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Política e Educação Ao se reunir em sociedades como forma de sobrevivência, o homem tende a aceitar as regras e normas estabelecidas e comuns a todos. Nesta unidade, vamos enfatizar o papel das relações políticas na coletividade, com as implicações determinantes da ideologia na vida social e, por conseguinte, na educação. Objetivo Ao final desta unidade, você deverá ser capaz de: • Diferenciar a forma pela qual os princípios ideológicos interferem na educação. Conteúdo Programático Esta unidade está organizada de acordo com os seguintes temas: • Tema 1 - Concepção filosófica da política • Tema 2 - Compromisso político da Educação • Tema 3 - Ideologia e emancipação A partir da leitura das imagens anteriores, reflita: É possível desvincular a política da educação? Tema 1 Concepção filosófica da política Política (do grego politiké), em um sentido amplo, diz respeito aos assuntos da cidade (do grego pólis), às questões que envolvem todos os núcleos sociais; e deveria, portanto, fazer parte intrínseca da vida do cidadão, uma vez que os problemas fundamentais das cidades – saúde, educação, saneamento, alimentação, trabalho – permeiam toda e qualquer sociedade. Infelizmente, porém, se voltarmos os olhos para nossos dias, veremos que não é isso que ocorre, pois a grande maioria das pessoas prefere distanciar-se das questões ligadas à cidade e considerar-se apolítica. Seja por desencanto com os rumos das políticas partidárias e governamentais, seja por mero desinteresse com relação às coisas públicas, pela simples alienação, o fato é que muitas das ações políticas são desconhecidas ou desprezadas por grande parte da população. Contudo, desde as primeiras fases do desenvolvimento humano, quando os primeiros homens deixam a vida nômade para formar uma comunidade, as questões políticas, mesmo de forma difusa e rudimentar, passam a impregnar-se na vida das populações, pela própria necessidade de promover o equilíbrio de todos. É claro que, de início, no processo de hierarquização social, não havia sequer uma percepção clara sobre as ações que direcionavam o comportamento dos grupos, já que a premência de se tornar gregário fez com que a adequação a um núcleo social fosse praticamente inconsciente. Mas, estes núcleos prosperaram e se tornaram foco principal da vida em comum. * núcleos - Por mais que as cidades tenham adquirido e assimilado novas formas de organização social, a preocupação com a sobrevivência sempre foi um dos aspectos mais importantes para garantir a autonomia das cidades e, naturalmente, a aceitação deliberada do povo às regras gerais, prescritas e sustentadas por pequena parte do grupo, a quem cabia zelar pela harmonia de todos. Assim, o poder emerge de um grupo restrito para impor-se aos demais. Saiba Mais O poder de um indivíduo ou instituição é a capacidade de este conseguir algo, quer seja por direito, por controle ou por influência. O poder é a capacidade de se mobilizar forças econômicas, sociais ou políticas para obter certo resultado, e pode ser medido pela probabilidade de esse resultado ser obtido em face dos diversos tipos de obstáculos ou oposição enfrentados. Não é essencial à sua definição que o resultado seja conscientemente procurado pelo agente: o poder pode ser exercido na ignorância de sua existência ou efeitos, embora, claro, seja frequentemente exercido de forma deliberada. [...] O poder da sociedade não se encontra limitado à sua capacidade de impedir as pessoas de fazerem as coisas; inclui o controle da autodefinição e da forma de vida preferida dos seus membros. Uma das principais preocupações da teoria política é determinar quando o exercício do poder é legítimo, o que é frequentemente colocado em termos do problema da distinção entre autoridade e poder. (BLACKBURN. 