tratar de matéria relativa ao ISSQN, restringiu a autonomia dada aos municípios, de maneira a mitigar a possibilidade de ocorrência da chamada guerra Sistema Tributário Nacional 47 fiscal (BRASIL, 2002). No intuito de atrair empresas para as suas regiões, os municípios reduziam, de maneira competitiva, as suas alíquotas, na busca de se apresentar como localidade mais atraente, tendo como base reduções consideráveis nos percentuais do imposto sobre serviços. É importante ter em mente que a previsão constitucional não concede ao Governo Federal qualquer espécie de competência tributária sobre o ISSQN, pois, conforme o artigo 7º do CTN, a competência para instituir o imposto sobre serviços é indelegável, isto é, não pode ser repassado para ente diverso da federação (BRASIL, 1966). O único sujeito ativo de tributação que ultrapassa de alguma maneira essa norma é o Distrito Federal, visto que acumula tanto os tributos municipais quanto os estaduais. O ISSQN também tem a sua extensão legal limitada pelas bases estabelecidas na Lei Complementar n. 116/2003. Significa dizer, por exemplo, considerando os artigos 8º e 8º-A dessa LC, que os municípios não poderão cobrar alíquotas inferiores a 2% nem superiores a 5%, de modo que a sua discricionariedade fica limitada ao intervalo citado (BRASIL, 2003). Até mesmo os serviços passíveis de incidência são legalmente apresentados na lista anexa à Lei Complementar, como estabelece seu artigo 1º. Esse rol, inclusive, conforme jurisprudência pátria, é taxativo, situação que impossibilita que os municípios tributem serviços ali não previstos. Cada município deverá, portanto, estabelecer suas próprias alíquotas, sem que isso importe em desrespeito aos ditames da norma federal. Uma consulta nas leis municipais ou até mesmo nas Secretarias de Finanças ou da Fazenda pode esclarecer quais alíquotas determinado município pratica para o ISSQN e demais tributos de sua competência. Assim como na definição das alíquotas máximas, a Constituição Federal de 1988, por meio do artigo 146, inciso III, alínea a, reservou discricionariedade: particularidade de discricionário, que permite a liberdade de escolha. 48 Planejamento e administração tributária aos cuidados da Lei Complementar n. 116/2003 a definição da base de cálculo do imposto. Com a autorização constitucional, a LC fixou como base de cálculo para fins de incidência do ISSQN o preço do serviço prestado. Como exceção para isso, temos a autorização legal dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da Súmula n. 663, que validou o permissivo para o estabelecimento de uma base de cálculo diferenciada para serviços prestados por profissionais autônomos e sociedades profissionais, não revogando, por este caminho, os parágrafos 1º e 3º, pertencentes ao artigo 9º do Decreto-Lei n. 406/1968. Um ponto que usualmente gera dúvidas no contribuinte é a relação entre ISSQN e espaço geográfico, ou seja, como saber qual alíquota adotar quando o estabelecimento do prestador diverge do local da prestação dos serviços. Para superar as possíveis dúvidas, a Lei Complementar n. 16/2003, de modo preponderante, adotou o critério da territorialidade da norma jurídica, o que significa dizer que o ISSQN é devido no local do estabelecimento do prestador (regra – artigo 3º caput) e no local de prestação dos serviços (à exceção do que é disposto nos incisos I a XXII do artigo 3º). O regime jurídico brasileiro adotou um formato híbrido quanto ao local a ser considerado competente para a cobrança do imposto, haja vista ter considerado tantas exceções à regra geral. Dessa forma, o contribuinte deve ficar atento a cada uma das 22 exceções contidas no artigo 3º, pois, nesses casos, os serviços ali elencados são devidos ao município tributante do lugar onde os serviços são prestados. Vejamos um resumo no Quadro 1: Sistema Tributário Nacional 49 Quadro 1 – Incidência de ISSQN Considera-se ocorrido o fato gerador... Regra geral (caput do artigo 3º, LC 116/03) Serviços dos incisos I a XXII (artigo 3º, LC 116/03) Serviços provenientes doexterior (artigo 6º, §2º, inciso I, LC 116/03) Serviços prestados em águas marítimas (artigo 3º, §3º, LC 116/03) onde o serviço foi prestado X X onde está o esta- belecimento do prestador X X Fonte: Bacaro; Belussi, 2015, p. 49. Um ponto ao qual se deve ter muita atenção é o momento de remunerar o serviço de aluguel de móveis, pois a tentativa de normatização pelo legislador municipal deve ser afastada, consoante Súmula Vinculante n. 31 do STF, cujo teor relata que: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis” (STF, 2010). Quanto às isenções, a Lei Complementar n. 157/2016 disciplinou a matéria ao introduzir a proteção ao percentual mínimo da alíquota do imposto, sobretudo frente às possibilidades de concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários e financeiros, bem como reduções da base de cálculo ou de crédito presumido ou outorgado (BRASIL, 2016). Se alguma das circunstâncias acima for aplicada, a alíquota mínima não poderá ser contornada, ou seja, aplicadas as reduções, o cálculo final do montante não pode resultar em uma aparente alíquota inferior a 2%. A Lei Complementar n. 116/2003, por meio do inciso I do artigo 2º, positivou que o ISSQN não incide sobre exportações de serviços para o exterior do país, configurando a chamada isenção heterônoma, 50 Planejamento e administração tributária uma exceção que significa, neste caso, que a isenção do imposto municipal foi concedida pela União Federal (BRASIL, 2003). O renomado procurador do Ministério Público de Contas do Estado de Pernambuco, Ricardo Alexandre, na sua obra Direito Tributário, resume o ISSQN da seguinte forma: Antes da Constituição de 1988 os municípios eram uma categoria federativa da União. Após a CF/88 adquiriram autonomia, sendo a eles delegada autonomia municipal tanto no que tange a ações políticas, financeiras, administrativas e legislativas. Sendo assim, a instituição, arrecadação e administração dos tributos foram transferidos para a competência de cada município. Certamente que a delegação não implica necessariamente na execução. Estados como São Paulo ainda dependiam consideravelmente das transferências. Em outras palavras, a CF/88 não dizimou as transferências, mas instituiu critérios para o repasse de impostos federais e estaduais, mantendo voluntária parte das transferências. (ALEXANDRE, 2017, p. 123) Ao regulamentar a arrecadação própria dos municípios, a Constituição de 1988 aumentou potencialmente as bases dos municípios e ampliou os deveres locais. Com a regulamentação da Lei de Responsabilidade Fiscal, por sua vez, que entrou em vigor com a Lei Complementar n. 101/2000, ampliou ainda a possibilidade de base tributária dos impostos de cada município. Com a nova lei, estados e municípios ficaram impedidos de manter deficits indissolúveis que, invariavelmente, eram absorvidos e transferidos pelo Governo Federal, ficando sob sua tutela a resolução dos deficits. Especialmente nos anos 1990, essa prática era muito comum, até porque, deficits municipais e estaduais são, em geral, problemas de gestão que recaem sobre o Governo Federal. Particularmente, cabe observar o artigo 11 da lei citada: Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da federação. Sistema Tributário Nacional 51 Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos. (BRASIL, 2000) Em outras palavras, instituir, prever e arrecadar tributos da própria competência dos municípios (ISS, ITBI, IPTU, taxas, contribuições, entre outros) confere uma exigência ou requisito indispensável à gestão fiscal. O parágrafo único enuncia com clareza que o ente fica excluído das transferências voluntárias caso negligencie ou se distraia com as implicações de uma gestão fiscal responsável. Isso significa que uma gestão competente no exercício da arrecadação resulta em dois benefícios incontestes para o município: o aumento de arrecadação, o qual, por sua vez, alavanca o aumento nas transferências voluntárias. 2.3.7 Imposto sobre Transmissão de Bens Intervivos De acordo com Tiago Silva, procurador da Fazenda Nacional em São Luís, no Maranhão, o Imposto sobre Transmissão de Bens Intervivos (ITBI), “imposto de competência dos municípios por expressa atribuição do art. 156, II, da Constituição Federal, incide sobre a transferência de propriedade e demais direitos reais – exceto os de garantia – correlata a bens imóveis” (SILVA, 2010). O ITBI, já conhecido como Serviço de Imposto de Sua Alteza (SISA), era, no regime da Constituição de 1969, imposto de competência estadual, consoante o inciso I do artigo 23 dessa Constituição e o artigo 35 do CTN. Com efeito, está disposto no CTN: Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador: I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil; II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia; 52 Planejamento e administração tributária III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II. Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários. (BRASIL, 1966) Desse modo, nota-se que o antigo regime jurídico do ITBI angariava hipóteses de incidência do atual Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), mas “com o advento da Constituição de 1988, aquele ITBI de competência dos Estados foi ‘cindido’, originando o ITBI municipal hodierno e o já mencionado ITCMD, este de competência estadual” (SILVA, 2010). Consoante ao exposto cabe a leitura dos artigos: Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: […] II - transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; […] § 2º O imposto previsto no inciso II: I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil; II - compete ao Município da situação do bem. (BRASIL, 1988) No entendimento de Hugo de Brito Machado, citado por Silva (2010), “A função do imposto de transmissão é predominantemente fiscal, vale dizer, a de obtenção de recursos financeiros para a Fazenda Pública”. E, assim, realmente é inegável Sistema Tributário Nacional 53 que o ITBI se iguala ao IPTU em termos de fonte arrecadatória para os municípios do Brasil. De acordo com Silva (2010), o sujeito passivo do ITBI “é qualquer uma das partes da operação de transferência imobiliária, conforme previsto no art. 42 do CTN”. No entanto, em quase toda a legislação acessível, a adimplência do tributo é responsabilidade daquele que adquire o bem. A base imposta e inconteste do ITBI está explicitada no inciso II do artigo 156 da Constituição: é a “transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição” (BRASIL, 1988). A competência de arrecadação incide sobre o municípioonde o bem está localizado. E a base de cálculo do ITBI é o valor venal do bem imóvel ou do direito transmitido, de acordo com clara alusão ao artigo 38 do CTN, não podendo se basear no custo de celebração do negócio jurídico. Na mesma esteira do que se apresenta até aqui, a Administração Fiscal pode encontrar razões para não acolher o valor atribuído pelas partes, tanto por dúvida quanto por má-fé. Nesse caso, será orquestrada a transferência tributária, cabendo à administração, conforme autorizado no artigo 148 do CTN, arbitrar o valor correspondente para a base de cálculo. As alíquotas do imposto de transmissão, para estarem em conformidade com a lei do município, devem ter um percentual único. A doutrina majoritária e a jurisprudência do STF julgam inadmissível o progresso de alíquotas para o ITBI. Seguindo essa vertente, a Súmula n. 656 do STF dita que: “É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o […] ITBI com base no valor venal do imóvel” (STF, 2003). Tal vedação consiste na desautorização constitucional para tal conduta fiscal. valor venal: valor de mercado. 54 Planejamento e administração tributária De acordo com Eduardo Sabbag, citado por Silva (2010), “o ITBI não é um imposto progressivo, pois inexiste previsão constitucional. Além disso, o ITBI é um imposto real, cuja base de cálculo é o valor venal do imóvel. Impostos reais não admitem, em regra, a progressividade”. Nesse caso, faz-se difícil, juridicamente, conciliar o ITBI com o princípio da capacidade contributiva, previsto no parágrafo 1º do artigo 145 da Constituição. Considerando que existem duas espécies de progressividade de alíquotas, a fiscal e a extrafiscal, é preciso entender cada uma delas. A fiscal está relacionada ao princípio da capacidade contributiva, já analisado neste capítulo. A extrafiscal, por sua vez, relaciona-se “à utilização do tributo como instrumento de intervenção estatal e direcionamento de condutas” (SILVA, 2010). Nesse sentido, é importante perceber que a alíquota do ITBI não pode ser extrafiscal, já que seu fato gerador é a transmissão da propriedade, não o uso que se faz dela. Silva (2010) analisa, porém, um importante argumento apresentado por Kiyoshi Harada sobre progressividade fiscal para o ITBI, que merece atenção: Na verdade, a progressividade do ITBI tinha pleno amparo no § 1º do art. 145 da CF. Afinal, quem adquire um bem de valor venal expressivo revela, objetivamente, capacidade contributiva maior do que aquele que adquire um bem de diminuto valor venal. Por isso, concluímos que a rejeição do ITBI progressivo, sob a eiva de inconstitucionalidade, tem a sua verdadeira motivação no caráter excessivo da carga tributária. Essa análise de Harada recebe nossa concordância, mas não questiona o fato de que a progressividade do ITBI foi cabalmente preterida pela Súmula n. 656 do STF, já analisada aqui. O lançamento do ITBI, por fim, é realizado por meio de declaração do contribuinte, como determina o artigo 147 do CTN. Porém, caso verificada a ausência da declaração ou o inadimplemento do tributo, Sistema Tributário Nacional 55 deve-se obstar eventual lançamento direto ou de ofício, conforme incisos II, III e V do artigo 149 do CTN. Considerações finais Neste capítulo, foram analisados vários tributos e suas respectivas peculiaridades. Analisamos, ainda, como a gestão de cada município deve se comportar diante da autonomia concedida no que se refere ao ato de tributar. Com isso, é possível, numa rápida verificação, analisar que um país se organiza em setores cujos deveres tributários e a administração apresentam um leque de informações com o qual leigos e especialistas devem fazer contato antes de expor sua visão sobre o tema. Longe de ser um assunto simples, do qual derivam perspectivas simplistas, os tributos analisados ainda contam com a diversidade política e a particularidade de cada gestão e com a personalidade de cada gestor. Desse modo, um artigo sobre IPTU na cidade de São Paulo seria diverso de um estudo em uma cidade do interior de Minas, por exemplo, pois existem leis municipais e, conforme dito, questões de gestão pública que recaem sobre a cobrança do referido tributo. Por isso, todos os capítulos desta obra fazem esse chamamento para a complexidade dos tributos, reafirmando que definir cada um individualmente não fornece tudo que é necessário para a compreensão real deles. Uma boa amostra dessa complexidade encontra-se na literatura especializada, que oferece uma gama incontável de trabalhos divergentes e até polêmicos sobre o tema, mostrando que não há unanimidade entre os especialistas em suas análises sobre tributos. Disso advém a necessidade dos graduandos de construírem um conhecimento de base e senso crítico, visando ter seu próprio arcabouço de ideias. Outros tributos não foram descritos neste capítulo justamente porque a ideia central era mencionar os principais, posto que o ramo 56 Planejamento e administração tributária e a profissão que cada aluno escolher exigirá uma busca mais ampla de conhecimento deste ou daquele imposto, assim como das taxas e contribuições implicadas. O importante é conhecer os principais tributos e a lógica envolvida nestes e em todos os outros tributos brasileiros, pois isso será importante também conforme avançamos nos próximos capítulos. Ampliando seus conhecimentos • JUS. Disponível em: https://jus.com.br/. Acesso em: 25 set. 2019. Com acesso livre e gratuito e linguagem acessível, esse site é bastante recomendado para quem está iniciando sua jornada jurídica. • USP. Biblioteca digital de teses e dissertações. Disponível em: https://www.teses.usp.br/. Acesso em: 25 set. 2019. O curso de direito da USP e os trabalhos de especialização na área têm ótima reputação. Além de o aluno desfrutar do conteúdo disposto, ainda pode aprender as metodologias aplicadas nos trabalhos científicos que, no caso da referida instituição, têm extremo rigor formal e de conteúdo. Assim como a indicação anterior, oferece linguagem acessível para quem foi recentemente inserido nas terminologias do direito. Atividades Todo sistema tem, em seu modus operandi, um nível considerável de falibilidade, em razão dos contextos, que não são estáticos, oferecendo uma margem de diculdade e adaptação. Esse fenômeno ocorre no sistema jurídico, nas Sistema Tributário Nacional 57 normas e regras e em qualquer estrutura que precise lidar com a diversidade complexa de fatores que organizam o seu funcionamento e o alvo ao qual será aplicado. Sendo assim, para efeito de reexão: 1. Comente a visão generalizada do recolhimento de tributos e a real natureza da arrecadação dos impostos. 2. Disserte sobre o ajustamento cada vez mais coerente entre os municípios, os estados e o Governo Federal no que se refere à cobrança de tributos. 3. São diversos os princípios constitucionais tributários referentes ao Imposto de Renda. Que princípios são esses e qual função eles exercem? Referências ALEXANDRE, R. Direito Tributário. 11. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. BACARO, S. M. A.; BELUSSI, C. F. Tributos Municipais. Salvador: JusPodivm, 2015. BRASIL. Emenda Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de 1965. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, 6 dez. 1965. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_ anterior1988/emc18-65.htm. Acesso em: 6 set. 2019. BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, 27 out. 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172Compilado.htm. Acesso em: 4 set. 2019. BRASIL. Decreto-Lei n. 1.578, de 11 de outubro de 1977. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, 11 out. 1977. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1578.htm.Acesso em: 6 set. 2019. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: http://www. 58 Planejamento e administração tributária planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 6 set. 2019. BRASIL. Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, 5 maio 2000. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm. Acesso em: 6 set. 2019. BRASIL. Emenda Constitucional n. 37, de 12 de junho de 2002. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, 13 jun. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc37. htm. Acesso em: 6 set. 2012. BRASIL. Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 2003. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, 1º ago. 2003. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp116.htm. Acesso em: 6 set. 2003. BRASIL. Lei Complementar n. 157, de 29 de dezembro de 2016. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, 30 dez. 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp157.htm. Acesso em: 6 set. 2019. BRASIL. Decreto n. 9.580, de 22 de novembro de 2018. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, 23 nov. 2018. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Decreto/D9580.htm#art4. Acesso em: 6 set. 2019. FERRAGUT, M. R. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. In: CAMPILONGO, C. F.; GONZAGA, A. de A.; FREIRE, A. L. (coord.). Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Tomo: Direito Tributário. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/271/edicao-1/imposto-sobre- a-renda-e-proventos-de-qualquer-natureza. Acesso em: 6 set. 2019. GIACOMINI, L. B. IPTU: uma análise da função social da propriedade e de sua progressividade. Vianna Sapiens, Juiz de Fora, v. 1, n. 2, out. 2010. Disponível em: http://viannasapiens.com.br/revista/article/view/24/15. Acesso em: 6 set. 2019. MACHADO, H. de B. Curso de Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. RABELLO, G. G.; OLIVEIRA, J. M. de. Tributação sobre empresas no Brasil: comparação internacional. Radar, n. 41, out. 2015, p. 33-43. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/5714/1/Radar_n41_ tributa%c3%a7%c3%a3o.pdf. Acesso em: 6 set. 2019. Sistema Tributário Nacional 59 SILVA, T. de M. P. e. O ITBI e as operações financiadas pelo Sistema Financeiro da Habitação. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2725, 17 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18067. Acesso em: 6 set. 2019. STF – Supremo Tribunal Federal. Súmula 656. Aplicação das Súmulas no STF. 13 out. 2003. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/ menuSumarioSumulas.asp?sumula=2151. Acesso em: 6 set. 2019. STF – Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante 31. Aplicação das Súmulas no STF. 17 fev. 2010. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/ jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1286. Acesso em: 6 set. 2019. WORLD BANK GROUP. Doing Business 2018. Reforming to create jobs. Washington DC, EUA: World Bank Publications, 2018. Disponível em: https://portugues.doingbusiness.org/content/dam/doingBusiness/media/ Annual-Reports/English/DB2018-Full-Report.pdf. Acesso em: 4 set. 2019. 3 Planejamento scal e tributário Conforme observamos nos capítulos anteriores, temos no Brasil quase uma centena de diferentes taxas, impostos e contribuições. Sem exceção, pessoas físicas ou jurídicas, direta ou indiretamente, são contribuintes de algum ou alguns desses encargos. Com uma carga tributária tão elevada, é compreensível que surja, entre a população e as empresas brasileiras, a necessidade de se pensar e estabelecer ações que auxiliem na redução das despesas com tributos tão onerosos. Esse encolhimento dos gastos com impostos é um ato estratégico e pode maximizar os lucros, possibilitando o crescimento das corporações – mas deve sempre ser feito em conformidade com as leis do Sistema Tributário Nacional (STN). Ao longo deste capítulo, buscaremos aprimorar nossos conhecimentos sobre planejamento fiscal e entender, de forma geral, qual a diferença entre bons planejamentos e aqueles que podem nos levar a cometer sonegação fiscal. Veremos ainda, neste capítulo, alguns dos benefícios mais comuns no Brasil. 