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FUNDAMENTOS DE 
GEOGRAFIA DO BRASIL PARA 
CIÊNCIAS SOCIAIS 
 
 
SUMÁRIO 
1 Explorando conceitos básicos do espaço no contexto das ciências humanas .......... 4 
2 Formação Territorial do Brasil: Aspectos Socioeconômicos e Ambientais .............. 15 
3 Interculturalidade na formação da identidade brasileira: povos indígenas, africanos e 
europeus ................................................................................................................... 25 
4 A Evolução da Divisão Regional no Brasil .............................................................. 34 
5 O CONCEITO DE REGIÃO NA GEOGRAFIA E A QUESTÃO REGIONAL 
BRASILEIRA NOS CONTEXTOS POLÍTICO E SOCIOECONÔMICO ..................... 45 
6 Desafios e perspectivas do desenvolvimento regional no Brasil: governança e 
desigualdades ........................................................................................................... 57 
7 Dinâmica Demográfica Brasileira: Transições e Desafios PARA O Século XXI ...... 65 
8 Desigualdades Regionais e a Evolução Demográfica no Brasil: Uma Análise da 
Qualidade de Vida ..................................................................................................... 72 
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ............................................................................... 81 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Prezado aluno, 
 
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao 
da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um 
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma 
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é 
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a 
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as 
perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão 
respondidas em tempo hábil. 
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa 
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das 
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora 
que lhe convier para isso. 
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser 
seguida e prazos definidos para as atividades. 
 
Bons estudos! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1 EXPLORANDO CONCEITOS BÁSICOS DO ESPAÇO NO CONTEXTO DAS 
CIÊNCIAS HUMANAS 
O espaço geográfico constitui uma delimitação específica na superfície 
terrestre, destacando-se por sua identificação natural, entretanto, também é suscetível 
à influência direta da atividade humana. As modificações realizadas pelo homem 
sobre o ambiente natural refletem suas necessidades e prioridades. Nesse contexto, 
a geografia, como disciplina de natureza social, se dedica ao exame das relações 
entre a sociedade e o meio ambiente, centrando-se nas ações humanas que delineiam 
a configuração terrestre. Para além do conceito primordial de espaço, outras 
categorias como paisagem, região, lugar e território (CORRÊA, 2003) desempenham 
papéis cruciais ao desvendar os complexos laços entre as atividades humanas e a 
estrutura geográfica. 
A consolidação da geografia enquanto ciência ocorreu no final do século XIX e 
início do século XX. Inicialmente, uma disciplina emergiu nas universidades europeias, 
sendo posteriormente solidificada por meio da formação de sociedades geográficas e 
da colaboração entre exploradores naturalistas e acadêmicos O espaço 
desempenhou um papel fundamental nas considerações geográficas, embora suas 
análises nem sempre tenham tido sua totalidade. A dicotomia entre a geografia física 
e a geografia humana, desde o início do desenvolvimento da ciência, representa um 
desafio, e a relação entre sociedade e natureza deve ser entendida como uma 
entidade integrada e não fragmentada. 
A transformação da geografia em uma disciplina científica ocorreu em um 
contexto temporal que testemunhou a expansão do conhecimento e a exploração de 
novas fronteiras geográficas. As universidades europeias foram pioneiras na 
formalização da disciplina, logo seguidas pela instituição de sociedades geográficas 
que forneceram um espaço de colaboração entre estudiosos e exploradores. Nesse 
ambiente, o espaço, como elemento geográfico fundamental, esteve em foco, embora 
sua abordagem tenha variado em profundidade. A tensão histórica entre a geografia 
física e humana delineou uma dualidade conceitual que perdurou ao longo do 
desenvolvimento da disciplina, destacando a complexidade intrínseca da interação 
entre sociedade e ambiente. 
A intersecção entre a natureza e a intervenção humana no espaço geográfico 
 
 
delineia uma relação intrínseca. À medida que o homem transforma o ambiente 
conforme suas necessidades, ele imprime suas marcas distintivas, refletindo o 
alcance de suas necessidades sobre o ambiente circundante. Esse aspecto é o cerne 
da geografia como ciência social, que orienta sua investigação para a análise das 
influências incorporadas pela sociedade na configuração da superfície terrestre. Junto 
ao conceito central de espaço, outras categorias fundamentais, como paisagem, 
região, lugar e território (CORRÊA, 2003), emergem como ferramentas analíticas que 
enriquecem a compreensão das relações intrincadas entre a sociedade e o espaço 
geográfico. Através do Quadro 1 a seguir, pode-se verificar a distinção entre esses 
espaços: 
 
Quadro 1 – Categorias de análise na ciência geográfica e suas características 
 
CATEGORIA 
 
 
DEFINIÇÃO 
Lugar 
O lugar se relaciona à vivência e à identidade. É o espaço que pode ser sentido, 
onde se vivenciam as experiências. 
Paisagem 
A paisagem é um instrumento de análise do espaço geográfico e mobiliza as 
relações humanas. Os sentimentos e as questão subjetivas são expressas 
diretamente no espaço geográfico, transformando a paisagem. Ela pode ser 
classificada como natural e humanizada, considerando os aspectos culturais. 
Território O território tem como características o espaço delimitado por relações de poder. 
Região 
A região expressa uma particularidade de determinado espaço ou apresenta 
características específicas. A região é classificada em região natural e região 
geográfica. Ela pode ser compreendida como uma porção do espaço que 
apresenta uma combinação de elementos da natureza. 
 
Fonte: Adaptado de Santos (2008) 
A evolução do pensamento geográfico pode ser categorizada em quatro 
correntes principais: geografia tradicional, geografia teorético-quantitativa, geografia 
crítica e geografia humanista/cultural. Cada uma dessas correntes reflete diferentes 
abordagens e ênfases na compreensão do espaço geográfico. 
A geografia tradicional, que se estende aproximadamente de 1870 a 1950, 
precedeu as transformações ocorridas nas décadas de 1950 e 1970. Ela sucedeu à 
geografia clássica descritiva e, embora não tivesse o conceito de espaço como central, 
vestígios dessa ideia foram encontrados nas obras de Ratzel, ainda que de maneira 
 
 
implícita. Durante esse período, a atenção da geografia tradicional foi dirigida 
principalmente para os conceitos de paisagem e região. Além disso, houve debates 
sobre a definição do objeto de estudo da geografia e sua identidade em relação a 
outras disciplinas. 
Dentro dessa vertente geográfica, os conceitos de paisagem, região natural, 
região-paisagem e paisagem cultural ganharam destaque e foram amplamente 
discutidos nos estudos da época. Ratzel, por exemplo, compreendeu dois conceitos 
fundamentais em sua abordagem geográfica: o de espaço vital e o de território. Esses 
conceitos possuíam raízes profundas na ecologia e ganharam um papel central em 
seus trabalhos (CORRÊA, 2003). 
Em resumo, a geografia tradicional foi uma fase precursora que precedeu 
mudanças significativas no campoda geografia. Ainda que nessa o conceito de 
espaço não fosse abordagem central, os debates em torno dos conceitos de 
paisagem, região e busca pela identidade disciplinar foram características marcantes 
desse período, com figuras como Ratzel aceitar com ideias fundamentais, como os 
conceitos de espaço vital e território, que possuíam ligações sólidas com a ecologia 
(CORRÊA, 2003). 
A proteção da população e dos recursos naturais em um território específico é 
incontestável. Como afirmado por Corrêa (2003, p. 18), “o espaço, por meio de 
intervenções políticas, assume a forma de território, tornando-se um conceito central 
na geografia.” Isso destaca a importância da dimensão política na transformação do 
espaço em território, um conceito fundamental na disciplina geográfica. 
A corrente teórico-quantitativa, surgida no cenário geográfico por volta de 
meados de 1950, baseia-se no positivismo lógico e provocou profundas mudanças na 
abordagem geográfica. Através do método de pensamento hipotético-dedutivo, essa 
perspectiva adotou uma visão científica que se assemelhava à abordagem das 
ciências naturais. Consequentemente, o espaço, pela primeira vez na história do 
pensamento geográfico, emergiu como o conceito central da disciplina, enquanto os 
conceitos de lugar e território não possuíam a mesma fala na geografia teorético-
quantitativa (CORRÊA, 2003). 
Nessa abordagem geográfica, o espaço é considerado sob duas perspectivas 
não mutuamente exclusivas: a das planícies isotrópicas e das representações 
matriciais. O plano isotrópico é derivado de um paradigma racionalista e hipotético-
 
 
dedutivo, empregando modelos matemáticos para analisar dados quantitativos, como 
densidade demográfica, renda e padrão cultural. O objetivo é aplicar uma lógica 
econômica baseada na minimização de custos e maximização de lucros ou satisfação. 
Por outro lado, as representações matriciais referem-se aos métodos operacionais 
que permitem extrair conhecimento sobre localizações, fluxos, competências e 
especializações funcionais, entre outros aspectos relevantes (CORRÊA, 2003). 
A crítica geográfica corrente surge em 1970, sendo fundamentada no 
materialismo histórico e na dialética. Ela busca, desde o início, romper com as 
abordagens da geografia tradicional e teorético-quantitativa. Nessa perspectiva, o 
espaço é destacado como conceito-chave na compreensão geográfica. A teoria 
marxista é mantida e aplicada para analisar as contradições entre países centrais e 
periféricos, assim como as disparidades entre esses grupos de nações. O foco dessa 
abordagem recai sobre a análise do sistema capitalista. 
Por outro lado, a corrente da geografia humanista/cultural emerge por volta de 
meados da década de 1970. Essa perspectiva redireciona a atenção para os aspectos 
culturais e históricos. Semelhante à abordagem crítica, essa corrente também se 
fundamenta em bases filosóficas, especialmente a fenomenologia e o existencialismo 
(CORRÊA, 2003). 
Operando em um sistema classificatório bastante diferente do nosso, estudos 
antropológicos sobre as cosmologias ameríndias demonstraram que essas culturas 
não estabelecem uma separação entre a vida humana e as formas de vida do mundo 
animal e natural. Em vez disso, compreendem as relações entre esses outros seres e 
os seres humanos como parte constituinte de sua humanidade (TORNQUIST; 
LISBOA; MONTYSUMA, 2010). É relevante destacar o trabalho significativo realizado 
por Eduardo Viveiros de Castro (2011) em relação às sociedades indígenas dos 
territórios latino-americanos. 
Eduardo Viveiros de Castro modificou o conceito de "perspectivismo ameríndio" 
para caracterizar o pensamento das sociedades ameríndias, que desempenha um 
papel importante na virada ontológica. Esse termo descreve a percepção de que o 
mundo é composto por uma multiplicidade de pontos de vista, uma vez que todos os 
seres, humanos e não humanos, têm o potencial de serem ativos (VIVEIROS DE 
CASTRO, 2015, citado em ARMANI, 2020). O perspectivismo implica que o universo 
é habitado por diferentes tipos de seres com capacidade de ação, tanto humanas 
 
