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Jose Matias-Pereira Manual de Gestao PUblica Contemporanea 4~ edi~ao Revista e atualizada Inclui analise dos efeitos das mudanc;as de paradigmas na administrac;ao publica brasileira 6 , Etica e moral na Administra~ao Publica "Aetica alimenta e viabiliza a bern comuffi." MATIAS-PEREIRA (2010a) INTRODUGAO A etica - como uma filosofia moral que reflete sobre os significados dos va- lores morais dos homens em sociedade, debatendo-os e problematizando-os - vern sendo estudada desde os tempos antigos ate os nossos dias por inumeros fil6sofos e pens adores, em distint as epocas da hist6ria. Destacam-se entre os estudiosos que abordaram os assuntos relacionados a etica e a moral: os pre- -socrciticos, Arist6teles, os est6icos, os pensadores cristaos: patristicos, esco- histicos e nominalistas, Maquiavel, Kant, Espinoza,l Nietzsche, Hegel, Kierke- gaard, Paul Tillich, entre outros. Do ponto de vista etimol6gico, etica vern do grego ethos, e tern seu correlato no latim morale, com 0 mesmo significado de conduta, ou relativo aos costumes. Assim, etimologicamente etica e moral sao palavras sinonimas. A etica, para Vazquez (2007), e a teoria ou ciencia do comportamento mo- ral dos homens em sociedade, ou seja, e a ciencia de uma forma espedfica de 1 ESPINOZA, B. Etica. Cole<;ao Os Pensadores. 2. ed. Sao Paulo: Abril Cultural, 1979. 0 livro Etica demonstrada pelo metoda geometrico foi estruturado de forma cl<issica,com defini<;ao, axio- rna, preposi<;ao, demonstra<;ao, esc6lio e corolario, baseado no modelo do matematico Euc1ides. 88 Manual de Gestao Publica Contemporiinea • Matias-Pereira comportamento humano. Assim, a etica tern como referencia de estudo a mo- ral, na medida em que busca analisar as op<;6es feitas pelas pessoas, avaliar os costumes. Etica, em sentido amplo, pode ser entendida como 0 estudo dos juizos de valor que dizem respeito a conduta humana suscetfvel de qualifica<;ao do ponto de vista do bern e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto. A etica tern como objeto de estudo uma forma adequa- da de comportamento humano que os homens julgam valiosa, necessaria e obrigat6ria.2 Kant, no seu estudo Fundamenta<;ao da Metaffsica dos Costumes, ensina que os conteudos eticos nunca sao dados do exterior, nesse sentido, 0 que cada indivfduo tern e aforma do dever, denominada por ele de imperativo categ6rico. A moral sinaliza normas e valores que balizam a vida do indivfduo na so- ciedade. Assim, ao procurar identificar 0 que e certo e 0 errado, 0 justo e 0 in- justo, 0 bern e 0 mal, 0 indivfduo esta procurando escolher as atitudes e a<;6es mais adequadas na convivencia em sociedade ao longo de sua vida pessoal e profissional. A capacidade para analisar uma conduta etica exige que 0 indivf- duo seja uma pessoa consciente. A consciencia moral, dessa forma, e capaz de julgar 0 valor dos atos e das condutas e ter uma a<;aoque esta de acordo com os valores morais, chegando ao ponto central do assunto, que e a consciencia e a responsabilidade, condi<;6es indispensaveis para uma vida etica. TEORIA DO ESTADO DE MAQUIAVEL Observa-se na Teoria do Estado de Maquiavel que a etica do Estado se fun- da na no<;aodo bern comum. Coube a Maquiavel no seu 0 Prfncipe, elaborado a partir do estudo da polftica na Antiguidade, onde 0 poder foi frequentemente tornado, mantido e perdido (segundo os meios apontados por ele), revolucio- nar a Teoria do Estado e da Conspira<;ao, bern como criar as bases da Ciencia Polftica.3 E importante ressaltar que Maquiavel foi 0 primeiro fil6sofo a identificar a especificidade da polftica modema, distinguindo uma etica da outra; afirma que a etica moral preocupa-se com os fins enquanto a etica polftica, com os 2 SANCHEZVAZQUEZ,A. 0 objeto da etica. In: _. Etica. 13. ed. Rio de Janeiro: Civiliza<;ao Brasileira, 2005. p. 15-34. 3 MAQUIAVEL,Nicolau. 