3.1 Planejamento fiscal É evidente que o sistema tributário brasileiro causa resistência e rejeição entre seus contribuintes. O alto índice de impostos e a complexidade do sistema desestimulam o cumprimento dessa obrigação, o que justifica a afirmação de que o país precisa – urgentemente – iniciar um processo cultural de inserção do planejamento tributário como forma de sobrevivência financeira. Vídeo 62 Planejamento e administração tributária A título de exemplo, podemos citar um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), que aponta que os tributos compõem mais da metade dos custos e despesas das empresas. Isso significa que 51,51% do lucro líquido é destinado ao pagamento do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e que, de modo geral, um terço (33%) do faturamento empresarial é destinado ao pagamento de impostos e taxas (ZANLUCA, 2019). Ainda nessa perspectiva, Abrahão (2011) divulga outro estudo realizado pelo IBPT. Desta vez, o instituto revela que, em 2010, os gastos tributários se elevaram para além da margem de 35% do Produto Interno Bruto (PIB). Nesse cenário, as corporações estão buscando alternativas para reduzir o impacto da tributação em sua estrutura de custos, como uma tentativa de se manterem rentáveis e atrativas para o mercado. Portanto, é premente a criação de um sistema de economia legal que beneficie os cofres das empresas, mas sem prejudicar o aparelho tributário. Entre as alternativas encontradas pelos contribuintes para reduzir os encargos tributários, existem vias legais e ilegais. O método legal para essa redução é chamado de elisão fiscal ou planejamento tributário. Por outro lado, o caminho ilegal passa pela evasão ou sonegação fiscal. Ambos os artifícios têm o mesmo objetivo – atenuar os gastos com impostos e taxas –, mas o que os diferencia é o respeito à legislação e à ética tributária. Assim, a evasão fiscal é uma alternativa ilícita utilizada por pessoas físicas e jurídicas para evitar o pagamento de tributos. Aqueles que apostam na sonegação fiscal utilizam mecanismos que contribuem para a omissão de informações ou para a apresentação de documentos com conteúdo falso, que distorcem dados sobre as receitas e as despesas do contribuinte. O planejamento tributário é uma ferramenta contábil que permite otimizar a carga dos tributos por meios legais, sem fazer Planejamento fiscal e tributário 63 uso da sonegação. Dessa forma, as empresas pagam seus impostos sem burlar a legalidade e evitam não somente danos à sua reputação, mas também cuidam da própria saúde financeira, visto que uma organização não consegue manter uma gestão pautada na ilegalidade sem comprometer seu próprio caixa. Para especialistas da área de direito tributário e de contabilidade, o planejamento tributário pode contribuir grandemente para o sucesso da empresa, uma vez que pode interferir na estabilidade corporativa. Isso posto, compreende-se que essa é uma prática indispensável à sobrevivência financeira das organizações. Para Domingues (2000 apud MARTINEZ, 2002), a elisão fiscal consiste na aplicação de medidas contínuas que buscam a redução de tributos a serem pagos e considera as mudanças rápidas que devem ser feitas caso o sistema tributário altere suas regras. Assim, o gestor que utiliza o planejamento tributário como alternativa deve ser capaz de identificar se os meios queutiliza para reduzir seus gastos são lícitos ou ilícitos. A estabilidade econômico-financeira, então, é alcançada por meio da utilização de técnicas diversas, como a mobilização de recursos para projetos nacionais ou o aproveitamento de investimentos de ordem produtiva – assim, obtém-se o máximo de benefícios oferecidos pela legislação. Portanto, mais uma vez, ressalta-se o caráter legal do planejamento tributário, uma forma de aplicação das provisões fiscais na administração do negócio, utilizando os benefícios fiscais para atender às prioridades nacionais estabelecidas pelo interesse do governo e da população em geral. Na contramão do que vemos acontecer no Brasil, podemos citar os Estados Unidos e a Inglaterra, nações que têm o planejamento tributário como parte de sua cultura contábil. Nesses países, existe uma formação profissional chamada certified public accountants (contadores públicos certificados – CPA, na sigla em inglês), que reúne as habilidades de advogados e contadores, ou seja, habilita 64 Planejamento e administração tributária profissionais para atuação na área de direito ou de contabilidade. Dessa forma, são preparados indivíduos multiprofissionais, capazes de operar o planejamento tributário de uma empresa, uma vez que farão uso correto e eficaz dos princípios contábeis e das normas jurídicas relacionadas ao assunto. A inexistência dessa categoria profissional no Brasil restringe o número de especialistas integralmente habilitados para lidar com essa questão. Isso porque, para ser considerado capacitado à realização de um planejamento tributário completo e adequado, o profissional deve ter conhecimentos nas áreas de direito, contabilidade e até auditoria. O planejamento tributário é, essencialmente, um plano criado a partir da análise da situação financeira da empresa e sob determinada perspectiva tributária. O objetivo desse planejamento é promover eficiência tributária, minimizando custos e reunindo diversos elementos de forma sincronizada para o alcance de melhorias. Trata-se de uma parte basilar da estrutura financeira das empresas que não pretendem burlar a legalidade do sistema tributário. Uma empresa, sendo contribuinte, tem o direito de estruturar seu negócio da maneira que lhe pareça mais conveniente, inclusive buscando a redução dos custos e até mesmo dos impostos. Se as escolhas administrativas forem feitas pautadas em princípios jurídicos lícitos, cabe à fazenda pública respeitar essas decisões, ainda que isso implique uma menor arrecadação de tributos. Dessa forma, o planejamento tributário é um conjunto de métodos legais que auxilia na diminuição do pagamento de impostos, taxas e contribuições. Nesse sentido, os mecanismos utilizados pelo gestor envolvem diversas atividades que ajudam a reduzir o passivo fiscal, aproveitando-se de todos os subsídios permitidos nos termos da lei, tais como deduções, concessões, isenções, abatimentos e exclusões. Sobre esse assunto, Godoi e Ferraz (2012) dissertam: Planejamento fiscal e tributário 65 O planejamento tributário é a atividade pela qual os contribuintes procuram, sem infringir o ordenamento jurídico, organizar suas atividades econômicas e negociais de forma a provocar a incidência da menor carga tributária possível. O direito à prática do planejamento tributário não é objeto de controvérsia, nem na doutrina, nem na jurisprudência; tampouco é objeto de polêmica a assertiva de que o direito ao planejamento tributário tem fundo constitucional e decorre da liberdade e da autonomia privada. Mas a polêmica é inevitável quanto à definição dos limites desse planejamento, vale dizer, quanto a como definir e aplicar aos casos concretos os critérios que separam o campo do planejamento lícito e eficaz (chamado no Brasil de elisão fiscal) do campo do planejamento ilícito e ineficaz. (GODOI; FERRAZ, 2012, p. 359-360) Segundo os autores, é a legislação de cada país que estabelece os parâmetros utilizados para separar o planejamento tributário lícito – em que o Fisco deve acatar os processos adotados – do planejamento ilícito, situação na qual o sistema pode rejeitar os recursos jurídicos empregados pelo contribuinte. Além disso, essa mesma legislação tributária define os tributos que devem ser pagos por cada pessoa, seja física ou jurídica. Dessa forma, o planejamento tributário comporta um conjunto de leituras e operacionalidades inerentes ao país em que ocorre. É importante ressaltar que os limites entre o planejamento tributário lícito e o ilícito são definidos de forma específica e individualizada. Portanto, os conceitos jurídicos e legais são aplicados e esclarecidos caso a caso, levando-se em consideração a jurisprudência dos tribunais que recebem situações concretas relacionadas ao assunto. Assim, ao julgar se determinado ato constitui evasão ou elisão fiscal, o tribunal analisa os motivos econômicos deste, isto é, pondera se tal movimentação empresarial traz apenas os ganhos fiscais ou esconde outras intenções – como segregar negócios muito distintos entre si dentro de uma mesma empresa. 66 Planejamento e administração tributária Embora não concordemos com essa postura, é uma prática notória. Assim, o tamanho da organização deve ser bem avaliado para realizar o julgamento correto da questão. Ressalta-se que essa prática é adotada inclusive pelo próprio governo, ao definir que as empresas podem escolher entre três tipos de tributação. Para maior detalhamento, explicitamos, a seguir, com mais informações, os três tipos de regimes tributários. O regime tributário denominado Simples Nacional oferece dupla vantagem ao contribuinte. A primeira diz respeito ao valor das alíquotas, que, em função da simplicidade da agenda tributária, têm valor menor do que os outros regimes. A segunda vantagem do Simples Nacional é a atenuação da burocracia necessária para a demonstração da apuração tributária. Esses aspectos facilitam o controle do contribuinte sobre os tributos a serem pagos. No entanto, há de se fazer uma ressalva: nem toda empresa está apta a escolher esse regime tributário. Essa é uma alternativa somente para aquelas cuja renda bruta seja de até R$ 3.600.000,00 por ano. Ademais, caso o faturamento anual seja menor que R$ 600.000,00, a empresa ainda conta com a opção do Supersimples, no qual as alíquotas são ainda mais reduzidas. Em ambas as opções, há a unificação de oito tributos: PIS, Cofins, ISS, IRPJ, CSLL, ICMS e IPI e, em alguns casos, INSS patronal. Neste momento, faz-se importante destacar que o Simples Nacional nem sempre é o sistema que apresenta mais vantagens para o contribuinte, sobretudo para empresas prestadoras de serviço que recolhem à parte a contribuição do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – o que permite que as alíquotas sejam determinadas e reguladas por meio da folha de pagamento. Outro regime disponível é o denominado Lucro Real, que é obrigatório para as seguintes categorias de empresas: • aquelas com faturamento acima de R$78 milhões de reais ao ano; Planejamento fiscal e tributário 67 • aquelas cujas atividades estão relacionadas ao setor financeiro (bancos comerciais, de investimentos ou de desenvolvimento; sociedades de crédito, financiamento e investimento; sociedades de crédito imobiliário; sociedades corretoras de títulos, valores mobiliários e câmbio; distribuidoras de títulos e valores mobiliários, entre outras); • aquelas cujos lucros, rendimentos ou ganhos de capital sejam oriundos do exterior (empresas Offshore, filiais controladas e coligadas no exterior etc.). Nesse regime tributário, o cálculo das alíquotas é feito com base no lucro real, ou seja, a partir da soma das receitas e abatimento das despesas. Esse sistema faz com que a empresa adote uma organização minuciosa de suas contas. Sem essa organização, arrisca-se dizer que é impossível efetuarum planejamento tributário bem-sucedido. Sob o aspecto tributário, o regime de Lucro Real apresenta vantagens para empresas com margens mínimas de lucro – ou até prejuízos. Entretanto, é preciso ter prudência e levar em consideração que a análise aqui feita também se estende para a CSLL e para as contribuições ao PIS e à Cofins, uma vez que a escolha desse regime também afeta esses tributos. O regime de Lucro Presumido, por fim, apresenta um maior número de possibilidades, já que toda corporação cujo faturamento anual não seja superior a R$ 78 milhões pode se cadastrar. Nesse regime, o IRPJ e a CSLL têm uma alíquota fixa, determinada pela Receita Federal. Além disso, presume-se o lucro da empresa de acordo com suas receitas (bruta e sujeita à tributação). Portanto, devido à simplicidade e à economia tributária oferecida pelo regime de Lucro Presumido, esse sistema tem-se mostrado um importante recurso para o estabelecimento da estratégia tributária das empresas, especialmente aquelas com alta lucratividade. 68 Planejamento e administração tributária 3.1.1 Substituição Tributária Outro tópico que deve ser abordado e que cabe ao escopo deste capítulo é o conceito de Substituição Tributária (ST). Trata-se de um processo no qual a responsabilidade pelo pagamento do ICMS é delegada a outro contribuinte que não aquele que realizou a venda. Como explica Plesnik (2010, p. 12), A Substituição Tributária do ICMS decorre de uma norma que permite que o legislador estadual/distrital prescreva a uma terceira pessoa (denominada substituto), diversa daquela que irá realizar o fato jurídico tributário (denominada substituído), o dever de recolher, em nome do contribuinte, o valor do tributo devido por este à Fazenda Estadual. Para facilitar a compreensão, tomemos o exemplo de um automóvel. Como sabemos, o ICMS incide sobre a venda de mercadorias. Dessa forma, o comum seria que o imposto fosse cobrado no momento da venda (fato gerador). No entanto, pela ST, a cobrança é feita de maneira antecipada, ou seja, o tributo é arrecadado no momento em que o veículo sai da indústria fabricante. Assim, tem-se a antecipação de recolhimento perante um fato gerador presumido. Essa é a substituição tributária progressiva (“para frente”). Existe, ainda, a substituição tributária regressiva (“para trás”). Nesse modelo de ST, o fato gerador ocorre anteriormente ao recolhimento do tributo, ou seja, a lei atribui ao adquirente de uma determinada mercadoria a responsabilidade do pagamento do ICMS. Esse fenômeno ocorre quando o Fisco considera a terceira pessoa escolhida para pagar o tributo como um sujeito com maior aptidão para fazê-lo, ainda que não tenha realizado o fato gerador. Trata-se, portanto, do diferimento, isto é, “a postergação da exigência tributária para momento ulterior do ciclo mercantil (saída para outro Estado, saída para o exterior, entrada em estabelecimento industrial, etc.)” (MELO, 2005 apud PLESNIK, 2010, p. 12). Planejamento fiscal e tributário 69 Sobre este tópico, Becker (1998 apud PLESNIK, 2010, p. 12, grifos do original) complementa: Existe substituto legal tributário toda vez em que o legislador escolher para sujeito passivo da relação jurídica tributária um outro qualquer indivíduo, em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo. Em síntese: se em lugar daquele determinado indivíduo (de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é signo presuntivo) o legislador escolheu para sujeito passivo da relação jurídica tributária um outro qualquer indivíduo, este outro qualquer indivíduo é o substituto legal tributário. Neste momento, faz-se necessário realizar um adendo: o ICMS- ST possui alíquotas distintas a depender do tipo de produto e do seu Estado de origem. 3.1.2 Tributação em tecnologia Como já foi apontado anteriormente, para além de toda a complexidade e burocracia que envolve o pagamento de tributos, as empresas ainda devem compreender em quais modalidades de pagamentos se enquadram. Caso haja confusão, podem ocorrer perdas desnecessárias de receita. A título de exemplo, observemos as empresas de tecnologia. Elas costumam pagar mais tributos – ou tributos mais onerosos – do que deveriam ou precisariam. Isso porque existem dúvidas sobre o seu enquadramento, ou seja, se devem ser consideradas como vendedoras de produtos ou serviços quando vendem software. Pela lei, se uma empresa vende um software de prateleira (produzido em larga escala de maneira uniforme, sem modificações e comercializado sob a forma de milhares de cópias), ela realiza uma venda de produto – portanto, a alíquota do ICMS incidente é de 8%. No entanto, se o que a empresa comercializa é um software personalizado, desenvolvido para atender às necessidades específicas 70 Planejamento e administração tributária de determinado usuário, pode-se dizer que ela vende um serviço e, portanto, a alíquota incidente deve ser de 32%. Há, ainda, outra confusão enfrentada pelas empresas comercializadoras de softwares. Dessa vez, diz respeito ao processo de importação e ao pagamento de impostos a ele relacionados. Ao importar softwares, a corporação fica obrigada ao pagamento do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), ao passo que fica isenta da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). A falta de orientação e o equívoco ocorrem quando a empresa deixa de pagar esses dois primeiros impostos ou quita três, gerando gastos desnecessários ou passivos tributários. No tocante aos impostos, vale a pena investir em Tecnologia da Informação (TI) no Brasil, dependendo do planejamento e do conhecimento do especialista responsável pelo planejamento tributário da empresa. Segundo um estudo realizado pela Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), o faturamento do mercado nacional nesse setor chegou à marca de R$ 195,7 bilhões no ano de 2018. Ao considerarmos o mercado de telecomunicações e TI in House, o montante chega a R$ 467,8 bilhões, registrando um crescimento de 5,4% em relação ao ano de 2017 (INFORCHANNEL, 2018). Desde 2015, o Projeto de Lei n. 6.625/2013 oferece benefícios fiscais para empresas no setor de TI. Por meio dessa legislação, fica prevista a isenção de impostos para empresas relacionadas à área, tais como as startups, pelo período de dois anos, com a possibilidade de prorrogação por mais dois anos. O Sistema de Tratamento Especial a Novas Empresas de Tecnologia (SisTENET) está em vigor desde então, mas não enquadra todas as empresas do setor de tecnologia. Prova disso é o aumento dos impostos sobre softwares em nuvem, divulgado em agosto de 2017. Planejamento fiscal e tributário 71 Nesse ano, a incidência de impostos no setor foi 34,25% maior – o patamar, que antes era de 5,38%, passou a ser de 39,63%. Outras tributações incidentes no setor de tecnologia são o Imposto de Renda a 15% e o Cide a 10% para valores pagos, entregues, creditados ou remetidos ao exterior a fornecedores de softwares como serviço (Software as a Service – SaaS). No entanto, esses percentuais não são fixos – eles variam de acordo com o regime tributário no qual a empresa se encaixa. Essas variações de percentual são apenas um exemplo dos desafios enfrentados pelas companhias ao administrar os tributos indiretos. Segundo dados publicados no Jornal do Comércio, (MELLO, 2017), mais da metade dos gestores (53,85%) acredita que, em TI, o compliance (dever de estar em conformidade com atos, normas e leis) é o principal obstáculo a ser superado nesse sentido. Para outros, 51,28% das empresas, o setor de tecnologia depende de uma atualização da política fiscal para que seus processos se tornem mais seguros. Na realidade, em qualquer um dos casos, a gestão tributáriaé um item indispensável a ser levado em consideração quando da decisão estratégica em TI. De modo geral, as principais obrigações tributárias, tanto de empresas de TI como de outros setores, são: a emissão de notas fiscais, a entrega de declarações relacionadas a transações financeiras, a escrituração de livros fiscais e a organização de todos os documentos fiscais. Além disso, os tributos mais relevantes a serem pagos por empresas de software (ou outros setores) são: ISS, um encargo de caráter municipal que isenta as atividades de distribuição, revenda e representação de serviços do tipo SaaS; PIS/Pasep, que tem incidência de 0,65% sobre o faturamento das empresas do ramo de TI; Cofins, com incidência de 3% sobre a receita; IRPJ e CSLL. Vale ressaltar, novamente, que a incidência dos encargos está diretamente relacionada ao regime tributário eleito pela empresa. 72 Planejamento e administração tributária Sob essa perspectiva, se a empresa de tecnologia seleciona inapropriadamente um regime tributário para seguir, pode fazer com que o gasto com impostos fique acima do necessário, prejudicando a saúde financeira da organização. Da mesma maneira, uma empresa com baixo faturamento pode, desavisadamente, optar pelo Simples Nacional, acreditando que irá pagar alíquotas menores do tributo. O que muitas empresas ignoram é que, em anos nos quais é esperado prejuízo, a melhor opção seria o regime de Lucro Real, no qual a entidade estaria isenta de qualquer pagamento, devido à ausência de lucros. Sendo assim, os lucros advindos do planejamento tributário em TI dependem de uma atuação estratégica cuidadosa, que demanda certa perícia. É justamente esse empenho que garante um bom custo-benefício para os investimentos na área, mas exige da empresa comprometimento e atenção aos detalhes. Afinal, os gastos são elevados e podem causar impactos importantes na estrutura da corporação. Uma vez que a burocracia em torno dos impostos em tecnologia é alta, o gestor e toda a equipe responsável devem fazer uma análise completa do cenário em que a empresa se encontra, buscando transformar custos em investimentos reais e comprováveis. Assim, deve-se conhecer o panorama tributário da tecnologia e o sistema tributário brasileiro em geral, com o intuito de conseguir o maior número de isenções fiscais possíveis – sem olvidar, por certo, o princípio da legalidade. 3.1.3 Incentivos fiscais e extrafiscais Um dos incentivos mais conhecidos e discutidos no Brasil é a Zona Franca de Manaus (ZFM). Entre os diversos posicionamentos a respeito dela, os que são a favor de mantê-la falam em desenvolvimento dessa área, enquanto outros, contrários, falam em descumprimento do preceito da isonomia. Planejamento fiscal e tributário 73 Atualmente, a ZFM tem uma política tributária diferente em relação a outras partes do Brasil, pois tem o objetivo de transformar o interior da Amazônia em um centro industrial, comercial e agropecuário competitivo e desenvolvido. Trata-se de uma área de livre comércio que oferece incentivos fiscais especiais para as empresas que ali se estabelecem, buscando reduzir os custos da região. O Governo Federal, juntamente com os Estados e os municípios envolvidos na Zona Franca de Manaus (ZFM), estabeleceram uma política tributária diferenciada, que oferece não só benefícios fiscais, como também incentivos extrafiscais – os benefícios locacionais. É importante ressaltar que, para constituir uma empresa nessa região, deve-se submeter o projeto à Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e obedecer aos requisitos exigidos por essa autarquia. No que se refere aos tributos federais, os incentivos fiscais recaem sobre diversos impostos. O primeiro, Imposto de Importação (II), conta com o abatimento de até 88% quando relacionado a matérias- -primas, produtos intermediários, embalagens e outros insumos utilizados na industrialização de produtos consumidos por todo o Brasil. Além disso, há a isenção do IPI para os produtos produzidos na Zona Franca de Manaus e destinados à comercialização por todo o território nacional. Adicionalmente, há a redução de 75% do valor do IRPJ, com adicionais para empreendimentos considerados necessários ao desenvolvimento da região. Por fim, o Governo Federal garante isenção no pagamento do PIS/Pasep e da Cofins às organizações que possuem atuações internas na ZFM. Em relação aos tributos estaduais, as unidades federativas constituintes da ZFM oferecem às empresas a restituição parcial ou total – que varia de 55% a 100% – do ICMS. Além disso, na esfera municipal, as empresas com pelo menos 500 postos de trabalho são dispensadas do pagamento do IPTU, das Taxas de Serviços de Coleta 74 Planejamento e administração tributária de Lixo, de Limpeza Pública, de Conservação de Vias e Logradouros Públicos e das Taxas de Licença. Também são oferecidos benefícios extrafiscais para as empresas que se estabelecem na ZFM. As vantagens locacionais são um grande exemplo, uma vez que o investidor pode obter o terreno a preço simbólico, contando com uma infraestrutura completa, com captação, tratamento e abastecimento de água, rede de esgoto e drenagem pluvial, sistema viário e rede de telecomunicações. É importante ressaltar que esse território industrial é composto de 3,9 mil hectares, mas as empresas que hoje estão nele instaladas ocupam menos de 44% do espaço (1,7 mil hectares). Dessa forma, novos empreendimentos têm à disposição mais de 2,2 mil hectares para realizar suas atividades. Nesse sentido, com o objetivo de atrair investimentos para a região, o governo brasileiro investe de forma relevante na infraestrutura local, para que os empresários tenham garantidas as condições necessárias para firmarem seus empreendimentos nesse importante polo industrial. Diante disso, entende-se que a ZFM oferece um benefício considerável aos empresários, já que os benefícios fiscais característicos da região tornam-se um atraente rendimento financeiro. Por outro lado, essa porção de território também promove desenvolvimento econômico e gera milhares de empregos todos os anos. Assim, combate-se as desigualdades socioeconômicas entre a Região Amazônica e as demais partes do país. 3.2 Elisão fiscal e evasão fiscal Como já citamos neste capítulo, é significativo atentar para que a elisão não vire sonegação. É preciso estar atento, pois a diferença entre elisão e evasão pode ser mínima. Vídeo Planejamento fiscal e tributário 75 No Brasil, existem duas categorias de elisão fiscal. A primeira delas está fundamentada e garantida pela lei em si mesma, enquanto a segunda deriva das brechas encontradas na legislação tributária. O primeiro tipo de elisão tem amplo apoio do dispositivo legal, não apenas autorizando, como também induzindo à prática de economia de tributos. Uma das formas mais comuns de elisão fiscal é o incentivo fiscal, em que é o legislador que fornece ao contribuinte destinatário o benefício – e o faz amparado pelos parâmetros legais. Um exemplo importante dessa categoria de benefícios são os incentivos à inovação tecnológica, previstos pela Lei n. 11.196/2005. A segunda variedade de elisão fiscal resulta das escolhas do contribuinte, que constrói seu negócio com base nas possibilidades oferecidas pela legislação, diminuindo seu ônus tributário. Ao evitar que ocorra o fato gerador de determinado tributo, o gestor consegue equilibrar suas finanças por meio de instrumentos legais, ou seja, sem impedimentos do aparato legal. Como exemplo dessa variedade, podemos citar uma empresa de serviços que decide mudar sua sede para outro município, no qual a alíquota do ISS é menor. A legislação em nada impede que o contribuinte escolha seu lugar de atuação, já que ele pode optar por locais mais convenientes para seu funcionamento – ainda que essa seja uma escolha feita exatamentecom a intenção de favorecer seu planejamento fiscal. As opções fiscais tributárias do planejamento devem ser feitas no primeiro pagamento do imposto. Conforme mencionado anteriormente, a apuração do IRPJ e da CSLL pode ser feita de três formas distintas: Lucro Real (cuja apuração pode ser anual ou trimestral), Lucro Presumido e Simples Nacional. Com efeito, cumpre ressaltar que a legislação não permite que a empresa mude seu regime tributário durante o calendário em exercício, ou seja, a 76 Planejamento e administração tributária opção feita deve ser respeitada de forma definitiva durante todo o ano em questão, mesmo que se mostre equivocada. 