 
quanto não humanas. Todos esses agentes percebem os demais existentes de acordo 
com perspectivas diversas. No contexto desse modelo de pensamento, o que é 
comum entre humanos e animais não é a animalidade, mas a capacidade ou 
habilidade de agir, tomar decisões e influenciar eventos no mundo. 
A virada ontológica também possui implicações políticas, pois busca 
consideração não apenas nas ações de não humanos (objetos, animais e outros 
seres), mas também de seres humanos que historicamente foram marginalizados, ou 
seja, colocados à margem da sociedade. 
O filósofo e antropólogo Philippe Descola (2012 apud ARMANI, 2020), lança 
uma crítica contundente à conduta intelectual que, frequentemente, age como se os 
não humanos não estivessem presentes em todos os lugares da vida social. Ele 
salienta a importância de reconhecer a presença e influência desses não humanos 
em todas as esferas da existência humana, lembrando-nos que as interações que 
moldam nosso mundo não se limitam apenas às instituições que guiam a vida dos 
seres humanos. Essa perspectiva desafia a visão convencional e impulsiona uma 
compreensão mais profunda das complexas redes de relações que conectam seres 
humanos e não humanos. 
Esses questionamentos têm impulsionado a chamada virada ontológica, cujos 
principais autores incluem o próprio Descola, Eduardo Viveiros de Castro, Bruno 
Latour, Manuela Carneiro da Cunha, Dawi Kopenava, Ailton Krenak, entre outros 
(ARMANI, 2020). 
Em linhas gerais, esse movimento questiona as posições de sujeito e objeto, 
abraçando a instabilidade dessas categorias e, mais ainda, desestabilizando as 
posições de pesquisador/antropólogo e objeto de estudo (encapsulado na figura do 
“nativo”). Essa virada tem possibilitado que grupos tradicionalmente assinalados como 
nativos (caso das populações indígenas) possam desenvolver teorias acerca das suas 
próprias sociedades (assim como de seus visitantes) (SÁ JÚNIOR, 2014). Essa 
abordagem — à qual é também dado o nome de antropologia simétrica — tem 
permitido o reconhecimento da multiplicidade conceitual da noção de natureza. 
humanidade. 
Os seres humanos têm o hábito de criar sistemas classificatórios para organizar 
o mundo ao seu redor e suas experiências cotidianas. Isso envolve categorizar 
pessoas, seres e objetos em grupos como masculino ou feminino, estabelecer 
 
 
relações de parentesco, e até mesmo classificar aspectos do cosmos e entidades com 
base em sistemas religiosos e cosmologias. 
Nos sistemas classificatórios ocidentais, a dicotomia entre natureza e cultura 
desempenha um papel significativo. Frequentemente, usamos a palavra “natural” para 
denotar uma suposta verdade ou essência humana imutável e universal. Por exemplo, 
podemos ouvir frases como "É natural que os homens sejam os provedores da família" 
ou "Os seres humanos ocupam naturalmente o topo da cadeia alimentar". Nesses 
casos, "natureza" é usada para implicar uma verdade intrínseca e inquestionável. 
Por outro lado, também é comum ouvirmos expressões como "A revolta da 
natureza" ou "A vingança dos tubarões", nas quais "natureza" é usada para 
representar forças ou eventos além do controle humano, muitas vezes associadas a 
princípios imutáveis e lógicas próprias. 
A sociologia contribui ao destacar que a distinção entre natureza e cultura não 
é algo transcendental, mas sim uma construção histórica e cultural moldada pelas 
ações humanas. Isso implica que o significado de "natureza" e "cultura" está 
intrinsecamente ligado a um outro. Em diferentes sociedades e culturas ao longo do 
tempo e do espaço, a maneira como essas categorias são articuladas podem variar. 
Como já foi dito, algumas sociedades, como as cosmologias ameríndias 
desenvolvidas pela antropologia, não separam a vida humana das formasde vida 
animal e natural. Nessas culturas, as relações entre seres humanos e outros seres 
são vistas como parte constitutiva da humanidade. 
Em resumo, o conceito de "natureza" é uma construção cultural e histórica que 
reflete os valores e representações de uma sociedade. Isso permite que as ciências 
sociais explorem temas que antes eram considerados exclusivos das ciências 
naturais, como corpo, emoção, sexualidade e relações interespécies. Essa 
abordagem relacional entre natureza e cultura nos ajuda a compreender como 
diferentes sociedades concebem e interagem com o mundo ao seu redor. 
Nas sociedades capitalistas modernas, a natureza frequentemente é percebida 
como uma entidade separada da cultura, um campo ontológico externo que existe 
para ser explorado, civilizado e dominado em benefício pleno da humanidade. Essa 
visão tem suas raízes nas mudanças significativas que ocorreram na Europa a partir 
do século XVI, quando o humanismo surgiu em meio a profundas transformações 
sociais, econômicas e políticas que moldaram a forma como a sociedade interage com 
 
 
o ambiente natural. Essa perspectiva dualista entre natureza e cultura tem 
influenciado não apenas a exploração dos recursos naturais, mas também as atitudes 
em relação à conservação ambiental e ao equilíbrio entre desenvolvimento econômico 
e preservação do meio ambiente. 
Durante os séculos XVI e XVII, a Europa testemunhou a Revolução Científica, 
um período caracterizado por uma ruptura significativa com os dogmas religiosos que 
dominaram a Idade Média. Essa revolução não apenas redefiniu a compreensão da 
natureza de forma mais racional, mas também estabeleceu uma nova visão de mundo, 
frequentemente chamada de humanismo, que colocou o "homem" no epicentro do 
conhecimento. Esse período de transformação não se limitou apenas ao domínio 
científico, mas também se estendeu à produção artística, onde a obra "O Homem 
Vitruviano" de Leonardo da Vinci se destaca como um exemplo notável. Essa 
representação icônica ilustra o homem como o ideal de perfeição, proporção e 
harmonia, simbolizando a transição da concepção medieval para uma abordagem 
mais centrada no ser humano em uma época que redefiniu os paradigmas da ciência 
e da cultura. 
 
Figura – O homem Vitruviano de Leonardo da Vinci, é um símbolo do 
antropocentrismo moderno 
 
Fonte: O homem... (2019, documento on-line). 
O filósofo, físico e matemático René Descartes (1596–1650) desempenhou um 
papel importante nesse contexto. Em sua perspectiva, a natureza era vista como uma 
 
 
máquina que poderia ser comprovada em termos de números e detalhes. Isso fez com 
que a natureza deixasse de ser vista como uma criação divina (obra de Deus) e 
passasse a ser considerada sujeita às leis de funcionamento. Isso implicava que os 
seres humanos passaram a assumir uma posição externa à natureza, transformando-
a em objeto de estudo científico e de dominação. Essa abordagem cartesiana da 
natureza como máquina fundamentou a cultura ocidental moderna. 
Assim, nas sociedades ocidentais modernas, a relação entre natureza e cultura 
é frequentemente hierárquica, com uma clara separação entre os dois. Isso contrasta 
com outras culturas em que as fronteiras entre natureza e cultura são mais fluidas e 
permeáveis, como é o caso das cosmologias indígenas mencionadas acima. 
Já a geografia utiliza o conceito de trabalho e cultura para refletir sobre como 
os espaços naturais sofrem a intervenção humana e se transformam em espaços 
geográficos. O espaço natural, conforme definido pelo geógrafo Milton Santos, é a 
"primeira natureza" ou o espaço intocado pelo ser humano e que não ocorreu 
transformações (SANTOS, 2008). Neste contexto, observamos todos os elementos 
naturais, como clima, relevo, hidrografia, etc. No entanto, na atualidade, é cada vez 
mais difícil encontrar um espaço verdadeiramente natural, uma vez que o homem 
realiza mudanças constantes no ambiente. Exemplos remanescentes de espaços 
naturais incluem geleiras e algumas matas ou florestas intocadas, como alguns 
trechos da Floresta Amazônica. 
O espaço geográfico é considerado o principal objeto de estudo da geografia. 
De acordo com Santos (2008), é entendido como uma "segunda natureza" e é definido 
como o espaço que foi alterado pelo homem ao longo da história, à medida que este 
se apropria da natureza por meio do trabalho, das técnicas e da cultura, que engloba 
valores e implicações. O espaço geográfico é formado pela combinação dos 
elementos naturais com os elementos sociais. 
Elementos como cidades, prédios, estradas asfaltadas e parques são 
considerados espaços geográficos. Por exemplo, a praia de Copacabana, no Rio de 
Janeiro, é um espaço geográfico, pois as atividades comerciais e esportivas, são 
intervenções humanas que moldam o uso desse espaço como visto na Figura 2. 
 