0 Principe. In: _. Conselho aos Governantes. Brasilia: Senado Fede- ral,2003. Etica e moral na Administra~ao Publica 89 meios. Assim, 0 importante na etica politica e se chegar ao poder e nele man- ter-se. As questoes morais, no ambito da politica, nao constituem criterios de decisao. Nesse sentido, ela pretende a amoralidade, ou seja, apoiar-se em crite- rios objetivos de decisao, e nao em valores; os meios prevalecem sobre os fins. Dessa forma, 0 sistema politico e racional e impessoal. SENSO E CONSCIENCIA MORAL o senso e a consciencia moral, conforme sustenta Chaui (2002), dizem respeito aos valores, sentimentos, inten<;oes, decisoes e a<;oesque se referem ao bern e ao mal, bern como ao desejo de felicidade. Dizem respeito as rela- <;oesque mantemos com os outros e, portanto, nascem e existem como parte de nossa vida intersubjetiva. Nesse sentido, 0 senso moral e a consciencia mo- ral referem-se a valores Uusti<;a,honradez, espfrito de sacrificio, integridade, generosidade), a sentimentos provocados pelos valores (admira<;ao, vergonha, culpa, remorso, amor, duvida, medo) e a decisoes que conduzem a a<;oescom consequencias para nos e para outros. Sustenta a autora que os sentimentos e as a<;oes, nascidos de uma op<;ao entre 0 bern e 0 mal, tambem estao relacio- nados a algo mais profundo e subentendido, ou seja, 0 desejo do indivfduo de afastar a dor e 0 sofrimento e de alcan<;ar a felicidade, ao receber a aprova<;ao dos outros. Nesse sentido, todo ser etico e sujeito moral, ou seja, para que 0 indivfduo possa ser etico precis a ter consciencia e responsabilidade sobre os seus atos, agindo em conformidade com a sua razao de forma ativa e sem se deixar levar pelos impulsos ou opiniao dos outros. Consciencia e responsabilidade, portan- to, sao condi<;oes indispensaveis da vida etica (CHAUI, 2004, p. 307-313).4 PONTO INICIAL DO DEBATE SOBRE ETICA E MORAL A reflexao do indivfduo na busca de responder a pergunta: "como devo agir perante os outros?" e 0 ponto inicial do debate sobre etica e moral. Assim, a principal questao da moral e da etica diz respeito a vida em sociedade, que permite que 0 ser humano conviva com outros seres humanos, tendo como re- ferencia urn conjunto de normas e valores que regem a sua conduta. 4 CHAUI, Marilena. A existencia etica. In: _. Convite afilosofia. 13. ed. Sao Paulo: Atica, 2004. p.307-313. 90 Manual de Gestao Publica Contemponl.nea • Matias-Pereira Observa-se que moral e etica, as vezes, sao palavras empregadas como si- nonimas: conjunto de principios ou padroes de conduta. Etica pode tambem significar Filosofia da Moral, portanto, urn pensamento reflexivo sobre os valo- res e as normas que regem as condutas humanas. Em outro sentido, etica pode referir-se a urn conjunto de principios e normas que urn grupo estabelece para seu exercicio profissional, traduzido nos codigos de etica de diferentes seg- mentos profissionais, como, por exemplo, advogados, medicos, engenheiros, entre outros. E perceptivel que as sociedades, com 0 passar do tempo, vao mudando os seus comportamentos e, dessa forma, tambem muda a postura dos seres huma- nos que as compoem. Observado esse fenomeno ao longo da historia da civili- za<;ao,vamos constatar que na Grecia antiga a existencia de escravos era per- feitamente legitima, ou seja, as pessoas nao eram consideradas iguais entre si, eo fato de umas nao terem liberdade era considerado normal. Na Idade Media, a tortura era considerada prcitica legitim a, seja para a extorsao de confissoes, seja como castigo. Essa pratica, na atualidade, e repudiada pela maior parcela das pes soas, alem de ser imoral. As principais diferen<;as entre etica e moral sao as seguintes: etica e prin- cipio, moral sao aspectos de condutas especificas; etica e permanente, moral e temporal; etica e universal, moral e cultural; etica e regra, moral e conduta da regra; e etica e teoria, moral e prcitica. Em sintese, a etica e uma reflexao sobre 0 comportamento humano e a moral sao os valores ou normas prciticas que orientam ou deveriam orientar a vida de uma coletividade. Deve-se ressaltar, nesse debate, que a aprecia<;ao da etica e da moral deveser realizada no contexto historico e social (MATIAS-PEREIRA,2010a). ETICA NA POLITICA Sung e Silva, no livro Conversando sobre etica e sociedade (2003), susten- tam que na passagem