3.2.1 Evasão fiscal ou sonegação A fraude, sonegação ou evasão fiscal é a utilização deliberada de mecanismos que violam a regulamentação fiscal e tributária do país. Trata-se de um delito raramente absolvido, uma vez que é flagrante e se constitui como oposição consciente aos textos da lei. Em termos jurídicos, diz-se que essa é uma ação amplamente repreensível. No que tange ao planejamento tributário, é admitido o direito aos contribuintes de recorrerem aos procedimentos que lhes parecerem convenientes, desde que autorizados ou não proibidos pelas normas – mesmo quando o Tesouro é prejudicado por deixar de arrecadar. De acordo com Siqueira e Ramos (2006), a prática da evasão fiscal é tão antiga quanto a cobrança de impostos. Para os autores, essa infração compromete de forma significativa o sistema tributário do país, ainda que pareça uma mera desobediência às obrigações com o governo. Sonegar impostos acomete não somente o sistema tributário, mas também tem consequências na eficiência econômica do país. Sabemos que não é possível evitar o pagamento de tributos, uma vez que essa é uma das principais fontes de renda do Estado – com a qual ele se torna capaz de prover as necessidades fundamentais de sua população. Por isso, o controle da evasão fiscal deve estar entre os principais objetivos das autoridades fiscais. No entanto, sabe-se que a conscientização dos contribuintes para o pagamento dos tributos é algo que demanda grande esforço, por vários motivos. Um deles diz respeito aos próprios limites estruturais da economia. Além disso, é preciso levar em consideração os diversos estímulos à sonegação que, muitas vezes, passa por aceitação social. Planejamento fiscal e tributário 77 As organizações, ao optarem por qualquer um dos regimes tributários (Lucro Real, Lucro Presumido ou Simples Nacional), celebram um compromisso não apenas com o governo, mas com todos os outros sujeitos contribuintes que também firmaram tal compromisso. O pagamento dos tributos é indispensável ao desenvolvimento do país, uma vez que a economia se torna saudável a depender da concepção que a população tem acerca dos impostos. Além disso, o planejamento tributário contribui para a geração e a circulação de dinheiro limpo e auxilia na construção do progresso econômico. Alm (1998 apud SIQUEIRA; RAMOS, 2006) afirma que a decisão de pagar ou não os tributos decorre da percepção do indivíduo sobre a contribuição que os outros também têm. Dessa forma, quanto mais contribuintes estejam em dia com o Fisco, mais os outros contribuintes tendem a colaborar para o bem público, pagando seus impostos. Há de se levar em consideração, ainda, as respostas positivas da população sobre os incentivos dados para aqueles que, diante de uma auditoria, mostram-se honestos e alinhados com a legislação. A evasão fiscal no Brasil ainda é grande, a despeito dos esforços realizados pelas autoridades tributárias e fiscais. Segundo Siqueira e Ramos (2006), a população brasileira paga um alto valor de tributos (a carga tributária de 2005 representou 37% do PIB), mas não encontra nas ações do governo uma resposta equivalente em termos de qualidade. Dessa forma, ao perceber que os recursos arrecadados não são bem aplicados, passa a existir uma inclinação à sonegação. 3.3 Limites e principais penalidades Na legislação brasileira, seja na esfera federal, seja na esfera estadual, sempre existiu certa liberdade e liberalidade para a aplicação de multas aos contribuintes que descumprissem as leis tributárias ou que não correspondessem às demandas feitas Vídeo 78 Planejamento e administração tributária pelo Fisco. Todavia, é preciso ressaltar que existem diversos tipos de penalidades a serem aplicadas, respeitando-se os termos da lei. No direito tributário brasileiro, existem três tipos de multas: multas moratórias, multas punitivas isoladas e multas punitivas acompanhadas de lançamento de ofício. As multas moratórias originam-se da impontualidade injustificada do pagamento do tributo. As multas punitivas, como sugere o próprio nome, visam penalizar o contribuinte que descumpre as obrigações tributárias que lhe são atribuídas. Caso o ato ilícito esteja relacionado ao descumprimento das obrigações acessórias (como a escrituração dos livros fiscais, por exemplo), sem que o valor do tributo seja afetado, aplica-se uma multa isolada. Por outro lado, se o contribuinte deixa de arcar com tributos sujeitos à homologação – ou seja, impostos que exigem uma declaração prévia que deve ser posteriormente auditada (homologada) pela autoridade administrativa –, há supressão de uma parcela do tributo e o lançamento de um ofício contendo o valor devido, apurado pelo órgão responsável. Essa última é a multa punitiva mais comum, que ocorre em casos de sonegação do IRPJ, por exemplo. Em alguns casos, a multa aplicada pode superar o valor do tributo inicial devido. No entanto, acontece de o valor exigido ser impagável pelo contribuinte, de modo que a dívida com o Estado é tão grande que a empresa entra em processo de falência. Casos como esse geram embates importantes entre as organizações e o Fisco acerca da legitimidade das multas punitivas com valores acima do débito principal. De acordo com algumas empresas, esse tipo de punição tem efeito de confisco, ação expressamente proibida pela Constituição Federal do Brasil, nos termos do seu artigo 150, inciso IV: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é Planejamento fiscal e tributário 79 vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] IV – utilizar tributo com efeito de confisco” (BRASIL, 1988). Assim, pode-se dizer que o debate proposto pelas empresas visa questionar a constitucionalidade dessas multas cujo valor seja maior que o tributo inicial devido. Em situações de julgamento, fica-se à mercê da interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, cabe afirmar que tal instituição judiciária, em casos anteriores, já estabeleceu o caráter de inconstitucionalidade para as aplicações de sanções tributárias punitivas em porcentagem maior a 100% do valor devido pelo contribuinte. Essa decisão compreendeu que as esferas municipais, estaduais e federais estão impedidas de aplicar esse tipo de multa, uma vez que se caracterizaria como confisco. Considerações finais Neste capítulo, pudemos ter uma ideia do tamanho da estrutura tributária brasileira. Isso porque passamos por temas de tênues diferenças, nos quais a distinção entre a elisão e a sonegação pode ser apenas interpretativa. Vimos também o quão fundamental é ter um bom planejamento tributário, observando-se sempre a importância da conformidade, pois não existe mais espaço para sonegação travestida de planejamento – além das consequências previstas em lei, o mercado também está cada vez mais recrudescido com sonegadores que usurpam o que é direito de todos. Observando a estrutura tributária brasileira, acreditamos que ela é uma das grandes amarras ao crescimento do Brasil e ao avanço das condições de vida e riqueza da sua população. Isso não significa querer a igualdade social por baixo, mas sim o aumento da riqueza de todos. Paraisso, é necessário lutar por reformas, alterações e racionalidade e nunca tentar tirar proveito por meio de irregularidades. 80 Planejamento e administração tributária Não temos a ilusão de que seja algo rápido e feito em um movimento único, pois, diante dos diferentes interesses envolvidos e da complexidade contida no processo, torna-se difícil conseguir observar todos os efeitos de uma mudança. Por isso, reforçamos aqui a necessidade inicial de uma simplificação, para, a partir dela, se pensar na redução dos custos. Nos próximos capítulos, com esses conceitos assimilados, vamos conhecer um pouco melhor as obrigações acessórias e burocráticas que precisam ser observadas no Brasil. Ampliando seus conhecimentos • CAROTA, J. C. Planejamento tributário e incentivos fiscais empresariais. Curitiba: Juruá, 2018. Esse livro é de fácil compreensão e tem uma visão abrangente sobre planejamento fiscal e redução da carga tributária. A obra se torna ainda mais interessante por demonstrar alguns exemplos simples de cálculo e de impactos sobre carga tributária. • PAULA, G. B. de. Planejamento tributário: aprenda o que é, vantagens e como fazer na sua empresa [Modelo]. Treasy, 30 maio 2019. Disponível em: https://www.treasy.com.br/blog/ planejamento-tributario/. Acesso em: 17 set. 2019. Os textos desse blog são concisos e diretos e passam uma visão bem interessante sobre planejamento tributário. Nesse texto, o autor apresenta uma definição de regime tributário de forma prática, com textos curtos que podem ser uma proveitosa alternativa para resumir a busca empresarial por redução de carga tributária. • COSTA, D. L; PUPPE, F. L. Decisões do STF fixam limites para multas tributárias aos contribuintes. Disponível em: https:// Planejamento fiscal e tributário 81 www.conjur.com.br/2015-jul-07/supremo-fixa-limites- multas-tributarias-aos-contribuintes. Acesso em: 1 out. 2019. Esse texto fala dos tipos de multa tributária que podem existir (moratória, punitiva isolada e punitiva acompanhada) e mostra casos de decisões diversas dos tribunais. Ele serve como uma interessante forma de analisar os limites tênues atribuídos para a diferenciação de sonegação e elisão. Atividades 1. Um dos planejamentos tributários mais básicos para a empresa fazer é a denição do regime tributário ao qual ela vai aderir. Mesmo considerando que o Simples Nacional e o Lucro Presumido têm, a priori, taxas menores e maior simplicidade de apuração, algumas empresas que poderiam optar por eles acabam optando pelo Lucro Real. O que justica essa decisão? 2. Comparando a estrutura tributária de um país mais rico que o Brasil com a brasileira, discorra sobre as consequências que uma estrutura complexa como a nossa pode trazer para a economia. 3. Considerando que, em muitos casos, a diferença entre a sonegação e a elisão é tênue e observando a complexidade da nossa estrutura tributária, discorra sobre como a estrutura jurídica brasileira pode julgar os diversos casos relacionados a demandas judiciais sobre tributação. Referências ABRAHÃO, M. A. A elisão fiscal como ferramenta para o Planejamento Tributário. Florianópolis, 2011. 47f. Monografia (Graduação em Ciências 82 Planejamento e administração tributária Contábeis) – Departamento de Ciências Contábeis, Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: http://tcc.bu.ufsc.br/Contabeis295994. Acesso em: 12 set. 2019. BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 7 out. 2019. GODOI, M. S.; FERRAZ, A. K. Planejamento tributário e simulação: estudo e análise dos casos Rexnord e Josapar. Revista Direito GV, São Paulo, v. 1, n. 8, p. 359-380, jan./jun. 2012. Disponível em: http://bibliotecadigital. fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/24006/22761. Acesso em: 12 set. 2019. INFORCHANNEL. Mercado de TIC cresce 12,7% em 2017 no Brasil. 23 abr. 2018. Disponível em: https://inforchannel.com.br/mercado-de-tic-cresce- 127-em-2017-no-brasil/. Acesso em: 1 out. 2019. MARTINEZ, M. P. O Contador diante do Planejamento Tributário e da Lei Antielisiva. 26 ago. 2002. Disponível em: http://www.cosif.com.br/publica. asp?arquivo=20040619elisao. Acesso em: 12 set. 2019. MELLO, R. Gestão dos impostos indiretos é dificuldade em 89% das empresas. Jornal do Comércio. 18 jan. 2017. Disponível em: https://www. jornaldocomercio.com/_conteudo/2017/01/economia/541600-gestao-dos- impostos-indiretos-e-dificuldade-em-89-das-empresas.html. Acesso em: 8 out. 2019. PLESNIK, D. Substituição tributária de ICMS – análise sobre a margem de valor agregado no setor alimentício. Porto Alegre, 2010. 36 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Direito Tributário) – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Disponível em: https://www.ibet.com. br/wp-content/uploads/2017/07/DANIELA-PLESNIK.pdf. Acesso em: 12 set. 2019. SIQUEIRA, M. L.; RAMOS, F. S. Evasão fiscal do imposto sobre a renda: uma análise do comportamento do contribuinte ante o sistema impositivo brasileiro. Economia Aplicada [on-line], São Paulo, v. 10, n. 3, p. 399-424, jul./set. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ecoa/ v10n3/a06v10n3.pdf. Acesso em: 1 out. 2019. ZANLUCA, J. C. Planejamento tributário. Disponível em: http://www. portaltributario.com.br/planejamento.htm. Acesso em: 1 out. 2019. 4 Obrigações tributárias Nos capítulos anteriores, analisamos diversos tributos e, neste capítulo, retomaremos alguns deles, ampliando os horizontes e nos aprofundando em tipos de cálculo e em outras obrigações que os cercam. Antes disso, porém, entenderemos o conceito de obrigação tributária para, então, compreender quais são as principais obrigações federais, estaduais e acessórias. Também analisaremos o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), que é uma das principais ações do Governo Federal para descomplicar o cumprimento das obrigações acessórias e diminuir o índice de evasão fiscal. 4.1 Principais obrigações federais e estaduais Para que possamos analisar as principais obrigações federais e estaduais, antes, precisamos compreender o que é obrigação tributária. Ela pode ser definida como o vínculo jurídico que une o sujeito ativo ao sujeito passivo, conferindo a este último o direito de constituir o crédito tributário. De acordo com o artigo 113 do Código Tributário Nacional (CTN), existem dois tipos de obrigação tributária: Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. Vídeo 84 Planejamento e administração tributária § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária. (BRASIL, 1966) De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, toda obrigação representa uma relação jurídica, a qual tem três elementos estruturais: sujeitos (ativo e passivo), objeto e vínculo. Portanto, uma obrigação tributária se refere sempre a uma espécie de relação jurídica, uma vez que apresenta esses três elementos estruturais: os sujeitos da relação jurídica tributária são o Fisco (ativo) e o contribuinte (passivo), o objeto é o pagamento do tributo e o vínculo é criado pelas leis que regem o sistema fiscal. O CTN é incisivo em seu texto acerca da definição do que é obrigação tributária. Em seu artigo 3º, o documento afirma que a obrigação tributária tem como objeto o pagamento do tributo (imposto, taxa, contribuição), enunciando quetributo é toda prestação pecuniária compulsória. Ainda nesse mesmo artigo, tem-se que o tributo deve ser instituído por lei e cobrado por meio das atividades administrativas a ele vinculadas (BRASIL, 1966). Portanto, compreende-se que a autoridade fiscal tem o direito e o dever de cobrar os contribuintes quanto aos créditos decorrentes de suas obrigações tributárias. No sistema tributário brasileiro, são definidos dois tipos de obrigações tributárias: as principais e as acessórias. No artigo 113 do CTN, entende-se que a obrigação tributária principal passa a existir após a ocorrência do fato gerador e que seu objeto é o pagamento do tributo em questão, deixando de existir quando o contribuinte extingue esse crédito junto ao Fisco. A obrigação tributária acessória, por outro lado, tem como objeto as prestações de contas relacionadas à arrecadação ou à fiscalização dos tributos. Obrigações tributárias 85 Portanto, ainda de acordo com o CTN, a obrigação tributária principal tem caráter patrimonial, pois envolve o ato de dar dinheiro, é instituída pela lei e determina que o contribuinte ou responsável (sujeito passivo) pague ao Fisco (sujeito ativo) a quantia relacionada ao tributo devido. Por outro lado, a obrigação tributária acessória tem natureza não patrimonial, uma vez que está relacionada apenas a fazer ou não fazer as prestações sobre o tributo. Nesse momento, temos de fazer um adendo a respeito das obrigações acessórias. Para alguns juristas, elas não são obrigações de fato e nem sempre são acessórias, já que, uma vez que todas as obrigações surgem para serem cumpridas e extintas, as obrigações acessórias não podem ser chamadas obrigações porque são duradouras, ou seja, devem ser feitas durante todo o ano- calendário. Existem ainda alguns casos em que o contribuinte deve entregar uma declaração de rendimentos para comprovar que é isento do pagamento do tributo, isto é, não há a obrigação principal, mas há a obrigação acessória, que não tem mais caráter secundário, acessório. Portanto, alguns autores defendem que a terminologia correta seria deveres instrumentais ou deveres administrativos tributários (LIMA, 2013). Para além das conceituações, vamos nos ater aos aspectos práticos da atual conjuntura fiscal e tributária do Brasil. A fim de permanecer em dia com suas obrigações, todas as empresas devem acompanhar as legislações pertinentes ao tema, principalmente aquelas cujas atividades envolvem o comércio interno ou externo de mercadorias. Dessa maneira, as organizações se mantêm informadas sobre seus encargos, compreendendo a situação na qual seus produtos estão enquadrados na classificação fiscal, além de capacitarem-se para a correta distinção das alíquotas que serão utilizadas para efetuar o cálculo dos impostos. 86 Planejamento e administração tributária 4.1.1 Principais obrigações federais Os impostos federais têm obrigações próprias, a maioria delas é feita de modo eletrônico. Além disso, são diversas as obrigações e os detalhamentos necessários para estar em dia com a União. A seguir, citaremos algumas das principais e mais comuns obrigações exigidas. 4.1.1.1 Imposto sobre Produtos Industrializados A arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) é de competência da União, ou seja, o montante recebido é direcionado para o Tesouro Nacional. Além de abastecer os cofres da Federação, esse tributo também pode ter a função de movimentar a economia nacional, uma vez que a redução esporádica de impostos dos automóveis, por exemplo, ajuda a fortalecer esse setor da indústria. Como já pontuamos anteriormente, é preciso estar atento às constantes alterações feitas na legislação tributária, a fim de evitar transtornos e prejuízos (como o pagamento de alíquotas mais onerosas) por falta de informação. Tais modificações na lei são publicadas no Diário Oficial da União e notificam as 27 Unidades da Federação sobre as adequações a serem feitas. A Tabela de Incidência do IPI (TIPI) é um dos mais importantes documentos a serem levados em consideração quando do cálculo dos tributos a pagar. Essa tabela é regulamentada pela Receita Federal e reúne os produtos industrializados, suas respectivas Nomenclaturas Comuns do Mercosul (NCM) e as alíquotas a serem aplicadas para o pagamento do imposto. Faz-se importante ressaltar que essa tributação é feita de acordo com o princípio da essencialidade, ou seja, quanto mais básico e primordial para a população, menor é o valor do tributo. Por isso, artigos importantes para a população têm alíquota zero, enquanto aqueles considerados supérfluos ou perigosos apresentam valores consideravelmente altos. Obrigações tributárias 87 A TIPI foi construída de acordo com o sistema harmonizado de designação e de codificação de mercadorias e está dividida em 21 seções, nas quais são feitas as classificações dos produtos. A seguir, estão dispostas as seções presentes na tabela: SEÇÃO I ANIMAIS VIVOS E PRODUTOS DO REINO ANIMAL […] SEÇÃO II PRODUTOS DO REINO VEGETAL […] SEÇÃO III GORDURAS E ÓLEOS ANIMAIS OU VEGETAIS; PRODUTOS DA SUA DISSOCIAÇÃO; GORDURAS ALIMENTÍCIAS ELABORADAS; CERAS DE ORIGEM ANIMAL OU VEGETAL […] SEÇÃO IV PRODUTOS DAS INDÚSTRIAS ALIMENTARES; BEBIDAS, LÍQUIDOS ALCOÓLICOS E VINAGRES; TABACO E SEUS SUCEDÂNEOS MANUFATURADOS […] SEÇÃO V PRODUTOS MINERAIS […] SEÇÃO VI PRODUTOS DAS INDÚSTRIAS QUÍMICAS OU DAS INDÚSTRIAS CONEXAS […] SEÇÃO VII PLÁSTICO E SUAS OBRAS; BORRACHA E SUAS OBRAS […] SEÇÃO VIII PELES, COUROS, PELES COM PELO E OBRAS DESTAS MATÉRIAS; ARTIGOS DE CORREEIRO OU DE SELEIRO; ARTIGOS DE VIAGEM, BOLSAS E ARTIGOS SEMELHANTES; OBRAS DE TRIPA […] 88 Planejamento e administração tributária SEÇÃO IX MADEIRA, CARVÃO VEGETAL E OBRAS DE MADEIRA; CORTIÇA E SUAS OBRAS; OBRAS DE ESPARTARIA OU DE CESTARIA […] SEÇÃO X PASTAS DE MADEIRA OU DE OUTRAS MATÉRIAS FIBROSAS CELULÓSICAS; PAPEL OU CARTÃO PARA RECICLAR (DESPERDÍCIOS E APARAS); PAPEL OU CARTÃO E SUAS OBRAS […] SEÇÃO XI MATÉRIAS TÊXTEIS E SUAS OBRAS […] SEÇÃO XII CALÇADO, CHAPÉUS E ARTIGOS DE USO SEMELHANTE, GUARDA-CHUVAS, GUARDA-SÓIS, BENGALAS, CHICOTES, E SUAS PARTES; PENAS PREPARADAS E SUAS OBRAS; FLORES ARTIFICIAIS; OBRAS DE CABELO […] SEÇÃO XIII OBRAS DE PEDRA, GESSO, CIMENTO, AMIANTO, MICA OU DE MATÉRIAS SEMELHANTES; PRODUTOS CERÂMICOS; VIDRO E SUAS OBRAS […] SEÇÃO XIV PÉROLAS NATURAIS OU CULTIVADAS, PEDRAS PRECIOSAS OU SEMIPRECIOSAS E SEMELHANTES, METAIS PRECIOSOS, METAIS FOLHEADOS OU CHAPEADOS DE METAIS PRECIOSOS (PLAQUÊ), E SUAS OBRAS; BIJUTERIAS; MOEDAS […] SEÇÃO XV METAIS COMUNS E SUAS OBRAS […] SEÇÃO XVI MÁQUINAS E APARELHOS, MATERIAL ELÉTRICO, E SUAS PARTES; APARELHOS DE GRAVAÇÃO OU DE REPRODUÇÃO DE SOM, APARELHOS DE GRAVAÇÃO Obrigações tributárias 89 OU DE REPRODUÇÃO DE IMAGENS E DE SOM EM TELEVISÃO, E SUAS PARTES E ACESSÓRIOS […] SEÇÃO XVII MATERIAL DE TRANSPORTE […] SEÇÃO XVIII INSTRUMENTOS E APARELHOS DE ÓPTICA, DE FOTOGRAFIA, DE CINEMATOGRAFIA, DE MEDIDA, DE CONTROLE OU DE PRECISÃO; INSTRUMENTOS E APARELHOS MÉDICO-CIRÚRGICOS; ARTIGOS DE RELOJOARIA; INSTRUMENTOS MUSICAIS; SUAS PARTES E ACESSÓRIOS […] SEÇÃO XIX ARMAS E MUNIÇÕES; SUAS PARTES E ACESSÓRIOS […] SEÇÃO XX MERCADORIAS E PRODUTOS DIVERSOS […] SEÇÃO XXI OBJETOS DE ARTE, DE COLEÇÃO E ANTIGUIDADES […]. (BRASIL, 2016) A lista é bastante extensa e, por esse motivo, podem surgir dúvidas em relação ao enquadramento dos produtos, isto é, na hora de determinar em qual categoria incluir uma mercadoria que parece se encaixar em mais de uma posição. Para tanto, foram criadas regras gerais para a interpretação dos dados da TIPI, que auxiliam as instituições a realizarem o enquadramento correto de seus produtos. A seguir, está disposta a Regra 3, que disserta sobre essa questão: quando pareça que a mercadoria pode classificar-se em duas ou mais posições [...] a classificaçãodeve efetuar-se da forma seguinte: a) A posição mais específica prevalece sobre as mais genéricas. Todavia, quando duas ou mais posições se refiram, cada uma delas, a apenas uma parte das matérias 90 Planejamento e administração tributária constitutivas de um produto misturado ou de um artigo composto, ou a apenas um dos componentes de sortidos acondicionados para venda a retalho, tais posições devem considerar-se, em relação a esses produtos ou artigos, como igualmente específicas, ainda que uma delas apresente uma descrição mais precisa ou completa da mercadoria. b) Os produtos misturados, as obras compostas de matérias diferentes ou constituídas pela reunião de artigos diferentes e as mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho, cuja classificação não se possa efetuar pela aplicação da Regra 3 a), classificam-se pela matéria ou artigo que lhes confira a característica essencial, quando for possível realizar esta determinação. c) Nos casos em que as Regras 3 a) e 3 b) não permitam efetuar a classificação, a mercadoria classifica-se na posição situada em último lugar na ordem numérica, dentre as suscetíveis de validamente se tomarem em consideração. (BRASIL, 2019) De acordo com a lista e as regras aqui expostas, compreendemos que todos os produtos industrializados são passíveis de tributação pelo IPI. É necessário ressaltar que a incidência do imposto ocorre em qualquer fase da industrialização em que a empresa se encontre, seja beneficiadora, transformadora, montadora ou restauradora. Desse modo, mesmo a industrialização parcial é alvo do Fisco. No entanto, a não cumulatividade do IPI garante que uma indústria que realiza diversos processos (beneficiamento e transformação, por exemplo) pague esse imposto apenas uma vez. 4.1.1.2 Imposto de Importação Diferentemente do tributo anterior, o Imposto de Importação (II) não tem caráter majoritariamente fiscal. Isso implica dizer que se trata de um imposto com função extrafiscal, ou seja, com objetivos políticos e econômicos. Dessa maneira, a incidência do Imposto de Importação se transforma em um instrumento de regulação do mercado, uma vez que, ao aumentar o valor final do Obrigações tributárias 91 produto importado, o governo está adotando uma medida para fortalecer a indústria nacional. Cobrado pela União, o II tem como fato gerador a entrada de mercadoria estrangeira em território brasileiro, após desembaraço aduaneiro. Assim, produtos que têm prazo estabelecido para voltar ao exterior não são passíveis de tributação pelo II. Destaca-se que as instituições cujas mercadorias são produzidas no Brasil, exportadas e posteriormente importadas novamente devem prestar contas ao Fisco sobre o produto em questão. Pelo exposto, tem-se que o contribuinte do II é o importador ou quem é equiparado a ele pela lei. A título de exemplo, podemos citar as situações de arrematação, nas quais a mercadoria abandonada ou apreendida é adquirida por um terceiro (arrematante). Nesse caso, o arrematante se torna contribuinte desse imposto. A base de cálculo para o II, ou seja, o cálculo do valor aduaneiro de cada produto, está sujeito a dois tipos de alíquotas. A primeira delas é a alíquota específica, que incide sobre a unidade de medida prevista em lei (metragem, peso, volume). Já a segunda alíquota, chamada ad valorem, é aplicada sobre o valor total da mercadoria (por exemplo, 10% de R$15.000,00). Essas alíquotas estão indicadas na Tarifa Externa Comum (TEC), utilizada pelos países signatários do Mercosul. Nesse momento, devem ser feitas duas observações pertinentes sobre o II. Primeiramente, destaca-se o regime de drawback, um benefício oferecido pelo governo para o contribuinte que utiliza produtos estrangeiros como insumo para a produção de mercadorias a serem exportadas. Em outras palavras, quando o produto importado tiver sido adquirido como matéria-prima para o beneficiamento de bens que serão exportados para outros países, o importador é ressarcido do valor do II, estimulando, assim, a exportação de mercadorias produzidas na indústria brasileira. 92 Planejamento e administração tributária Outro ponto a ser enfatizado é sobre a Zona Franca de Manaus (ZFM), abordada no capítulo anterior. Visto que se trata de uma área de livre comércio, as organizações estabelecidas nessa parte do território nacional contam com um abatimento de até 88% do valor do II. Tal vantagem transforma a Região Amazônica em uma fonte de interesses financeiros para as empresas que buscam reduzir seus custos tributários e aumentar sua lucratividade. 