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PEED1602-D

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA 
CENTRO DE EDUCAÇÃO 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO 
MESTRADO EM EDUCAÇÃO 
 
 
 
Angélica Conceição Vieira 
 
 
 
 
 
 
Uma cartografia afectiva: pistas sobre bebês em documentos-afetos de instituições de 
acolhimento 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis 
2021 
Angélica Conceição Vieira 
 
 
 
 
 
 
 
 
Uma cartografia afectiva: pistas sobre bebês em documentos-afetos de instituições de 
acolhimento 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa 
de Pós-Graduação em Educação da Universidade 
Federal de Santa Catarina como requisito parcial 
para obtenção do título de mestra em Educação. 
 
Orientadora: Dr.ª Kátia Adair Agostinho. 
Coorientador: Dr. Rogério Machado Rosa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis 
2021 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Angélica Conceição Vieira 
 
 
 
Uma cartografia afectiva: pistas sobre bebês em documentos-afetos de instituições de 
acolhimento 
 
 
O presente trabalho, em nível de mestrado, foi avaliado e aprovado por banca examinadora 
composta pelos seguintes membros: 
 
 
Prof. Rogério Machado Rosa, Dr. 
Coorientador 
 
 
Prof.ª Marta Corrêa de Moraes, Dr.ª 
Universidade Federal de Santa Catarina 
 
 
Prof.ª Joselma Salazar de Castro, Dr.ª 
Prefeitura Municipal de Florianópolis 
 
 
Prof.ª Gabriela Guarnieri de Campos Tebet, Dr.ª 
Universidade Estadual de Campinas 
 
 
Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão, que foi julgado 
adequado para obtenção do título de mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação 
em Educação. 
 
 
 
 
____________________________ 
Prof. Amurabi Pereira de Oliveira, Dr. 
Coordenador do Programa de Pós-Graduação 
 
 
 
 
____________________________ 
Prof.ª Kátia Adair Agostinho, Dr.ª 
Orientadora 
 
 
Florianópolis, 2021 
Dedico esta cartografia à mulher fortaleza de minha vida. Mãe você é inspiração em 
minha vida. Ao meu morcego preferido (in memoriam), que resolveu bater asas e voar para 
longe de mim, e aos seus que aqui ficaram. 
Aos filhos amados, Arthur e Raul compositores das minhas mais lindas histórias. 
Às minhas Marias (in memoriam), que partiram durante o percurso dessa escrita, 
deixando muitas saudades. 
Aos que permanecem ao meu lado mesmo nas dificuldades, vulgo amigas(os) 
verdadeiras(os). 
À Prof.ª Dr.ª Kátia Adair Agostinho, que acreditou na minha determinação e força para 
viver esta experiência. 
Ao Prof. Dr. Rogério Machado Rosa, que me proporcionou muitos encontros potentes. 
À Universidade Federal de Santa Catarina e à Prefeitura Municipal de Florianópolis 
enquanto representantes de todas as instituições públicas do nosso país. Vocês são essenciais 
à vida da maioria das brasileiras e dos brasileiros. Por isso, defendamo-las! 
A todos os bebês e crianças que têm seus direitos violados. Saibam que existem sim 
aqueles que sempre lutaram/lutam contra injustiças. 
Às pessoas que sofrem, assim como eu, com transtorno de ansiedade e depressão. Por 
favor, não tenham receio de procurar ajuda. 
As quase 600 mil vítimas do Covid-19 e seus familiares. Lamento profundamente por 
não terem sido vacinadas com antecedência. 
E, por fim, à vida, que é movente, surpreendente e todos os dias tem algo a nos ensinar. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
À MINHA VIDA 
 
 
AOS ENCONTROS QUE 
ME CONSTITUEM… E A 
TODAS(OS) QUE 
FIZERAM E AINDA 
FAZEM PARTE DESTA 
MINHA VIAGEM. 
 
OBRIGADA!!!!!! 
RESUMO 
 
Esta é uma cartografia afectiva de pistas sobre bebês em documentos-afeto de instituições de 
acolhimento do município de Florianópolis. Documentos-afeto são aqui considerados 
elaboração das organizações de tempo-espaço e de práticas cotidianas em relação ao que se tem 
pensado sobre e para os bebês nessas escritas afetadoras e afetantes, que interferem na produção 
de diferentes infâncias, subjetividades e nos corpos desses bebês. O objetivo e a relevância desta 
pesquisa estão ancorados na discussão e na reflexão referentes a esses documentos e a como os 
bebês, enquanto seres pré-individuais, potências de vida, cuja individuação está em processo 
de construção, são representados nessas escritas. O intuito aqui não foi encontrar respostas e 
verdades absolutas, e sim propor um diálogo que pudesse contribuir com os estudos dos bebês. 
Ressalta-se que esta cartografia conversa com a filosofia da diferença, com as noções de afetos 
e afecções, principalmente nas obras de Spinoza e Deleuze. Para análise e reflexão desses 
documentos-afeto, também se buscou fazer uma aproximação ao repertório teórico e 
metodológico da interseccionalidade. Com o auxílio dessa ferramenta conceitual, deu-se início 
ao processo de pensar nos bebês em situação de acolhimento, nos corpos que os gestam e nessas 
instituições. Como uma cartografia, seu trajeto foi constituído não por escolhas dadas a priori, 
mas sim pelas pistas que foram sendo descortinadas no decorrer da pesquisa, num processo de 
(re)existências contra as violências e práticas que promovem desigualdades e, portanto, devem 
ser cada vez mais questionadas. 
 
Palavras-chave: Cartografia. Bebês. Documentos-afeto. Instituição de acolhimento. 
Interseccionalidade. 
 
ABSTRACT 
 
This is an affective cartography of clues about babies in documents-affect of shelter institutions 
in the city of Florianópolis. Documents-affect are considered here as the elaboration of time-
space organizations and daily practices in relation to what has been thought about and for babies 
in these affective and affecting writings that interfere in the production of different childhoods, 
subjectivities and in the bodies of these babies. The objective and relevance of this research are 
anchored in the discussion and reflection regarding these documents and how babies, as pre-
individual beings, life potencies, who are in the process of constituting their individuation, are 
represented in these writings. The intention here was not to find answers and absolute truths, 
but to propose a dialogue that can contribute to the Study of Babies. Emphasizing that this 
cartography talks with the philosophy of difference, with the notions of affections and affections 
in the works mainly by Spinoza and Deleuze. I also sought to analyze and reflect on these 
documents-affects an approximation to the theoretical and methodological repertoire of 
intersectionality. With the help of the conceptual tool, it was launched to think about babies in 
a sheltered situation, the bodies that gestate them and these institutions. As a cartography, a 
path constituted not by choices given a priori, but clues that were unveiled during this 
cartographic research was carried out. In a process of (re)existence against violence and 
practices that promote inequalities and that must be increasingly questioned. 
 
Keywords: Cartography. Babies. Affection documents. Foster care institutions. 
Intersectionality. 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
Figura 01 – Viva a universidade pública, viva a produção do conhecimento científico ........... 6 
Figura 02 – Parada obrigatória ................................................................................................ 16 
Figura 03 – As múltiplas faces do amor .................................................................................. 19 
Figura 04 – Detalhes que nos escapam ................................................................................... 31 
Figura 05 – O início... .............................................................................................................. 51 
Figura 06 – Contando outras histórias .................................................................................... 66 
Figura 07 – Chega de amarras .................................................................................................74 
Figura 08 – O poder do discurso ............................................................................................. 79 
Figura 09 – Falar é um ato de resistência ................................................................................ 80 
Figura 10 – Bell Hooks ........................................................................................................... 82 
Figura 11 – A história que se perpetua .................................................................................... 99 
Figura 12 – A propagação de histórias camufladas ............................................................... 111 
Figura 13 – Retrato de realidade(s) ....................................................................................... 129 
Figura 14 – Deixe-nos viver com dignidade ......................................................................... 130 
Figura 15 – Impressão de bebê(s) .......................................................................................... 131 
 
 
file:///C:/Users/Jonhn%20Paulo%20Mafra/Downloads/AJUSTES%20POS%20DEFESA.docx%23_Toc86997469
file:///C:/Users/Jonhn%20Paulo%20Mafra/Downloads/AJUSTES%20POS%20DEFESA.docx%23_Toc86997470
file:///C:/Users/Jonhn%20Paulo%20Mafra/Downloads/AJUSTES%20POS%20DEFESA.docx%23_Toc86997472
file:///C:/Users/Jonhn%20Paulo%20Mafra/Downloads/AJUSTES%20POS%20DEFESA.docx%23_Toc86997473
file:///C:/Users/Jonhn%20Paulo%20Mafra/Downloads/AJUSTES%20POS%20DEFESA.docx%23_Toc86997475
file:///C:/Users/Jonhn%20Paulo%20Mafra/Downloads/AJUSTES%20POS%20DEFESA.docx%23_Toc86997477
file:///C:/Users/Jonhn%20Paulo%20Mafra/Downloads/AJUSTES%20POS%20DEFESA.docx%23_Toc86997482
LISTA DE QUADROS 
 
Quadro 1 – Resultados do levamento, de acordo com os descritores utilizados e as bases de 
dados consultadas ................................................................................................. 42 
Quadro 2 – Principais dados das pesquisas selecionadas ........................................................ 44 
 
 
 
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS 
 
BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações 
Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 
Dr. Doutor 
Dr.ª Doutora 
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente 
Funabem Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor 
n./nº Número 
Nupein Núcleo de Estudos e Pesquisas da Educação na Pequena Infância 
Nuvic Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Violências 
PIA Plano Individual de Acolhimento 
PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação 
PPP Projeto Político-Pedagógico 
Prof. Professor 
Prof.ª Professora 
SAM Serviço de Assistência ao Menor 
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina 
v. Volume 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 1 – Viva a universidade pública, viva a produção do conhecimento científico 
Fonte: elaborada pela autora. 
SUMÁRIO 
 