Figura 2 – Praia de Copacabana invadida pela intervenção humana 
 
 
 
Fonte: adaptado de https://shre.ink/2a3O 
Essas definições são fundamentais para compreender a geografia e sua 
importância na análise das transformações do ambiente em decorrência da ação 
humana, bem como na compreensão das relações entre sociedade e natureza. 
Portanto, o espaço geográfico representa o resultado das interações entre seres 
humanos e o ambiente natural ao longo do tempo. 
Todo espaço, seja ele natural ou não, pode ser observado, descrito e analisado, 
surgindo assim um novo conceito, o de paisagem. Ela, além de ser um instrumento 
visual para analisar o espaço geográfico, influencia profundamente os humanos. Ela 
reflete sentimentos e questões subjetivas, moldando o ambiente. Classificado em 
natural e humanizada, incorpora aspectos culturais. (SANTOS, M. 2008). 
A definição de paisagem é essencial, pois desenvolve a habilidade e 
observação, descrição e análise, além de promover a compreensão e o entendimento 
das razões por trás da paisagem que se observa. Isso possibilita que a reflexão sobre 
questões como onde, como, por quê, por quem e para quem determinada paisagem 
existe. 
Segundo Santos (2008, p. 40), a paisagem abrange tudo o que podemos ver, 
tudo o que a nossa visão alcança. Ela engloba não apenas volumes, mas também 
núcleos, movimentos, odores, sons e muito mais. A paisagem é um conjunto de 
elementos diversos, de diferentes épocas e pedaços de tempos históricos que 
representam várias maneiras de produzir e construir o espaço. 
No cotidiano, vivenciamos diversas paisagens, como a rua em que moramos, 
 
 
o caminho para a escola ou o parque onde brincamos. A paisagem é dinâmica e se 
transforma ao longo do tempo. Se pensarmos no bairro em que vivemos nos últimos 
20 anos, podemos notar mudanças significativas, como a substituição de casas por 
prédios, o surgimento de novos estabelecimentos comerciais e melhorias na 
infraestrutura. 
As paisagens podem ser convencionais em dois tipos principais: 
• Paisagens naturais: são compostas basicamente por elementos da 
natureza que sofreram pouca ou nenhuma intervenção humana, como uma 
floresta intocada ou uma geleira. 
• Paisagens culturais: são aquelas formadas por elementos construídos pelo 
ser humano ou que passaram por transformações devido ao trabalho 
humano. Exemplos incluem cidades, parques e áreas de cultivo. 
As paisagens culturais podem apresentar predomínio de elementos culturais 
ou naturais. Por exemplo, um bairro é uma paisagem cultural com predominância de 
elementos construídos pelo homem, enquanto um parque ambiental representa uma 
paisagem cultural com elementos naturais modificados pelo ser humano, como 
caminhos e áreas de lazer. 
O estudo da paisagem assume um papel de importância fundamental na 
compreensão do mundo circundante, suas mudanças ao longo do tempo e a relação 
entre elementos naturais e culturais que se encontram presentes nas paisagens 
observadas diariamente. Nessa perspectiva, a pesquisa sobre paisagens possibilita 
uma apreciaçãomais profunda das complexidades e interações que definem a relação 
humana com o ambiente natural e construído. 
A interseção entre a ciência, a filosofia e as ciências sociais contemporâneas 
têm gerado um terreno fértil para a revisão e reconstrução de conceitos arraigados, 
especialmente aqueles relacionados à nossa percepção da natureza e da cultura. 
Nesse contexto, as reflexões de Bruno Latour, destacado pensador contemporâneo, 
sobre o conceito de "Gaia" emergem como uma abordagem inovadora que desafia as 
fronteiras tradicionais e nossa compreensão do mundo que nos cerca. 
Nas obras e palestras mais recentes de Bruno Latour, a figura de “Gaia” é 
usada para avançar sua crítica à cosmopolítica ocidental e para problematizar a noção 
de natureza como um bloco homogêneo (CASTRO; OLIVEIRA, 2018). Gaia é evocada 
como uma metáfora para os processos de uma Terra que está viva, reabrindo a noção 
 
 
de Natureza e redistribuindo o que havia sido embalado dentro desse conceito 
(CASTRO; OLIVEIRA, 2018, p. 354). 
Em contraposição à noção de que a Terra seria um espaço inerte, Gaia 
representa um mundo animado composto por múltiplas entidades que reagem às 
nossas ações de maneira não necessariamente previsível (CASTRO; OLIVEIRA, 
2018). Gaia compreende ondas de ação que não regulam fronteiras entre humanos e 
natureza, sociedade e indivíduo. Nessa perspectiva, os agentes são como vizinhos 
que interagem ativamente entre si (CASTRO; OLIVEIRA, 2018, p. 356). 
Um exemplo dado pelos autores é a poluição dos oceanos por plástico, em que 
o descarte de plásticos nos oceanos resulta em uma complexa rede de interações 
entre organismos vivos e elementos inorgânicos. Essas interações incluem a 
manipulação lenta desses materiais no oceano, os peixes que ingerem com esses 
resíduos e, eventualmente, se tornam parte da cadeia alimentar humana, carregando 
consigo componentes químicos tóxicos (CASTRO; OLIVEIRA, 2018). 
Esse exemplo ilustra a complexa teia de interações e constituições mútuas 
entre seres vivos e elementos inorgânicos. Sob a perspectiva de Gaia, não há uma 
distinção clara entre um ser e seu ambiente, dissolvendo a ideia de dentro e fora 
(CASTRO; OLIVEIRA, 2018). 
Por fim, é enfatizado que a atual crise ecológica é resultado da perspectiva 
moderna que separa natureza e cultura. Portanto, é urgente buscar uma nova 
sensibilidade capaz de reconectar agentes e o coletivo (CASTRO; OLIVEIRA, 2018). 
Com o avanço das ciências sociais contemporâneas, emergiram uma série de 
terminologias, conceitos e modelos analíticos destinados a aprofundar nossa 
compreensão da intrincada rede de interações que abarca tanto os agentes humanos 
quanto os não humanos. Isso engloba uma variedade de elementos, como 
populações, ecossistemas, modos de produção, comunidades e uma ampla gama de 
formas de vida que coexistem na Terra. Esses desenvolvimentos representam um 
esforço contínuo para desvendar as complexidades subjacentes às relações que 
moldam nosso mundo. 
Em conclusão, torna-se incontestável que a separação artificial entre natureza 
e cultura representa uma construção fabricada pela modernidade ocidental, cujo 
surgimento ocorreu em um contexto histórico bem definido nos séculos XVI e XVII, e 
que atualmente está sendo objeto de questionamento e revisão. Esta reflexão lança 
 
 
luz sobre o fato de que a atual crise ambiental transcende sua dimensão puramente 
ecológica, pois afeta profundamente diversas populações vulneráveis em todo o 
mundo, destacando a interdependência indissolúvel entre os desafios ambientais e 
sociais que enfrentamos no século XXI. 
2 FORMAÇÃO TERRITORIAL DO BRASIL: ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS E 
AMBIENTAIS 
Quando os portugueses chegaram ao Brasil em 1500, resgataram um território 
já habitado por diversos grupos étnicos indígenas, que há séculos ocupavam essa 
região. A presença dos colonizadores portugueses marcou uma mudança significativa 
na forma de uso e ocupação do território brasileiro. 
A coroa portuguesa e os colonos enviados para o Brasil adotaram um modelo 
de colonização baseado na exploração de recursos naturais, terras e mão de obra 
disponível na colônia, visando direcionar os produtos extraídos para uma metrópole. 
Esse processo de colonização teve um impacto profundo na vida dos indígenas, que 
já habitavam o território brasileiro. Como observado por Moreira (2011, p. 11), os 
colonos portugueses encontraram um território povoado por uma diversidade de tribos 
indígenas cujo soma chega a uma população de mais de cinco milhões de habitantes. 
Espaço e força de trabalho aí estão reunidos. 
Durante cerca de três séculos, os portugueses, juntamente com os 
bandeirantes, que eram exploradores que adentravam o interior das terras brasileiras, 
e os religiosos jesuítas, desempenharam papéis fundamentais na alteração das 
formas de uso e ocupação do território brasileiro. Essas intervenções tiveram 
consequências significativas tanto para a paisagem geográfica quanto para a vida dos 
povos indígenas que já habitavam o território. 
Portanto, a chegada dos portugueses ao Brasil e a subsequente colonização 
representaram um ponto de virada na história do uso e ocupação do território 
brasileiro, tendo impactos na cultura e na sociedade indígena, bem como na 
exploração dos recursos naturais e na configuração geopolítica da região. 
Os três primeiros séculos serão dedicados a essa tarefa de disponibilização, 
realizada por intermédio de uma ação simultânea de expropriação e 
realocação territorial das tribos indígenas. A expropriação será a tarefa dos 
bandeirantes. A realocação, dos jesuítas. Disponibilizado, o espaço pode 
 
 
agora ser ocupado pelo colono. E a população indígena dele despojada, 
usada como força de trabalho (MOREIRA, 2011, p. 11–12) 
Durante esse período, a disponibilização do espaço envolveu ações 
simultâneas de expropriação e realocação das tribos indígenas. Os bandeirantes 
desempenharam o papel de expropriadores, explorando e expandindo as fronteiras 
territoriais, enquanto os jesuítas desempenharam um papel na realocação das tribos. 
Esse processo permitiu a ocupação efetiva do espaço pelos colonos, muitas vezes à 
custa da população indígena, que foi despojada e usada como força de trabalho. Essa 
dinâmica complexa ilustra os desafios e as consequências sociais da colonização 
inicial do Brasil. 
A organização inicial do território brasileiro ocorreu por meio das capitanias 
hereditárias, que representavam uma estratégia de distribuição de terras 
implementada pelos colonizadores, dando continuidade às práticas estabelecidas. As 
capitanias hereditárias eram áreas de terra designadas aos donatários e transmitidas 
por hereditariedade, passando de pais para filhos. Cada donatário tinha a 
responsabilidade de administrar e proteger as terras que lhe fossem concedidas, além 
de cumprir as obrigações estipuladas pelo rei de Portugal. 
Essa estrutura de capitanias hereditárias desempenhou um papel fundamental 
na colonização do Brasil, estabelecendo um sistema de governança descentralizada 
em que os donatários detinham autoridade sobre suas respectivas áreas. Isso 
influenciou profundamente como o território foi explorado e ocupado durante os 
primeiros anos da colonização. 
Essa divisão territorial representou uma tentativa de organização do vasto 
território recém-descoberto, atribuindo diferentes áreas a donatários encarregados de 
sua administração. A criação das capitanias hereditárias foi uma iniciativa do rei D. 
João III e marcou o início da presença colonial portuguesa no Brasil. Embora as 
capitanias tenham desempenhado um papel significativo na colonização, a 
subsequente adoção da administração centralizada a partir de 1548, com a criação 
do Governo-Geral, desempenhou um papel crucial no estabelecimento de uma 
estrutura mais eficaz de controle sobre a colônia. Esse período inicial da colonização 
deixou um legado significativona história do Brasil. 
As capitanias hereditárias foram a primeira medida real de colonização 
tomada pelos portugueses em relação ao Brasil. Com as capitanias, foi 
implantado um sistema de divisão administrativa por ordem do rei português 
 