4.1.1.3 Imposto sobre Operações Financeiras Outro tributo de competência da União é o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros, ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários ou, resumidamente, Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Apesar de recolher somas consideráveis, esse imposto também possui função extrafiscal, visando ao controle da política monetária nacional. Arrecadado principalmente em instituições financeiras (bancos, corretoras de seguros, lojas de câmbio etc.), o IOF incide de modo distinto sobre cada tipo de operação, e seu valor é diretamente proporcional ao valor a que se refere (LUKIC; MONTENEGRO, 2014). Os contribuintes desse tributo são as pessoas físicas e/ ou jurídicas que fizeram uso de crédito, efetuaram câmbio ou adquiriram seguros ou títulos mobiliários. Portanto, as pessoas jurídicas responsáveis por conceder crédito, operar câmbio ou vender seguros e títulos/valores mobiliários devem cobrar o IOF de seus clientes, arrecadar os valores e repassar a quantia para os cofres do Tesouro Nacional. Para cada operação compreendida pelo IOF, deve ser utilizada uma base de cálculo. Para as operações de crédito, por exemplo, deve ser considerado o montante inicial acrescido dos juros. Nas operações de câmbio, utiliza-se o respectivo montante em moeda nacional. Já nas operações de seguro, considera-se o valor do prêmio, ou seja, o valor pago à operadora. Obrigações tributárias 93 É preciso ressaltar que o IOF é um dos tributos passíveis de terem suas alíquotas majoradas ou reduzidas pelo Poder Executivo, tanto por meio de decreto presidencial como de uma portaria ministerial. Por isso, esse imposto pode apresentar certa flutuação quanto aos valores das alíquotas a serem aplicadas em cada caso. No entanto, observa-se a constância de alguns parâmetros, tais como: alíquota máxima de 1,5% ao dia para operações de crédito e alíquota máxima de 25% para operações de câmbio (sobre o valor em moeda nacional e sobre o valor dos prêmios de seguros e as operações relativas a títulos ou valores mobiliários). 4.1.1.4 Imposto de Exportação O Imposto de Exportação (IE) é um tributo de competência da União que incide sobre produtos nacionais ou nacionalizados destinados à exportação para outros países. Desta maneira, o fato gerador desse imposto é a saída da mercadoria do território aduaneiro do Brasil. Portanto, como demonstram Lukic e Montenegro (2014), para calcular o valor do imposto a ser pago, considera-se o fato gerador como ocorrido na data do Registro de Exportação (RE) no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex). A base de cálculo do IE é o valor, em moeda nacional, que o produto alcançaria no mercado internacional quando da exportação. Para tanto, utiliza-se a taxa de câmbio vigente no dia anterior ao da ocorrência do fato gerador. É importante lembrar que o preço de venda do produto no exterior não pode ser inferior ao seu custo de produção acrescido da respectiva tributação e de 15% de margem de lucro. Além disso, a alíquota do IE aplicada corresponde a 30% do montante, mas pode ser aumentada até o limite de 150%. Certamente, o processo burocrático para a exportação de mercadorias vai muito além do RE junto ao Siscomex. O processo é complexo e inclui oenvio de uma extensa documentação para os 94 Planejamento e administração tributária órgãos competentes. Além disso, a autorização para desembarque da mercadoria só acontece após a aprovação do pagamento do IE. O fato de somente algumas categorias de produtos serem passíveis de tributação pelo IE é explicado pelo caráter extrafiscal desse imposto. Assim como no II, trata-se de uma medida protetiva do governo sobre o mercado nacional. Tal prática é pouco recorrente em outros países, visto que retira a competitividade do produto no mercado internacional. 4.1.1.5 Imposto de Renda O Imposto de Renda (IR) é uma das principais fontes de receita tributária da União e incide sobre a renda e os proventos de qualquer natureza, tanto de pessoas físicas como de jurídicas. Ainda que seja nítida a função fiscal desse tributo, não se pode descartar a sua função extrafiscal, ou seja, a política de justiça fiscal, na qual quem ganha mais paga mais imposto. Na prática, pode-se dizer que existem quatro tipos de Imposto de Renda: o Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), o Imposto de Renda Retido na Fonte – Pessoa Física (IRRF-PF), o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e o Imposto de Renda Retido na Fonte – Pessoa Jurídica (IRRF-PJ). Porém, para seguirmos com a perspectiva empresarial do sistema tributário empregada até aqui, nos ateremos apenas ao IRPJ. O IRPJ tem como fato gerador o lucro obtido pela companhia durante o período a que se relaciona (podendo ser trimestral ou anual). Esse imposto incide sobre todas as empresas com regime tributário de Lucro Real (LR) ou de Lucro Presumido (LP). Os optantes pelo Simples Nacional, por sua vez, têm esse tributo unificado a outros. A base de cálculo do IRPJ é o próprio lucro apurado durante o período. Sobre esse montante, é aplicada a alíquota de 15% (tanto para LR quanto para LP). Na hipótese de o lucro mensal ultrapassar Obrigações tributárias 95 a quantia de R$ 20.000,00, aplica-se uma alíquota adicional de 10% sobre o valor. É importante destacar que esse adicional incide também sobre os resultados tributáveis das pessoas jurídicas cuja atividade principal é de exploração rural. Para instituições que optam pela apuração trimestral do lucro (real ou presumido), os prazos de entrega do IRPJ são: 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro. Aquelas que elegem a apuração anual como regra têm como prazo limite o dia 31 de dezembro de cada ano para realizar o pagamento do imposto. 4.1.1.6 Contribuição Social sobre o Lucro Líquido Outro importante tributo que abastece grandemente os cofres do Tesouro Nacional é a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Considerada uma das contribuições mais representativas, a CSLL é um tributo federal que incide sobre todas as pessoas jurídicas com domicílio no Brasil e tem como objetivo financiar a Seguridade Social. Isso implica dizer que os valores arrecadados pela CSLL são utilizados para assegurar os direitos básicos do cidadão, como saúde, educação, segurança, emprego, entre outros (LUKIC; MONTENEGRO, 2014). É importante frisar que as normas para a apuração e a arrecadação da CSLL devem ser as mesmas estabelecidas para o IRPJ. Se a entidade opta por recolher seu Imposto de Renda pelo regime do Lucro Real, o pagamento da CSLL também deve ser feito por esse modelo de tributação. Assim como no IRPJ, as optantes pelo Simples Nacional têm a CSLL embutida no pagamento de outros tributos. Considerando que o modelo de tributação adotado pela empresa é o guia para o recolhimento da CSLL, deduzimos que aquelas optantes pelo Lucro Real terão a CSLL recolhida a cada três meses, após a contabilização de todos os custos, as vendas, os tributos e os lucros do período. De acordo com o que é exigido 96 Planejamento e administração tributária pelo Fisco nessa contabilização, obtém-se a base de cálculo sobre a qual será aplicada uma alíquota de 9% ou 15% sobre o montante. O valor da alíquota varia segundo o tipo de pessoa jurídica: para aquelas consideradas instituições financeiras, de seguro privado ou de capitalização, a taxa é de 15%; para todas as outras pessoas jurídicas, a alíquota é de 9%. Por outro lado, as entidades que optam pelo sistema de Lucro Presumido não apresentam a obrigatoriedade de apurar contabilmente seu lucro. Isso porque o Fisco aplica as alíquotas de presunção para determinar esse valor. Após a verificação do faturamento trimestral, emprega-se a alíquota de 32% para serviços gerais ou de 12% para atividades dos setores comercial, industrial, imobiliário e hospitalar. Após o cálculo desse lucro hipotético (presumido), aplica-se a alíquota de 9% ou 15%, sob as mesmas regras válidas para o regime de Lucro Real. Para pagar a CSLL ao Fisco, deve-se utilizar o Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF), emitido junto às agências bancárias integradas à Receita Federal. O código de recolhimento a ser preenchido no documento deve ser correspondente ao regime tributário utilizado pela organização. 4.1.1.7 Programa de Integração Social e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social O Programa de Integração Social (PIS) foi unificado ao Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), passando a ser denominado PIS/Pasep. Trata-se de uma contribuição social que tem como objetivo o financiamento do seguro-desemprego e do abono salarial de trabalhadores dos setores privado (PIS) e público (Pasep) (LUKIC; MONTENEGRO, 2014). Obrigações tributárias 97 A Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), por sua vez, auxilia os cofres públicos no pagamento da previdência, das ações de saúde e de assistência social. Apesar de servirem a propósitos distintos, esses tributos possuem regras similares para sua aplicação, por isso aparecem aqui unidos em um só tópico de discussão. Ambas as contribuições recaem mensalmente sobre a receita bruta e apresentam o regime cumulativo e o regime não cumulativo como opção de incidência, dependendo do sistema tributário adotado pela companhia (Lucro Real, Lucro Presumido ou Simples Nacional). Quando se trata do Simples Nacional, as alíquotas do PIS e da Cofins são definidas na guia única utilizada pelas instituições para pagar seus tributos. É importante ressaltar que algumas faixas de faturamento, nesse regime, são isentas de pagamento. Para organizações cujas atividades envolvem comércio, indústria ou prestação de serviço, o PIS se inicia com a alíquota de 0,35% a partir da terceira faixa de receita e vai até 0,57%, enquanto a Cofins começa em 1,42% na segunda faixa de faturamento e vai até 2,42%. Para as outras variedades de tributação das entidades, existem dois regimes de incidência dessas duas contribuições: cumulativo e não cumulativo, conforme citado. No regime cumulativo, não se pode deduzir despesas do faturamento bruto (à exceção de serviços adquiridos e pagos). Aqui, apesar da desvantagem de não obter créditos, as alíquotas são menores: 0,65% para o PIS e 3% para a Cofins. Enquadram-se nesse regime as optantes pelo Lucro Presumido e empresas do setor financeiro (financiamento e seguro) ou de segurança e vigilância (mesmo que optem pelo sistema de Lucro Real). O regime não cumulativo, por outro lado, é o mais adequado quando o Lucro Real é utilizado como sistema de tributação (observadas as exceções já citadas). As alíquotas desse regime são 98 Planejamento e administração tributária mais altas: 1,65% para o PIS e 7,6% para a Cofins. No entanto, diversos créditos podem ser utilizados para deduzir os valores do faturamento bruto. Alguns exemplos desses créditos são as despesas relacionadas ao imóvel empresarial, como aluguel e energia elétrica, e as compras de matéria-prima para a produção de mercadorias. Existem outros regimes de incidência do PIS e da Cofins, chamados regimes diferenciados,que dependem da categoria de produto ou serviço comercializado. É preciso ficar atento a esses detalhes da legislação, além de observar as alíquotas aplicadas nos casos de instituições financeiras ou instituições sem fins lucrativos. 4.1.2 Principais obrigações estaduais Os impostos estaduais estão entre os mais complexos e questionados do STN, em especial o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Além de terem alíquotas diferentes para cada estado, também têm regras de apuração e obrigações acessórias específicas, podendo tornar cada operação interestadual diferente uma da outra. 4.1.2.1 Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços Dentre as obrigações tributárias principais de competência dos estados e do Distrito Federal, destaca-se o ICMS, também denominado Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação. Responsável por aproximadamente 80% da arrecadação dos estados, esse tributo tem evidente função fiscal e tem um grande tratamento constitucional devido à sua importância (LUKIC; MONTENEGRO, 2014). Todas as entidades que realizem operações relacionadas à circulação de mercadoria (inclusive importadores de bens), à prestação de serviços de transporte (intermunicipal ou interestadual) ou à prestação de serviços de comunicação são Obrigações tributárias 99 sujeitos passivos desse tributo, ou seja, são contribuintes. O fato gerador desse imposto, portanto, ocorre de três modos distintos: circulação de mercadoria, prestação de serviço de transporte ou prestação de serviço de comunicação. Dessa maneira, tem-se que o ICMS é cobrado em diversas etapas da comercialização de mercadorias e serviços. Esse tipo de cobrança poderia resultar na chamada bitributação, mas não é esse o caso, uma vez que esse é um imposto não cumulativo, o que significa que, caso já tenha sido cobrado anteriormente, o contribuinte é compensado na operação atual. Assim, se o material comprado já foi tributado anteriormente, abate-se tal valor do montante devido, em um sistema de débito x crédito. O ICMS atua sob o princípio da essencialidade, segundo o qual as mercadorias e serviços são mais ou menos onerados de acordo com o grau de necessidade da população por aquele bem. Em alguns estados, por exemplo, bebidas, fumos e iates apresentam uma alíquota superior a outros tipos de mercadoria – de 25% a 33% para os produtos citados contra 17% a 18% para produtos mais comuns. Existe outro aspecto dessa seletividade que cabe ressaltar: a progressividade. Isso acontece quando o Estado decide onerar o contribuinte de maneira proporcional ao tamanho de seu gasto. Por exemplo, o estado de São Paulo estabelece a alíquota de 12% para aqueles que têm um consumo mensal de até 200kWh e a taxa de 25% para os usuários que ultrapassam essa marca. Veja, na Tabela 1, as alíquotas internas de cada estado da federação. Tabela 1 – Alíquota interna dos estados da federação Estado Alíquota interna Acre 17% Alagoas 17% Amazonas 18% (Continua) 100 Planejamento e administração tributária Estado Alíquota interna Amapá 18% Bahia 18% Ceará 18% Distrito Federal 18% Espírito Santo 17% Goiás 17% Maranhão 18% Mato Grosso 17% Mato Grosso do Sul 17% Minas Gerais 18% Pará 17% Paraíba 18% Paraná 18% Pernambuco 18% Piauí 18% Rio Grande do Norte 18% Rio Grande do Sul 18% Rio de Janeiro 18% Rondônia 17,50% Roraima 17% Santa Catarina 17% São Paulo 18% Sergipe 18% Tocantins 18% Fonte: Elaborada pelo autor com base em Sage, 2019. Também a título de conhecimento, apresentamos, a seguir, a tabela atualizada das alíquotas interestaduais, para sua conferência. Obrigações tributárias 101 Tabela 2 – Alíquotas interestaduais R J :1 8 % + 2 % D E F E C P / *A L 1 7 % + 1 % D E F E C P – O R IG E M – D E S T IN O Fonte: Sage, 2019. Na prática, esse tributo é cobrado de maneira indireta, isto é, está embutido no preço do produto ou serviço comercializado. Uma vez que o fato gerador ocorre quando a titularidade de um bem passa para outra pessoa, cabe dizer que o ICMS só é cobrado quando o consumidor final adquire a mercadoria ou contrata o serviço. 4.1.3 Obrigações acessórias A cobrança de tributos é a principal fonte de receita do Estado brasileiro e é destinada para a conquista dos seus objetivos fundamentais, estabelecidos pelo artigo 3º da Constituição Federal: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, 1988) 102 Planejamento e administração tributária Dito isso, é compreensível que as obrigações Governo Federal incluam a prestação de contas sobre sua arrecadação, conforme determinado no artigo 162 da Constituição: Art. 162. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios divulgarão, até o último dia do mês subsequente ao da arrecadação, os montantes de cada um dos tributos arrecadados, os recursos recebidos, os valores de origem tributária entregues e a entregar e a expressão numérica dos critérios de rateio. Parágrafo único. Os dados divulgados pela União serão discriminados por Estado e por Município; os dos Estados, por Município. (BRASIL, 1988) Por extensão, a população em geral, as empresas e outros entes também devem informar aos órgãos competentes do governo quais foram suas principais transações durante determinado período. No entanto, em conformidade com o que foi explorado no Capítulo 2 desta obra, a complexidade do sistema tributário brasileiro é um dos principais fatores que colocam o país em uma posição desfavorável no Doing Business Ranking, que analisa com base em diversos fatores a facilidade de se fazer negócio nos países (WORLD BANK GROUP, 2018). Como apontado no início deste capítulo, o CTN estipula duas obrigações tributárias para as companhias instaladas no país: a principal diz respeito ao pagamento dos tributos (impostos, taxas e contribuições), enquanto a acessória consiste em todos os mecanismos burocráticos necessários para o pagamento dos tributos e sua subsequente fiscalização. Um exemplo de obrigação acessória, portanto, é a emissão de nota fiscal de venda de mercadoria ou serviço. Faz-se importante ressaltar, neste momento, que uma instituição nunca estará livre de cumprir as obrigações acessórias, ainda que esteja dispensada da obrigação tributária principal. Isso porque as obrigações acessórias são deveres administrativos, ou seja, Obrigações tributárias 103 instrumentos auxiliares para a apuração, fiscalização e arrecadação dos tributos. Sendo assim, é preciso esclarecer que obrigações principais e acessórias não são interdependentes. 4.1.3.1 Principais obrigações acessórias A lista de obrigações acessórias das instituições que optam pelo regime tributário de Lucro Real e pelo regime de Lucro Presumido é bastante extensa. Portanto, a partir do próximo parágrafo, vamos nos ater apenas a alguns dos itens mais relevantes (LIMA, 2013). Um documento importante entre as obrigações acessórias é a Declaração do ICMS e do Movimento Econômico (Dime), que deve ser entregue a cada mês, contendo as operações e prestações catalogadas no Livro Registro de Apuração do ICMS, bem como as informações sobre o movimento econômico feito pela companhia. Outro documento é a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), que também tem vigência mensal e contém dados relacionados ao IRPJ, IRRF, IPI e à CSLL. Todas as modalidades de Escrituração Fiscal Digital (EFD) compõem o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) e devem ser entregues mensalmente. Assim, a EFD-ICMS/IPI deve ser entregueaté o dia 25 do mês seguinte ao da apuração, a EFD- Contribuições (relacionada ao PIS e à Cofins) deve ser apresentada até o 10º dia útil do mês subsequente, e a EFD-Reinf deve ser declarada até o dia 15 do mês posterior à apuração. A DCTF-web é similar à DCFT e deve ser feita segundo informações prestadas no e-Social ou na EFD-Reinf, integrantes do Sped. A Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte (DIRF), por outro lado, é anual e deve ser entregue até o último dia útil de fevereiro de cada ano, com informações sobre as retenções dos impostos incidentes nos pagamentos e recebimentos da empresa no ano anterior. 104 Planejamento e administração tributária Também entre as obrigações acessórias com periodicidade anual, temos a Escrituração Contábil Digital (ECD), que deve ser entregue até o último dia útil de maio do ano subsequente. Esse documento contém a escrituração eletrônica dos livros denominados Diário, Razão e Balancetes diários, Balanços e fichas de lançamento. Além disso, tem-se a Escrituração Contábil Fiscal (ECF), cuja data limite de entrega é o último dia útil de junho do ano posterior àquele a que pertence. A ECF reúne dados sobre as operações que interferem no valor devido ao IRPJ e à CSLL. A Relação Anual de Informações Sociais (Rais), por sua vez, é um documento com vigência anual, por meio do qual o Governo Federal pode controlar as atividades trabalhistas e identificar os cidadãos que têm direito ao PIS/Pasep. Nesse mesmo sentido, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) oferece informações sobre admissões e demissões de funcionários em regime de acordo com a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) e deve ser entregue até o 7º dia útil do mês subsequente àquele em que houver contratações e/ou demissões. Por fim, podemos citar o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (e-Social), um projeto do governo brasileiro que tem o propósito de simplificar e unificar as informações fornecidas pelas organizações sobre seus funcionários. Dessa maneira, cria-se um banco de dados único que compartilha tais informações com diversos órgãos administrativos do Estado, como a Receita Federal e a Previdência Social. 4.2 O Sped e suas principais divisões Como foi possível observar ao longo dos capítulos anteriores, o sistema tributário brasileiro é caracterizado por sua complexidade e pelos altos custos que representa para os contribuintes, chegando a representar uma parcela significativa Vídeo Obrigações tributárias 105 do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Conforme visto na seção anterior, além das obrigações tributárias principais, existem as obrigações acessórias, que somam mais de 170 no país, variando de acordo com o ramo de atividade, os tributos recolhidos e o estado de atuação da empresa. Diante de um sistema tão emaranhado e oneroso de tributos, ocorre o fenômeno da evasão fiscal. A grandiosa quantidade de horas dispendidas para a regularização das entidades e a falta de entendimento da população sobre o funcionamento da estrutura fiscal são fatores que contribuem para que o governo busque soluções para combater a sonegação e estimular o pagamento dos tributos. Nesse sentido, uma das principais ações do Governo Federal com objetivo de descomplicar o cumprimento das obrigações acessórias e diminuir o índice de evasão fiscal é a criação do chamado Sistema Público de Escrituração Digital (Sped). Trata-se de uma ferramenta do chamado Governo Eletrônico, ou seja, da utilização, por parte do governo, da tecnologia da informação para aumentar a eficiência da administração pública. Então, há a melhora do fornecimento de serviços e reforça-se a transparência dos processos políticos e econômicos do país. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que o Sped faz parte de uma tendência internacional de implementação de Governos Eletrônicos, que simplificam, de diversas maneiras, a vida de suas populações. A exemplo de países como Chile, México e Argentina, o Brasil instituiu o seu programa por meio do Decreto n. 6.022, de 22 de janeiro de 2007. Desde então, tem-se um maior controle dos processos, com mais rapidez nas operações e um cruzamento efetivo de dados de auditoria eletrônica. De modo geral, o Sped pode ser definido como um instrumento único que recebe, valida, armazena e autentica livros e outros documentos provenientes da escrituração contábil e fiscal das 106 Planejamento e administração tributária milhares de entidades espalhadas por todo o Brasil. Em um fluxo único e computadorizado de informações, o sistema simplifica as obrigações acessórias, reduz erros de escrituração e ameniza os custos de impressão, aquisição e armazenamento de documentos. Não se pode deixar de citar, portanto, o impacto significativo que a implantação do Sped tem causado nas organizações. Isso porque as companhias terão de atualizar seus sistemas para se adequarem aos layouts do Sped, adequando também suas estruturas comunicacional e física para obter um ambiente favorável para a circulação do grande volume de informações pela internet, com novos equipamentos e fluxos de trabalho. Além de modernizar a sistemática do cumprimento das obrigações acessórias, o Sped diminui a quantidade delas, uma vez que simplifica a maneira como as informações são lançadas e fornecidas ao Fisco. A datar da implementação do Sped, não será mais necessário enviar tais documentos em papel, mas, sim, pela internet, com a utilização de um certificado digital. Vale lembrar que o certificado digital é uma identificação segura da empresa em operações online e que sua validade jurídica está assegurada pela Medida Provisória n. 2.200-2, de 24 de agosto de 2001 (MARIANO; AZEVEDO, 2010). 4.2.1 Subprojetos Os principais subprojetos do Sped são a ECD, também chamada de Sped Contábil; a EFD, conhecida como Sped Fiscal; e a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e). Além desses, existem outros subprojetos, alguns ainda em fase de implementação, tais como: Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e); Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e); Controle Fiscal e Contábil de Transição (FCONT); Livro de Apuração do Lucro Real Eletrônico (E-Lalur) e Central de Balanços Brasileira. Obrigações tributárias 107 Abordaremos, a seguir, os principais subprojetos, explicando melhor cada um deles. 