1 DOS AFETOS E DAS AFETAÇÕES INICIAIS .......................................................... 13 
1.1 DOS ARRANJOS DE UMA PESQUISA/VIDA EM MOVÊNCIA ................................. 15 
1.2 PISTAS DE UMA IDEIA-POTÊNCIA E DO ENCONTRO COM A CARTOGRAFIA.22 
2 CONEXÕES COM LINHAS DE ESCRITA ACADÊMICA SOBRE BEBÊS .......... 29 
2.1 PISTAS CARTOGRÁFICAS: ESTRATÉGIAS PARA A CONSTRUÇÃO DE 
CONHECIMENTOS SOBRE BEBÊS .............................................................................. 38 
3 (DES)CONTINUIDADES DO GOVERNO DA INFÂNCIA: NOTAS SOBRE 
GIROS HISTÓRICOS DO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE BEBÊS ........ 49 
4 QUE CORPOS SÃO ESSES? A INTERSECCIONALIDADE E SEUS 
ATRAVESSAMENTOS NOS CORPOS QUE GESTAM............................................ 64 
4.1 BEBÊS-AFETOS: DEVIRES E POTÊNCIA DE UM CORPO ........................................ 83 
5 DOCUMENTOS-AFETOS: (IN)DOMESTICANDO CERTEZAS DE UM 
PENSAMENTO INTERSECCIONAL .......................................................................... 97 
5.1 AFECÇÃO PERSISTÊNCIA ........................................................................................... 101 
5.2 AFECÇÃO INSURGÊNCIA ........................................................................................... 107 
5.3 AFECÇÃO RESISTÊNCIA ............................................................................................. 114 
6 DAS FORÇAS QUE AINDA PEDEM PASSAGEM .................................................. 126 
 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 132 
 
 
 
 
 
13 
1 DOS AFETOS E DAS AFETAÇÕES INICIAIS 
“O desejo é revolucionário, porque sempre quer mais conexões, mais 
agenciamentos” 
(DELEUZE; PARNET, 1998) 
 
Um projeto, um ponto de partida, o rabisco de um trajeto que nasce de uma ideia. Mas 
não de qualquer ideia, e sim de uma que, desde o início, foi se apresentando enquanto ideia-
potência. É potente porque clama por se propagar, é potente porque já não mais consegue ser 
guardada para ser revisitada em outro momento, é potente por não querer mais ficar quieta, 
esquecida num canto qualquer da memória, é potente porque causa desassossego e 
estranhamento, e é potente porque está ligada ao desejo. O desejo aqui é uma força motriz que 
me move a pensar, força-potência que me lança à ação, o desejo como força que faz agir, uma 
pesquisa desejante da vida em expansão e da produção de novos conhecimentos. “É a Ciência 
+ Desejo = ciência desejante, viva. Uma ciência a serviço da afirmação da vida como obra de 
arte, como suas cores, paixões e movimentos […]” (ROSA, 2016. p. 74). Uma ideia que se 
desmembra em alguns questionamentos: será que bebês são contemplados na construção dos 
documentos produzidos em instituições de acolhimento? O que esses documentos dizem a 
respeito das suas organizações, do seus tempos-espaços e das práticas cotidianas destinadas aos 
bebês. Nesse horizonte, pretende-se analisar tais documentos, elaborados por três instituições 
de acolhimento do município de Florianópolis, e, desses encontros, produzir pistas sobre bebês 
nesses contextos. 
Com esse questionamento em mente, e a necessidade de pôr esse desejo em prática, foi 
preciso dar um primeiro passo. E qual o caminho para que isso se tornasse possível? Minha 
entrada no mestrado. No entanto, não foi assim tão inesperadamente, como num belo dia de 
verão, em que os raios de sol, por entre as frestas da janela, iluminam meu corpo não mais 
adormecido e me despertam a vontade de ir à praia. Esse processo, que me atraiu como o 
magnetismo de um imã, é composto por um contexto muito mais complexo. 
 É uma história que começou há dezesseis anos, após a formação no Curso de Pedagogia 
da Universidade Federal de Santa Catarina. Recém-formada, queria pôr em prática todo o 
aprendizado compartilhado. Preciso dizer algo que é muito marcante em minha personalidade 
e na minha profissão: a formação em uma universidade pública, que muito influenciou a minha 
forma de pensar o ensino público, de pensar as relações políticas e classistas de nosso país, e 
sustenta até hoje minha prática docente. Saí da universidade ciente de que sou, além de 
professora com perfil de ensino público, uma defensora do ensino público. 
14 
A saída da universidade acabou me lançando para novos horizontes, e, no ano seguinte, 
torno-me membro efetiva da Educação Infantil na Prefeitura Municipal de Florianópolis. 
Durante esse período de entrada até a saída provisória para realizar o mestrado, assumi distintas 
funções, que me possibilitaram pensar as infâncias, os bebês e as crianças. O desejo já estava 
operando em minha vida, antes mesmo de eu decidir pela temática que pretendia pesquisar. 
Ali, no contato diário com bebês, crianças e outras profissionais, por meio de relatos e 
trocas de saberes e experiências, fui me constituindo enquanto docente de crianças de 0 a 5 
anos. Desses relatos de experiências que compartilhamos entre colegas de trabalho, um deles 
foi como uma flecha e atingiu em cheio um alvo que, talvez,nem fosse seu propósito. Era uma 
flecha que acabava de acertar um pensamento, aliás, o meu pensamento. Pronto! Aquele relato 
tinha toda minha atenção. Assim como música aos meus ouvidos, ouço a experiência vivenciada 
com bebês, crianças e adolescentes em instituições de acolhimento. 
Alguns podem chamar de delírio o fato de uma professora de Educação Infantil escolher 
realizar sua pesquisa em uma instituição de acolhimento, outros podem achar pretensioso ou 
até mesmo audacioso. E eu digo: é sim! É tudo isso e muito mais. Não é tarefa fácil abrir mão 
de um espaço com o qual você já se sente familiarizado para bater à porta de uma outra 
instituição e querer fazer parte desse contexto. Minhas bases, tanto de estudos quanto de 
atuação, transitavam pela Educação Infantil. Mas, mesmo assim, acabei sendo seduzida pela 
ideia de investigar bebês em instituições de acolhimento. E esse desejo de saber dessas infâncias 
foi muito mais relevante que a insegurança de ter que transitar por outras instituições. Havia 
uma voz, que vinha de dentro, sussurrando-me constantemente: 
 
 
 
15 
Estrategicamente, começo a traçar minha aproximação e o percurso de minha entrada 
no mestrado. Como eu já frequentava ciclos de diálogos no Núcleo de Estudos e Pesquisas em 
Educação na Pequena Infância (Nupein) e no Núcleo Vida e Cuidado: estudos e pesquisas sobre 
violências (Nuvic), ambos grupos imersos na linha Educação e Infância do Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE) da UFSC, sabia da localização daquelas que poderiam acolher 
essa ideia e, assim como eu, torná-la ainda mais potente. 
Fiz o necessário: participei de um processo seletivo marcado por uma ampla 
concorrência. Que ninguém pense que, por ser pública, a universidade é aberta a todos, mas 
isso é um outro assunto – que também atravessa esta escrita. Tive que passar por todas as etapas 
desse processo, cada qual com suas particularidades, até enfim ser aprovada. E lá estava eu, no 
primeiro dia de uma reunião geral do grande grupo que ingressava no Mestrado de Educação 
do ano de 2018/2. 
Dessa grande reunião, formou-se uma ramificação, que reunia as alunas da específica e 
almejada linha de pesquisa ‘Educação e Infância’, composta por seis mulheres e os mundos que 
cada qual trazia consigo. Logo nesse primeiro contato com aquelas que dividiriam comigo uma 
caminhada de dois anos, percebi as diferenças que caracterizavam esse grupo. Distintos modos 
de olhar e de se apresentar, áreas de atuação as mais diversas, mas todas com o entusiasmo de 
estarem ali ocupando aquele espaço. 
Era notória a vontade de vivenciar essa experiência em suas faces ansiosas, alegres e 
curiosas. E eu, imersa também nesse movimento sedutor, sentia-me convidada a respirar 
novamente os ares acadêmicos. Delas, posso dizer que mal sabiam o quanto de contribuição 
teriam nesta minha caminhada. Dessa forma, é importante que seus nomes apareçam aqui: Ana 
Laura, Débora, Juliana, Olívia e Patrícia, mulheres fortes, defensoras e pesquisadoras das 
infâncias, que a cada encontro faziam/fizeram e fazem desta produção algo que nenhum outro 
grupo me proporcionaria, pois cada uma trouxe consigo o seu jeito de ser. E juntas promovemos 
belos encontros. 
 
1.1 DOS ARRANJOS DE UMA PESQUISA/VIDA EM MOVÊNCIA 
“Um encontro é sempre um convite para a novidade e por isso exige coragem 
daqueles que simpatizam com as diferenças” (ROSA, 2016, p. 59) 
 
Nessa trajetória, arranjos foram necessários, pois, assim como na vida e suas afetações 
na esfera pessoal, profissional e coletiva, a pesquisa e a vida acadêmica também não são 
estáticas, previsíveis e inflexíveis, atravessamentos inesperados conjuntamente as constituem. 
16 
Passei por vários enfrentamentos, dentre os quais greve de estudantes, mudança de 
coordenação, desafio de comprovar proficiência em uma língua estrangeira que mal dominava, 
encontro com novos autores, alteração de orientação, aproximação à outra metodologia, 
mudança na estrutura familiar e tantos outros ocorridos. 
Lembrando-me a todo momento de que tais acontecimentos não se desvinculavam do 
ato de pesquisar, porque pesquisa é vida. Aliás, a vida não fica em suspensão enquanto estou 
frequentando uma disciplina ou escrevendo parte desta dissertação. É uma trama indissociável. 
Para além de pesquisadora, sou mãe, filha, irmã, amiga, estudante, professora, mulher branca, 
militante e outras tantas coisas. E é desse lugar que esta pesquisa será/foi realizada. 
Para além de todos esses aspectos, eis que um em específico se fez presente não só na 
instância individual mas sobretudo em uma coletividade nacional e também mundial. Falo aqui 
da pandemia de Covid-19, atravessamento que colocou o mundo de pernas para o ar. Algo 
proporcionado pela onda da pandemia e também pelo rompimento do ligamento do tornozelo, 
resultado de uma queda também não planejada: 
 
Fonte: acervo particular da pesquisadora (2020). 
 