1997, p. 301) Conheça mais sobre a formação das sociedades. E é na Grécia que vemos uma grande revolução sobre os modos de estabelecimento das regras de poder. No período arcaico, no tempo dos aristoi (os nobres), os reis, protegidos ou descendentes dos deuses, mantinham o poder total e inquestionável sobre suas cidades; tudo derivava de suas vontades, por vezes arbitrárias. As classes dos artesãos, camponeses e comerciantes aceitavam passivamente tudo o que fosse determinado por aqueles aristoi. Mais adiante, porém, com as mudanças decorrentes da descoberta de novos horizontes, com o comércio com outros povos, a população passa a reivindicar participação direta nos rumos das cidades, fazendo com que a estrutura de poder seja alterada, não sem grandes contestações. Enfim, instala-se a democracia (demos = povo/cracia = governo), cujo conceito é assumido e valorizado até nossos dias. Na verdade, a democracia grega não atingia toda a população da cidade, mas abriu caminho para uma nova perspectiva com relação à participação nas normas de poder. Ou seja, a partir da instalação do processo democrático, as relações de poder passam a ser partilhadas pelos novos cidadãos, os quais não dependiam de sua origem quase divina, mas eram aqueles que tinham como ascendentes os pais e mães comprovadamente gregos, além de serem homens. Com isso, amplia-se, e muito, a participação de grande parte dos habitantes da cidade ao modo de governo democrático. As discussões sobre o destino da cidade – o aumento de impostos, a declaração de guerra, a nomeação de embaixadores – eram determinadas pelas votações na ágora, por decisões da maioria, em um processo de escolha direta, concernente a cada cidadão. A partir de então, pode-se falar verdadeiramente da ação política, definida no início. Observação Política [é] tudo aquilo que diz respeito aos cidadãos e ao governo da cidade, aos negócios públicos. A filosofia política é, assim, a análise filosófica da relação entre os cidadãos e a sociedade, as formas de poder e as condições em que este se exerce, os sistemas de governo, e a natureza, a validade e a justificação das decisões políticas. Segundo Aristóteles, o homem é um animal político, que se define por sua vida na sociedade organizada politicamente. Em sua concepção, e na tradição clássica em geral, a política enquanto ciência pertence ao domínio do conhecimento prático e é de natureza normativa, estabelecendo os critérios da justiça e do bom governo, e examinando as condições sob as quais o homem pode atingir a felicidade (o bem-estar) na sociedade, em sua existência coletiva. (JAPIASSÚ & MARCONDES. 1991, p. 197). Considerando, assim, a política como fundamento necessário da formação das sociedades, devemos observar que as relações de poder não se separam da política, já que esta compreende o elo necessário entre povo e constituição de um governo. A democracia grega, em sua plenitude, no século V a. C., foi capaz de proporcionar a grandeza da cidade de Atenas, aliando, em seu entorno, a participação direta dos cidadãos e, principalmente, o acesso à educação, antes privilégio exclusivo dos aristoi. Do ponto de vista filosófico, o interesse pelas questões políticas tem seus alicerces concentrados, ainda, na Grécia Clássica, especialmente com as obras dos filósofos Platão e Aristóteles. “ [...] Platão não propunha a democracia como forma ideal de governo. [...] Para Platão, o filósofo é aquele que, saindo do mundo das trevas e da ilusão, busca o conhecimento e a verdade no mundo das ideias. Depois deve voltar para dirigir as pessoas que não alcançaram esse ponto. Ele se constituiria, assim, no que ficou popularizado como rei-filósofo, pois aquele que, pela contemplação das ideias, conheceu a essência do bem e da justiça deve governar a cidade. COTRIM & FERNANDES. 2010, p. 316 ” “ Aristóteles presta um bom serviço ao pensamento político ao insistir no fato de o estado não existir meramente por convenção, mas possuir suas raízesna natureza humana; de o natural dever ser encontrado, no seu verdadeiro sentido, não nas origens da vida humana, mas no fim para o qual tende; de a vida civilizada não ser uma decadência à vida de um selvagem hipoteticamente nobre; de o estado não ser uma restrição artificial de liberdade, mas um meio de a assegurar. [...] Ao descrever o estado como natural, Aristóteles não pretende significar ser ele independente da volição humana. É pela volição que ele foi formado e é mantido, e é pela volição humana que pode ser moldado de modo ‘mais conforme o desejo do coração’. Mas afirma ser natural no sentido em que se enraíza na natureza das coisas e não nos caprichos dos homens. ROSS. 1987, p. 245 ” Note-se, portanto, que as questões políticas perpassam, desde a Antiguidade, o âmbito da Filosofia, como forma de buscar entendimento da constituição das cidades e de sua influência para a existência humana. Com as mudanças ocorridas, o acesso ao poder – antes, direito quase divino – transforma a ação dos cidadãos da polis, devido, especialmente, às novas condições de se exercer este poder: pelo voto. É bom lembrar que as votações da ágora dependiam de maioria simples, quando todos os cidadãos presentes tinham os mesmos direitos de participação. Talvez por isso mesmo, podemos verificar a acidez com que Platão se referia ao regime democrático, pois nem sempre as escolhas favoreceriam o mais capaz, o mais habilitado para governar, que seria o filósofo. De todo modo, também nesse aspecto, a herança grega será assimilada pelos romanos, quando, após mudanças nas normas da república, o desenvolvimento de Roma alcançará o ápice da ação política na formação do grande Império. A vida política romana, depois dos percalços da república, passará por intensas transformações, até chegar à instauração do triunvirato – três governantes –, época em que o poder se expande ainda mais. Contudo, após a queda do Império Romano e, especialmente, devido às invasões dos bárbaros, as cidades se fragilizam, já que a “fuga” para o interior mudará o foco do poder. Em tal contexto, a política acaba por se fragmentar nas mãos de novos “comandantes”, os senhores feudais (os suseranos), os quais imprimem uma forma restrita de poder, concentrada nos feudos. Assim, com a situação política diluída, apesar da existência de reis (não tão poderosos quanto os de antes), um novo poder emerge na Europa Ocidental: a Igreja, que vai sobrepujar a importância dos senhores feudais, homogeneizando os modos de atuação política, agora subordinados à fé. Posteriormente, reflexões teóricas mais elaboradas sobre as relações entre a política e o poder serão objeto de investigação por parte de pensadores interessados no estabelecimento de uma nova atitude intelectual no campo do conhecimento laico ou das mudanças econômicas que já se anunciam, com a ascensão da classe burguesa. Neste período, que compreende o movimento renascentista, dentre as várias transformações nas sociedades que se relacionam com desenvolvimento da ciência e da técnica, são retomadas novas formas de conceber o mundo, separando, como na Antiguidade, as questões religiosas do conhecimento racional. Tema 2 Compromisso político da Educação Por que se pode dizer que o movimento renascentista subverteu o poder da Igreja medieval? A educação, como já observamos, é parte inerente do desenvolvimento humano desde o início do processo civilizatório. E a política, como vimos, é o alicerce que sustenta todo e qualquer grupo organizado. Por isso, e considerando que as ações políticas se acham integradas à vida dos grupos, convém agora nos determos na relação da política com a educação, tema que, por interesses diversos, repercute até nossos dias. Em diferentes épocas históricas, muitos foram os pensadores que buscaram demonstrar a necessidade do estabelecimento de uma via que ligasse a formulação de normas políticas aos processos educativos. Tal problema ainda persiste em pleno século XXI, quando muitos governos não dão a prioridade necessária à formação educacional do povo. Contudo, e recuando até a antiguidade, podemos observar que no pensamento aristotélico já havia uma preocupação real com a atuação da política da cidade e com o desempenho da educação. Saiba Mais A pedagogia [em Aristóteles] torna-se ela própria uma “espécie de política” aplicada tanto à criança quanto ao adulto: dada pelo Estado, ela deve tratar de tudo o que depende da cidade [...]. Ele concebe a educação como uma educação progressiva, segundo a idade e a ordem natural do desenvolvimento do homem: a vida física, o instinto, a razão. Nesse programa baseia-se a unidade do Estado: a cada tipo de Estado corresponde um tipo de educação. [...] O princípio está em harmonizar paidéia e politéia. Existe uma natureza política do homem, mas ela é construída na unidade da cidade e segundo sua organização política, a pedagogia estando ligada em seu objeto como em seu ‘programa’ para essa política. Aristóteles ensina-nos ainda que não existe pedagogia independente da política, em qualquer grau que seja, qualquer que seja a liberdade que possa convir a cada um. [...] Para uma cidade virtuosa dependente de seus cidadãos, a educação deve ter por objetivo tornar bom e virtuoso cada um deles. (MORANDI. 