da sociedade tradicional para a moderna (que tern in i- cio no seculo XV) opera-se uma ruptura entre moral e politica. Nas sociedades tradicionais, os sistemas de valores, advindos dos principios morais-religiosos, orientavam 0 comportamento do individuo em todos os aspectos de sua vida social: no economico, artistico, politico etc. Com a modernidade, intervem "0 processo de racionaliza<;ao, que substitui pelo metodo cientifico as antigas ex- plica<;oes religiosas de todas as esferas da vida social. A racionalidade da era Etica e moral na Administra~ao Publica 91 moderna naO se preocupa com a moralidade dos fins, mas com a eficacia dos meios para alcan<;a-los. A etica moral cede, entao, 0 lugar a etica polftica". Partindo do entendimento de que 0 Estado deve existir para atender a sociedade civil, e nao 0 contrario, a etica na politica representa urn aperfei- <;oamento do sistema politico. Ela contribui para aumentar a participa<;ao e o controle da sociedade civil sobre 0 Estado e os governantes. Nesse sentido, pode-se argumentar que as transforma<;oes em curso na atualidade sinalizam que 0 controle da sociedade sobre a administra<;ao publica sera cada vez mais intenso. Nesse contexto, torna-se relevante recordar Guerreiro Ramos (1961, p. 42 e 46),5 que destaca que somente na segunda metade do seculo XXe que ocorre o amadurecimento da sociedade brasileira eo nascimento do povo: o cardinal fato politico da vida brasileira nos dias de hoje e a existencia do povo. Esta nova realidade sociol6gica necessaria mente impoe a reorganiza~ao social e politica do Pals, apta a dar forma aos impulsos da nova sociedade que se consti- tuiu [. .. J A tomada de consciencia de que 0 povo e a novidade radical do Brasil na presente epoca constitui requisito imprescindivel, do ponto de vista te6rico e pratico. EFEITOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NA ETICA E NA MORAL Os individuos, no mundo contemporaneo, vivem sob a egide da denomi- nada sociedade tecnologica ou do conhecimento. As transforma<;oes que estao em curso tambem estao refletindo na etica, que come<;a a apresentar algumas caracteristicas especificas, nao mais apoiadas apenas na obediencia obrigatoria a moral que orientou a era moderna. Questiona-se com frequencia, na atua- lidade, sobre a figura do agente consciente, essencial a etica, num contexto onde prevalecem as tecnologias de comunica<;ao e informa<;oes de ponta (em particular a Internet), e da maneira de viver e de posicionar-se do individuo, se adaptando e interagindo cada vez mais com a maquina. o desejo do individuo de relacionar-se com pessoas com as quais se tern afinidades sempre foi uma constante ao longo da historia da humanidade. No mundo atual, entre tanto, esses comportamentos e valores come<;am a ser alte- rados de forma significativa, com 0 surgimento da sociedade do conhecimento 5 RAMOS, Alberto Guerreiro. A crise do poder no Brasil: problemas da revolu<;ao nacional brasi- leira. Rio de Janeiro: Zahar, 1961. Veja, tambem, do mesmo autor: A redufuo sociol6gica. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. 92 Manual de Gestao Publica Contemporfmea • Matias-Pereira ou tecnologica. Ela esta contribuindo para 0 aparecimento de microidentida- des e de codigos morais especificos, visto que tornou possivel que as pesso- as se relacionem com quem se compartilha os mesmos interesses, feito por meio de uma comunica<;ao dialogica, sem a necessidade de sair de seu proprio ambiente. Essa mane ira diferenciada de relacionar-se tende a levar 0 individuo a valorizar as pessoas com quem tern mais afinidades, mesmo que estejam geo- graficamente distantes, bern como a desconsiderar aquelas que estao mais pro- ximas, com as quais nao possui interesses em comurn, na forma de pensar e de comportar-se. Sustentamos, com base nesse cenario - que ja possui formas especificas de convivencia, tendo como protagonista 0 "cidadao virtual flexi- vel" -, sobre a necessidade de se aprofundar 0 debate nos ambitos da acade- mia e da sociedade organizada, sobre a questao da etica e da moral nessa nova sociedade, que esta sendo