Em meio a essa desordem, sou tirada a uma prosa rítmica para pensar sobre cuidado 
pessoal, repouso, vida e morte, para refletir sobre os seres humanos que somos, seres do mundo 
que carregam consigo a vida e a morte. Aliás, vida e morte andam de mãos dadas, e essa 
pandemia nos fez vivenciar esse luto coletivo, tendo de acompanhar diariamente o número 
excessivo de mortes, de finais de histórias, de sonhos, de conhecimento, de cultura, de vida já 
fria, por vezes abandonada nas calçadas, os vínculos rompidos repentinamente. A pandemia 
Figura 2 – Parada obrigatória 
17 
descortinou ainda mais a desumanidade. Escolhas de que vida vale mais, de que vida pode 
produzir mais, de quem ‘merece ou não’ viver. 
Essa foi uma fase muito cruel que o vírus fez o mundo vivenciar. Uma experiência 
coletiva que, ao mesmo tempo, torna-se individual, pois cada um de nós teve de lidar, ao seu 
modo, com a sensação de tê-lo rondando nosso país, nosso Estado, nosso município, nossos 
lares e perceber que a morte está dentro da própria vida. Esse tabu veio à tona, e inevitavelmente 
tivemos que colocar o dedo nessa ferida, que mostra o quão frágil somos diante da morte. 
Lidar com a sensação e a aproximação da morte afeta profundamente o que pensamos 
dessa passagem. Porque o fim iminente atesta o factual vazio de nossa existência, de nossas 
ações. Percebemos, ao olhar o mundo à frente, que não temos mais tempo para aquilo que não 
fizemos quando o tempo era próspero. Não há mais tempo para ler aquele livro, para comer 
aquela comida, para ter a vida que deixamos para depois. 
 Cafés da manhã fizeram-se diferentes, rotinas de sono foram alteradas, rotinas 
alimentares e emocionais também. Aliás, muitas emoções à flor da pele. Muitas foram as 
alterações que movimentaram não só o corpo, que precisou se adaptar a esse contexto, mas 
também a mente, que sentia a necessidade de refletir sobre todo esse impacto e, mesmo diante 
disso, dar continuidade a uma pesquisa. Pois o tempo cronológico é distinto do tempo das 
emoções. 
Como um corpo sedentário, fomos tirados para dançar um novo ritmo, não ditado pela 
suposta convicção de superioridade do ser humano, mas sim pelo invisível e devastador vírus, 
que resolveu ditar as regras às quais teríamos que nos adequar para que ele não se tornasse ainda 
mais mortal do que já vinha se mostrando. Alterou nossas rotinas, nossas saídas, nossos 
encontros, nossos afetos, nossas idas e nossas não idas. A Covid-19 também fez com que corpos 
já isolados socialmente se tornassem, em tempos de cólera,1 ainda mais invisíveis e solitários. 
Ruas e vielas desenharam-se na frieza e na crueldade de uma prevenção anunciada com o uso 
de álcool em gel e máscaras àqueles que sequer tinham o que comer e onde se abrigar. 
Em tempos pandêmicos, escrevo em meio a conversas, discussões políticas, elaborações 
do que será preparado para o almoço, ouvindo falas de uma criança que fica perguntando 
constantemente onde está sua mãe, pequenos conflitostêm de ser resolvidos repetitivamente, e 
a rua, a praia, a caminhada já não são mais opções possíveis para que eu possa aliviar minhas 
tensões. 
 
1 Segundo o DICIO, dicionário online de português: sentimento violento diante de uma situação revoltante; ira. 
18 
Escritas que se movimentam em meio a um Pantanal em chamas, em meio ao 
movimento Black Lack Lives Matter,2 desencadeado pela morte de George Floyd,3 apagão do 
Amapá, renúncia de ministros – aliás, uma dança de cadeiras, um entra e sai em meio a discursos 
de retrocesso vinculados ao terraplanismo –, cortes de verbas de universidades públicas, 
descrédito da ciência e da pesquisa, recusa de compras de vacinas e vidas sendo ceifadas: 
durante esta escrita, já passamos de 600 mil mortos. Infelizmente, o Brasil tornou-se vitrine 
mundial de um país mal administrado, o que nos rendeu o título de nação com o maior número 
de mortos pelo coronavírus. Presenciamos, em todos os lugares, a luta por respiradores e leitos; 
por breves instantes, não parecia que estávamos falando de vida, e sim de máquinas. Era o 
direito à vida mais uma vez usurpado, o dinheiro, a corrupção, a ganância, a política da morte 
e do genocídio mostrando o valor de vidas. Mas não de quaisquer vidas: vidas pobres, negras 
ou pobres e negras. 
Frequentes são as interrupções de pensamento, que, em outros momentos, não ocorriam 
com a mesma frequência, já que agora temos um tempo mais alargado dentro de casa. É a 
tomada ou retomada de um parágrafo que, às vezes, leva um dia inteiro para ser concluído. 
Paciência e esperança, eis as palavras de ordem, pois sem elas os dias se tornam pesados, 
cansativos e desanimadores. 
Mas esse isolamento social também proporciona uma outra realidade, que deve ser 
ressaltada. Falo da aproximação afetiva roubada pela corrida rotina diária de levar filho à 
creche, de não ver o adolescente saindo cedo de casa para ir à escola, de uma chegada tardia 
depois de um encontro com o grupo de estudo e o filho já adormecido, cansado de esperar a 
chegada de sua mãe para lhe dar o banho, o beijo e o abraço apertado. 
Além desses, um outro acontecimento atravessa-me, desloca-me e mostra que, no meio 
da tormenta, pode aparecer algo a mais. Um pequeno intruso instalado em uma região tida como 
rara, que se manifesta por meio de um sangramento, uma radiografia solicitada, e eis que esse 
intruso é identificado – um tumor –, confirmando um diagnóstico de câncer na rinofaringe. Não 
meu, mas de minha irmã. A princípio, desespero em ter de lidar com notícias e rotinas que essa 
descoberta trouxe junto dela. Um tratamento é prescrito e, entre radioterapias e quimioterapias, 
 
2 Segundo a Universidade Federal do Espírito Santo, o Black Lives Matter denuncia a violência e o racismo da 
polícia desde 2013, quando foi criado por três movimentos diferentes: a Aliança Nacional das Trabalhadoras 
Domésticas, a Coligação Contra a Violência em Los Angeles e o Ativismo pelos Direitos dos Imigrantes. O 
movimento ficou popular após a morte de Eric Garner, em 2014, que, assim como George Floyd, foi asfixiado 
por um policial. Em ambos os casos, a frase “não consigo respirar” marcou os protestos antirracismo. 
3 Morto por um policial que ajoelhou sobre seu pescoço, o que gerou uma manifestação, principalmente nos 
Estados Unidos, referente a lutas antirraciais. 
19 
novos espaços se abrem para pensar sobre a vida e a morte, a fragilidade e a força, o medo e os 
sonhos, o tratamento e as curas. Nascem junto disso outros espaços de construção desta escrita. 
Nossas vidas são movidas pelo tempo, e a cronologia do tempo referente ao findar desta 
pesquisa se aproxima. E isso também é algo que precisa ser imerso nesse período, em que tenho 
que lidar com essa nova rotina, que flui de forma tão distintas do planejado. 
 
Figura 3 – As múltiplas faces do amor 
 
Fonte: acervo da pesquisadora. 
 
É, planejamentos são importantes, porém as movências do viver nos lançam para onde 
querem, sem sequer nos pedir licença, demarcando o fato de que a vida, o falar da vida e o 
pesquisar vidas nunca serão algo estático. 
Um vírus que fez o mundo parar, uma doença que fez eu e minha família nos 
reorganizarmos, e uma pesquisa que continua a fluir dentro dessas novas organizações que vão 
se me apresentando. Tive que seguir novos caminhos, traçar novas linhas, almejando novos 
horizontes e, desse modo, realizar uma pesquisa longe do espaço da universidade, longe das 
discussões coletivas, distante das bibliotecas e dos grupos de estudo. Pesquisa sendo finalizada 
dentro de casa. Novos tons, novas leituras e a vida em movimento fizeram com que eu me 
reinventasse a cada desafio imposto, a cada dificuldade superada e a cada conquista realizada. 
20 
Talvez esta seja a maior e mais importante alteração deste processo: a transformação de 
um ser que, em contato com novos saberes, percebe algo novo à sua espera no próximo passo 
que se propõe a dar, no próximo capítulo escrito num texto a ser lido, na próxima live a ser 
assistida. A experiência de fazer uma 
pesquisa cujo processo, aqui, 
comparo ao nascimento de um bebê. 
Olha-se um corpo tão pequeno, do 
qual nada sabemos sobre a capacidade 
e a potência para transformar vidas. 
Quando nasce uma pesquisa, nascem 
junto a ela vários caminhos e distintos 
processos; quando nasce um bebê, 
junto a ele nasce uma ou mais mães, 
pais, irmãos, nasce um lar, um quarto planejado e organizado nos mais íntimos detalhes para 
recebê-lo; ou quem sabe, ao contrário, um cômodo compartilhado com os demais membros da 
família; também pode nascer uma instituição que irá acolhê-los, entre tantas outras 
possibilidades. Mas um nascimento jamais será neutro. 
Porque nenhum pequeno corpo de bebê traz consigo a mesma forma desses tipos de 
nascimento, eles carregam a novidade, o estranhamento, alteram rotinas, solicitam cuidados, 
novas formas de pensamento acompanham essa experiência. Assim foi comigo; o nascimento 
desta pesquisa transformou-me em uma outra pessoa, que, ao longo da caminhada, trocou sua 
roupagem diversas vezes, tentando, a cada instante, tornar-se mais livre das amarras dos padrões 
sociais, dos padrões acadêmicos, dos padrões de desenvolvimento de pesquisas, dos padrões de 
pensamento sobre os bebês e as instituições de acolhimento. 
Sou uma pesquisadora que busca constantemente manter-se aberta a novas 
possibilidades, às novas formas de escrita, mas ciente de que, mesmo diante do desejo de 
pesquisar, “[...] de produzir interferências (ou fissuras), seja naquele que escreve, seja naquele 
que lê” (MACEDO; DIMENSTEIN, 2009, p. 154), por vezes, caía/cai nas armadilhas dos 
discursos, das concepções e dos pré-julgamentos já cravados em meu corpo, tal como tatuagens. 
Mas tatuagens também podem ser removidas. É doloroso, é invasivo e é marcante, porém o 
processo de remoção possibilita que um novo desenho, um novo traço possa ser realizado, 
substituindo aquilo que nos acompanhou durante algum tempo e que fez parte do que somos, 
do nosso corpo, de nossas intimidades, que não são esquecidas porque não mais estão ali. É um 
antigo aprendizado, uma antiga marca no corpo dando espaço a novidades. 
21 
E foi nessa perspectiva de abertura aos bons encontros com o desconhecido que fui 
apresentada àquela que me afetou e ampliou minha potência de vida. Falo da cartografia, que 
me fez perceber sutilezas há tempo não acessadas, dando um novo sentido à produção de 
conhecimento e à pesquisa. 
Essa ideia-potência, unida àquela que seria/será a ‘cereja do bolo’, compôs tudo o que 
vem na sequência desta apresentação. Foi a aproximação com algo que buscava, mas não sabia 
da existência. Eis que o Prof. Dr. Rogério Machado Rosa promove esse encontro: - ‘Prazer, 
cartografia! Que façamos bons encontros desta experiência que agora é nossa’. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
22 
1.2PISTAS DE UMA IDEIA-POTÊNCIA E DO ENCONTRO COM A CARTOGRAFIA 
 