2002, p.62) Portanto, como já mencionado, não se pode deixar de considerar que a preocupação com os rumos da educação esteve sempre atrelada aos interesses políticos e econômicos de um Estado. Tal situação varia conforme sejam os pressupostos dos governos vigentes e depende de intenções explícitas, ou não, de garantir ou perpetuar a manutenção do poder. Isso quer dizer que o compromisso dos governos com a educação está condicionado ao tipo de sociedade que se deseja formar e, também, aos contextos históricos em que se apresentam as propostas educacionais. Na Idade Média, o poder da igreja se expande por toda a Europa Ocidental, centralizando a religião e subordinando a economia, a política e, o que mais nos interessa, o conhecimento intelectual. Nesse contexto, a autoridade do padre assume um papel decisivo na formação popular, mas sem qualquer empenho com a alfabetização básica dos indivíduos. Ou seja, a educação, privilégio de poucos, deveria favorecer apenas aqueles que tivessem ligação estreita com o poder medievalista. As transformações históricas provocaram inevitáveis inovações no campo do conhecimento e, consequentemente, na educação do indivíduo. Ao retomar os ideais clássicos da Grécia Antiga e, depois, de Roma, os renascentistas (por volta do século XV) procuraram priorizar a vida humana, a fim de reverter o modelo imposto pela época medieval, vinculado à religiosidade. A partir de então, a vida do ser humano adquire um valor fundamental, um novo significado, pois será a partir dele, do próprio homem, que irá se concretizar o processo educativo. Saiba Mais O Renascimento, talvez mais do que a maioria dos diversos momentos históricos, suscita grandes controvérsias. Há quem veja nesse movimento filosófico e artístico o momento de ruptura entre o mundo medieval – com suas características de sociedade agrária, estamental, teocrática e fundiária – e o mundo moderno urbano, burguês e comercial. [...] A Europa medieval, relativamente estável e fechada, inicia um processo de abertura e expansão comercial e marítima. A identidade das pessoas, até então baseada no clã e na propriedade fundiária, vai sendo progressivamente substituída pela identidade nacional e pelo individualismo. A mentalidade vai se tornando paulatinamente laica – desligada das questões sagradas e transcendentais –, as preocupações metafísicas vão convivendo com outras mais imediatistas e materiais, centradas principalmente no homem. (COSTA. 2004, p. 18). Esta época marca uma nova etapa para a vida europeia, já que os novos valores propostos estimulam as transformaçõessociais, científicas, políticas e religiosas. É neste clima de intensas mudanças que ocorrem as mais variadas turbulências e se antecipa o momento político da Modernidade. Com relação ao contexto e às disputas políticas, não se pode deixar de enfatizar a concepção laica dessa nova situação e, especialmente, os novos valores em jogo também no campo intelectual e econômico. Podemos citar Nicolau (ou Nicoló) Maquiavel (1469- 1527), considerado um dos mais importantes teóricos das relações políticas, cuja obra O Príncipe é um verdadeiro manual de ação do poder político. Além disso, outros fatores influenciam as modificações que eclodem a cada momento. Entre eles, um personagem que vai abalar decisivamente o poder da Igreja: o religioso Martinho Lutero (1483-1546), que, ao romper com o papado de Roma, imprime um novo modelo para a fé cristã e para o ensino, de modo geral, pois a Reforma luterana significou uma nova etapa para a educação, revolucionando a visão medieval do processo educativo. Saiba Mais Se de fato a “Reforma” põe como seu fundamento um contato mais estreito e pessoal entre o crente e as escrituras e, por conseguinte, valoriza uma religiosidade interior e o princípio do “livre exame” do texto sagrado, resulta essencial para todo cristão a posse dos instrumentos elementares da cultura (em particular a capacidade de leitura) e, de maneira mais geral, para as comunidades religiosas, a necessidade de difundir essa posse em nível popular, por meio de instituições escolares públicas mantidas a expensas dos municípios. Pode-se dizer que, com o protestantismo, afirmam-se em pedagogia o princípio do direito-dever de todo cidadão em relação ao estudo, pelo menos no seu grau elementar, e o princípio da obrigação e da gratuidade da instrução, lançando-se as bases para a afirmação de um conceito autônomo e responsável de formação, não estando mais o indivíduo condicionado por uma relação mediata de qualquer autoridade com a verdade e com Deus. (CAMBI. 