 
D. João III, em 1534. A América Portuguesa foi dividida em 15 faixas de terra, 
e a administração dessas terras foi entregue aos donatários. As capitanias 
existiram no Brasil durante séculos, mas, a partir de 1548, uma nova forma 
de administrar o Brasil foi criada (SILVA, 2020, documento on-line). 
Na Figura 1 abaixo, é possível observar as capitanias hereditárias e os 
europeus designados como donatários, ou seja, aqueles que receberam parcelas de 
terra para administrar. Essa representação cartográfica ilustra a distribuição das 
capitanias e os respectivos donatários, destacando a divisão territorial realizada 
durante o período colonial no Brasil. 
 
Figura 1 – Capitanias hereditárias do Brasil Colônia. 
 
Fonte: https://shre.ink/2wrU 
Outra maneira de organizar o espaço geográfico do Brasil, especificamente no 
 
 
que diz respeito à distribuição de terras, foram as sesmarias. As sesmarias foram 
instituídas com o propósito de introduzir práticas agrícolas e promover o povoamento 
das novas terras pertencentes à coroa portuguesa. 
A Sesmaria era um lote de terras distribuídas em nome do rei de Portugal para 
o cultivo de terras virgens, sendo amplamente utilizada no período colonial brasileiro. 
Originada nos últimos estágios da Idade Média em Portugal, começou com as 
capitanias hereditárias em 1534 e foi abolida durante a independência do Brasil em 
1822, tendo sua origem nas terras comunais de Portugal e sua distribuição entre os 
habitantes rurais. (PINTO, 2020). 
Conforme Théry e Mello-Théry (2005), os ciclos econômicos desempenharam 
um papel fundamental no processo de povoamento do território brasileiro. Segundo 
esses autores, a interiorização do país, que durante muito tempo esteve concentrada 
nas faixas litorâneas, ocorreu por meio dos diversos ciclos econômicos. Estes ciclos, 
de acordo com a mesma fonte, foram responsáveis por contribuições à exploração de 
regiões até então desocupadas. 
Iniciava-se, assim, a formação de um “arquipélago” brasileiro, com uma espécie 
de mosaico de regiões autônomas. Formava-se um país de diferenças regionais, com 
uma série de ciclos econômicos em regiões distintas. Cada tipo de produção afetou 
uma região diferente do país, permitindo novos povoamentos (chamados de 
“interiorização”) (Théry; Mello-Théry, 2005). 
Até o século XVII, predominava o ciclo econômico do açúcar, restrito às áreas 
territoriais do litoral onde se cultivava cana-de-açúcar e se produzia açúcar em 
engenhos. Depois, iniciou-se um processo de interiorização, povoamento e expansão 
para Minas Gerais, com a descoberta de ouro. O ciclo econômico do ouro começou 
no final do século XVII (Théry; Mello-Théry, 2005). 
A mineração em Minas Gerais impulsionou a mudança da capital do Brasil 
Colônia. A capital, que antes era Salvador, passou a ser o Rio de Janeiro. Com essa 
mudança, o centro econômico, que era restrito ao litoral nordestino, deslocou-se para 
o centro-sul brasileiro. Isso intensificou o processo de interiorização do Brasil; 
formaram-se vilas e, consequentemente, polos de mineração. 
Em seguida, iniciou o ciclo econômico do café, nos séculos XIX e XX. Nesse 
ciclo, São Paulo ganha destaque. No estado, o café desenvolveu-se magnificamente, 
sobretudo no Vale do Paraíba Paulista, adaptando-se bem à terra roxa. Nesse 
 
 
período, o cultivo do café utilizou mão de obra assalariada (não mais servil e pouco 
comprometido), apresentado no início principalmente de imigrantes custeados pelos 
fazendeiros paulistas (Théry; Mello-Théry, 2005). 
Outro ciclo econômico e produtivo que contribuiu para modelar o território 
brasileiro foi o da borracha, no início do século XX, na região da Amazônia. Além 
disso, destaca-se a pecuária, que contribuiu mais do que o ouro para dilatar o espaço 
brasileiro. A produção pecuária se estendeu até depois do período do ouro, criando 
estradas e pontos de apoio resultados. 
Destaca-se ainda a atuação dos bandeirantes (bandeirantismo) e das missões 
jesuítas (aldeamentos) e a expansão da agropecuária no processo de interiorização 
do País. No entanto, esses processos implicaram impactos sociais e ameaças aos 
povos originários indígenas, bem como aos povos e comunidades afrodescendentes. 
Devido aos modelos econômicos e de trabalho vigentes, esses povos foram 
capturados, escravizados e, em alguns casos, mortos e extintos. 
Portanto, a distribuição de terras por capitanias hereditárias e sesmarias, bem 
como os ciclos econômicos, teve um impacto profundo na formação territorial do país. 
Entre as consequências desses processos, destacam-se a economia e a política 
latifundiária (em que prevalecem as grandes propriedades rurais), a concentração 
fundiária e a desigualdade social rural (Théry; Mello-Théry, 2005). 
Nos períodos colonial e monárquico, a organização do território brasileiro foi 
predominantemente influenciada pela exploração dos recursos naturais. De acordo 
com Moreira (2011), inicialmente, os colonos portugueses organizaram o território com 
base em características socionaturais conhecidas como 'faixas geobotânicas'. As 
faixas eram delimitações territoriais que refletiam a diversidade ambiental do Brasil e 
influenciavam diretamente as atividades econômicas da época. Cada faixa 
apresentava particularidades em termos de vegetação, solo e clima, determinando os 
tipos de cultivos e como a terra seria utilizada para atender às demandas da colônia. 
De acordo com Moreira (2011), inicialmente, os colonos portugueses organizaram o 
território com base em características socionaturais conhecidas como “faixas 
geobotânicas”. A seguir, descrevemos essas faixas: 
• Faixa Costeira (litoral): Esta região era caracterizada por uma vegetação de 
mata tropical. 
• Faixa Interiorana: Nessa área, uma vegetação predominante era uma mata 
 
 
campestre. 
• Faixa Setentrional (Região Norte): Na Região Norte do Brasil, localizada em 
vegetação de mata equatorial. 
Na Figura 2 abaixo, é possível visualizar os domínios geobotânicos brasileiros 
e sua representação cartográfica. 
Figura 2 – Domínios geobotânicos do Brasil. 
 
Fonte: Adaptado de Becker e Egler (2006 apud MOREIRA, 2011, p. 9). 
Nos domínios geobotânicos, foram condicionantes as formas de produção 
relacionadas ao setor primário da economia, incluindo agricultura, pecuária e 
extrativismo. Os colonizadores portugueses tinham como objetivo implementar a 
práticas de agricultura do tipo monocultura baseada no sistema de plantation, com o 
propósito de comercializar essa produção agrícola e direcioná-la para a metrópole 
portuguesa, mantendo assim a relação de colônia-metrópole. A cultura agrícola 
predominou em áreas de mata tropical litorânea, enquanto a pecuária foi desenvolvida 
em regiões de mata campestre no interior. O extrativismo, por sua vez, desenvolveu-
se principalmente nas áreas da mata equatorial ao norte do país (Moreira, 2011). 
A chegada dos colonos portugueses ao Brasil com seu estilo de vida voltado 
para a monocultura e a exportação de produtos agrícolas aconteceu através das três 
faixas geobotânicas. Essa abordagem, embora em grande parte semelhante à 
ocupação indígena anterior, resultou em uma nova forma de relação com o ambiente, 
 
 
influenciando a integração da natureza e introduzindo diferentes arranjos 
socioambientais (MOREIRA, 2011). 
Veja abaixo uma descrição das principais características físicas e naturais das 
três faixas geobotânicas, conforme apresentado no Quadro 1. Essas características 
desempenharam um papel fundamental na definição das atividades econômicas 
predominantes em cada região do Brasil colonial, influenciando assim como o território 
foi inicialmente ocupado e utilizado peloscolonos. 
 