 
“Não há fórmula/forma/fôrma 
Nem tampouco um método 
Quiçá exista um antimétodo 
Não generalize/interprete 
Joga fora o a priori 
Deixa o caminho definir o a posteriori 
É no meio que tateamos as suavidades 
Degustamos as intensidades 
E-x-p-e-r-i-m-e-n-t-a-m-o-s 
(no plural porque o experimento se dá num agenciamento) 
Descobre que sabor, textura, cor têm o movimento 
Bailar no acontecimento 
A vida se faz em ritmos e passagens 
Cosmo/caos/mesmo/outro/lentidão/velocidades 
Cabe-nos descobrir as doses 
Maquinar cada (dis)solução 
E ao final da criação da vida como obra 
Esquecer a receita! 
Inventar um corpo de memória-suave 
Que desliza na superfície da multiplicidade 
E atualiza o aconte-ser 
Apostar no embate contra a dureza 
Utilizando microgestos de singeleza 
Há que se ter ousadia, leveza, prudência e 
poesia 
Pra criar uma esquizoexistência com alegria” 
(VASCONCELLOS, 2016) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
É CORPO, É PESQUISA, É ESCRITA VIVA, ATRAVESSAMENTOS, 
TRANSFORMAÇÕES EM CONSTANTE MOVIMENTO 
 
23 
Construir uma cartografia afectiva dos encontros com bebês nas produções discursivas 
de documentos em instituições de acolhimento, como já anunciado, é a ideia-potência que aqui 
pretende-se expandir. 
Falar de uma pesquisa cartográfica é falar de forças, afetos e afecções. Mas as noções 
de afeto com a qual opto por dialogar são de Spinoza e Deleuze. Por quê? Porque ambos pensam 
em afeto e afetações para além da afetividade abordada pela tradição. No entanto, não quero 
aqui desconsiderar estas últimas ou descartá-las das práticas de afeto com os bebês, muito pelo 
contrário. O que quero dizer é que “[...] o ‘afeto’ é aqui entendido não no sentido de ‘ternura’, 
mas no sentido filosófico mais amplo. O afeto aqui é visto como fundamentalmente relacional 
e processual” (HUTTA,4 2020, p. 70). E este processo/relação, segundo esses filósofos, faz com 
que o corpo aumente ou diminua suas potências de agir, ampliando assim a ideia de afetividade 
e trazendo à luz da reflexão um processo em que “[...] um corpo afeta outros corpos, ou é afetado 
por outros corpos: é este poder de afetar e de ser afetado que também define um corpo na sua 
individualidade” (DELEUZE, 2002b, p. 1). Mas é necessário entender que “[...] somos agitados 
pelas causas exteriores de muitas maneiras e que, como ondas do mar agitadas por ventos 
contrários, somos jogados de um lado para o outro, ignorantes de nossa sorte e de nosso destino” 
(SPINOSA, 2020, p. 139). 
Assim, optei por trazer tais conceitos para pensar, mas não só, mas também possibilitar 
a junção entre esses e os documentos dessas instituições de acolhimento aqui pensados 
enquanto documentos-afetos, bem como pensar os bebês como bebês-afeto e práticas cotidianas 
enquanto práticas de afeto. Esses conceitos, que andaram aqui de forma indissociáveis na teoria 
encontraram nessa cartografia passagem para juntos pensarmos bebês, produções de 
documentos e o contexto institucional. E isso orientou toda essa construção cartográfica, aqui 
inicialmente anunciados, mas que terão suas discussões ampliadas no decorrer dessa escrita. 
Esses documentos-afeto são aqui refletidos enquanto escritas moventes que têm “[...] 
seus percursos em constante conexão com o que acontece no espaço/arte/tempo/vida” 
(PEREIRA, 2014, p. 106) das instituições em estudo. Uma perspectiva que contraria a ideia de 
documentos serem apenas uma aglomeração de letras, frases e parágrafos inacessíveis às 
realidades e às afetações de todos os sujeitos que ali se encontram. 
E é nesse sentido que pretendo pensar sobre o lugar que as palavras ocupam nesses 
documentos, o que representam na vida daqueles que lá se encontram. Por essa razão a opção 
pela cartografia trata de “[...] construir conhecimento com o outro e não sobre o outro. Meu 
 