afetada de forma irreversivel pelo uso intensivo das novas tecnologias e ferramentas de comunica<;oes. Essas mudan<;as no com- portamento etico e moral da sociedade tambem estao impactando no funcio- namento da administra<;ao publica e exigindo uma nova postura na forma de atuar dos gestores publicos. ETICA, GESTAO PlJBLICA E CIDADANIA A etica - ace ita como conjunto de principios que direcionam 0 agir do ho- mem - apresenta, quando estudada no ambito da gestao publica, uma interli- ga<;ao,profunda, com a rela<;ao entre Estado e sociedade. Notadamente, quan- to ao exercicio da cidadania. E. Kant, teo rico classico do pensamento politico (final do seculo XVIII), identificava algumas caracteristicas basicas de urn cidadao. A primeira dessas caracteristicas e a autonomia. Os cidadaos tern de ter capacidade de conduzir- -se segundo 0 seu proprio arbitrio. A segunda e a igualdade perante a lei. E a terceira e a independencia, ou seja, a capacidade de sustentar-se a si proprio. A simples observa<;ao dessas tres caracterfsticas citadas por Kant dificilmente permitiria identificar urn numero expressivo de cidadaos que as atendesse. Para John Stuart Mill (1977, p. 406),6 os cidadaos podiam ser divididos em duas categorias: os ativos e os passivos. Para aquele autor, os governantes, em muitos casos, preferem os cidadaos passivos, embora a democracia neces- 6 MILL,J. S. Consideration on representative government, in Collected papers of John Stuart Mill. London: University of Toronto Press, Routledge and Kegan Paul, 1977. v. XIX. Etica e moral na Administra~ao Pl.bJica 93 site dos cidadaos ativos, sobretudo a democracia que tern a regra da maioria como uma de suas regras fundamentais. Seu pressuposto e a participa<;ao ati- va. Nao havendo participa<;ao ativa, sera desvirtuada a regra da maioria. Nes- se caso, uma minoria passa a tomar as decisoes. A absten<;ao nao e condizente com regime democratico consolidado e cidadania efetiva. E importante ressaltar que existem duas dimensoes do conceito de cidada- nia. A prime ira dimensao esta relacionada e deriva da experiencia dos movi- mentos sociais, ou seja, as lutas por direitos. Nesses embates esta encampado o conceito classico de cidadania, que e a titularidade de direitos. Agrega-se a essa experiencia dos movimentos socia is uma enfase mais ampla na consoli- da<;ao da democracia. Nesse sentido, a constru<;ao da cidadania sinaliza para a estrutura<;ao e a difusao de uma conduta democratica. A segunda dimensao, alem da titularidade de direitos, deriva do republicanismo classico, enfatizan- do a preocupa<;ao com a coisa publica, com a res publica. Nesse sentido, argumenta Prats i Catala (2006, p. 86):7 "Para encontrar la etica especifica que requiere la buena polftica es necesario reconocer la polftica como un oJicio, como una funci6n socialmente necesaria, quizas la mas importante y dificil de todas. Es necesario salir del menosprecio idiota de la po/{tica (los griegos consideraban 'idiota' al que se ausenta de los intereses de la ciudad, no se in teresa y no participa en la polis) para repolitizar la sociedad, reencantarla y poder asi reinventar y reformar la po/{tica, es decir, superar las malas politicas que hoy bloquean el desarrollo e ir instalando las buenas politicas que el desarrollo humano requiere. Hay que redescubrir el oJicio de la po/{tica en la linea iniciada par los grandes pensadores republicanos que tanto insistieron en las 'virtudes publicas' conectadas pero distintas de las virtu- des privadas. " PROMOGAO DA ETICA NAS ORGANIZA<;OES A promo<;ao da etica nas organiza<;oes nao e uma tarefa facil. Esse esfor<;o exige 0 fortalecimento institucional e 0 estabelecimento de urn padrao etico efetivo. Nesse sentido, contar com uma adequada "infraestruturaetica" (BER- TOK, 2000) e a base para 0 desenvolvimento de urn programa de promo<;ao da etica eficaz, que pressupoe transparencia e accountability e envolve: 7 PRATSI CATALA,Joan. Etica para politicos. In: PRATSI CATALA,Joan (Coord.). A los prlncipes republicanos. Madrid: Instituto Nacional de Administracion Publica, 2006, p. 86-89. 