Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
USO, MANEJO E CONSERVAÇÃO DO SOLO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Definir a importância da conservação dos solos. > Reconhecer os aspectos econômicos, sociais e ambientais ligados ao manejo e à conservação dos solos. > Descrever a situação da conservação dos solos no Brasil. Introdução Ao longo da história, o solo desempenhou um importante papel. Seja no estabe- lecimento das moradias ou como habitat para os mais diversos microrganismos, importantes para a sobrevivência da espécie humana. O solo é a base principal para a produção de alimentos, e ao encontrarem locais com maior fertilidade natural e com melhores condições de conservação do solo, pequenos grupos se estabeleceram e hoje formam a sociedade como a conhecemos (BERTONI; LOMBARDI, 2014). Dada sua essencialidade em nossa vida, você deve estar se perguntando como podemos agir para manter esse recurso natural tão importante. Essa conscientização relacionada aos cuidados com o solo infelizmente não é unâ- nime, e, por isso, se faz ainda mais necessário difundir as informações sobre o uso, o manejo e a conservação do solo. Introdução ao uso, manejo e conservação do solo Samara Alves Testoni Neste capítulo, você vai estudar sobre a importância da conservação do solo através das gerações e sobre como as práticas de manejo e conservação podem impactar diretamente na manutenção da vida de animais, microrganismos e seres humanos. Esses impactos estão ligados à sociedade, ao meio ambiente, à economia e à toda a evolução da vida. Importância da conservação dos solos A conservação dos solos está diretamente relacionada à vida no planeta. Sabe-se que diversas são as ações humanas, ditas antrópicas, causadoras de impactos ambientais das mais variadas magnitudes. Apesar de a erosão do solo ser, por via de regra, um processo natural, é importante você compreen- der que as ações antrópicas podem acelerá-lo, conduzindo ao desequilíbrio ecológico e ambiental. Além desses fatores mencionados, o processo de erosão contínuo pode ocasionar uma queda gradativa do potencial produtivo do solo, ao interferir em suas propriedades físicas, químicas e biológicas, intensificando ainda mais sua degradação (GUERRA; JORGE, 2013). Para se ter uma ideia da importância da conservação do solo, de acordo com dados apresentados pela Organização das Nações Unidas para a Ali- mentação e a Agricultura (FAO), a cada ano são perdidas aproximadamente 20 bilhões de toneladas de solos no mundo em razão de processos (BERTOL; DE MARIA; SOUZA, 2019). Esse valor é tão alto, que equivaleria a mais de três toneladas de solo perdidas por pessoa. Nesse solo perdido estão contidos todos os nutrientes adubados na lavoura, o calcário adicionado, herbicidas, inseticidas, sementes e outros insumos arcados pelo produtor. Contudo, vale destacar que não são apenas as perdas econômicas que devem ser contabilizadas aqui, pois o meio ambiente também é muito preju- dicado com o excesso de moléculas de herbicidas, inseticidas e outros e de nutrientes na água de rios, lençóis freáticos e mananciais, o qual pode gerar inúmeros impactos; dentre os mais conhecidos, há a eutrofização (excesso de fósforo na água, responsável pela produção de algas em demasia, que torna os rios verdes e com ausência de oxigênio e insolação, comprometendo a vida aquática). Na Figura 1, você poderá observar um corpo aquático com excesso de nutrientes sob eutrofização. Introdução ao uso, manejo e conservação do solo2 Figura 1. Eutrofização de corpos aquáticos. Fonte: Ética Ambiental (2020, documento on-line). Imagine você, como futuro profissional, analisando uma área agrícola com processos de erosão ocorrendo. De acordo com Bertoni e Lombardi (2008), ao avaliar esses processos de degradação, será possível ter uma noção da qualidade da água e do solo da propriedade agrícola, pois a erosão atuará como um indicador do uso e do manejo desses recursos naturais. A exemplo, o assoreamento dos rios consiste em uma das principais consequências resul- tantes da erosão hídrica, em que corpos hídricos e cursos d’água podem ser negativamente afetados em função do acúmulo de sedimentos. Esse acúmulo de sedimentos, por sua