4 Este texto foi publicado originalmente em inglês na Revista Geografia em Atos. Esta tradução foi realizada por 
Silvana Prado. 
24 
encantamento pela cartografia como estratégia de construção de conhecimento ampliava-se em 
termos de significado e de intensidade” (ROSA, 2016, p. 55), por acompanhar processos e 
permitir que o cartógrafo produza pistas daquilo que se propõem a pesquisar. Nesse horizonte, 
[...] a cartografia trata da concepção, produção, [...] interpretando à sua maneira o 
espaço, há casos em que ela é aplicada como método de acompanhamento para traçar 
percursos poéticos, sendo aquilo que força a pensar e ver o todo do processo do artista 
pesquisador, dando-se como possibilidade de caminho a ser traçado no trabalho, como 
uma atenção voltada ao processo em curso. Entendendo que o método cartográfico 
convoca a um exercício cognitivo peculiar do pesquisador, uma vez que, estando 
voltado para o traçado de um campo problemático, requer uma cognição muito mais 
capaz de inventar o mundo do que reconhecê-lo. (MOURA; HERNANDEZ, 2012, p. 
2). 
A tarefa não é fácil, mas necessária para que se possa, aos poucos, ir desnudando e 
desconstruindo muitas convicções, a fim de acompanhar, pelas lentes da cartografia, no meu 
caso, o que esses documentos dizem sobre os bebês e as organizações institucionais que 
circunscrevem essa relação. Meu foco nesta trajetória, é a de um corpo que vive a pesquisa 
cartográfica, é o esforço de não a converter em uma ideia universal das coisas e dos conceitos. 
A aspiração é dar lugar a outras formas de pensá-la. Aliás, o caminho aqui está “[...] em trânsito 
e sem endereços e endereçamentos fixos” (ROSA, 2017, p. 193). 
Um pensar que constitui experimentações de distintos modos e escritas com distintas 
formas de orquestrar uma pesquisa e formas diversas de olhá-la. “Cada linha escrita mascara e 
expõe [...] lascas de realidade que se conectam, linhas múltiplas que se entrecruzam. Linhas 
escritas, neste sentido, são perceptos” (JÚNIOR, 2011, p. 61). Prática que exige da gente uma 
enorme vontade e o exercício constante da liberdade, que coloca em xeque quem somos diante 
da pesquisa e da escrita. 
Que nos faz questionar mais profundamente nossa própria forma de existência em uma 
coletividade composta por diferenças que marcam os sujeitos da pesquisa, o movimento do 
mundo, suas rotas, seus fluxos e, pelo plano da imanência da vida, o plano dos encontros de 
intensidades. 
E, nesse aspecto, ressalto o quanto, nas “[...] cartografias, vemos apenas algumas linhas 
pelas quais a vida vai sendo tecida em uma multiplicidade de afetos, às vezes tristes, outras 
alegres, diminuindo ou aumentando nosso grau de potência de afetar e ser afetado” (PEREIRA, 
2014, p. 128). Movimentos cujas marcas constituem subjetividades, desde cedo, a partir da 
produção de ordens discursivas. São modos de vida, crenças e ideologias as quais produzem as 
infâncias, bem como os lugares sociais a serem ocupados por determinados corpos e camadas 
sociais, principalmente no que se refere à população pobre. 
25 
Assim, esta cartografia foi constantemente atravessada por estudos decoloniais, pela 
interseccionalidade e pela Filosofia da Diferença, que me ajudaram a refletir sobre essa 
diferença não enquanto “[...] um problema, mas sim [como] ponto de partida para criar 
problemas e, assim: problematizar” (BARROS; MUNARI; ABRAMOWICZ, 2017, p. 109). 
Defendendo que a “[...] diferença precisa ser retirada da cena onde foi satanizada para ser 
recolocada na multidão, onde a paisagem é indefinida, onde não se sabe exatamente quem é 
quem e o que é o que, mesmo porque ela é nômade: quem estava ali não está mais, quem chegou 
já saiu” (BARROS; MUNARI; ABRAMOWICZ, 2017, p. 109). 
Essas colocações instigam-me a pensar naquilo que nos escapa entre os dedos, entre os 
contornos fixos, no que causa rupturas e foge das forças estabelecidas. Instigam-me a pensar na 
infância e nos bebês de forma nômade, ou seja, aquela que “[...] não se funda numa totalidade 
englobante,mas, ao contrário, desenrola-se num meio sem horizonte, como espaço liso, estepe, 
deserto ou mar” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 41). 
Aqui, tomo o nômade como incabível em um conceito fixo, em um modelo a ser 
seguido, um pensamento não na perspectiva de uma infância e de um bebê captáveis, 
normatizados, formalizados, mas sim em uma perspectiva que se aproxima do devir, com 
modos próprios de escapar a essas amarras, que os aprisionam e tentam condicioná-los como 
universais, um pensamento do devir de uma infância nômade, “[...] que escapa ao modo do 
pensamento logocêntrico do racionalismo clássico” (LINS, 2017, p. 271). 
Tais inquietações e questionamentos põem-me a pensar em conceitos, perspectivas e 
seguridades de infância e de bebês, que exigem que se pensem neles em descontinuidade com 
padrões lineares e cronológicos, uniformemente pautados em uma infância romantizada, 
inocente e universal, descontextualizada das distintas realidades, culturas e modos de viver e 
de ser bebê, dos fluxos infantis e das forças nômades que os permeiam. “Nessa perspectiva, a 
ideia de infância não está vinculada unicamente à faixa etária, à cronologia, a uma etapa 
psicológica ou a uma temporalidade linear, cumulativa e gradativa, mas ao acontecimento, à 
arte, ao inusitado, ao intempestivo” (ABRAMOWICZ; LEVCOVITZ; RODRIGUES, 2009, p. 
180). 
Fazendo com que seja imprescindível que se discuta, pesquise e se busque uma 
aproximação mais íntima, que nos possibilite outras miragens, que nos permita pensar em 
bebês, crianças e instituições de acolhimento. Tal necessidade se faz presente, já que 
As noções de infância que ainda norteiam o pensamento atual parecem estar 
atravessadas por um viés histórico, construído a partir de uma visão cronológica 
moderna. Percorrem as margens e minúcias da infância, percebem-se práticas para a 
produção de uma determinada forma de subjetivação, captura de infantis, processos 
26 
de disciplinamento que tornam favoráveis as formas de organização do mundo social, 
político e econômico. (PRETTO; MUNHOZ; COSTA, p. 5, 2017). 
Nessa perspectiva, diversas são as possibilidades de pesquisar esses espaços e contribuir 
com a ampliação de discussões que possam desmistificá-los enquanto espaços puramente 
assistencialistas e reprodutores de desigualdades, os quais, por essa razão, carregam o estigma 
de serem prejudiciais aos que ali se encontram. 
Com a análise desses documentos, fui produzindo pistas para tecer reflexões sobre bebês 
em situação de acolhimento, sobre os corpos que os gestam e sobre os atravessadores sociais 
referentes à classe, à raça, ao gênero, à idade, entre outros critérios, a fim de pensar essas 
infâncias institucionalizadas. Entendo-os enquanto rizomas. De acordo com Deleuze e Guattari 
(1995, p. 31), um rizoma “[...] não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes de direções 
movediças. Não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e trasborda. 
Ele constitui multiplicidade”. 
Portanto, o controle nunca pode ser total, já que sempre há a possibilidade de se 
construir uma estrutura codificada diferente da prevista, uma estrutura 
transversalizada pelos fluxos de força e movida pelas ações desejantes. Uma estrutura 
presente em seus contornos físicos, em seus regulamentos, em suas práticas vigentes; 
e, em especial, em suas práticas imperceptíveis pelo olhar veloz, em seus sons 
inaudíveis pelo compasso automatizado dos gestos e das falas prontas, e em seus 
intervalos vazios e caóticos que são negados pelas formas totalitárias. (OLIVEIRA; 
FONSECA, 2007, p. 136). 
E é em total desassossego que me permito pensar na infância, nos bebês e nessas 
instituições e em seus tempos-espaços enquanto espaços em constante transformação, em 
constante conexão com uma dada realidade social, a qual apresenta seus conceitos e discursos, 
colocando em suspenso as certezas referentes àquilo que pensamos sobre/da infância, 
convidando-me, cada vez mais, a pensar numa infância nômade, que “[...] remete a um modo 
de distribuição de terras que não têm nem contorno, recinto, circuito ou cerca” (LINS, 2017, p. 
273 ). 
O encontro com o pensamento nômade vem me proporcionando pensar na infância a 
partir da não fixação de conceitos; da não fixação de uma dada realidade, na qual se incluem 
essas instituições e os sujeitos ali inseridos; da forma de controle desses corpos; do 
encapsulamento do ser bebê, do ser criança e do devir da infância. 
Devir é um rizoma, não é uma árvore classificatória nem genealógica. Devir não é 
certamente imitar, nem se identificar; nem regredir-progredir; nem corresponder, 
instaurar relações correspondentes, nem produzir, uma filiação por filiação. Devir é 
um verbo tendo toda sua consistência; ele não se reduz, ele não nos conduz a 
“parecer”, nem “ser”, nem “equivaler”, nem “produzir”. (DELEUZE; GUATTARI 
1995, p. 15-16). 
27 
Trata-se de um pensamento que nos convida a olhar a infância com inquietude, aquele 
que nos desafia, que nos provoca e que nos convida a pensá-la de outros modos. Aquele que 
estremece o território das certezas, que movimenta nossos corpos adultos, cujos 
atravessamentos nos causam transformações. De acordo com Leclercq (2002, p. 27), “[...] a 
pequenez é aquilo que rompe a hierarquia das partes em favor de uma hierarquia das potências”. 
A partir das leituras das obras de Deleuze, o autor destaca que “[...] a força que o bebê tem não 
depende de suas dimensões [...]. Ele é nômade, ele é o grande desterritorializado. O bebê é, 
assim, pura univocidade [...] desenvolve sempre novos graus hierárquicos de potência” 
(LECLERCQ, 2002, p. 19). Há um desafio posto àqueles que se propõem a realizar pesquisas 
com e sobre bebês, pois 
há duas tarefas complexas para serem realizadas nos estudos dos bebês: compreender 
como os discursos sobre eles se proliferam, se constituem e se diferenciam dos 
