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SCHIOCCHET, T ; PARIS, M - Ineficácia normativa do aborto legal no Brasil 2023 (1)

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INEFICÁCIA NORMATIVA DO ABORTO LEGAL NO BRASIL:
SISTEMATIZAÇÃO DOS OBSTÁCULOS EMPÍRICOS
LEGAL ABORTION INEFFICACY IN BRAZIL: SYSTEMATIZATION
OF THE EMPIRICAL OBSTACLES
Resumo: Este estudo analisa a problemática do acesso ao aborto legal no Brasil, considerado como questão de
saúde pública e de direitos humanos das mulheres. Tem por objetivo sistematizar as normas jurídicas e técnicas
concernentes ao aborto legal no Brasil e discutir os obstáculos existentes à concretização desse direito. Para isso,
a metodologia adotada abarca a pesquisa qualitativa, de índole descritiva e técnicas de pesquisa bibliográfica e
documental, com uso de fontes jurídicas e de áreas correlatas como a saúde. A pesquisa descreve as hipóteses de
abortamento legal admitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, diagnostica e analisa os principais aspectos
técnico-sanitários que representam obstáculos ao exercício desse direito. Conclui-se que não há base técnica ou
normativa para a inefetividade das hipóteses de aborto legal no Brasil; sendo o estigma da criminalização
genérica um obstáculo preponderante para a materialização desse direito, notadamente por meio de exigência de
B.O. e exames periciais como o corpo de delito, imposição de limite de idade gestacional, uso indiscriminado da
objeção de consciência, a falta de informação sobre os serviços de referência, as violações ao direito de sigilo
sobre o prontuário médico e também questões ligadas à autonomia e o consentimento das adolescentes que
sofreram de violência sexual.
Palavras-chave: Aborto. Aborto legal. Direitos sexuais e reprodutivos. Saúde da Mulher.
Abstract: This study analyzes the problem of access to legal abortion in Brazil, considered as a public health and
women’s human rights issue. Its objective is to systematize the legal and technical norms concerning legal
abortion in Brazil and to discuss the obstacles to making the law effective. For this, the methodology adopted
includes qualitative research, descriptive, bibliographic and documentary research techniques, using legal
sources and related areas such as health. The research describes the possibilities of legal abortion admitted by the
Brazilian legal system and analyzes the main technical-sanitary aspects that represent obstacles to the exercise of
this right. It is concluded that there is no technical or normative basis for the ineffectiveness of the hypotheses of
legal abortion in Brazil; the stigma of generic criminalization is a drastic obstacle to making this laws effective,
notably through the requirement of B.O. and expert examinations such as the offense body examination,
imposition of a lower gestational term limit, indiscriminate use of conscientious objection, lack of information,
violations of the right to confidentiality on medical records and also issues related to the autonomy and consent
of teenagers who suffered from sexual violence.
Key words: Abortion. Legal Abortion. Sexual and reproductive rights. Women’s health.
INTRODUÇÃO
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), ocorrem todos os anos cerca
de 500 mil abortos no Brasil. Além disso, a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA, 2016),
revelou que uma a cada cinco mulheres brasileiras até a idade de 40 anos já realizou ao menos
uma vez este procedimento. Em termos globais, a OMS considera o aborto clandestino e
inseguro um problema mundial de saúde pública.
Aproximadamente 55 milhões de abortos ocorreram entre 2010 e 2014 no mundo,
sendo 45% destes considerados abortos inseguros, sendo que 97% deles aconteceram na
África, Ásia e América Latina. O aborto é ainda uma importante causa de óbito materno e, no
Brasil, de acordo com dados do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), entre 2006
e 2015, foram registrados 770 óbitos com causa básica aborto, além de 220 óbitos que têm o
aborto como uma das causas mencionadas. Desses 770 óbitos, apenas 7 (0,9%) foram devidos
a aborto por razões médicas e legais, 115 (14,9%) foram declarados como abortos
espontâneos, 117 (15,2%) como outros tipos de aborto e 96 (12,5%) como falha de tentativa
de aborto. A distribuição do total de óbitos por aborto entre 2006 e 2015, segundo a raça,
manteve distribuição relativamente estável, com aproximadamente metade dos óbitos no
grupo de mulheres de cor parda; sendo que o grupo de mulheres de cor preta apresentou os
maiores valores quanto à taxa de aborto de 2006 a 2012. Por fim, o SIH (Sistema de
Informações Hospitalares) registrou média de aproximadamente 200.000 internações/ano por
procedimentos relacionados ao aborto entre 2008 e 2015 (CARDOSO, VIEIRA, SARACENI,
2020).
O Brasil está entre os países do mundo com legislações restritivas do aborto, mas
insere-se em uma região cujos avanços pela legalização do procedimento tem ganhado
notoriedade, em especial pelas recentes alterações na Colômbia e Argentina. Além desses,
Uruguai, Guiana, Guiana Francesa e Cuba também legalizaram o aborto. Os demais países
latino-americano e africano, em sua maioria, excepcionam a proibição do aborto quando há
risco para a saúde da mulher gestante e para fins terapêuticos, com vistas à preservação da
saúde. Isto é, a história das reivindicações pela descriminalização ou legalização do aborto se
misturam à trajetória no movimento feminista brasileiro (BARSTED, 1992) ao mesmo tempo
em que mobiliza grupos antigênero e conservadores, vinculados a uma agenda global de
restrição de direitos.
Sintoma do acirramento gerado pelo tema são os obstáculos à concretização dos
direitos positivados nas hipóteses de aborto legal já previstas pela legislação brasileira. A
lacuna sobre este tema vem sendo suprida por estudos recentes que dão conta dos entraves
institucionais impostos ao exercício do direito ao aborto legal, porém, na área da saúde e do
Direito ainda há uma tendência de que os dados sobre o assunto estejam restritos a
reproduzir as hipóteses de excludente de ilicitude previstas no Código Penal (CP)
caracterizadoras do aborto legal.
Prova disso é que a comunidade jurídica e médica, salvo especialistas que atuam
profissionalmente na área, conhecem muito pouco sobre os procedimentos legais e clínicos
para o exercício do direito ao aborto legal, ou, ao menos, sentem-se inseguros dadas às
confusões normativas e a ausência de informações pautadas em evidências. Em outras
palavras, se por um lado, o tema do aborto ganha relativa importância quando se discute sua
descriminalização, por outro, o direito ao aborto legal, cuja previsão é expressa no CP
brasileiro, tem apenas recentemente reverberado no campo acadêmico, dogmático,
institucional e mesmo das práticas sociais. Esse silenciamento, de causas diversas, impacta
diretamente na efetividade desse direito.
No estudo “Aborto legal no Brasil: revisão sistemática da produção científica,
2008-2018” publicado nos Cadernos de Saúde Pública, em 2020, pesquisadoras da área de
Saúde Coletiva e Infectologia identificaram as deficiências na produção científica na área
médica sobre o aborto, principalmente em suas hipóteses legais, destacando a falta de
informação dos profissionais e escassez de instituições aptas para a prestação desse serviço.
Segundo as autoras, um dos principais problemas é a lacuna técnica e científica dos aspectos
sanitários e jurídicos que envolvem o aborto legal.
A parca produção científica a respeito do aborto legal fica evidente nos resultados
encontrados pelas autoras da referida revisão: somente um artigo identificava a insuficiência
de instituições para a realização dos serviços. O estudo concluiu que “o conhecimento sobre o
aborto legal ainda é escasso, a demanda do procedimento é reprimida e a formação médica é
deficiente no tema” (FONSECA, et al, 2020, p. 1). Além da barreira imposta pela falta de
informação e pelas lacunas científicas, o estudo identificou que a exigência de Boletim de
Ocorrência (B.O.) ou alvará judicial segue como um empecilho para a concretização do
direito ao aborto legal e que a objeção de consciência é um instrumentoutilizado pelos
profissionais para se recusar à realização do procedimento, ainda que haja pouca ou nenhuma
informação sobre o adequado uso dessa prerrogativa médica (FONSECA, et al, 2020, p. 23).