4.2.1.1 Nota Fiscal Eletrônica O primeiro subprojeto do Sped a ser executado foi a NF-e, em 2005. Trata-se de um documento eletrônico que contém dados dos contribuintes, remetente e destinatário, além de dados sobre a operação, como o tipo de pagamento e os valores de troco. A NF-e possui assinatura do certificado digital da instituição e deve ser enviada à Secretaria da Fazenda (Sefaz) para validação. É somente após a autorização desse órgão que a mercadoria pode ser comercializada. No entanto, é importante destacar que os processos digitais não eliminam a necessidade de o contribuinte imprimir uma via desse documento. Essa via impressa é chamada de Documento Auxiliar da Nota Fiscal (Danfe) e deve ter sua autenticidade sempre conferida pelo contribuinte destinatário. Outro ponto que deve ser abordado sobre as NF-e diz respeito às mudanças no layout do documento. As NF-e já passaram por diversas fases e, atualmente, encontram-se em sua versão 4.0. À medida que as mudanças ocorrem, os modelos antigos não podem mais ser utilizados, forçando uma atualização constante por parte do contribuinte. Por essa razão, o que deveria proporcionar praticidade pode resultar em dúvidas aos gestores e sua equipe (OLLER, 2014). 4.2.1.2 ECD – o Sped Contábil Enquanto parte do Sped, a ECD tem como objetivo a digitalização dos livros contábeis, antes impressos em papel. Por meio desse subprojeto, todas as transações contábeis são registradas e enviadas para a Receita Federal. Nesses documentos, devemser identificadas as partes envolvidas (CPF e/ou CNPJ) e a data da operação, bem como dados de registo e classificação contábil. Além disso, a ECD deve ser feita por um contador registrado. 108 Planejamento e administração tributária O Sped Contábil deve ser entregue até o último dia útil do mês de maio no ano-calendário subsequente ao da escrituração. Os livros incluídos na ECD são: Livro Diário e auxiliares, Livro Razão e auxiliares, livros contábeis, balancetes diários, balanços e fichas comprobatórias de lançamentos. Assim como todos os documentos vinculados ao Sped, a ECD deve ser assinada digitalmente e, nesse caso específico, deve passar por uma validação do Programa Validador e Assinador (PVA) antes de ser enviada aos órgãos públicos. A entrega da ECD é obrigatória para todas as empresas cujo regime tributário seja de Lucro Real ou de Lucro Presumido. Outros regimes, como o Simples Nacional, ficam desobrigados. Por obrigatória, entende-se que o contribuinte que não conceder as informações até a data limite estará sujeito a sanções graves, que podem resultar inclusive na sua falência. 4.2.1.3 EFD – o Sped Fiscal O Sped Fiscal garante o compartilhamento de informações sobre as escriturações fiscais, além de apurar informações sobre o ICMS e o IPI. Os dados digitais substituem e padronizam diversas obrigações antes entregues ao Fisco estadual, com layouts diferentes. Esse arquivo também deve passar pelo PVA e ser assinado com o certificado digital da organização, tendo de ser entregue mensalmente pelo contribuinte (LEROY; JÚNIOR; ÁVILA, 2017). A EFD é uma versão digitalizada dos documentos que dão conta da apuração de tributos importantes e até mesmo do controle do estoque. Essa escrituração abrange os livros de Entradas e Saídas, de Inventário, de Apuração do IPI, de Apuração do ICMS, de Controle de Crédito de ICMS do Ativo Permanente (Ciap) e o de Controle da Produção e do Estoque. Conforme podemos observar, existem grupos dentro da EFD, os quais se relacionam a procedimentos distintos entre si. São os Obrigações tributárias 109 chamados blocos do Sped Fiscal, sobre os quais veremos mais detalhes a seguir: • Bloco 0 – Diz respeito a informações como abertura, identificação e referências do contribuinte (registros de tabelas). • Bloco C – Documentos Fiscais I – Mercadorias (ICMS/ IPI) – Nesse bloco, são dispostas as Notas Fiscais de Produtos ou Produtos/Serviços. • Bloco D – Documentos Fiscais II – Serviços (ICMS) – Aqui, são envolvidos os registros referentes ao recebimento ou à emissão de documentos fiscais que englobam prestações de serviços de transporte intermunicipal e interestadual e de comunicação. • Bloco E – Apuração do ICMS e do IPI – Armazena informações de apuração desses dois tributos. • Bloco G – Controle do Crédito de ICMS do Ativo Permanente – CIAP – Consta o registro de dados do CIAP, que busca demonstrar o cálculo da parcela do crédito de ICMS apropriada no mês, proveniente da entrada de mercadorias destinadas ao ativo imobilizado. • Bloco H – Inventário Físico – Corresponde ao livro de inventário e sua entrega ocorre no final do ano, em dezembro de cada exercício. • Bloco K – Controle da Produção e do Estoque – Contém a escrituração dos documentos fiscais e de utilização interna da companhia, como os registros de entradas e saídas do estabelecimento, de produção e da quantidade de mercadorias nos estoques. • 1 – Outras Informações; • 9 – Controle e Encerramento do Arquivo Digital – ao final desse bloco, finaliza-se o arquivo da EFD-ICMS/IPI. 110 Planejamento e administração tributária Como foi possível observar ao longo desta seção e também em capítulos anteriores, a legislação tributária brasileira é um sistema bastante complexo, o que gera muitos gastos e desinformação. O CNT abrange muitas regras que devem ser seguidas à risca para que o contribuinte não encontre problemas de regularidade com o Fisco. Por isso, precisamos estar atentos não somente às obrigações principais, mas também às acessórias, que, muitas vezes, demandam muito mais tempo e conhecimento para serem solucionadas. É nesse sentido que cresce a necessidade de o governo implantar medidas que simplifiquem o processo tributário, facilitando o cumprimento das regras por parte do consumidor e aumentando a efetividade da fiscalização por parte dos órgãos responsáveis. Nesse caminho, então, temos o Governo Eletrônico, que cria alternativas mais rápidas, baratas e eficazes para o pagamento dos tributos e busca reduzir o índice de evasão fiscal entre as empresas. Considerações finais Neste capítulo, procuramos esclarecer alguns aspectos essenciais sobre as obrigações tributárias federais e estaduais. Inicialmente, foi feita uma distinção conceitual entre as noções de obrigação principal e de obrigação acessória. A partir daí, já foi possível perceber que a complexidade do Sistema Tributário Nacional se deve não apenas ao grande número de impostos e taxas que comporta, mas principalmente à grande burocracia que o envolve. Ao longo do capítulo, esclarecemos os aspectos mais gerais sobre os principais impostos e contribuições com os quais uma organização deve se preocupar. Ressaltamos, aqui, que se trata de um panorama básico de cada tributo, sem explorar os detalhes de cada um, pois este é um assunto demasiadamente complexo para ser esgotado em algumas páginas. Aquele que porventura apresente necessidade prática de adquirir conhecimento aprofundado sobre Obrigações tributárias 111 os muitos impostos que regem o nosso sistema deve se dedicar a estudar outros materiais mais específicos. Um dos assuntos de maior relevância neste capítulo foi o Sped, ferramenta que busca criar um fluxo único de informações contábeis e fiscais das empresas brasileiras. Com essa iniciativa, o Governo Federal busca facilitar o cumprimento das obrigações acessórias, que hoje demandam um tempo considerável para serem cumpridas. Além disso, há uma redução da evasão fiscal, já que o sistema informatizado cruza dados de diversos órgãos fiscais e impede que o contribuinte adote práticas que prejudiquem a coleta de tributos. A iniciativa de se criar um sistema unificado para a arrecadação de tributos demonstra que a tendência de simplificação das medidas está chegando às ações do governo brasileiro. Ainda que a passos lentos, o sistema tributário nacional vem demonstrando preocupação com o excesso de burocracia que lhe caracteriza e que resulta em custos exorbitantes, tanto de tempo como de dinheiro. Ampliando seus conhecimentos • LUNELLI, R. L. Manual de obrigações tributárias. Portal Tributário, 2019. Essa obra apresenta uma súmula de linguagem acessível para quem pretende ampliar seus conhecimentos sobre os temas explorados neste capítulo. • ICHIHARA, Y. Direito Tributário: uma introdução. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1986. Com noções básicas de direito tributário e escrito em uma linguagem simples, esse livro apresenta, de maneira prática, 112 Planejamento e administração tributária ideias de responsabilidades sobre as obrigações acessórias, entre outras informações. Atividades 1. Citamos, no Capítulo 2 desta obra, que o estudo Doing Business apontou que o Brasil se encontra entre os piores lugares para se fazer negócios. Agora, entendendo melhor as obrigações acessórias do STN, como podemos associar esses dois assuntos? 2. Como podemos interligar o arcabouço de obrigações acessórias do STN com a insegurança jurídica e outros custos no Brasil? 3. De que maneira o aspecto burocrático das obrigações tributárias prejudica as dinâmicas na arrecadação de impostos? Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, 5 out. 1988. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acessoem: 30 set. 2019. BRASIL. Decreto n. 8.950, de 29 de dezembro de 2016. Anexo. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, 29 dez. 2016. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Decreto/Anexo/ AND8950.pdf. Acesso em: 30 set. 2019. BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, 27 out. 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado. htm. Acesso em: 10 out. 2019. Obrigações tributárias 113 BRASIL. Receita Federal. Regras gerais para interpretação do Sistema Harmonizado. Disponível em: https://tinyurl.com/yxt99anl. Acesso em: 10 out. 2019. LEROY, R. S. D.; JÚNIOR, A. C. B.; ÁVILA, M. E. B. Influência dos SPEDs contribuições e fiscal nas arrecadações tributárias dos estados brasileiros. In: CONGRESSO UFU DE CONTABILIDADE – Contabilidade, Gestão e Agronegócio, 2 out. 2017, Uberlândia. Anais [...]. Uberlândia. UFU. 2017. Disponível em: http://www.eventos.ufu.br/sites/eventos.ufu.br/files/ documentos/9433_-_influencias_dos_speds_contribuicoes_e_fiscal_nas_ arrecadacoes_tributarias_dos_estados_brasileiros.pdf. Acesso em: 16 out. 2019. LIMA, E. S. de. Pesquisa sobre redução nos custos de conformidade tributária e os investimentos no Sistema Público de Escrituração Digital – SPED no Brasil. 2013. Dissertação (Mestrado em Ciências Contábeis) – PUC/SP, São Paulo, 2013. LUKIC, M. de S. R.; MONTENEGRO, M. R. Tributos em espécie. Fundação Getúlio Vargas: Rio de Janeiro, 2014. MARIANO, P. A.; AZEVEDO, O. R. SPED: sistema público de escrituração digital. São Paulo: IOB SAGE, 2010. OLLER, N. Manual Prático da NF-e e da NFC-e: entendendo a nota fiscal eletrônica e a nota fiscal de consumidor eletrônica. São Paulo: IOB SAGE, 2014. Disponível em: http://www.iob.com.br/newsletterimages/iobstore/ sumarios/2014/ago/LIV21211.pdf. Acesso em: 15 out. 2019. TABELA ICMS 2019 atualizada com as Alíquotas dos Estados. SAGE Blog. 2 jan. 2019. Disponível em: https://blog.sage.com.br/tabela-icms-2019- atualizada/. Acesso em: 10 out. 2019. WORLD BANK GROUP. Doing Business 2018. Reforming to create jobs. Washington DC, EUA: World Bank Publications, 2018. Disponível em: https://portugues.doingbusiness.org/content/dam/doingBusiness/media/ Annual-Reports/English/DB2018-Full-Report.pdf. Acesso em: 10 out. 2019. 5 Incentivos scais Fenômeno típico do mundo capitalista, a guerra fiscal representa a alta competitividade existente entre os entes federativos e tem como principal “arma” a concessão de incentivos fiscais para os investidores, de maneira a movimentar a economia local. Neste capítulo, nos dedicaremos a compreender as causas e as consequências da chamada guerra fiscal entre os estados da Federação brasileira, bem como das diretrizes mundiais do que se considera uma tributação ótima. Além disso, veremos um dos grandes temas da atualidade: a reforma tributária. 5.1 Imunidade e isenção Os incentivos fiscais serão o eixo principal deste capítulo, portanto, é conveniente, para não dizer obrigatório, que primeiramente façamos a distinção entre imunidade e isenção tributária. Embora o efeito prático desses dois conceitos seja o mesmo, isto é, o não pagamento do tributo, existe uma diferença significativa entre eles. A imunidade tributária é determinada pela Constituição Federal e representa a vedação absoluta ao poder de tributar certas pessoas ou bens. Dessa forma, os setores sociais a que se referem as imunidades previstas na Carta Magna estão fora do âmbito da tributação, não podendo ser taxados. As leis ordinárias que buscam superar ou confrontar as imunidades podem, portanto, ser consideradas inconstitucionais. As principais imunidades contidas na Constituição contemplam: templos de qualquer culto; patrimônio de partidos Vídeo 116 Planejamento e administração tributária políticos; sindicatos; instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos; livros, jornais e revistas (e o papel destinado à sua impressão); fonogramas e videofonogramas musicais de artistas brasileiros (BRASIL, 1988). Com isso, as imunidades estão amplamente relacionadas aos chamados princípios constitucionais pétreos, como a liberdade religiosa (imunidade aos templos) e política (imunidade aos partidos). Em contrapartida, a isenção tributária é uma opção legal feita pelo ente federativo, ou seja, pelo legislador ordinário da União, unidade federativa ou município. Sendo assim, a isenção representa uma inibição do lançamento do tributo, mesmo após a ocorrência do fato gerador e o surgimento da relação jurídico-tributária. A isenção deve ser atrelada a uma lei cujo texto estabeleça as condições e os requisitos para que sua concessão ocorra. Com prazo determinado ou indeterminado, de modo condicionado ou não, a isenção pode ser definida como o exercício da competência do legislador ordinário, ou seja, vereadores e deputados estaduais e federais. Portanto, como podemos perceber, existe uma distinção considerável entre os conceitos de imunidade e isenção. Conforme resume Luciano Amaro em seu livro Direito Tributário Brasileiro, “a diferença entre a imunidade e a isenção está em que a primeira atua no plano da definição da competência, e a segunda opera no plano do exercício da competência” (AMARO, 2006, p. 152). Enquanto a isenção é prevista por lei, a imunidade é sancionada constitucionalmente. Posto isso, compreende-se que a imunidade só pode ser revogada a partir da criação de uma emenda constitucional, ao passo que a isenção pode ser anulada caso a lei que a criou também seja extinta. Para efeitos práticos, tomemos o exemplo do ICMS. Muitas vezes, esse imposto estadual é zerado ou tem sua alíquota reduzida para fomentar determinadas áreas da economia da Incentivos fiscais 117 unidade federativa em questão, e o legislador pode cancelar essa isenção a qualquer momento, sempre respeitando os processos legislativos do estado e os demais princípios constitucionais. Outro exemplo que pode ser dado para facilitar o entendimento de tal distinção é o do IPVA, que deve ser pago pelo proprietário do automóvel. Caso o veículo pertença a algum ente federativo, não poderá ser exigido o tributo em uma situação de imunidade. No entanto, se há a decisão por parte do Estado de não mais se cobrar o IPVA de veículos com mais de 25 anos, temos o fenômeno de isenção fiscal. Cabe ressaltar que a imunidade e a isenção fiscal atuam somente sobre a obrigação tributária principal, de caráter patrimonial. As obrigações acessórias relacionadas aos tributos imunes ou isentos continuam existindo, uma vez que se trata de processos burocráticos. Dessa forma, mesmo que um partido político ou uma entidade beneficente não sejam alvo de alguns tributos, precisam cumprir com seus deveres instrumentais, sendo passíveis de fiscalização pela autoridade fazendária. 5.2 O Estado brasileiro e a guerra fiscal A Constituição de 1988 obteve êxito com a autonomia fiscal dos estados e municípios. Buscando investimentos privados, essas unidades federativas colocaram as empresas numa espécie de “leilão” que implicava em delegar qual município sediaria suas novas plantas industriais. Vencia o estado que oferecesse benefícios mais atraentes para as corporações. Alguns desses benefícios incluem isenção ou postergação do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) ou do Imposto sobre Serviços (ISS), além de financiamentos de longo prazo, disponibilização da área para estruturação e outras Vídeo 118 Planejamento e administração tributária infraestruturas. O que estava e ainda está em jogo é utilizar-se de instrumentos ativos de suas políticas para atrair as indústrias e empresas (NASCIMENTO, 2008). De outra forma, podemos entender a guerra fiscal como uma disputa entre dois ou mais estados e/ou municípios que, para conseguiratrair determinados investimentos, oferecem isenções fiscais à empresa investidora. O ICMS, por exemplo, absorveu antigos impostos federais, além de ter suas alíquotas flexibilizadas e sua administração delegada aos próprios estados. No tocante aos municípios, estes passaram a ter uma participação maior no bolo tributário, com um aumento de 25% nos percentuais de partilha sobre o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), formando o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que é composto de 23,5% da arrecadação proveniente do IR e do IPI (DAVI et al., 2011). Vale ressaltar que apesar do nome guerra fiscal, o qual pode inferir tratar-se de ações geradas por atores anônimos, não é isso que ocorre, mesmo a guerra fiscal sendo conjuntos de ações que desagregam a federação, seus atores são legítimos, sendo estes os legisladores e executores dos estados e municípios. Paralelamente a diversos fatores que contribuem na compreensão dos agravantes e da piora da guerra fiscal, convém atentar para fontes mais remotas do combate entre os estados. Sob essa perspectiva, a matriz das operações da guerra fiscal situa-se no processo de desenvolvimento desigual, ou seja, elas são uma forma de desenvolver a economia dos estados buscando redistribuir sua participação econômica ora prejudicada frente aos outros entes. A guerra fiscal entre os estados, tal como a conhecemos hoje, é resultado de uma convergência de fatores políticos e econômicos ocorridos desde a década de 1980. Mesmo antes disso, com o fim da ditadura militar, já havia uma preocupação com a questão da descentralização política e institucional. Portanto, com a Constituição Federal de 1988, passou a haver o deslocamento de Incentivos fiscais 119 poder da União para os estados e municípios, o qual se concretizou com a atribuição, à esfera estadual, do poder de fixar as alíquotas do ICMS. Uma vez que esse tributo é a base das receitas estaduais, cria-se um cenário de regras obscuras extremamente competitivo, dando vazão para o surgimento da guerra fiscal entre os estados. Sob essa perspectiva, pode-se dizer que as medidas liberais adotadas pelo governo na Constituição de 1988 em muito contribuíram para o surgimento e a manutenção de tais conflitos. Como outro exemplo, podemos citar que o abandono de políticas de coordenação inter-regional deixou praticamente a cargo das unidades federativas o controle sobre a economia local, uma vez que o Governo Federal passou a investir com mais afinco em ações que trariam ganhos sistêmicos, gerais, para a redução do Custo Brasil, entre outros. Assim, conforme expõem Prado e Cavalcanti (2000), o afastamento do Governo Federal da tomada de ações administrativas e fiscais não promoveu a esperada hegemonia do mercado, mas criou uma demanda por políticas tributárias – que logo foi atendida pelos grupos regionais. Assim, formou-se a estrutura política que oportunizou as disputas entre os estados pelas condições para o seu desenvolvimento. Existe ainda um fator econômico que fomenta a guerra fiscal entre os estados: trata-se da globalização. Com a abertura econômica, o país passa a atrair investimentos internacionais, que serão agora disputados internamente entre as unidades federativas. Destaca-se que, notadamente, o conceito de guerra fiscal está atrelado à concorrência que há entre os estados pelos projetos industriais estrangeiros, principalmente os do setor automobilístico. Após a consolidação do Mercosul, o Brasil entrou no radar dos investimentos de empresas multinacionais que buscam expandir seus negócios. Certamente, não é o chamado “leilão de incentivos fiscais” realizado pelos estados brasileiros que atrai as empresas 120 Planejamento e administração tributária estrangeiras para o país – elas já se instalariam aqui por razões mercadológicas. No entanto, ao entrarem em território brasileiro, tais organizações devem escolher as regiões economicamente mais desenvolvidas, e é nesse momento que se justificam as batalhas pelos lances tributários mais baixos. Segundo Dulci (2002, p. 97), “trata-se de cobrir com vantagens financeiras o custo da alocação de uma empresa em outra parte que não aquela que ela escolheria por uma lógica de mercado”. Com isso, a internacionalização representa um estímulo para a manutenção da guerra fiscal, uma vez que o certame pelo capital estrangeiro faz com que os estados ofereçam concessões cada vez maiores. Nesse momento, as desigualdades econômicas e sociais entre as unidades federativas podem representar pontos positivos ou negativos. Sob uma visão otimista, entrar nessa disputa pelo capital pode ser uma promessa de superação das desigualdades para aqueles estados cuja atratividade para os investimentos é consideravelmente baixa sem que haja tais incentivos fiscais. Assim, quando uma grande organização se instala nessa região, são gerados empregos, e a economia local volta a girar. Entretanto, é preciso levar em consideração que as renúncias fiscais feitas pela administração estadual nem sempre têm um impacto positivo para a sua população. Isso porque o excesso de dispensas fiscais pode comprometer as finanças públicas e limitar gravemente as receitas futuras. Ainda, são justamente os estados mais desenvolvidos economicamente que conseguem manter esse alto grau de isenções sem prejudicar seus cofres. Desse modo, a desigualdade só aumentará, em vez de diminuir. Fato é que os estados da federação estão em constante confronto com o objetivo de aumentar o número de empresas favorecidas pelos incentivos fiscais e, com isto, ter maior arrecadação. Para tanto, não se privam de diversas vezes realizarem manobras de favorecimento Incentivos fiscais 121 unilateral, prejudicando os outros estados, sobretudo, aqueles que arrecadam apenas o suficiente para dar manutenção à prestação de serviços públicos elementares para seu corpus social. Por fim, quando uma empresa migra para outro estado, é a sociedade quem mais perde. Se a arrecadação estiver fraca, o estado fica em débito, e o repasse do prejuízo recai sobre a sociedade, que o assume para que serviços essenciais possam manter seu funcionamento sem comprometimento extremo. Segundo Simonsen (1992, p. 571), guerra fiscal são “os conflitos de natureza tributária existente entre os estados, objetivando a atração de indústrias, a partir da concessão do Imposto Interestadual de Consumo, ICM”. Aproximadamente, R$ 100 bilhões por ano são perdidos em renúncia fiscal provocada pelos principais tributos em vigor (PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS), sendo estes os principais alvos da reforma tributária. Diniz (2000) acredita que a guerra fiscal é fruto da internacionalização, ou seja, o afã por capitais externos forja crescentes concessões feitas pelos estados. Na sua raiz, alojam-se sob diversos aspectos das desigualdades regionais do país e os limites dos recursos internos para investimentos suficientes para abrandá-las. Tendo esse ponto sob perspectiva, é favorável para cada estado, visto de forma isolada, entrar nessa guerra, sobretudo se as possibilidades de atrair investimentos sem incentivos são diminutas. Os benefícios vão desde aumento de empregos até diversificação da produção local. Além disso, as indústrias alvo dos incentivos fiscais ainda podem atrair suas fornecedoras, aumentando, com isso, o nível de emprego e a renda da região. Para o Brasil, analisando de forma universal, as consequências não são positivas e normalmente acabam por cobrar um alto preço da população, que paga cada vez mais impostos sem o correspondente aumento de infraestrutura que atenda suas necessidades. Como adverte Diniz (2000), as finanças públicas são fortemente 122 Planejamento e administração tributária impactadas pela guerra fiscal, que acaba por comprometer receitas futuras e impactar equilíbrioseconômicos, podendo gerar aumento de preços. Isso faz com que em uma guerra fiscal os estados mais desenvolvidos e geograficamente bem localizados (logística, proximidade do público consumidor e proximidade de mão de obra especializada) tenham maior facilidade nessa disputa. 