Quadro 1 – Principais características físicas e naturais das faixas geobotânicas 
 
Fonte: Adaptado de Moreira (2011). 
Segundo Gomes (1988), o arranjo e organização espacial foram moldados pela 
interação entre o modo de vida e a pertença étnica de grupos indígenas, como os 
tupis (que se dedicavam à agricultura e à lavoura de mandioca), os gês (que se 
envolviam na coleta e caça), além dos caribes e aruaques. Nas áreas da mata 
 
 
atlântica, eram habitadas pelas tribos tupis, enquanto as regiões de vegetação 
campestre abrigavam as tribos gês. Por outro lado, nas zonas de mata equatorial, 
encontravam-se as demais tribos indígenas, como caribes e aruaques. 
Posteriormente, uma nova abordagem na organização do território emergiu, 
considerando não apenas a distribuição espacial das tribos indígenas e as faixas 
geobotânicas, mas também aspectos climáticos, como tipos de clima, massas de ar, 
temperatura e regime de chuvas, bem como o relevo e as bacias hidrográficas. Os 
novos ocupantes passaram a considerar esses elementos (GOMES, 1988). 
Para definir os domínios morfoclimáticos do Brasil, Ab'Sáber (2003) 
desenvolveu uma abordagem holística, considerando cuidadosamente os elementos 
naturais fundamentais, como relevo, clima, vegetação e hidrografia. Além disso, ele 
se dedicou a compreender as complexas interações e relações entre esses 
componentes nas paisagens, fornecidas assim uma visão abrangente e integrada das 
características geográficas do país. 
O "domínio morfoclimático e fitogeográfico" representa uma extensa área 
territorial, abrangendo centenas de milhares de quilômetros quadrados, onde se 
observa um padrão consistente de características de relevo, tipos de solos, padrões 
de vegetação e condições climáticas e hidrológicas. Esses domínios territoriais 
apresentam características paisagísticas consistentes em termos de dimensão e 
distribuição, resultando na formação de um complexo relativamente uniforme e 
abrangente em relação às condições fisiográficas e biogeográficas (AB'SÁBER, 2003, 
p. 11–12). 
Na Figura 3, é possível observar os domínios morfoclimáticos do Brasil, 
conforme definidos por Ab'Sáber (2003). Esses domínios incluem o amazônico, 
cerrado, mares de morros, caatinga, araucária e pradarias. Além disso, na figura, são 
identificadas faixas de transição que não apresentam diferenciações distintas em suas 
características. 
 
 
Figura 3 – Domínios morfoclimáticos do Brasil. 
 
Fonte: Ab’Sáber (2003 apud RICO, 2017, documento on-line). 
Moreira (2011) observa que a organização espacial tanto dos indígenas quanto 
dos colonos no território brasileiro mantém uma correspondência significativa com os 
domínios morfoclimáticos. O autor destaca que a faixa de mata atlântica, habitada 
pelos tupis e utilizada para a prática da lavoura agrícola durante o período colonial no 
Brasil, corresponde ao domínio de mares de morros. Por outro lado, a faixa de mata 
campestre, ocupada pelos povos tapuias e utilizada para a prática pastoril, se alinha 
com os domínios da caatinga, cerrado, araucárias e pradarias. Por fim, a mata 
equatorial, que abrigava várias tribos indígenas e era caracterizada pela atividade 
extrativista, corresponde ao domínio amazônico (Moreira, 2011). 
A formação territorial do Brasil resultou da interação entre características 
naturais e atividades humanas. Desde a colonização, as práticas de ocupação e uso 
da terra foram moldadas pelas condições ambientais, como vegetação, clima e relevo, 
onde, diferentes regiões do país abrigaram modos de vida e atividades econômicas 
específicas, influenciadas pelas características socionaturais, e ciclos econômicos, 
como o do açúcar, ouro, café e borracha, também tiveram impacto na ocupação do 
território. A compreensão dessa relação é essencial para entender a diversidade 
geográfica e cultural do Brasil. 
A lei do arranjo espacial engloba a consideração de fatores como a localização 
e a fertilidade do solo, resultando na combinação ideal conhecida como “renda 
diferencial”. Em algumas áreas, busca-se compensar a qualidade inferior do solo com 
uma localização geográfica estratégica, como regiões litorâneas que desempenham 
um papel crucial no escoamento da produção (Moreira, 2011). 
A renda diferencial, conforme Oliveira (2007), é aquela que não depende da 
 
 
aplicação de capital, mas sim da natureza do solo e de sua fertilidade intrínseca, o 
que se traduz em maior produtividade. Nesse contexto, a fertilidade natural dos solos, 
a localização das terras (devido à valorização imposta pelo mercado naquela região) 
e os custos de transporte (associados às despesas de frete) são fatores territoriais de 
significativa importância (Oliveira, 2007). 
A ocupação do território durante o período colonial brasileiro iniciou-se nas 
capitanias da Região Nordeste, especificamente em São Vicente, Bahia e 
Pernambuco. Essa ocupação envolveu a instalação de canaviais, onde a cana-de-
açúcar era cultivada, bem como engenhos de cana-de-açúcar. Essas atividades eram 
desenvolvidas em áreas de várzeas de rio, caracterizadas pela fertilidade do solo para 
a prática agrícola, e em regiões próximas a zonas portuárias, facilitando o escoamento 
da produção e a exploração das riquezas do território (Moreira, 2011). 
A migração da Região Nordeste para a Região Sudeste do Brasil não apenas 
influenciou a expansão da produção de café, mas também destacou a importância da 
relação entre a localização geográfica e a fertilidade dos solos na formação de polos 
de produção agrícola. Essa migração impulsionou o desenvolvimento de áreas com 
solos propícios para o cultivo do café, contribuindo significativamente para as 
consolidações do Sudeste como o principal produtor dessa cultura no país. 
Portanto, o processo de formação, ocupação e uso do território brasileiro foi 
moldado por ciclos produtivos e econômicos. Durante esse processo, a localização 
das atividades produtivas foi determinada pelos interesses dos colonizadores na 
exploração de recursos naturais e na utilização de grupos sociais, como indígenas e 
africanos. Além disso, essa localização foi influenciada por regulamentações 
espaciais que consideraram fatores como a qualidade e fertilidade do solo, o 
transporte de produtos e a proximidade de centros consumidores. Tudo isso ocorreu 
sob a lógica do valor e da reprodução social, resultando em impactos significativos e 
duradouros na sociedade e nos territórios (Moreira, 2011). 
 
3 INTERCULTURALIDADE NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE BRASILEIRA: 
POVOS INDÍGENAS, AFRICANOS E EUROPEUS 
O Brasil é um país notável por sua diversidade, que se manifesta não apenas 
em suas características naturais, mas também na pluralidade de povos que compõem 
sua população e na heterogeneidade dos aspectos históricos e culturais que moldam 
a sociedade brasileira. Em termos simples, a formação do povo brasileiro é resultado 
da interação entre povos indígenas, africanos e imigrantes europeus (TRENNEPOHL, 
2014). Para entender esse processo de formação, começaremos por uma visão 
retrospectiva, oferecendo uma breve descrição das diversas etnias que se 
desenvolveram para a construção da identidade brasileira. É importante destacar que 
esse percurso histórico não foi isento de conflitos, já que diferentes grupos sociais 
interagiram de diversas maneiras. 
Ao longo de milênios, a costa atlântica foi habitada por inúmeras comunidades 
indígenas que competiram pelos melhores locais para se estabelecerem. Nos últimos 
séculos, grupos indígenas de língua tupi, conhecidos por sua habilidade guerreira, 
estabeleceram-se ao longo de toda a costa atlântica, seguindo o curso do Rio 
Amazonas e subindo os principais rios, como o Paraguai, Guaporé e Tapajós, até suas 
fontes. Essa contribuição contribuiu para a configuração do que se tornaria o Brasil 
(RIBEIRO, 1995). 
O legado indígena não se limita apenas à geografia, pois também influencioua 
cultura e o modo de vida dos colonizadores portugueses. Os indígenas inspiraram-se 
na construção das primeiras casas portuguesas, introduziram o uso da rede para 
dormir, o hábito do banho de rio, a incorporação da mandioca na alimentação, a 
preparação de cestos de fibras vegetais e um vasto vocabulário nativo, principalmente 
do tupi, relacionado às coisas da terra, como nomes de lugares, plantas e animais 
(FRANTZ; TRENNEPOHL, 2014). 
No entanto, a contribuição dos povos indígenas vai além. Logo após a chegada 
dos portugueses, e dos indígenas serem pacificados e subjugados, compartilharam 
conhecimentos essenciais para a sobrevivência na selva, ensinando como lidar com 
os desafios das matas e orientando os colonizadores em suas expedições (SURUÍ, 
2017). Ao longo da história da colonização do Brasil, os povos indígenas 
 
 
desempenharam papéis diversos, às vezes aliados na defesa contra invasores 
estrangeiros, outras vezes como mão de obra nas expansões agrícolas e extrativistas 
(SURUÍ, 2017). 
Os povos indígenas, devido à sua profunda conexão com a floresta, exploraram 
uma ampla variedade de alimentos, incluindo a mandioca e seus derivados, como 
farinha, pirão, tapioca, beiju e mingau, além de cultivos como milho, batata-doce, cará, 
feijão, tomate, amendoim, tabaco, abóbora, abacaxi, mamão, erva-mate e guaraná 
(PROGRAMA DE DOCUMENTAÇÃO DE LÍNGUAS E CULTURAS INDÍGENAS, 
2012). Esses conhecimentos sobre as espécies nativas foram acumulados ao longo 
de milênios de convivência com a floresta. 
Além disso, os povos indígenas também desenvolveram significativamente o 
conhecimento das propriedades medicinais de plantas e ervas da região. Muitas 
dessas plantas, como a alfavaca (com propriedades antigripais, diuréticas e 
hipotensoras) e o boldo (com propriedades digestivas, antitóxicas e úteis contra a 
prisão de ventre e febres intermitentes), ainda são utilizadas por muitas pessoas no 
dia a dia (PROGRAMA DE DOCUMENTAÇÃO DE LÍNGUAS E CULTURAS 
INDÍGENAS, 2012). 
Os portugueses, oriundos da Península Ibérica na Europa, já tiveram contato 
com uma série de culturas, incluindo fenícios, gregos, romanos, judeus, árabes, 
visigodos, mouros, celtas e africanos. Deles, provem o idioma português, que se 
tornou o principal veículo da cultura brasileira, assim como a religião católica, que, 
posteriormente, se sincretizou com entidades das religiões africanas (FRANTZ; 
TRENNEPOHL, 2014). 
Em termos culturais, a influência lusitana na formação cultural brasileira é 
evidente. O calendário festivo brasileiro incorporou duas das festas mais 
emblemáticas, o carnaval e as festas juninas, trazidas pelos portugueses. 
Originalmente conhecidas como festas “joaninas” em homenagem a São João, essas 
celebrações dos santos populares, como são chamadas em Portugal, evoluíram para 
as festas juninas, integrando-se aos costumes locais brasileiros. Além disso, diversas 
festas populares, como a Festa do Divino, a Farra do Boi e a Folia de Reis, também 
têm raízes portuguesas (MUNDO LUSÍADA, 2016). 
O folclore brasileiro também foi influenciado pelo folclore português, 
incorporando uma série de criaturas e seres mágicos do imaginário lusitano, como o 
 