discursos sobre as crianças e, além disso, compreender a maneira pela qual eles se 
individuam, se subjetivam e se singularizam de maneira “original” e que lhes é 
própria. (TEBET; ABRAMOWICZ, 2018, p. 926). 
Conhecer essas instituições, suas rotinas, organizações e planejamentos destinados aos 
bebês reflete a necessidade de “[...] focalizarmos os bebês […] no sentido de sua potência, 
diferença e singularidade, e na capacidade do adulto de mobilizar-se para abrir-se aos pontos 
de vista e forças de desejos das crianças” (DELGADO; NÖRNBERG, 2013, p. 151) e de pensá-
los nesses espaços enquanto afetantes e afetados por eles. 
A fim de “[...] que esse discurso não fique apenas no campo da idealização, é 
extremamente necessário que sejam realizados mais estudos e pesquisas a respeito desta 
população e sobre o atendimento a ela oferecido dentro da instituição” (CECATTO, 2008, p. 
35), levando em consideração a importância de ambientes, práticas educativas e de cuidados 
adequados às suas especificidades, pois são eles “[...] inteiramente, singularidade pré-
individual, anterior a todas as manifestações do subjetivo” (LECLERCQ, 2002, p. 23). Os bebês 
estão “[...] imersos em uma condição de metaestabilidade onde tudo escapa. Onde tudo é 
potência e nada está dado [...] deste modo, constituídos como devires, seres singulares” 
(ABRAMOWICZ, 2011, p. 18) que se diferenciam da categoria criança. 
Abordar essa realidade adentrando nesses documentos-afeto torna-se relevante no que 
tange à possibilidade de localizar e discutir a invisibilidade de bebês, constatada na própria 
produção científica, que pouco tem discutido e se dedicado à “[...] experiência dos bebês nesses 
contextos, o que vai ao encontro de uma tradição histórica no Brasil de invisibilidade dos bebês 
28 
na arena pública, a qual se desdobra na precariedade e desigualdade na prestação de benefícios 
e em flagrantes violações de seus direitos” (MOURA, 2017, p. 13). 
Compulsar esses documentos, que em contato com a realidade que acompanhamos,produzimos pistas das singularidades e subjetividades que os constituem exige-nos um olhar 
para além da escrita dura, enrijecida em suas concretudes, sob uma perspectiva em que se “[...] 
conjugam o indefinido, o incerto; em que todas as possibilidades – mesmo que não efetuadas – 
são ao menos realidade virtual, que poderão ser atualizadas por um processo singular de criação 
e invenção [...] os movimentos, as transformações, as diferenciações” (BARROS; MUNARI; 
ABRAMOWICZ, 2017, p. 115). Nesse processo, em meio ao constante movimento de um 
mergulho em afetos, sentidos e pistas, a pesquisadora/cartógrafa vai se produzindo nas “[...] 
intensidades, seguindo ritmos, acompanhando processos, sem se submeter ao domínio, mas 
num movimento também de produção, numa composição e decomposição de ritmos, linhas e 
velocidades” (BERTUSSI., 2016, p. 51). 
Aponto como característica desse processo o poder de ter acesso e compartilhar 
informações e pistas importantes, que transitam por dados que revelam, entre outros aspectos, 
a baixa incidência da produção científica referente a essa temática, configurando a importância 
deste estudo ao pesquisar os bebês enquanto categoria portadora de especificidades distintas de 
crianças, adolescentes e adultos, as quais exigem contornos diferentes quando se pensam nas 
práticas educativas e nos cuidados destinados ao cotidiano e ao atendimento a essa demanda. 
O bebê indiscutivelmente representa a radicalidade de um novo ser: inédito, criativo, 
surpreendente e, por que não dizer, incontrolável? Abrir-se para essa alteridade, 
construir espaços de continência que permitam exploração, estranhamento e busca de 
representação para cada situação, suportando angústia e dúvida me parece ser o papel 
essencial dos cuidadores e, portanto, organizador de qualquer projeto educacional 
para a primeira infância. (MONTAGNA; MARIN, 2011, p. 9). 
Nessa experimentação, deixo-me levar pelas escritas vivas, pela existência e pelas 
resistências desses documentos-afeto e de suas formas de se organizarem, na tentativa de 
produzir atendimentos que busquem práticas favorecedoras do desenvolvimento integral dos 
sujeitos ali imersos. Intenções essas que, por vezes, são enfraquecidas pelas políticas precárias 
destinadas ao não reconhecimento desses espaços enquanto promotores de ações destinadas aos 
cuidados e à educação de bebês, crianças e adolescentes cujos direitos foram violados. 
No intuito de produzir, na relação com nesses documentos, pistas para a tecitura desta 
cartografia, estou ciente da não neutralidade que os acompanham. Esses “[...] documentos são 
efeitos de práticas concretas, ou seja, de fazeres históricos, os quais tiveram tempo e lugar 
definidos” (LEMOS et al., 2015, p. 41). Ressaltam em suas linhas de vivências, entre o escrito 
29 
e o não escrito, conceitos, concepções, intenções e desejos que afetam práticas, rotinas, 
organizações espaciais e as relações estabelecidas nessas instituições. 
Nesse contato, no constante movimento de desterritorializar e reterritorializar, elenco 
em cada um desses documentos aquilo que mais me afetou durante o processo de leitura e de 
proximidade com essa escrita, “[...] desenganando as certezas das verdades tão gastas de nosso 
tempo, pondo em questão as linearidades sóbrias em que as constâncias do hoje se refazem a 
cada hora” (ZUCOLOTTO, 2014, p. 14). 
 Assim, as linhas aqui tecidas, em contato com esse terreno, permitiram-me a 
problematização de práticas que historicamente demarcam a disciplinaridade, a (re)vitimização, 
a descriminalização, a colonialização e perpetuam atos contínuos de violência, “[...] de maneira 
a forjar resistências e produzir diferenças de toda ordem” (ABRAMOWICZ; TEBET, 2019, p. 
7). 
Pensar na dinâmica das institucionalizações enquanto campo de organização “[...] por 
meio das relações de poder que o próprio processo de formação discursiva torna possível” 
(PECI; VIEIRA; CLEGG, 2006, p. 66) é determinante para que possamos conhecer essas 
práticas institucionais e as produções de subjetividades ali estabelecidas, possibilitando a 
experiência do contato com a multiplicidade, com o exercício do pensamento e com a 
(re)invenção desses conceitos. Enquanto: 
[...] um dispositivo, uma ferramenta, algo que é inventado, criado, produzido, a partir 
das condições dadas e que opera no âmbito mesmo destas condições. O conceito é um 
dispositivo que faz pensar, que permite, de novo pensar. O que quer dizer que o 
conceito não indica, não aponta uma suposta verdade, o que paralisaria o pensamento; 
ao contrário, o conceito é justamente aquilo que nos põe a pensar. Se o conceito é 
produto, ele é também produtor: produtor de novos pensamentos, produtor de novos 
conceitos; e, sobretudo, produtor de acontecimentos, na medida em que é o conceito 
que recorta o acontecimento, que o torna possível. (GALLO, 2008, p. 43). 
Entender que um conceito não está descolado de seu processo histórico nos possibilita 
compreender que ele não surge do nada. Está sempre atrelado a um conceito anterior, conectado 
a uma história, ao devir e também às diferenças. “O conceito de devir nada tem a ver com o que 
virá, e é nesse sentido que ele é aqui advogado como linha de fuga” (TEBET, 2019, p. 143). 
Destaco aqui a fuga enquanto ato de coragem em assumir fragilidades, desafios, erros e 
acertos conduzida pelo novo. Não no sentido de fuga de algo tido como 
desafiador/desestabilizador, e sim no sentido de romper com o que está estabelecido, com o que 
nos é vendido como certeza, que nos demanda conformidade com rotinas, padrões e modos de 
pesquisar estabelecidos desde as primeiras palavras digitadas. Pela novidade em realizar 
pesquisa, pela intensidade de realizar uma cartografia, pela audácia de pesquisar bebês e pela 
30 
coragem de entrar em instituições de acolhimento e experimentar as “metamorfoses da vida de 
que a cartografia se faz” (OLIVEIRA; PARAÍSO, 2012, p. 159). 
A partir da incessante atitude voltada para a criação de estratégias e ações “[...] 
promotoras de infâncias e de modelos de diferenciação [...] cujas práticas educativas não 
impeçam o devir, mas o implementem” (BARROS; MUNARI; ABRAMOWICZ, 2017, p. 
122); é que busco construir uma cartografia de documentos-afetos sobre bebês em situação de 
acolhimento “O devir das cartografias é algo que se instala no entre, nas bordas, no entorno, na 
multiplicidade das possibilidades dadas e recebidas que as cartografias provocam” (PEREIRA, 
2014, p. 117). 
Cumpre lembrar, porém, que a cartografia não se preocupa em apresentar um produto 
final, “[...] mas propõe acompanhamento de processos, gerando movimentos de 
territorialização, desterritorialização e reterritorialização, criando desvios, redes, derivas, 
rizomas” (PEREIRA, 2014, p. 109), os quais produzem, em cada corpo e em cada vivência, um 
modo único de expressar-se e escrever. 
São manifestações de afeto ético-estético-poético-dançantes, que vão deixando rastros 
e pistas, que dizem do que somos, do que pensamos e do encontramos, do que trazemos com a 
gente durante o caminho e de como somos atravessados pelo ingrediente fundamental de uma 
pesquisa, qual seja, a vida e sua intensidade, em constante movimento. 
Eis aqui algumas pistas do que esta escrita se propõe. Há considerar que “tudo o que 
servir para cunhar matéria de expressão e criar sentido [...] é bem-vindo. Todas as entradas são 
boas, desde que as saídas sejam múltiplas. Por isso o cartógrafo serve-se de fontes não só 
escritas e nem só teóricas (ROLNIK, 2011, p. 65). 
Por fim, esta cartografia é composta por coerências, reflexões e vivacidade. Porque o 
cartógrafo “[...] fica intrigado e quer entender o que provoca sensações tão paradoxais. Respira 
fundo, toma coragem, apela para seu olho nu e também para a potência vibrátil, não só do olho, 
mas de todo seu corpo. E começa sua aventura” (ROLNIK, 2016, p. 85). 
Então, sintam-se à vontade,soltem os cintos e tenhamos, nesta cartografia, uma bela 
viagem. 
 