vez, ocasiona excesso de resíduos nos leitos dos rios, podendo prejudicar a vida aquática, comprometer a navegabilidade do rio e o seu aproveitamento. Diante do problema, é possível adotar práticas conservacionistas que visem à recuperação da área degradada. Algumas dessas práticas são ampla- mente utilizadas, como a adoção do sistema de plantio direto, o terraceamento em áreas altamente propensas à erosão, o cultivo em nível, a rotação de culturas, o incremento na cobertura vegetal disposta na camada superficial do solo, a adoção de sistemas integrados de produção, como é o caso do sistema de integração lavoura-pecuária, e os sistemas agroflorestais, dentre outras práticas. Introdução ao uso, manejo e conservação do solo 3 É importante lembrar que a adoção dessas práticas requer investimento de tempo e de capital, pois recuperar um solo em processo de degradação é mais difícil do que mantê-lo em condições ideais de cultivo. Por isso, é preciso realizar um estudo de custo-benefício antes do início da recuperação de uma área degradada, com o uso de metodologias sociais e econômicas, por exemplo. Essas metodologias podem auxiliar na definição das perdas geradas pelo processo de erosão do solo, conferindo a elas valores, isto é, monetizando os danos gerados. Além dessa análise, é possível prever também quais objetivos e benefícios serão alcançados mediante a adoção de práticas conservacionistas e de serviços ecossistêmicos (GUERRA; JORGE, 2013). Segundo Corrêa (2007), a recuperação de algumas áreas degradadas pode custar entre R$ 500,00 e R$ 15.000,00 por hectare recuperado. É importante se atentar a aspectos econômicos, pois, na prática, o pro- dutor rural necessita visualizar as vantagens econômicas da adoção de um manejo sustentável ao solo, pois a sustentabilidade de todas as práticas de recuperação está diretamente ligada a aspectos ambientais (BERTOL; DE MARIA; SOUZA, 2019). Quando se fala em conservação do solo, é ideal que você recorde que conservar esse recurso implica, automaticamente, conservar outros recursos nele contidos, os quais são essenciais ao crescimento e ao desenvolvimento de plantas. Quais são esses recursos tão importantes? A água presente no solo, na forma de solução do solo (com nutrientes e gases dissolvidos), a matéria orgânica e os nutrientes liberados naturalmente pelo solo ou aqueles ofertados pela correção e adubação da área agrícola. Sem esses recursos, as plantas não terão condições de completar seu ciclo adequadamente e, invariavelmente, terão a produtividade reduzida (PRUSKI, 2009). A importância da conservação dos solos reside não apenas nos aspectos ambientais e sustentáveis, mas na manutenção da vida no planeta, pois a maior parte de nossos alimentos depende diretamente do solo e de que este se encontre em níveis de qualidade desejados. Além dessa importância, o solo também apresenta outras funções vitais ao planeta, as quais podem ser denominadas serviços ambientais e encontram-se detalhadas na Figura 2. Introdução ao uso, manejo e conservação do solo4 Figura 2. Funções do solo. Fonte: Dias (2017, documento on-line). Quantas funções o sistema do solo exerce, não é mesmo? Agora fica mais fácil compreender a importância de conservarmos esse recurso natural, diante da sua essencialidade no planeta. Por isso, é preciso conservar o solo, visando à recuperação e à manutenção de seus atributos físicos, químicos e biológicos, que possam atender a todas as demandas do sistema produtivo agrícola e à sustentabilidade do solo, mantendo-o produtivo para as futuras gerações. Outra importante função do solo é a de participar da elucidação de investigações criminais. As características físicas, químicas e bioló- gicas do solo o tornam único e singular em cada ambiente onde é encontrado,e uma vez que esteja aderido a um objeto, como ferramentas, roupas, calçados, rodados de veículos, entre outros, poderá ser relacionado à uma pessoa ou à uma cena de crime. É possível realizar análises laboratoriais que indiquem a procedência do solo, e, assim, pode-se estabelecer uma sequência de locais onde o suspeito do crime esteve e contribuir para as investigações criminais. Introdução ao uso, manejo e conservação do solo 5 Todas as práticas