 
bicho-papão, a cuca e o lobisomem. Além disso, várias danças brasileiras, como o 
maracatu, o fandango e a caninha-verde, foram implementadas no país pelos 
portugueses ao longo dos séculos. O maracatu, por exemplo, chegou ao Brasil por 
volta de 1700, especialmente no Nordeste, enquanto o fandango, uma dança de pares 
de origem barroca, entrou no país algumas décadas depois, permanecendo popular 
no Sul. A dança de pares conhecida como caninha-verde é ainda mais antiga, tendo 
sido introduzida durante o Ciclo da Cana-de-Açúcar em diversas regiões canavieiras 
do Brasil, sendo atualmente típica do Ceará (MUNDO LUSÍADA, 2016). 
Uma influência significativa da cultura portuguesa na sociedade brasileira inclui 
as cantigas de roda, que eram comuns em Portugal na época do descobrimento. 
Músicas tradicionais como “Escravos de Jó”, “Sapo Cururu”, “Roda Pião”, “Atirei o Pau 
no Gato” e “Ciranda-Cirandinha” têm origem lusitana. Além disso, muitos dos pratos 
considerados típicos da culinária brasileira são adaptações da culinária portuguesa às 
condições do Brasil Colônia. Exemplos incluem a feijoada, o quindim, o caldo verde, 
a cachaça e a bacalhoada. Frutas, legumes, verduras e condimentos de Portugal 
também foram introduzidos nas comidas brasileiras, como jaca, fruta-do-conde, coco, 
manga, couve, pepino, alface, cebola e alho, entre outros (MUNDO LUSÍADA, 2016). 
A influência africana na formação da sociedade brasileira começou com o 
tráfico de escravos, que trouxe milhões de africanos para o Brasil como mão de obra 
escrava (FERREIRA, 2013). Embora tenham sido separados e submetidos a 
condições extremamente difíceis, os africanos assumiram a principal força de trabalho 
do Brasil, desempenhando um papel crucial no desenvolvimento econômico dos 
primeiros séculos (FRANTZ; TRENNEPOHL, 2014). 
Os escravos africanos eram fundamentais para a economia colonial, sendo 
descritos como “[...] as mãos e os pés dos senhores de engenho porque sem eles no 
Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente 
[...]” (ANTONIL, 1982, p. 89 apud FERREIRA, 2013). Em outras palavras, a escravidão 
era vista como essencial para o projeto de desenvolvimento dos portugueses no 
Brasil. 
No entanto, a contribuição africana não se limita ao aspecto econômico. Os 
africanos desejaram preservar suas culturas de origem e criar novas práticas culturais 
através da interação com outras culturas. Além de manterem tradições culturais 
distintas, os africanos também incorporaram elementos das culturas europeias e 
 
 
indígenas, influenciando-as culturalmente. Esse intercâmbio cultural entre diferentes 
grupos étnicos contribuiu para a formação de uma cultura afro-brasileira única e rica 
em diversidade (FERREIRA, 2013). 
Vale destacar que os africanos não formaram um grupo homogêneo, pois suas 
origens eram diversas. No entanto, dois grupos em particular se destacaram no Brasil: 
os bantos e os sudaneses. Os bantos foram assim chamados devido à sua relativa 
unidade linguística, incluindo africanos de Angola, Congo e Moçambique. No Brasil, 
bantos e sudaneses se misturaram, resultando em uma troca biológica, cultural e 
religiosa significativa (FERREIRA, 2013). 
Misturavam-se informações, assim como etnias, tradições e práticas 
culturais. Novas cores eram forjadas pela sociedade colonial e por ela 
apropriadas para designar grupos diferentes de pessoas, para indicar 
hierarquização das relações sociais, para impor a diferença dentro de um 
mundo cada vez mais mestiço. Da cor da pele à dos panos que a escondia 
ou a valorizava até a pluralidade multicor das ruas coloniais, reflexo de 
conhecimentos migrantes, aplicados à matéria vegetal, mineral, animal e 
cultural (PAIVA, 2001, p. 36). 
Assim, fica evidente que as interações culturais entre os povos africanos 
desempenharam um papel fundamental na construção da identidade cultural 
brasileira, resultando em uma cultura afro-brasileira distinta (FERREIRA, 2013). Eles 
não hesitaram em criar novos códigos de comportamento e reinventar práticas de 
sociabilidade e cultura (PAIVA, 2001). Esse processo de cruzamentos culturais foi o 
resultado de um longo período de intercâmbio que enriqueceu de forma única a cultura 
brasileira. 
Em última análise, é importante considerar que as três matrizes étnicas 
abordadas aqui desempenharam papéis cruciais na formação histórica e cultural do 
Brasil. Cada uma delas contribuiu de maneira significativa para a diversidade cultural 
do nosso país, como distribuída, não de maneira uniforme ou importadora, mas sim 
em um contexto de grande heterogeneidade e contradições. Essa é apenas uma 
pequena parte da complexa origem do Brasil que conhecemos e ao qual pertencemos.Quando abordamos a religião e a religiosidade na América portuguesa, é 
crucial compreender o significado profundo dessas práticas para as pessoas daquela 
época. Para elas, suas opiniões, fé e religiosidade permeavam todos os aspectos da 
vida cotidiana, moldando sua maneira de agir e pensar, influenciando as dinâmicas 
familiares, assim como sua participação na sociedade e na política (PRIORE, 1994, 
 
 
p. 5). Em outras palavras, não existia uma divisão nítida entre essas esferas, conforme 
comum hoje em dia, e a religião não se limitava a uma mera tradição ritualística, mas 
era vivenciada de forma profunda e intrínseca em todas as dimensões da existência. 
Da mesma forma, é importante compreendermos que a religião, como uma dimensão 
cultural, não é estanque e está sujeita a apropriações e usos diversos, conforme as 
necessidades conjunturais, sendo o sincretismo algo bastante comum: 
No campo da religião, é importante perceber que os seres humanos não se 
limitam a reproduzir aquilo que aprenderam: são agentes ativos na 
construção de uma realidade simbólica, da qual participam de acordo com 
sua experiência social. O rico, o remediado ou o pobre, o negro, o mulato ou 
o branco apropriam-se das práticas religiosas, usando-as segundo suas 
necessidades espirituais e materiais. Assim, a religião se configura num 
conjunto de formas de conhecimento e de crença que religa as experiências 
concretas das pessoas ao significado que elas lhes atribuem, ao sentido que 
dão à vida e à morte (PRIORE, 1994, p. 5). 
No contexto das práticas religiosas africanas, é importante considerar que o 
estudo dessas tradições durante o período colonial apresenta desafios importantes, 
uma vez que a maioria das fontes disponíveis é de natureza policial e se refere 
principalmente à repressão dessas práticas, que eram consideradas heréticas e 
ilegais naquela época. Via documentos, se tem conhecimento da existência de 
cerimônias religiosas como o acotundá, o candomblé e o calundu (PRIORE, 1994). 
Os africanos escravizados compartilhavam rituais tradicionais tanto em suas 
terras de origem na África como durante as viagens transatlânticas. Eles continuaram 
a praticar suas crenças religiosas mesmo nos locais de trabalho no Brasil colonial. 
Nesse contexto, essas práticas religiosas desempenharam um papel importante na 
tentativa de recriar uma identidade social que havia sido perdida devido ao exílio. No 
entanto, essas manifestações mágicas-religiosas eram frequentemente malvistas 
pelas autoridades civis e, especialmente, pela Igreja Católica (CALAINHO, 2013, p. 
118). 
O acotundá, também conhecido como “dança de tunda”, foi uma dessas 
práticas religiosas que se desenvolveram em Minas Gerais durante o século XVIII. 
A descrição do culto nos demonstra como havia um sincretismo entre aspectos 
da religiosidade africana e o catolicismo: 
[...] aos sábados, grande número de “negros forros e cativos para ali acorriam 
para fazer um folguedo, dançando ao som de um tambor ou tabaque”, como 
diz um documento de 1747. Uma mulher entrava na dança, cantando com 
palavras extraídas de textos católicos, mas também utilizando o dialeto courá, 
 