5.3 Guerra fiscal e desenvolvimento regional desigual Como é de conhecimento geral, o Brasil é reconhecido como um dos países mais desiguais do mundo e tal desigualdade não ocorre apenas entre determinadas classes sociais de um local, mas também entre as regiões. Apesar de não haver impedimentos, a mão de obra não flui entre as regiões como deveria, visto que existem outros pontos a serem considerados, entre os quais a infraestrutura oferecida, o desenvolvimento social e educacional das diferentes regiões e outras questões que não só a mão de obra em si que, em teoria, pode migrar facilmente. Conforme dito anteriormente, as desigualdades econômicas entre os estados representam uma fonte importante da chamada guerra fiscal. Os processos de desenvolvimento e as estratégias de recuperação econômica das unidades federativas representam, portanto, as origens dos conflitos entre elas. O processo de industrialização no Brasil se deu de forma centralizadora, unificando os mercados regionais que até então eram isolados e concentrando-se inicialmente em uma divisão de trabalho que privilegiava o eixo Rio-São Paulo. Beneficiado pelas condições de crescimento proporcionadas pelo complexo cafeeiro, o estado de São Paulo se destacou ainda mais, tornando-se sinônimo Vídeo Incentivos fiscais 123 de desenvolvimento econômico no país. Esse cenário se intensificou de forma significativa com a política cambial nacional, que protegeu o setor industrial já estabelecido para controlar as importações. Apesar de haver nítidas desigualdades entre regiões, estados e municípios, é equivocado pensar que se trata de um esquema centro-periferia, isso porque estamos nos referindo a um país continental, heterogêneo e com necessidades específicas a cada local. Portanto, as diferenças quanto ao grau de desenvolvimento e ao potencial produtivo de cada unidade federativa levaram a processos também distintos para a sua recuperação econômica, principalmente por meio de dispositivos institucionais e fiscais. De acordo com Dulci (1999), podem ser identificados quatro modelos de desenvolvimento regional no Brasil: o primeiro deles se baseia em fatores mercadológicos, tal como o citado caso de São Paulo. A segunda possibilidade contempla as regiões que se aqueceram economicamente como consequência do progresso paulista, por exemplo, temos os estados de Goiás, Paraná e partes de Minas Gerais (Sul e Triângulo Mineiro). Dulci (1999) aponta que o terceiro modelo de desenvolvimento está no caminho oposto daqueles citados anteriormente. Trata- se das regiões do Nordeste e da Amazônia, que apresentam baixíssimo potencial de crescimento segundo a lógica do mercado, uma vez que estão isoladas do eixo industrial do Sudeste do país. Nesse caso, o atraso só poderia ser recuperado por meio de iniciativas políticas e institucionais do Governo Federal. Com ações tomadas de fora para dentro, essas regiões se transformaram em alvos de benefícios fiscais, no intuito de viabilizar e fomentar os empreendimentos industriais e agropecuários. O autor explica que essas medidas são consideradas apenas como compensatórias, não alterando efetivamente a dinâmica de distribuição de poder entre as regiões brasileiras. 124 Planejamento e administração tributária O quarto modelo citado por Dulci (1999) diz respeito às regiões que dispõem de potencial de crescimento e utilizaram-se de recursos políticos e institucionais internos para reaver os seus atrasos. Estados como Minas Gerais e Rio Grande do Sul adotaram medidas intermediárias para manterem-se competitivos, sem que houvesse a necessidade de uma intervenção por parte do Governo Federal. Uma vez que o grau de subdesenvolvimento desses estados não é tão acentuado quanto na Amazônia ou nos estados do Nordeste, não se justifica a criação de ações federais. Essa suplementação da dinâmica mercadológica com estratégias institucionais representa o princípio básico da guerra fiscal, visto que os protagonistas desse jogo são os grandes estados, pois possuem capacidades administrativas para planejar, estruturar e financiar a captação de investimentos para o seu território. Nas unidades federativas com maior poder econômico, os incentivos fiscais representam apenas mais uma peça do seu tabuleiro de estratégias para a industrialização. É importante salientar que a utilização de instrumentos fiscais como estratégia de crescimento econômico não caracterizou, por si só, o início da guerra fiscal. Para que ela se irrompesse, foi preciso que o governo federal se esvaziasse de sua função centralizadora. Portanto, podemos afirmar que o “pacto federativo” anteriormente estabelecido contribuía para a convergência de interesses por meio de acordos e alianças. Sem esse papel mediador da União, o equilíbrio parece se desfazer e a competitividade entre os entes federativos ganha mais força e se coloca como uma questão proeminente na economia brasileira. 5.4 Reforma tributária Como já vimos no início deste capítulo, um aspecto importante dos incentivos fiscais é que estes foram se acirrando a partir da Constituição de 1988. Além da questão de maior autonomia estadual, outro fator importante a se analisar é que, a nível Vídeo Incentivos fiscais 125 federativo, a guerra fiscal é desagregadora e, muitas vezes, prejudicial ao ente que concede os benefícios em detrimento da abertura de uma nova empresa. Esses aspectos se dão devido a diversas fragilidades e confusões existentes no STN e todas as reformas tributárias apresentadas até a presente data oferecem alterações que irão impactar fortemente os incentivos fiscais atuais, podendo representar uma enorme mudança na guerra fiscal. Desta forma, torna-se importante nos aprofundarmos um pouco mais no assunto da reforma tributária. Afinal, avaliar os sistemas tributários ou o conjunto de regras legais que orienta as imposições tributárias estabelecidas pelos diversos órgãos públicos é notavelmente controverso, não apenas no Brasil, mas em qualquer parte do mundo. O sistema tributário, conforme observado em capítulos anteriores, tem seu papel central na economia moderna, uma vez que afeta de muitas – e complexas – maneiras o aparato econômico do país. O crescimento e a competitividade nacional e os meios de distribuição social e regional da renda carregam uma dupla probabilidade: podem representar tanto um elemento de suporte quanto um estorvo ao desenvolvimento. “É também crucial para delimitar com quanto cada grupo de cidadãos e empresas de quais regiões geográficas do país terá de arcar para financiar que tipo (e tamanho) de estado e de provisão de serviços e bens públicos” (ORAIR; GOBETTI, 2018, p. 214). Os mesmos autores destacam que o sistema tributário brasileiro é nomeado “estrutura desconexa” em razão de não ser encontrada uma coerência lógica, pautada em fundamentação teórica que dê conta de justificar a forma como os tributos são estruturados. Se o problema é de cunho estrutural, Orair e Gobetti (2018, p. 13) destacam que “mudar isso não é tarefa simples e depende de acordos políticos e federativos” mais complexos que escapam do escopo no momento. “Mas um bom ponto de partida é atualizar o 126 Planejamento e administração tributária diagnóstico dos problemas que temos de enfrentar e as alternativas de solução disponíveis à luz da teoria econômica e das experiências internacionais” (ORAIR; GONETTI, 2018, p. 13). Embora a reforma tributária seja um ponto antigo na discussão política e empresarial brasileira, as discussões das últimas décadas eram centradas basicamente na criaçãode um Imposto único sobre o Valor Adicionado (IVA) e na unificação de legislação do ICMS; nas atuais propostas de reforma temos visões mais amplas, que visam criar um ordenamento tributário maior, unificando mais impostos e simplificando a estrutura do STN. Essa mudança de visão se deve muito ao entendimento da classe política de que chegamos ao ápice de carga tributária suportada pela população e de que o foco agora deve ser aumentar a produtividade do país, buscando inicialmente essas simplificações para depois podermos falar em redução de carga. Diversos setores e grupos de interesse ainda oferecem resistência e dissensos em relação a uma reforma tributária (SILVEIRA; PASSOS; GUEDES, 2018). Os autores destacam que os resistentes são, sobretudo, aqueles que terão perdas se as mudanças tiverem a tônica internacional, podendo existir bloqueios por parte dos relativamente conservadores, “tanto na direção de uma reforma tributária que reduza a carga dos tributos indiretos como uma que amplie a tributação sobre a renda da pessoa física e sobre a riqueza” (SILVEIRA; PASSOS; GUEDES, 2018, p. 3). Os argumentos evocados são que, dado o nível de renda, o grau de informalidade e a necessidade de atração de capitais/ poupanças, não parece salutar alterar significativamente a composição da carga, devendo a reforma se concentrar em dois problemas: o caráter disfuncional dos tributos indiretos e a heterogeneidade de tratamento das contribuições sobre salários e rendimentos para o financiamento previdenciário. Ou seja, defendem a harmonização da tributação indireta, com base no valor adicionado e no destino do produto, e sustentam que se pode reduzir o custo das contribuições Incentivos fiscais 127 sobre a folha com alterações no sistema de proteção social. (SILVEIRA; PASSOS; GUEDES, 2018, p. 3) A reforma fiscal é um anseio que não se isola apenas em alguns setores da sociedade brasileira, ela é manifestada por diversas esferas sociais, entre elas, a política. Esse desejo coletivamente difuso ganhou corpo até se tornar um problema real que demanda solução urgente e arbitrária. Contudo, o sistema tributário nacional parece não responder aos imperativos sociais acerca da tributação, haja vista que se revela ineficiente e incapaz de satisfazer os interesses dos cidadãos. Desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, praticamente todos os Presidentes da República manifestaram o interesse político de avançar com reformas tributárias, sendo que, inclusive, diversas propostas de mudanças acabaram remetidas ao Congresso Nacional, embora todas tenham falhado após quase trinta anos de democracia. (MACHADO; BALTHAZAR, 2017, p. 221) Não obstante, vozes do Direito Tributário se posicionam contra a reforma, confrontando nomes favoráveis a ela e aquecendo um debate que já dura décadas. Com relação a isso, Piscitelli (2003) verifica que a reforma tributária, sob a perspectiva da “unanimidade de cada um”, como quase todos os assuntos relevantes da nossa realidade, costuma ser tratada sem a profundidade necessária e sem o comprometimento exigido. Orair e Gobetti (2018) acreditam na probabilidade de pensar duas alternativas para a reforma tributária: uma seria uma reforma considerada radical, que buscaria uma reformulação completa e que consequentemente exigiria uma implementação e aprovações mais complexas e a segunda seria uma implementação pragmática, buscando conseguir uma efetivação mais rápida e de mais fácil aprovação – reforma fatiada. Contudo, é perigoso entender que a segunda alternativa seja apenas pontual, não é este o conceito, ela deve ser profunda, porém paulatina, de forma a garantir que mesmo 128 Planejamento e administração tributária sendo um reforma fatiada, ao final cheguemos a um novo STN que seja melhor estruturado e dê forma ao modelo ideal a ser definido. Fato é que, conforme mencionado, o tema da reforma fiscal é alvo de interesse de diversos setores da atual sociedade brasileira, que acredita que o sistema tributário se mostra ineficiente no atendimento de suas demandas. Contudo, na contramão do que acredita o discurso do senso comum, alguns nomes importantes do Direito Tributário Nacional afirmam que o STN brasileiro não é tão distorcido quanto se propaga e não existe a necessidade de uma reforma fiscal profunda no país. Para Paulo de Barros Carvalho, entrevistado pela revista Consultor Jurídico (CRISTO, 2010), o sistema tributário brasileiro é adequado em sua forma e seu funcionamento, garantindo uma arrecadação correta e não necessitando, assim, de maiores ajustes. Embora alguns estudiosos não concordem, o jurista afirma que o maior problema tributário do país está relacionado a uma questão ética de justiça fiscal e distribuição equilibrada da carga tributária. Sendo assim, ele acredita que cabe apenas darmos foco à distribuição de renda. Ao contrário do que crê Carvalho, outros juristas e economistas defendem que a atualização do sistema tributário brasileiro é urgente e indispensável para que o país possa se colocar de maneira competitiva no mercado internacional. Bernard Appy (2016), economista que entre 2003 e 2008 foi Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, declara que a reforma tributária é necessária para reparar as distorções do sistema, aumentando a eficiência da economia e elevando a produtividade nacional. Appy (2016) também afirma que o sistema fiscal é disfuncional e representa um impacto negativo sobre o PIB do país devido à sua alta complexidade. Além de insegurança jurídica, existe uma enorme despesa relacionada ao pagamento de impostos. Para o jurista, esse custo está relacionado não somente ao seu valor monetário, mas ao Incentivos fiscais 129 dispêndio de tempo e conhecimento necessário para se apurar o montante devido, além do cumprimento das obrigações acessórias. Sob essa mesma lógica, o economista Fernando Rezende (REFORMA..., 2016) reitera que a reforma fiscal é essencial para que o Sistema Tributário Nacional passe a se sustentar pelos princípios da simplicidade, flexibilidade e eficiência. Para o especialista, um sistema mais produtivo está fundamentado em regras claras e compreensíveis, além de mais facilmente ajustáveis pelas leis ordinárias, infraconstitucionais. Um processo burocrático mais simplificado, que não comprometa o desenvolvimento econômico, representa uma maior possibilidade de o país se tornar competitivo no mercado internacional, pois os seus processos produtivos acontecem de maneira mais fluida. Seguindo a mesma linha de raciocínio, podemos citar o estudo realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que, entre outros aspectos, verificou que o Sistema Tributário Nacional apresenta falhas maiores do que, simplesmente, a elevada arrecadação, abrangendo o grande número de tributos, com a ausência de regras claras e falta de transparência do governo. Dessa forma, mesmo que não haja um acordo sobre a necessidade de reformas profundas no sistema, é consenso que ajustes específicos e pontuais devem ser feitos para melhorar o modelo de arrecadação e distribuição dos tributos. 5.4.1 Teoria da Tributação Ótima (TTO) Após a Segunda Guerra Mundial, as principais lideranças econômicas do mundo passaram a rever o papel da tributação na construção dos estados de bem-estar social. Nesse sentido, houve uma maior tributação da renda de pessoas físicas e jurídicas, elevando-se as alíquotas, além de uma melhor provisão dos bens públicos. Esse novo paradigma do sistema tributário não foi acompanhado pelo Brasil, visto que possuía uma economia marcadamente rural e informal. Ademais, as instituições 130 Planejamento e administração tributária governamentais frágeis, somadas a um quadro social repleto de desigualdades, não construíam um cenário ideal para essa mudança no país. No entanto, a partir das décadasde 1980 e 1990, o Brasil passou a aplicar alguns preceitos da Teoria da Tributação Ótima (TTO), vigente na esfera internacional. Essa teoria revela a necessidade de alterações no sistema tributário a fim de se alcançar mais eficiência, competitividade e equidade. Ainda, busca-se redução de tributos sobre produtos importados, fixação de taxas sobre o valor agregado das mercadorias e redução das alíquotas sobre o Imposto de Renda. Portanto, o Estado brasileiro passou a aplicar um imposto cada vez mais linear sobre a renda, reduzindo a tributação sobre as receitas provenientes do capital. Apesar de não possuir um efeito notadamente redistributivo sobre a renda, as medidas adotadas pelo país têm apresentado um certo avanço em relação à promoção da chamada justiça fiscal. Em um contexto de crise social, econômica e fiscal, o Brasil encontra à sua frente a oportunidade de promover uma reforma tributária mais inclusiva, voltada para a diminuição da pobreza e da desigualdade. Dessa forma, é preciso rever os princípios básicos da TTO, que, por essência, não estimulam o caráter solidário dos governos. 5.4.1.1 Os princípios da TTO e a necessidade de revisão Conforme visto nas informações gerais acerca da TTO, compreende-se que essa teoria aponta as melhores direções para a construção de um sistema tributário cujas decisões sejam menos distorcidas e possibilitem uma arrecadação mais eficiente. Nesse sentido, a solução apresentada pela teoria é a tributação dos indivíduos de acordo com a sua capacidade de adquirir renda. Desta forma, seria aplicado o lump-sum tax, um tipo de imposto fixo per capita que independe do comportamento do indivíduo Incentivos fiscais 131 – se o contribuinte realiza mais ou menos transações econômicas, o valor do tributo continua o mesmo. No entanto, a aplicação dessa solução ideal é impossibilitada pela dificuldade de se obter acesso a informações privadas dos contribuintes. A alternativa encontrada é a utilização de indicadores que permitam compreender de maneira indireta quais são as capacidades contributivas do cidadão: indicadores de renda, de consumo e de patrimônio. Lagemann (2004) afirma que as primeiras propostas da TTO se referiam à tributação do consumo e da renda dos contribuintes (entendimento posteriormente alterado). Com isso, em relação ao consumo, deveria haver uma regressividade no que se refere à tributação dos bens, aumentando-se as alíquotas para produtos e serviços que sejam de primeira necessidade da população. Por outro lado, a tributação da renda deveria ser feita aplicando-se alíquotas nulas para as faixas inferiores e superiores, compreendendo-se que tributos com alíquotas elevadas para maiores rendas impactam negativamente o trabalho qualificado e produtivo, visto que são os de melhor remuneração e, na visão do autor, deveriam ter faixas de isenção superior exatamente para não desestimular a busca pela excelência que hoje leva a maiores alíquotas. Entretanto, a teoria não definia quais deveriam ser as alíquotas para as faixas intermediárias de renda – além de não considerar que os ganhos de capital devem compor o sistema tributário. Silveira, Passos e Guedes (2018) apontam que existe uma inconsistência nesse modelo inicial da TTO, uma vez que ele considera apenas a eficiência econômica dos tributos, sem levar em conta o fator equitativo que o sistema tributário deve apresentar. Nesse sentido, os autores revelam que o modelo apresentado por Diamond e Mirrlees (1971) é mais adequado e atual, pois considera que a preocupação social com os contribuintes mais pobres deve se sobressair à preocupação com a eficiência econômica. Em outras palavras, deve haver um equilíbrio entre eficiência e equidade, 132 Planejamento e administração tributária revelando a necessidade de se pensar em soluções distributivas e progressivas para a taxação de bens. Cabe reforçar que diversos autores direcionam críticas aos argumentos da TTO, especialmente em função da sua frágil relação com a realidade econômica dos países, pois a teoria desconsidera os custos administrativos para realizar tais tributações, além de não definir quais devem ser as alíquotas para os tributos de consumo e renda. Ademais, os críticos revelam que os princípios iniciais da TTO não são bem explorados, quais sejam: equidade, eficiência e simplicidade. Destaca-se que, de fato, não há uma simplificação do sistema quando a Tributação Ótima é aplicada, pelo contrário. A principal disfunção da TTO, no entanto, encontra-se na afirmação de que, nesse modelo, os ganhos de capital não devem ser tributados, uma vez que os salários já o teriam sido. Na atualidade, essa construção de ideias não é efetiva, visto que existe uma grande concentração de renda que promove a desigualdade econômica e social. Na busca de superar essas dificuldades, é preciso revisitar os preceitos da Teoria Ótima, compreendendo-se os benefícios fiscais e sociais da progressividade tributária, da taxação do patrimônio e dos altos ganhos de capital. Atualmente, autores renomados e especialistas no assunto já compreendem que a aplicação de alíquotas maiores sobre as faixas de renda mais altas e a tributação dos ganhos de capital não representam entraves para o desenvolvimento econômico. Essa mudança de pensamento não representa uma ruptura com os preceitos da TTO, apenas uma atualização de seus conceitos com propostas mais realistas para a diminuição das desigualdades. Sob essa perspectiva, depreende-se que a tributação progressiva da renda pode e deve ser feita, sem a preocupação de que o crescimento do país estaria comprometido. Atualmente, sabe-se que o sistema tributário precisa contribuir para a promoção da equidade social e que também é de sua responsabilidade a construção de uma sociedade mais justa. Incentivos fiscais 133 5.4.2 A importância do Confaz Conforme visto anteriormente, o sistema tributário brasileiro é excepcionalmente burocrático, o que pode não somente desestimular a abertura de novos negócios, mas também atrapalhar o entendimento e cumprimento das regras estabelecidas no CTN por parte das empresas já ativas. Um dos principais tributos pagos pelas companhias estabelecidas em solo brasileiro é o ICMS, que recai sobre as operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, além de serviços de comunicação. Assim, é compreensível o fato de que gestores e contadores apresentem dúvidas sobre o cálculo desse imposto, além de sempre buscarem alternativas menos onerosas no momento de seu pagamento. Com esse objetivo, foi criado o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), um colegiado formado pelos secretários da Fazenda dos estados e do Distrito Federal e presidido pelo ministro da Economia1. Esse órgão é amparado pelo artigo 156 da Constituição Federal e pela Lei Complementar n. 24/75, tendo como incumbência a realização de convênios para concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais para empresas contribuintes do ICMS. O Confaz sugere medidas que busquem simplificar as exigências legais feitas às empresas, além de gerir o Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais (SINIEF), cujas atribuições são as de coleta, elaboração e distribuição de dados para a formulação de políticas econômicas e fiscais. Aliás, os membros desse Conselho realizam estudos com o objetivo de aprimorar a Administração Tributária e o Sistema Tributário Nacional, bem como atuam junto ao Conselho Monetário Nacional na fixação da Política de Dívida Pública Interna e Externa dos estados e Distrito Federal na 1 Desde 1 de janeiro de 2019 o presidente do Confaz deixou de ser o ministro da Fazenda e passou a ser o ministro da Economia. 134 Planejamento e administração tributária tentativa de com estas ações minimizara confusão interestadual das normas do ICMS. Considerações finais Neste capítulo, nos dedicamos a compreender os principais aspectos da chamada guerra fiscal em andamento entre os estados brasileiros, surgida como consequência da descentralização do Governo Federal. Os embates fiscais entre as unidades federativas acabam por acentuar ainda mais as desigualdades existentes, indo na contramão do que inicialmente se esperava com essa abertura econômica. Além disso, iniciamos uma discussão acerca da necessidade de uma reforma tributária profunda no país. Para alguns especialistas, as transformações no sistema são indispensáveis e urgentes, ao passo que outros defendem ajustes pontuais, como melhorias no sistema de arrecadação. Qualquer que seja a opinião sobre a imprescindibilidade de mudanças estruturais, é evidente que não existe escapatória para a questão da melhor distribuição da renda arrecadada e da premência da construção de um sistema tributário mais justo, simples e equitativo. Ampliando seus conhecimentos • VARSANO, R. A guerra fiscal do ICMS: quem ganha e quem perde. Planejamento e Políticas Públicas. 1997. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/ view/127. Acesso em: 15 out. 2019. Corroborando com o que foi ensinado durante o capítulo, indica-se a leitura do seguinte texto do IPEA, que, de forma clara e objetiva, fala dos efeitos da guerra fiscal. Incentivos fiscais 135 • NOTÍCIAS STF. Guerra fiscal: governo paulista ajuíza dez ADIs questionando benefícios de ICMS. 2014. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe. asp?idConteudo=271704. Acesso em: 15 out. 2019. Também é sugerida a leitura dessa notícia que demonstra a confusão gerada pela guerra fiscal, com ações sendo ajuizadas de um estado contra outro em função das isenções oferecidas. Atividades 1. Com base no que estudamos, descreva uma das principais desvantagens da guerra scal e como a reforma tributária pode minimizar este problema. 2. Abordamos, neste capítulo, a criação do Confaz. Descreva a importância estratégica da criação deste para a melhoria estrutural do ICMS. 3. Comente o mecanismo do TTO e seus possíveis impactos. Referências AMARO, L. Direito tributário brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. Disponível em: https://pt.slideshare.net/Waleriah/amaro-luciano-direito- tributario-brasileiro-12-ed-2006. Acesso em: 1 out. 2019. APPY, B. Entrevista concedida para a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes. 2016. Disponível em: https://abrasel.com.br/noticias/noticias/ bernard-appy-reforma-tributaria-para-o-brasil-crescer/. Acesso em: 1 out. 2019. BATISTA, V. Guerra fiscal entre estados e municípios gera perda de 100 bilhões. Correio Brasiliense, Brasília, 18 jun. 2019. Disponível em: https:// www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2019/06/18/ internas_economia,764053/guerra-fiscal-entre-estados-e-municipios-gera- perda-de-r-100-bilhoes.shtml. Acesso em: 1 out. 2019. 136 Planejamento e administração tributária BIOLCHINI, A. C. 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Este capítulo traz uma reflexão sobre as oportunidades e riscos tributários, buscando entender que um STN bem estruturado tem toda uma função social e, novamente, falaremos de reforma tributária, porém, focando mais nas propostas que atualmente estão sendo tramitadas. 