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INEFICÁCIA NORMATIVA DO ABORTO LEGAL NO BRASIL: SISTEMATIZAÇÃO DOS OBSTÁCULOS EMPÍRICOS LEGAL ABORTION INEFFICACY IN BRAZIL: SYSTEMATIZATION OF THE EMPIRICAL OBSTACLES Resumo: Este estudo analisa a problemática do acesso ao aborto legal no Brasil, considerado como questão de saúde pública e de direitos humanos das mulheres. Tem por objetivo sistematizar as normas jurídicas e técnicas concernentes ao aborto legal no Brasil e discutir os obstáculos existentes à concretização desse direito. Para isso, a metodologia adotada abarca a pesquisa qualitativa, de índole descritiva e técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, com uso de fontes jurídicas e de áreas correlatas como a saúde. A pesquisa descreve as hipóteses de abortamento legal admitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, diagnostica e analisa os principais aspectos técnico-sanitários que representam obstáculos ao exercício desse direito. Conclui-se que não há base técnica ou normativa para a inefetividade das hipóteses de aborto legal no Brasil; sendo o estigma da criminalização genérica um obstáculo preponderante para a materialização desse direito, notadamente por meio de exigência de B.O. e exames periciais como o corpo de delito, imposição de limite de idade gestacional, uso indiscriminado da objeção de consciência, a falta de informação sobre os serviços de referência, as violações ao direito de sigilo sobre o prontuário médico e também questões ligadas à autonomia e o consentimento das adolescentes que sofreram de violência sexual. Palavras-chave: Aborto. Aborto legal. Direitos sexuais e reprodutivos. Saúde da Mulher. Abstract: This study analyzes the problem of access to legal abortion in Brazil, considered as a public health and women’s human rights issue. Its objective is to systematize the legal and technical norms concerning legal abortion in Brazil and to discuss the obstacles to making the law effective. For this, the methodology adopted includes qualitative research, descriptive, bibliographic and documentary research techniques, using legal sources and related areas such as health. The research describes the possibilities of legal abortion admitted by the Brazilian legal system and analyzes the main technical-sanitary aspects that represent obstacles to the exercise of this right. It is concluded that there is no technical or normative basis for the ineffectiveness of the hypotheses of legal abortion in Brazil; the stigma of generic criminalization is a drastic obstacle to making this laws effective, notably through the requirement of B.O. and expert examinations such as the offense body examination, imposition of a lower gestational term limit, indiscriminate use of conscientious objection, lack of information, violations of the right to confidentiality on medical records and also issues related to the autonomy and consent of teenagers who suffered from sexual violence. Key words: Abortion. Legal Abortion. Sexual and reproductive rights. Women’s health. INTRODUÇÃO De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), ocorrem todos os anos cerca de 500 mil abortos no Brasil. Além disso, a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA, 2016), revelou que uma a cada cinco mulheres brasileiras até a idade de 40 anos já realizou ao menos uma vez este procedimento. Em termos globais, a OMS considera o aborto clandestino e inseguro um problema mundial de saúde pública. Aproximadamente 55 milhões de abortos ocorreram entre 2010 e 2014 no mundo, sendo 45% destes considerados abortos inseguros, sendo que 97% deles aconteceram na África, Ásia e América Latina. O aborto é ainda uma importante causa de óbito materno e, no Brasil, de acordo com dados do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), entre 2006 e 2015, foram registrados 770 óbitos com causa básica aborto, além de 220 óbitos que têm o aborto como uma das causas mencionadas. Desses 770 óbitos, apenas 7 (0,9%) foram devidos a aborto por razões médicas e legais, 115 (14,9%) foram declarados como abortos espontâneos, 117 (15,2%) como outros tipos de aborto e 96 (12,5%) como falha de tentativa de aborto. A distribuição do total de óbitos por aborto entre 2006 e 2015, segundo a raça, manteve distribuição relativamente estável, com aproximadamente metade dos óbitos no grupo de mulheres de cor parda; sendo que o grupo de mulheres de cor preta apresentou os maiores valores quanto à taxa de aborto de 2006 a 2012. Por fim, o SIH (Sistema de Informações Hospitalares) registrou média de aproximadamente 200.000 internações/ano por procedimentos relacionados ao aborto entre 2008 e 2015 (CARDOSO, VIEIRA, SARACENI, 2020). O Brasil está entre os países do mundo com legislações restritivas do aborto, mas insere-se em uma região cujos avanços pela legalização do procedimento tem ganhado notoriedade, em especial pelas recentes alterações na Colômbia e Argentina. Além desses, Uruguai, Guiana, Guiana Francesa e Cuba também legalizaram o aborto. Os demais países latino-americano e africano, em sua maioria, excepcionam a proibição do aborto quando há risco para a saúde da mulher gestante e para fins terapêuticos, com vistas à preservação da saúde. Isto é, a história das reivindicações pela descriminalização ou legalização do aborto se misturam à trajetória no movimento feminista brasileiro (BARSTED, 1992) ao mesmo tempo em que mobiliza grupos antigênero e conservadores, vinculados a uma agenda global de restrição de direitos. Sintoma do acirramento gerado pelo tema são os obstáculos à concretização dos direitos positivados nas hipóteses de aborto legal já previstas pela legislação brasileira. A lacuna sobre este tema vem sendo suprida por estudos recentes que dão conta dos entraves institucionais impostos ao exercício do direito ao aborto legal, porém, na área da saúde e do Direito ainda há uma tendência de que os dados sobre o assunto estejam restritos a reproduzir as hipóteses de excludente de ilicitude previstas no Código Penal (CP) caracterizadoras do aborto legal. Prova disso é que a comunidade jurídica e médica, salvo especialistas que atuam profissionalmente na área, conhecem muito pouco sobre os procedimentos legais e clínicos para o exercício do direito ao aborto legal, ou, ao menos, sentem-se inseguros dadas às confusões normativas e a ausência de informações pautadas em evidências. Em outras palavras, se por um lado, o tema do aborto ganha relativa importância quando se discute sua descriminalização, por outro, o direito ao aborto legal, cuja previsão é expressa no CP brasileiro, tem apenas recentemente reverberado no campo acadêmico, dogmático, institucional e mesmo das práticas sociais. Esse silenciamento, de causas diversas, impacta diretamente na efetividade desse direito. No estudo “Aborto legal no Brasil: revisão sistemática da produção científica, 2008-2018” publicado nos Cadernos de Saúde Pública, em 2020, pesquisadoras da área de Saúde Coletiva e Infectologia identificaram as deficiências na produção científica na área médica sobre o aborto, principalmente em suas hipóteses legais, destacando a falta de informação dos profissionais e escassez de instituições aptas para a prestação desse serviço. Segundo as autoras, um dos principais problemas é a lacuna técnica e científica dos aspectos sanitários e jurídicos que envolvem o aborto legal. A parca produção científica a respeito do aborto legal fica evidente nos resultados encontrados pelas autoras da referida revisão: somente um artigo identificava a insuficiência de instituições para a realização dos serviços. O estudo concluiu que “o conhecimento sobre o aborto legal ainda é escasso, a demanda do procedimento é reprimida e a formação médica é deficiente no tema” (FONSECA, et al, 2020, p. 1). Além da barreira imposta pela falta de informação e pelas lacunas científicas, o estudo identificou que a exigência de Boletim de Ocorrência (B.O.) ou alvará judicial segue como um empecilho para a concretização do direito ao aborto legal e que a objeção de consciência é um instrumentoutilizado pelos profissionais para se recusar à realização do procedimento, ainda que haja pouca ou nenhuma informação sobre o adequado uso dessa prerrogativa médica (FONSECA, et al, 2020, p. 23). Diante desse cenário social e teórico, esta pesquisa se situa