Diante desse cenário social e teórico, esta pesquisa se situa na análise do que
consideramos um dos temas ainda pouco explorados sob uma perspectiva técnica-jurídica: as
hipóteses de aborto previstas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Partindo da hipótese de
que o processo de retrocesso e fragilização de direitos, mesmo aqueles garantidos em lei, é
muitas vezes bastante sutil, mas com efeitos arrebatadores para a vida de meninas e mulheres,
o artigo tem por objetivo geral sistematizar as normas jurídicas e técnicas concernentes ao
aborto legal no Brasil e discutir os obstáculos existentes à concretização desse direito. Adota,
como metodologia, a pesquisa qualitativa, de índole descritiva. Na perspectiva jurídica, adota
como vertente de análise a perspectiva jurídico-social, pois centrada na análise da efetividade
normativa. Por fim, utiliza como técnicas de pesquisa a bibliográfica e documental, com uso
de fontes jurídicas e de áreas correlatas como a saúde.
Para isso, este estudo adota a seguinte estrutura: (1) descrição do quadro regulatório
sobre aborto no Brasil, sejam normas legais, infralegais e decisões judiciais de cortes
superiores sobre o tema; (2) sistematização de informações sobre os aspectos
técnicos-sanitários relevantes para a questão do aborto legal e análise dos obstáculos
impostos à concretização desse direito.
1 PANORAMA SOBRE A REGULAÇÃO DO ABORTO NO BRASIL
Atualmente, são três as hipóteses de aborto legal admitidas pelo ordenamento jurídico
brasileiro. Ou seja: não é crime e não se pune o abortamento praticado por médico quando a
gravidez: (i) representar risco à saúde da mulher, (ii) em caso de gravidez resultante de
estupro e (iii) em caso de gestação de fetos anencéfalos/malformação fetal com inviabilidade
de vida extra-uterina. As duas primeiras estão listadas no art. 128 CP brasileiro1.
A terceira possibilidade foi admitida em 2012 pela via jurisprudencial, sendo
chancelado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) o aborto legal nos casos de gravidez de feto
anencefálico na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 54. Na
decisão, o STF chancelou a possibilidade da interrupção da gestação de fetos anencefálicos,
considerando que se enquadra como aborto necessário para fins terapêuticos. Assim, o
entendimento do STF hoje é tratado como a terceira hipótese de aborto legal, em que é
excluída a ilicitude da conduta, nos termos do art. 128, I, do CP.
Ainda sobre o quadro regulatório do aborto legal no Brasil, vale destacar a Lei n.
12.845/2013 ("Lei do Minuto Seguinte"), o Decreto n˚ 7.958, de 13 de março de 2013 e as
Normas Técnicas do Ministério da Saúde (MS) “Atenção Humanizada ao Abortamento”
(2011), “Aspectos jurídicos do atendimento às vítimas de violência sexual – perguntas e
respostas para profissionais de saúde (2011)”, “Prevenção e Tratamento dos Agravos à Saúde
de Mulheres e Adolescentes Vítimas de Violência Sexual” (2012), e “Atenção às mulheres
com gestação de Anencéfalos” (2014). Há, ainda, portarias produzidas pelo Ministério da
Saúde que regulamentam o procedimento de justificação e autorização da interrupção da
gravidez nos casos previstos em Lei pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a Portaria nº.
1.508/2005, atualmente em vigor, e a Portaria 2.561/2020, revogada em janeiro de 2023.
Destacamos acima algumas das normativas relacionadas à implementação do direito
ao aborto legal e seus aspectos serão discutidos mais detalhadamente adiante. Porém, o
sistema normativo para regulamentação do aborto legal no Brasil foi detalhado no quadro
abaixo, que reúne as normas legais, infralegais e as principais decisões judiciais sobre o tema:
1 Art. 128: Não é crime e não se pune abortamento praticado por médico(a), se: I - Se não há outro meio de
salvar a vida da gestante; II - Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Tabela 1: Quadros de regulação do aborto no Brasil: legislação, jurisprudência e
normas infralegais
LEGISLAÇÃO
Legislação Escopo
Decreto-Lei n˚ 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 (Código Penal)
Autoriza o aborto em dois casos: gestação
decorrente de violência sexual (art. 128, II) e risco
de vida para a mulher gestante (art. 128, I).
Lei n˚ 10.778, de 24 de novembro de
2003 (Notificação compulsória de
violência contra as mulheres)
Estabelece a notificação compulsória, no território
nacional, do caso de violência contra a mulher que
for atendida em serviços de saúde públicos ou
privados.
Decreto n˚ 7.958, de 13 de março de
2013 (Diretrizes para o atendimento às
vítimas de violência sexual)
Estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas
de violência sexual pelos profissionais de
segurança pública e da rede de atendimento do
Sistema Único de Saúde.
Lei n. 12.845/2013 (Lei do Minuto
Seguinte)
Obrigações do serviço público no atendimento de
mulheres e adolescentes vítimas de violência
sexual.
Lei nº. 14.510/2022 Autoriza e disciplina a prática da telessaúde em
todo o território nacional
JURISPRUDÊNCIA
Ação Escopo
ADPF 54 (STF, 2012) Possibilidade da interrupção da gestação de fetos
anencefálicos.
ADI 3510 (STF, 2008) STF decidiu que as pesquisas com células-tronco
embrionárias não violam o direito à vida,
tampouco a dignidade da pessoa humana, em
discussão que tangenciou a questão do aborto.
REsp. 1.467.888/GO (Caso Tatielle x
Padre Lodi/Associação Pró-vida de
Anápolis) (STJ, Relatora Ministra
Nancy Andrighi, 2016)
A realização do aborto nos casos de outras
malformações incompatíveis com a vida foi
reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ), no âmbito do REsp 1.467.888/GO. O STJ
entendeu se tratarem de situações absolutamente
análogas à anencefalia.
HC 124.306 (STF, 1ª Turma, 2016) STF considerou que a interrupção da gravidez até
o terceiro mês de gestação não pode ser equiparada
ao aborto. Seria, assim, hipótese de atipicidade.
Decisão sem efeitos vinculantes e nem em face de
todos.
ADPF 442 (STF, 2017, Ministra
Relatora Rosa Weber) (pendente de
julgamento)
Requer a descriminalização do aborto até a 12ª
semana de gestação, impetrada em 2017,
encontra-se atualmente em trâmite, sob relatoria da
Min. Rosa Weber.
ADPF 989 (STF, 2022, Ministro Relator
Edson Fachin) (pendente de
julgamento)
Requer a declaração do Estado de Coisas
Inconstitucional dos serviços de aborto legal no
Brasil e que o STF determine a adoção de
providências para assegurar a realização do aborto
nas hipóteses permitidas no Código Penal e no
caso de gestação de fetos anencéfalos.
ADI 5581 (STF, 2020) ANADEP alegou diversas omissões do Poder
Público no acesso à informação, cuidados de
planejamento familiar, serviços de saúde para
famílias afetadas pelo Zika vírus e pleiteou a
declaração de inconstitucionalidade do
enquadramento da interrupção da gestação da
mulher infectada pelo Zika vírus como o crime de
aborto previsto pelo artigo 124, do Código Penal.
Por unanimidade, os Ministros julgaram os
pedidos improcedentes diante de óbices
processuais sem analisar o mérito. A ação contou
com um voto de divergência do Ministro Barroso,
que entendeu ser necessária a reflexão sobre a
descriminalização do aborto.
Habeas Corpus nº 783927 (STJ, 2023) STJ decidiu pelo trancamento da ação penal em
que era investigada mulher que havia sido
denunciada pelo médico que a atendeu após,
supostamente, realizar manobras abortivas.
Reafirmou a tese de que a prova é ilícita quando
obtida mediante violação do sigilo profissional.
NORMAS INFRALEGAIS
Regulamentos, normas técnicas e protocolos
Documento Escopo
Portaria nº. 1.508 de 1º de setembro de
2005 (MS, 2005).
Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e
Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos
previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de
Saúde-SUS.
Portaria nº. 2.561 de 23de Setembro de
2020 (MS, 2020).
Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e
Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos
previstos em Lei, no âmbito do SUS. Revogada
em janeiro de 2023.