 
da Costa da Mina (atualmente parte de Gana) (PRIORE, 1994, p. 30). 
Alguns autores consideram que o acotundá assemelha-se ao candomblé e ao 
xangô praticados no Nordeste. 
O altar de um legítimo candomblé baiano, o peji, fica comumente instalado 
no interior da casa, e o santo é representado por pedras, búzios e fragmentos 
de pedra, conforme a invocação, e encerrado em uma urna de barro. [...] 
Muitos elementos do ritual são praticamente idênticos no século XVIII e na 
atualidade: o emprego de galos e galinhas, moringas, recipiente com terra 
fétida; a predominância feminina, o destaque de uma das dançantes 
identificada como líder cerimonial; o sacrifício de animais, a possessão e o 
transe ao som de atabaques (PRIORE, 1994, p. 31). 
A historiadora Mary del Priore (1994) destaca que em diversos desses rituais, 
como o culto a Nossa Senhora do Rosário e Santo Antônio, a evocação dessas figuras 
religiosas servia como uma forma de cultuar as manifestações da religiosidade 
africana, mesmo que sob diferentes denominações e identidades. Essa sincretização 
religiosa era uma característica marcante da religiosidade afro-brasileira na época 
colonial. 
Por outro lado, o calundu era um ritual que parecia não ter se fundido com 
outras práticas religiosas na América portuguesa. Originado da religião dos vodus, 
que tinha suas raízes no povo jeje do Reino de Daomé (atual Benin), o calundu se 
destacou como um elemento religioso distinto e não sincretizado, mantendo suas 
características e tradições culturais de forma independente na colônia. 
Conduzido por um vodunô, um líder espiritual, e com a ajuda de vodúnsis, 
membros do culto, o ritual consistia em danças e cantos na língua jeje, ao 
som de ferrinhos (agogôs e gans) e atabaques. O centro do cerimonial 
abrigava elementos ainda hoje utilizados no candomblé baiano: ervas, búzios, 
dinheiro, aguardente. Folhas de diversas plantas serviam na preparação de 
ebós (alimentos oferecidos às divindades), em ritos de iniciação e limpeza do 
corpo, na medicina africana e no assentamento de altares de entidades. [...] 
Os calundus tinham a função de dar a seus participantes um sentido para a 
vida e um sentimento de segurança e proteção contra um mundo incerto e 
hostil (PRIORE, 1994, p. 31). 
No contexto dos povos indígenas, os pajés ou caraíbas eram homens que 
possuíam a habilidade de comunicar-se com os espíritos e interpretar suas 
mensagens. Os jesuítas os referem como “santidades”. Esses rituais, que envolviam 
diversas práticas, refletiam a crença em uma mitologia tupi, mas também 
demonstravam um sincretismo com a religião católica, uma vez que muitos indígenas 
foram educados em escolas e colégios jesuítas. A historiadora Mary del Priore (1994, 
 
 
p. 53) traz o relato de um episódio de “santidade” ocorrido na Bahia em 1586: 
O movimento foi iniciado não por um dos velhos pajés, mas por um certo 
Antônio, educado pelos padres da Companhia de Jesus em suas aldeias de 
Tinharé, na Capitania de Ilhéus. Antônio se internou no sertão, munido do que 
aprendera no contato com os portugueses e com os padres. Não tardou a 
enxertar na santidade algumas cerimônias da liturgia católica. Em sua 
cerimônia, anunciava o advento próximo de uma idade de ouro em que 
reinariam a abundância e a preguiça, e os brancos passariam de senhores a 
escravos. [...] Em torno de Antônio se juntou rapidamente uma verdadeira 
multidão de índios pagãos e batizados, forros e cativos (PRIORE 1994, p. 
53). 
Quando tratamos das artes e da literatura na América portuguesa, é comum 
focarmos na produção artística e literária de europeus e seus descendentes. Isso 
ocorre porque as manifestações artísticas e literárias dos africanos e indígenas não 
eram totalmente integradas aos ambientes de prática e difusão cultural da época. No 
entanto, é importante destacar que, apesar de não terem sido encontrados registros 
escritos ou materiais facilmente acessíveis, podemos conhecer essas expressões 
culturais por meio da arqueologia e da transmissão oral intergeracional. 
Historicamente considerado, o problema da ocorrência de uma literatura no 
Brasil se apresenta ligado de modo indissolúvel ao do ajustamento de uma 
tradição literária já provada há séculos — a portuguesa — às novas condições 
de vida no trópico. Os homens que escrevem aqui durante todo o período 
colonial são ou formados em Portugal, ou formados à portuguesa, iniciando-
se no uso de instrumentos expressivos conforme os moldes da mãe-pátria. A 
sua atividade intelectual ou se destina a um público português, quando 
desinteressado, ou é ditada por necessidades práticas — administrativas, 
religiosas (AB’SABER, 2003, p. 106). 
De uma perspectiva ampla, podemos considerar as cartas e os relatos dos 
viajantes que acompanharam as navegaçõesexploratórias e as primeiras incursões 
no território americano como obras documentais, uma forma de “literatura informativa”. 
Nesse contexto, a primeira “obra” desse tipo teria sido a carta de Pero Vaz de Caminha 
ao rei D. Manuel, que se enquadrava no gênero de literatura de viagens comum no 
século XV em Espanha e em Portugal. Esses documentos refletem interesses 
mercantis e religiosos, oferecendo uma visão observada e descritiva dos 
acontecimentos. 
Os colégios jesuítas na colônia desempenharam um papel significativo na 
promoção das artes e da cultura, especialmente com o propósito de catequizar os 
indígenas e colonos. A conversão religiosa era promovida por meio de manifestações 
artísticas impregnadas de moral e pedagogia cristã. Um exemplo notável é a obra 
 
 
teatral e poesia do padre José de Anchieta (1533–1597), que incorporou valores 
católicos adaptados à realidade dos indígenas, incluindo o uso do tupi e elementos da 
cultura indígena para representar dualidades cristãs, como bem versus mal e virtude 
versus vício. Também devemos mencionar os sermões do padre Antônio Vieira 
(1608–1697) nesse contexto (AB'SABER, 2003). 
Além desses espaços religiosos, destaca-se a obra de Gregório de Matos 
Guerra (1633–1696), que compôs poesias abordando temas amorosos, religiosos e 
satíricos. Suas poesias satíricas renderam o apelido de “Boca do Inferno”, já que ele 
ousou adentrar no âmbito religioso com temas relacionados ao pecado, intemperança 
e sarcasmo, buscando inspiração e redenção na religião (AB'SABER, 2003, p. 107). 
No século XVIII, testemunhamos a fundação das primeiras academias artísticas 
e literárias registradas na América portuguesa. Essas academias surgiram em centros 
urbanos e atraíram diversos grupos sociais, incluindo religiosos, militares, 
desembargadores e altos funcionários. Exemplos notáveis incluem a Brasílica dos 
Esquecidos, fundada em 1724, e a Brasílica dos Renascidos, fundada em 1759, 
ambas na Bahia. No Rio de Janeiro, foi criada a Academia dos Felizes em 1736, 
seguida pela Academia dos Seletos em 1752. 
As academias e os atos acadêmicos significam que a colônia já dispunha, na 
primeira metade do século XVIII, de razoável consistência grupal. E embora 
se tenham restringido a imitar os sestros da Europa barroca, já puderam 
nutrir-se da história local, debruçando-se sobre os embates como os 
holandeses no Nordeste ou sobre as bandeiras e o ciclo mineiro no centro-
sul (BOSI, 2015, p. 54). 
Após a descoberta de metais e pedras preciosas na região de Minas Gerais, 
ocorreu o desenvolvimento de um movimento moderno e artístico conhecido como 
“barroco mineiro” e de um movimento literário chamado “arcadismo”. Vale ressaltar 
que na historiografia não há consenso absoluto quanto ao uso da denominação 
“barroco” para descrever esse movimento na colônia, já que alguns argumentam que 
não se trata de uma mera imitação do barroco europeu. 
No âmbito do barroco mineiro, o escultor mais renomado é Antônio Francisco 
Lisboa (1738–1814), também conhecido como Aleijadinho, responsável por esculpir 
diversas obras em Vila Rica, que hoje é conhecido como Ouro Preto, e seus arredores. 
Quanto ao arcadismo, esse movimento literário teve origem na região das 
Minas Gerais por volta de 1757. Caracterizou-se pela valorização de temáticas 
bucólicas e simplicidade, além da utilização de modelos literários e mitológicos greco-
 
 
romanos. Por esse motivo, o arcadismo também foi chamado de “neoclassicismo”, 
refletindo uma abordagem humanista em sua concepção. 
No que diz respeito às artes plásticas, é certo que a produção artística do 
período colonial estava fortemente ligada à Igreja Católica, abordando principalmente 
temas religiosos e sacros. Além disso, muitas obras de arte também retrataram a 
imagem do poder régio português, destacando a influência da coroa na produção de 
obras da época. A Igreja e o Estado português desempenharam um papel central na 
promoção e encomenda de obras de arte, o que resultou em uma abundância de 
pinturas, esculturas e arquitetura relacionadas a esses temas. De acordo com Cattani 
(1984, p. 116): 
[...] a produção artística foi dominada com exclusividade pelas diversas 
ordens religiosas que se instalaram no Brasil, para catequizar os indígenas e 
vigiar os colonos, estes muitas vezes fugidos da Inquisição. A produção 
artística concentrou-se nas Igrejas, centro da vida social. O dirigismo artístico 
manifestou-se, inicialmente, na imposição de uma arte de caráter religioso, 
respondendo evidentemente às necessidades do jogo político, pois, em 
última análise, era o rei de Portugal que comandava (CATTANI, 1984, p. 116). 
Nos séculos XVII e XVIII, as artes plásticas na América portuguesa 
apresentavam características do estilo barroco, tanto em Salvador, na Bahia, com a 
influência dos frades beneditinos, quanto em Minas Gerais (BRUNETO, 2001). O 
termo “barroco” tem sido objeto de extenso debate no campo da arte e da 
historiografia, sendo aceito por alguns e questionado por outros. No entanto, parece 
haver um consenso de que ele se refere às manifestações artísticas luso-brasileiras 
dos séculos XVII e XVIII, que reúnem características desse estilo. De acordo com 
Vainfas (2000, p. 68): Nos séculos XVII e XVIII, as artes plásticas na América 
portuguesa possuíam características do barroco, tanto em Salvador, na Bahia, como 
nos frades beneditinos, como em Minas (BRUNETO, 2001). “Barroco” é uma categoria 
com um longo debate artístico e historiográfico. De acordo com Vainfas (2000, p. 68): 
Nas artes plásticas, o barroco tem sido caracterizado por uma grande 
variedade de traços, em que se destacam a exuberância das formas, o gosto 
pelas oposições (como o uso do chiaro e oscuro na pintura), a visão do 
conjunto como uma composição de elementos distintos a que sempre podem 
ser justapostos [...] a prevalência da imagem sobre o desenho, a integração 
em profundidade dos planos da composição, e a manipulação de volumes 
que emprestam uma certa dimensão arquitetônica às obras. Na literatura, 
destaca-se o estilo ornamentado, o emprego das antíteses e das hipérboles, 
o jogo de palavras, que valorizava composições como os acrósticos. Na 
música, exprime-se por meio de novas formas, como a cantata (voz solista 
versus conjunto) e o concerto (concertino versus ripieno); da profusa 
 
 
ornamentação, que cabia ao executante acrescentar; e do apego a um certo 
virtuosismo vocal ou instrumental (VAINFAS, 2000, p. 68). 
 