94 Manual de Gestao Publica Contemporilnea • Matias-Pereira • GestaO: cria<;ao de condi<;oes solidas para 0 servi<;opublico, por meio de uma politic a efetiva de recursos humanos que contemple uma ins- tancia central voltada para a etica. • Orienta<;ao: engajamento das lideran<;as, codigos que exprimam va- lores e padroes e socializa<;ao profissional, por meio de educa<;ao e treinamento. • Controle: quadro normativo que garanta a independencia dos proce- dimentos de investiga<;ao e processo, presta<;ao de contas e envolvi- mento do publico. E perceptivel que a defini<;ao de padrao etico efetivo faz parte de urn mo- vimento internacional para garantir a confian<;a das pessoas nas institui<;oes e dar seguran<;a aos seus quadros para que possam exercer suas fun<;oes em toda a sua plenitude. Verifica-se que, num ambiente mais transparente e numa sociedade cad a vez mais ciosa do respeito a uma conduta estritamente etica, muitos profissionais procuram nao tomar certas decisoes ou empreender cer- tas a<;6essimples mente porque tern duvidas se serao questionadas quanta ao aspecto etico. CARACTERISTICAS DA GESTAO ETICA A expressao gestCio etica, especialmente apos a promulga<;ao da Constitui- <;aoFederal de 1988, passou a ser utilizada com muita intensidade na adminis- tra<;ao publica brasileira. A Carta Magna do Brasil deu enorme relevancia no seu texto aos valores eticos e morais da boa conduta na administra<;ao publica, refor<;ando, em particular, a exigencia do cumprimento dos princfpios da lega- lidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiencia. Em que pesem a diversidade cultural e as diferen<;as de carater politico e administrativo, torna-se possivel identificar algumas caracteristicas basicas que constituem a essencia da gestao da etica, que tern por objetivo 0 estabele- cimento de urn padrao etico efetivo. A gestao da etica transita em urn eixo bern definido, constitufdo por: • Valores eticos: representam a expectativa da sociedade quanta a con- duta dos agentes publicos. Etica e moral na Administra~ao Publica 95 • Normas de conduta: e 0 desdobramento dos valores, funcionando como urn caminho prcitico para que os valores explicitados sejam observados. • Administra<;ao· tern 0 objetivo zelar pelos valores e pelas normas de conduta, assegurando sua efetividade. ETICA E TRANSPARENCIA NA ADMINISTRAGAO PUBLICA A retomada da preocupa<;ao com a etica publica surgiu com a enfase dada na agenda politica das na<;oespelos efeitos perversos que resultam da sua falta, deixando de ser vista apenas como urn problema moral e passando a ser per- cebida como amea<;a a ordem economica, a organiza<;ao administrativa e ao proprio Estado de Direito. A gera<;ao de medidas para a promo<;ao da etica exige medidas e inves- timentos para 0 fortalecimento institucional e moderniza<;ao e 0 combate a corrup<;ao, de forma a se garantir capacidade de gera<;ao de resultados, assim como a reversao da sensa<;ao de impunidade que ainda subsiste na popula<;ao. Mas nem 0 fortalecimento institucional, nem as san<;oes aplicadas aos casos de corrup<;ao se demonstram suficientes para assegurar a confian<;a das pessoas e a seguran<;a dos funcionarios a respeito dos valores eticos e do que pode ou nao pode ser feito em materia de conduta individual. Assim, 0 objetivo da gestao da etica visa a defini<;ao de padroes eticos de conduta nas organiza<;oes, de tal forma que nao deixe nenhuma duvida quanta a conduta que se espera em situa<;oes especificas. Nessa trajetoria bern defini- da encontram-se sedimentados os valores, regras de conduta e administra<;ao. A defini<;ao de normas de conduta como meio prcitico para que os valores eticos sejam respeitados representa a objetiva<;ao do relacionamento do fun- cionario com suas partes. Contar com urn aparato de administra<;ao para dar efetividade a valores e regras de conduta significa 0 reconhecimento de que a solu<;ao de dilemas eticos exige mais do que boa forma<;ao e bom-senso dos funcionarios. Essa nova conduta requer 0 estabelecimento de padrao transpa- rente e previsfvel. Observa-se, de forma geral, que a grande maioria das