Portaria n˚ Ministério da Saúde n˚ 78, de
18 de janeiro de 2021 (Diretrizes para a
comunicação externa dos casos de
violência contra a mulher às autoridades
policiais)
Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 4,
de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre as
diretrizes para a comunicação externa dos casos
de violência contra a mulher às autoridades
policiais, no âmbito da Lei nº 10.778, de 24 de
novembro de 2003. Segundo a portaria, a
comunicação externa deve ser feita de forma
sintética e consolidada, sem dados que
identifiquem a vítima e o profissional, e que
apenas excepcionalmente, em caso de risco à
vítima ou à comunidade, pode haver a
identificação.
Atenção Humanizada ao Abortamento
(MS, 2011)
Norma técnica para revisão de normas gerais de
acolhimento, orientação e atenção clínica aos
serviços de abortamento.
Aspectos jurídicos do atendimento às
vítimas de violência sexual – perguntas e
respostas para profissionais de saúde
(MS, 2011)
Norma técnica cujo objetivo é contribuir para uma
atuação mais qualificada dos profissionais de
saúde, descreve o conceito jurídico-penal de
aborto e presta outras informações jurídicas sobre
o tema.
Prevenção e Tratamento dos Agravos à
Saúde de Mulheres e Adolescentes
Vítimas de Violência Sexual (MS, 2012)
Revisão das normas gerais de atendimento e
apoio psicossocial e a atualização de importantes
procedimentos profiláticos de atendimento às
vítimas de violência sexual.
“Atenção às mulheres com gestação de
Anencéfalos” (MS, 2014)
Norma técnica sobre a possibilidade da
interrupção de gestações de fetos anencéfalos,
para garantir os direitos das mulheres e subsidiar
a conduta de profissionais e instituições de saúde
nesses casos, visando, em especial, à redução da
mortalidade materna.
Norma Técnica Atenção Humanizada às
Pessoas em Situação de Violência Sexual
com Registro de Informações e Coleta de
Vestígios. 1. Ed (Ministério da Saúde,
Ministério da Justiça, 2015)
Propõe o fortalecimento e a consolidação, em
âmbito nacional, da rede integrada de atendimento
às mulheres em situação de violência, envolvendo
e articulando as diversas áreas de assistência,
atenção, proteção e defesa dos direitos das
mulheres em situação de violência.
Código de Ética Médica -Resolução
CFm 1931/2009 (Capítulo I – Princípios
Fundamentais, VII)
Dispõe sobre o exercício do direito de objeção de
consciência pelo profissional médico.
Resolução CFM n˚ 1.989/2012
(Antecipação terapêutica do parto em
caso de anencefalia)
Dispõe sobre o diagnóstico de anencefalia para a
antecipação terapêutica do parto e dá outras
providências.
Resolução CFM n˚ 1.643/2002 e Ofício
CFM n˚ 1756/2020 – COJUR
(Telemedicina)
Define e disciplina a prestação de serviços por
meio da Telemedicina.
Fonte: elaborado pelas autoras.
Como se vê, o Brasil não possui nenhuma lei que regulamente a prática além do
Código Penal. Porém, a despeito da criminalização genérica, as hipóteses de aborto legal são
regulamentadas pelas normas infralegais acima mencionadas, que, atualizadas conforme a
tendência internacional, com base em evidências científicas e em boas práticas de saúde e
cuidado, criam e determinam os parâmetros para a atuação dos profissionais da saúde e
também para o funcionamento de todo um aparato técnico e sanitário. As dificuldades,
portanto, residem menos no campo regulatório e mais no da concretização de direito, um
entrave evidentemente vinculado ao contexto de criminalização absoluta.
Há, de um jeito ou de outro, normas infralegais, notadamente as normas técnicas do
MS e pareceres e resoluções do CFM, documentos denominados soft law2, que viabilizam e
criam parâmetros para o exercício dos direitos previstos na legislação. Essa regulamentação
não pode ser ignorada pelos agentes públicos que têm o dever de cumprir a obrigação
estipulada em lei, nos termos estabelecidos pelas normas infralegais. Isso porque a lei, a
norma primária, no caso, as excludentes de ilicitude previstas no CP, genéricas e abstratas,
não se realizam plenamente na ausência dessas normas secundárias, que garantem efetividade
normativa a esses direitos previstos na legislação.
Interessam para as análises aqui propostas os documentos produzidos pelo MS, ou
seja, as normas técnicas produzidas por um órgão central na regulação de questões bioéticas,
em especial levando em consideração os vácuos deixados pelo Poder Legislativo. No campo
da Bioética esses instrumentos regulatórios harmonizam as normas, em uma perspectiva
global e nacional, além de orientar condutas e práticas na área da saúde. Essa atuação
legiferante de entes da administração indireta não impede, contudo, a relativização desses
documentos de soft law e o questionamento de sua legalidade ao suprir uma omissão do
legislador (SCHIOCCHET; ARAGÃO, 2021, p. 10).
De qualquer sorte, essas normas infralegais não só têm a capacidade de extrapolar a
generalidade do direito (da previsão abstrata de hipóteses legais de aborto) para a aplicação
concreta do direito (das situações técnicas e práticas de efetivação deste direito ao aborto
legal), como também tem sido cada vez mais reconhecidas e incorporadas nas práticas do
sistema de justiça. Esses documentos não são lei, evidentemente, mas devem harmonicamente
possibilitar e amparar a aplicação da legislação, não sendo jamais instrumentos de restrição de
direitos de meninas e mulheres. Servem, além disso, para respaldar a responsabilização
administrativa e suporte para decisões judiciais.
Portanto, cada um destes dispositivos, porque costurados aos demais, são normativos
em si e no conjunto. Não é possível, então, argumentar uma ausência normativa no que diz
respeito ao aborto no Brasil. Há um quadro regulatório que respalda inclusive a
responsabilização civil, administrativa e penal em caso de descumprimento. O que resta,
2 São denominados como soft law, em oposição à hard law, as normas produzidas por entidades internacionais,
em organizações multilaterais ou pessoas jurídicas de direito internacional público, mas também por
organizações regulatória não necessariamente ligadas a esse campo. Esses instrumentos tinham maior relevância
na esfera internacional, mas atualmente, compõem o quadro de regulação no âmbito interno de muitos países, em
resoluções, instruções normativas, notas técnicas e outras normas infralegais e vem paulatinamente sendo
reconhecidos pelos tribunais como instrumentos vinculativos (SCHIOCCHET; ARAGÃO, 2021, p. 7).
então, é compreender o porquê e em que termos, a despeito desse cenário regulatório, a falta
de efetividade desse sistema é um entrave tão significativo para o exercício desses direitos.
2 ASPECTOS TÉCNICOS-SANITÁRIOS DO ABORTO LEGAL: PRINCIPAIS
OBSTÁCULOS PARA SUA CONCRETIZAÇÃO
Não raro são trazidos à tona pela mídia casos que expõem as dificuldades e
violações de direitos de meninas e mulheres cujo direito ao aborto legal previsto em lei é
negado ou dificultado. Entre os anos de 2020 e 2023, foram, pelo menos, três casos com
ampla repercussão midiática. Em 2020, no Espírito Santo, o caso da menina de 11 anos que,
alvo de reiteradas violências sexuais as quais resultaram em uma gestação aos dez anos,
ganhou destaque na mídia, especialmente porque a criança viajou entre estados para realizar o
procedimento que foi negado na sua cidade de origem (JIMENEZ, 2020). Em 2022, em Santa
Catarina, uma reportagem realizada pelos jornais The Intercept e Portal Catarinas divulgou o
caso de uma menina de 11 anos que sofreu reiteradas violências institucionais, em especial em
audiência presidida com juíza e com a participação a promotora de justiça que empreenderam
esforços para coagir a menina a manter a gestação (GUIMARÃES, LARA, DIAS, 2022).
Também em 2022, no estado do Piauí, o caso de uma menina de 12 anos grávida pela segunda
vez foi divulgado pelaimprensa e os detalhes das violências institucionais foram expostos,
com a nomeação de curador especial para o feto, posição ocupada por Defensora Pública,
além de outras violações (SENA, 2022; SENA, 2023). Cada um dos casos revela inúmeros
entraves e violências institucionais contra meninas sobreviventes de violência sexual, porém,
alguns pontos em comum se destacam: a demora em garantir o procedimento de forma
oportuna com um itinerário extremamente moroso entre instituições, o que leva ao avanço
para além da 22ª semana de gestação e o argumento de que esse seria um limite definitivo à
garantia do procedimento.