31 
2 CONEXÕES COM LINHAS DE ESCRITA ACADÊMICA SOBRE BEBÊS 
“Ao contrário do que em geral se crê, sentido e significado nunca foram a mesma 
coisa, o significado fica-se logo por aí, é directo, literal, explícito, fechado em si 
mesmo, unívoco, por dizer; ao passo que o sentido não é capaz de assim permanecer 
quieto, fervilha de sentidos segundos, terceiros e quartos, de direcções irradiantes que 
se vão dividindo e subdividindo em ramos e ramilhos, até se perderem de vista, o 
sentido de cada palavra parece-se com uma estrela quando se põe a projectar marés 
vivas pelo espaço fora, ventos cósmicos, perturbações magnéticas, aflições” (José 
Saramago) 
 
 
 
O imediato precisa ser olhado, 
(re)olhado, convidado ao 
exercício e à sensibilidade para 
os detalhes. A pesquisa precisa 
sim causar perturbações, 
desassossegos, angústias, 
libertações, afetos e o lançar de 
diversos olhares, porque cada 
pesquisador tem algo a 
acrescentar, traz consigo suas 
experiências, seus sentidos e significados. Jamais uma pesquisa é igual à outra. 
Esta cartografia me pertence, porém foi costurada e criada a partir de sentidos, de 
significados e em contato com tantos outros olhares que a movimentaram. 
É partindo da potente diferenciação de sentido e significado proposta por José Saramago 
que pretendo me aproximar dos sentidos enquanto possibilidades de encontro com as produções 
de teses e dissertações e suas escritas, no traçar de um levantamento bibliográfico como 
processo de “[...] mapear e de discutir uma certa produção acadêmica em diferentes campos do 
conhecimento” (FERREIRA, 2002, p. 257), cujo foco de dedicação também transita na 
temática que envolve os bebês em situação de acolhimento. 
Esse movimento de achegamento está ligado a um “[...] intercâmbio entre a produção 
construída e aquela a construir” (FERREIRA, 2002, p. 261). Visa agregar à essa cartografia o 
acesso a um conhecimento já produzido coletivamente. Ressalto que, aqui, essas produções 
também são consideradas documentos-afetos, pois são compostas por escritas vivas, afetantes 
e afetadas pelo contingente histórico, social e territorial, cada qual com suas marcas e 
particularidades, que nos que possibilitam “[...] uma visão geral do que vem sendo produzido 
na área e uma ordenação que permite aos interessados perceberem a evolução das pesquisas 
Figura 4 – Detalhes que nos escapam 
32 
[...], bem como suas características e foco, além de identificar as lacunas ainda existentes” 
(ROMANOWSKI; ENS, 2006, p. 41). 
A aproximação a essas produções científicas teve seu marco inicial na elaboração do 
pré-projeto submetido ao processo de seleção do mestrado. Digo isso porque, de imediato, 
identifiquei uma dada carência de pesquisas destinadas a pensar bebês em instituições de 
acolhimento, sinalizando a importância desse processo em distintas áreas e campos de estudos. 
Certamente, tal movimento inicial foi realizado de uma forma mais superficial, pois a 
escrita e o acesso a algumas informações ainda eram restritas. Consequentemente, já como 
aluna do mestrado, no mês de agosto de 2018, esse levantamento foi adquirindo contornos 
diferenciados e fundamentais para esta seleção. 
Assim como quem inicia uma obra de pintura que vai tomando outros contornos em seu 
processo de execução, esta seleção de estudos dedicados aos bebês em situação de acolhimento 
foi se constituindo a cada nova pincelada e a cada novo traço, ao longo dos quais eu também 
fui me constituindo enquanto cartógrafa “[...] de uma terra que não tem limites fixos, de uma 
terra que se faz, desfaz e refaz ante nossos olhos, à medida que caminhamos” (MAIA, 2006, p. 
50). 
Parecia-me, a princípio, um movimento tardio, por já ter se passado um ano do mestrado. 
Porém, ao longo do processo, experimentei rupturas, tensões, deslocamentos, desassossegos e 
descobertas, proporcionados pela leitura, pela reflexão pela orientação e pela aproximação com 
o campo e com a cartografia, enquanto “[...] estratégia de produção de conhecimento que 
permite o acompanhamento dos fios que tecem paisagens identitárias, bem como as quebras e 
desmanches que os fluxos micropolíticos do desejo nelas operam” (ROSA, 2016, p. 76-77). 
Com o objetivo inicial de discutir a política de atenção à infância e a situação de 
vulnerabilidade e risco social que cerca a institucionalização dos bebês, pretendia observar as 
práticas institucionais e os cuidados destinados a essa demanda e às suas especificidades, 
juntamente com a análise desses documentos-afeto. Com esse intuito, no mês de março de 2019, 
iniciei a procura por uma instituição que se dispusesse a aceitar minha proposta de pesquisa e 
avaliei a possibilidade de que pudesse ser realizada em uma das instituições existentes em 
Florianópolis. 
Esse trajeto cartográfico deu-se primeiramente via internet, ou seja, verifiquei as páginas 
virtuais de cada instituição de acolhimento do município de Florianópolis. De imediato, 
desconsiderei aquelas que não atendiam bebês. Feito isso, localizei quatro instituições que 
poderiam acolher este estudo. Assim, elenquei uma ordem de orientação para contato e, em 
seguida, via telefone, aproximei-me da primeira instituição escolhida. 
33 
Aqui preciso destacar que essa negociação com a instituição de acolhimento não seguiu 
a previsão temporal por mim estabelecida; foi algo que necessitou de um tempo maior do que 
eu cogitara inicialmente. Levei aproximadamente dois meses para negociar, entre telefonemas 
e o envio do projeto de pesquisa, explicitando qual o objetivo deste estudo. Antes de receber o 
parecer sobre a aceitação ou não da pesquisa, fui convidada a participar de um curso oferecido 
por uma das instituições, curso esse que abordava a metodologia de trabalho escolhida por esta 
instituição para nortear suas práticas cotidianas com bebês. Após, agendei uma conversa com 
o responsável, para ver da possibilidade de aceitação. 
Nessa conversa, alguns pontos ficaram acordados, dentre os quais o sigilo das imagens 
dos bebês, que não poderiam aparecer de forma nítida, ou seja, teriam que ser fotos tratadas e 
previamente compartilhadas com a equipe da casa, para, após liberação, compor esta pesquisa. 
Firmamos o compromisso de que minha presença na casa teria o objetivo de somente observar, 
portanto não me foi possível intervir nas práticas ali estabelecidas cotidianamente. Também me 
foi oferecida a possibilidade de acesso ao plano individual de acolhimento (PIA)5 dos bebês, 
mas tal possibilidade estaria atrelada a uma solicitação prévia à juíza da Vara da Infância e da 
Juventude, já que são documentos sigilosos e de responsabilidade de cada instituição. 
Além dos acordos previamente estabelecidos, fui convidada, pelo responsável da casa, 
a conhecer o espaço dessa instituição. Neste primeiro contato, percebi o quão difícil é, para uma 
instituição que atende até 18 bebês, além de crianças e adolescentes, manter-se com as verbas 
restritas advindas do Estado, o que faz com que necessite de uma outra organização6 para 
arrecadar verbas, visando ampliar a qualidade do atendimento oferecido. Existe uma relação de 
dependência na manutenção dessa instituição, provinda de doações, eventos e formas outras de 
se autossustentar, o que aponta para uma carência de investimentos por parte das políticas 
públicas e revela um olhar pouco preocupado com esses espaços. 
Todo esse processo me fez questionar meu próprio interesse em adentrar nessas 
instituições para observar os bebês, suas práticas institucionais e de cuidados. “Primeiro, porque 
um objeto a ser cartografado não é, assim, algo fixo, um objeto de dado empírico, organizado 
e fechado segundo as exigências da representação” (OLIVEIRA, 2014, p. 286). Assim, pus-
 