de conservação do solo apresentam como objetivo central a sua proteção, visando à redução e à ausência de processos erosivos, contribuindo, assim, para o incremento da disponibilidade de nutrientes e de água, além de propiciar diversas melhoras na sua atividade microbiana. Para que se alcance esses objetivos, é preciso ter em mente que a recuperação de um solo degradado se trata de um processo construtivo, isto é, sendo o solo um sistema aberto, complexo (composto por fase sólida orgânica e mineral, fase líquida referente à solução do solo e fase gasosa, onde concentra-se o ar do solo) e contínuo nas mais diversas paisagens, não é possível obter resultados em curto prazo. O reequilíbrio e a transformação do sistema consistem em processos lentos, os quais demandam tempo, resiliência e consolidação das novas práticas de recuperação (LEPSCH et al., 2015). Para que a qualidade do solo seja preconizada e mantida no que diz respeito à sua conservação, deve-se reduzir o máximo possível seu revolvimento, pois o solo revolvido e solto estará muito mais propenso à erosão. Adicionalmente, o revolvimento incorpora os restos culturais no solo, retirando-os da camada superficial, onde atuam como barreiras físicas ao impacto da gota da chuva, protegendo as partículas e criando dificuldades para o processo erosivo atuar e ganhar força na área agrícola (BERTONI; LOMBARDI NETO, 2014). Para evitar o revolvimento e a desagregação do solo, é altamente reco- mendável implantar o sistema de plantio direto ou de preparo mínimo do solo, evitando a mobilização de seus agregados e partículas. Além disso, a realização de rotação de culturas com possível aumento do aporte de resíduos vegetais no sistema também contribuirá para a proteção do solo (SANTOS; REIS, 2001). Agora que você já sabe da importância da conservação dos solos, lembre-se de que esse recurso natural consiste na base para a nossa vida e a de outras espécies animais e vegetais do planeta. Além disso, a perda ou a redução de suas funções representa um grande custo para a sociedade e para o meio ambiente, por isso, é essencial manejarmos e conservarmos esse recurso. Aspectos do manejo e da conservação dos solos Aspectos econômicos Vivemos em um mundo cercado de facilidades tecnológicas, nas mais diversas áreas do setor produtivo. Muitas dessas tecnologias puderam ser aplicadas Introdução ao uso, manejo e conservação do solo6 com sucesso no campo, trazendo inúmeros benefícios ao produtor rural e à so- ciedade em geral. Um dos exemplos mais marcantes na atualidade é justamente a agricultura de precisão, que, além de promover maiores produtividades, contribui para a sustentabilidade, sobretudo no que diz respeito à economia de insumos e ao seu uso pontual. Entretanto, nem a tecnologia, nem a extração do valor da lavoura são gratuitos; embora sejam plenamente possíveis, nem sempre são economicamente viáveis. A exemplo, para a execução de práticas de conservação dos solos que, porventura, estavam degradados em função da erosão, mesmo adotando-se tecnologias e investindo-se o máximo que se possa, há casos em que o processo de degradação foi tão intenso ao ponto de exaurir o solo de forma irreversível, tornando-o improdutivo (BERTONI; LOMBARDI NETO, 2008). Há algumas décadas, algumas áreas do Cerrado brasileiro eram con- sideradas improdutivas. Essa realidade mudou com o uso adequado de práticas de manejo do solo, que foram testadas em diversos institutos de pesquisa, fornecendo ao solo insumos necessários à sua produção (adição de calcários para correção da acidez e de adubos, principalmente nitrogenados, fosfatados e potássicos). As inovações e práticas inseridas pelo homem podem tanto contribuir com a produtividade do solo como finalizá-la, depauperando o solo ao extremo. Nesse contexto, a conservação do solo pode ser analisada economicamente, incluindo um investimento de capital que possa manter e elevar a capacidade produtiva do solo, reduzir o máximo possível sua degradação e contribuir para seu potencial de gerar lucros. De acordo com Bertol, De Maria e Souza (2019), a geração de lucros, por sua vez, é possível quando associamos o uso do solo ao trabalho do homem e ao capital nele investido. Quando se fala em