Os casos são relevantes para o estudo aqui desenvolvido porque expõem os principais
empecilhos vivenciados de forma perene e cotidiana por meninas e mulheres do Brasil todo.
Os casos chocaram o país e mobilizaram disputas no campo ideológico, político e religioso,
porém, não é isolado; na verdade, é um triste retrato dos obstáculos experienciados por
meninas e mulheres cotidianamente. Este cenário não nos é desconhecido, como não o é para
quem tem familiaridade com demandas de meninas e mulheres em busca da concretização de
direitos sexuais e reprodutivos.
Evidência disso é que, em 29 de junho de 2022, a Sociedade Brasileira de Bioética
(SBB), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), o Centro Brasileiro de
Estudos de Saúde (CEBES) e a Associação da Rede Unida propôs a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº. 989, na qual requer que seja
reconhecido o estado de coisas inconstitucional do sistema de saúde pública brasileiro quanto
à realização do aborto legal e a adoção de medidas para sanar as lesões a preceitos
fundamentais da Constituição, decorrentes de condutas comissivas e omissivas dos poderes
públicos da União, de forma direta ou indireta. A ação fundamenta-se nos dois primeiros
emblemáticos casos, assim como na promulgação de documento informativo do Ministério da
Saúde, em 2020, intitulado “Atenção técnica para prevenção, avaliação e conduta nos casos
de abortamento”. O documento foi revogado em janeiro de 2023 e removido de circulação,
por ser evidentemente contrário às evidências em saúde e disseminar informações falsas, tal
como o fato de que haveria um limite gestacional para realizar o aborto e afirmar que “não há
aborto legal”. Ainda que tenha sido revogado o documento do MS, a ação proposta ainda está
baseada nos entraves institucionais postos para o exercício do direito ao aborto legal, entre
eles o limite de idade gestacional, a falta de disponibilidade do serviço nos municípios e a
ausência de informações em um quadro de absoluta inefetividade do direito e de afronta aos
preceitos constitucionais.
Por isso, respaldadas pela literatura e pela experiência empírica, na condição de
advogadas e coordenadora/integrante de projetos de pesquisa e de intervenção social sobre o
tema, identificamos e sistematizamos alguns dos principais obstáculos técnicos-sanitários que
representam entraves à concretização do direito ao aborto legal, a despeito do farto quadro
regulatório exposto no item anterior. São eles: a) o uso indiscriminado do direito à objeção de
consciência, b) a exigência de B.O., c) a imposição do exame de corpo de delito e outros
exames, d) a questão do consentimento e da autonomia bioética entre adolescentes, e) as
discricionariedades na definição do prazo gestacional, f) o nem sempre garantido sigilo do
prontuário médico e, por fim, g) as dificuldades de acesso à informação e a necessidade de
divulgação dos hospitais de referência. Ou seja, ainda que esses principais entraves já estejam,
de alguma maneira, mapeados no campo da saúde, coube a este estudo enfrenta-los sob o
ponto de vista normativo e expor os argumentos pelos quais são entraves absolutamente
ilegais e indevidos.
2.1 Limites ao direito de objeção de consciência
A objeção de consciência, prevista pelo artigo 5º, inciso VIII da CRFB/88 e no Código
de Ética Médica (CEM, item VII, capítulo I), tem status de direito fundamental e garante que
o médico não seja obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência.
O direito à objeção de consciência é um dos princípios fundamentais do exercício da
medicina, bem como está expressamente previsto como um direito do médico. No Código de
Ética dos Profissionais de Enfermagem, há também previsão específica de que profissionais
da enfermagem devem “decidir de acordo com a sua consciência sobre sua participação,
desde que seja garantida a continuidade da assistência” nos casos de aborto previsto em lei
(art. 73, Parágrafo único, Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem). Porém, não é
um direito absoluto a ser exercido de forma indiscriminada.
A objeção de consciência é uma prerrogativa utilizada por quem, por convicções
íntimas, recusa-se a praticar determinado ato. Previsto constitucionalmente, esse direito exige
uma “prestação alternativa, fixada em lei” e caberia ao legislador infraconstitucional criar leis
que contenham prestações alternativas que substituíram aquela postura que fere a consciência
do indivíduo. No caso do aborto legal, esse instituto não pode ser invocado como simples
forma de exoneração de uma obrigação legal a todos imposta; ao contrário, o descumprimento
da obrigação deve ser tolerado somente se uma prestação alternativa for cumprida de forma a
satisfazer o direito previsto na legislação (SCHIOCCHET, 2020, no prelo).
Por isso, o direito à objeção de consciência não é absoluto (DINIZ, 2011, p. 982) e o
próprio CEM, em seu item VII do Capítulo I, excepciona as situações de: (1) ausência de
outro profissional, (2) os casos de urgência e emergência ou (3) quaisquer outros que possam
trazer danos à saúde do paciente da objeção.
Especificamente sobre as limitações da objeção de consciência no atendimento ao
serviço de aborto, a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento do MS (p. 21,
2011) estabeleceu essa prerrogativa não se aplica: (1) em caso de necessidade do ato, por
risco de vida para a mulher; na ausência de outro profissional que o faça; (2) quando a
mulher puder sofrer danos ou agravos à saúde em razão do médico; (3) no atendimento de
complicações derivadas de abortamento inseguro. O Parecer Consulta n. 151.842/16, do
CREMESP, reitera essas informações e ainda destaca a responsabilidade da instituição de
saúde: “(...) na outra ponta da responsabilidade está a instituição de saúde que deverá manter
profissionais em estado satisfatório quanto ao número, os conhecimentos, as habilidades e
atitudes em relação às questões de saúde complexas como na atenção ao abortamento”
(Parecer Consulta n. 151.842/16, CREMESP, p.4).
Assim, o hospital não pode em hipótese alguma se negar a realizar o procedimento do
abortamento legal, uma vez que a objeção de consciência é prerrogativa personalíssima do
profissional de saúde e não se estende à instituição. Portanto, os hospitais, clínicas, postos de
saúde e demais centros de atendimento devem assegurar o procedimento, encaminhando a
gestante para outra equipe de profissionais sem prejuízo à paciente.
Nesse mesmo sentido, a orientação prevista pelo MS, contida na Norma Técnica de
Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes de Violência Sexual Contra Mulheres e
Adolescentes (MS, 2012, p. 75) estabelece que o médico pode alegar objeção de consciência
nos casos de aborto legal por violência sexual.
Entretanto, a Norma de 2012 estabelece procedimentos que devem ser seguidos de
modo a controlar e limitar o exercício do direito à objeção. É dever do médico informar a
mulher, menina ou adolescente do seu direito a realizar o procedimento e indicar outro
profissional da instituição para fazê-lo. Mais precisamente, deve fornecer todas as
orientações relativas ao exercício do direito ao aborto legal; esclarecer que o Estado tem o
dever de dar assistência para a interrupção da gestação de forma segura; praticar todas as
condutas médicas necessárias para garantira saúde da gestante; realizar todos os
procedimentos de emergência necessários; e, sem adotar nenhum procedimento
procrastinatório, encaminhar a mulher ao médico ou a um serviço que estiver habilitado e
capacitado para a realização do ‘aborto legal’ em tempo hábil e com segurança (MS, 2011, p.
21).
Na prática, porém, a objeção de consciência é utilizada por profissionais de saúde
ainda que eles tenham pouco conhecimento ético sobre o tema e normalmente as convicções
religiosas operam papel importante nessa tomada de decisão (DARZÉ, 2018, P. 71). Mas as
justificativas dadas pelos profissionais de saúde não são apenas de ordem religiosa. Também
se vinculam à percepção de que o aborto contraria a missão profissional do médico de salvar
vidas, ao temor de ser rechaçado pelos colegas e taxado como “aborteiro” e, além disso, nos
casos de violência sexual, não é rara uma percepção de que a narrativa da mulher seja falsa
(SANTOS, 2016, p. 36).