na análise do que consideramos um dos temas ainda pouco explorados sob uma perspectiva técnica-jurídica: as hipóteses de aborto previstas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Partindo da hipótese de que o processo de retrocesso e fragilização de direitos, mesmo aqueles garantidos em lei, é muitas vezes bastante sutil, mas com efeitos arrebatadores para a vida de meninas e mulheres, o artigo tem por objetivo geral sistematizar as normas jurídicas e técnicas concernentes ao aborto legal no Brasil e discutir os obstáculos existentes à concretização desse direito. Adota, como metodologia, a pesquisa qualitativa, de índole descritiva. Na perspectiva jurídica, adota como vertente de análise a perspectiva jurídico-social, pois centrada na análise da efetividade normativa. Por fim, utiliza como técnicas de pesquisa a bibliográfica e documental, com uso de fontes jurídicas e de áreas correlatas como a saúde. Para isso, este estudo adota a seguinte estrutura: (1) descrição do quadro regulatório sobre aborto no Brasil, sejam normas legais, infralegais e decisões judiciais de cortes superiores sobre o tema; (2) sistematização de informações sobre os aspectos técnicos-sanitários relevantes para a questão do aborto legal e análise dos obstáculos impostos à concretização desse direito. 1 PANORAMA SOBRE A REGULAÇÃO DO ABORTO NO BRASIL Atualmente, são três as hipóteses de aborto legal admitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Ou seja: não é crime e não se pune o abortamento praticado por médico quando a gravidez: (i) representar risco à saúde da mulher, (ii) em caso de gravidez resultante de estupro e (iii) em caso de gestação de fetos anencéfalos/malformação fetal com inviabilidade de vida extra-uterina. As duas primeiras estão listadas no art. 128 CP brasileiro1. A terceira possibilidade foi admitida em 2012 pela via jurisprudencial, sendo chancelado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) o aborto legal nos casos de gravidez de feto anencefálico na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 54. Na decisão, o STF chancelou a possibilidade da interrupção da gestação de fetos anencefálicos, considerando que se enquadra como aborto necessário para fins terapêuticos. Assim, o entendimento do STF hoje é tratado como a terceira hipótese de aborto legal, em que é excluída a ilicitude da conduta, nos termos do art. 128, I, do CP. Ainda sobre o quadro regulatório do aborto legal no Brasil, vale destacar a Lei n. 12.845/2013 ("Lei do Minuto Seguinte"), o Decreto n˚ 7.958, de 13 de março de 2013 e as Normas Técnicas do Ministério da Saúde (MS) “Atenção Humanizada ao Abortamento” (2011), “Aspectos jurídicos do atendimento às vítimas de violência sexual – perguntas e respostas para profissionais de saúde (2011)”, “Prevenção e Tratamento dos Agravos à Saúde de Mulheres e Adolescentes Vítimas de Violência Sexual” (2012), e “Atenção às mulheres com gestação de Anencéfalos” (2014). Há, ainda, portarias produzidas pelo Ministério da Saúde que regulamentam o procedimento de justificação e autorização da interrupção da gravidez nos casos previstos em Lei pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a Portaria nº. 1.508/2005, atualmente em vigor, e a Portaria 2.561/2020, revogada em janeiro de 2023. Destacamos acima algumas das normativas relacionadas à implementação do direito ao aborto legal e seus aspectos serão discutidos mais detalhadamente adiante. Porém, o sistema normativo para regulamentação do aborto legal no Brasil foi detalhado no quadro abaixo, que reúne as normas legais, infralegais e as principais decisões judiciais sobre o tema: 1 Art. 128: Não é crime e não se pune abortamento praticado por médico(a), se: I - Se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II - Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Tabela 1: Quadros de regulação do aborto no Brasil: legislação, jurisprudência e normas infralegais LEGISLAÇÃO Legislação Escopo Decreto-Lei n˚ 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) Autoriza o aborto em dois casos: gestação decorrente de violência sexual (art. 128, II) e risco de vida para a mulher gestante (art. 128, I). Lei n˚ 10.778, de 24 de novembro de 2003 (Notificação compulsória de violência contra as mulheres) Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Decreto n˚ 7.958, de 13 de março de 2013 (Diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual) Estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde. Lei n. 12.845/2013 (Lei do Minuto Seguinte) Obrigações do serviço público no atendimento de mulheres e adolescentes vítimas de violência sexual. Lei nº. 14.510/2022 Autoriza e disciplina a prática da telessaúde em todo o território nacional JURISPRUDÊNCIA Ação Escopo ADPF 54 (STF, 2012) Possibilidade da interrupção da gestação de fetos anencefálicos. ADI 3510 (STF, 2008) STF decidiu que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida, tampouco a dignidade da pessoa humana, em discussão que tangenciou a questão do aborto. REsp. 1.467.888/GO (Caso Tatielle x Padre Lodi/Associação Pró-vida de Anápolis) (STJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 2016) A realização do aborto nos casos de outras malformações incompatíveis com a vida foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no âmbito do REsp 1.467.888/GO. O STJ entendeu se tratarem de situações absolutamente análogas à anencefalia. HC 124.306 (STF, 1ª Turma, 2016) STF considerou que a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação não pode ser equiparada ao aborto. Seria, assim, hipótese de atipicidade. Decisão sem efeitos vinculantes e nem em face de todos. ADPF 442 (STF, 2017, Ministra Relatora Rosa Weber) (pendente de julgamento) Requer a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, impetrada em 2017, encontra-se atualmente em trâmite, sob relatoria da Min. Rosa Weber. ADPF 989 (STF, 2022, Ministro Relator Edson Fachin) (pendente de julgamento) Requer a declaração do Estado de Coisas Inconstitucional dos serviços de aborto legal no Brasil e que o STF determine a adoção de providências para assegurar a realização do aborto nas hipóteses permitidas no Código Penal e no caso de gestação de fetos anencéfalos. ADI 5581 (STF, 2020) ANADEP alegou diversas omissões do Poder Público no acesso à informação, cuidados de planejamento familiar, serviços de saúde para famílias afetadas pelo Zika vírus e pleiteou a declaração de inconstitucionalidade do enquadramento da interrupção da gestação da mulher infectada pelo Zika vírus como o crime de aborto previsto pelo artigo 124, do Código Penal. Por unanimidade, os Ministros julgaram os pedidos improcedentes diante de óbices processuais sem analisar o mérito. A ação contou com um voto de divergência do Ministro Barroso, que entendeu ser necessária a reflexão sobre a descriminalização do aborto. Habeas Corpus nº 783927 (STJ, 2023) STJ decidiu pelo trancamento da ação penal em que era investigada mulher que havia sido denunciada pelo médico que a atendeu após, supostamente, realizar manobras abortivas. Reafirmou a tese de que a prova é ilícita quando obtida mediante violação do sigilo profissional. NORMAS INFRALEGAIS Regulamentos, normas técnicas e protocolos Documento Escopo Portaria nº. 1.508 de 1º de setembro de 2005 (MS, 2005). Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS. Portaria nº. 2.561 de 23de Setembro de 2020 (MS, 2020). Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em Lei, no âmbito do SUS. Revogada em janeiro de 2023. Portaria n˚ Ministério da Saúde n˚ 78, de 18 de janeiro de 2021 (Diretrizes para a comunicação externa dos casos de violência contra a mulher às autoridades policiais) Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 4, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre as diretrizes para a comunicação externa dos casos de violência contra a mulher às autoridades policiais, no âmbito da Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003. Segundo a portaria, a comunicação externa deve ser feita de forma sintética e consolidada, sem dados que identifiquem a vítima e o profissional, e que apenas excepcionalmente, em caso de risco à vítima ou à comunidade, pode haver a identificação. Atenção Humanizada ao Abortamento (MS, 2011) Norma técnica para revisão de normas gerais de acolhimento, orientação e atenção clínica aos serviços de abortamento. Aspectos jurídicos do atendimento às vítimas de violência sexual – perguntas e respostas para profissionais de saúde (MS, 2011) Norma técnica cujo objetivo é contribuir para uma atuação mais qualificada dos profissionais de saúde, descreve o conceito jurídico-penal de aborto e presta outras informações jurídicas sobre o tema. Prevenção e Tratamento dos Agravos à Saúde de Mulheres e Adolescentes Vítimas de Violência Sexual (MS, 2012) Revisão das normas gerais de atendimento e apoio psicossocial e a atualização de importantes procedimentos profiláticos de atendimento às vítimas de violência sexual. “Atenção às mulheres com gestação de Anencéfalos” (MS, 2014) Norma técnica sobre a possibilidade da interrupção de gestações de fetos anencéfalos, para garantir os direitos das mulheres e subsidiar a conduta de profissionais e instituições de saúde nesses casos, visando, em especial, à redução da mortalidade materna. Norma Técnica Atenção Humanizada às Pessoas em Situação de Violência Sexual com Registro de Informações e Coleta de Vestígios. 1. Ed (Ministério da Saúde, Ministério da Justiça, 2015) Propõe o fortalecimento e a consolidação, em âmbito nacional, da rede integrada de atendimento às mulheres em situação de violência, envolvendo e articulando as diversas áreas de assistência, atenção, proteção e defesa dos direitos das mulheres em situação de violência. Código de Ética Médica -Resolução CFm 1931/2009 (Capítulo I – Princípios Fundamentais, VII) Dispõe sobre o exercício do direito de objeção de consciência pelo profissional médico. Resolução CFM n˚ 1.989/2012 (Antecipação terapêutica do parto em caso de anencefalia) Dispõe sobre o diagnóstico de anencefalia para a antecipação terapêutica do parto e dá outras providências. Resolução CFM n˚ 1.643/2002 e Ofício CFM n˚ 1756/2020 – COJUR (Telemedicina) Define e disciplina a prestação de serviços por meio da Telemedicina. Fonte: elaborado pelas autoras. Como se vê, o Brasil não possui nenhuma lei que regulamente a prática além do Código Penal. Porém, a despeito da criminalização genérica, as hipóteses de aborto legal são regulamentadas pelas normas infralegais acima mencionadas, que, atualizadas conforme a tendência internacional, com base em evidências científicas e em boas práticas de saúde e cuidado, criam e determinam os parâmetros para a atuação dos profissionais da saúde e também para o funcionamento de todo um aparato técnico e sanitário. As dificuldades, portanto, residem menos no campo regulatório e mais no da concretização de direito, um entrave evidentemente vinculado ao contexto de criminalização absoluta. Há, de um jeito ou de outro, normas infralegais, notadamente as normas técnicas do MS e pareceres e resoluções do CFM, documentos denominados soft law2, que viabilizam e criam parâmetros para o exercício dos direitos previstos na legislação. Essa regulamentação não pode ser ignorada pelos agentes públicos que têm o dever de cumprir a obrigação estipulada em lei, nos termos estabelecidos pelas normas infralegais. Isso porque a lei, a norma primária, no caso, as excludentes de ilicitude previstas no CP, genéricas e abstratas, não se realizam plenamente na ausência dessas normas secundárias, que garantem efetividade normativa a esses direitos previstos na legislação. Interessam para as análises aqui propostas os documentos produzidos pelo MS, ou seja, as normas técnicas produzidas por um órgão central na regulação de questões bioéticas, em especial levando em consideração os vácuos deixados pelo Poder Legislativo. No campo da Bioética esses instrumentos regulatórios harmonizam as normas, em uma perspectiva global e nacional, além de orientar condutas e práticas na área da saúde. Essa atuação legiferante de entes da administração indireta não impede, contudo, a relativização desses documentos de soft law e o questionamento de sua legalidade ao suprir uma omissão do legislador (SCHIOCCHET; ARAGÃO, 2021, p. 10). De qualquer sorte, essas normas infralegais não só têm a capacidade de extrapolar a generalidade do direito (da previsão abstrata de hipóteses legais de aborto) para a aplicação concreta do direito (das situações técnicas e práticas de efetivação deste direito ao aborto legal), como também tem sido cada vez mais reconhecidas e incorporadas nas práticas do sistema de justiça. Esses documentos não são lei, evidentemente, mas devem harmonicamente possibilitar e amparar a aplicação da legislação, não sendo jamais instrumentos de restrição de direitos de meninas e mulheres. Servem, além disso, para respaldar a responsabilização administrativa e suporte para decisões judiciais. Portanto, cada um destes dispositivos, porque costurados aos demais, são normativos em si e no conjunto. Não é possível, então, argumentar uma ausência normativa no que diz respeito ao aborto no Brasil. Há um quadro regulatório que respalda inclusive a responsabilização civil, administrativa e penal em caso de descumprimento. O que resta, 2 São denominados como soft law, em oposição à hard law, as normas produzidas por entidades internacionais, em organizações multilaterais ou pessoas jurídicas de direito internacional público, mas também por organizações regulatória não necessariamente ligadas a esse campo. Esses instrumentos tinham maior relevância na esfera internacional, mas atualmente, compõem o quadro de regulação no âmbito interno de muitos países, em resoluções, instruções normativas, notas técnicas e outras normas infralegais e vem paulatinamente sendo reconhecidos pelos tribunais como instrumentos vinculativos (SCHIOCCHET; ARAGÃO, 2021, p. 7). então, é compreender o porquê e em que termos, a despeito desse cenário regulatório, a falta de efetividade desse sistema é um entrave tão significativo para o exercício desses direitos. 2 ASPECTOS TÉCNICOS-SANITÁRIOS DO ABORTO LEGAL: PRINCIPAIS OBSTÁCULOS PARA SUA CONCRETIZAÇÃO Não raro são trazidos à tona pela mídia casos que expõem as dificuldades e violações de direitos de meninas e mulheres cujo direito ao aborto legal previsto em lei é negado ou dificultado. Entre os anos de 2020 e 2023, foram, pelo menos, três casos com ampla repercussão midiática. Em 2020, no Espírito Santo, o caso da menina de 11 anos que, alvo de reiteradas violências sexuais as quais resultaram em uma gestação aos dez anos, ganhou destaque na mídia, especialmente porque a criança viajou entre estados para realizar o procedimento que foi negado na sua cidade de origem (JIMENEZ, 2020). Em 2022, em Santa Catarina, uma reportagem realizada pelos jornais The Intercept e Portal Catarinas divulgou o caso de uma menina de 11 anos que sofreu reiteradas violências institucionais, em especial em audiência presidida com juíza e com a participação a promotora de justiça que empreenderam esforços para coagir a menina a manter a gestação (GUIMARÃES, LARA, DIAS, 2022). Também em 2022, no estado do Piauí, o caso de uma menina de 12 anos grávida pela segunda vez foi divulgado pelaimprensa e os detalhes das violências institucionais foram expostos, com a nomeação de curador especial para o feto, posição ocupada por Defensora Pública, além de outras violações (SENA, 2022; SENA, 2023). Cada um dos casos revela inúmeros entraves e violências institucionais contra meninas sobreviventes de violência sexual, porém, alguns pontos em comum se destacam: a demora em garantir o procedimento de forma oportuna com um itinerário extremamente moroso entre instituições, o que leva ao avanço para além da 22ª semana de gestação e o argumento de que esse seria um limite definitivo à garantia do procedimento. Os casos são relevantes para o estudo aqui desenvolvido porque expõem os principais empecilhos vivenciados de forma perene e cotidiana por meninas e mulheres do Brasil todo. Os casos chocaram o país e mobilizaram disputas no campo ideológico, político e religioso, porém, não é isolado; na verdade, é um triste retrato dos obstáculos experienciados por meninas e mulheres cotidianamente. Este cenário não nos é desconhecido, como não o é para quem tem familiaridade com demandas de meninas e mulheres em busca da concretização de direitos sexuais e reprodutivos. Evidência disso é que, em 29 de junho de 2022, a Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e a Associação da Rede Unida propôs a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº. 