1999, p. 248) A proposta da Reforma luterana significa um novo foco para a configuração de um Estado participativo, no que diz respeito à Educação. Ao valorizar a individualidade na interpretação das Escrituras, o protestantismo, em sua origem, desempenha um importante papel no sentido de estimular a educação – as pessoas deveriam saber ler para interpretar a Bíblia. Note-se que foi nessa época que Gutenberg (1398-1468) inventou os “tipos móveis”, os quais se tornariam a base da impressão de livros e jornais, o que facilitava o acesso de grande parte da população aos textos escritos. Outro aspecto de relevância da Reforma deveu-se à flexibilidade com que foi tratada a formação das riquezas e o desenvolvimento da economia capitalista, visto que, ao contrário da Igreja de Roma, a riqueza decorrente do trabalho árduo passa a ser observada de modo positivo, como uma recompensa divina, pois o acúmulo de bens deveria ser construído a partir da disciplina, do trabalho e da poupança. Isso faz com que muitos comerciantes, à época, comunguem com as ideias protestantes. O incentivo da Reforma à criação de escolas públicas e gratuitas (também religiosas) possibilitava o ensino elementar para toda a população, fato que combatia o analfabetismo, tão comum naquele tempo. Esta situação abala de modo considerável a estrutura da Igreja romana, que vai posicionar-se vigorosamente com a instauração da Contrarreforma, cujo plano de ação seria opor-se às ideias de Lutero, com a criação da Companhia de Jesus. Esta nova ordem, formada pelos jesuítas, pretende imprimir um novo modelo educacional aos jovens. Saiba Mais Tal movimento [a Contrarreforma], cuja influência sobre todos os campos da cultura é notável, tem um valor essencialmente pedagógico. [...] A Igreja de Roma adquire uma maior consciência de sua própria função educativa e dá vida a um significativo florescimento de congregações religiosas destinadas de maneira específica a atividades de formação não só dos eclesiásticos, mas também dos jovens descendentes dos grupos dirigentes. Nisso consiste a diferença mais significativa no plano educativo entre o movimento da Reforma e o da Contrarreforma. O primeiro privilegia a instrução dos grupos burgueses e populares com o fim de criar as condições mínimas para uma leitura pessoal dos textos sagrados, enquanto o segundo, sobretudo com a obra dos jesuítas, repropõe um modelo cultural e formativo tradicional em estreita conexão com o modelo político e social expresso pela classe dirigente. (CAMBI. 1999, p. 256) Política e Educação Podemos perceber, então, que considerando os contextos históricos, o compromisso político dos governos com a educação assume tendências diversas, especialmente devido a interesses das classes mais abastadas, que regulam e normatizam o modo de agir das sociedades. Quer dizer, em qualquer tempo ou lugar – na Antiguidade ou em nossos dias –, o poder governamental vem interferindo na atividade educativa. Vídeo Para saber mais sobre as influências políticas, assista agora ao vídeo: Influências políticas nos processos educacionais. Clique na imagem para visualizar o vídeo. https://player.vimeo.com/video/344179611?badge=0&autopause=0&player_id=0&app_id=58479 Tema 3 Ideologia e emancipação De que modo a ideologia governamental pode interferir na atividade educativa? As condições de sobrevivência dos agrupamentos humanos resultam, como já destacamos algumas vezes, na tentativa de harmonizar as sociedades a determinados tipos de procedimentos, os quais, de modo geral, devem ser aceitos e validados pelos participantes do grupo social. Tal processo envolve a concordância de todos sobre os princípios que norteiam a formação e elaboração de ideias pertinentes às classes sociais. É a esse conjunto de ideias que chamamos ideologia. Saiba Mais Etimologicamente, o conceito de ideologia significa o estudo da formação das ideias. Em termos filosóficos, a ideologia vem a ser “o conjunto de ideias, princípios e valores que refletem uma determinada visão de mundo, orientando uma forma de ação, sobretudo uma prática política.” (JAPIASSÚ & MARCONDES. 