Nesse sentido, Porto (2008, p. 665) explica que nem sempre o uso da objeção de
consciência está amparado apenas por valores éticos, morais ou religiosos; em vez disso, o
uso da objeção de consciência se revela como um desrespeito aos direitos reprodutivos das
meninas e mulheres. A pesquisadora, que desenvolveu estudo junto a grupos de profissionais
da saúde em Lisboa, Portugal, país onde o aborto é legalizado até a 10ª semana de gestação,
argumenta que o uso da objeção de consciência tornou-se um poder simbólico, praticado por
médicos ginecologistas/obstetras, anestesistas e, em menor número, a equipe de enfermagem
nas relações de gênero e poder travadas com as pacientes (PORTO, 2008, 665).
Deste modo, considerando a deturpação do uso de estatutos objetores, o exercício do
direito à objeção de consciência deve obedecer aos patamares elencados pelas normas
técnicas do MS e pelo CFM, que estão em conformidade com os ditames ético-fundamentais
norteadores do exercício da medicina e, sobretudo, com as normas constitucionais brasileiras.
Portanto, em hipótese alguma a recusa de consciência pode ser invocada em casos de risco,
urgência, quando não haja outro profissional a fazê-lo, muito menos é possível a invocação de
objeção de consciência institucional (como de hospitais religiosos), eis que tal impossibilitaria
o exercício do direito ao aborto nos casos em que é legalmente permitido. Valores ou crenças
pessoais não podem influenciar na qualidade da assistência em saúde, tampouco dificultar o
acesso, já que a equipe de saúde deve oferecer as intervenções oferecer “intervenções em
saúde que são legais, benéficas e desejadas pelas usuárias dos serviços, como parte de um
sistema público de saúde justo e eficiente” (GALLI, DEZETT, NETO, 2012).
Isso porque é dever do Estado e dos gestores de saúde manter nos hospitais públicos
profissionais que não manifestem objeção de consciência e que realizem atenção humanizada
ao abortamento, conforme previsto em lei. Caso a mulher, menina ou adolescente venha a
sofrer prejuízo de ordem moral, física ou psíquica, em decorrência de omissão na oferta desse
serviço público, poderá recorrer à responsabilização pessoal e/ou institucional no que se refere
ao acesso a esse direito, em termos de oferta de um serviço público3.
2.2 A exigência de Boletim de Ocorrência, exame de corpo de delito e/ou coleta de
materiais
Como indica a Norma Técnica (MS, 2012), o CP não exige qualquer documento,
como B.O. ou laudo do Instituto Médico Legal para a realização do abortamento legal nos
serviços públicos de saúde. A exigência de B.O., exame de corpo de delito e/ou coleta de
materiais como condicionante ao atendimento da gestante é ilegal e eventual temor por parte
dos profissionais da saúde, infundado.
Primeiro, porque o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considera entendimento pacífico
que diante das dificuldades de se obterem outros meios de prova, a palavra da mulher nos
3 Apesar de não ser objeto desta pesquisa, a responsabilidade civil administrativa, amparada nesse quadro
regulatório, cumpre uma função não apenas reparadora mas também preventiva e de controle de qualidade na
prestação de serviços públicos. Nesse aspecto, a falta de serviço ou seu funcionamento deficiente – nesse caso,
que mitigue o direito ao aborto legal – configura responsabilidade civil da administração por fato ilícito, além de
outros danos indenizáveis. A presunção de culpa decorre da ilicitude, ainda que sem identificação de um
culpado. Sendo a objeção um fator importante à mitigação do direito ao aborto, deve o hospital ter uma
composição adequada de seu quadro de médicos e profissionais, com cadastro dos objetores, de modo a
encaminhar a gestante para profissionais desimpedidos, garantindo a preservação de direitos de todas as pessoas
envolvidas (profissionais e pacientes).
crimes de violência sexual tem valor probatório diferenciado. Assim, para fins de acesso ao
serviço de aborto legal, a alegação da mulher em situação de violência deve ser considerada
verídica4. Isso significa que não cabe ao médico ou à equipe de saúde o julgamento sobre a
narrativa do estupro, e o B.O. policial nem sequer é necessário, pois há “presunção de
veracidade na palavra da mulher” (DINIZ, 2011, p. 982). Logo, considerar a presunção de
veracidade na narrativa da mulher significa garantir prioritariamente a sua saúde.
Segundo, porque a natureza do B.O. é declaratória e unilateral, não havendo quaisquer
motivos para sua exigência. O B.O. é simplesmente o registro de uma notícia de crime, em
que a vítima comunica ao Estado a violência sofrida. O documento é um simples relato de um
crime, e não a prova de um crime.
Terceiro, porque tanto o CP quanto o MS garantem normas de proteção aos
profissionais da saúde caso a mulher apresente relato falso sobre a gravidez ser decorrente de
abuso sexual. O art. 20, § 1º do CP dispõe ser “isento de pena quem, por erro plenamente
justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação
legítima".
Além disso, para garantir o amparo legal do médico e também a regulamentação do
serviço, a Portaria GM/MS n.º 1.508/2005 estabelece o Procedimento de Justificação e
Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, que funciona como uma
espécie de procedimento substitutivo ao registro do B.O. Tal protocolo consta de quatro fases,
anotadas junto ao prontuário médico e protegidas pelo sigilo. São elas: (1) preenchimento do
relato circunstanciado do evento criminoso, realizado pela própria mulher, perante dois
profissionais de saúde; (2) parecer técnico do médico responsável; (3) assinatura do Termo de
Responsabilidade e (4) assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Esse documento foi alterado pelas Portarias 2.282/2020 e 2.561/2020 e a participação
da equipe de saúde no início da investigação criminal se intensificou. Os novos documentos
tornaram obrigatória a comunicação da violência sexual à autoridade policial, em uma clara
deturpação das competências das esferas de saúde e policiais, como já se demonstrou em
tópico anterior. Fato é que as alterações normativas fortaleceram as dificuldades já
enfrentadas por meninas e mulheres e podem respaldar exigências ilegais e fragilizar a
confiança necessária para que as mulheres e meninas busquem assistência. Com a revogação
4 “Nos crimes contra a dignidade sexual, geralmente ocorridos na clandestinidade, a palavra da vítima adquire
especial importância, desde que verossímil e coerente com os demais elementos de prova" (STJ, AgRg no REsp,
17/05/2018; STJ, HC 475.442/PE,13/11/2018; STJ AgRg no AREsp 1118273/MG, 18/09/2018).
da Portaria 2.561/2020, retornou à vigência a Portaria nº. 1.508/2005, que deve pautar a
atuação das equipes e profissionais de saúde.
Em verdade, mesmo a recomendação da lavratura do B.O. pela equipe do serviço de
atendimento ao aborto legal (citada como uma opção e um direito) deve ser relativizada, de
modo a não obstar o exercício do direito de gestanteem situação de violência sexual à
realização do abortamento legal. Para que não haja coerção ou constrangimento à mulher, no
momento do atendimento, a equipe deve informar à gestante que a investigação criminal
sobre a violência sofrida é dever do Estado e direito das mulheres, meninas e adolescentes,
assim como são direitos delas o acesso à saúde e ao cuidado digno.
Além da ausência de respaldo legal para a exigência de B.O., também não é adequada
a imposição de exame de corpo de delito ou a coleta de materiais periciais para fins
probatórios. Diniz argumenta que, nos serviços de aborto legal no Brasil, há uma disputa para
determinar a quem cabe a descrição de uma mulher como vítima de estupro: se a ela mesma
na condição de testemunha da violência, ou se à polícia, com os registros investigativos
(DINIZ et al, 2011, p. 292). A exigência de exame de corpo de delito ou a coleta de materiais
e a imposição do B.O. para realização do aborto são, então, tentativas de controlar a narrativa
da mulher que sofreu violência sexual, condições que deslocam a mulher do papel de narrar a
própria história; em um processo no qual adquire relevância apenas os documentos
investigativos e os exames médicos.