989, na qual requer que seja reconhecido o estado de coisas inconstitucional do sistema de saúde pública brasileiro quanto à realização do aborto legal e a adoção de medidas para sanar as lesões a preceitos fundamentais da Constituição, decorrentes de condutas comissivas e omissivas dos poderes públicos da União, de forma direta ou indireta. A ação fundamenta-se nos dois primeiros emblemáticos casos, assim como na promulgação de documento informativo do Ministério da Saúde, em 2020, intitulado “Atenção técnica para prevenção, avaliação e conduta nos casos de abortamento”. O documento foi revogado em janeiro de 2023 e removido de circulação, por ser evidentemente contrário às evidências em saúde e disseminar informações falsas, tal como o fato de que haveria um limite gestacional para realizar o aborto e afirmar que “não há aborto legal”. Ainda que tenha sido revogado o documento do MS, a ação proposta ainda está baseada nos entraves institucionais postos para o exercício do direito ao aborto legal, entre eles o limite de idade gestacional, a falta de disponibilidade do serviço nos municípios e a ausência de informações em um quadro de absoluta inefetividade do direito e de afronta aos preceitos constitucionais. Por isso, respaldadas pela literatura e pela experiência empírica, na condição de advogadas e coordenadora/integrante de projetos de pesquisa e de intervenção social sobre o tema, identificamos e sistematizamos alguns dos principais obstáculos técnicos-sanitários que representam entraves à concretização do direito ao aborto legal, a despeito do farto quadro regulatório exposto no item anterior. São eles: a) o uso indiscriminado do direito à objeção de consciência, b) a exigência de B.O., c) a imposição do exame de corpo de delito e outros exames, d) a questão do consentimento e da autonomia bioética entre adolescentes, e) as discricionariedades na definição do prazo gestacional, f) o nem sempre garantido sigilo do prontuário médico e, por fim, g) as dificuldades de acesso à informação e a necessidade de divulgação dos hospitais de referência. Ou seja, ainda que esses principais entraves já estejam, de alguma maneira, mapeados no campo da saúde, coube a este estudo enfrenta-los sob o ponto de vista normativo e expor os argumentos pelos quais são entraves absolutamente ilegais e indevidos. 2.1 Limites ao direito de objeção de consciência A objeção de consciência, prevista pelo artigo 5º, inciso VIII da CRFB/88 e no Código de Ética Médica (CEM, item VII, capítulo I), tem status de direito fundamental e garante que o médico não seja obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência. O direito à objeção de consciência é um dos princípios fundamentais do exercício da medicina, bem como está expressamente previsto como um direito do médico. No Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, há também previsão específica de que profissionais da enfermagem devem “decidir de acordo com a sua consciência sobre sua participação, desde que seja garantida a continuidade da assistência” nos casos de aborto previsto em lei (art. 73, Parágrafo único, Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem). Porém, não é um direito absoluto a ser exercido de forma indiscriminada. A objeção de consciência é uma prerrogativa utilizada por quem, por convicções íntimas, recusa-se a praticar determinado ato. Previsto constitucionalmente, esse direito exige uma “prestação alternativa, fixada em lei” e caberia ao legislador infraconstitucional criar leis que contenham prestações alternativas que substituíram aquela postura que fere a consciência do indivíduo. No caso do aborto legal, esse instituto não pode ser invocado como simples forma de exoneração de uma obrigação legal a todos imposta; ao contrário, o descumprimento da obrigação deve ser tolerado somente se uma prestação alternativa for cumprida de forma a satisfazer o direito previsto na legislação (SCHIOCCHET, 2020, no prelo). Por isso, o direito à objeção de consciência não é absoluto (DINIZ, 2011, p. 982) e o próprio CEM, em seu item VII do Capítulo I, excepciona as situações de: (1) ausência de outro profissional, (2) os casos de urgência e emergência ou (3) quaisquer outros que possam trazer danos à saúde do paciente da objeção. Especificamente sobre as limitações da objeção de consciência no atendimento ao serviço de aborto, a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento do MS (p. 21, 2011) estabeleceu essa prerrogativa não se aplica: (1) em caso de necessidade do ato, por risco de vida para a mulher; na ausência de outro profissional que o faça; (2) quando a mulher puder sofrer danos ou agravos à saúde em razão do médico; (3) no atendimento de complicações derivadas de abortamento inseguro. O Parecer Consulta n. 151.842/16, do CREMESP, reitera essas informações e ainda destaca a responsabilidade da instituição de saúde: “(...) na outra ponta da responsabilidade está a instituição de saúde que deverá manter profissionais em estado satisfatório quanto ao número, os conhecimentos, as habilidades e atitudes em relação às questões de saúde complexas como na atenção ao abortamento” (Parecer Consulta n. 151.842/16, CREMESP, p.4). Assim, o hospital não pode em hipótese alguma se negar a realizar o procedimento do abortamento legal, uma vez que a objeção de consciência é prerrogativa personalíssima do profissional de saúde e não se estende à instituição. Portanto, os hospitais, clínicas, postos de saúde e demais centros de atendimento devem assegurar o procedimento, encaminhando a gestante para outra equipe de profissionais sem prejuízo à paciente. Nesse mesmo sentido, a orientação prevista pelo MS, contida na Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes de Violência Sexual Contra Mulheres e Adolescentes (MS, 2012, p. 75) estabelece que o médico pode alegar objeção de consciência nos casos de aborto legal por violência sexual. Entretanto, a Norma de 2012 estabelece procedimentos que devem ser seguidos de modo a controlar e limitar o exercício do direito à objeção. É dever do médico informar a mulher, menina ou adolescente do seu direito a realizar o procedimento e indicar outro profissional da instituição para fazê-lo. Mais precisamente, deve fornecer todas as orientações relativas ao exercício do direito ao aborto legal; esclarecer que o Estado tem o dever de dar assistência para a interrupção da gestação de forma segura; praticar todas as condutas médicas necessárias para garantira saúde da gestante; realizar todos os procedimentos de emergência necessários; e, sem adotar nenhum procedimento procrastinatório, encaminhar a mulher ao médico ou a um serviço que estiver habilitado e capacitado para a realização do ‘aborto legal’ em tempo hábil e com segurança (MS, 2011, p. 21). Na prática, porém, a objeção de consciência é utilizada por profissionais de saúde ainda que eles tenham pouco conhecimento ético sobre o tema e normalmente as convicções religiosas operam papel importante nessa tomada de decisão (DARZÉ, 2018, P. 71). Mas as justificativas dadas pelos profissionais de saúde não são apenas de ordem religiosa. Também se vinculam à percepção de que o aborto contraria a missão profissional do médico de salvar vidas, ao temor de ser rechaçado pelos colegas e taxado como “aborteiro” e, além disso, nos casos de violência sexual, não é rara uma percepção de que a narrativa da mulher seja falsa (SANTOS, 2016, p. 36). Nesse sentido, Porto (2008, p. 665) explica que nem sempre o uso da objeção de consciência está amparado apenas por valores éticos, morais ou religiosos; em vez disso, o uso da objeção de consciência se revela como um desrespeito aos direitos reprodutivos das meninas e mulheres. A pesquisadora, que desenvolveu estudo junto a grupos de profissionais da saúde em Lisboa, Portugal, país onde o aborto é legalizado até a 10ª semana de gestação, argumenta que o uso da objeção de consciência tornou-se um poder simbólico, praticado por médicos ginecologistas/obstetras, anestesistas e, em menor número, a equipe de enfermagem nas relações de gênero e poder travadas com as pacientes (PORTO, 2008, 665). Deste modo, considerando a deturpação do uso de estatutos objetores, o exercício do direito à objeção de consciência deve obedecer aos patamares elencados pelas normas técnicas do MS e pelo CFM, que estão em conformidade