lucros, é importante lembrar que todas as funções e serviços ambientais mencionados na Figura 2 apresentam valores embutidos, e esses valores, por sua vez, podem ser calculados por meio da atribuição dada ao solo, em razão de seu uso ou de seu usufruto como recurso natural disponível no ambiente. Nesse sentido, é preciso, com base em uma análise econômica sistêmica, integrar o sistema produtivo ao ambiente onde o solo está inserido e associar aspectos não apenas econômicos, mas sociais e ambientais, a esse sistema (PRADO; TURETTA; ANDRADE, 2010). Introdução ao uso, manejo e conservação do solo 7 Todos os investimentos realizados em uma determinada área com potencial produtivo irão gerar resultados dentro de alguns anos. Há um período necessá- rio ao reequilíbrio do sistema agrícola como um todo, pois, além do solo, nele estão contidos milhões de microrganismos, assim como as plantas e restos culturais, os quais também fazem parte do solo e necessitam se reorganizar após um período de degradação ou de interferência. Bertol, De Maria e Souza (2019), afirmam que a capacidade que um determinado solo tem de retornar ao seu estado anterior à interferência é denominada resiliência do sistema e está diretamente associada à magnitude da interferência realizada, visto que, em alguns casos, o retorno ao estado anterior não é possível em razão de impactos irreversíveis que possam ter ocorrido. Para você lembrar como os aspectos econômicos do manejo e da conser- vação dos solos são importantes, alguns fatores serão destacados. Após o período de recuperação, e com a retomada do potencial produtivo, o sistema do solo estará em condições adequadas para retornar todo o capital investido, por meio da produção agrícola em tetos de produtividade ainda maiores; por meio de pastagens mais produtivas, que por sua vez irão contribuir diretamente nas atividades pecuárias; e por meio do incremento de matéria orgânica e de resíduos culturais (Figura 3), que irão proteger a camada superficial do solo, conferindo maior capacidade de armazenamento e manutenção de água, nutrientes e outros compostos no solo (PRIMAVESI, 2002). Figura 3. Solo com boas práticas de manejo e investimento econômico. Fonte: Sistema FAEB/SENAR (2017, documento on-line). Introdução ao uso, manejo e conservação do solo8 Aspectos sociais Os aspectos sociais do manejo e da conservação dos solos derivam princi- palmente da importância que o solo representa à sociedade. Os alimentos produzidos, os locais destinados à moradia, a regulação da temperatura, o sequestro de carbono, entre outros, são apenas alguns fatores a se mencio- nar, que tangem aos aspectos sociais. Contudo, o solo também é um meio de sustento para muitas pessoas no mundo todo, que extraem desse recurso natural o seu trabalho diário (SCHNEIDER; GIASSON; KLAMT, 2007). A degradação do solo pelo seu uso indevido ao longo do tempo, ou mesmo pela ausência de práticas de manutenção de sua qualidade, pode ocorrer de forma antrópica, mas também de forma natural. Referindo-se à ação do homem sobre o solo, é preciso que práticas de conscientização sejam adota- das (BERTOL; DE MARIA; SOUZA, 2019). De acordo com Primavesi (2002), essa conscientização faz parte dos aspectos sociais da conservação do solo,pois conduz à sustentabilidade do uso de todos os recursos naturais acessados pelo homem, alterando sua relação com o meio ambiente. Aspectos ambientais A ocupação das áreas agrícolas brasileiras ocorreu de forma intensiva ao longo dos últimos anos. Uma vez implantados conhecimentos sobre adubações e correções da acidez, os solos revelaram grande potencial produtivo, porém os serviços ecossistêmicos e os aspectos ambientais foram negligenciados (Figura 4). Os serviços ecossistêmicos consistem em todas as funções do solo mencionadas na Figura 2, servindo como base para atividades agríco- las, florestais, olerícolas, dentre outras; provendo alimentos e fibras ao ser humano; fornecendo regulação, provisão, ciclagem de nutrientes, dentre outros. Aspectos que podem negligenciados em relação a esses serviços ecossistêmicos consistem principalmente em falta de cuidado no uso e no manejo do solo, na adoção de monocultura, no revolvimento constante do solo, na