É isso que indica estudo realizado com 82 profissionais que atendem em hospitais de
referência para o serviço de aborto legal nas cinco regiões brasileiras. A pesquisa identificou
que mesmo quando não são exigidos documentos investigativos, como o B.O, os profissionais
tendem a buscar o “nexo causal” entre a violência sofrida e a gestação. Isso significa que, para
os profissionais entrevistados, é preciso que o lapso temporal entre a violência e a gestação
narrado pela mulher seja aferível pelos exames laboratoriais e médicos, ou seja, o
acontecimento do estupro deve ser periciado pelas datas e exames. Segundo a pesquisa, essa
exigência é sintoma do “regime de suspeição” imposto às mulheres (DINIZ et al, 2011, p.
296).
Inobstante esse cenário, a exigência, pelos profissionais da saúde e do direito, de
exames, coleta de materiais ou registro de B.O. não encontra respaldo na legislação, tampouco
nas normas técnicas do MS. A prioridade devem ser os cuidados com a saúde das mulheres e
meninas em situação de violência em detrimento das implicações jurídico-investigativas, sob
o risco de submetê-las a uma nova violência, a violência institucional5, praticada pelos
próprios agentes estatais.
2.3 O consentimento de adolescentes: capacidade civil ou autonomia bioética?
Adolescentes e meninas ocupam uma parcela significativa das mulheres que buscam
serviços de aborto legal para interromper uma gestação decorrente de uma violência sexual.
Segundo levantamento de dados feito pelo O Globo (2019), referente a dados de 2018,
provenientes da base de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN)
e obtidos junto ao MS por intermédio da Lei de Acesso à Informação, o perfil das vítimas de
violência sexual no Brasil é composto por meninas abusadas por algum parente ou conhecido.
A cada dez crianças ou adolescentes atendidos no SUS após ter sofrido uma violência sexual,
quatro já tinham sofrido o mesmo tipo de agressão anteriormente. Uma em três pessoas que
sofreu de violência sexual são meninas entre 12 e 17 anos.
Nesse universo de violência, 68% das agressões ocorrem em casa, sendo que 12% dos
abusos são cometidos pelo pai, 12% pelo padrasto e em 26% dos casos os agressores são
outras pessoas conhecidas da criança (dados do MS tabulados pelo Globo, 2020). Esse cenário
revela o amplo contexto de vulnerabilidade no qual estão inseridas as adolescentes que
sofreram violência sexual. Elas não só são quem mais sofrem os abusos registrados pelo SUS,
mas também têm seus familiares e conhecidos como agressores; que são, em muitos dos
casos, pais ou padrastos, ou seja, os responsáveis legais por essas adolescentes.
Por isso, embora não tenham capacidade civil plena (que se inicia aos 18 anos), as
adolescentes devem ser atendidas, de forma prioritária pelo sistema de saúde, mesmo na
ausência dos pais ou responsáveis. Conforme dispõe a Norma Técnica de dos Agravos
Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, todos os esclarecimentos e
riscos sobre aborto legal devem ser fornecidos à adolescente. É indispensável comunicar,
esclarecer e acordar com a adolescente sobre o momento e os procedimentos que serão
realizados (MS, 2012, p. 72).
Em caso de discordância entre a vontade dos pais e da adolescente, conforme a Norma
Técnica supracitada (p.73), se a adolescente deseja continuar com a gravidez, o serviço deve
respeitar o direito de escolha e não realizar nenhum procedimento contra a sua vontade. No
5 Entendemos violência institucional como toda ação ou omissão praticada por agentes públicos e/ou instituições
estatais capaz de gerar dano físico, emocional, psicológico, etc, ou violar direitos. Em regra, a perpetração da
violência institucional acontece em espaços nos quais os agentes têm o dever de garantir direitos ou promover
assistência. Na assistência materno infantil, a violência institucional não raro se expressa por intermédio de
“tratamento grosseiro, ameaças, reprimendas, gritos, humilhação intencional) e violência física (incluindo
não-utilização de medicação analgésica quando tecnicamente indicada), até o abuso sexual (AGUIAR,
D’OLIVEIRA, p. 80, 2011).
caso de haver conflito entre a adolescente, que deseja o aborto, e sua família, a via judicial
deve ser acionada, através do Conselho Tutelar ou Promotoria de Justiça da Infância e da
Juventude. Os órgãos do sistema de garantia da infância devem, a qualquer tempo, agir para a
garantia do melhor interesse da criança e proporcionar ferramentas – tais como a escuta
especializada6 - para sua autonomia e uma tomada de decisão livre e esclarecida.
Isto é, a participação dessas instituições deve, evidentemente, privilegiar o melhor
interesse da adolescente ou criança, preservando-a de itinerários morosos e/ou obstáculos que
intensifiquem o risco à vida que uma gestação resultado de uma violência sexual pode
oferecer. É preciso considerar que nos casos de aborto legal não raro a vida da menina,
adolescente ou criança está em risco e o atendimento eficaz de suas necessidades de saúde
deve ser priorizado.
Em todos os casos, na assistência às crianças e adolescentes deve prevalecer o direito à
saúde, à integridade física e psicológica, em especial quando se tratam de seus direitos sexuais
e reprodutivos. O Código de Ética Médica respalda a atuação do profissional nesse sentido, já
que em seu art. 73, determina o sigilo profissional entre médico e paciente, aplicável também
aos casos envolvendo crianças e adolescentes7.
Considerando o sensível cenário de violência sexual cometida no ambiente doméstico
e familiar, é importante adotar uma interpretação em favor da autonomia e do respeito à
liberdade da criança ou adolescente, fundamentada no fato de que os direitos sexuais e
reprodutivos – inclusive o direito à interrupção da gravidez - são direitos humanos, os quais
estão intimamente ligados à dignidade e à liberdade. Como direitos estritamente vinculados à
personalidade, independem da capacidade ou da maioridade para serem plenamente exercidos
(SCHIOCCHET, 2011, p. 398).
2.4 Direito à informação e divulgação dos hospitais de referência
7 Aspectos relacionados à autonomia e ao atendimento de meninas nos serviços de aborto legal já foram
amplamente desenvolvidos em duas outras oportunidades (SCHIOCCHET, 2013; SCHIOCCHET, BARBOSA,
2013).
6 O instituto da escuta especializada permite a oitiva da criança em casos de violência, previsto na Lei nº
13.431/17, e garante à criança e adolescente vítimas de crime sexual a não revitimização.
Em estudo intitulado o Mapa do Aborto Legal8, identificou-se que, no Brasil, dos até
então 176 hospitais cadastrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES),
do Sistema Único de Saúde (SUS) como Serviço Especializado de Atençãoàs pessoas em
situação de violência sexual para realização de interrupção da gravidez nos casos previstos em
lei, apenas 76 deles já realizou o serviço mais de uma vez. Com a atualização do Mapa do
Aborto Legal durante a pandemia de COVID-19, a equipe de pesquisadoras concluiu que
houve uma redução e 45% na rede mapeada9.
Esses levantamentos confirmam o diagnóstico de que há poucas instituições que
realizam o serviço de aborto legal no Brasil. O já mencionado estudo de Marina Jacobs (2022)
revelou que, em 2019, eram 290 estabelecimentos com oferta de aborto previsto em lei, os
quais estavam em 3,6% (200) municípios brasileiros, concentrados majoritariamente em
municípios da região Sudeste, com altos ou muito altos índices de IDH-M. A maioria desses
estabelecimentos não estavam cadastrados como Serviços de Referência para Interrupção da
Gravidez em casos previstos em lei. Esses dados revelam a desproporção da cobertura entre as
regiões, gerando um impacto desproporcional sobre as meninas e mulheres conforme a
localidade em que habitam, além de reforçar a tese de que há prejuízo na disseminação de
informação às redes de cuidado e às pessoas usuárias.