com os ditames ético-fundamentais norteadores do exercício da medicina e, sobretudo, com as normas constitucionais brasileiras. Portanto, em hipótese alguma a recusa de consciência pode ser invocada em casos de risco, urgência, quando não haja outro profissional a fazê-lo, muito menos é possível a invocação de objeção de consciência institucional (como de hospitais religiosos), eis que tal impossibilitaria o exercício do direito ao aborto nos casos em que é legalmente permitido. Valores ou crenças pessoais não podem influenciar na qualidade da assistência em saúde, tampouco dificultar o acesso, já que a equipe de saúde deve oferecer as intervenções oferecer “intervenções em saúde que são legais, benéficas e desejadas pelas usuárias dos serviços, como parte de um sistema público de saúde justo e eficiente” (GALLI, DEZETT, NETO, 2012). Isso porque é dever do Estado e dos gestores de saúde manter nos hospitais públicos profissionais que não manifestem objeção de consciência e que realizem atenção humanizada ao abortamento, conforme previsto em lei. Caso a mulher, menina ou adolescente venha a sofrer prejuízo de ordem moral, física ou psíquica, em decorrência de omissão na oferta desse serviço público, poderá recorrer à responsabilização pessoal e/ou institucional no que se refere ao acesso a esse direito, em termos de oferta de um serviço público3. 2.2 A exigência de Boletim de Ocorrência, exame de corpo de delito e/ou coleta de materiais Como indica a Norma Técnica (MS, 2012), o CP não exige qualquer documento, como B.O. ou laudo do Instituto Médico Legal para a realização do abortamento legal nos serviços públicos de saúde. A exigência de B.O., exame de corpo de delito e/ou coleta de materiais como condicionante ao atendimento da gestante é ilegal e eventual temor por parte dos profissionais da saúde, infundado. Primeiro, porque o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considera entendimento pacífico que diante das dificuldades de se obterem outros meios de prova, a palavra da mulher nos 3 Apesar de não ser objeto desta pesquisa, a responsabilidade civil administrativa, amparada nesse quadro regulatório, cumpre uma função não apenas reparadora mas também preventiva e de controle de qualidade na prestação de serviços públicos. Nesse aspecto, a falta de serviço ou seu funcionamento deficiente – nesse caso, que mitigue o direito ao aborto legal – configura responsabilidade civil da administração por fato ilícito, além de outros danos indenizáveis. A presunção de culpa decorre da ilicitude, ainda que sem identificação de um culpado. Sendo a objeção um fator importante à mitigação do direito ao aborto, deve o hospital ter uma composição adequada de seu quadro de médicos e profissionais, com cadastro dos objetores, de modo a encaminhar a gestante para profissionais desimpedidos, garantindo a preservação de direitos de todas as pessoas envolvidas (profissionais e pacientes). crimes de violência sexual tem valor probatório diferenciado. Assim, para fins de acesso ao serviço de aborto legal, a alegação da mulher em situação de violência deve ser considerada verídica4. Isso significa que não cabe ao médico ou à equipe de saúde o julgamento sobre a narrativa do estupro, e o B.O. policial nem sequer é necessário, pois há “presunção de veracidade na palavra da mulher” (DINIZ, 2011, p. 982). Logo, considerar a presunção de veracidade na narrativa da mulher significa garantir prioritariamente a sua saúde. Segundo, porque a natureza do B.O. é declaratória e unilateral, não havendo quaisquer motivos para sua exigência. O B.O. é simplesmente o registro de uma notícia de crime, em que a vítima comunica ao Estado a violência sofrida. O documento é um simples relato de um crime, e não a prova de um crime. Terceiro, porque tanto o CP quanto o MS garantem normas de proteção aos profissionais da saúde caso a mulher apresente relato falso sobre a gravidez ser decorrente de abuso sexual. O art. 20, § 1º do CP dispõe ser “isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima". Além disso, para garantir o amparo legal do médico e também a regulamentação do serviço, a Portaria GM/MS n.º 1.508/2005 estabelece o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, que funciona como uma espécie de procedimento substitutivo ao registro do B.O. Tal protocolo consta de quatro fases, anotadas junto ao prontuário médico e protegidas pelo sigilo. São elas: (1) preenchimento do relato circunstanciado do evento criminoso, realizado pela própria mulher, perante dois profissionais de saúde; (2) parecer técnico do médico responsável; (3) assinatura do Termo de Responsabilidade e (4) assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Esse documento foi alterado pelas Portarias 2.282/2020 e 2.561/2020 e a participação da equipe de saúde no início da investigação criminal se intensificou. Os novos documentos tornaram obrigatória a comunicação da violência sexual à autoridade policial, em uma clara deturpação das competências das esferas de saúde e policiais, como já se demonstrou em tópico anterior. Fato é que as alterações normativas fortaleceram as dificuldades já enfrentadas por meninas e mulheres e podem respaldar exigências ilegais e fragilizar a confiança necessária para que as mulheres e meninas busquem assistência. Com a revogação 4 “Nos crimes contra a dignidade sexual, geralmente ocorridos na clandestinidade, a palavra da vítima adquire especial importância, desde que verossímil e coerente com os demais elementos de prova" (STJ, AgRg no REsp, 17/05/2018; STJ, HC 475.442/PE,13/11/2018; STJ AgRg no AREsp 1118273/MG, 18/09/2018). da Portaria 2.561/2020, retornou à vigência a Portaria nº. 1.508/2005, que deve pautar a atuação das equipes e profissionais de saúde. Em verdade, mesmo a recomendação da lavratura do B.O. pela equipe do serviço de atendimento ao aborto legal (citada como uma opção e um direito) deve ser relativizada, de modo a não obstar o exercício do direito de gestanteem situação de violência sexual à realização do abortamento legal. Para que não haja coerção ou constrangimento à mulher, no momento do atendimento, a equipe deve informar à gestante que a investigação criminal sobre a violência sofrida é dever do Estado e direito das mulheres, meninas e adolescentes, assim como são direitos delas o acesso à saúde e ao cuidado digno. Além da ausência de respaldo legal para a exigência de B.O., também não é adequada a imposição de exame de corpo de delito ou a coleta de materiais periciais para fins probatórios. Diniz argumenta que, nos serviços de aborto legal no Brasil, há uma disputa para determinar a quem cabe a descrição de uma mulher como vítima de estupro: se a ela mesma na condição de testemunha da violência, ou se à polícia, com os registros investigativos (DINIZ et al, 2011, p. 292). A exigência de exame de corpo de delito ou a coleta de materiais e a imposição do B.O. para realização do aborto são, então, tentativas de controlar a narrativa da mulher que sofreu violência sexual, condições que deslocam a mulher do papel de narrar a própria história; em um processo no qual adquire relevância apenas os documentos investigativos e os exames médicos. É isso que indica estudo realizado com 82 profissionais que atendem em hospitais de referência para o serviço de aborto legal nas cinco regiões brasileiras. A pesquisa identificou que mesmo quando não são exigidos documentos investigativos, como o B.O, os profissionais tendem a buscar o “nexo causal” entre a violência sofrida e a gestação. Isso significa que, para os profissionais entrevistados, é preciso que o lapso temporal entre a violência e a gestação narrado pela mulher seja aferível pelos exames laboratoriais e médicos, ou seja, o acontecimento do estupro deve ser periciado pelas datas e exames. Segundo a pesquisa, essa exigência é sintoma do “regime de suspeição” imposto às mulheres (DINIZ et al, 2011, p. 296). Inobstante esse cenário, a exigência, pelos profissionais da saúde e do direito, de exames, coleta de materiais ou registro de B.O. não encontra respaldo na legislação, tampouco nas normas técnicas do MS. A prioridade devem ser os cuidados com a saúde das mulheres e meninas em situação de violência em detrimento das implicações jurídico-investigativas, sob o risco de submetê-las a uma nova violência, a violência institucional5, praticada pelos próprios agentes estatais. 