1991, p. 127). O termo foi criado pelo francês Destutt de Tracy (1754-1836) para designar a “ciência das ideias”, abrangendo sua origem e desenvolvimento. (Cf. COTRIM & FERNANDES. 2010, p. 120) “ Existem numerosas acepções de ideologia. Eu [Moacir Gadotti] empregarei o termo “ideologia” para designar um pensamento teórico estruturado, exprimindo uma falsa visão da história, cuja finalidade é ocultar um projeto social, político e econômico da classe dominante. A ocultação, dentro desta acepção operacional de ideologia, é, portanto, um elemento fundamental de sua compreensão. Essa ocultação exprime-se dentro de uma sociedade dada, através de distorções, de manifestações, de dominação e repressão. Esse pensamento não é um pensamento puramente “teórico”, mas profundamente ligado a uma prática social e política. (GADOTTI. 2003, p. 31) ” A ideologia busca manter a sociedade unida em torno dos mesmos ideais, fazendo com que exista uma aparente harmonia entre os membros do grupo, mascarando, porém, as diferenças e desigualdades sociais; nesse sentido, a ideologia é uma espécie de cimento social que agrega todos em uma só massa coesa de interesses comuns. Mas esta é uma visão positiva da ideologia, que prioriza apenas a união dos componentes do grupo e dos modelos válidos a serem seguidos por todos, considerando, então, o comportamento, a política, a religião, a adequação às normas em geral. Saiba Mais [...] De acordo com a análise feita pelo filósofo marxista húngaro György Lukács (1885-1971), a característica fundamental da ideologia seria o fato de ela se prestar à orientação da vida prática dos indivíduos, isto é, de fornecer a base para a resolução dos problemaspráticos da vida em sociedade. Nesse sentido, teria uma função operativa e existiria desde o momento em que os seres humanos começaram a viver em coletividade. Ou seja, Lukács destaca que a ideologia não tem necessariamente o caráter dissimulador da luta de classes, pois não seria um fenômeno apenas das sociedades divididas em classes. Segundo ele, apenas quando o conflito social passa a fazer parte da realidade é que a ideologia se volta à resolução dos problemas gerados por esse conflito, manifestando-se então como instrumento de classe. (COTRIM & FERNANDES. 2010, p. 121) O teórico marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937) também capta esse aspecto positivo na ideologia: é dele a expressão “cimento social” atribuído aos aparatos ideológicos, como forma de agregar harmonicamente os indivíduos nas sociedades. Isso não significa que Gramsci destaque apenas essa função positiva, pois, na verdade, é necessária uma clara e perceptível elucidação das características ideológicas que afetam os indivíduos de qualquer sociedade. Saiba Mais A educação para Gramsci delineia-se de fato como um processo não de crescimento natural, mas de “conformação” às regras sociais como um processo de socialização, que só numa sociedade socialista perde os seus aspectos de alienação e de autoritarismo, mas nunca os de uma imprescindível “coercitividade”. O objeto final dessa educação é fazer de cada homem um “intelectual orgânico” da classe operária, de modo que cada indivíduo possa ser ao mesmo tempo “governante e “governado”. (CAMBI. 