não reposição dos nutrientes extraídos do solo a cada safra agrícola, na ausência de cobertura vegetal, no cultivo em áreas inadequadas para a agricultura, dentre outros, que consistem em desserviços ecossistêmicos. Introdução ao uso, manejo e conservação do solo 9 Figura 4. Serviços e desserviços na zona rural. Fonte: Adaptada de Power (2010, documento on-line). O avanço intenso nos últimos anos ocorreu de forma desenfreada e livre dos devidos cuidados em relação à conservação e à preservação desse recurso natural, visto que sua ocupação se constituía em um dos principais objetivos, em uma época em que se apresentava em abundância (PRUSKI, 2009). Na intensificação da ocupação das terras agrícola férteis, não houve a preocupação com relação à implementação de políticas públicas e de práticas baseadas em modelos institucionais que objetivassem o uso e o manejo do solo de forma racional, reduzindo as perdas de solo e água decorrentes de processos erosivos e da ocupação desordenada das áreas agrícolas. Esse avanço da ocupação de terras teve início nos anos 1960, com uma intensa busca por maiores produtividades e uso de insumos, na época inovadores, como sementes melhoradas, defensivos agrícolas e adubos. Contudo, com o avanço intenso da agricultura naquela época, houve também progresso expressivo da erosão do solo, ocasionada principalmente pela ação do homem. Quando esses problemas começaram a ser notados, verificou-se um aumento da preocupação com a sustentabilidade da produção agrícola, porém não equivalente a toda a degradação já ocorrida (LESPCH, 2010). Introdução ao uso, manejo e conservação do solo10 Segundo Guerra e Jorge (2013), quando falamos de manejo e conservação do solo, estamos nos referindo às práticas que a sociedade pode implan- tar nos mais variados níveis, as quais envolvem a rotação e a sucessão de culturas agrícolas, o preparo do solo de forma mínima ou com ausência de revolvimento, a manutenção dos resíduos culturais na superfície do solo (a chamada ‘palhada’) e as práticas de cultivo e de controle de plantas invasoras. Desta maneira, é possível propiciar condições ideais para a semeadura da cultura e para seu crescimento e desenvolvimento. Falando de forma ambiental, o manejo e a conservação dos solos consistem na gestão do meio ambiente e de todos os recursos naturais nele inseridos, de tal maneira que seu uso possa ser consciente, constante e não seja necessário reduzi-lo ao longo do tempo (LESPCH et al., 2015). Nesse contexto, os aspectos ambientais do manejo e da conservação tanto dos solos, como da água, servem como base para a produção agrícola sus- tentável, tendo-se como princípios norteadores o controle das perdas desses recursos pelos processos erosivos, assim como melhorias das propriedades físicas, químicas e biológicas dos solos, de modo a elevar a quantidade de biomassa vegetal e aporte de matéria orgânica no solo (POWER, 2010). Para amparar o uso, o manejo e a conservação dos solos no Brasil, há a Resolução CONAMA nº 420, de 28 de dezembro de 2009, a qual dispõe sobre critérios e valores orientadores de qualidade do solo quanto à presença de substâncias químicas e estabelece diretrizes para o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas por essas substâncias em decorrência de atividades antrópicas (BRASIL, 2009). Situação da conservação dos solos no Brasil Como vimos nas seções anteriores, ainda há muito a se fazer pela conservação dos solos no Brasil. Felizmente, em diversas áreas, tem havido destaque e maior conscientização e cobrança ao agricultor nas questões que lhe com- petem sobre conservação do solo, uma vez que, como proprietário da terra, a usufrui continuamente, sob as mais diversas formas (Figura 5). De acordo com dados publicados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), mais de 30% dos solos do mundo estão degrada- dos, em decorrência de diversos processos, como salinização, arenização, acidificação, erosão hídrica, eólica, dentre outros. Todos esses processos podem ocasionar diversas perdas ao solo, não apenas de sua capacidade produtiva, mas de sua fertilidade, dos teores de matéria orgânica e de sua biodiversidade. De acordo com cada atividade agrícola efetuada nas