administra<;5es publi- cas dos paises no mundo tern modelos de gestao da etica composta por urn am- plo elenco de regras de conduta cuja inobservancia, em muitos casos, configura crime. Na maioria dos pafses da regiao da America Latina, inclusive no Bra- sil, coexiste uma multiplicidade de orgaos com responsabilidades por zelar por 96 Manual de Gestao Publica Contemporanea • Matias-Pereira essas normas. Normas e entidades com responsabilidade variam conforme a es- fera de poder e 0 nivel de governo. E perceptivel que e bastante elevado 0 nivel de ineficiencia, ineficacia e falta de efetividade do referido modelo, que se apre- senta complexo, incongruente e descoordenado (MATIAS-PEREIRA,2010a). CUSTOS DA FALTA DE ETICA NA GOVERNANGA Para diferentes auto res, como, por exemplo, Nolan (1995), a etica foi re- colocad a na agenda menos por seus aspectos beneficos do que pelos efeitos perversos que resultam da sua falta. A falta de etica compromete a capacidade de governan<;a e representa risco a sobrevivencia das organiza<;oes, publicas e privadas. Nesse sentido, 0 acesso a informa<;ao foi aumentado e democratiza- do, os negocios se tornaram mais visiveis, passando a ser acompanhados mais de perto pela sociedade. Os governos tornaram-se grandes ediffcios de vidro transparente (PIQUET, 2000). Se a sociedade desconfia da integridade dos ad- ministradores publicos e dos politicos em geral, nao adianta tentar convence-Ia de que esta errada (NOLAN, 1995). Por sua vez, esta evidenciado que a falta de etica e a corrup<;ao existem em grande escala e os meios convencionais de repressao legal na maior parte do mundo tern apresentado resultados insatisfatorios. Registre-se que a teoria eco- nomica nem sempre reconheceu a motiva<;ao etica como urn fator importante na decisao dos agentes economicos (SEN, 2000). Houve, por urn determinado tempo, a cren<;a de que prciticas nao eticas poderiam funcionar como 0 "azei- te necessario para fazer mover engrenagens emperradas", resultado prcitico da controversia sobre os efeitos economicos da corrup<;ao (HUNTINGTON, 1968). Essa fase, entretanto, esta sendo superada, verificando-se que a importan- cia da etica para a efetividade dos contratos, assim como para a boa governan- <;apublica e corporativa, vern ganhando espa<;o (KAUFMANN,2003, MATIAS- -PEREIRA, 2010a, 2010c). Essa mudan<;a de comportamento, em termos de urn clima etico nas organiza<;oes, vern ocorrendo nos ultimos anos, sobretudo apos os recentes escandalos envolvendo grandes empresas transnacionais com Enron, WorldCom, Arthur Andersen e Parmalat, entre outras. BOAS PMTICAS EM GESTAO DA ETICA • Revela<;ao de interesses: as areas que cuidam de gestao da etica con- tam com declara<;oes nas quais os servidores revelam situa<;oes que Etica e moral na Administra~ao Publica 97 efetiva ou potencialmente podem suscitar conflitos de interesses com o exercicio da fun<;ao publica. A partir dessa "autorrevela<;ao", e im- portante identificar medidas para prevenir tais conflitos. • Enfase nos aspectos de comunica<;ao, orienta<;ao e capacita<;ao: em grande parte das vezes 0 desvio etico nao resulta de nenhum objeti- vo premeditado de transgredir as normas de conduta, mas de simples desconhecimento ou despreparo quanta a sua aplica<;ao a situa<;oes reais do dia a dia, daf a importancia de uma comunica<;ao efetiva das normas, canais de orienta<;ao que funcionem e programas de capaci- ta<;ao e treinamento sistematicos. • Avalia<;ao: e importante que as areas de gestao da etica contem com indicadores que permitam aferir os resultadosdos trabalhos desenvolvidos. COMPORTAMENTO ETICO NO SERVIGO PlJBLICO A falta de etica nao distingue pafses ou organiza<;oes. Reconhecer esse pro- blema, ao inves de fingir que ele nao existe, representa sinal de maturidade, que da lugar a discus sao sobre 0 que pode e deve ser feito para promover a etica. Ainda que exista uma relativa unanimidade em torno do objetivo da pro- mo<;aoda etica, esse consenso se esvai quando a questao se coloca na defini<;ao de urn modelo e na implementa<;ao de a<;6es que se demonstrem suficientes para 0 alcance