6.1 Reflexões gerais No capítulo anterior, destacamos a importância da participação do Governo Federal nas decisões fiscais, impactando o desenvolvimento socioeconômico do país e a redução das desigualdades entre as unidades federativas. Segundo os preceitos da Teoria da Tributação Ótima (TTO), as políticas fiscais devem servir para regulamentar o mercado, ao mesmo tempo em que promovem a equidade social. Como consequência da descentralização do poder tributário, surge a chamada guerra fiscal entre os estados. A partir desse fenômeno, as unidades federativas passam a disputar entre si os investimentos na economia – e o fazem majoritariamente por meio da concessão de incentivos. Desta forma, atrair investidores Vídeo 140 Planejamento e administração tributáriaestrangeiros passa a ser objetivo não só do país como um todo, mas também dos estados e municípios. A disputa pelo capital estrangeiro e nacional é bem fundamentada, uma vez que os investimentos podem trazer benefícios mútuos, tanto para o Estado (nação) receptor quanto para o investidor. Entre as oportunidades vislumbradas pelas partes, estão divisão de lucros e dividendos, acesso a novos mercados, mão de obra barata, geração de emprego e aumento de exportações. Entretanto, como se trata de uma decisão racional que deve ser bem fundamentada, muitas vezes os investidores percebem entraves que os impedem de se instalar no Brasil. Um dos maiores problemas enfrentados pelos empresários estrangeiros é a própria política fiscal, demasiadamente complexa e onerosa, que busca proteger o mercado nacional a todo custo. A seguir, destacaremos as principais oportunidades e os maiores riscos que os investidores estrangeiros encontram ao considerar o Brasil como alvo de aplicação de capital. 6.1.2 Oportunidades No cenário internacional, o Brasil é considerado um país com excelente potencial de crescimento, uma vez que conta com um mercado amplo e que, de maneira geral, é receptivo às empresas estrangeiras. Com dimensões continentais, o país atrai a atenção de empresas que buscam realizar investimentos em locais em desenvolvimento, fora das regiões com economia avançada. De acordo com Gordon (1962), o mercado brasileiro é um dos maiores entre os países desenvolvidos, justificando e causando a atração de recursos para o território nacional. O rápido e dinâmico crescimento industrial de São Paulo e outras cidades do Centro-Sul do país é um aspecto essencial considerado por investidores. Ainda que não sejam o motivo principal que baseia Reflexões sobre o Brasil tributário 141 a decisão dos empresários, em alguma medida, os incentivos fiscais promovidos pelos estados também representam um chamativo para o capital. Ademais, há de se considerar que o Brasil vem esforçando-se para criar e manter um clima positivo de investimento, isto é, o país procura manter em alta a reputação que possui entre os investidores estrangeiros, tanto os atuais quanto aqueles em potencial. Uma das táticas adotadas é a criação de zonas de livre comércio no território nacional, como a Zona Franca de Manaus. Ao diminuir a carga de impostos ou isentar as empresas do pagamento de tributos, o governo favorece a abertura do mercado e atrai a atenção internacional. Conforme explica Gordon (1962), um dos principais motivos para uma empresa escolher investir em território estrangeiro é a aspiração pela manutenção de uma base comercial em um mercado atraente. Dessa forma, permanecer em uma posição favorável passa a ser o objetivo maior, em detrimento da busca pela lucratividade a curto prazo. Com isso, mesmo que algumas ações governamentais representem obstáculos para os investimentos estrangeiros, o mercado brasileiro é atrativo, podendo supor-se que “num país que oferecesse um mercado menos atraente, semelhantes diretrizes e condições teriam um efeito negativo muito maior” (GORDON, 1962, p. 80). O Brasil é uma das maiores economias do mundo e tem uma população de mais de 200 milhões de habitantes, criando, assim, uma enorme atratividade em função do seu mercado. 6.1.3 Riscos Conforme vimos ao longo deste livro, há diversos obstáculos fiscais ao desenvolvimento econômico do país, entre eles, destacam-se a complexidade burocrática do Sistema Tributário Nacional e a irregularidade e inconsistência administrativa, principalmente em razão das frequentes mudanças nas suas diretrizes. Com um caráter protecionista exacerbado, a legislação tributária brasileira exerce 142 Planejamento e administração tributária alto controle sobre a economia, favorecendo a produção nacional em detrimento de investimentos estrangeiros. Além disso, os custos financeiros e de tempo que o sistema tributário nacional exige representam um importante obstáculo para o investimento de capital estrangeiro no Brasil. Tal afirmação é reforçada por Gordon (1962, p. 81) no artigo em que revela as impressões dos investidores americanos sobre o mercado brasileiro: a situação é exemplificada pelo comentário que o executivo de uma companhia fez a respeito de seus colegas brasileiros: disse ele que os mesmos tinham de gastar tempo excessivo estudando regulamentações e negociando com os funcionários do governo, em vez de cuidar das diretrizes de produção e vendas e de administrar as operações das empresas. Desta forma, compreende-se que a elevada carga tributária e as distorções no Sistema Tributário Nacional contribuem para afastar os investimentos do país. A isso, soma-se o impedimento que esses problemas representam ao desenvolvimento socioeconômico, visto que diminuem a renda individual e causam disfunções relacionadas à tributação regressiva. 6.2 Considerações sobre investidores financeiros Na busca por capital, países que se encontram em condições econômicas desfavoráveis que incluem deficit fiscal, que pode comprometer a própria sustentação da economia, estão criando estratégias visando o desenvolvimento de suas atividades produtivas. Apesar da relação entre essas nações e investidores estrangeiros ser historicamente conflituosa, alguns desses países têm conseguido evoluir com essa demanda e atrair capital. Vídeo Reflexões sobre o Brasil tributário 143 O “impasse” se dá porque os dois lados, tanto os investidores como os Estados, buscam a melhor forma de maximizar seus ganhos e, como muitas vezes os interesses finais são antagônicos, acabam por colidir. Como a relação entre Estados e investidores tende a ser de longo prazo, estes acabam gerando um ciclo de cooperação entre si. Definições jurídicas são essenciais para que estas relações de cooperação se perpetuem. A globalização econômica contribuiu diretamente para os fluxos mundiais de Investimento Estrangeiro Direto (IED), ou seja, investimentos centrados nos setores produtivos nos países. Esse fato aumenta a integração dos processos de produção dentro de toda a classe mundial. Tal aspecto está operando frequentes mudanças na estrutura política das nações em desenvolvimento nas suas jornadas estratégicas de inserção no mercado internacional (RIBEIRO; SILVA, 2013 apud FARIAS, 2015). Analisando a situação de uma perspectiva histórica, a inserção internacional brasileira tem se apresentado ampla e profunda. O Brasil tem atravessado mudanças frequentes e, consequentemente, despertado a necessidade de adotar novos padrões. As mudanças políticas e econômicas, ao lado das transformações no sistema mundial, repercutem diretamente nos países em desenvolvimento. O deslanchar dessas economias acelera-se quando há a entrada de capital estrangeiro, por meio de investimentos diretos ou empréstimos. Com o processo de globalização cada vez mais forte, tanto em aspectos financeiros como em aspectos de tecnologia que trazem produtividade, a vinda de multinacionais é fator preponderante no crescimento do Brasil. Em virtude dessa importância, é natural que se busque criar atratividade para essas empresas. É urgente um ajuste entre as regras brasileiras de tributação da renda das empresas aos padrões internacionais e às diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico 144 Planejamento e administração tributária (OCDE). Essa adequação é decisiva para que o Brasil crie um chamariz e consiga atrair mais investimentos, aumentando sua presença nas cadeias globais de valor. De acordo com Telles (2018), o Brasil precisa se adaptar às novas regras globais que integram o conjunto, pois o atual sistema brasileiro de tributação da renda das empresas desincentiva os investimentos e nos afasta das cadeias globais de valor, e “seguir as melhores práticas internacionais é o melhor caminho para resguardara arrecadação e, ao mesmo tempo, tornar o País mais competitivo”. A revista Isto É Dinheiro entrevistou a diretora da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Flávia Perlingeiro. Segundo a entrevistada, o sistema tributário complexo, a indefinição de regras e a insegurança jurídica que ainda existem no Brasil representam uma carga de desestímulo para os investidores estrangeiros do país. Ela acrescenta, ainda, que o Brasil precisa de um arcabouço jurídico institucional que seja claro e perene. O aprimoramento é importante, mas não pode ser sinônimo de instabilidade (ISTO É DINHEIRO, 2019). Em função do crescente deficit fiscal que o Brasil vem apresentando, diversos investidores estrangeiros passaram a considerar que o risco para investir no Brasil aumentou consideravelmente e, para restabelecermos parte da credibilidade perdida, a Reforma da Previdência é crucial, pois passará a mensagem de que o país está trabalhando em sua reestruturação econômica. No momento em que uma companhia estrangeira está em processo de escolher em qual território vai instalar ou ampliar sua planta industrial, muitas variáveis entram em cena. Entre tais, o ambiente de negócios demanda potencial, sistema tributário, infraestrutura e disponibilidade de matéria-prima. Por outro lado, Petrus (2019) também destaca que o capital humano é um indicador que não pesa menos na decisão da empresa. Reflexões sobre o Brasil tributário 145 A disponibilidade de mão de obra qualificada é um requisito fundamental para o país receber investimentos, sobretudo para atividades de alta concentração tecnológica – justamente aquelas que mais geram valor agregado para o Produto Interno Bruto (PIB). Empresas buscam capital humano elevado para construir bases que possam se integrar às cadeias globais de valor. Na América Latina, o Brasil tem disputado investimentos estrangeiros principalmente com Chile, México e Colômbia. São economias que já são consideradas mais competitivas e produtivas que o Brasil, segundo os dados mais recentes do Índice Global de Competitividade, do Fórum Econômico Mundial (WEF). Precisamos estruturar a base da economia brasileira para minimizar riscos econômicos, mas também a alta carga tributária e o excesso burocrático no Brasil afugentam investidores, como foi o caso dos empresários tchecos que desistiram de investir no Brasil em função dessas questões. Nappi (2009) explica que o sistema tributário tcheco é simples e moderno, contrariando totalmente a via sacra enfrentada pelos empresários tchecos que abriram filial no Brasil. Segundo Gilberto Paulo Salm, consultor da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), “o país integrante da União Europeia simplificou seus sistemas burocráticos e tributários, de forma a extinguir a complexidade e dificuldade de operações do grupo brasileiro” (SALM, 2009 apud NAPPI, 2009). Os tchecos apoiam os investimentos estrangeiros, dão os mesmos benefícios das empresas nacionais para as empresas internacionais. A mão de obra é de alto nível e extremamente competente, a ponto de não haver a necessidade de empresários de cargos superiores terem que ir para a fábrica situada no país. (SALM, 2009, apud NAPPI, 2009) Sales, da KPMG, realizou um estudo em 2016 que enfatiza que o consumidor brasileiro continua sendo a principal atração para os investidores estrangeiros. Ao contrário, a piora na educação 146 Planejamento e administração tributária – que reflete na mão de obra qualificada – fez muitos investidores repensarem a inserção no mercado nacional (PETRUS, 2019). A pesquisa revelou que a carga tributária alta e complexa (28%) encabeça a lista de desestímulos. Em seguida, vêm as questões políticas (23%). “Para 43% dos participantes da pesquisa, a multiplicidade de impostos indiretos traz complexidade excessiva”, destaca Sales (KPMG, 2019). Em suma, o estudo mostra que, para os estrangeiros, entender o sistema tributário brasileiro é um desafio. 6.3 Função social do tributo Os padrões governamentais desenvolvidos durante nossa trajetória histórica influem diretamente no desenvolvimento social de uma nação que tanto pode demarcar a liberalidade econômica de um país como influenciar diretamente a rigorosidade dos controles governamentais relacionados aos meios de produção e às riquezas desse país em seu contexto geral. A complexidade das reflexões acerca do Direito Tributário e sua forma de organização exigirá, ao mesmo tempo, uma análise minuciosa a respeito de determinados tributos junto a um exame geral de suas principais causas e efeitos. Esses fatores estão diretamente relacionados à ausência de equanimidade e justiça em torno da política tributária. É de suma importância que compreendamos essas causas e efeitos e suas implicações com vistas ao estímulo do agente econômico, empresarial e social e de uma produção sem temores em presença das limitações governamentais. A carga tributária brasileira é muito elevada, estando entre as maiores do mundo, e mesmo com essa arrecadação os serviços prestados à população são de baixa qualidade, de forma a terem de ser complementados por serviços particulares. Considerando-se Vídeo Reflexões sobre o Brasil tributário 147 esses fatos junto a toda a complexidade envolvida na prestação de contas dos tributos brasileiros, torna-se praticamente mandatório implantar uma reforma tributária no país. O alto custo, a alta complexidade e a baixa qualidade dos serviços põem em cheque a estrutura definida, levando cidadãos e governo, que deveriam primar pela ética em busca da viabilidade do país, a questionar o processo e muitas vezes não o seguir. O estudo Indicadores do Sistema Tributário Nacional, elaborado em 2009 pelo Observatório da Equidade, órgão do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CEDES), constatou que o STN é um dos maiores responsáveis pela perpetuação e aprofundamento das desigualdades sociais, posto que é um sistema injusto (MARTINS, 2009). De acordo com o Observatório, a injustiça tributária materializa-se, principalmente, no fato de que quem ganha menos (trabalhadores assalariados e pobres) paga mais, favorecendo proprietários e aplicadores, que, proporcionalmente, recolhem menos impostos. (MARTINS, 2009) Em termos territoriais, essa desigualdade mostra-se manifesta, haja vista que territorialmente há cinco características que se inter-relacionam: o sistema tributário é regressivo e a carga é mal distribuída; considerando a carga tributária, o retorno social é pífio; a estrutura tributária estorva ações produtivas e a produção de emprego; o pacto federativo não se adapta às suas competências tributárias, responsabilidades e territorialidades; e não existe o que o autor classifica de cidadania tributária (MARTINS, 2009). Para que haja uma disciplina estatal em relação aos tributos, deve-se ter em mente a questão da justiça tributária com vistas ao não cometimento de injustiças relacionadas às cobranças excessivas de determinados produtos por parte do Estado. Essas medidas visam à redução das desigualdades regionais e sociais que, na maioria das vezes, agravam a situação dos países que 148 Planejamento e administração tributária possuem uma intensa distinção social. A função social do tributo trata do caráter social voltado ao respeito da dignidade do indivíduo como consumidor. Partindo dessa linha de raciocínio, podemos perceber a necessidade de se abordar a implementação das políticas públicas, mais especificamente em matéria tributária com vistas ao atendimento das necessidades do contribuinte e da sociedade como um todo, que, de acordo com as regras estabelecidas pelo Estado, poderão se beneficiar dos incentivos fiscais, além de outros benefícios, colaborando, assim, para um desenvolvimento nacional efetivo. O equilíbrio e o bem-estar de uma sociedade dependerão da diminuição das desigualdades sociais.Esse fator é de suma importância para a questão do desenvolvimento nacional, garantido pela própria Constituição Federal. A função social do tributo está profundamente embasada nos princípios constitucionais de ordem tributária e econômica juntamente aos princípios fundamentais presentes na Constituição. O crescimento econômico sustentável, aliado a uma qualidade de vida e justiça social visando à preservação ambiental, está correlacionado à função social pautada na proteção da sociedade como um todo social, regional e ambiental, objetivando um desenvolvimento igualitário entre as regiões nacionais. Ainda observando as desigualdades sociais dos tributos no Brasil, de acordo com um estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), em 2007, e comentado pelo Observatório da Equidade do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), em 2009, comprovou-se que a carga tributária do Brasil é distribuída de forma injusta, desrespeitando o princípio da equidade. O estudo ressalta o alto grau de regressividade do sistema tributário nacional, apontando que o pagamento de tributos indiretos é muito maior para a população Reflexões sobre o Brasil tributário 149 mais pobre do que para as faixas mais abastadas da população. Compare o Gráfico 1 com o Gráfico 2 para entender a diferença. Gráfico 1 – Progressividade da carga tributária direta (% sobre a renda familiar) Salários mínimos Ônus tributário direto 3,1 3,5 3,7 4,1 5,2 5,9 6,8 6,9 8,6 9,9 até 2 2 a 3 3 a 5 5 a 6 6 a 8 8 a 10 10 a 15 15 a 20 20 a 30 mais de 30 Fonte: Brasil, 2009. Gráfico 2 – Regressividade da carga tributária indireta (% sobre a renda familiar) Salários mínimos Ônus tributário indireto45,8 até 2 2 a 3 3 a 5 5 a 6 6 a 8 8 a 10 10 a 15 15 a 20 20 a 30 mais de 30 34,5 30,2 27,9 26,5 25,7 23,7 21,6 20,1 16,4 Fonte: Brasil, 2009. Observe que no Gráfico 1 há um aumento na carga tributária direta. Quem ganha até dois salários mínimos paga 3,1% de tributos diretos, enquanto quem ganha mais de 30 salários mínimos paga 9,9%. Contudo, ainda que exista uma progressividade em relação aos tributos diretos, ela é insuficiente para compensar os valores gastos com a tributação indireta, o que pode ser verificado no Gráfico 2. Observe que a tributação indireta é bem maior para as classes mais pobres da sociedade: quem ganha até dois salários mínimos paga 150 Planejamento e administração tributária 45,8% de tributos indiretos. Já quem tem uma renda superior a 30 salários mínimos paga apenas 16,4%. Afirmar que o ônus tributário é maior para a população de baixa renda é também fazer um recorte das formas de incidência dos impostos, taxas e contribuições no país. Implica dizer que a produção e importação de bens e serviços apresentam incidências muito mais significativas do que aquelas que recaem sobre a renda e a propriedade. Dessa forma, tem-se que os tributos indiretos representam uma grande parcela do montante arrecadado (46,1% do total e 15,6% do PIB), enquanto os tributos diretos ocupam uma fatia menor desse valor (24,4%1 do total e 8,2% do PIB), conforme mostra o Gráfico 3. Gráfico 3 – Carga tributária por base de incidência (em 2005) Impostos ligados à produção e à importação: 46,1% Propriedade: 3,8% Imposto de Renda: 20,6% CPMF: 4% Contribuições previdenciárias, FGTS e PIS-Pasep: 25,6% Fonte: Brasil, 2009. Como é possível observar no Gráfico 3, o Imposto de Renda é um dos tributos diretos com maior arrecadação (20,6%). O IR tem caráter pessoal e progressivo, aumentando suas alíquotas proporcionalmente aos ganhos do contribuinte. No entanto, o que se observa é que esse amplo potencial distributivo não é aproveitado, perpetuando-se um cenário de concentração de renda e injustiça 1 Refere-se à soma de IR + Propriedade, que são tributos diretos. Reflexões sobre o Brasil tributário 151 fiscal. Os ganhos de capital são muito menos onerados do que os ganhos provenientes do trabalho, promovendo uma discriminação velada das funções exercidas pelos cidadãos – o trabalhador paga mais do que os empresários. Os levantamentos feitos pelo CDES apontam que, em 2005, o valor adquirido com os tributos correspondia a 33,8% do PIB, mas os investimentos públicos em educação, saúde, segurança pública, habitação e saneamento somaram apenas 9,5% desse mesmo PIB. Outro ponto importante também foi ressaltado pelo CDES: a complexidade do sistema tributário desestimula a produção nacional, impactando a geração de empregos. Esse aspecto vai ao encontro de toda a discussão proposta neste capítulo e reforça que o grande número de tributos, a tributação em cascata e a burocracia excessiva impedem o desenvolvimento pleno do país. A título de exemplo, uma pesquisa desenvolvida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que quase três quartos (74%) das empresas exportadoras acreditam que o STN compromete a competitividade dos produtos nacionais no mercado externo. A questão da equidade vem à tona novamente quando nos referimos à distribuição dos recursos entre os estados da Federação. Segundo a Constituição Federal, todo e qualquer cidadão deve ter acesso a condições mínimas de saúde, educação, saneamento, segurança etc. No entanto, a arrecadação municipal, muitas vezes, não tem capacidade de arcar com essas demandas, deixando os municípios dependentes dos repasses das esferas estadual e federal. Se a lógica indica que os municípios com maiores dificuldades econômicas e sociais deveriam ser priorizados nesse repasse de verbas, a realidade é que as cidades mais desenvolvidas tendem a receber mais recursos per capita do que aquelas que enfrentam dificuldades. Sem dúvida, esse cenário contribui para o aumento das desigualdades. 152 Planejamento e administração tributária Conforme vimos neste livro, existe uma defasagem no que diz respeito à consciência da população em relação ao funcionamento do sistema tributário nacional. Não existe a chamada cidadania tributária, uma vez que muitos contribuintes ainda não compreenderam seu papel nessa máquina governamental e não percebem a relação estreita entre a arrecadação de tributos e a necessidade de prestação de serviços públicos de qualidade. Tal falta de transparência em relação aos tributos pagos pela população resulta em uma lista enorme de impostos, taxas e contribuições, que se acumulam sobre os bens e serviços. Uma vez que bens e serviços são tributados de maneira indireta, sua incidência é menos evidente do que a que ocorre sobre a renda e a propriedade. Dessa maneira, perpetua-se a ideia de que “pobre não paga imposto” e que as políticas públicas destinadas à população de baixa renda são regalias desnecessárias. Tudo isso contribui para que haja um grande desentendimento a respeito do papel da tributação para a construção de um país mais justo e igualitário. 6.4 Imposto sobre Bens e Serviços Baleia Rossi apresentou na Câmara dos Deputados um projeto de reforma tributária que simplifica o STN. O deputado se pautou em um estudo do economista Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal. A base desse projeto foi a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O IBS simplifica o sistema, haja vista que condensa cinco tributos em um, como mostra a Figura 1. A expectativa é de que a transição demore uma década sem redução da carga tributária. Vale ressaltar que o projeto também cria o Imposto Seletivo Federal, que incidirá sobre bens e serviços cujo consumo se deseja desestimular, como cigarros e bebidas alcoólicas. Vídeo Reflexões sobre o Brasil tributário 153 Figura 1 – IBS: cinco tributos em um PIS Cons ISS ICMS IPI Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) Fonte: Brasil, 2019. O IBS é de alcance nacional e é formado pelo resultante das alíquotas federal, estaduais e municipais.As alíquotas dos estados e municípios serão determinadas por lei. Incidirá sobre base ampla de bens, serviços e direitos, tributando todas as utilidades destinadas ao consumo; será cobrado em todas as etapas de produção e comercialização; será não cumulativo; contará com mecanismo para devolução dos créditos acumulados pelos exportadores; será assegurado crédito instantâneo ao imposto pago na aquisição de bens de capital; incidirá em qualquer operação de importação (para consumo final ou como insumo); nas operações interestaduais e intermunicipais, pertencerá ao estado e ao município de destino. (BRASIL, 2019) De acordo com o site da Câmara dos Deputados (2019), a transição tributária ocorrerá em duas fases distintas. Primeiro, será feito um teste de dois anos com redução da Cofins (sem impacto para estados e municípios) e IBS de 1%. Em seguida, a cada ano, as alíquotas serão reduzidas em 1/8 por ano até a extinção, e a do IBS será aumentada para repor a arrecadação anterior. O Gráfico 4 mostra como será a transição para esse imposto. 