áreas, estima-se que as perdas sejam em torno de: Introdução ao uso, manejo e conservação do solo 11 � 4 kg de solo por ha/ano para áreas com matas naturais; � 700 kg de solo por ha/ano para pastagens; � 1.100 kg de solo por ha/ano para áreas com cafezais; � 38.000 kg de solo por ha/ano para áreas com plantio de algodão; � até 100.000 kg de solo por ha/ano para áreas sem plantação. No Brasil, estima-se que em torno de 18% dos solos já estejam degrada- dos, segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (BERTOL; DE MARIA; SOUZA, 2019). Como medidas para atenuar a degradação dos solos e seus efeitos sobre a atividade humana e ambiental, a Embrapa e o Tribunal de Contas da União (TCU) elaboraram a Carta de Brasília, com recomendações aos tomadores de decisão sobre o manejo e a conservação da terra. Adicionalmente, outra importante ação estratégica nesse sentido refere-se à a implementação do Programa Nacional de Solos do Brasil (Pronasolos), que visa a uma gestão do uso dos solos unificada, baseada nas práticas conservacionistas já con- solidadas no mundo (BERTOL; DE MARIA; SOUZA, 2019). Figura 5. Diferentes formas de uso dos solos, que podem ou não levar à sua degradação. Fonte: Serviço Geológico do Brasil (2018, documento on-line). Introdução ao uso, manejo e conservação do solo12 Além dessa cobrança por parte dos produtores, ainda há uma grande necessidade de maior atuação da sociedade e do governo nessas práticas de manejo e conservação dos solos. Muito possivelmente, quando as perdas interferirem economicamente de forma massiva, o olhar será voltado para a sustentabilidade dos solos. Já existem projetos e grupos de pesquisa que desenvolvem eventos científicos, publicam notas técnicas e livros e ressaltam a importância da conservação dos solos no Brasil, porém, ainda há muito a se fazer para evitar perdas consideráveis dos recursos (GUERRA; JORGE; 2013). Anteriormente, pudemos perceber que o aumento considerável do cultivo em diversas áreas do Brasil promove alterações impactantes no ambiente. A exemplo, o incremento da área cultivada com florestas de forma expressiva faz com que os solos presentes nessas áreas apresentem grande erosão hídrica, especialmente nas etapas de preparo do solo, que envolvem a semeadura e a extração da cultura da área, ou colheita. A erosão pode ser ainda mais intensa se essas práticas de cultivo forem efetuadas em terrenos íngremes, isto é, com declive acentuado, principalmente em comparação às áreas de pastagens e de lavouras. Segundo Primavesi (2002), com esse panorama su- cinto, você pode perceber que a situação da conservação dos solos do Brasil não se restringe às áreas agrícolas apenas, mas vai além, estando relacionadatambém às áreas de pecuária e de reflorestamento. Segundo a classificação da aptidão agrícola da terra, ou seja, sua capaci- dade de uso (Figura 6), áreas de reflorestamento, por exemplo, não deveriam ser utilizadas, sob hipótese alguma, para cultivos agrícolas (SCHNEIDER; GIASSON; KLAMT, 2007). Este fato se deve à predominância dessas áreas em morros ou locais muito acidentados, em que qualquer tipo de preparo do solo poderia gerar perdas irreversíveis de erosão hídrica. Nesses locais, o ideal e geralmente recomendado é que se mantenham apenas as espécies florestais, sem qualquer interferência no solo, ou, ainda, que sejam destinados à turismo ecológico. Introdução ao uso, manejo e conservação do solo 13 Figura 6. Exemplo de práticas de manejo e conservação dos solos conforme distintas ca- pacidades de uso. Fonte: Adaptada de Lespch (2010). Morros florestados protegem os solos e sustentam às águas Terraços são práticas indispensáveis para lavoura em partes altas Máquinas devem ser usadas sem excesso e somente nas áreas mais planas, e sempre trabalhando em nível Toda margem de rio deve ser coberta por mata: é proteção para o rio e para a terra Cultivar em faixas: outra prática indispensável para manter a terra boa Culturas diferentes descansam e desintoxicam os solos Quebra-ventos diminuem as secas, protegem a lavoura e abrigam o gado Os cordões em contorno,seguindo as linhas de nível, ajudam a reter a terra boa Uma área bem manejada favorece a vida silvestre: além do encanto, os pássaros, por