do objetivo definido. Registre-se que essa controversia nao decorre de uma postura contraria a etica. A sua motiva<;ao e resultado, em grande parte, das manifesta<;oes dos autores e especialistas comprometidos e conscientes da importancia da etica e dos reflexos negativos que sua falta provoca no servi<;opublico. As a<;oes de promo<;ao da etica tendem a ser vistas em boa parte como a<;oesdirecionadas a organiza<;oes corruptas e indivfduos sem etica. Observa- -se que essas a<;oes, na maioria das vezes, sao denominadas como programas ou a<;oesde combate a corrup<;ao. Assim, de modo geral, prevalece esta per- cep<;aodistorcida de que a implementa<;ao de a<;oesde combate a corrup<;ao e feita apenas para organiza<;oes e indivfduos que nao tern etica. Nesse sentido, torna-se importante destacar que os programas de promo- <;aoda etica pressupoem fortalecimento da capacidade de governan<;a publi- ca e corporativa, mas, tambem, 0 estabelecimento de urn padrao etico efetivo em materia de conduta. De urn lado, a cria<;ao das condi<;oes necessarias ao 98 Manual de Gestao Publica Contemponl.nea • Matias-Pereira cumprimento da missao organizacional. De outro, 0 estabelecimento de forma transparente das regras de conduta que devem ser observadas. o fortalecimento institucional, por sua vez, nao tern se revelado suficiente para garantir a confian<;a das pessoas externas a organiza<;ao e para dar segu- ran<;aa seus funcionarios sobre os limites que devem ser observados na condu- ta individual. E nesse contexto que se revel a necessaria a gestao da etica. GESTAO DA ETICA A gestao da etica percorre uma trilha bern definida em que se encontram valores eticos, regras de conduta e administra<;ao. As regras de conduta devem espelhar os valores de forma mais simples e funcionar como urn referencial prcitico para assegurar que eles, os valores, estejam sendo levados em conside- ra<;ao.Constata-se que nem sempre observar valores eticos na prcitica cotidiana se revela tao simples quando se desejaria. A administra<;ao tern a responsabili- dade de zelar pela efetividade das regras e valores. Definir regras de conduta em uma sociedade em que prevalecem as rela- <;oespessoais e de parentesco nao e uma tarefa facil. Administrar etica tambem configura-se como outro grande desafio. Essa tarefa representa transferir a so- lu<;aode certos dilemas eticos do foro intimo para 0 foro publico e 0 reconheci- mento de que somente forma<;ao e bom-senso, ainda que imprescindiveis, nao sao bastantes para garantir padrao etico adequado nas organiza<;oes. ATIVIDADE GOVERNAMENTAL E DESVIO ETICO A a<;aogovernamental impacta forte mente - de forma positiva ou negativa - sobre a vida dos cidadaos. A rela<;ao que existe entre a administra<;ao e 0 ad- ministrado pode ser traduzida em termos monetarios ou nao. Em geral, a a<;ao dos orgaos governamentais tende a causar prejuizos ou lucros economico-finan- ceiros para 0 setor privado. Por sua vez, os orgaos de governo possuem infinitas atribui<;oes, prerrogativas e or<;amentos. Entre esses orgaos existem alguns que interagem pouco com 0 setor privado. Entretanto, outros tern urn significativo poder sobre os negocios das empresas e a vida dos cidadaos. Assim, verifica-se que a dimensao do poder do orgao de governo sobre 0 setor privado e determi- nante para elevar a possibilidade de risco da ocorrencia de relacionamentos ile- gitimos entre os representantes do poder publico e os do setor privado. o desvio etico pode ser motivado pela "pressao" ou pela "tenta<;ao". No primeiro caso, 0 servidor sucumbe a ordens ilegais ou ilegitimas de seus Etica e moral na Administra~ao Publica 99 superiores ou a pedidos de agentes privados poderosos. Ele age assim com vis- tas a preservar-se no cargo que ocupa. Abstraindo-se das questoes relacionadas ao status do cargo ou ao grau de engajamento politico-partidario do servidor, ele busca manter seu salario ou suas gratifica<;6es extras. Trata-se, portanto, de uma postura "passiva", na qual o servidor apenas mantem as vanta gens do cargo, nada ganhando extraordi- nariamente pela conduta ilfcita ou ilegitima. Deixando