Como se vê, os dados investigados pelas pesquisadoras são esparsos e de difícil
acesso; sendo estes alguns dos principais obstáculos à concretização desse direito. É frequente
que nem especialistas das áreas em questão saibam ao certo as informações que se aplicam ao
direito ao abortamento no caso de estupro, impondo um contexto de incerteza para as
mulheres. Especialmente no que tange à área médica, a publicização de informações
relevantes é um dever positivado no art. 7, da lei 8.080/1990, no capítulo sobre princípios e
diretrizes. Além disso, o dever de informar é obrigação de todos os entes federativos e não é
9
https://artigo19.org/2020/06/02/atualizacao-no-mapa-aborto-legal-indica-queda-em-hospitais-que-seguem-realiz
ando-o-servico-durante-pandemia/
8 Estudo realizado pela ONG Artigo 19, cujas pesquisadoras entraram em contato com todas as instituições
listadas no CNES, primeiro como usuárias do serviço e, em uma segunda oportunidade, como pesquisadoras
vinculadas à ONG. Os dados foram divididos em dois grupos, dispostos em um mapa: no primeiro grupo
constam todos os 176 hospitais listados no CNES e no segundo grupo aqueles que declararam realizar o
procedimento de aborto legal (somente 76 do total). A base da pesquisa e do mapa foi construída a partir de duas
listas de informações públicas disponibilizadas pelo Ministério da Saúde/MS (a primeira lista é o Cadastro
Nacional de Estabelecimentos de Saúde [CNES], do SUS e contém os hospitais que se autodeclararam como
prestadores do serviço especializado de atenção à vítima de violência sexual com a classificação de atenção à
interrupção da gravidez para os casos previstos em lei; a segunda lista foi solicitada ao MS pelas pesquisadoras,
com base na Lei de Acesso à Informação e é intitulada “Abortos Legais por Estabelecimento, sob o código CID
O04. As informações foram compiladas em tabelas disponíveis no site: https://mapaabortolegal.org/
https://mapaabortolegal.org/
restrito ao SUS, conforme assevera o artigo 15 da mesma lei, na seção sobre competências e
atribuições comuns.
Assim sendo, as políticas públicas devem ultrapassar o nível do MS e atingir todas as
demais Secretarias. As meninas e adolescentes, assim como as mulheres que sofreram estupro
têm o direito de receber informações detalhadas sobre os procedimentos médicos que podem
tomar. No SUS, a lei 12.845/2013 visa a garantir atendimento integral àquelas que estão em
situação de violência nos hospitais da rede do SUS, a qual revela a importância da criação e
divulgação de hospitais de referência para amplo acesso às brasileiras. A competência é das
direções nacionais e estaduais do SUS (art. 16, XI e art. 17, IX, lei 8080/1990).
Ainda que haja o dever de divulgação dessas informações de forma ampla e
sistematizada, a maioria das instituições listadas como hospitais de referência para o serviço
de aborto legal no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) não realiza o
serviço (CNES, 2020). Mesmo o acesso a essas informações é bastante complexo no site
oficial do MS. Isso significa que, o Brasil, além de possuir pouquíssimos serviços para
abortamento legal (apenas 101, de acordo com o MS, embora na prática este número possa ser
menor), possui serviço de informação péssimo, fazendo com que mulheres e meninas fiquem,
muitas vezes, sem saber como concretizar seu direito e sem ter os meios para acessar essas
informações.
Sobre este tema, Marina Jacobs (2022, p. 138) concluiu que “visando a capacidade
de gestão da política pública, a transparência e a informação à sociedade civil, seria
importante a normatização dos registros dos serviços com oferta de aborto previsto em
lei, dos atendimentos e os procedimentos de aborto financiados pelo SUS”, ao identificar
que não só são poucas as instituições existentes e aptas para realizar o procedimento, mas as
que funcionam ainda são frequentemente ameaçadas. Esse cenário ilustra as dificuldades de
implementação das políticas públicas previstas em lei e de divulgação desses serviços. As
políticas públicas devem ser difundidas por diferentes meios, com informações aos agentes
públicos sobre quais deverão ser os procedimentos a serem tomados, quais os hospitais de
referência aptos a desempenhar o serviço e, mais do que isso, deve-se propiciar formação e
capacitação para profissionais.
2.5 Prazo para a realização do abortamento legal – limite de idade gestacional
O Código Penal condiciona o direito ao aborto apenas aos casos de violência sexual,
risco de vida à gestante, anencefalia fetal e outras malformações incompatíveis com a vida
extrauterina. Não há limite de idade gestacional previsto pela lei brasileira, nem outro
requisito para esse direito, de forma que a intencionalidade de interromper a gestação nesses
casos é protegida, sem qualquer outro condicionante. Porém, observa-se que a conceituação
prevista em normas técnicas do MS gera confusão e insegurança às equipes de saúde, ainda
que a previsão específica sobre limite de idade gestacional já esteja absolutamente
ultrapassada pelas melhores evidências em saúde e cuja força normativa deva ser por esse
motivo relativizada.
Isto é, o MS define abortamento como: “a interrupção da gravidez até a 20ª ou 22ª
semana e com produto da concepção pesando menos que 500g. Aborto é o produto da
concepção eliminado no abortamento” (MS, 2011, p. 29). No mesmo sentido, o CREMESP,
por meio do Parecer n. 79.246/01, explicou que abortamento é a interrupção da gravidez até a
20ª ou 22ª semana e com produto da concepção pesando menos que 500g, ou ainda quando
mede até 16,5cm, sendo o aborto o produto da concepção eliminado no abortamento. A partir
da 22ª semana a interrupção da gravidez passa a ser considerada parto prematuro, que pode
ser espontâneo ou eletivo, quando o médico precisa interromper a gestação por algum
motivo especial.
Contudo, esse conceito não pode servir como justificativa para negar o acesso ao
procedimento após esta idade gestacional ou peso fetal. Isso porque normas técnicas servem
para regulamentar o exercício de um direito sem, contudo, restringi-lo além do que a lei o faz.
Nesse caso, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em documento intitulado Abortamento
seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde, considera que a idade
gestacional é relevante apenas para a “escolha do método de abortamento mais apropriado”.
Não há contraindicação expressa de limite de idade gestacional ou de peso fetal para que se
realize um procedimento de aborto, sendo que esses limites não estão baseados em evidências.
A OMS ainda associa essa limitação para o acesso ao aborto a um aumento da mortalidade
materna e a desfechos negativos em saúde que impactam desproporcionalmente meninas e
mulheres mais vulnerabilizadas (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2022).
Nesteponto, é importante ressaltar que as normas do MS apresentam algumas
dissonâncias entre si, especialmente no atendimento de mulheres vítimas de violência sexual e
os casos de anencefalia e risco à vida: a Norma Técnica de Atenção às Mulheres com
Gestação de Anencéfalos (2014), mais recente que a de Atenção Humanizada ao Abortamento
(2011) e a de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra
Mulheres e Adolescentes (2012), que prevê técnicas e orientações de interrupção da gestação
além das 22 semanas. Ou seja, a limitação de idade gestacional ou peso fetal serviria tão
somente para meninas e mulheres vítimas de violência sexual; um tratamento certamente
discriminatório e atentatório do direito à saúde.
Ainda, é importante ressaltar que a busca pelo aborto em idades gestacionais mais
tardias frequentemente está relacionada a disparidades sociais e econômicas no acesso a
serviços, um obstáculo que atinge com mais intensidade meninas e mulheres vítimas de
violência sexual, pobres, negras, indígenas, com deficiência e aquelas vivendo em regiões
mais distantes dos centros e marginalizadas quanto ao acesso à saúde. Como mencionado, os
serviços de aborto legal estão concentrados na região sudeste e presentes em menos de 4%
dos municípios brasileiros. Contrasta com esses dados o alarmante cenário de violência sexual
no país: de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2021, foram registrados
66.020 boletins de ocorrência de estupro no Brasil, incluindo-se o de vulnerável, o que
corresponde a um crescimento de 4,2% em relação a 2020. Portanto, é factível presumir que
os casos de gestação tardia se relacionam ora aos próprios obstáculos de acesso ao aborto
legal ora ao itinerário moroso entre instituições para a garantia do direitos. Negar o
procedimento à meninas e mulheres com base nessa limitação é discriminatório e não
encontra respaldo na legislação.