exemplo, ajudam a controlar as pragas Boas colheitas, águas limpas, rios nos seus lugares: a vida fica melhor para todo mundo Na Figura 6, pode-se observar uma classificação de 1 a 8, a qual está asso- ciada às diferentes capacidades de uso do solo, descritas por Lepsch (2010). � Classe I: terras cultiváveis, aparentemente sem problemas especiais de conservação. � Classe II: terras cultiváveis com problemas simples de conservação e/ ou de manutenção de melhoramentos. � Classe III: terras cultiváveis com problemas complexos de conservação e/ou de manutenção de melhoramentos. � Classe IV: terras cultiváveis apenas ocasionalmente ou em extensão limitada, com sérios problemas de conservação. � Classe V: terras adaptadas — em geral para pastagens e, em alguns casos, para reflorestamento, sem necessidade de práticas especiais de conservação — cultiváveis apenas em casos muito especiais. � Classe VI: terras adaptadas — em geral para pastagens e/ou refloresta- mento, com problemas simples de conservação — cultiváveis apenas em casos especiais de algumas culturas permanentes protetoras do solo. � Classe VII: terras adaptadas — em geral somente para pastagens ou reflorestamento — com problemas complexos de conservação. Introdução ao uso, manejo e conservação do solo14 � Classe VIII: terras impróprias para cultura, pastagem ou refloresta- mento, que podem servir apenas como abrigo e proteção da fauna e flora silvestre, como ambiente para recreação ou para fins de arma- zenamento de água. A situação atual do manejo e da conservação dos solos aponta que, em muitas áreas agrícolas, o sistema de plantio direto tem sido implantado, porém, frequentemente de forma inadequada, sendo conduzido sem efetivamente promover o controle da erosão do solo. Associada ao intenso desmatamento de diversas áreas, o que se tem observado nos últimos anos é a ocorrência de eventos climáticos cada vez mais catastróficos, com pluviosidade de grande volume e intensidade, derivada, em grande parte, das mudanças climáticas, que podem ser potencializadas pela ação antrópica. Pruski (2009) alerta que com esses eventos climáticos atípicos, deslizamentos de terras têm ocorrido com maior frequência, e o problema da erosão do solo no Brasil tem sido agravado tanto no meio urbano, como na zona rural. Esse conjunto de fatores tem tornado cada vez mais utópico e distante o alcance da sustentabilidade dos sistemas de manejo do solo, particularmente na forma como é praticada atualmente em muitas propriedades por produ- tores rurais, pecuaristas e reflorestadores, sem os devidos cuidados sendo tomados na adoção das práticas de controle da erosão do solo (LEPSCH, 2010). Wilian é o engenheiro agrônomo da cidade de Bituruna, situada no estado do Paraná. Ele foi contratado para acompanhar as atividades rurais da região e prestar assistência técnica. No município, a atividade florestal é bastante intensa, em função da extração de madeira frequente, sendo uma das principais atividades econômicas locais. A prefeitura de Bituruna deseja implantar práticas e políticas de manejo e conservação dos solos nas áreas de reflorestamento e produção de madeira, para controlar os processos erosivos, visto que há uma grande declividade incidente nessas áreas. O agrônomo precisa emitir um laudo que apresente práticas eficazes para o manejo e a conservação desses solos, e, para isto, se baseia em dados já publicados referentes aos solos da região, disponibilizados pela Embrapa e pela Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SCBS). De posse desses dados e da avaliação referente à declividade das áreas, bem como ao volume de precipitação médio anual da região, Wilian verificou que o solo apresentava um alto risco de suscetibilidade à erosão e emitiu um laudo contendo as seguintes recomendações: áreas com declividade média enquadram-se na classificação da capacidade de uso do solo VII e devem ser destinadas somente para pastagens ou reflorestamento, pois apresentam problemas complexos de conservação; áreas com declividade acen- Introdução ao uso, manejo e conservação do solo 15 tuada enquadram-se na classificação da capacidade de uso VIII e encontram-se terras impróprias para cultura, pastagem ou reflorestamento, podendo