Esse estilo barroco foi introduzido na América portuguesa pelos jesuítas, que 
já o praticavam em Portugal. Tornou-se a concepção estilística predominantemente 
na construção de capelas e igrejas nos arraiais mineiros durante o século XVIII. 
 
Favorecido pelo grande número de pequenos núcleos urbanos típicos da 
ocupação de Minas, esse movimento mobilizou quantidade extraordinária de 
recursos e de artesãos especializados, criando um ambiente cultural único, o 
chamado barroco mineiro, ao qual não faltaram manifestações musicais e 
literárias, além de pelo menos um artista de gênio, o mulato Antônio Francisco 
Lisboa, o Aleijadinho (VAINFAS, 2000, p. 69) 
Esse estilo barroco teria predominado até meados de 1760, quando começou a ceder 
espaço ao chamado estilo rococó. O rococó representou uma evolução na estética 
artística, caracterizada por uma maior leveza, detalhamento ornamental e influências 
francesas. 
Os povos indígenas, africanos e europeus desempenharam papéis cruciais na 
formação da identidade brasileira. Os indígenas influenciaram a cultura e o modo de 
vida dos colonizadores, os africanos enriqueceram a cultura brasileira com suas 
tradições, e os europeus trouxeram língua e religião. Essa diversidade é a base da 
identidade rica e complexa do Brasil, moldada pela convivência entre esses diferentes 
grupos étnicos e suas influências culturais. 
4 A EVOLUÇÃO DA DIVISÃO REGIONAL NO BRASIL 
A regionalização no contexto brasileiroestá intrinsecamente ligada ao 
desenvolvimento político do país e à formação do Estado Nacional. O conceito de 
regionalização se manifesta historicamente como um elemento administrativo, 
sobretudo na subdivisão das macrorregiões. Para compreender esse conceito, é 
necessário reconhecer que a região de desenvolvimento desempenha um papel 
central nesse processo, refletindo as múltiplas concepções que moldaram sua 
formação ao longo do tempo. A influência de fatores internos e externos na construção 
regional é enfatizada por Santos (1994), que destaca a importância de uma análise 
dialética nesse contexto. 
Albuquerque Júnior (2009) destaca a relevância de considerar o caráter 
 
 
histórico das fronteiras e territórios regionais, que estão em constante evolução, 
influenciadas por fatores econômicos, políticos, jurídicos e culturais. O espaço 
regional é concebido como resultado das interações entre diferentes atores que 
operam em diversas escalas espaciais. A espacialidade regional não é estática e está 
sujeita a mudanças ao longo do tempo, refletindo a dinâmica das relações sociais e 
econômicas. Esse entendimento aproxima a noção de região da ideia de lugar, onde 
as interações cotidianas entre os atores desempenham um papel fundamental na 
compreensão da dinâmica regional. 
A discussão em torno da regionalização no Brasil é complexa, repleta de 
desafios epistemológicos, como observado por Paviani (1992). A regionalização no 
país remonta ao século XIX e teve origens políticas, respondendo à política 
centralizadora imposta pelo governo imperial e à oposição aos movimentos 
separatistas da época. Esse contexto histórico e político moldou o discurso 
regionalista, que se estruturou como uma resposta à centralização do poder. 
Mesmo durante os primeiros anos da Primeira República, a regionalização 
permaneceu como um elemento-chave na busca pela estabilidade do modelo 
federativo emergente. Mediante organismos descentralizadores, o governo teve em 
vista utilizar a regionalização como um meio de consolidar a unidade nacional, 
aproveitando a oportunidade para construir caminhos que promovessem a unificação 
do país (JÚNIOR, 2009). 
No entanto, vale ressaltar que, inicialmente, os documentos oficiais da 
República brasileira não mencionavam explicitamente a escala regional, 
concentrando-se principalmente na divisão em Estados, Municípios e Distritos para 
fins administrativos. Esse enfoque inicial foi uma proposta de trabalho que se 
assemelhava a um modelo anterior, demonstrando a influência do período anterior à 
República na formulação da estrutura administrativa do país (BRASIL, 1913). 
A implementação do federalismo brasileiro foi influenciada pelo modelo dos 
Estados Unidos, resultando em uma “federalização imperfeita” (MORAIS; 
VANDRESEN, 2003), marcada pela dualidade entre a União e os Estados Federados 
sobre o mesmo território e população. As oligarquias regionais desempenharam um 
papel crucial nesse processo, financiando a consolidação do modelo republicano 
enquanto buscavam legitimar a autonomia regional por meio de discursos que 
 
 
enfatizavam as singularidades políticas, econômicas, culturais e ambientais de suas 
regiões. 
Ratzel (1987) observa que as resistências regionais à integração podem 
resultar na formação de verdadeiros “sub-estados” no Estado, destacando a 
importância da coesão política e da organização do espaço político na estruturação 
do Estado. A proposta federativa brasileira gradualmente superou os movimentos 
separatistas, promovendo a observância republicana das peculiaridades regionais e a 
consolidação das ideias de pátria e nação. 
O lema do Manifesto Republicano de 1870, “Centralização-Desmembramento. 
Descentralização-Unidade,” ilustra a complexidade das aspirações republicanas 
locais e a busca pela independência política de cada Estado da federação brasileira 
(BRASIL, 1890). Assim, a federação brasileira emergiu como uma resposta ao desejo 
das elites regionais de manter o autogoverno, agora sem a interferência do Imperador, 
e garantir a sobrevida da constituição nacionalista. 
Nesse contexto, a regionalização passou a desempenhar um papel central na 
promoção do discurso nacionalista brasileiro. A relação dialética entre regionalismo e 
nacionalismo se transformou, e a concepção regional passou a ser uma ferramenta 
para a promoção do nacionalismo brasileiro (Candido, 1985). 
Na esfera financeira, o Brasil no período em questão era caracterizado pela 
fragmentação econômica regional, que ficou conhecida como “arquipélago 
econômico”. Isso se devia à falta de condições técnicas para uma integração 
econômica efetiva, resultando em distintas ilhas econômicas no país, como as regiões 
açucareira, cafeeira e extrativista. A frágil integração dessas economias ao nível 
federal contribuiu para que as perspectivas regionalistas predominassem sobre a ideia 
de formar um mercado nacional coeso. 
A situação geopolítica do Brasil no início do século XX era caracterizada pela 
fragmentação das oligarquias regionais e pela ausência de uma representatividade 
política nacional efetiva. No entanto, essa situação começou a mudar com o 
rompimento das alianças entre dois dos maiores representantes das oligarquias, 
Minas Gerais e São Paulo, em 1930. Esse momento marcou o início de uma 
reorganização política que, embora tenha continuado a reconhecer a importância das 
centralidades regionais, adotou um perfil mais centralizador após o golpe estado-
novista de Getúlio Vargas em 1937. 
 
 
Inspirado pela política reservadora castilhista, o Estado Novo promoveu a 
construção de uma identidade nacional por meio de uma ampla propaganda 
nacionalista. Um exemplo disso foi a criação do Programa Nacional (atualmente 
conhecido como Voz do Brasil), que transmitia discursos nacionalistas por meio do 
rádio. No campo econômico, o governo implementou políticas de industrialização e 
integração econômica, visando desestruturar os arquipélagos econômicos e promover 
uma economia nacional mais coesa. Isso incluiu a transferência do direito de legislar 
sobre o comércio local das oligarquias regionais para o governo federal, a construção 
de infraestrutura nacional e a extinção de taxas no comércio inter-regional. 
A busca pela colonização da Amazônia, com foco na exploração da borracha, 
também fazia parte dos esforços para expandir a ocupação do território. Nesse 
contexto, o poder federal fortaleceu suas relações com o exército, reequipando e 
reestruturando as forças armadas. A ideia de centralização política e administrativa foi 
promovida como parte da identidade nacional durante o Estado Novo. 
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi criado em 1934 e 
instalado em 1936 como parte dos esforços para promover a unidade nacional. O 
IBGE tinha como objetivo coordenar e cooperar com as três esferas administrativas 
da República para melhor compreender o território brasileiro em constante evolução. 
O instituto desempenhou um papel fundamental na centralização técnica dos serviços 
estatísticos do país, afastando-se da estrutura oligárquica regional predominante no 
início do século XX e contribuindo para a construção da identidade nacional. 
Esses esforços refletiram a busca pela afirmação geopolítica do Brasil e a 
transição de uma economia regionalizada para uma economia nacional mais 
integrada, bem como a promoção da unidade nacional por meio de políticas 
centralizadoras e da construção de uma identidade nacional unificadora. 
Em primeiro lugar, é fundamental destacar que o surgimento do IBGE foi 
inserido em um contexto histórico marcado por um triplo movimento de centralização, 
burocratização e racionalização no âmbito do aparelho estatal. Esse período, 
identificado pelos analistas como um processo de formação do Estado capitalista-
industrial brasileiro, representou uma quebra das “autonomias estaduais” que 
sustentavam os polos

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