154 Planejamento e administração tributária Gráfico 4 – Como ocorrerá a transição do IBS anos ISSICMS IPI IBSPIS/Cons Alíquota 0% 5% 10% 15% 20% Edição Teste Transição 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Fonte: Brasil, 2019. Contra essa proposta de reforma, pesa o fato de ser uma reforma radical (como vimos no Capítulo 5), pois unifica tributos federais e estaduais, o que irá dificultar o consenso necessário para a aprovação dela. 6.5 Reforma tributária e a PEC 45/2019 No Capítulo 5, falamos da reforma tributária com enfoque na guerra fiscal, mas ela é muito mais ampla e deve buscar a solução de outros problemas do STN. De acordo com Fontes (2019), após superado o debate e as alterações em torno do regime previdenciário, a atenção da população e da Câmara, naturalmente, entre outras preocupações, passa para a Reforma da Previdência. Prova disso é a PEC 45, que prevê novas regras para o STN, por iniciativa dos parlamentares. Para Lozardo (2018, p. 7), Reformar o sistema tributário pode ser uma cirurgia econômica invasiva e de elevado risco ao futuro da nação. Minimizar as incertezas depende, fundamentalmente, do realismo das medidas; do caráter corretivo das distorções Vídeo Reflexões sobre o Brasil tributário 155 produtivas e sociais; da promoção da prosperidade competitiva; e da integração econômica regional. Uma reforma tributária não deve se limitar ao aprimoramento da coleta de impostos, mas torná-la funcional, sistemática e simples. O grande problema para a reforma tributária prosseguir é que a estrutura atual é tão complexa que, apesar da certeza que se tem da necessidade deste processo, mexer nos impostos no Brasil é quase que um tabu que traz em seu bojo interesses muito diferentes entre a cadeia produtiva, a União, os estados, os municípios e as regiões do Brasil, o que torna as mudanças muito difíceis de serem implementadas, como cita Junqueira (2011, p. 2): A necessidade de uma reforma deixou de ser apenas uma opinião de especialistas. Virou uma unanimidade nacional. Desde 1988, todos os presidentes eleitos declararam querer uma reforma tributária, sendo que dois enviaram propostas de reforma ao Congresso. Contudo, todas estas tentativas de reforma falharam. O autor ainda assinala que, apesar de complexo, o inimigo do STN não está tão oculto, posto que basta compreender melhor uma ação política. “A resposta para o dilema tributário não está na estrutura política, mas na estratégia dos governos” (JUNQUEIRA, 2011, p. 9). A onipresença do fenômeno tributário – e a ampla insatisfação que ele gera – induzem o governo a propor reformas amplas que alteram muitos aspectos da intrincada estrutura tributária, reitera o especialista. “Essas propostas acabam gerando conflitos multidimensionais, ou seja, o aparecimento de muitas clivagens políticas simultâneas” (JUNQUEIRA, 2011, p. 9). O autor complementa com as seguintes palavras: Em geral, as disputas políticas em torno das propostas são tão complexas que nenhum ator é capaz de prever com exatidão o resultado do conflito. Existe um momento no qual o próprio governo resolve retirar ou abandonar a proposta, temendo os efeitos das muitas concessões e 156 Planejamento e administração tributária reformulações que foram feitas para mudar o projeto original. (JUNQUEIRA, 2011, p. 3) Ainda segundo Junqueira (2011), devido à integralidade de seus apontamentos críticos, analisou-se três propostas de reforma tributária e constatou-se que o naufrágio destas não pode estar ligado com a ingovernabilidade do sistema, pois o Poder Executivo é normalmente bem-sucedido nas votações do Congresso Nacional. Com isso, concluiu-se que também não é o poder de veto das bancadas estaduais que está emperrando a reforma tributária, pois elas costumam agir mais partidariamente do que regionalmente. Dessa forma, inferimos que foi a falta de estratégia política que inviabilizou a aprovação das propostas anteriores de reforma tributária; tanto a PEC 45/2019 como as propostas anteriores tinham como base unificar a legislação do ICMS; proibir a guerra fiscal; instituir o princípio do destino2; reformar as vinculações constitucionais; aumentar a progressividade e a eficiência do sistema. Considerações finais Três pontos se cruzaram neste capítulo: novos investidores, a necessidade da reforma tributária e a tributação em confluência com a desigualdade. Não por acaso, a relação entre essa tríade é extremamente estreita e próxima, já que o Brasil precisa rever seu STN em termos de funcionamento em si e as relações que este tem com a sociedade, o que inclui educação, segurança e outros requisitos que são levados em conta na hora do capital estrangeiro cruzar suas fronteiras e avançar para o território nacional. Uma má educação sugere má qualificação profissional, e isso, consequentemente, vai de encontro à necessidade que as empresas estrangeiras possuem de admitir pessoal qualificado. Questões como democracia, burocracia, estabilidade econômica e política e 2 Princípio do destino: visa reduzir a zero as alíquotas interestaduais. Reflexões sobre o Brasil tributário 157 outros requisitos podem ser fatores decisivos para uma companhia optar por investir ou não seus recursos no Brasil. Há incentivos e estímulos. O Brasil é atraente em muitos sentidos, mas os pontos desfavoráveis podem atrapalhar o crescimento econômico por intermédio do capital estrangeiro. O aparato social tem sido largamente discutido no mundo todo. Deste modo, um país com muita desigualdade social, repercutindo, inclusive, no sistema tributário, perde pontos importantes com o empresariado estrangeiro. Afinal, investir em um país é também investir em sua estrutura, que deve dar demonstrações de crescimento econômico, político e social. Exploramos parte da complexidade do STN e adentramos um pouco nos principais tributos do Brasil. Fica claro que saídas tidas como “criativas” podem facilmente ser enquadradas como sonegação, e que o melhor caminho que existe, mesmo que seja extremamente custoso tanto economicamente como com relação a tempo, é seguir a legislação e cumprir com as regras assessórias, mas sempre buscando a melhor forma econômica possível. É importante que percebamos a importância e as consequências de uma possível reforma tributária na vida de todos os cidadãos brasileiros. Ampliando seus conhecimentos • MENDES, M. J. Os sistemas tributários no Brasil, Rússia, China, Índia e México: Comparação das características gerais. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/ estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/ td-49-os-sistemas-tributarios-de-brasil-russia-china-india- e-mexico-comparacao-das-caracteristicas-gerais. Acesso em: 15 out. 2019. 158 Planejamento e administração tributária Nesse interessante estudo, Marcos J. Mendestraça um comparativo entre países em desenvolvimento, deixando explícitas as principais diferenças estruturais. • BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Guia Legal para o Investidor Estrangeiro no Brasil. Brasília: MRE: BrasilGlobalNet, 2012. Disponível em: http://www. investexportbrasil.gov.br/sites/default/files/publicacoes/ manuais/PUBGuiaLegalP.pdf. Acesso em: 15 out. 2019. Ao longo desta obra falamos da burocracia e das dificuldades enfrentadas para atrair investimentos nacionais e estrangeiros. Nesse sentido, o guia elaborado pelo Ministério das Relações Exteriores se torna extremamente interessante, pois detalha as normas a serem seguidas por investidores estrangeiros. Dividido por áreas, o documento trata de investimento direto, registros no Banco Central, participação de licitação etc., sempre focando no capital estrangeiro. É um leitura clara e simplificada sobre as burocracias para capital estrangeiro em um Brasil tributário. • STUBER, W. D. Novos benefícios tributários para investidores estrangeiros. Disponível em: https://www.conjur.com. br/2006-mar-08/novos_beneficios_tributarios_investidores_ estrangeiros. Acesso em: 15 out. 2019. Com relação à tributação de investimento estrangeiro, indica-se a leitura dessa curtíssima matéria dando, também, atenção à nota de rodapé, que deixa claro quais locais o Brasil considera como paraísos fiscais, sabendo-se que estes locais possuem tributação específica. Reflexões sobre o Brasil tributário 159 Atividades 1. Com o que aprendemos sobre a reforma tributária, é possível dizer que ela é estática? 2. O Brasil possui diversos problemas tributários e de infraestrutura, mas mesmo assim tem conseguido diversos investimentos estrangeiros e nacionais. Qual relação essa armação tem com os incentivos scais? 3. Ao longo do capítulo, citamos diversos fatores que levam os investidores estrangeiros à percepção de risco e, ao mesmo tempo, enfocamos que a relação do país com o investidor é de longo prazo. Como podemos relacionar esses dois assuntos? Referências AMAZONAS NOTÍCIAS. Acesso a novos consumidores ainda é o principal motivo que atrai investidores estrangeiros ao Brasil, aponta KPMG. Disponível em: https://amazonasnoticias.com.br/acesso-a-novos-consumidores- ainda-e-o-principal-motivo-que-atrai-investidores-estrangeiros-ao-brasil- aponta-kpmg/. Acesso em: 4 out. 2019. BOTELHO, L. H. F.; ABRANTES, L. A. Reflexões sobre as incidências tributárias no Brasil e suas relações com o desenvolvimento socioeconômico nacional. Ciências Sociais Unisinos, v. 54, n. 1, p. 126-133. 2018. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/ciencias_sociais/article/view/ csu.2018.54.1.12. Acesso em: 4 out. 2019. BRASIL. Câmara dos Deputados. A proposta da Reforma Tributária: características do IBS. Disponível em: https://www.camara.leg.br/internet/ agencia/infograficos-html5/ReformaTributaria/index.html. Acesso em: 4 out. 2019. BRASIL. Ipea. Indicadores de Equidade do Sistema Tributário Nacional: Relatório de observação nº 1. 2009. Disponível em: http://www.ipea.gov. br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=5642. Acesso em: 15 out. 2019. 160 Planejamento e administração tributária ESTADÃO. Guedes: “Cintra foi demitido para evitar a especulação da volta do CPMF”. Disponível em: https://www.dci.com.br/economia/guedes- cintra-foi-demitido-para-evitar-especulac-o-da-volta-da-cpmf-1.831218. Acesso em: 4 out. 2019. FARIAS, C. G. A. da S. Estratégias de atração de investimentos estrangeiros diretos para o Brasil 2003-2013. Paraíba: UEPB, 2015. Disponível em: http:// pos-graduacao.uepb.edu.br/ppgri/download/Carla%20Goreth.pdf. Acesso em: 3 out. 2019. FONTES, G. Depois da previdência, a reforma tributária. Saiba o que pode mudar nos impostos. Gazeta do Povo, Curitiba, 7 jul. 2019. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/reforma-tributaria- propostas-congresso-bolsonaro/. Acesso em: 4 out. 2019. GORDON, L. Incentivos aos investimentos americanos no Brasil. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 2, n. 3, p. 73-84, abr. 1962. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034- 75901962000100005&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 4 out. 2019. ISTO É DINHEIRO. Sistema tributário complexo afasta investidores, diz diretora da CVM. Disponível em: https://www.istoedinheiro.com.br/ sistema-tributario-complexo-afasta-investidores-diz-diretora-da-cvm/. Acesso em: 4 out. 2019. JUNQUEIRA, M. O. O nó tributário: Por que não se aprova uma reforma tributária no Brasil. Disponível em: https://anpocs.com/index.php/papers- 35-encontro/gt-29/gt29-10/1172-o-no-tributario-porque-nao-se-aprova- uma-reforma-tributaria-no-brasil/file. Acesso em: 4 out. 2019. KPMG. Global High Growth Markets Outlook 2015. Disponível em: https:// assets.kpmg.com/content/dam/kpmg/pdf/2015/06/high-growth-markets- outlook-2015.pdf. Acesso em: 4 out. 2019. LOZARDO, E. Reforma tributária ou mudanças marginais no sistema tributário? Estudos, ideias e propostas. In: SACHSIDA, Adolfo; SIMAS, Erich Endrillo Santos (Orgs.). Reforma tributária. Rio de Janeiro: Ipea; Distrito Federal: OAB, 2018. MARTINS, M. M. Sistema tributário injusto. 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Adequação da tributação da renda empresarial ajudará a atrair investidor. Jornal do Comércio, Porto Alegre, out. 2018. Disponível em: https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/cadernos/jc_ contabilidade/2018/09/649036-adequacao-da-tributacao-da-renda- empresarial-ajudara-a-atrair-investidor.html. Acesso em: 4 out. 2019. Gabarito 1 Introdução ao sistema tributário 1. Não podemos deixar de considerar que o Brasil, desde a dominação portuguesa, foi doutrinado a “servir à Coroa”. Ou seja, durante esse período, a arrecadação voltava-se para o atendimento das exigências dos dominadores, e não para as melhorias necessárias à sociedade. Assim, se olhamos para o início de toda a construção do nosso arcabouço jurídico referente aos tributos, percebemos que o m não poderia ser outro. Nos tempos atuais, os brasileiros começam a se estruturar e exigir que essa lógica mude – a Constituição de 1988 já foi um grande passo nessa direção. No entanto, historicamente, essas décadas são pouco tempo para a maturação da cultura de uma sociedade – e o mesmo raciocínio é válido para entendermos por que, aos poucos, estamos criando uma verdadeira intolerância à corrupção. 2. A estrutura tributária brasileira é extremamente complexa e diluída em 94 impostos, taxas e contribuições. As regulamentações existentes não são completamente claras e lógicas, e o poder de denição de regras está espalhado entre diversos entes. Essa estrutura gera ruídos e inseguranças jurídicos, políticos e arrecadatórios. Além disso, a maior parte da arrecadação brasileira tem destino obrigatório. Dessa forma, antes de se buscar uma redução de carga tributária, é fundamental a simplicação de toda essa estrutura. Com uma simplicação inicial, os planos de reduçãopoderão ser mais bem avaliados por especialistas e políticos e, mais do que isso, poderão ser entendidos pela população. 164 Planejamento e administração tributária 3. Os princípios constitucionais são efetivamente claros e corretos, porém a insegurança jurídica vem da regulamentação instável e da volatilidade das leis, visto que cada governante altera as leis conforme as conveniências dos momentos políticos. Além disso, algumas das dúvidas jurídicas existentes sobre determinados tributos não são resolvidas por décadas e nem mesmo o governo segue as leis que estabelece. Quando nalmente entendermos que a segurança jurídica e a estabilidade dos tributos poderão reduzir algumas arrecadações momentâneas, mas irão gerar uma onda de investimentos e crescimento que deverá gerar ainda mais riquezas, só então conseguiremos dar mais um passo rumo à transformação do país em uma sociedade muito mais rica. 2 Sistema Tributário Nacional 1. À primeira vista, os tributos parecem ser uma imposição governamental com intuito de lesar civis e empresas. Entretanto, os governos impõem tributos para aumentar a receita, que, tanto na teoria quanto na prática, deve ser usada para atender às demandas orçamentárias, nas quais estão incluídos os nanciamentos de projetos públicos e governamentais. Além disso, um país com uma receita equilibrada torna-se um ambiente saudável e propenso para negócios e transações nanceiras de importação e exportação. Com isso, o país ca também propício ao crescimento econômico, favorecendo a sociedade como um todo. Sem impostos, os governos seriam incapazes de atender às demandas da sociedade, razão nuclear de por que é crucial para os governos coletar impostos, que são direcionados para saúde, assistência social, pesquisa médica, previdência, educação, governança, entre outros. Gabarito 165 2. A autonomia tributária dos estados e municípios pode se tornar um dos principais entraves político-administrativos. Alguns estados reclamam por perderem determinada parcela das receitas tributárias, enquanto o Governo Federal reclama de ter de repassar mais verbas aos estados. Há também o ponto de se aumentar a carga tributária, porém, isso elevaria o confronto entre os entes federativos. Entre os problemas a serem resolvidos com uma reforma tributária, pode-se destacar a guerra scal, a cobrança de impostos, a autonomia dos governos subnacionais e a manutenção do nível das receitas, para que quem de acordo com um ajuste scal. O diálogo entre as categorias que orientam a vida econômica do país deve, antes de tudo, visar à sociedade como um todo, não apenas de modo local. Um país desenvolve-se quando os objetivos são comuns, e não fracionados, unilaterais, ou criando uma espécie de separatismo de interesses. A meta em comum precisa ser o desenvolvimento do todo por meio do equilíbrio entre as partes. 3. Princípio da capacidade contributiva: tem a função de graduar os impostos de acordo com a capacidade econômica de cada contribuinte. Princípio da universalidade: tem como função garantir o mesmo tipo de tratamento a todas as rendas no que se refere à tributação, com exceção das imunidades e isenções previstas em lei. Princípio da progressividade: tem como função garantir que a alíquota para determinação do valor devido seja progressiva, de acordo com a base de cálculo. Princípio da anterioridade e irretroatividade: tem como função garantir que todo tributo a ser cobrado seja publicado em forma de lei, com ao menos 90 dias de antecedência ao fato gerador. 166 Planejamento e administração tributária 3 Planejamento fiscal tributário 1. O conceito geral é que a tributação, por meio do Simples Nacional e do Lucro Presumido é inferior à tributação por meio do Lucro Real, porém, esse não é um conceito completamente verdadeiro. Tanto o Simples Nacional como o Lucro Presumido utilizam como fato gerador e como base de cálculo o faturamento, enquanto o Lucro Real tem o lucro como fato gerador acrescidas as adições e subtraídas as exclusões como base de cálculo. Dessa forma, cada empresa deve fazer suas simulações e entender qual opção lhe é mais benéca. Imagine uma empresa que fatura bem, mas tem prejuízo ou um lucro que, depois das adições e exclusões, seja muito pequeno. Provavelmente, para essa empresa, o Lucro Real seja a melhor opção. 2. É extremamente importante entender que o impacto de um sistema de tributação não se dá exclusivamente por meio da carga tributária. Existem alguns poucos países que têm uma carga tributária maior que a brasileira e, ainda assim, são países considerados como excelentes para se fazer negócios. Quando armamos que o STN é um dos grandes detratores da escolha do Brasil como país para investimentos, temos de entender que os principais aspectos para essa diculdade são a complexidade da estrutura tributária brasileira, que apresenta uma innidade de tributos, regulamentações que não são completamente claras e muita insegurança jurídica, seja em função da complexidade e das regulamentações inecientes, seja em função de constantes alterações de regulamentação, chegando a milhares de alterações anuais. 3. Infelizmente, tanto a estrutura judiciária como a estrutura tributária brasileiras são complexas, e diferentes tribunais – ou até mesmo diferentes turmas do mesmo tribunal – vêm Gabarito 167 julgando casos semelhantes de formas diferentes. O conceito básico atualmente utilizado pelo Poder Judiciário para denir sonegação ou elisão scal é o entendimento de que, ao realizar a operação que gerou a redução tributária, existia de fundo um motivo econômico ou não. Normalmente, quando o tribunal entende que uma ação se deu não apenas pela redução tributária, mas também por motivos de negócio (motivo econômico) entende-se que não é sonegação. Nesse processo, agrega-se à fragilidade já exposta o entendimento do juiz sobre se uma movimentação determinada da empresa se deu ou não em função de motivo econômico. O Judiciário brasileiro precisa de normas mais claras e simples para poder julgar esses processos com mais assertividade. 4 Obrigações tributárias 1. Apesar da enormidade territorial e populacional e do tamanho da economia, o Brasil é constantemente visto como um país extremamente difícil para se fazer negócios. São facilmente encontradas na mídia, por exemplo, matérias falando da baixa produtividade do Brasil. Essa baixa produtividade se dá por diversos fatores, tais como a baixa qualidade educacional, o protecionismo e a diculdade no cumprimento do regulamento tributário. Não à toa, nesse mesmo estudo, o Brasil cou na posição 125 na classicação geral, e na posição 184 na classicação especíca denominada “pagamento de impostos”. 2. A extensa lista de obrigações acessórias e a complexidade delas fazem com que, no Brasil, que difícil não cometer erros na execução dessas obrigações. Mesmo no caso de empresas extremamente bem-intencionadas, que investem verdadeiras fortunas para gerar e gerenciar essas informações, muitas 168 Planejamento e administração tributária vezes acabam sendo multadas por erros involuntários, até porque a solicitação de alteração de dados e formatos nas obrigações acessórias é constante. Isso também gera um mercado gigantesco de empresas especializadas apenas em fazer a revisão dessas obrigações – mais custo para as empresas que buscam a conformidade. Outro ponto a se observar é que muitas empresas se perdem na complexidade das obrigações acessórias e acabam não aproveitando todos os direitos a créditos que possuem. 3. Existem alguns motivos para que o contribuinte deixe de arcar com as suas obrigações tributárias, sendo a burocracia exacerbada um deles. Quando a burocracia é muito complexa, alguns contribuintes podem deixar de arrecadar devido ao custo para organizar e declararou até mesmo por desconhecimento ou erro na arrecadação. Embora não tenham pesquisas precisas sobre esse aspecto, sabe-se que no Brasil existem diversos casos de sonegação, não por ganância ou vontade, mas devido ao contribuinte não conseguir compreender ou atender a toda a complexidade burocrática envolvida no processo declaratório. 5 Incentivos fiscais 1. A guerra scal está fundamentada nas desigualdades entre os estados brasileiros, uma vez que existem unidades federativas mais desenvolvidas economicamente do que outras, tornando-se polos atrativos para investimentos (internos e externos). Os estados cujos indicadores econômicos não são tão impactantes utilizam os incentivos scais como iscas para atrair novos empreendimentos para o seu território. No entanto, esse mesmo embate scal acaba por ampliar as desigualdades: somente os estados com maior potencial de crescimento têm capacidade de arcar com os custos que Gabarito 169 a diminuição dos tributos representa para seu faturamento. Dessa forma, a guerra scal acentua o desequilíbrio entre as unidades federativas. 2. Em um país cujo sistema tributário encontra forte resistência junto aos seus contribuintes – seja pelo custo dos tributos, seja pela alta burocracia que o envolve –, o Confaz tem a proposta de simplicar as exigências legais feitas às empresas. Assim, esse Conselho se coloca como um agente do governo que auxilia na redução do número de evasões scais. Esse órgão realiza ações para conceder isenções e incentivos para os contribuintes do ICMS, principal imposto da esfera estadual, tratando-se de uma iniciativa que busca contribuir para o melhor funcionamento do sistema scal e da economia. Também existe a questão da conformidade e este é um dos enormes ganhos que o Confaz trouxe, porém, o fato de não ter a aderência da totalidade dos estados faz com que esse efeito seja apenas relativo. Sem dúvidas, um dos grandes problemas tributários do Brasil é o ICMS e, entre esses problemas, a divergência de regras entre os estados é imperativa para o aumento das diculdades existentes. 3. A Teoria da Tributação Ótima tem como princípios básicos a eciência, a simplicidade e a equidade. Para tanto, seus criadores acreditavam que deveria haver uma espécie de tributação regressiva sobre mercadorias e serviços, isto é, o acréscimo das alíquotas para os bens de maior necessidade da população, aumentando-se os valores arrecadados e ampliando a eciência da economia. Além disso, acreditava-se que os ganhos de capital não deveriam ser taxados. Entretanto, essas ideias foram revisitadas, e compreendeu-se que a eciência do sistema tributário está diretamente ligada ao seu caráter distributivo da renda, diminuindo as desigualdades. 170 Planejamento e administração tributária 6 Reflexões sobre o Brasil tributário 1. Totalmente estática não, a reforma tributária é sempre tema de debates e de projetos que tramitam no Congresso com a propensão de aprová-la. Contudo, as resoluções efetivas resistem ao viés político, tributário e burocrático. Dito de outra forma, existe uma reforma idealizada que se dinamiza nos meandros do Congresso e na sociedade e outra que ca parada, visto que, aparentemente, não consegue se efetivar por inúmeras razões de cunho político/social. 2. Na realidade, as desigualdades sociais e a instabilidade política dos últimos anos deixaram os investidores locais e estrangeiros receosos sobre investir no Brasil. Contudo, dados alguns incentivos scais e outros estímulos, como mercado de consumo, o Brasil ainda é visto como um campo vasto de oportunidades, o que não descarta, conforme mencionado, um olhar sério e cuidadoso sobre os riscos. 3. As estruturas econômicas do Brasil não estão boas, temos um decit scal enorme e uma dívida crescente em relação ao PIB. Os investidores não especulativos buscam parcerias de longo prazo, pois fazem investimentos em negócios nos quais se pensa na perpetuidade. Dessa forma, as vantagens mercadológicas que o Brasil precisa apresentar têm de ser maiores do que as de outros países que estão com a economia mais em ordem, de forma a fazer a relação risco x retorno se compensar. As reformas e ajustes que o Brasil tanto precisa fazer ajudarão a reduzir essa percepção de risco, melhorando a relação risco x retorno e trazendo maiores investimentos ao país. Código Logístico 58872 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6529-5 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 2 9 5