servir apenas como abrigo e proteção da fauna e da flora silvestre, como ambiente para recreação ou para fins de armazenamento de água; deve-se realizar obras de contenção à erosão nas áreas com alto índice de erosão, além da construção de um eficiente sistema de drenagem para o escoamento superficial, contendo canais coletores nas áreas de menor declividade, bem como lombadas trans- versais no sentido do escoamento da água, objetivando reduzir o volume da enxurrada e a velocidade da água, permitindo, assim, maior vazão do sistema e um controle erosivo efetivo. Como profissional, é preciso ter consciência de que a situação da conserva- ção dos solos no Brasil ainda requer muita atenção. Deste modo, compreender as causas e as consequências dos processos de degradação do solo consiste em uma das chaves para sua recuperação, visando a adoção de medidas que busquem proteger o solo e retornar a sua capacidade produtiva ao longo do tempo. Referências BERTOL, I.; DE MARIA, I. C.; SOUZA, L. da S. (ed.). Manejo e conservação do solo e da água. Viçosa: SBCS, 2019. BERTONI, J.; LOMBARDI NETO, F. Conservação do Solo. 7. ed. Bom Retiro: Ícone, 2008. BERTONI, J.; LOMBARDI NETO, F. Conservação do Solo. 9. ed. Bom Retiro: Ícone, 2014. BRASIL. Resolução nº 420, de 28 de dezembro de 2009. Dispõe sobre critérios e valores orientadores de qualidade do solo quanto à presença de substâncias químicas e estabelece diretrizes para o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas por essas substâncias em decorrência de atividades antrópicas. Diário Oficial da União, Brasília, 30 dez. 2009. Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre. cfm?codlegi=620. Acesso em: 15 abr. 2021. CORRÊA, R. S. Recuperação de áreas degradadas pela mineração no Cerrado: manual para revegetação. 2. ed. Brasília: Universa, 2007. DIAS, C. O solo é vivo e responsável pelos serviços ecossistêmicos necessários à vida. 2017. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/23945400/o- -solo-e-vivo-e-responsavel-pelos-servicos-ecossistemicos-necessarios-a-vida. Acesso em: 14 abr. 2021. ÉTICA AMBIENTAL. Eutrofização das águas: qual é a relação com a indústria? 2020. Disponívelem: https://etica-ambiental.com.br/eutrofizacao-das-aguas-e-industria/. Acesso em: 14 abr. 2021. GUERRA, A. J. T.; JORGE, M. do C. O. (org.). Processos erosivos e recuperação de áreas degradadas. São Paulo: Oficina de Textos, 2013. LEPSCH, I. F. et al. Manual para levantamento utilitário e classificação de terras no sistema de capacidade de uso. Viçosa: SBCS, 2015. Introdução ao uso, manejo e conservação do solo16 LEPSCH, I. F. Formação e conservação dos solos. 2. ed. São Paulo: Oficina de Textos, 2010. POWER, A. G. Ecosystem services and agriculture: tradeoffs and synergies. Philosophi- cal Transactions of the Royal Society B-Biological Sciences, v. 365, p. 2959-2971, 2010. Disponível em: https://royalsocietypublishing.org/doi/pdf/10.1098/rstb.2010.0143. Acesso em: 14 abr. 2021. PRADO, R. B.; TURETTA, A. P. D.; ANDRADE, A. G. (org.). Manejo e conservação do solo e da água no contexto das mudanças ambientais. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2010. PRIMAVESI, A. Manejo ecológico do solo. Barueri: Nobel, 2002. PRUSKI, F. F. (ed.). Conservação do solo e da água: práticas mecânicas para o controle da erosão hídrica. 2. ed. Viçosa: UFV, 2009. SANTOS, H. P. dos; REIS, E. M. Rotação de culturas em plantio direto. Passo Fundo: Embrapa Trigo, 2001. SCHNEIDER, P.; GIASSON, E.; KLAMT, E. Classificação de aptidão agrícola das terras: um sistema alternativo. Guaíba: Agrolivros, 2007. SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL. Zoneamento Agrogeológico do Brasil, escala 1:1.000.000. 2018. Disponível em: http://www.cprm.gov.br/imprensa/pdf/zag181205.pdf. Acesso em: 14 abr. 2021. SISTEMA FAEB/SENAR. Agricultura eficiente: uma realidade no oeste baiano. 2017. Disponível em: http://www.sistemafaeb.org.br/noticias/detalhe/noticia/agricultura- -eficiente-uma-realidade-no-oeste-baiano/. Acesso em: 14 abr. 2021. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os edito- res declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Introdução ao uso, manejo e conservação do solo 17
Compartilhar