5 Segundo as Orientações Técnicas: Serviços de acolhimento para crianças e adolescentes (2009, p. 27),“O 
Plano de Atendimento tem como objetivo orientar o trabalho de intervenção durante o período de acolhimento, 
visando à superação das situações que ensejaram a aplicação da medida. Deve basear-se em um levantamento 
das particularidades, potencialidades e necessidades específicas de cada caso e delinear estratégias para o seu 
atendimento”. 
6 Muitas dessas instituições acabam por criar dispositivos tais como campanhas para doações dos materiais 
necessários ao atendimento desses bebês, brechós, organização de eventos e outros. Todos em função da 
arrecadação de verbas, que são utilizadas de acordo com a necessidades e as prioridades elencadas por cada uma 
delas. 
34 
me a refletir sobre as infâncias em contextos não formais e a questionar se minha opção inicial 
de projeto de pesquisa seria realmente, dentre as diversas formas de pensá-la, a mais propícia 
para este momento – para mim, para os bebês e para aquele espaço que eu pretendia habitar. 
Estar diretamente inserida neste movimento da vida e da pesquisa, sendo a todo 
momento atravessada por experiências diversas, por outras possibilidades e caminhos, levou-
me à compreensão de que existem diversas formas de estar com esses bebês nesses contextos 
que não pela via da observação. E, “[...] nesse sentido, trabalha-se com um modo de fazer 
pesquisa que se inventa enquanto se pesquisa, de acordo com as necessidades que surgem, de 
acordo com os movimentos do campo de estudo em questão” (FARINA, 2008, p. 10). 
Dessa forma, modificam-se olhares, posicionamentos e pensamentos, que me lançam 
por outros caminhos, distintos dos traçados inicialmente. Percebo o quanto “[...] o plano de uma 
cartografia é móvel: é o mundo e suas forças” (ROSA, 2017, p. 193). E o quanto o cartógrafo 
“[...] precisa seguir os fluxos, as sendas e os sulcos dos planos em que se inscreve” (ROSA, 
2017, p. 194) uma pesquisa. Pois há múltiplas formas de adentrar e distintas formas de sair 
desse processo. Contudo o que interessa ao cartógrafo são as produções entre esses meios. Pois 
“[...] as coisas e os pensamentos crescem ou aumentam pelo meio, é aí onde é preciso instalar-
se, é sempre aí que isso se dobra” (PELBART, 2014, p. 260), que isso se expande. 
Nesse caminho linearmente atuante no campo da minha imaginação, apareceram 
bifurcações, rupturas e questionamentos que não operavam no mesmo plano da linearidade 
imaginada. Isso não pôde ser ignorado, já que a neutralidade não é componente do ato de 
pesquisar. Pois, “[...] na pesquisa cartográfica, o cartógrafo, parte integrante da investigação, 
não se pretende neutro e com um lugar pré-fixado” (CORRÊA, 2009, p. 36), o que implica a 
adoção de um papel social e político que demarca o compromisso do pesquisador e da produção 
do conhecimento. 
Foi necessária uma pausa, a fim de que eu percebesse que existem demandas, 
organizações, regras e rotinas que atravessavam a todo momento esta pesquisa, uma vez que 
“[...] o gesto de pausa indica que a percepção, seja ela visual, auditiva ou outra, realiza uma 
parada e o campo se fecha, numa espécie de zoom. Um novo território se forma, o campo de 
observação se reconfigura” (KASTRUP, 2012, p. 43). Seguir os fluxos em que isso tudo se 
inscreve demonstra que existem desejos e tempos que não operam somente pelos ditames das 
minhas vontades de pesquisadora. Fazer paradas estratégicas, contemplar de forma calma e 
atenciosa aquilo que está sendo apresentado exige-nos atenção para com as diferentes 
linguagens que encontramos no caminho. 
35 
É preciso que algo nos incomode a ponto de nos sentirmos violentados para podermos 
pensar e produzir conceitos. Nesse sentido, toda pesquisa é um enfrentamento não 
pacífico com temáticas, problemas e posicionamentos metodológicos que se mostram 
adequados para corresponder aos nossos anseios. Tal enfretamento diz respeito não 
só ao embate com as situações que nos desacomodam e nos colocam a pensar, mas 
também com a defesa de perspectivas e pontos de vistas que acabam por nos produzir 
mediante o terreno em que adentramos. Perspectivas e ponto de vista que são revistos 
constantemente, visto que, se o horizonte está sempre em mudança, nossa chegada é 
sempre provisória. (OLIVEIRA; MOSSI, 2014, p. 195-196). 
É preciso observar, contemplar, deixar-se afetar, deixar-se entregar e ver o que essa 
entrega traz como possibilidades antes não pensadas, em um permitir-se sem culpas, porque o 
que se escreve é aquilo que está impregnado da intensidade de dado momento. Os tempos de 
uma pesquisa não são somente os tempos do pesquisador. E isso me fez perceber que toda essa 
vivência implicou novos acontecimentos. E o acontecimento, aqui, é algo que “[...] fala por si 
e rompe com todas as certezas e evidências do que nos parece mais sagrado” (MAIRESSE, 
2003, p. 261). 
O que me fez mudar algo que parecia tão consolidado é, por vezes, uma situação difícil 
de ser descrita. Pois é algo que me toca e me afeta tão intimamente que parece perder esse 
encanto quando tento descrevê-lo. E a tentativa de descrever esse momento, para mim, é 
semelhante a observar o mar. Quando o olhamos, de imediato, vemos a imensidão. Quando nos 
pomos a olhá-lo mais atentamente, podemos ver o quão desafiador, misterioso e convidativo 
tudo isso pode ser. Aos poucos, aproximamo-nos, arriscamo-nos e molhamos nossos pés. 
Podemos arriscar mais um passo, e outro, e outro, até que nos permitimos um mergulho. 
 A saída de um corpo depois do primeiro mergulho, a princípio, pode ser naturalizada 
para aquele que tem contato com o mar cotidianamente, mas parar e pensar nesse processo 
mostra muito dos desafios superados. “A lógica de um pensamento é como um vento que nos 
impele, uma série de rajadas e de abalos. Pensava-se estar no porto, e de novo se é lançado ao 
alto mar” (DELEUZE, 2013, p. 122). Um corpo que se lança aos desafios não é mais o mesmo 
corpo inicial. Dessa mesma forma, adentro nesse mar das instituições, nessa imensidão de 
possibilidades e opto por escolher novos caminhos. 
Percebo, nesta aproximação com as instituições e com as características que as 
compõem, que será mais prudente aprimorar o meu olhar, já que ele está permeado das minhas 
fragilidades enquanto pesquisadora, e essa “[...] complexidade é um desafio, que considera o 
irredutível, o não homogêneo e a imperfeição, conhecendo a realidade através das incertezas, 
dos problemas e das contradições” (PAULON; ROMAGNOLI, 2010, p. 89). 
Isso me fez refletir sobre a ética na pesquisa com bebês e pensar sobre a violação de um 
campo pela mera necessidade de manter-se fiel a objetivos traçados inicialmente, sem se 
36 
permitir a movência do transitar de uma pesquisa. “Agir eticamente significa se colocar como 
ponto singular de uma infinidade aberta de relações, sem que sua ação se ampare em normas 
que funcionam como formas a priori, impostas do exterior à ação” (ESCÓSSIA; TEDESCO, 
2012, p. 106). Fui levada a me questionar acerca de sob qual lente pretendia produzir 
conhecimento. 
Era esta a sensação que me invadia no momento: um sentir-me despreparada para 
adentrar em uma instituição marcada por um processo histórico que fomenta no imaginário 
popular impressões negativas, que afetam diretamente os bebês ali presentes. Com isso, pensar 
em uma produção de conhecimento não autoritária, nem imposta de qualquer forma, sob a 
perspectiva de um determinado resultado, fez com que eu repensasse a intenção inicial e 
percebesse que “[...] o processo de pesquisa não é imposto, de fora, mas é tecido nas relações” 
(KRAMER; PENA, 2019, p. 74). 
Dessa forma, fiquei na porta de entrada e aceitei uma outra forma de adentrar nessas 
instituições, uma entrada leve, menos invasiva, mas também permeada daquilo que me 
motivava inicialmente. Assim, a pesquisa tomou um novo rumo e novos contornos foram 
traçados. Ciente de que a função do cartógrafo é “[...] dar passagem, fazer passagem, ser 
passagem”(COSTA, 2014, p. 75), penso isso enquanto atitude respeitosa com o compromisso 
ético, conhecedora que sou de minhas fragilidades em falar daqueles que me convidaram a 
adentrar em sua casa e dizer dos bebês e de suas rotinas utilizando-me das observações. 
Evidencio aqui o quão importante é o papel do pesquisador, “[...] uma vez que a produção do 
conhecimento se dá a partir das percepções, sensações e afetos vividos no encontro com seu 
campo, seu estudo, que não é neutro, nem isento de interferências e, tampouco, é centrado nos 
significados atribuídos por ele” (ROMAGNOLI, 2009, p. 170). 
Sendo assim, tal percepção não poderia ser desconsiderada, pois o intuito deste estudo, 
desde seus primeiros questionamentos, não era reforçar qualquer tipo de desigualdade, imagem 
de negatividade ou vitimismo. Aqui quero trazer para discussão como essas instituições vêm se 
organizando e os possíveis arranjos que fazem para atender a essa demanda de bebês, os quais, 
mesmo com seus direitos violados, permanecem sendo bebês, com pleno direito de usufruir 
com dignidade de suas infâncias. Localizadas as fragilidades de ocupar esse campo, optei por 
fazer com que essa pesquisa cumprisse com seu compromisso, pois a ética “[...] com a 
vulnerabilidade das pessoas precisa estar fundamentada no reconhecimento do outro e nas suas 
diferenças, sejam elas de cultura, de etnia, de religião, de gênero, de classe social, de idade, em 
busca de desvelar e contribuir para a superação das desigualdades” (KRAMER; PENA, 2019, 
p. 71). 
37 
Nesse movimento de deslocamentos e abalos, que perpassaram por toda a pesquisa, 
alteraram-se os objetivos e a metodologia. Tal movimento não está desvinculado da imersão 
nos terremos movediços que cercam a pesquisa, nem do trânsito por caminhos que não são 
previamente estipulados, mas que nos convidam a adentrar em lugares, em formas outras de 
pensar sobre aquilo que nos parecia a princípio tão consolidado. Dessa forma, “[...] estamos 
sempre passando de um território para outro, abandonando territórios, fundando novos” 
(HAESBAERT; BRUCE, 2002, p. 13). 
E sentir isso na própria carne, para mim, é encarado enquanto vivacidade, enquanto 
apontamento das fragilidades que constituem nosso ser e da forma nada linear que caracteriza 
a vida e a pesquisa. Tal movimento apresenta-se como um convite a uma dança que a cada 
momento é tocada de uma forma distinta: mudam-se os ritmos, os ânimos e os sentimentos. 
Mas a pesquisa segue. E segue no movimento que “[...] permite explorar as singularidades 
emergente das realidades estudadas” (PAULON; ROMAGNOLI, 2010, p. 85), tornando-se 
assim única no trilhar desse processo. 
E sigo acompanhada por esse turbilhão de emoções, que efetivadas em palavras irão 
tecendo textos, textos esses como lugares também compostos por expressões da vida, por afetos 
de produções, por múltiplas possibilidades, marcados por um tempo e um espaço próprios, 
únicos, íntimos, que, de certa forma, assumirão futuramente uma exposição de si e do pensar 
de quem os constituiu. Assim, “[...] escrever é fazer letra para a música do tempo; e é esta 
música, sempre singular, que nos indica a direção da letra, que seleciona as palavras que 
transmitam o mais exatamente possível seus tons, seus timbres, seus ritmos, suas intensidades” 
(ROLNIK, 1993, p. 9). É a exposição da mais íntima experiência vivenciada na relação da 
escrita, no exercício do pensar, que “[...] é sempre seguir a linha de fuga do vôo [sic] da bruxa. 
[...] não pensamos sem nos tornarmos outra coisa” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 58‐59). 
E eis o encanto de escrever algo enquanto “[...] um caso de devir, sempre inacabado, sempre 
em vias de fazer-se, e que extravasa qualquer matéria visível ou vivida (DELEUZE, 2011, p. 
11), a fim de nos proporcionar pensamentos outros e reflexões outras. 
Quando penso sobre as implicações do dizer, do que vai nas dobras desse dizer 
encontro-me com uma nova experiência. Agora, em texto, a experiência é a da escrita, 
de uma narrativa que vai ganhando e perdendo, enchendo-se e esvaziando-se de 
sentimentos. Dobras, marcas tatuadas na pele, que remetem ao movimento do duplo, 
daquilo que reúne sentido e significado. Marcas de uma escrita-experiência que 
remete à intimidade com o traço, com aquilo que se quer dizer, com a palavra que 
também alteriza-se pelo seu encontro com um ‘possível’ outro. (LIMA, 2011, p. 87). 
38 
Assim, na condição de cartógrafa aspirante, busquei o exercício e o esforço de ir “[...] 
na contramão dos clichês e a favor da experiência de si mesmo” (FISCHER, 2005, p. 125), 
dando passagens às linhas em movimento desses trajetos, na tentativa de romper com a 
linearidade e a rigidez por vezes solicitadas pela academia, adentrando “[...] não apenas no 
plano visível, o mais óbvio, mas também no invisível, igualmente real, embora menos óbvio” 
(ROLNIK, 1993, p. 2), e, dessa forma, deixando impresso aquilo que me foi tocante, aquilo que 
me afetou e o que os documentos-afetos fizeram-me refletir sobre os bebês acolhidos. 
Por vezes, vejo-me interrogando se o que estou a ler e entender é realmente aquilo que 
tal escritor queria que fosse propagado no momento. Dessa forma, penso em quão equivocada 
posso estar ao dizer do pensamento do outro aquilo que eu mesma quero dizer, aquilo que é 
interpretado e aquilo que a mim é familiar. “Torna-se mais difícil ainda pensar muito além 
daquilo que é dado, quando isso é visto como fruto de um desejo compartilhado. [...] por esse 
motivo, o que é dado acabou por se tornar parte de nós mesmos” (LARA, 2003, p. 11). E, dessa 
forma, como questionarmos nós mesmos? 
Pesquisar é algo tão íntimo que duas pessoas podem olhar para um mesmo lápis e dele 
escrever coisas distintas. São diversos os modos de sermos seres humanos, inexatos, 
incompletos, com desejos e vontades que são só nossas. O que constitui um 
pesquisador/cartógrafo/escritor estará impresso e assinado nessas escritas, que serão as “marcas 
autobiográficas do pesquisador” (FISCHER, 2005. p. 117). Penso ser esta a relevância de 
pesquisar: poder imprimir a originalidade de sermos, de produzirmos e de compartilharmos 
possibilidades outras de escrita acadêmica e de produção de conhecimento que não operem e 
se propagem enquadradas em uma única forma de ser, de escrever e de pensar. 
E é este o movimento proposto a seguir: manter contato com outras produções 
científicas, com formas outras de fazê-las, pensá-las, questioná-las, e seguir sabendo que tudo 
que é produzido, mesmo que em discordância, é uma contribuição para um refletir coletivo. 
Uma pesquisa é única, mas sua produção e seu alcance são coletivos e significativos, para que 
novas produções sejam contempladas e sigam seus rumos alicerçadas naquilo já produzido. 
 
2.1 PISTAS CARTOGRÁFICAS: ESTRATÉGIAS PARA A CONSTRUÇÃO DE 
CONHECIMENTOS SOBRE BEBÊS 
Aqui, faço o levantamento de dissertações e teses, com o intuito de estreitar o diálogo 
com essas produções, que emergem de distintas áreas de conhecimento e discorrem sobre a 
39 
temática dos bebês em situação de acolhimento e sobre outros aspectos que transitam entre os 
sentidos e significados dados por cada pesquisador. 
Vejo este movimento enquanto componente fundamental da pesquisa, o poder de bailar 
pelas diversas frestas e possibilidades do conhecimento já produzido coletivamente, mas, 
enquanto produção cartográfica, esta pesquisa não vê nessas outras escritas um caminho 
obrigatório a ser perseguido, e sim possibilidades de encontro com a diversidade de 
pensamentos e formas de fazer pesquisa. É “[...] preciso irrigar a pesquisa em educação com 
virtualidades desconhecidas para que o já conhecido não vire uma camisa de força, para se 
criarem muitos modos de pesquisar em educação, os mais diversos, variados, desconectados e 
até disparatados” (OLIVEIRA, 2014, p. 281). Opto por seguir um caminho que me é próprio, 
que conta das minhas afetações,

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