2.3 O consentimento de adolescentes: capacidade civil ou autonomia bioética? Adolescentes e meninas ocupam uma parcela significativa das mulheres que buscam serviços de aborto legal para interromper uma gestação decorrente de uma violência sexual. Segundo levantamento de dados feito pelo O Globo (2019), referente a dados de 2018, provenientes da base de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e obtidos junto ao MS por intermédio da Lei de Acesso à Informação, o perfil das vítimas de violência sexual no Brasil é composto por meninas abusadas por algum parente ou conhecido. A cada dez crianças ou adolescentes atendidos no SUS após ter sofrido uma violência sexual, quatro já tinham sofrido o mesmo tipo de agressão anteriormente. Uma em três pessoas que sofreu de violência sexual são meninas entre 12 e 17 anos. Nesse universo de violência, 68% das agressões ocorrem em casa, sendo que 12% dos abusos são cometidos pelo pai, 12% pelo padrasto e em 26% dos casos os agressores são outras pessoas conhecidas da criança (dados do MS tabulados pelo Globo, 2020). Esse cenário revela o amplo contexto de vulnerabilidade no qual estão inseridas as adolescentes que sofreram violência sexual. Elas não só são quem mais sofrem os abusos registrados pelo SUS, mas também têm seus familiares e conhecidos como agressores; que são, em muitos dos casos, pais ou padrastos, ou seja, os responsáveis legais por essas adolescentes. Por isso, embora não tenham capacidade civil plena (que se inicia aos 18 anos), as adolescentes devem ser atendidas, de forma prioritária pelo sistema de saúde, mesmo na ausência dos pais ou responsáveis. Conforme dispõe a Norma Técnica de dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, todos os esclarecimentos e riscos sobre aborto legal devem ser fornecidos à adolescente. É indispensável comunicar, esclarecer e acordar com a adolescente sobre o momento e os procedimentos que serão realizados (MS, 2012, p. 72). Em caso de discordância entre a vontade dos pais e da adolescente, conforme a Norma Técnica supracitada (p.73), se a adolescente deseja continuar com a gravidez, o serviço deve respeitar o direito de escolha e não realizar nenhum procedimento contra a sua vontade. No 5 Entendemos violência institucional como toda ação ou omissão praticada por agentes públicos e/ou instituições estatais capaz de gerar dano físico, emocional, psicológico, etc, ou violar direitos. Em regra, a perpetração da violência institucional acontece em espaços nos quais os agentes têm o dever de garantir direitos ou promover assistência. Na assistência materno infantil, a violência institucional não raro se expressa por intermédio de “tratamento grosseiro, ameaças, reprimendas, gritos, humilhação intencional) e violência física (incluindo não-utilização de medicação analgésica quando tecnicamente indicada), até o abuso sexual (AGUIAR, D’OLIVEIRA, p. 80, 2011). caso de haver conflito entre a adolescente, que deseja o aborto, e sua família, a via judicial deve ser acionada, através do Conselho Tutelar ou Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude. Os órgãos do sistema de garantia da infância devem, a qualquer tempo, agir para a garantia do melhor interesse da criança e proporcionar ferramentas – tais como a escuta especializada6 - para sua autonomia e uma tomada de decisão livre e esclarecida. Isto é, a participação dessas instituições deve, evidentemente, privilegiar o melhor interesse da adolescente ou criança, preservando-a de itinerários morosos e/ou obstáculos que intensifiquem o risco à vida que uma gestação resultado de uma violência sexual pode oferecer. É preciso considerar que nos casos de aborto legal não raro a vida da menina, adolescente ou criança está em risco e o atendimento eficaz de suas necessidades de saúde deve ser priorizado. Em todos os casos, na assistência às crianças e adolescentes deve prevalecer o direito à saúde, à integridade física e psicológica, em especial quando se tratam de seus direitos sexuais e reprodutivos. O Código de Ética Médica respalda a atuação do profissional nesse sentido, já que em seu art. 73, determina o sigilo profissional entre médico e paciente, aplicável também aos casos envolvendo crianças e adolescentes7. Considerando o sensível cenário de violência sexual cometida no ambiente doméstico e familiar, é importante adotar uma interpretação em favor da autonomia e do respeito à liberdade da criança ou adolescente, fundamentada no fato de que os direitos sexuais e reprodutivos – inclusive o direito à interrupção da gravidez - são direitos humanos, os quais estão intimamente ligados à dignidade e à liberdade. Como direitos estritamente vinculados à personalidade, independem da capacidade ou da maioridade para serem plenamente exercidos (SCHIOCCHET, 2011, p. 398). 2.4 Direito à informação e divulgação dos hospitais de referência 7 Aspectos relacionados à autonomia e ao atendimento de meninas nos serviços de aborto legal já foram amplamente desenvolvidos em duas outras oportunidades (SCHIOCCHET, 2013; SCHIOCCHET, BARBOSA, 2013). 6 O instituto da escuta especializada permite a oitiva da criança em casos de violência, previsto na Lei nº 13.431/17, e garante à criança e adolescente vítimas de crime sexual a não revitimização. Em estudo intitulado o Mapa do Aborto Legal8, identificou-se que, no Brasil, dos até então 176 hospitais cadastrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Sistema Único de Saúde (SUS) como Serviço Especializado de Atençãoàs pessoas em situação de violência sexual para realização de interrupção da gravidez nos casos previstos em lei, apenas 76 deles já realizou o serviço mais de uma vez. Com a atualização do Mapa do Aborto Legal durante a pandemia de COVID-19, a equipe de pesquisadoras concluiu que houve uma redução e 45% na rede mapeada9. Esses levantamentos confirmam o diagnóstico de que há poucas instituições que realizam o serviço de aborto legal no Brasil. O já mencionado estudo de Marina Jacobs (2022) revelou que, em 2019, eram 290 estabelecimentos com oferta de aborto previsto em lei, os quais estavam em 3,6% (200) municípios brasileiros, concentrados majoritariamente em municípios da região Sudeste, com altos ou muito altos índices de IDH-M. A maioria desses estabelecimentos não estavam cadastrados como Serviços de Referência para Interrupção da Gravidez em casos previstos em lei. Esses dados revelam a desproporção da cobertura entre as regiões, gerando um impacto desproporcional sobre as meninas e mulheres conforme a localidade em que habitam, além de reforçar a tese de que há prejuízo na disseminação de informação às redes de cuidado e às pessoas usuárias. Como se vê, os dados investigados pelas pesquisadoras são esparsos e de difícil acesso; sendo estes alguns dos principais obstáculos à concretização desse direito. É frequente que nem especialistas das áreas em questão saibam ao certo as informações que se aplicam ao direito ao abortamento no caso de estupro, impondo um contexto de incerteza para as mulheres. Especialmente no que tange à área médica, a publicização de informações relevantes é um dever positivado no art. 7, da lei 8.080/1990, no capítulo sobre princípios e diretrizes. Além disso, o dever de informar é obrigação de todos os entes federativos e não é 9 https://artigo19.org/2020/06/02/atualizacao-no-mapa-aborto-legal-indica-queda-em-hospitais-que-seguem-realiz ando-o-servico-durante-pandemia/ 8 Estudo realizado pela ONG Artigo 19, cujas pesquisadoras entraram em contato com todas as instituições listadas no CNES, primeiro como usuárias do serviço e, em uma segunda oportunidade, como pesquisadoras vinculadas à ONG. Os dados foram divididos em dois grupos, dispostos em um mapa: no primeiro grupo constam todos os 176 hospitais listados no CNES e no segundo grupo aqueles que declararam realizar o procedimento de aborto legal (somente 76 do total). A base da pesquisa e do mapa foi construída a partir de duas listas de informações públicas disponibilizadas pelo Ministério da Saúde/MS (a primeira lista é o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde [CNES], do SUS e contém os hospitais que se autodeclararam como prestadores do serviço especializado de atenção à vítima de violência sexual com a classificação de atenção à interrupção da gravidez para os