Em resumo, a legislação brasileira protege o direito ao aborto nas três hipóteses
previstas, sendo que o limite de idade gestacional previsto em norma técnica não pode obstar
o acesso a um direito garantido em lei e na Constituição. Ou seja, nos casos previstos em lei, a
equipe de saúde não pode se recusar a realizar o procedimento em razão do limite de idade
gestacional ou peso fetal, já que a norma técnica está em desacordo com as melhores
evidências científicas, as quais, atualmente, demonstram a possibilidade de aborto em
qualquer momento da gestação. A equipe médica deve ofertar os métodos para interrupção da
gestação sem qualquer forma de discriminação, obedecendo os protocolos vigentes, de forma
que em hipótese alguma a limitação imposta pela norma técnica deve obstar direitos
fundamentais garantidos pela Constituição e pela legislação; o direito à vida e à dignidade de
meninas e mulheres, por exemplo.
2.6 O sigilo do prontuário médico
O sigilo médico é um direito previsto pela Constituição Federal, em seu art. 5°, inciso
X, no Código de Ética Médica (art. 74) e a sua infração é inclusive crime sancionado pelo art.
154 do Código Penal (“Art. 154: Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem
ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir
dano a outrem. Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa”). Esse sigilo se estende ao
prontuário e às informações de meninas e mulheres que buscam atendimento de saúde para a
realização de um aborto legal.
De acordo com a Resolução n. 1.331/89 do CFM, o prontuário médico é o “conjunto
de documentos ordenados e padronizados destinados aos registros dos cuidados médicos
prestados pelos médicos e outros profissionais da saúde nos serviços de saúde pública ou
privada". O direito de acesso à informação garantido pela Constituição Federal (CF) não
enseja a desconsideração da necessidade de sigilo profissional, à medida que o art. 5º, XIV,
CF, ao mesmo tempo em que garante o acesso à informação, assegura que será “resguardado
o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
Neste sentido, de modo a preservar a intimidade da paciente, é dever do médico
respeitar o necessário sigilo do prontuário médico, não divulgando o conteúdo do prontuário
médico sem a anuência do paciente, nos termos do art. 1º da Resolução CFM nº 1.605/2000,
em especial considerando a disposição do Código de Ética Médica, que veda a revelação de
segredo que possa expor a paciente a processo penal. Assim, de acordo com a legislação
vigente a equipe de saúde que desrespeita o sigilo médico está sujeita à responsabilização
ética, civil e penal (DE ARAGÃO, p. 200, 2020).
Isso significa que para um atendimento adequado e digno de meninas e mulheres, o
direito ao sigilo precisa ser respeitado, já que seus direitos reprodutivos somente serão
atendidos se considerados sua integridade corporal, autonomia pessoal e seu direito à
igualdade, em um ambiente seguro e cuja preocupação seja o cuidado e o atendimento de suas
necessidades de saúde.
Casos recentes decididos pela jurisprudência dos tribunais brasileiros reafirmam o
respeito ao sigilo e a nulidade de provas obtidas mediante violação desse direito. Em caso
julgado em março de 2023 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Habeas Corpus nº
783927, de Relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, o tribunal decidiu pelo trancamento
da ação penal em que era investigada mulher que havia sido denunciada pelo médico que a
atendeu após, supostamente, realizar manobras abortivas. A decisão reconheceu que a
instauração do inquérito policial aconteceu mediante denúncia do médico responsável que
encaminhou o prontuário médico da paciente e foi indevidamente arrolado como testemunha.
Em caso decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no Habeas Corpus Criminal nº
2059883-72.2022.8.26.0000 (TJSP, 2022), o TJSP determinou o trancamento do inquérito
policial nº 1501668-38.2021.8.26.0052, diante da ausência de justa causa por violação de
sigilo profissional do Conselho Tutelar, em caso de investigação contra médica que realizou o
aborto em adolescente vítima de stealthing.
A análise até aqui empreendida indica que há um sistema robusto de normativas legais
e técnicas, além de um aparato institucional-sanitário que não podem ser ignorados nas
discussões sobre o acesso ao aborto legal no Brasil. Corrobora essa análise a conclusão de
Marina Jacobs, cujo estudo identificou que a falta de oferta dos serviços de aborto legal
impactam desproporcionalmente mulheres do Norte e Nordeste, mas que, considerando a
capilaridade da atenção primária em saúde, esse seria o local preferencial de oferta em aborto.
Ou seja, a autora indica a aptidão do Sistema Único de Saúde para concretizar o direito ao
aborto, inclusive em atendimento das normas internacionais (JACOBS, 2022).
Os problemas em relação à concretização desse direito são muitos, mas
definitivamente a ausência de aparato institucional, sanitário e jurídico para regulamentá-lo
não é um deles. O que, na verdade, determina a não efetividade desse sistema são os
obstáculos descritos anteriormente. Essas dificuldades adquirem relevância especialmente
diante da criminalização genérica do aborto, o que certamente fortalece o tabu e os
preconceitos em torno do tema, dificultando o acesso à informações tanto paras as mulheres
que se enquadram nas hipóteses legais, quanto para profissionais responsáveis por esse
atendimento.
CONCLUSÕES
O objetivo dessa pesquisa foi sistematizar as normas jurídicas e técnicas concernentes
ao aborto legal no Brasil e, considerando que os grandes entraves situam-se no campo
empírico, discutir a ilegalidade dos obstáculos existentes à concretização desse direito. Vimos
que no Brasil, as hipóteses de exclusão de ilicitude da realização do aborto constam no
Código Penal brasileiro desde sua redação original, aprovada em 1940, sendo então um direito
previsto no ordenamento jurídico brasileiro há mais de sete décadas. Contudo, as práticascotidianas no âmbito sanitário e jurídico ainda destoam da previsão legal, tendo em vista os as
violências institucionais e constrangimentos impostos ilegalmente as mulheres e meninas que
possuem o direito ao aborto legal.
Considerando essa problemática e a paucidade de estudos no campo do Direito que
sistematizam e enfrentam os obstáculos à concretização desse direito, reunimos as
informações sobre as normativas legais e infralegais que regulam o aborto no Brasil, as quais
criam as possibilidades materiais para o exercício do direito previsto na legislação e inclusive
respaldam a responsabilidade dos agentes públicos em caso de descumprimento. Dessa
análise, restou evidente a existência de um aparato normativo, técnico e sanitário para a
concretização do direito ao aborto legal no Brasil.
A despeito do quadro normativo, os obstáculos para a materialização desse direito são
diversos em sua natureza e causas. O estigma da criminalização genérica é um obstáculo
drástico para a materialização desse direito, notadamente por meio de exigência de BO e
exames periciais como o corpo de delito, imposição de limite do prazo gestacional, uso
indiscriminado da objeção de consciência, a falta de informação sobre os serviços de
referência, as violações ao direito de sigilo sobre o prontuário médico e também questões
ligadas à autonomia e o consentimento das adolescentes em situação de violência, seja
doméstica ou sexual.
Além do fantasma da criminalização que parece assombrar os profissionais da
medicina e da saúde em geral, o que percebemos é que o direito das mulheres ao aborto legal
se perde no cotidiano das práticas sociais, muito em função da sobreposição de convicções
morais individuais em detrimento das normas técnicas e jurídicas. A rigor, isso não ocorre
necessariamente por meio de uma oposição ampla e explícita. Essa fragilização e mesmo
perversão do direito positivo vai tomando forma de maneira quase invisível, nas ações mais
corriqueiras e para as quais o crivo de transparência e justificação são simplesmente
dispensados. Tais ações, aparentemente inofensivas, tornam-se arbitrárias e acabam por
impactar as tomadas de decisão desde a chegada da mulher no hospital, passando pelo acesso
à informação, até a definição dos métodos e procedimentos abortivos.
Assim, a problemática central na questão do acesso ao aborto legal continua sendo
efetivação do direito previsto em lei, inobstante a existência de um aparato estatal dedicado à
temática e das normas técnicas que orientam sua efetivação. Concluímos que tanto o
enfraquecimento e a precarização desses serviços quanto o tabu em torno do tema do aborto
impedem que mulheres e meninas acessem o direito previsto na legislação, forçando-as senão
à clandestinidade, à peregrinações indignas e violadoras de direitos. Os problemas de acesso
ao aborto legal no Brasil são obstáculos antigos aos direitos de meninas e mulheres e não
dependem de uma oposição drástica; ao contrário, são empecilhos capilarizados e
impregnados nas práticas cotidianas.
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