1999, p. 607) O equilíbrio seria atingível caso a classe “dominada” conseguisse perceber, de modo crítico, sua verdadeira posição social, e tivesse condições de promover a educação e a formação de “intelectuais orgânicos”, capazes de esclarecer seu grupo quanto à realidade em que vivem. Contudo, como constatamos, na prática e no dia a dia, muitos indivíduos não percebem a intenção manipuladora da ideologia e passam a agir de acordo com as normas estabelecidas pela sociedade e, sem a devida percepção, assimilam essas regras naturalmente, sem contradizê-las. Isso porque a ideologia mascara a realidade, apresentando um mundo idealizado, naturalizando a divisão de classes. Entretanto, e seguindo o conceito de Karl Marx (1818-1883), a ideologia interfere em todas as ações e pensamentos do homem, pois se incorpora inconscientemente à sua existência, petrificando possíveis reações contrárias. Para Marx, a característica básica da ideologia é sempre sutil e imperceptível, estando impregnada nos grupos sociais sem que se possa verificar claramente a situação alienante que determina o modo de agir do homem em sociedade. Saiba Mais Ideologia Devemos destacar ainda que as questões ideológicas não se restringem às políticas partidárias, mas atingem nossas crenças, valores e, principalmente, a educação. O termo “ideologia” é amplamente utilizado, sobretudo por influência do pensamento de Marx, na filosofia e nas ciências humanas e sociais em geral contemporaneamente, significando o processo de racionalização – um autêntico mecanismo de defesa – dos interesses de uma classe ou grupo dominante, tendo por objetivo justificar o domínio exercido e manter coesa a sociedade, apresentando o real como homogêneo, a sociedade como indivisa, permitindo com isso evitar os conflitos e exercer a dominação. (JAPIASSÚ & MARCONDES. 1991, p. 128). A contribuição do marxismo para a educação tem de ser considerada em dois níveis: o do esclarecimento e da compreensão da totalidade social, de que a educação é parte, incluindo as relações de determinação e influência que ela recebe da estrutura econômica, e o específico das discussões de temas e problemas educacionais. [...] Para Marx, a transformação educativa deveria ocorrer paralelamente à revolução social. Para o desenvolvimento total do homem e a mudança das relações sociais, a educação deveria acompanhar e acelerar esse movimento, mas não encarregar-se exclusivamente de desencadeá-lo, nem de fazê-lo triunfar. (GADOTTI. 2003, p. 130) Como não podia deixar de ser, também a educação, como já mencionado, submete- se às normas ideológicas, pois as instituições escolares, em todos os níveis, estão sujeitas, como já mencionamos, ao modelo sociopolítico de cada governo. Saiba Mais É muito comum se pensar que a educação é apolítica, a escola é um espaço neutro, uma ilha isolada das divergências da sociedade e um canal objetivo de transmissão da cultura universal. Sem dúvida é uma imagem ilusória. A escola é política e, como tal, reflete inevitavelmente os confrontos de força existentes na sociedade. Se esta se caracteriza por classes antagônicas, a escola certamente refletirá os interesses do grupo dominante. Basta ver a história da educação para perceber como a escola sempre serviu ao poder, não oferecendo oportunidades iguais de estudo a todos, indistintamente. Além disso, a escola transmite padrões de comportamento, bem como ideias e valores. Ora, esses modelos, divulgados como “universais e abstratos”, geralmente não são tão universais assim, pertencendo a um determinado segmento social. (ARANHA. 1998, p. 32-33) Desse modo, a educação não pode ser apolítica, pois, dependendo da linha ideológica dos poderes estabelecidos, os processos educativos e as teorias pedagógicas tendem a seguir, obrigatoriamente, as normas oficiais. Por conseguinte, a transmissão dos valores, das normas comportamentais, dos conteúdos deve adequar-se ao padrão exigido pelo governo. Seguindo essa visão ideológica, a educação – ao reproduzir os modelos considerados ideais e distantes de dissidências – se transforma num veículo próprio da cristalização dos interesses das classes dominantes. Para refletir Estudos realizados sobre os livros didáticos de 1º grau constatam muitas vezes sua utilização ideológica, sobretudo quando mostram à criança uma realidade estereotipada, idealizada e deformadora. Os textos ideológicos transmitem uma visão de trabalho que iguala todos os tipos de profissão, ocultando o fato de que muitas pessoas são submetidas a atividades árduas, alienantes. Mostram uma sociedade una e harmônica, na qual cada um cumpre o seu papel como um destino a que não se pode fugir e ao qual se deve conformar. A impressão que se tem é de que a riqueza e a pobreza fazem parte da natureza das coisas, não sendo resultado da ação dos homens. Resta aos pobres a paciência e, aos ricos, a generosidade. (ARANHA. 