de lado as eventuais re- percussoes administrativas e criminais, em termos estritamente monetarios, 0 servidor sera tao mais suscetivel a "pressao" quanta maior a perda potencial de rendimentos no caso de ser destituido do cargo. Assim, a dissemina<;ao ampla e regular da informa<;ao tem-se mostrado urn instrumento poderoso para assegurar confian<;a e accountability. Entretanto, 0 sigilo nas esferas governamentais, bern como no setor privado, ainda persiste em muitos pafses. A intensifica<;ao da pressao e a demanda por acesso a infor- ma<;ao atraves de movimentos de cidadania e organiza<;oes da sociedade civil refletem a preocupa<;ao da sociedade com a corrup<;ao. Portanto, e necessario que se bus que 0 equilibrio entre a obriga<;ao de divulgar a informa<;ao e 0 grau de prote<;ao que the deve ser atribuido. RESUMO DO CAPITULO 6 Sao debatidas no Capitulo 6 as questoes relevantes da etica e da moral na administra<;ao publica. • Etica, num sentido amplo, pode ser entendida como 0 estudo dos juf- zos de valores que dizem respeito a conduta humana suscetfvel de qualifica<;ao do ponto de vista do bern e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto. • As principais diferen<;as entre etica e moral sao: etica e principio, mo- ral sao aspectos de condutas especificas; etica e permanente, moral e temporal; etica e universal, moral e cultural; etica e regra, moral e conduta da regra; e etica e teoria, moral e prcitica. • 0 desejo do individuo de relacionar-se com pessoas com as quais se tern afinidades sempre foi uma constante ao longo da historia da hu- manidade. No mundo atual, esses comportamentos e valores come<;am a ser alterados de forma significativa, com 0 surgimento da sociedade do conhecimento ou tecnologica. Essas mudan<;as no comportamento etico e moral da sociedade estao impactando no funcionamento da 100 Manual de Gestao Publica Contemporanea • Matias-Pereira administra<;ao publica e exigindo uma nova postura na forma de atuar dos gestores publicos. • A falta de etica compromete a capacidade de governan<;a e represen- ta risco a sobrevivencia das organiza<;oes, publicas e privadas. Nesse sentido, 0 acesso a informa<;ao foi aumentado e democratizado, os ne- gocios se tornaram mais visfveis, passando a ser acompanhados mais de perto pela sociedade. • A falta de etica e a corrup<;ao existem em grande escala e os meios convencionais de repressao legal na maior parte do mundo tern apre- sentado resultados insatisfatorios. • A falta de etica nao distingue pafses ou organiza<;oes. Reconhecer esse problema, ao inves de esconde-Io sob 0 tapete, representa sinal de maturidade, que da lugar a discussao sobre 0 que pode e deve ser feito para promover a etica. • A gestao da etica transita em uma trilha bern definida onde se encon- tram valores eticos, regras de conduta e administra<;ao. As regras de conduta devem traduzir os valores de forma mais simples e funcionar como urn roteiro prcitico para assegurar que eles, os valores, estejam sendo levados em conta. • 0 desvio etico pode ser motivado pela "pressao" ou pela "tenta<;ao". No primeiro caso, 0 servidor sucumbe a ordens ilegais ou ilegftimas de seus superiores ou a pedidos de agentes privados poderosos. Ele age assim com vistas a preservar-se no cargo que ocupa. • A dissemina<;ao ampla e regular da informa<;ao tem-semostrado urn instrumento poderoso para assegurar confian<;a e accountability. En- tretanto, 0 sigilo nas esferas governamentais, bern como no setor pri- vado, ainda persiste em muitos paises. • A intensifica<;ao da pressao e a demanda por acesso a informa<;ao atraves de movimentos de cidadania e organiza<;oes da sociedade ci- vil refletem a preocupa<;ao da sociedade com a corrup<;ao. Portanto, e necessario que se busque 0 equilibrio entre a obriga<;ao de divulgar a informa<;ao e 0 grau de prote<;ao que the deve ser atribuido. TAREFA REFERENTE AO CAPITULO 6 Apos as leituras e os contatos com colegas e 0 professor da disciplina, ela- bore uma reflexao pessoal sobre sua experiencia previa a respeito da afirma<;ao
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