casos previstos em lei; a segunda lista foi solicitada ao MS pelas pesquisadoras, com base na Lei de Acesso à Informação e é intitulada “Abortos Legais por Estabelecimento, sob o código CID O04. As informações foram compiladas em tabelas disponíveis no site: https://mapaabortolegal.org/ https://mapaabortolegal.org/ restrito ao SUS, conforme assevera o artigo 15 da mesma lei, na seção sobre competências e atribuições comuns. Assim sendo, as políticas públicas devem ultrapassar o nível do MS e atingir todas as demais Secretarias. As meninas e adolescentes, assim como as mulheres que sofreram estupro têm o direito de receber informações detalhadas sobre os procedimentos médicos que podem tomar. No SUS, a lei 12.845/2013 visa a garantir atendimento integral àquelas que estão em situação de violência nos hospitais da rede do SUS, a qual revela a importância da criação e divulgação de hospitais de referência para amplo acesso às brasileiras. A competência é das direções nacionais e estaduais do SUS (art. 16, XI e art. 17, IX, lei 8080/1990). Ainda que haja o dever de divulgação dessas informações de forma ampla e sistematizada, a maioria das instituições listadas como hospitais de referência para o serviço de aborto legal no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) não realiza o serviço (CNES, 2020). Mesmo o acesso a essas informações é bastante complexo no site oficial do MS. Isso significa que, o Brasil, além de possuir pouquíssimos serviços para abortamento legal (apenas 101, de acordo com o MS, embora na prática este número possa ser menor), possui serviço de informação péssimo, fazendo com que mulheres e meninas fiquem, muitas vezes, sem saber como concretizar seu direito e sem ter os meios para acessar essas informações. Sobre este tema, Marina Jacobs (2022, p. 138) concluiu que “visando a capacidade de gestão da política pública, a transparência e a informação à sociedade civil, seria importante a normatização dos registros dos serviços com oferta de aborto previsto em lei, dos atendimentos e os procedimentos de aborto financiados pelo SUS”, ao identificar que não só são poucas as instituições existentes e aptas para realizar o procedimento, mas as que funcionam ainda são frequentemente ameaçadas. Esse cenário ilustra as dificuldades de implementação das políticas públicas previstas em lei e de divulgação desses serviços. As políticas públicas devem ser difundidas por diferentes meios, com informações aos agentes públicos sobre quais deverão ser os procedimentos a serem tomados, quais os hospitais de referência aptos a desempenhar o serviço e, mais do que isso, deve-se propiciar formação e capacitação para profissionais. 2.5 Prazo para a realização do abortamento legal – limite de idade gestacional O Código Penal condiciona o direito ao aborto apenas aos casos de violência sexual, risco de vida à gestante, anencefalia fetal e outras malformações incompatíveis com a vida extrauterina. Não há limite de idade gestacional previsto pela lei brasileira, nem outro requisito para esse direito, de forma que a intencionalidade de interromper a gestação nesses casos é protegida, sem qualquer outro condicionante. Porém, observa-se que a conceituação prevista em normas técnicas do MS gera confusão e insegurança às equipes de saúde, ainda que a previsão específica sobre limite de idade gestacional já esteja absolutamente ultrapassada pelas melhores evidências em saúde e cuja força normativa deva ser por esse motivo relativizada. Isto é, o MS define abortamento como: “a interrupção da gravidez até a 20ª ou 22ª semana e com produto da concepção pesando menos que 500g. Aborto é o produto da concepção eliminado no abortamento” (MS, 2011, p. 29). No mesmo sentido, o CREMESP, por meio do Parecer n. 79.246/01, explicou que abortamento é a interrupção da gravidez até a 20ª ou 22ª semana e com produto da concepção pesando menos que 500g, ou ainda quando mede até 16,5cm, sendo o aborto o produto da concepção eliminado no abortamento. A partir da 22ª semana a interrupção da gravidez passa a ser considerada parto prematuro, que pode ser espontâneo ou eletivo, quando o médico precisa interromper a gestação por algum motivo especial. Contudo, esse conceito não pode servir como justificativa para negar o acesso ao procedimento após esta idade gestacional ou peso fetal. Isso porque normas técnicas servem para regulamentar o exercício de um direito sem, contudo, restringi-lo além do que a lei o faz. Nesse caso, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em documento intitulado Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde, considera que a idade gestacional é relevante apenas para a “escolha do método de abortamento mais apropriado”. Não há contraindicação expressa de limite de idade gestacional ou de peso fetal para que se realize um procedimento de aborto, sendo que esses limites não estão baseados em evidências. A OMS ainda associa essa limitação para o acesso ao aborto a um aumento da mortalidade materna e a desfechos negativos em saúde que impactam desproporcionalmente meninas e mulheres mais vulnerabilizadas (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2022). Nesteponto, é importante ressaltar que as normas do MS apresentam algumas dissonâncias entre si, especialmente no atendimento de mulheres vítimas de violência sexual e os casos de anencefalia e risco à vida: a Norma Técnica de Atenção às Mulheres com Gestação de Anencéfalos (2014), mais recente que a de Atenção Humanizada ao Abortamento (2011) e a de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes (2012), que prevê técnicas e orientações de interrupção da gestação além das 22 semanas. Ou seja, a limitação de idade gestacional ou peso fetal serviria tão somente para meninas e mulheres vítimas de violência sexual; um tratamento certamente discriminatório e atentatório do direito à saúde. Ainda, é importante ressaltar que a busca pelo aborto em idades gestacionais mais tardias frequentemente está relacionada a disparidades sociais e econômicas no acesso a serviços, um obstáculo que atinge com mais intensidade meninas e mulheres vítimas de violência sexual, pobres, negras, indígenas, com deficiência e aquelas vivendo em regiões mais distantes dos centros e marginalizadas quanto ao acesso à saúde. Como mencionado, os serviços de aborto legal estão concentrados na região sudeste e presentes em menos de 4% dos municípios brasileiros. Contrasta com esses dados o alarmante cenário de violência sexual no país: de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2021, foram registrados 66.020 boletins de ocorrência de estupro no Brasil, incluindo-se o de vulnerável, o que corresponde a um crescimento de 4,2% em relação a 2020. Portanto, é factível presumir que os casos de gestação tardia se relacionam ora aos próprios obstáculos de acesso ao aborto legal ora ao itinerário moroso entre instituições para a garantia do direitos. Negar o procedimento à meninas e mulheres com base nessa limitação é discriminatório e não encontra respaldo na legislação. Em resumo, a legislação brasileira protege o direito ao aborto nas três hipóteses previstas, sendo que o limite de idade gestacional previsto em norma técnica não pode obstar o acesso a um direito garantido em lei e na Constituição. Ou seja, nos casos previstos em lei, a equipe de saúde não pode se recusar a realizar o procedimento em razão do limite de idade gestacional ou peso fetal, já que a norma técnica está em desacordo com as melhores evidências científicas, as quais, atualmente, demonstram a possibilidade de aborto em qualquer momento da gestação. A equipe médica deve ofertar os métodos para interrupção da gestação sem qualquer forma de discriminação, obedecendo os protocolos vigentes, de forma que em hipótese alguma a limitação imposta pela norma técnica deve obstar direitos fundamentais garantidos pela Constituição e pela legislação; o direito à vida e à dignidade de meninas e mulheres, por exemplo. 2.6 O sigilo do prontuário médico O sigilo médico é um direito previsto pela Constituição Federal, em seu art. 5°, inciso X, no Código de Ética Médica (art. 74) e a sua infração é inclusive crime sancionado pelo art. 154 do Código Penal (“Art. 154: Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem. Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa”). Esse sigilo se estende ao prontuário e às informações de meninas e mulheres que buscam atendimento de saúde para a realização de um aborto legal. De acordo com a Resolução n. 1.331/89 do CFM, o prontuário médico é o “conjunto de documentos ordenados e padronizados destinados aos registros dos cuidados médicos prestados pelos médicos e outros profissionais da saúde nos serviços de saúde pública ou privada". O direito de acesso à informação garantido pela Constituição Federal (CF) não enseja a desconsideração da necessidade de sigilo profissional, à medida que o art. 5º, XIV, CF, ao mesmo tempo em que garante o acesso à informação, assegura que será “resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Neste sentido, de modo a preservar a intimidade da paciente, é dever do médico respeitar o necessário sigilo do prontuário médico, não divulgando o conteúdo do prontuário médico sem a anuência do paciente, nos termos do art. 1º da Resolução CFM nº 1.605/2000, em especial considerando a disposição do Código de Ética Médica, que veda a revelação de segredo que possa expor a paciente a processo penal. Assim, de acordo com a legislação vigente a equipe de saúde que desrespeita o sigilo médico está sujeita à responsabilização ética, civil e penal (DE ARAGÃO, p. 200, 2020). Isso significa que para um atendimento adequado e digno de meninas e mulheres, o direito ao sigilo precisa ser respeitado, já que seus direitos reprodutivos somente serão atendidos se considerados sua integridade corporal, autonomia pessoal e seu direito à igualdade, em um ambiente seguro e cuja preocupação seja o cuidado e o atendimento de suas necessidades de saúde. Casos recentes decididos pela jurisprudência dos tribunais brasileiros reafirmam o respeito ao sigilo e a nulidade de provas obtidas mediante violação desse direito. Em caso julgado em março de 2023 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Habeas Corpus nº 783927, de Relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, o tribunal decidiu pelo trancamento da ação penal em que era investigada mulher que havia sido denunciada pelo médico que a atendeu após, supostamente, realizar manobras abortivas. A decisão reconheceu que a instauração do inquérito policial aconteceu mediante denúncia do médico responsável que encaminhou o prontuário médico da paciente e foi indevidamente arrolado como testemunha. Em caso decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no Habeas Corpus Criminal nº 2059883-72.2022.8.26.0000 (TJSP, 2022), o TJSP determinou o trancamento do inquérito policial nº 1501668-38.2021.8.26.0052, diante da ausência de justa causa por violação de sigilo profissional do Conselho Tutelar, em caso de investigação contra médica que realizou o aborto em adolescente vítima de stealthing. A análise até aqui empreendida indica que há um sistema robusto de normativas legais e técnicas, além de um aparato institucional-sanitário que não podem ser ignorados nas discussões sobre o acesso ao aborto legal no Brasil. Corrobora essa análise a conclusão de Marina Jacobs, cujo estudo identificou que a falta de oferta dos serviços de aborto legal impactam desproporcionalmente mulheres do Norte e Nordeste, mas que, considerando a capilaridade da atenção primária em saúde, esse seria o local preferencial de oferta em aborto. Ou seja, a autora indica a aptidão do Sistema Único de Saúde para concretizar o direito ao aborto, inclusive em atendimento das normas internacionais (JACOBS, 2022). Os problemas em relação à concretização desse direito são muitos, mas definitivamente a ausência de aparato institucional, sanitário e jurídico para regulamentá-lo não é um deles. O que, na verdade, determina a não efetividade desse sistema são os obstáculos descritos anteriormente. Essas dificuldades adquirem relevância especialmente diante da criminalização genérica do aborto, o que certamente fortalece o tabu e os preconceitos em torno do tema, dificultando o acesso à informações tanto paras as mulheres que se enquadram nas hipóteses legais, quanto para profissionais responsáveis por esse atendimento. CONCLUSÕES O objetivo dessa pesquisa foi sistematizar as normas jurídicas e técnicas concernentes ao aborto legal no Brasil e, considerando que os grandes entraves situam-se no campo empírico, discutir a ilegalidade dos obstáculos existentes à concretização desse direito. Vimos que no Brasil, as hipóteses de exclusão de ilicitude da realização do aborto constam no Código Penal brasileiro desde sua redação original, aprovada em 1940, sendo então um direito previsto no ordenamento jurídico brasileiro há mais de sete décadas. Contudo, as práticascotidianas no âmbito sanitário e jurídico ainda destoam da previsão legal, tendo em vista os as violências institucionais e constrangimentos impostos ilegalmente as mulheres e meninas que possuem o direito ao aborto legal. Considerando essa problemática e a paucidade de estudos no campo do Direito que sistematizam e enfrentam os obstáculos à concretização desse direito, reunimos as informações sobre as normativas legais e infralegais que regulam o aborto no Brasil, as quais criam as possibilidades materiais para o exercício do direito previsto na legislação e inclusive respaldam a responsabilidade dos agentes públicos em caso de descumprimento. Dessa análise, restou evidente a existência de um aparato normativo, técnico e sanitário para a concretização do direito ao aborto legal no Brasil. A despeito do quadro normativo, os obstáculos para a materialização desse direito são diversos em sua natureza e causas. O estigma da criminalização genérica é um obstáculo drástico para a materialização desse direito, notadamente por meio de exigência de BO e exames periciais como o corpo de delito, imposição de limite do prazo gestacional, uso indiscriminado da objeção de consciência, a falta de informação sobre os serviços de referência, as violações ao direito de sigilo sobre o prontuário médico e também questões ligadas à autonomia e o consentimento das adolescentes em situação de violência, seja doméstica ou sexual. Além do fantasma da criminalização que parece assombrar os profissionais da medicina e da saúde em geral, o que percebemos é que o direito das mulheres ao aborto legal se perde no cotidiano das práticas sociais, muito em função da sobreposição de convicções morais individuais em detrimento das normas técnicas e jurídicas. A rigor, isso não ocorre necessariamente por meio de uma oposição ampla e explícita. Essa fragilização e mesmo perversão do direito positivo vai tomando forma de maneira quase invisível, nas ações mais corriqueiras e para as quais o crivo de transparência e justificação são simplesmente dispensados. Tais ações, aparentemente inofensivas, tornam-se arbitrárias e acabam por impactar as tomadas de decisão desde a chegada da mulher no hospital, passando pelo acesso à informação, até a definição dos métodos e procedimentos abortivos. Assim, a problemática central na questão do acesso ao aborto legal continua sendo efetivação do direito previsto em lei, inobstante a existência de um aparato estatal dedicado à temática e das normas técnicas que orientam sua efetivação. Concluímos que tanto o enfraquecimento e a precarização desses serviços quanto o tabu em torno do tema do aborto impedem que mulheres e meninas acessem o direito previsto na legislação, forçando-as senão à clandestinidade, à peregrinações indignas e violadoras de direitos. Os problemas de acesso ao aborto legal no Brasil são obstáculos antigos aos direitos de meninas e mulheres e não dependem de uma oposição drástica; ao contrário, são empecilhos capilarizados e impregnados nas práticas cotidianas. REFERÊNCIAS AGUIAR, Janaína Marques de; D'OLIVEIRA, Ana Flávia Pires Lucas. Violência institucional em maternidades públicas sob a ótica das usuárias. Interface (Botucatu), Botucatu , v. 15, n. 36, p. 79-92, Mar. 2011 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832011000100007&lng=e n&nrm=iso>. access on 15 Mar. 2021. BARSTED, Leila Linhares. Legalização e Descriminalização do Aborto no Brasil: 10 anos de luta feminista. Estudos Feministas, Rio de Janeiro, 1992. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/15804. Acesso em: 14 mar. 2021. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, DF, 12 de abril de 2012. 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