1998, p.34) Um dos exemplos mais conhecidos com relação à influência da ideologia em sala de aula é, especialmente, o livro didático, que procura induzir o educando a seguir por um determinado viés ideológico, a partir dos conceitos e modelos sociais aceitos e consolidados pelo governo. Ao serem elaborados e distribuídos pelos órgãos oficiais, estes livros buscam criar e fomentar valores e normas específicas de interesse governamental. Assim, apesar de se apresentarem como neutras, estas obras escondem, na verdade, a intenção ideológica a ser transmitida. Contudo, não devemos considerar a educação como simples e inevitável reprodutora de ideologia, pois a conscientização é possível. Mesmo levando em conta o “processo de domesticação” já instaurado, existem condições reais de superação da massificação ideológica, a partir do momento em que se possa sobrepor ao modelo oficial uma reflexão crítica e contextualizada, através de um discurso não ideológico. Saiba Mais Para uma filosofia da educação que não seja ideológica, a educação deve representar um autêntico desafio. [...] isso significa que uma filosofia da educação que não quer fazer o papel de cão de guarda da ideologia dominante deve começar por colocar-se à escuta daqueles problemas da educação contemporânea que precisam urgentemente de uma reorientação, de um repensar, de uma reconstrução.[...] Certamente, o ato educativo é um ato político, é um ato social e, portanto, ligado à atividade social e econômica, ao ato produtivo.[...] Mas não é só. O encontro que caracteriza o ato educativo guarda algo de original que não pode ser destruído nem reduzido pela ideologia. Está aí a chance da educação. É por isso que acredito nela, mesmo se ela é pega no círculo devorador da ideologia. A educação sendo práxis, porque ela é práxis é que pode escapar à ideologia. A ideologia não consegue dominar inteiramente o ato educativo; sempre fica um espaço livre. E é justamente esse canteiro que deve ser cultivado, esse espaço livre que o educador deve alargar. Mesmo numa educação da dominação, guiada por uma pedagogia opressiva, o educador ainda tem chance de plantar nesse espaço a semente da libertação. (GADOTTI.2003, p. 34-35) O desmascaramento da ideologia é então possível e permite um novo enfoque da realidade, ampliando a visão crítica do indivíduo para que ele vislumbre as reais intenções das forças ideológicas. E, mesmo quando existe a necessidade do cumprimento de “regras estabelecidas”, o educador – caso tenha uma formação condizente com sua função – é capaz de ultrapassar essas dificuldades, promovendo uma educação voltada para a liberdade. Nesse sentido, a filosofia pode contribuir para desenvolver no ser humano uma reflexão ampla e consistente sobre a realidade. Encerramento Qual a proposta de Platão sobre o governo da cidade? Platão afirmava que um bom governante deveria ser aquele que conhecesse a essência do bem e da virtude, características de uma educação apropriada, fundada nos princípios filosóficos. Por que se pode dizer que o movimento renascentista subverteu o poder da Igreja medieval? Os renascentistas priorizavam a vida humana, valorizando a realidade laica e assumindo uma nova concepção para os processos educativos, distantes dos cânones religiosos. De que modo a ideologia governamental pode interferir na atividade educativa? A maioria dos governos interfere diretamente na educação, pois, em geral, a produção educativa depende das normas, das verbas e da vontade política dos governantes. Resumo da Unidade Seguindo a concepção aristotélica, destacamos o conceito do homem como “um animal social e político”, que não pode viver fora de um grupo – cujas regras ideológicas estabelecidas exercem sobre ele forte coerção, muitas vezes inconsciente. Vimos também de que forma a ideologia perpassa e modifica a existência do indivíduo, levando-o a assumir comportamentos que lhe são exteriores, e que, consequentemente, tanto no plano político quanto na atividade educativa propriamente dita, os instrumentos ideológicos se manifestam, interferem e direcionam nossas ações.
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